Apostila Farmaco I UNIRIO

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Farmacologia I – UNIRIO MÓDULO I CAPÍTULO 1 Introdução INTRODUÇÃO A farmacologia pode ser definida como o estudo das substâncias que interagem com sistemas vivos por meio de processos químicos, particularmente mediante sua ligação a moléculas reguladoras e ativação ou inibição dos processos orgânicos normais. Essas substâncias podem ser compostos químicos administrados com a finalidade de obter um efeito terapêutico benéfico sobre algum processo no paciente, ou pelos seus efeitos tóxicos sobre processos reguladores em parasitas que infectam o paciente. Essas aplicações terapêuticas deliberadas podem ser consideradas como o papel fundamental da farmacologia médica, que é freqüentemente definida como a ciência das substâncias utilizadas na profilaxia, diagnóstico e tratamento das doenças. INTERAÇÕES ENTRE DROGAS E CORPO As interações entre uma droga e o corpo são convenientemente divididas em duas classes. As ações da droga sobre o organismo são conhecidas como processos farmacodinâmicos, cujos princípios são apresentados no Cap. 2. Essas propriedades determinam o grupo em que a droga é classificada e, com freqüência, desempenham o principal papel na decisão de qual dos grupos constitui a forma apropriada de terapia para determinado sintoma ou doença. As ações do corpo sobre a droga são denominadas processos farmacocinéticos, que são descritos nos Caps. 3 a 7. os processos farmacocinéticos controlam a absorção, distribuição e eliminação de drogas e são de grande importância prática na escolha e administração de uma droga específica a determinado paciente, como, por exemplo, um paciente com comprometimento da função renal. Quadro 1.1 Farmacodinâmica Receptores Interações droga- receptor Curva dose- resposta agonistas antagonis tas eficác ia potênc ia 1

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Farmacologia I – UNIRIO

MÓDULO I

CAPÍTULO 1

Introdução

INTRODUÇÃO

A farmacologia pode ser definida como o estudo das substâncias que interagem com sistemas vivos por meio de processos químicos, particularmente mediante sua ligação a moléculas reguladoras e ativação ou inibição dos processos orgânicos normais. Essas substâncias podem ser compostos químicos administrados com a finalidade de obter um efeito terapêutico benéfico sobre algum processo no paciente, ou pelos seus efeitos tóxicos sobre processos reguladores em parasitas que infectam o paciente. Essas aplicações terapêuticas deliberadas podem ser consideradas como o papel fundamental da farmacologia médica, que é freqüentemente definida como a ciência das substâncias utilizadas na profilaxia, diagnóstico e tratamento das doenças.

INTERAÇÕES ENTRE DROGAS E CORPO

As interações entre uma droga e o corpo são convenientemente divididas em duas classes. As ações da droga sobre o organismo são conhecidas como processos farmacodinâmicos, cujos princípios são apresentados no Cap. 2. Essas propriedades determinam o grupo em que a droga é classificada e, com freqüência, desempenham o principal papel na decisão de qual dos grupos constitui a forma apropriada de terapia para determinado sintoma ou doença. As ações do corpo sobre a droga são denominadas processos farmacocinéticos, que são descritos nos Caps. 3 a 7. os processos farmacocinéticos controlam a absorção, distribuição e eliminação de drogas e são de grande importância prática na escolha e administração de uma droga específica a determinado paciente, como, por exemplo, um paciente com comprometimento da função renal.

Quadro 1.1 Farmacodinâmica

Quadro 1.2 Farmacocinética

*A permeação consiste na passagem da droga através das membranas biológicas. Ocorre segundo: (1) difusão aquosa; (2) difusão lipídica; (3) transportadores especiais e (4) endocitose e exocitose.

Referências Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9ª ed.,

The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).

Receptores

Interações droga-receptor

Curva dose-resposta

agonistasantagonistas

eficáciapotência

Absorção

Distribuição

Biotransformação

Excreção

Fase IFase II

vias de administraçãopermeação*

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CAPÍTULO 2

Farmacodinâmica

INTRODUÇÃO

A farmacodinâmica pode ser definida como o estudo dos efeitos bioquímicos e fisiológicos das drogas e de seus mecanismos de ação. Como mencionado, são, grosso modo, as ações da droga sobre o organismo. Neste capítulo, trataremos dos receptores, das interações das drogas com os receptores e da interpretação dessa interação por meio das curvas dose-resposta.

RECEPTORES

Um conceito fundamental em farmacologia é que, para se iniciar um efeito em qualquer célula, a maioria dos fármacos combina-se com alguma estrutura molecular na superfície ou no interior da célula. Esta estrutura molecular é denominada receptor. A combinação do fármaco com o receptor resulta em modificações moleculares no receptor que desencadeiam uma série de eventos que levam a uma resposta. Isso também é válido para substâncias endógenas como hormônios e neurotransmissores. Assume-se que todos os receptores aos quais as drogas se combinam existam para atuar como receptores para substâncias endógenas. É por isso que a descoberta de um receptor para determinado fármaco leva à busca da substância endógena que utiliza estes receptores.

Em 1973, descobriu-se que drogas opióides como a morfina atuavam sobre um receptor específico. Essa descoberta levou à busca da substância endógena, cuja função fisiológica dependesse da interação com tais receptores. Em 1975, identificaram-se peptídeos endógenos com atividade semelhante à da morfina. Hoje, sabe-se de uma família de peptídeos que são denominados encefalinas ou endorfinas. A morfina, simplesmente, simula a ação dessas substâncias.

FISIOLOGIA DA PLACA TERMINAL

Receptores são macromoléculas (proteínas, em sua maioria) presentes nos tecidos e que se combinam quimicamente com os fármacos de maneira relativamente específica. Isto é, fármacos interagem apenas com alguns receptores e vice-versa. A placa terminal de uma fibra muscular esquelética, por exemplo, contém uma grande quantidade de receptores com afinidade para o neurotransmissor acetilcolina.

Cada um desses receptores, que são chamados nicotínicos, é parte de um canal na membrana pós-sináptica que controla o movimento intracelular de íons Na+. Em repouso, esta membrana pós-sináptica é relativamente impermeável ao Na+. Contudo, quando o nervo é estimulado, ele libera, na placa terminal, acetilcolina que combina-se com os receptores nicotínicos e modifica-os de tal forma que os canais se abrem e o Na+ flui para o interior da célula muscular. Quanto mais acetilcolina existir na região da placa terminal, mais receptores serão ativados e mais canais se abrirão. Quando o número de canais abertos atinge um nível crítico e o Na+ entra com rapidez suficiente para perturbar o equilíbrio iônico da membrana, ocorre uma despolarização localizada. Essa despolarização localizada dispara a ativação de grande número de canais de Na+ dependentes de voltagem e gera a despolarização conduzida, conhecida como potencial de ação. O potencial de ação provoca a liberação – para o citosol – de Ca+2 a partir de seus locais de ligação intracelular (particularmente, retículos endoplasmáticos e mitocôndrias). Este Ca+2 interage com proteínas contráteis, gerando um encurtamento da célula muscular.

Figura 2.1 Receptor Nicotínico

O receptor nicotínico, por exemplo, é composto de 5 subunidades (duas α, uma β, uma γ e uma δ) que circundam uma depressão central, que corresponde ao canal transmembranoso de Na+. Quando a acetilcolina se liga ao receptor (na subunidades α), o canal central é aberto, permitindo a passagem de Na+.

Outros receptores – que não são canais iônicos – desencadeiam uma cascata de eventos graças à ação de segundos mensageiros. Os fatores chave em muitos desses sistemas de segundos mensageiros são as proteínas G (há

Sítio de ligação da acetilcolina (subunidade α)

α

γ β

αδ

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vários tipos). Essas proteínas hidrolizam o trifosfato de guanosina (GTP) a difosfato de guanosina (GDP). As proteínas G transmitem a ativação de vários receptores a uma etapa seguinte em uma série de reações. Em muitos casos, a etapa seguinte envolve a enzima adenilciclase. Vários hormônios, fármacos etc. estimulam ou inibem a adenilciclase em vários tipos de receptores através das proteínas G diversas (inibitória ou estimulatória). A adenilciclase catalisa a transformação de ATP em AMPc.

O AMPc ativa enzimas chamadas quinases que irão fosforilar diversas proteínas, resultando na resposta celular como abertura de canais Ca+2 e ativação de outras enzimas. As proteínas G podem, também, ativar outras enzimas ou agir diretamente em canais iônicos. Os receptores para adrenalina e noradrenalina são acoplados à proteína G.

LIGAÇÕES QUÍMICAS

Os fármacos combinam-se com os receptores de várias formas e diversos tipos de ligações químicas participam na formação inicial do complexo fármaco-receptor. Entre elas, ligações covalentes, iônicas, de pontes de hidrogênio e van der Waals.

A ligação covalente é forte e estável. É responsável pela estabilidade na maioria das moléculas orgânicas. É irreversível à temperatura corporal e só pode ser desfeita com muita energia ou na presença de um agente catalítico, como uma enzima. Estão presentes em ligações de certos fármacos anticancerígenos e quelantes.

A ligação iônica resulta da atração eletrostática que ocorre entre íons de cargas opostas. A força dessa ligação é bem menor que a da ligação covalente. A maioria dos receptores macromoleculares apresenta vários grupamentos que se ionizam e interagem com fármacos ionizados.

A ligação de pontes de hidrogênio é muito positiva, podendo se ligar a um átomo fortemente negativo e, ainda assim, aceitar mais um elétron de outro átomo doador eletronegativo como o nitrogênio ou oxigênio. Forma-se, assim, uma ponte com esses átomos doadores. São forças fracas mas, se muitas, podem estabelecer uma reação estável – embora reversível – entre o fármaco e o receptor. Parece desempenhar um papel importante na definição da seletividade e especificidade das ligações fármaco-receptor.

As forças de van der Waals são muito fracas, mas parecem ser importantes na determinação da especificidade fármaco-receptor.

Inicialmente, o fármaco forma ligações iônicas com o receptor que conferem certa estabilidade ao complexo. Essa ligação é reforçada por ligações do tipo van der Waals e pontes de hidrogênio antes que ocorra uma ativação significativa do receptor. A não ser que tenham sido formadas ligações covalentes, o complexo fármaco-receptor dissocia-se. Neste momento, a ação do fármaco cessa.

INTERAÇÕES FÁRMACO-RECEPTOR

Uma substância química semelhante à acetilcolina pode ser quimicamente atraída ao receptor da mesma forma que a acetilcolina e, desta forma, levar à contração muscular. A nicotina, por exemplo, age desta forma. As substâncias que interagem com um receptor e, com isso, desencadeiam uma resposta celular, são chamadas agonistas. Assim, a acetilcolina e a nicotina são agonistas dos receptores da placa terminal muscular esquelética (receptores nicotínicos). Por outro lado, há substâncias que, apesar de serem semelhantes à acetilcolina, o são em menor grau. Essas substâncias interagem com o receptor, mas não são capazes de induzir uma alteração no receptor necessária para provocar a entrada de Na+ na célula. Com isso, a contração da fibra não é desencadeada. Mas, por ocupar o sítio ativo do receptor, a substância inibe a interação da acetilcolina com o mesmo. Este tipo de fármaco é chamado de antagonista.

VARIÁVEIS DA FARMACODINÂMICA

Afinidade. Mede a força de ligação entre droga e receptor e é determinada pelos tipos e número de ligações químicas. Reflete a tendência de um fármaco se ligar ao receptor.

Eficácia. Ou “efeito máximo”, é a resposta máxima produzida pelo fármaco. Depende de quantos complexos fármaco-receptor são formados e da eficiência com que o receptor ativado produz a ação celular. Ou seja, enquanto a afinidade é a tendência de um fármaco se ligar ao receptor, a eficácia é a tendência de, uma vez ligado, esse fármaco modificar a função do receptor desencadeando uma resposta. Independentemente da concentração do fármaco, atinge-se um ponto além do qual não ocorre mais nenhum incremento na resposta. Tem-se, aí, resposta ou efeito máximo.

Potência. Ou sensibilidade, é a medida de quanto fármaco é necessário para desencadear uma determinada resposta. Quanto menor a dose necessária para gerar tal resposta, mais potente é o fármaco. É calculada pela dose de fármaco que desencadeia 50% da resposta máxima (EC50 [effective concentration 50%] ou DE50). Em geral, os fármacos de alta potência apresentam alta afinidade pelos receptores, ocupando uma proporção significativa destes, mesmo em baixas concentrações.

AGONISMO

Com base na resposta farmacológica máxima (eficácia) que ocorre quando todos os receptores estão ocupados, os agonistas podem ser divididos em três classes:

Agonistas integrais. Ou agonistas plenos, constituem os agonistas clássicos que, quando em concentrações suficientes, provocam a resposta máxima desencadeada pelo receptor.

Agonistas parciais. Mesmo com uma ocupação total dos receptores, produzem uma resposta menor do que os agonistas

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integrais. Além disso, por competirem com os agonistas integrais, desviam a curva para a direita.

Figura 2.2 Agonista Parcial

Agonistas inversos. A princípio paradoxalmente, há exemplos em que pode-se verificar um nível de ativação de receptores mesmo na ausência de ligantes (p. ex., receptores canabinóides e de dopamina). Uma explicação para tal, é que mutações podem ocorrer – espontaneamente ou em processos patológicos – e resultar nessa ativação. Temos, nesses casos, uma ativação constitutiva. Os agonistas inversos podem ser considerados como drogas de eficácia negativa para diferenciá-los dos agonistas (eficácia positiva) e dos antagonistas (eficácia nula).

Figura 2.3 Agonista Inverso

ANTAGONISMO

O antagonismo entre fármacos mais encontrado na prática clínica é o competitivo. Esses antagonistas se ligam aos receptores, mas, ao contrário dos agonistas, não os ativam. Ou seja, apresentam eficácia pequena ou nula. Exercem seus efeitos ao impedir a ligação do agonista ao receptor. Pode ser de dois tipos:

Antagonismo competitivo reversível. Se a ligação é frouxa, denomina-se “competitivo de equilíbrio” ou “competitivo reversível”. O antagonismo aumenta à medida que a

concentração do antagonista aumenta. Contudo, a ação deste antagonista pode ser superada aumentando-se a concentração do agonista na biofase (região onde se encontram os receptores). A melhor forma de avaliar esta relação é por meio do exame de curvas dose-resposta (ver Fig. 2.4).

Se tivermos várias curvas – a primeira sem antagonista e as outras com concentrações crescentes de antagonista – paralelas e cujo efeito máximo se iguala, temos um antagonismo reversível. Ou seja, o antagonista desvia a curva para a direita, mas o efeito máximo continua a ser possível. Contudo, é necessária uma concentração maior de agonista para alcançá-lo. A atropina (ver Cap. 12) é um exemplo de antagonista reversível da acetilcolina.

Figura 2.4 Antagonista Reversível

A: agonista isolado;B: agonista em presença de antagonista reversível;C: agonista em presença de mais antagonista irreversível.

Antagonismo competitivo irreversível*. Se a ligação é covalente (firme), a combinação do antagonista com o receptor não é desfeita com facilidade e o antagonista é denominado “competitivo de não equilíbrio” ou “irreversível”. Nas curvas dose-resposta, mesmo aumentando a concentração do agonista, doses crescentes deste antagonista diminuem a resposta máxima. Chega-se, então, a uma concentração de antagonista na qual não existe quantidade de agonista capaz de desencadear qualquer resposta. Inibidores da colinesterase (ver Cap. 11) são exemplos desse tipo de antagonismo.

* Esse tipo de antagonismo é, por alguns autores, denominado não-competitivo. Todavia, nesta apostila, consoante Rang et al., o termo “não-competitivo” se reserva para o antagonismo que não envolve a ocupação do sítio receptor. Ou seja, o antagonista não-competitivo não compete pelo sítio de ligação do agonista (comparar Figs. 2.5 e 2.6).

ambos agonistas

EC50EC50

Res

post

a (

% m

ax.)

100

EC50

log [agonista]

agonista integral

100

Res

post

a (

% m

ax.)

log [agonista]

agonista

Ativação Constitutiva

agonista inverso

100

50

Res

post

a (

% m

ax.)

EC50EC50EC50

log [agonista]

A CB

5

agonista parcial

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Figura 2.5 Antagonista IrreversívelAntagonismo não-competitivo. Ocorre quando o antagonista bloqueia, em algum ponto, a cadeia de eventos da resposta desencadeada pelo agonista. Dessa forma, o antagonista não compete com o agonista pelo sítio de ligação no receptor, mas bloqueia o sinal que o agonista desencadeia. Contudo, a curva dose-resposta não é desviada para a direita com esse tipo de antagonista e a concentração para se atingir metade da resposta máxima (potência) mantém-se a mesma.

Figura 2.6 Antagonista Não-Competitivo

Quadro 2.1 Variáveis Quanto À Competição

Nem todos os mecanismos de antagonismo envolvem interações de drogas – ou ligantes endógenos – a receptores, ou a um único tipo de receptor. Temos, dessa forma, duas outras formas importantes de antagonismo:

Antagonismo químico. Envolve uma interação química direta entre o antagonista e o agonista de forma a tornar o agonista farmacologicamente inativo. Um bom exemplo está no emprego de agentes quelantes que se ligam a metais pesados e, assim, reduzem sua toxicidade. Por exemplo, o dimercaprol se liga ao mercúrio e o composto inativo é excretado na urina.

Antagonismo fisiológico. Ou funcional, é usado para indicar a interação entre dois fármacos agonistas que atuam de forma independente, mas que geram efeitos opostos. Cada um tende a cancelar ou reduzir o efeito do outro. O exemplo clássico é representado por acetilcolina e adrenalina que apresentam efeitos opostos em várias funções corporais. A acetilcolina desacelera o coração, enquanto a adrenalina o acelera. A acetilcolina estimula os movimentos intestinais e a adrenalina os inibe. A acetilcolina gera constrição pupilar e a adrenalina dilatação etc.

FARMACODINÂMICA CLÍNICA

Índice terapêutico. É a razão entre a dose que produz toxicidade e a dose que produz a resposta clinicamente desejada. É uma medida de segurança do fármaco, calculada em termos da relação enter a média das doses mínimas eficazes e a média das doses máximas toleradas em determinado grupo de indivíduos.

Quadro 2.2 Fórmula do Índice Terapêutico

A Varfarina é um anticoagulante (duplica o tempo de protrombina – uma medida da coagulação sangüínea) que apresenta baixo índice terapêutico. Aumentando-se a dose de Varfarina, mais pacientes respondem, até que mesmo os que não respondiam, começam a produzir a anticoagulação esperada. O problema é que, em doses elevadas, a Varfarina provoca muita anticoagulação e, portanto, hemorragia.

Quando o índice terapêutico é baixo, há sobreposição de efeitos terapêuticos e tóxicos (ver Quadro 2.2). A mesma dose de Varfarina que leva pacientes a duplicarem seu tempo de protrombina, faz com que outros pacientes entrem em hemorragia.

A penicilina, por outro lado, possui um elevado índice terapêutico. Com isso, pode-se administrar doses em excesso sem maiores preocupações com efeitos adversos. Até mesmo, doses dez vezes maiores do que a necessária para obtenção da resposta esperada.

agonista+

antagonista irreversível

agonista integral

EC50EC50

Res

post

a (

% m

ax.)

100

EC50

log [agonista]

agonista+

antagonista não competitivo

Res

post

a (

% m

ax.)

100

EC50

log [agonista]

agonista isolado

Irreversíveis(afetam potência e eficácia)

Não-Competitivos(só afetam a eficácia)

CompetitivosAN

TAG

ON

ISTA

S

Reversíveis(só afetam a potência)

Índice Terapêutico = Dose máxima não-tóxica

Dose efixaz mínima

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Referências Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone, 2004

(trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9th ed.,

The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).

Hardman, Joel G. & Limbird, Lee E.: Goodman & Gilman’s The Basic Pharmacological Basis Of Therapeutics. 9th ed., The McGraw-Hill Companies, Inc, 1996.

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CAPÍTULO 3

Absorção

INTRODUÇÃO

Neste capítulo, trataremos da absorção e dos fatores que a afetam. Os demais princípios da farmacocinética serão tratados nos capítulos seguintes. Vale lembrar que a farmacocinética descreve as relações entre a administração de um fármaco, o tempo de distribuição, sua concentração obtida nas diferentes regiões do corpo e sua posterior eliminação.

Esses princípios básicos da farmacocinética – absorção, distribuição, metabolismo e excreção – envolvem a passagem do fármaco através de membranas. Os mecanismos envolvidos na passagem do fármaco e as características físico-químicas das moléculas e membranas irão influenciar todos esses processos. A membrana plasmática representa a barreira comum entre todos os tipos de difusão e transporte de fármacos.

ABSORÇÃO

Absorção é a ida de um fármaco desde seu local de administração até a corrente sangüínea. Portanto, é importante para todas as vias de administração (menos a venosa e a arterial). Há casos, como na inalação de um broncodilatador, em que a absorção, como foi definida, não é necessária para a ação do fármaco. Na maioria dos casos, no entanto, o fármaco necessita penetrar no plasma para alcançar o seu local de ação. A velocidade e a eficiência da absorção dependem da via de administração. Na via intravenosa, por exemplo, a absorção “já ocorreu”. Ou seja, a dose total do fármaco alcança a circulação sistêmica. Por outras vias, pode ocorrer absorção apenas parcial, o que diminui sua biodisponibilidade (fração do fármaco que atinge a circulação).

FATORES QUE ALTERAM A ABSORÇÃO

Polaridade do fármaco e pH do meio. A maior parte dos fármacos são bases ou ácidos fracos presentes em solução na forma ionizada e não-ionizada. Geralmente, a forma não-ionizada é lipossolúvel e pode atravessar a membrana, o que não acontece com a forma ionizada.

Os fármacos ácidos HA liberam H+, levando à formação de um ânion A- (forma ionizada):

HA H+ + A-

As bases fracas também podem liberar H+. A diferença é que, com isso, liberam uma base neutra B, não uma ionizada:

BH+ H+ + B

Dessa forma, HA e B atravessam a membrana. Portanto, a distribuição de um eletrólito fraco através da membrana é determinada pelo gradiente de pH através da membrana e por seu pKa (uma força de interação do composto com um próton). Quanto mais baixo for o pKa, mais forte é o ácido, e quanto mais alto, mais forte é a base. Isso pois o pKa é o pH em que as concentrações das formas ionizada e não-ionizada são iguais.

Assim, um fármaco ácido irá, em equilíbrio, se acumular no lado mais básico da membrana. O oposto serve para as bases. Esse fenômeno é chamado “aprisionamento iônico”.

Solubilidade. Para que um fármaco possa ser absorvido com facilidade, é necessário que ele seja lipossolúvel. Porém, com alguma hidrossolubilidade para que possa ser dissolvido em soluções aquosas.

Estabilidade química. Certos fármacos, como as penicilinas, são instáveis no pH gástrico. Outros, como a insulina, são destruídos por enzimas digestivas.

Tipos de formulação do medicamento. O tamanho das partículas e a forma farmacêutica em que a droga é administrada influem na facilidade da dissolução. Portanto, na velocidade de absorção.

Concentração. Os fármacos administrados em soluções altamente concentradas são absorvidos mais rapidamente do que aqueles em soluções de baixa concentração.

Circulação no local da administração. O aumento do fluxo sangüíneo potencializa a velocidade de absorção.

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MODALIDADES DE ABSORÇÃO

Nos processos passivos, não há interferência ativa das membranas e nem gasto de energia. São exemplos:

Difusão lipídica. É o processo mais freqüente de absorção. As moléculas do soluto se distribuem a partir de qualquer região em que estejam mais concentradas para as regiões em que estejam menos concentradas segundo um gradiente de concentração. As moléculas do soluto, para atravessarem as membranas biológicas por difusão simples, precisam apresentar as seguintes características: serem apolares, lipossolúveis e possuir peso molecular pequeno o suficiente para ser compatível com a membrana lipídica.

Difusão aquosa. Ocorre através de poros aquosos formados por proteínas da membrana chamados aquaporinas. Nela, tanto o solvente quanto os solutos se difundem. O solvente, geralmente a água, transporta consigo moléculas hidrossolúveis de pequeno tamanho, moléculas polares e certas apolares. As forças responsáveis pelo transporte são a pressão hidrostática e a pressão osmótica.

Nos processos ativos, há interferência das membranas e gasto de energia. São exemplos:

Transporte ativo. O soluto combina-se com a proteína transportadora presente na membrana celular e move-se contra seu gradiente de concentração. Para isso, existe a necessidade de energia, que é fornecida pela célula. É um processo seletivo e pode haver inibição seletiva.

Transporte vesicular (pinocitose e fagocitose). São os processos de absorção nos quais a membrana celular se invagina e evagina, respectivamente, em torno de uma ou mais pequenas moléculas do meio extracelular e as engloba. Em seguida, formam-se vesículas intracelulares que se destacam da membrana. Por esse modo, fagócitos alveolares removem partículas que atingem os alvéolos.

BIODISPONIBILIDADE

Biodisponibilidade é a fração do fármaco administrado que alcança a circulação sistêmica quimicamente inalterada. Em outras palavras, é a fração de fármaco que atinge o seu local de ação ou fluido biológico, a partir do qual o fármaco tem acesso ao seu local de ação. Assim, se 100 mg de um certo fármaco são administrados por via oral e 70 mg chegam inalterados ao sangue, sua biodisponibilidade é de 70%. A biodisponibilidade é determinada comparando-se os níveis plasmáticos do fármaco após determinada via de administração (no exemplo supracitado, a via oral) com os níveis plasmáticos após administração intravenosa. Isso pois, na administração intravenosa, 100% do fármaco administrado atinge o plasma. Analisando-se as concentrações plasmáticas contra o tempo em um gráfico, pode-se calcular a área sob a curva (ASC), que reflete a extensão da absorção do fármaco. Por definição, esta é de 100% para fármacos dados por via intravenosa.

FATORES QUE ALTERAM A BIODISPONIBILIDADE

O percentual de biodisponibilidade depende da taxa de absorção do fármaco e quanto do mesmo é metabolizado antes de chegar à circulação sistêmica. Dessa forma, a biodisponibilidade leva em consideração fatores de absorção e metabolização. Para penetrar da luz do intestino delgado para a circulação, o fármaco deve passar não só pela mucosa intestinal, mas por várias enzimas que podem inativá-lo ainda na parede intestinal e no fígado. Fatores que limitam a absorção irão limitar a biodisponibilidade.

Metabolismo hepático de primeira passagem. Os fármacos, após serem absorvidos pelo trato gastrintestinal, passam pela circulação porta antes de atingir a circulação sistêmica. β-bloqueadores como propranolol, por exemplo, sofrem extensa biotransformação durante uma única passagem pelo fígado, o que limita consideravelmente sua biodisponibilidade. Chamamos isso de efeito de primeira passagem. Outros exemplos de fármacos com efeito hepático de primeira passagem muito importante são as catecolaminas, morfina, verapamil, isoniazida e aspirina. Fármacos como o clonazepam também podem ser metabolizados pela flora intestinal, contribuindo para seu efeito de primeira passagem.

Contudo, há casos em que a capacidade metabólica do fígado pode sofrer alterações (para cima ou para baixo), gerando variações na biodisponibilidade. Isso ocorre:

1. Quando há uma redução no fluxo sangüíneo hepático, como na cirrose hepática ou no uso de beta-bloqueadores. Neste caso, há aumento da biodisponibilidade.

2. Quando há diminuição na atividade metabólica das enzimas hepáticas, como na insuficiência hepática ou com o uso de fármacos inibidores das enzimas do metabolismo hepático. Neste caso, também há um aumento da biodisponibilidade.

3. Quando há fármacos, como os barbitúricos, que aumentam a atividade de enzimas metabólicas do fígado. Com isso, há diminuição da biodisponibilidade.

BIOEQUIVALÊNCIA

Biodisponibilidade é um conceito conveniente para fazer generalizações. Porém, falha quando se tenta utilizá-lo com uma precisão numérica. A razão desta falha é que trata-se de um conceito que não depende só do fármaco. É um valor que será afetado por variações no pH estomacal, nas atividades da parede intestinal e do fígado etc. Ou seja, varia de indivíduo para indivíduo. Dessa forma, não podemos simplesmente falar da biodisponibilidade de um fármaco, mas sim de um fármaco em determinado indivíduo em determinadas circunstâncias.

Além disso, biodisponibilidade é um conceito falho por não levar em conta a velocidade de absorção. Portanto, a não ser que a metabolização e excreção de determinada droga aumentem na proporção necessária, se essa droga for absorvida rapidamente, ela atingirá uma concentração plasmática mais elevada e, portanto, causará um efeito maior do que se fosse absorvida lentamente. Por essas razões,

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quando se quer, por exemplo, licenciar produtos genéricos a produtos já comercializados, usa-se a bioequivalência. Para que produtos sejam bioequivalentes, devem apresentar as seguintes características:

1. Mesmas áreas sob a curva (concentração x tempo) após a administração de formulações diferentes;

2. Concentração plasmática máxima equivalentes;3. Tempo para atingir essas concentrações plasmáticas

máximas semelhantes.

VIAS DE ADMINISTRAÇÃO

Oral

A absorção de fármacos dados via oral é regulada por fatores do paciente como superfície de absorção e fluxo sangüíneo no local de absorção e por características da droga como estado físico, solubilidade e concentração no local de absorção.

Fármacos que são ácidos fracos são mais bem absorvidos a partir do estômago (pH 1-2) que do intestino alto (pH 3-6) e vice-versa para fármacos que são bases fracas. No entanto, independentemente do pKa do fármaco, ele será sempre melhor absorvido a partir do intestino delgado devido à sua grande superfície de absorção ( 200 m2). Assim, qualquer fator que facilitar o esvaziamento gástrico, aumentará a absorção, e vice-versa.

As formas farmacêuticas orais encontradas incluem soluções, suspensões, cápsulas, comprimidos e drágeas. O fornecimento dos fármacos costuma ser mais rápido no caso de soluções e mais lento no caso de drágeas.

Soluções. As fórmulas líquidas, como soluções e suspensões, são úteis na administração de fármacos a crianças ou outros pacientes que não queiram ou não possam ingerir drágeas ou cápsulas. É a forma mais rápida de fornecimento de fármacos via oral porque as etapas iniciais de liberação do fármaco (desintegração e dissolução) são desnecessárias. A absorção de um fármaco é mais rápida no intestino proximal, e a etapa que limita a velocidade de absorção global de um fármaco em solução é o esvaziamento gástrico. Nem todos os fármacos são solúveis em água, devendo, pois, ser convertidos em uma forma solúvel (como um sal) ou acrescidos de um co-solvente como álcool. Um inconveniente é que alguns fármacos possuem sabor desagradável quando em solução.

Suspensões. São dispersões de partículas relativamente grosseiras geralmente em veículo aquoso. Também são úteis em pacientes incapazes de tolerar apresentações sólidas. Possuem uma vantagem em relação às soluções por poderem conter a dose de uma substância em um volume menor. Os agentes de suspensão evitam a sedimentação seja por aumento na viscosidade do meio, ou por redução das forças de atração entre as partículas. As suspensões apresentam uma disponibilidade imediata para absorção. Além disso, como tornam desnecessária a desintegração, a etapa limitante em sua velocidade de absorção é a dissolução.

Cápsulas. Uma cápsula é um invólucro duro de gelatina e, para garantir a estabilidade física, usam-se compactantes como a lactose para preencher a cápsula. Usam-se, também, desintegrantes como o amido que, após o início da dissolução da cápsula e em contato com o meio aquoso, intumescem e causam a ruptura da cápsula.

As cápsulas de invólucro mole podem conter líquidos. Com isso, fármacos de baixa solubilidade podem ser solubilizados, aumentando sua absorção. A absorção é igual ou maior do que a obtida pela administração de uma solução de fármaco.

Comprimidos. É o meio mais usado para administração de fármacos. A compressão do fármaco e excipientes faz dele uma apresentação conveniente e eficaz. A dissolução e, conseqüentemente, a solubilidade poderiam limitar a velocidade do fornecimento de um fármaco para a circulação sistêmica.

Drágeas. Pode-se, ainda, acrescentar um revestimento adicional para melhorar o gosto, aspecto ou estabilidade físico-química. Contudo, a destruição de tal revestimento pode limitar a velocidade global de absorção. O revestimento entérico é projetado para retardar a desintegração até que a formulação atinja o intestino delgado. Isso pode ser feito seja para proteger o fármaco do meio ácido do estômago, seja para proteger o estômago do fármaco.

Sublingual

Os fármacos que são destruídos pelos líquidos gastrintestinais ou os que ficam sujeitos a uma degradação pré-sistêmica importante, podem ser administrados sob a forma de comprimidos a serem colocados na cavidade bucal sob a língua. Os comprimidos orais são projetados para se dissolver lentamente. Os comprimidos sublinguais são pequenos e se dissolvem rapidamente. Essas formulações permitem ao fármaco difundir-se para a trama capilar mucosa e, daí, para a circulação sistêmica. Há a vantagem de se evitar o intestino e o fígado. Logo, o fármaco foge a seus metabolismos. A absorção da nitroglicerina (trinitrato de glicerila) é eficaz via sublingual porque ela é lipossolúvel e não-iônica. Assim, sua absorção é muito rápida. Como a drenagem venosa da boca se faz para a veia cava superior, o fármaco fica protegido do metabolismo hepático, que é suficiente para inativá-lo totalmente quando este fármaco é dado via oral.

Retal

Aproximadamente 50% da drenagem da região retal contorna a circulação porta, minimizando, assim, a biotransformação hepática. A via retal também evita que o fármaco seja destruído por enzimas digestivas ou pelo pH baixo do estômago. Fármacos são administrados via retal para tratamento de afecções locais como hemorróidas ou para atingir absorção sistêmica.

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Farmacologia I – UNIRIO

É, também, útil quando se deseja evitar o vômito, sendo usada para antieméticos (gr. emeo, vômito). Os fármacos costumam ser administrados por via retal sob a forma de supositórios com bases que variam de manteiga de cacau a derivados de polietileno. O principal fator determinante da extensão de absorção por esta via é o intervalo entre a aplicação e a evacuação. A administração prévia de um clister (injeção de água ou líquido medicamentoso no reto) pode melhorar a absorção.

Adequa-se a pacientes que não são capazes ou não querem tolerar a medicação oral, tratando-se de uma alternativa à administração parenteral ([gr. para, ao lado + enteron, intestinal], que se efetua por uma via que não a digestiva; também chamada injetável – embora muitos considerem apenas as intravenosa e intra-arterial).

Intravenosa

É a via parenteral mais comum, sendo usada para fármacos de difícil absorção por via oral ou que são destruídos pelo trato gastrintestinal (p. ex., insulina). O fármaco não sofre o metabolismo de primeira passagem no fígado, permitindo, portanto, um grau máximo de controle quanto aos níveis circulantes do fármaco. A administração via intravenosa do fármaco é, dessa forma, indicada quando há a necessidade de um controle cuidadoso da concentração do fármaco no sangue. Uma administração intravenosa lenta do fármaco evita concentrações transitórias excessivamente elevadas e minimiza uma precipitação súbita de fármacos insolúveis, reduzindo a formação de êmbolos. É útil em casos de fármacos com estreito índice terapêutico (ver Quadro 2.2) pois uma infusão venosa lenta e contínua propicia concentrações sangüíneas controladas e persistentes. É especialmente adequada para fármacos de meia-vida curta (ver Cap. 7).

Certas soluções irritantes só podem ser administradas desta maneira porque as paredes dos vasos são relativamente insensíveis. Além disso, a injeção lenta do fármaco faz com que ele seja bastante difundido pelo sangue.

Assim como existem vantagens no uso desta via, há, também, inconvenientes. Os fármacos não podem ser removidos por manobras como provocação de vômitos ou ligação a carvão ativado. Também pode introduzir bactérias por contaminação ou causar hemólise ou outras reações devido à alta velocidade de chegada do fármaco no plasma e tecidos. Dessa forma, a velocidade de infusão deve ser cuidadosamente controlada. Podem ser atingidas altas concentrações de fármacos nos tecidos, resultando em reações desfavoráveis pois não existe recuperação depois que o fármaco é injetado.

As injeções intravenosas repetidas dependem da capacidade de se manter uma veia pérvia. Fármacos presentes em veículo oleoso e aqueles que precipitam os componentes do sangue ou lisam os eritrócitos não devem ser administrados intravenosamente. De maneira geral, a injeção intravenosa deve ser feita lentamente e com monitorização constante das respostas do paciente.

Intra-arterial

É usada especialmente na administração de agentes antineoplásicos. O local de injeção costuma ser uma pequena arteríola com fluxo sangüíneo relativamente lento e situada próxima ao tumor. É possível atingir concentrações elevadas do fármaco no órgão alvo, minimizando a exposição corporal total. A injeção intra-arterial requer grande cuidado e deve ser reservada para os especialistas.

Intramuscular

O músculo estriado é dotado de elevada vascularização, sendo, em contrapartida, não muito inervado por fibras sensitivas. Estas duas características conferem-lhe facilidade na absorção medicamentosa e, simultaneamente, uma possibilidade de administração menos dolorosa para fármacos irritantes. Contudo, algumas injeções intramusculares são dolorosas, pelo que é freqüente incluir na sua fórmula anestésicos locais que sejam conservantes ao mesmo tempo (p. ex., álcool benzílico). Além disso, a dor concomitante ou subseqüente à injeção não depende exclusivamente das características físico-químicas da fórmula, mas pode estar ligada à ação do próprio fármaco. A penicilina, por exemplo, é dolorosa, ao contrário da estreptomicina, embora o pH e tonicidade da solução sejam muito próximos dos valores ideais.

Pelo fato de possuir uma ação rápida, esta via é utilizada em quadros de reação anafilática, mediante administração intramuscular de betametazona ou dexametasona, como conduta emergencial.

As injeções intramusculares são contra-indicadas em pacientes com mecanismo de coagulação prejudicados, doença vascular periférica oclusiva, edema e choque. Além de não serem administrado em locais inflamados, edemaciados, irritados ou ainda em locais com manchas de nascença, tecido cicatrizado ou outras lesões.

As preparações para administração intramuscular podem apresentar-se sob a forma de soluções aquosas, oleosas ou suspensões.

Soluções aquosas. São, em geral, isotônicas ao soro sangüíneo. Contudo, pequenos desvios são permitidos no sentido da hipotonia e, em alguns casos, é até aconselhável uma ligeira hipertonicidade, uma vez que provoca um leve derrame local dos fluídos tissulares, o que pode originar uma absorção uniforme.

Soluções “oleosas”. Soluções cujo veículo não é a água – embora não seja necessariamente um óleo. Trata-se de compostos que, embora anidros, conseguem se misturar à água. São exemplos, alguns álcoois como os glicóis (p. ex., etileno glicol) que, de um modo geral, apresentam elevada viscosidade (podem ser dolorosos).

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A absorção do fármaco é mais rápida se o solvente escolhido for miscível com a água. É com base neste princípio que se fundamenta o emprego de formas medicamentosas de ação prolongada destinadas à via intramuscular. Com efeito, se um fármaco insolúvel em água se dissolver num veículo hidromiscível, ele precipitará no seio do músculo ao proceder-se a injeção. Essa precipitação in situ ocorre pois a água do tecido muscular mistura-se com o solvente injetado, diminuindo o coeficiente de solubilidade do fármaco (visto que este tem baixa ou nula solubilidade em água). Este tipo de injetáveis proporcionará a obtenção de um verdadeiro depósito do fármaco no seio da massa muscular, de onde irá ser absorvido muito lentamente. Exemplo característico são os hormônios sexuais; fármacos insolúveis na água, mas miscíveis com o trietilenoglicol (hidrossolúvel).

Suspensões. A absorção do fármaco em suspensão processa-se lentamente. A penicilina procaínica, por exemplo, é solúvel na proporção de 800 U/ml de água, enquanto que a penicilina benzatínica dissolve-se no mesmo volume, mas apenas numa quantidade correspondente a 200 U. O coeficiente de solubilidade dos dois antibióticos ocasiona o diferente comportamento dos dois injetáveis. Embora aplicando-se ambos em suspensão intramuscular aquosa, a penicilina procaínica é mensurável no sangue apenas até cerca de 24 horas após a injeção, enquanto que a penicilina benzatínica ainda é evidenciável mesmo decorridos 10 a 15 dias. Vê-se, pois, que a velocidade de absorção do fármaco suspenso depende, fundamentalmente, de suas características de solubilidade na água.

Subcutânea (ou hipodérmica)

Depois de injetada por baixo da pele, a droga alcança os pequenos vasos e é transportada pela corrente sangüínea. É uma via mais lenta que a intravenosa e seus riscos são menores. Costuma ser usada para medicamentos protéicos que poderiam ser digeridas pelo trato gastrintestinal. Cápsulas sólidas de contraceptivos e bombas mecânicas programáveis de insulina são exemplos de fármacos utilizados dessa forma. É importante lembrar que os locais de injeção devem ser alternados para se evitar reações.

A adrenalina, por seus efeitos vasoconstritores, pode ser administrada pela via subcutânea para limitar a área de atuação de outro fármaco, como o anestésico local lidocaína (ver Cap. 14).

Tópica

Pele. A medicação administrada por via transdérmica entra no organismo através da pele, podendo ser administrada sob a forma de cremes ou pomadas. É utilizada quando se quer uma liberação lenta e constante do fármaco pois é limitada pela velocidade com que a substância atravessa a pele,. Apenas medicamentos que devem ser administrados em doses diárias relativamente pequenas podem ser dados por essa via. Alguns exemplos são: nitroglicerina (para angina), escopolamina (contra o enjôo de viagem – ver Cap. 12), nicotina (para a

cessação do fumo), clonidina (contra a hipertensão) e fentanil (para o alívio da dor).

Não obstante, poucos fármacos penetram de forma rápida a pele íntegra. A absorção daqueles que o fazem é proporcional à área de superfície aplicada e à sua lipossolubilidade, uma vez que a pele comporta-se como uma barreira lipídica. No entanto, a derme é livremente permeável a muitos solutos, o que faz com que a absorção sistêmica de fármacos seja muito maior quando a pele está escoriada, queimada etc. Além disso, a inflamação, por aumentar o fluxo sangüíneo cutâneo, também potencializa a absorção. Algumas vezes, a absorção de substâncias altamente lipossolúveis pela pele, como inseticidas dissolvidos em solventes orgânicos, causa efeitos tóxicos. A absorção pela pele pode ser potencializada suspendendo-se o fármaco em um veículo oleoso e friccionando-se a suspensão na pele.

Mucosas. Os fármacos são aplicados nas mucosas da conjuntiva, nasofaringe, orofaringe, vagina, cólon, uretra e bexiga para efeitos principalmente locais. Algumas vezes, o objetivo é a absorção sistêmica, como na aplicação de hormônio antidiurético na mucosa nasal. A absorção pelas mucosas é rápida e, algumas vezes, anestésicos locais causam efeitos sistêmicos.

Olho. Utilizada quando se quer um efeito local (p. ex., creme ou atropina no globo ocular). A absorção sistêmica pelo canal nasolacrimal é, geralmente, um efeito indesejado e o fármaco absorvido dessa forma não sofrerá o efeito de primeira passagem. Assim, colírios que contêm fármacos -adrenérgicos podem causar efeitos sistêmicos indesejáveis (ver Cap. 9). Os efeitos locais, em geral, precisam da absorção pela córnea. Quando esta estiver danificada, a absorção será maior. A descoberta recente de implantes oculares permitiu a liberação contínua de pequenas quantidades de fármaco com pouca perda pela drenagem nasolacrimal e, conseqüentemente, poucos efeitos sistêmicos.

Intratecal

A barreira hematoencefálica – formada por uma camada contínua de células endoteliais unidas por junções firmes (tight junctions) – geralmente impede ou retarda a entrada de fármacos no sistema nervoso central (SNC). Apenas os fármacos com alta lipossolubilidade conseguem transpor essa barreira íntegra (inflamações, p. ex., podem rompê-la). Essa barreira faz com que, algumas vezes, se injetem fármacos diretamente no espaço subaracnóideo vertebral quando se desejam efeitos locais e rápidos nas meninges ou no eixo cerebromedular, como na raquianestesia ou em infecções agudas do SNC.

Intraperitoneal

A cavidade peritoneal oferece uma grande superfície de absorção a partir da qual os fármacos entram rapidamente na circulação, em especial, através da veia porta. Dessa forma,

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ocorrem perdas pelo efeito de primeira passagem no fígado. A injeção intraperitoneal é um procedimento laboratorial comum, mas raramente empregado na clínica por perigo de infecção.

Pulmonar

Os fármacos gasosos e voláteis podem ser inalados e absorvidos pelo epitélio pulmonar e pelas mucosas do trato respiratório. O acesso à circulação é rápido por essa via porque a área de superfície é muito grande. Além disso, soluções de fármacos podem ser atomizadas e as finas gotículas suspensas no aerossol, inaladas. As vantagens são a absorção quase instantânea do fármaco para o sangue, a eliminação da perda pela primeira passagem hepática e, no caso de enfermidades como a asma, a aplicação do fármaco no local desejado. As principais desvantagens são a pequena

capacidade de ajustar a dose, métodos de administração trabalhosos e a irritação do epitélio pulmonar.

REABSORÇÃO ÊNTERO-HEPÁTICA

Refere-se à reabsorção de um fármaco ou metabólito ativo a partir do intestino após ser excretado pelo fígado. Fármacos podem ser excretados inalterados pelo fígado ou este pode gerar metabólitos ativos que são, então, excretados na bile. Como a bile é reabsorvida durante a digestão, o fármaco ou metabólito ativo é reabsorvido também, o que resulta num aumento em sua duração de ação.

Referências Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,

2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology.

9ª ed., The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).

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Farmacologia I – UNIRIO

CAPÍTULO 4

Distribuição

INTRODUÇÃO

A distribuição é o processo pelo qual um fármaco abandona – reversivelmente – a corrente circulatória, passando para o interstício e/ou interior das células. Depende do fluxo sangüíneo, da permeabilidade capilar, das características químicas (polaridade/hidrofobicidade) do composto e do grau de ligação do fármaco a proteínas plasmáticas e teciduais.

Fluxo sangüíneo. Varia de órgão para órgão. É maior, por exemplo, no cérebro, fígado e rins, e menor no tecido adiposo.

Permeabilidade capilar. No cérebro, a estrutura do capilar é contínua, não havendo fendas. Portanto, para ultrapassar a barreira hematoencefálica, os fármacos precisam transpor as células endoteliais dos capilares do sistema nervoso central (SNC), ou serem transportados de modo ativo. Por exemplo, um carregador de aminoácidos neutros transporta levodopa para o cérebro.

Já fármacos lipossolúveis penetram facilmente no SNC, mesmo na ausência de fendas entre as células endoteliais adjacentes. Isso ocorre devido ao caráter lipofílico da membrana celular.

Ligação de fármacos a proteínas. No plasma, em concentrações terapêuticas, muitos fármacos encontram-se, principalmente, na forma ligada a proteínas. A fração não-ligada constitui a forma farmacologicamente ativa. A ligação

reversível a proteínas plasmáticas seqüestra fármacos do plasma. Com isso, são mantidos na forma de compostos não difusíveis, retardando sua transferência para fora do compartimento vascular. A ligação é relativamente não-seletiva quanto à estrutura química, ocorrendo em sítios da molécula protéica aos quais se ligam compostos endógenos, como a bilirrubina. À medida que a concentração do fármaco livre decai por eliminação devida ao metabolismo ou excreção, o fármaco ligado se dissocia da proteína. Isso mantém a concentração do fármaco livre como fração constante do fármaco total do plasma. A maior parte dos fármacos ácidos se liga à albumina e a maior parte dos fármacos básicos à -1-glicoproteína.

Dessa forma, uma albuminemia devido a desnutrição ou doenças hepáticas aumentará a concentração plasmática de fármacos ácidos livres. Por outro lado, câncer, artrite e infarto agudo do miocárdio aumentam a concentração plasmática de -1-glicoproteína, resultando em efeito oposto em fármacos básicos.

Muitos fármacos acumulam-se em tecidos em concentrações mais altas que aquelas dos fluidos extracelulares e sangue. Essa acumulação pode ser resultado de transporte ativo ou ligação tecidual a proteínas (citoplasmáticas ou nucleares) ou fosfolipídeos e, geralmente, é reversível. Uma grande parte do fármaco no corpo pode ser ligada deste modo e este mecanismo cria um reservatório que prolonga a ação do fármaco, seja no próprio tecido, seja nos demais tecidos que possam ser atingidos pela circulação.

Referências Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone, 2004

(trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).

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Farmacologia I – UNIRIO

CAPÍTULO 5

Biotransformação

INTRODUÇÃO

Fármacos pequenos ou que apresentam características polares, são facilmente eliminados pelos rins (ver Cap. 6). Entretanto, os fármacos em sua forma ativa tendem a ser lipofílicos, a permanecerem não ionizados e, com freqüência, ligados a proteínas. Substâncias com essas características são dificilmente excretadas na urina. Dessa forma, um processo alternativo que pode levar ao término da atividade da droga é o metabolismo. Por exemplo, barbitúricos lipofílicos, como o tiopental, teriam uma meia-vida muito longa, não fosse sua conversão metabólica em compostos hidrossolúveis. Assim, muitos fármacos, para serem excretados, necessitam sofrer transformações químicas.

METABOLISMO

As biotransformações dos fármacos constituem processos complexos de interação entre fármaco e organismo que ocorrem em algum ponto entre a absorção e a eliminação renal. Embora todos os tecidos tenham capacidade de metabolizar fármacos, o fígado é o principal órgão envolvido no metabolismo. Outros tecidos que apresentam atividade metabólica importante incluem o trato gastrintestinal, pele, rins e plasma sangüíneo. O metabolismo envolve, basicamente, dois tipos de reações bioquímicas conhecidas como reações de fase I e fase II.

Essas reações ocorrem principalmente por meio de enzimas localizadas no retículo endoplasmático (R.E.) agranular hepático. Como os fármacos hidrossolúveis demoram a chegar no R.E. – a não ser que disponham de sistemas de transporte específicos – o metabolismo hepático é mais importante para fármacos lipossolúveis. Até porque, como dito, fármacos hidrossolúveis são facilmente excretados pelos rins.

As enzimas encerradas nos R.E.s também são chamadas enzimas “microssômicas”. Durante centrifugações, os R.E.s se rompem e, como suas membranas tendem a se soldar, durante a homogeneização, formam-se vesículas chamadas microssomos. O grupo de enzimas microssômicas mais importante no metabolismo de fármacos faz parte do sistema citocromo P450. Uma família de enzimas que possuem um grupamento heme (como os citocromos da cadeia respiratória) e, por isso, se ligam ao oxigênio. São, dessa

forma, enzimas envolvidas em reações de oxidação. O sistema oxidativo microssomal também metaboliza ácidos graxos exógenos e esteróides.

Em alguns casos, o fármaco só se torna farmacologicamente ativo após ter sofrido metabolização. Por exemplo, o enalapril é hidrolisado em sua forma ativa enaprilat.

Reações de fase I. Consistem em oxidação, redução ou hidrólise, e convertem o fármaco original num metabólito mais polar. Os produtos destas reações são, freqüentemente, mais reativos quimicamente. Portanto, algumas vezes, os metabólitos da fase I são mais tóxicos ou carcinogênicos que o fármaco original. São reações, por assim dizer, preparatórias para as sínteses de fase II.

As reações de fase I mais freqüentes são reações de oxidação catalisadas pelo sistema citocromo P450 (ver Quadro 5.1).

Contudo, nem todas as reações de oxidação envolvem o sistema citocromo P450. Há enzimas nas mitocôndrias ou solúveis no citosol que são responsáveis pela metabolização de um pequeno número de compostos. O etanol, por exemplo, é metabolizado por uma enzima citoplasmática solúvel, a álcool desidrogenase. Outras exceções são a tirosina hidroxilase que hidroxila a tirosina em DOPA (ver Fig. 9.2) e a monoamina oxidase – MAO (ver Cap. 9), importante no metabolismo das aminas simpaticomiméticas.

As reduções de fase I também ocorrem tanto no sistema microssomal quanto não microssomal do metabolismo, sendo de ocorrência menos freqüente que as reações de oxidação. Um fármaco metabolizado por redução microssomal é o cloranfenicol, e por não microssomal, hidrato de cloral.

O metabolismo por hidrólise também ocorre em ambos os sistemas microssomal e não microssomal. Como exemplo, temos as reações com esterases inespecíficas de fármacos como a acetilcolina (ver Cap. 11).

Reações de fase II. Envolvem a conjugação, resultando, geralmente, em compostos inativos. Com freqüência, as reações de fase I introduzem um grupo relativamente reativo, como uma hidroxila, na molécula (funcionalização), que servirá como ponto de ataque para o sistema de conjugação fixar um substrato endógeno como, por exemplo, glicuronídio. Como outros exemplos de grupos funcionais de substâncias

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endógenas, temos metila, ácido acético, ácido sulfúrico e aminoácidos. Em geral, ambas as etapas diminuem a lipossolubilidade, aumentando, assim, a eliminação renal do fármaco que, caso contrário, poderia ficar indefinidamente no organismo.

Se o metabólito oriundo da fase I for suficientemente polar, será eliminado pelos rins. Entretanto, muitos metabólitos são lipofílicos demais para ficarem retidos nos túbulos renais. Uma reação de conjugação subseqüente com um substrato endógeno resulta no aparecimento de compostos mais polares. Em geral, mais hidrossolúveis e terapeuticamente inativos. A glicuronidação é a reação mais comum e mais importante de conjugação. Os recém-nascidos são deficientes deste sistema de conjugação, o que os torna particularmente vulneráveis a fármacos como o cloranfenicol. Fármacos que já possuem um grupamento OH, HN ou COOH podem passar diretamente ao metabolismo de fase II. Os conjugados de fármacos, altamente polares, podem, então, ser eliminados pelos rins.

A isoniazida (ácido isonicotínico) é uma exceção e sofre uma reação de fase II (acetilação) antes de passar por uma reação de fase I, sendo, então, hidrolizada a ácido nicotínico.

INTERAÇÃO FARMACOLÓGICA

Alguns fármacos agem nas enzimas que os metabolizam, aumentando a atividade ou o número de moléculas de

enzimas presentes. Isto é denominado “indução metabólica de enzimas” e uma droga que apresenta este efeito é o etanol.

Há fármacos, por exemplo, capazes de induzir aumento nos níveis de citocromo P450, o que provoca aumento da velocidade de metabolização do fármaco indutor, bem como de outros fármacos biotransformados pelo sistema P450. Por outro lado, muitos fármacos podem inibir o sistema P450 e, assim, potencializar as ações de outros fármacos que são metabolizados pelas enzimas do citocromo (p. ex., quinidina).

FATORES QUE AFETAM O METABOLISMO

1. Genéticos;2. Idade (efeitos tóxicos mais comuns em muito jovens e

idosos);3. Diferenças individuais (há variações de até 30 vezes no

metabolismo de uma droga);4. Fatores ambientais (p. ex., fumo);5. Propriedades químicas dos fármacos;6. Via de administração;7. Dosagem;8. Sexo;9. Doença (p. ex., hepatite crônica, cirrose, câncer

hepático);10. Interações entre fármacos durante o metabolismo

(barbitúricos podem ocasionar a necessidade de doses maiores de cumarínicos para manter o tempo de protrombina elevado).

Quadro 5.1 Apêndice

O Ciclo da Monooxigenase P450

A oxidação microssômica de fármacos necessita do citocromo P450, da enzima NADPH-citocromo P450 redutase e do oxigênio molecular (O2).

O P450, que contém ferro na forma férrica (Fe3+) em seu heme, combina-se com uma molécula da droga (DH). Então, recebe um elétron da NADPH-P450 redutase, que reduz o ferro a (Fe2+). Depois, combina-se com o oxigênio molecular,

um próton e outro elétron da NADPH-P450 redutase para formar um complexo Fe2+OOH·DH. Esse complexo combina-se com outro próton, produzindo água e um complexo oxeno férrico (FeO)3+·DH. O (FeO)3+ extrai um átomo de hidrogênio da DH, com formação de um par de radicais livres de vida curta, liberação da droga oxidada (DOH) do complexo e regeneração da enzima P450.

Referências Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,

2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).Junqueira L. C. e Carneiro J.: Biologia Celular e Molecular.

7ª ed., Rio de Janeiro, RJ, Guanabara Koogan, 2000.

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CAPÍTULO 6

Excreção

INTRODUÇÃO

Os fármacos podem ser eliminados inalterados ou, como visto no capítulo 5, convertidos em metabólitos. Os órgãos excretórios (com exceção dos pulmões) eliminam substâncias polares com mais facilidade.

A via excretória mais importante é a renal, por meio da urina. Outras vias excretórias incluem a bile, o intestino, os pulmões, o leite etc.

ELIMINAÇÃO RENAL DE FÁRMACOS

Filtração glomerular. Os fármacos penetram nos rins pelas artérias renais, as quais se dividem para formar o plexo capilar glomerular. Os fármacos livres (não ligados a proteínas) atravessam a rede capilar para o espaço de Bowman como parte do filtrado glomerular.

Os capilares glomerulares permitem a difusão de moléculas de fármacos com peso molecular inferior a 20.000 (moléculas pequenas) no filtrado glomerular. Raros fármacos, como a heparina, são retidos. Como a albumina não atravessa livremente a barreira, quando um fármaco se liga consideravelmente à albumina plasmática, sua concentração no filtrado é menor que a concentração plasmática. Um fármaco como a Varfarina liga-se em 98% à albumina e só 2% permanecem no filtrado. Portanto, a depuração por filtração será muito reduzida.

Secreção e reabsorção tubulares. Até 20% do fluxo plasmático renal são filtrados através do glomérulo, de modo que, pelo menos 80% do fármaco podem passar para os capilares peritubulares do túbulo proximal. Neste local, os fármacos são transferidos para a luz tubular mediante dois sistemas transportadores independentes e relativamente não

seletivos. Um deles transporta ácidos e, o outro, bases orgânicas. Esses sistemas podem reduzir a concentração plasmática do fármaco a quase zero, transportando-o contra um gradiente químico. Como, pelo menos, 80% do fármaco que chega ao rim é apresentado ao transportador, a secreção tubular representa o mecanismo mais eficaz para eliminação de fármacos pelos rins.

A probenecida compete pelo mesmo sistema de transporte que a penicilina, diminuindo, dessa forma, sua eliminação.

Difusão pelo filtrado. À medida que o filtrado glomerular atravessa o túbulo, a água é reabsorvida, sendo que o volume que emerge como urina é apenas 1% daquele filtrado. Se o túbulo fosse livremente permeável a moléculas de fármacos, 99% do fármaco seriam reabsorvidos passivamente. De forma que fármacos com alta lipossolubilidade e, portanto, elevada permeabilidade tubular, são excretados lentamente. Ou seja, fármacos lipossolúveis são mais reabsorvidos por atravessarem mais facilmente as membranas das células tubulares.

Se, por outro lado, o fármaco for polar, o mesmo permanecerá no túbulo e sua concentração aumentará até ficar cerca de 100 vezes mais alta na urina que no plasma (p. ex., digoxina e antibióticos aminoglicosídeos). Muitos fármacos, por serem ácidos fracos ou bases fracas, alteram sua ionização com o pH, o que afeta sua excreção renal. O efeito de aprisionamento de íons, significa que um fármaco básico é mais rapidamente excretado na urina ácida, visto que o pH baixo no interior do túbulo favorece sua ionização e, portanto, inibe sua reabsorção. Por outro lado, os fármacos ácidos são mais facilmente excretados se a urina for alcalina. A alcalinização da urina, por exemplo, é usada para acelerar a excreção da aspirina em casos de superdosagem.

Referências Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone, 2004

(trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).

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CAPÍTULO 7

Farmacocinética Clínica

INTRODUÇÃO

Uma hipótese fundamental da farmacocinética clínica é que existe uma relação entre os efeitos farmacológicos de um fármaco e a concentração acessível desse fármaco (no sangue ou plasma). As diferentes variáveis fisiológicas e fisiopatológicas que determinam o ajuste de dosagem em pacientes individuais muitas vezes acontecem em função de parâmetros farmacocinéticos.

Os quatro parâmetros farmacocinéticos mais importantes são: depuração (uma medida de eficiência do organismo em eliminar um fármaco); volume de distribuição (uma medida do espaço aparente para conter o fármaco do corpo); biodisponibilidade (fração do fármaco inalterado a atingir a circulação sistêmica. Ver Cap. 3) e meia-vida de eliminação (uma medida da velocidade de remoção do fármaco do organismo).

DEPURAÇÃO (ou clearance)

Assumindo uma biodisponibilidade completa, o estado de equilíbrio será atingido quando a velocidade de eliminação do fármaco igualar sua velocidade de administração.

Assim, se um desejado estado de equilíbrio dinâmico é conhecido, a velocidade de depuração do fármaco pelo paciente determinará a velocidade com que o fármaco deve ser administrado. É um conceito muito útil porque seu valor para um determinado fármaco é usualmente constante nos limites de concentração utilizados clinicamente. Isto é, a eliminação não é, normalmente, passível de saturação e a taxa de eliminação de uma droga é diretamente proporcional à sua concentração.

Esse tipo de eliminação é denominado eliminação de primeira ordem. Isso acontece porque os mecanismos de eliminação do fármaco não estão saturados. Quando os mecanismos de eliminação saturam (p. ex., etanol e aspirina), a cinética torna-se uma cinética de saturação (também chamada de ordem zero). Ou seja, a droga é removida numa velocidade constante, que independe da concentração plasmática. Com isso, se a dose administrada superar a capacidade de eliminação, não será possível alcançar um estado de equilíbrio dinâmico: a concentração continuará aumentando enquanto continuar a administração da droga. Clearance (CL) de um fármaco, de modo simples, é a

velocidade de eliminação por todas as vias, normalizada em relação à concentração do fármaco (C) em algum fluido biológico.

Quadro 7.1 Equação de Depuração

VOLUME DE DISTRIBUIÇÃO

Volume é o outro parâmetro fundamental quando se considera processos de distribuição de fármacos. O volume de distribuição (Vd) relaciona a quantidade total de fármaco no corpo (Q) com a concentração do fármaco (Cp) no plasma (ou no fluido medido). Esse volume não se refere a um volume fisiológico identificado, mas meramente ao volume de fluido que seria necessário para armazenar todo o fármaco contido no corpo na mesma concentração presente no plasma.

Quadro 7.2 Equação de Volume de Distribuição

Nessa equação, estamos considerando o corpo como um compartimento homogêneo. Nesse modelo de um só compartimento, todo o fármaco administrado o é diretamente no compartimento central e a distribuição do fármaco é instantânea pelo volume. A depuração do fármaco desse compartimento ocorre segundo cinética de primeira ordem. Quer dizer, a quantidade de fármaco eliminada por unidade de tempo depende da quantidade (concentração) de fármaco no compartimento do corpo.

O volume de distribuição varia de acordo com sexo, idade, doenças etc. Os benzodiazepínicos como o diazepam, por exemplo, devido à sua alta lipossolubilidade, acumulam-se gradualmente na gordura corporal. Com isso, pacientes idosos tendem a acumular drogas lipossolúveis em maior quantidade.

CL = Taxa de Eliminação

C

Vd = Q

Cp

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Page 19: Apostila Farmaco I UNIRIO

Farmacologia I – UNIRIO

MEIA-VIDA

É o tempo necessário para a concentração de determinado fármaco no corpo ser reduzida pela metade. Meia-vida (t½) é um parâmetro derivado da depuração e do volume de distribuição e varia em função deles, como na equação:

Quadro 7.3 Equação de Meia-Vida

* A constante 0,7 é uma aproximação do logaritmo natural de 2. Como a eliminação de drogas pode ser descrita por um processo exponencial, o tempo necessário para uma redução de duas vezes pode ser demonstrado como proporcional a ln (2).

A meia-vida do diazepam, por exemplo, aumenta com a idade não porque a depuração diminui, mas porque o volume de distribuição aumenta.

A meia-vida propicia uma boa indicação do tempo requerido para se atingir um estado de equilíbrio. Depois que um regime terapêutico é iniciado ou alterado, são necessárias quatro meias-vidas para atingir aproximadamente 94% de um novo estado de equilíbrio (ver Quadro 7.4).

Ou seja, após a primeira meia-vida, a concentração da primeira dose do fármaco cairá para 50%, quando, então, ministra-se a segunda dose. Passando uma segunda meia-vida, esses 50% cairão para 25%, mas, como foi ministrada uma segunda dose, a concentração total subirá para 75% (25 + 50). Na terceira, atinge-se 87,5% (12,5 + 25 + 50). Já na quarta dose, finalmente, 93,75% (6,25 + 12,5 + 25 + 50) da dosagem ministrada, um percentual considerável. Concluímos, então, que o tempo para um fármaco ser removido do corpo é um meio de estimar um intervalo de dosagem apropriado.

Quadro 7.4 Evolução para um Estado de Equilíbrio (baseado em doses de 100 mg)

Referências Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,

2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9ª ed.,

The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).

0,7* x Vd

t½ = CL

87,5 mg +75 mg +

4ª Dose:100 mg

3ª Dose:100 mg

50 mg +

1ª Dose:100 mg

1ª t½

2ª Dose:100 mg

0 mg +2ª t½ 3ª t½ 4ª t½

93,75 mg ...

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Farmacologia I – UNIRIO

MÓDULO II

CAPÍTULO 8

Sistema Nervoso Autônomo

INTRODUÇÃO

O sistema nervoso pode ser analisado segundo duas importantes divisões: (1) divisão anatômica e (2) divisão funcional. Para o estudo da Farmacologia I, focaremos a divisão funcional. Mais precisamente, o componente eferente do Sistema Nervoso Visceral, também chamado Sistema Nervoso Autônomo. Interessa-nos, particularmente, a fisiologia de seus componentes simpático e parassimpático.

DIVISÕES DO SISTEMA NERVOSO

Baseada em Critérios Anatômicos. Quanto aos critérios anatômicos, a divisão desses sistemas se baseia na sua localização em relação ao esqueleto axial (cavidade craniana e canal vertebral). O sistema nervoso central está dentro e o periférico, fora. Contudo, há exceções como gânglios dentro do esqueleto axial. Além disso, os nervos e suas raízes devem, obviamente, penetrar no esqueleto axial para fazer conexão com o sistema nervoso central.

Quadro 8.1 Divisão Anatômica

O sistema nervoso central é constituído por encéfalo e medula espinhal (neuro-eixo).

O sistema nervoso periférico é constituído, basicamente, pelos nervos. Estes são cordões de células nervosas que unem o sistema nervoso central aos órgãos periféricos. São ditos cranianos caso essa união se dê com o encéfalo e espinhais caso com a medula.

Existem certas dilatações nos nervos constituídas, principalmente, de corpos de neurônios chamadas gânglios.

Baseada em Critérios Funcionais. Quanto à funcionalidade, o sistema nervoso pode ser dividido em sistema nervoso somático (da vida de relação) e sistema nervoso visceral (da vida vegetativa). Ambos apresentam componentes aferentes e eferentes.

Quadro 8.2 Divisão Funcional*

encéfalo

medula espinhal

Sistema Nervoso Central

nervos

gânglios

terminações nervosas

Sistema Nervoso Periférico

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Farmacologia I – UNIRIO

* Cumpre ressaltar que os termos “simpático” e “parassimpático” são anatômicos e não dependem do tipo de transmissor químico liberado pelas terminações nervosas nem mesmo do tipo de efeito – excitatório ou inibitório – produzido pela atividade do nervo. Ou seja, resultam de uma subdivisão anatômica dentro da divisão funcional “sistema nervoso autônomo”.

No sistema somático, importante na interação com o meio externo, o componente aferente conduz impulsos originados em receptores periféricos aos centros nervosos. O componente eferente leva comandos desses centros nervosos para os músculos estriados esqueléticos. Com isso, têm-se movimentos voluntários.

Analogamente, no sistema visceral, importante na interação com o meio interno, o componente aferente conduz os impulsos originados nos receptores das vísceras aos centros nervosos. O componente eferente encaminha os impulsos gerados nos centros nervosos até as vísceras como glândulas, músculos lisos e músculo cardíaco. Encaminhamento esse que percorre dois neurônios efetores autônomos: (1) pré-ganglionares e (2) pós-ganglionares. Esse componente eferente do sistema nervoso visceral é denominado sistema nervoso autônomo e pode ser subdividido em simpático e parassimpático.

OS SISTEMAS SIMPÁTICO E PARASSIMPÁTICO

ANATOMIA

A inervação do sistema autônomo é usualmente dupla. Todavia, um sistema costuma predominar. No coração, por exemplo, a freqüência cardíaca é controlada marcadamente pelo parassimpático. Há casos, ainda, em que a inervação de determinados órgãos é limitada a um dos sistemas. Por exemplo, medula adrenal, rim e ações fisiológicas como o controle de pressão arterial são áreas limitadas à influência do sistema simpático.

Sistema Simpático. As fibras simpáticas pré-ganglionares, cujos corpos celulares estão localizadas dentro do sistema nervoso central, abandonam o mesmo a partir de T1 a L2 (toracolombares). Passam, então, pela cadeia simpática e seguem para os tecidos e órgãos pelos neurônios pós-ganglionares.

As cadeias simpáticas são cadeias de gânglios paravertebrais simpáticos dispostos dos dois lados da coluna

vertebral. Neles, há a sinapse dos neurônios pré-ganglionares com os corpos celulares dos neurônios pós-ganglionares. Uma exceção ocorre nas adrenais (ou supra-renais). Neste caso, as fibras pré-ganglionares passam sem fazer sinapses desde a medula espinhal até atingirem células neuronais modificadas nas medulas das adrenais que secretam adrenalina e noradrenalina.

Sistema Parassimpático. As fibras parassimpáticas (craniossacrais) abandonam o sistema nervoso central pelos nervos cranianos III, VII, IX e X e pela terceira e quarta raízes espinhais sacrais. Contudo, cerca de 75% de todas as fibras nervosas parassimpáticas estão nos dois nervos vagos que proporcionam uma extensa inervação toracoabdominal

Uma diferença quanto às fibras simpáticas é que as fibras parassimpáticas pós-ganglionares, na grande maioria das vezes, encontram-se nas paredes dos órgãos.

FUNÇÕES

Sistema Simpático. Apesar de manter funções permanentes como tônus vascular, sua função principal é responder a situações não-permanentes de estresse como frio, trauma, medo, hipoglicemia, exercício etc. Aumenta a pressão arterial, a freqüência cardíaca, mobiliza estoques energéticos, causa vasoconstrição periférica e interna, provoca dilatação de pupilas e bronquíolos.

As alterações provocadas pelo organismo durante emergências são mediadas por ativação direta simpática dos órgãos efetuadores e por estímulo da medula adrenal liberando adrenalina e, em pequenas quantidades, noradrenalina. São também conhecidas como reações de luta ou fuga.

Sistema Parassimpático. Mantém funções essenciais à vida, tais como processos digestivos e eliminação de substâncias inaproveitáveis. Opera isoladamente em órgãos específicos como coração, músculo liso brônquico, íris, glândulas salivares e bexiga.

NEUROTRANSMISSORES

A neurotransmissão é um exemplo de comunicação química entre células. E no caso do sistema nervoso autônomo (simpático e parassimpático), as fibras nervosas secretam, principalmente, acetilcolina e noradrenalina (termo britânico para norepinefrina).

Os neurônios são células individualizadas e, tanto a sua comunicação entre si como com outras células é mediada por neurotransmissores. Esses se difundem através da fenda sináptica e agem sobre receptores pós-sinápticos. Podem, também, voltar e agir em receptores pré-sinápticos. Os neurotransmissores são muito hidrofílicos e seu efeito é mediado por receptores específicos na célula alvo.

Quadro 8.3 Neurotransmissores Autonômicos

Neurotransmissor Área de Ação

Sistema Nervoso Somático

Sistema Nervoso Visceral

aferente

eferente

aferente

eferente(ou S.N. autônomo)

simpático

parassimpático

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Farmacologia I – UNIRIO

Acetilcolina Todos os neurônios pré-

ganglionares Neurônios parassimpáticos

pós-ganglionares Medula das adrenais Nervos somáticos

Noradrenalina* Neurônios simpáticos pós-

ganglionares

* As fibras nervosas simpáticas pós-ganglionares para as glândulas sudoríparas, para os músculos eretores dos pêlos (piloeretores) e para alguns dos vasos sangüíneos são colinérgicas.

Acetilcolina. Se a transmissão autonômica é mediada por acetilcolina, o neurônio é dito colinérgico. E todos os neurônios pré-ganglionares são colinérgicos. Dessa forma, a acetilcolina medeia a transmissão nervosa dos gânglios autonômicos, tanto simpáticos como parassimpáticos. Além disso, é, também, o neurotransmissor na medula adrenal (lembrar que o neurônio simpático pré-ganglionar faz sinapse diretamente nela). O transmissor também é a acetilcolina no sistema parassimpático pós-ganglionar e nos nervos somáticos.

Dessa forma, quando aplicadas nos gânglios, a acetilcolina ou substâncias semelhantes a ela, estimularão os

neurônios pós-ganglionares, sejam eles simpáticos ou parassimpáticos.

Noradrenalina. No caso de o transmissor ser noradrenalina ou adrenalina, a fibra é denominada adrenérgica. A noradrenalina medeia a transmissão pós-ganglionar no sistema simpático.

Assim, praticamente todas as terminações nervosas do sistema parassimpático secretam acetilcolina, enquanto que a maioria das terminações do simpático libera noradrenalina. Por isso, a acetilcolina é chamada de transmissor parassimpático e a noradrenalina de transmissor simpático.SEGUNDOS MENSAGEIROS

Os neurotransmissores, ao atuar em seus receptores, ativam processos enzimáticos resultando em respostas celulares como fosforilação de proteínas e ativação de canais iônicos. Segundos mensageiros são moléculas que propagam a mensagem originada pela união do transmissor com o receptor. Ou seja, intervêm entre a mensagem original e o efeito final sobre a célula. São exemplos a adenilciclase, óxido nítrico e fosfatidilinositol.

Os receptores pós-sinápticos de neurônios e fibras musculares estão diretamente ligados a canais iônicos. Alguns receptores que não estão ligados a canais iônicos iniciam uma série de reações que culminam em uma resposta celular específica.

Referências Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,

2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9th

ed., The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).

Hardman, Joel G. & Limbird, Lee E.: Goodman & Gilman’s The Basic Pharmacological Basis Of Therapeutics. 9th ed., The McGraw-Hill Companies, Inc, 1996.

Guyton, Arthur C., Hall, John E.: Textbook of Medical Physiology. 10ª ed., Philadelphia, PA, W.B. Sauders Company, 2000 (trad. pt. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2002).

Machado, Ângelo: Neuroanatomia Funcional. 2ª ed., São Paulo Editora Atheneu, 2000.

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Page 23: Apostila Farmaco I UNIRIO

Farmacologia I – UNIRIO

CAPÍTULO 9

Agonistas Adrenérgicos

INTRODUÇÃO

Neurônios adrenérgicos liberam noradrenalina como neurotransmissor e são encontrados tanto no sistema nervoso central como no sistema periférico simpático, onde fazem a associação entre gânglios e órgãos efetuadores. Os agonistas adrenérgicos atuam em receptores que são estimulados por adrenalina ou noradrenalina. Logo, agonistas adrenérgicos são fármacos que, direta ou indiretamente, estimulam o adrenorreceptor e mimetizam os efeitos simpáticos.

Além disso, em resposta a uma variedade de estímulos como estresse, a medula da supra-renal libera adrenalina, que é transportada pelo sangue até os tecidos-alvo – em outras palavras, a adrenalina também atua como hormônio. Assim, é de se esperar que drogas que imitam as ações da adrenalina ou noradrenalina – drogas simpaticomiméticas – apresentem ampla gama de efeitos.

O sistema simpático, freqüentemente, tem seus constituintes ativados ao mesmo tempo como uma unidade completa. Esse fenômeno recebe o nome de descarga em massa. Isso ocorre quando o hipotálamo é ativado por susto, medo ou dor severa. O resultado é uma ampla reação em todo o corpo chamada de resposta de alarme. São características da descarga em massa:

1. Aumento da pressão arterial;2. Aumento do fluxo sangüíneo para os músculos ativos

concomitante com a diminuição do fluxo para órgãos tais como trato gastrintestinal e rins;

3. Aumento do metabolismo celular corporal;4. Aumento da concentração de glicose no sangue;5. Aumento da glicólise no fígado e nos músculos;6. Aumento da força muscular;7. Aumento da atividade mental;8. Aumento da velocidade de coagulação do sangue.

NEUROTRANSMISSÃO NOS NEURÔNIOS ADRENÉRGICOS

Ocorre usando estruturas intracitoplasmáticas em vesículas que terminam por associar-se à membrana plasmática neuronal. A noradrenalina é sintetizada nestas vesículas, armazenada e liberada no espaço sináptico, onde liga-se ao receptor e, finalmente, é removida da fenda sináptica.

O processo de síntese da noradrenalina tem início no citoplasma axonal, na extremidade da terminação nervosa das fibras adrenérgicas, sendo complementada pelas vesículas secretoras. As etapas básicas (ver Fig. 9.2) são as seguintes:

1. Tirosina hidroxilação DOPA2. DOPA descarboxilação Dopamina3. Transporte da dopamina para as vesículas4. Dopamina hidroxilação Noradrenalina

Na medula adrenal, essa reação passa por uma etapa adicional, transformando cerca de 80% da noradrenalina em adrenalina, de acordo com o seguinte:

5. Noradrenalina metilação Adrenalina

Tudo começa com o transporte de tirosina e Na+

extracelulares para o citoplasma neuronal (transportador sódio-dependente da tirosina). Lá, a tirosina é hidroxilada a diidroxifenilalanina (DOPA) pela tirosina-hidroxilase (etapa limitante da velocidade na síntese de noradrenalina). A dopa é, então, descarboxilada pela dopa descarboxilase, formando dopamina que é transportada para as vesículas por um sistema de transporte de aminas (como noradrenalina, dopamina e serotonina). O mesmo transporte, na fenda sináptica, irá transportar a noradrenalina de volta ao neurônio pré-sináptico. Dentro das vesículas, a dopamina é hidroxilada pela dopamina β-hidroxilase, transformando-se em noradrenalina. Parte da noradrenalina, contudo, não se encontra nas vesículas, mas livre no citoplasma.

Um potencial de ação (criado por uma corrente intracelular de íons sódio) faz com que íons cálcio entrem no neurônio levando as vesículas a se fundirem à membrana, liberando noradrenalina na fenda sináptica.

Figura 9.1 Fórmula Estrutural do Catecol

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Farmacologia I – UNIRIO

As catecolaminas estão sujeitas à inativação pela catecol-orto-metil-transferase (COMT), uma enzima encontrada no trato digestivo e no fígado e que diminui sua biodisponibilidade após administração oral.

Figura 9.2 Biossíntese das Catecolaminas

A noradrenalina liberada liga-se a receptores pós-sinápticos do órgão efetor, mas também a receptores pré-sinápticos no próprio neurônio (2). A ligação com os receptores leva à ativação de segundos mensageiros como o AMPc, ou o ciclo dos fosfoinositídeos, que irão transformar o sinal em efeito. A noradrenalina pode passar para a circulação geral, pode ser metabolizada pela enzima catecol-O-metiltransferase (COMT) ou ser transportada de volta ao neurônio de forma ativa. Transporte este que é inibido por imipramina e cocaína, que, ao aumentarem a concentração de noradrenalina no espaço sináptico, potencializam a ação adrenérgica.

Após reentrar no citoplasma, a noradrenalina pode ser transportada para as vesículas, ficar no pool citoplasmático ou ser oxidada pela monoamina oxidase (MAO) na mitocôndria. São metabólitos da noradrenalina eliminados na urina: ácido vanilmandélico, metanefrina e normetanefrina.

Quadro 9.1 Receptores Adrenérgicos / Efeitos

Receptor alfa Receptor beta

Vasoconstrição Dilatação da íris Relaxamento intestinal Contração dos

esfíncteres intestinais Contração pilomotora Contração do esfíncter

da bexiga

Taquicardia (β1) Aumento da força do

miocárdio (β1) Vasodilatação (β2) Broncodilatação (β2) Relaxamento intestinal

(β2) Relaxamento do útero

(β2) Relaxamento da parede

da bexiga (β2) Termogênese (β2)

Glicogenólise (β2) Lipólise (β3)

A Importância das Medulas Adrenais na Função do Sistema Nervoso Simpático. Adrenalina e noradrenalina, quase sempre, são liberadas pelas medulas das adrenais ao mesmo tempo que os diferentes órgãos são estimulados diretamente pela ativação simpática generalizada. Portanto, os órgãos são, na verdade, estimulados pelos dois modos simultaneamente. Esses dois modos de estimulação adrenérgica apóiam-se mutuamente e, na maioria dos casos, podem substituir um ao outro (por ex., na destruição das vias simpáticas ou perda das medulas adrenais).

Outra importância das medulas adrenais é a capacidade da adrenalina e noradrenalina estimularem estruturas do corpo que não são inervadas diretamente por fibras simpáticas.

MECANISMO DE AÇÃO DOS AGONISTAS ADRENÉRGICOS

Ação Direta. Adrenalina, noradrenalina, isoproterenol e fenilefrina agem diretamente em receptores e/ou , mimetizando a ação do sistema simpático.

Ação Indireta. Anfetamina e tiramina agem liberando noradrenalina do citosol ou vesículas. Esta noradrenalina comporta-se como na ativação neuronal.

Ação Mista. Efedrina e metaraminol combinam os dois mecanismos.

I. CATECOLAMINAS

ADRENALINA

Natureza. Catecolamina de ação direta.Fisiologia. É sintetizada na medula adrenal pela metilação da noradrenalina. Age tanto em receptores quanto . No sistema vascular, os efeitos (vasoconstrição) predominam com doses altas. Contrai as arteríolas da pele e vísceras (efeito 1), e o resultado é um aumento de pressão mais sistólico do que diastólico. Com doses baixas, todavia, os efeitos predominam na vasculatura (vasodilatação). Nas vias aéreas, a adrenalina causa potente broncodilatação (2). No coração, devido a suas ações nos receptores 1, a adrenalina tem efeitos inotrópico e cronotrópico positivos (aumento da força e da velocidade de contração, respectivamente). Dilata os vasos do fígado e musculatura esquelética (2). Apresenta efeito hiperglicemiante em razão de estimular a glicogenólise hepática e muscular (2). Causa um aumento na liberação de glucagon (2) e diminuição na liberação de insulina (2). No tecido adiposo, a adrenalina estimula a lipólise (3). É metabolizada pela COMT e MAO.Usos terapêuticos. É usada em broncoespasmos, glaucoma, choque anafilático e parada cardíaca. No choque anafilático, a adrenalina constitui o agente de escolha devido à vasta prática

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Farmacologia I – UNIRIO

experimental e clínica com a droga na anafilaxia, e por sua propriedade de ativar os receptores α, β1 e β2, que podem ser todos importantes para reverter o processo fisiopatológico subjacente à anafilaxia. Além disso, como veremos no capítulo 14 – Anestésicos Locais, devido a seu efeito vasoconstritor, é usada em solução com anestésicos locais por diminuir o risco de efeitos sistêmicos, bem como a dosagem de anestésico necessária.Efeitos adversos. Alterações psíquicas, hemorragia cerebral por seus efeitos pressores, arritmias – principalmente na presença de digitálicos (ver Quadro 9.3) – e edema pulmonar devido à hipertensão pulmonar.Interações. Efeitos aditivos em hipertireoidismo e uso de cocaína.

NORADRENALINA

Natureza. Catecolamina de ação direta.Fisiologia. É o neurotransmissor adrenérgico fisiológico, mas, na prática, quando administrado em humanos, apresenta ação -adrenérgica. Causa vasoconstrição generalizada e, conseqüentemente, aumento da pressão sistólica e diastólica.

Devido ao reflexo barorreceptor, a pressão cardíaca aumentada leva à estimulação vagal reflexa e, com isso, desenvolve-se bradicardia. O resultado final é que a noradrenalina, in vivo, mesmo possuindo ação inotrópica positiva, não causa estimulação cardíaca.Usos terapêuticos. Choque (complexa síndrome cardiovascular aguda), hipotensão durante cirurgia.Efeitos adversos. Semelhantes aos da adrenalina.

ISOPROTERENOL

Natureza. Catecolamina sintética de ação direta.Fisiologia. É um agonista muito potente dos receptores β (tanto 1 quanto 2), mas exerce pouco efeito sobre os receptores α. Dessa forma, trata-se de um potente vasodilatador. Atua em receptores 2 na musculatura esquelética, provocando vasodilatação periférica. Além disso, apresenta ações cronotrópica e inotrópica positivas (1). Produz rápida e intensa broncodilatação. Causa lipólise, com liberação de ácidos graxos livres (AGLs) (3). Há, também, um aumento na secreção de insulina (2). Sua absorção oral não é confiável. Usos terapêuticos. Usado em emergências cardíacas e como broncodilatador.Efeitos adversos. Semelhante aos da adrenalina.

DOPAMINA

Natureza. Catecolamina de ação direta (precursor metabólico imediato da noradrenalina).Fisiologia. É um neurotransmissor no SNC e medula adrenal. Em doses mais altas, causa estimulação 1 e, em doses baixas, estimula receptores cardíacos 1. Causa aumento da pressão sistólica. Liga-se, também, a receptores D1 e D2

existentes em leitos mesentéricos e renais, causando

vasodilatação em doses baixas e moderadas. Em doses altas, provoca vasoconstrição (1) com perda da função renal.Usos terapêuticos. É o fármaco de escolha em tratamento de choque.Efeitos adversos. Doses altas reproduzem uma ação semelhante à hiperativação simpática.

DOBUTAMINA

Natureza. Catecolamina sintética de ação direta.Fisiologia. É uma agonista direta de receptores 1 (agonista 1

seletivo). Não é absorvida via oral e apresenta meia-vida de 2 minutos quando administrada via intravenosa.Usos terapêuticos. Usada em insuficiência cardíaca por aumentar o débito cardíaco sem afetar a freqüência.Efeitos adversos. Deve ser usada com cautela em fibrilação atrial. Possui outros efeitos adversos semelhantes aos da adrenalina. Além disso, pode gerar tolerância.

II. OUTROS SIMPATICOMIMÉTICOS

FENILEFRINA

Natureza. Fármaco não-catecolamínico de ação direta.Fisiologia. É um adrenérgico sintético que se liga a receptores , principalmente 1. Como não se trata de um derivado catecólico, não é metabolizada pela COMT e, por isso, possui uma duração de ação maior que a adrenalina, com efeitos semelhantes, mas mais fracos. É um vasoconstritor que aumenta tanto a pressão sistólica quanto diastólica, causando bradicardia reflexa.Usos terapêuticos. É usada topicamente em mucosas nasais e em soluções oftálmicas para provocar midríase.Efeitos adversos. Altas doses provocam hipertensão e arritmias.

METOXAMINA

Natureza. Fármaco não-catecolamínico de ação direta.Fisiologia. Adrenérgico que, de forma semelhante à fenilefrina, se liga a receptores , principalmente 1. É usada para interromper episódios de taquicardia supraventricular paroxística e crises de hipotensão provocadas por halotano. Efeitos adversos. Causa vômitos e crise hipertensiva.

ANFETAMINA

Natureza. Fármaco não-catecolamínico de ação indireta.Fisiologia. Penetra com muita facilidade no sistema nervoso central, onde exerce efeitos estimulantes acentuados sobre o humor e o estado de alerta, com efeito depressor sobre o apetite. Suas ações periféricas são mediadas, primariamente, pela liberação de catecolaminas. Atua, também, como estimulante de receptores 1 no coração.

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Page 26: Apostila Farmaco I UNIRIO

Farmacologia I – UNIRIO

Usos terapêuticos. É usada em depressão, distúrbio de hiperatividade com déficit de atenção (DHDA) em crianças, narcolepsia e controle do apetite.Efeitos adversos. Seu uso crônico leva a um estado de esquizofrenia paranóide. Não deve ser usada em gravidez.

TIRAMINA

Natureza. Fármaco não-catecolamínico de ação indireta.Fisiologia. É um subproduto normal do metabolismo da tirosina no organismo. É altamente encontrada em alimentos fermentados como queijos e vinhos. A tiramina é rapidamente metabolizada pela MAO no fígado. Se a pessoa

estiver tomando inibidores de MAO, a tiramina não será metabolizada, o que pode levar a crises hipertensivas graves.

EFEDRINA

Natureza. Fármaco não-catecolamínico de ação mista.Fisiologia. Produz ações semelhantes à adrenalina, mas menos intensas. Como todos os não-catecolamínicos, não é metabolizada pela COMT, tendo ação mais duradoura.Usos terapêuticos. Seu uso clínico (asma, miastenia gravis (ver Quadro 11.1), hipotensão, descongestionante nasal) está em declínio.

Quadro 9.2 Resumo dos Agonistas Adrenérgicos mais Importantes

Fármaco Usos Terapêuticos Efeitos Adversos*

Adrenalina broncoespasmo (é broncodilatadora) parada cardíaca choque anafilático em solução com anestésicos (causa

vasoconstrição) glaucoma

hemorragia cerebral (devido a seus efeitos pressores)

arritmias edema pulmonar (causa hipertensão

pulmonar)

Noradrenalina choque hipotensão durante cirurgias

semelhantes aos da adrenalina

Isoproterenol emergência cardíaca broncoespasmo

semelhantes aos da adrenalina

Dopamina fármaco de escolha no tratamento de choque

Altas doses geram efeitos de superestimulação simpática

Dobutamina Insuficiência cardíaca (aumenta o débito sem alterar a freqüência)

semelhantes aos da adrenalina

Fenilefrina usado topicamente para provocar midríase altas doses levam a hipertensão e arritmias

* Os efeitos adversos dos agonistas adrenérgicos constituem, basicamente, extensões de seus efeitos farmacológicos no sistema cardiovascular e no sistema nervoso central. Contudo, catecolaminas ou drogas como a fenilefrina raramente provocam toxicidade no SNC (ao contrário de anfetaminas e cocaína).

Quadro 9.3 Apêndice

Clínica: Digitálicos

Digitalis é o nome do gênero da família de plantas (p. ex., Digitalis purpurea) que fornecem a maioria dos glicosídios cardíacos (ou cardenolídios) de utilidade clínica, como a digoxina. Aliás, esta é o protótipo dos cardenolídios.

Fato curioso, é que alguns sapos apresentam glândulas cutâneas capazes de elaborar compostos semelhantes aos cardenolídios

Os digitálicos aumentam a contratilidade cardíaca e encurtam a duração do potencial de ação. O aumento da intensidade da interação dos filamentos de actina e miosina do sarcômero cardíaco ocorre após aumento da concentração de cálcio livre nas proximidades das proteínas contráteis durante a sístole.

Referências Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,

2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9th

ed., The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).

Guyton, Arthur C., Hall, John E.: Textbook of Medical Physiology. 10ª ed., Philadelphia, PA, W.B. Sauders Company, 2000 (trad. pt. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2002).

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CAPÍTULO 10

Bloqueadores Adrenérgicos

INTRODUÇÃO

Este capítulo trata das drogas que antagonizam os agonistas adrenérgicos e cujo principal efeito consiste em ocupar os receptores α ou β fora do sistema nervoso central. São, por isso, chamadas antagonistas ou bloqueadores de receptores α ou β. A atividade adrenérgica pode ser bloqueada em vários pontos do processo estimulante simpático. Entre eles, temos:

1. Inibição da síntese e/ou do armazenamento da noradrenalina nas terminações nervosas. Um fármaco conhecido por esse efeito é a reserpina. Ela bloqueia a capacidade de captação e armazenamento da dopamina (precursor da noradrenalina) pelas vesículas transmissoras aminérgicas do axoplasma pré-sináptico. Com isso, a MAO pode metabolizar a própria dopamina, bem como a noradrenalina citoplasmática. Dessa forma, ela diminui o estoque de catecolaminas no neurônio pré-sináptico;

2. A liberação de noradrenalina pelas terminações nervosas simpáticas pode ser bloqueada. Efeito que pode ser causado pela guanetidina;

3. Os receptores simpáticos α podem ser bloqueados especificamente. Dois fármacos que causam esse efeito são a fenoxibenzamina e a fentolamina;

4. Os receptores β também podem ser bloqueados especificamente. O fármaco que bloqueia todos os receptores β é o propranolol. Um que bloqueia somente os receptores β1, por exemplo, é o metoprolol;

5. Há fármacos que bloqueiam a transmissão dos impulsos nervosos através dos gânglios autonômicos. Um exemplo importante no bloqueio das transmissões – tanto simpáticas quanto parassimpáticas – é o hexametônio.

Na terapêutica clínica, os antagonistas não-seletivos têm sido utilizados no tratamento do feocromocitoma (tumores que secretam catecolaminas), enquanto os antagonistas 1-seletivos são utilizados em hipertensão e, recentemente, se estabeleceu seu uso na hiperplasia prostática. Por outro lado, antagonistas de receptores mostram-se úteis numa variedade ampla de situações clínicas, e seu uso está bem estabelecido.

I. BLOQUEADORES ALFA

Apresentam vigoroso efeito sobre a pressão arterial. O sistema simpático, normalmente, controla a pressão arterial com ações agonísticas sobre receptores e seu bloqueio causa vasodilatação. Como conseqüência, temos taquicardia barorreflexa em resposta à queda de pressão arterial secundária à vasodilatação.

Os antagonistas podem ser reversíveis ou irreversíveis.

Reversíveis: fentolamina, tolazonine, labetalol e prazosin.

Irreversível: fenoxibenzamina.

A duração de efeito de um antagonista reversível está associada à meia-vida do fármaco e à constante de dissociação fármaco-receptor, enquanto que no caso de antagonismo irreversível, ele se manifesta por muito tempo após o fármaco ter desaparecido do plasma. No caso da fenoxibenzamina, é necessária a síntese de novos receptores, o que pode levar dias.

Quadro 10.1 Localizações dos Receptores Autonômicos

Receptor Adrenérgico Localizações Típicas

Alfa 1 Células efetoras pós-sinápticas, particularmente do músculo liso

Alfa 2 Terminações nervosas adrenérgicas pré-sinápticas, plaquetas, lipócitos, músculo liso

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Beta 1 Células efetoras pós-sinápticas, particularmente no coração, lipócitos, cérebro; terminações nervosas pré-sinápticas adrenérgicas e colinérgicas

Beta 2 Células efetoras pós-sinápticas, particularmente no músculo liso e músculo cardíaco

Beta 3 Células efetoras pós-sinápticas, particularmente lipócitos

Efeitos cardiovasculares. O tônus arterial e venoso depende da ativação de receptores no músculo liso vascular. Portanto, antagonismo de -receptores causa uma diminuição na resistência vascular periférica e pressão arterial. No caso de se usar concomitantemente um agonista com efeito tanto quanto (adrenalina, por exemplo), os antagonistas , ao bloquearem apenas os efeitos , convertem a resposta da adrenalina de hipertensora para hipotensora, o que é chamado de reversão vasomotora da adrenalina. Ou seja, o antagonista -seletivo bloqueará a ação , mas os efeitos vasodilatadores do agonista permanecem ativos.

Como os antagonistas de receptores relaxam as fibras dos músculos lisos vasculares, eles podem causar hipotensão postural e taquicardia reflexa. A contração de veias (mediada por estimulação simpática 1) é muito importante para a capacidade de levantar-se. A taquicardia reflexa é ainda mais acentuada com antagonistas que bloqueiam também os receptores 2 pré-sinápticos no coração – como fentolamina – , porque a liberação aumentada de noradrenalina estimulará ainda mais os receptores 1 cardíacos. O uso crônico de antagonistas resulta em um aumento compensatório de volume sangüíneo.

Outros efeitos. Os efeitos de menor importância que indicam bloqueio dos receptores α em outros tecidos incluem miose e congestão nasal. O bloqueio dos receptores α1 da base da bexiga e da próstata está associado a uma redução da resistência ao fluxo de urina.

FARMACOLOGIA CLÍNICA DOS ALFA-BLOQUEADORES

Disfunção sexual masculina. Fentolamina, junto com o vasodilatador inespecífico papaverina, quando administrados conjuntamente, causam ereção masculina. Fentolamina tem sido sugerida como fármaco a ser usado em disfunção erétil masculina.

Excesso de vasoconstritores locais. Fentolamina é usada em casos de intensa vasoconstrição local provocada por acidentes com aplicações locais de norepinefrina durante cirurgias.

Feocromocitoma. Maior uso da fenoxibenzamina (irreversível) e fentolamina (reversível). Feocromocitoma é um tumor da medula adrenal que libera, anormalmente, noradrenalina e adrenalina. Os pacientes apresentam sinais de excesso de catecolaminas como hipertensão, taquicardia e arritmias. Infusões de fentolamina eram recomendadas no passado como mecanismo de diagnóstico de feocromocitoma porque, nestes pacientes, ela causa uma diminuição mais acentuada de pressão do que em pessoas normais. Hoje em

dia, usa-se a análise de catecolaminas e metabólitos de catecolaminas como método diagnóstico de feocromocitoma.

O manejo cirúrgico de feocromocitoma pode levar a uma elevação abrupta de pressão, que deve ser controlada com nitroprussiato de sódio ou fentolamina. Fenoxibenzamina também é usada na pré-cirurgia de feocromocitoma.

Beta-bloqueadores podem ser usados, após o bloqueio , para minimizar os efeitos simpáticos no coração. Mas nunca antes, porque poderiam levar a um aumento na pressão arterial por deixar a estimulação vasoconstritora 1 periférica sem nenhuma estimulação compensatória vasodilatadora 2.

Hiperplasia prostática benigna. Fenoxibenzamina reverte a contração muscular da próstata aumentada e do colo da bexiga. Tamsulosina é um antagonista de receptores 1 que quase não possui efeito colateral na pressão arterial. Prazosin, por outro lado, pode ser indicado em pacientes hipertensos com hipertrofia prostática.

Hipertensão crônica. Fármacos da família do prazosin (prazosin, terazosin, doxazosin) são usados no tratamento de hipertensão leve a moderada. A hipotensão postural é o maior efeito colateral destes fármacos. Diferentemente da fenoxibenzamina e fentolamina, exercem pouco efeito na função renal, débito cardíaco e fluxo sangüíneo renal.

FÁRMACOS ESPECÍFICOS

Fentolamina. A diminuição na resistência periférica que ela causa está associada ao antagonismo 1 e 2 no músculo liso vascular. Causa uma estimulação simpática cardíaca em resposta a mecanismos barorreflexos compensatórios induzidos pela queda de pressão arterial. O antagonismo de receptores pré-sinápticos 2 leva a um aumento na liberação de norepinefrina, o que estimula os receptores cardíacos 1. Fentolamina também é antagonista a receptores de serotonina e um agonista dos receptores histamínicos H1 e H2. Tem sido usada em feocromocitoma e disfunção erétil masculina.

Fenoxibenzamina. Liga-se de forma covalente e irreversível a receptores 2 pré-sinápticos e 1 pós-sinápticos. É um bloqueio irreversível e suas ações prolongam-se por 24 horas. Por antagonizar os receptores 1 causa vasodilatação, mas sua ação nos receptores 2 cardíacos, aumenta o débito cardíaco, tornando seu uso em hipertensão ineficaz. O uso de fenoxibenzamina faz com que a resposta hipertensora à adrenalina transforme-se em hipotensora (ação vasoconstritora 1 da adrenalina é bloqueada, mas não a 2

vasodilatadora, ocasionando a reversão vasomotora da adrenalina).

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Prazosin. É altamente seletivo para receptores 1 e, por isso, usado no tratamento da hipertensão. Por não se ligar muito a receptores 2 pré-sinápticos, causa pouca taquicardia. A sua meia-vida é de 3 horas e é muito metabolizado no fígado humano. Aproximadamente, apenas 50% fica disponível após administração oral devido ao efeito de primeira passagem que reduz sua biodisponibilidade. Um de seus efeitos colaterais importantes é a hipotensão postural significativa que aparece em suas primeiras doses.

Alcalóides do esporão de centeio (ergotamina, metilsergida). Atuam como bloqueadores fracos, tendo alguma ação agonista em receptores e são, também, antagonistas de serotonina. São vasoconstritores usados em enxaqueca.

Iombina é um alcalóide bloqueador seletivo de receptores 2 com uso clínico restrito e que bloqueia abruptamente as ações anti-hipertensivas da clonidina.

II. BLOQUEADORES BETA

Em termos operacionais, os receptores 1 e 2 são definidos por suas afinidades pela adrenalina e noradrenalina. Os receptores 1 apresentam afinidade aproximadamente igual por adrenalina e noradrenalina, enquanto os receptores 2

possuem maior afinidade pela adrenalina do que pela noradrenalina.

Os bloqueadores constituem-se, na sua grande maioria, de antagonistas competitivos, sem ação estimuladora própria. Não obstante, alguns poucos (p. ex., pindolol) são agonistas fracos, desempenhando pequena ação simpaticomimética. Diferem, entre si, quanto à sua especificidade por receptores 1 e 2. Quimicamente, se parecem com isoproterenol, um agonista potente. Os ditos -bloqueadores seletivos bloqueiam primariamente receptores 1.

FARMACOCINÉTICA DOS BETA-BLOQUEADORES

São bem absorvidos e seu pico de ação ocorre em 2-3 horas. A biodisponibilidade do propranolol, por exemplo, é baixa pois ele sofre extensa metabolização hepática. De modo geral, a biodisponibilidade é uma limitação na ação de grande parte dos -bloqueadores. São exceções o pindolol, sotalol, betaxolol e penbutolol. A proporção de propranolol que atinge a circulação aumenta à medida que aumenta a concentração do fármaco, sugerindo que os mecanismos responsáveis por seu metabolismo são saturáveis.

A maior parte dos -bloqueadores tem meia-vida de 3-10 horas. São rapidamente distribuídos e possuem grande volume de distribuição. O propranolol atravessa a barreira hematoencefálica.

EFEITOS ADVERSOS

Sedação, distúrbio do sono e depressão podem ocorrer em pacientes usando -bloqueadores. Devem ser usados com

cautela em pacientes com doença vascular periférica, asma, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e insuficiência cardíaca. -bloqueadores podem interagir com verapamil e causar distúrbios de condução severos no coração. A retirada de -bloqueadores deve ser lenta, porque há relato de piora em pacientes com cardiopatia isquêmica após retirada abrupta do fármaco. Podem, também, mascarar os sinais de hipertireoidismo e devem ser usados com cautela em pacientes diabéticos, especialmente os que apresentam episódios hipoglicêmicos.

EFEITOS SOBRE SISTEMAS E ÓRGÃOS

Sistema cardiovascular. Possuem efeitos cronotrópicos e inotrópicos negativos e diminuem a velocidade de condução no nodo atrioventricular (A.V.) (aumentam o intervalo PR no eletrocardiograma). A bradicardia resultante limita o uso de -bloqueadores. Débito, trabalho e consumo de oxigênio cardíacos são reduzidos pelo bloqueio dos receptores 1, efeitos muito úteis no tratamento das arritmias supraventriculares, e nas ventriculares secundárias a exercício e emoções (situações em que há um excesso de catecolaminas circulantes). São usados, também, em pacientes após infarto do miocárdio, porque vários (propranolol, metoprolol, timolol) mostraram, em grandes estudos, que prolongam a vida destes pacientes.

Dados cronicamente, os β-bloqueadores diminuem a pressão arterial em pacientes com hipertensão. O propranolol, por exemplo, diminui a pressão arterial, principalmente em decorrência de uma redução do débito cardíaco. Além disso, inibe a estimulação da produção de renina pelas catecolaminas (mediada pelos receptores β1). Ou seja, o beta-bloqueio antagoniza a liberação simpática de renina. Contudo, doses convencionais destes fármacos não causam hipotensão em indivíduos normais.

Estes efeitos podem ser desejáveis em alguns pacientes e indesejáveis em outros. Embora doses pequenas de -bloqueadores sejam muito úteis em alguns pacientes, devido ao aumento na estimulação simpática, seu uso pode ser trágico em grande parte dos indivíduos com insuficiência cardíaca

Trato respiratório. O bloqueio dos receptores 2 no músculo liso brônquico leva a um aumento na resistência das vias aéreas, especialmente em pacientes com doenças nas vias respiratórias. Embora haja alguma vantagem em se usar -bloqueadores 1 seletivos como atenolol, a seletividade é longe de ser perfeita e eles devem ser evitados em pacientes com, por exemplo, asma.

Globo ocular. Reduzem a produção de humor aquoso e são usados em glaucoma (timolol).

Efeitos endócrinos e metabólicos. Inibem a estimulação simpática da lipólise. Já os efeitos no metabolismo de carboidratos não são tão claros. Inibem a glicogenólise hepática e reduzem a secreção de glucagon (principal hormônio de reação à hipoglicemia) e devem ser usados com grande cautela em pacientes diabéticos pois estes podem

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apresentar profunda hipoglicemia, após injeção de insulina, se estiverem usando -bloqueadores. Isso é bastante verdadeiro em pacientes que apresentam episódios de hipoglicemia, visto que catecolaminas parecem ser o mais importante mecanismo no estímulo à liberação de glicose no fígado em resposta à hipoglicemia. -bloqueadores 1

específicos parecem inibir menos a recuperação de episódios hipoglicêmicos. Além disso, mascaram os sintomas simpáticos da hipoglicemia como taquicardia, tremores, sudorese. O uso crônico de -bloqueadores acarreta uma diminuição nas concentrações plasmáticas de HDL, e a um aumento nas de VLDL, enquanto as concentrações de LDL não são afetadas. Portanto, possuem um efeito potencialmente aterosclerótico. Isso não é tão verdadeiro para -bloqueadores com atividade simpática intrínseca. Interessantemente, antagonistas de receptores , como prazosin, têm sido associados a aumento na concentração plasmática de HDL. Contudo, os mecanismos que participam na modulação plasmática de lipídios por fármacos adrenérgicos não são conhecidos.

Efeitos não relacionados ao β-bloqueio. Não se sabe até que ponto o efeito simpático intrínseco (-bloqueadores com agonismo parcial) é realmente benéfico. Há sugestões de que a atividade simpática intrínseca beneficiaria os pacientes com doenças nas vias respiratórias. Eles parecem ser úteis em pacientes que desenvolvem broncoespasmos ou bradicardia com -bloqueadores puros. A ação anestésica local, também conhecida como ação estabilizadora de membrana, é uma ação típica de muitos bloqueadores e é uma ação típica de bloqueio dos canais de Na+, que não parece ser muito importante na prática pois as concentrações necessárias para atingir este efeito não são alcançadas farmacologicamente.

FARMACOLOGIA CLÍNICA DOS BETA-BLOQUEADORES

Hipertensão. Apresentam meia-vida curta e podem ser usados 2-3 vezes por dia. Há a idéia de que seriam menos eficazes em negros e idosos, mas as diferenças são pequenas e não se aplicam a pacientes individualmente. Não ocorre hipotensão postural porque os receptores 1 não são afetados. Em alguns pacientes, podem levar à retenção de Na+ por diminuição da perfusão renal. Isto ocasiona um aumento no volume do plasma que pode elevar a pressão sangüínea. Nestes casos, adiciona-se um diurético ao -bloqueador. As vantagens da seletividade e da atividade simpática intrínseca, que é uma ação 2, são, teoricamente, interessantes, mas não totalmente comprovadas na prática.

Cardiopatia isquêmica. Diminuem os episódios anginosos ao diminuir o trabalho cardíaco e o consumo de oxigênio. Estudos mostraram que o uso de timolol, metoprolol e propranolol em pacientes infartados aumentam a sobrevida. Em animais, o uso de -bloqueadores, durante a fase aguda do infarto, limita sua área, mas esta possível diminuição da área de infarto é, ainda, um assunto controverso.

Arritmias cardíacas. São usados em taquicardia sinusal, arritmias supraventriculares e ventriculares. Além disso, diminuem extra-sístoles. Por sua ação no nódulo A.V., diminuem a freqüência ventricular em flutter e fibrilação atrial.Outras doenças cardiovasculares. Aumentam a fração de ejeção em pacientes com miocardiopatia obstrutiva. Tornam mais lenta a ejeção ventricular e diminuem a resistência ao fluxo de saída. São úteis em aneurisma dissecante da aorta por diminuir a pressão sistólica.

Glaucoma. Tópica e sistemicamente, diminuem a pressão intra-ocular. Timolol é recomendado topicamente. Deve-se, no entanto, tomar cuidado com efeitos sistêmicos do fármaco, que pode potencializar, por exemplo, a ação bloqueadora do verapamil – um bloqueador de cana de Ca2+ no nódulo A.V..

Hipertireoidismo. Propranolol tem uma ação muito boa sobre a ação catecolamínica exagerada do hipertireoidismo. Ele é muito eficaz na “tormenta tirotóxica” do hipertireoidismo agudo, e é usado para prevenir taquicardias supraventriculares que, freqüentemente, precipitam insuficiência cardíaca nestes pacientes.

Doenças neurológicas. Os -bloqueadores reduzem a freqüência e intensidade de episódios de enxaqueca (são usados propranolol e metoprolol). Reduzem, também, tremores e manifestações somáticas de ansiedade. Além disso, são usados na doença do pânico.

FÁRMACOS ESPECÍFICOS

Propranolol. Fármaco protótipo dos -bloqueadores. Possui biodisponibilidade baixa, que é dose dependente. Pode bloquear alguns receptores para serotonina no cérebro.

Metoprolol, atenolol. São seletivos para receptores 1, mas, mesmo assim, devem ser usados com grande cautela em pacientes com história de asma. São preferíveis em pacientes com diabete e doença vascular periférica pois receptores 2

são importantes – no fígado – para recuperação de episódios de hipoglicemia e – na vasculatura periférica – promovendo vasodilatação.

Nadolol, timolol. Possuem ação hipotensora ocular local.

Pindolol, acebutolol, carteolol, bopindolol, oxprenolol e penbutol. Possuem atividade simpática intrínseca.

Labetalol. É uma mistura racêmica em que um isômero é um bloqueador 1 e, o outro, um potente -bloqueador não seletivo. A hipotensão induzida por labetalol é acompanhada de menos taquicardia que outros bloqueadores . Pode causar hipotensão postural e icterícia.

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Referências Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,

2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9ª ed.,

The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).

CAPÍTULO 11

Agonistas Muscarínicos e Colinesterásicos

INTRODUÇÃO

Em 1914, Dale, estudando as ações farmacológicas da acetilcolina, distinguiu dois tipos de atividade que designou muscarínica e nicotínica. As ações muscarínicas da acetilcolina são as que podem ser reproduzidas pela injeção de muscarina e abolidas com pequenas doses de atropina. Em seu conjunto, as ações muscarínicas correspondem àquelas da estimulação parassimpática. Após bloqueio dos efeitos muscarínicos (aumento da secreção glandular, contração da musculatura lisa, inibição cardíaca etc.) pela atropina, doses maiores de acetilcolina produzem os efeitos nicotínicos, que incluem estimulação de todos os gânglios autônomos (ver Quadro 8.3), estimulação da musculatura voluntária e secreção da adrenalina pela medula da glândula supra-renal.

Assim, se injetarmos doses moderadas de acetilcolina em um animal, há uma queda da pressão arterial pela vasodilatação arterial e redução da freqüência cardíaca (efeitos muscarínicos). Após a inibição pela atropina, a administração de uma dose elevada de acetilcolina produz os efeitos nicotínicos: vasoconstrição, elevação inicial da pressão arterial por estímulo dos gânglios simpáticos bem como elevação secundária da pressão arterial pelo aumento na secreção de adrenalina pela supra-renal.

A ação parassimpaticomimética da muscarina ocorre mediante seu efeito sobre os receptores presentes nas células efetoras autônomas (músculo liso, coração, glândulas exócrinas), e não nos gânglios.

Já a nicotina estimula os gânglios autônomos e as junções neuromusculares do músculo esquelético, mas não as células efetoras autônomas. De qualquer forma, trataremos, principalmente, dos efeitos e dos receptores muscarínicos no presente capítulo.

As ações muscarínicas correspondem às ações da acetilcolina liberada nas terminações nervosas

parassimpáticas pós-ganglionares com duas exceções importantes:

1. Embora a maioria dos vasos careça de inervação parassimpática, uma infusão de acetilcolina causa vasodilatação generalizada. Essa vasodilatação ocorre porque os agonistas muscarínicos, como a acetilcolina, liberam uma substância (fator de relaxamento do endotélio ou EDRF [endothelium-derived relaxing factor]) das células endoteliais, que produz relaxamento do músculo liso. O EDRF parece ser constituído, em grande parte, de óxido nítrico (NO);

2. A acetilcolina age como agonista em glândulas sudoríparas que são inervadas por fibras colinérgicas do sistema simpático.

As ações nicotínicas correspondem às ações da acetilcolina sobre os gânglios autônomos (do simpático e parassimpático), sobre a placa terminal motora do músculo voluntário e sobre as células secretoras da medula supra-renal.

RECEPTORES COLINÉRGICOS

Os receptores colinérgicos são membros das famílias ligadas a proteínas G (receptores muscarínicos) ou de canais iônicos (receptores nicotínicos).

Nicotínicos

São divididos em musculares e neuronais. Os musculares são encontrados na junção neuromuscular e, os neuronais, nos gânglios autônomos e cérebro, onde a acetilcolina é um transmissor. A estrutura desses receptores é a de um canal iônico regulado pelo “ligante” acetilcolina (ver Fig. 2.1).

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Muscarínicos

A biologia molecular revelou que existem cinco diferentes tipos de receptores muscarínicos. Desses, três foram melhor distinguidos funcional e fisiologicamente.

M1 (neuronais). Encontrados, principalmente, em neurônios (tanto do sistema nervoso central quanto periférico) e células parietais gástricas. Atuam como mediadores excitatórios. Por exemplo, intermediando a excitação muscarínica lenta da acetilcolina nos gânglios simpáticos e SNC. A deficiência deste efeito no cérebro está, provavelmente, associada à demência. Além disso, estão envolvidos no aumento da secreção do ácido gástrico e motilidade gastrintestinal.

M2 (cardíacos). São encontrados no coração e terminações pré-sinápticas dos neurônios (periféricos e centrais). Exercem efeitos inibitórios e a ativação dos receptores M2 é responsável pela inibição vagal do coração e inibição pré-sináptica no sistema nervoso.

M3 (glandulares / musculares lisos). Produzem efeitos excitatórios como estimulação das secreções glandulares (salivares, brônquicas, sudoríparas etc.) e contração da musculatura lisa visceral. São, também, responsáveis pelo relaxamento da musculatura lisa vascular em resposta ao óxido nítrico proveniente de células endoteliais adjacentes.

Como dito, todos os receptores muscarínicos pertencem à família dos receptores acoplados à proteína G. Os de número ímpar (M1, M3 e M5) atuam pela via de inositol (fosfolipase C), enquanto que os receptores pares (M2 e M4) inibem a adenil-ciclase, reduzindo o AMPc.

FISIOLOGIA DA TRANSMISSÃO COLINÉRGICA

A acetilcolina é sintetizada na terminação nervosa a partir da colina captada por um sistema de transporte ativo. Ao contrário do sistema de transporte da noradrenalina, este sistema transporta só o precursor – colina – e não a acetilcolina. Portanto, não participa no término de ação do neurotransmissor. A colina, no citoplasma das terminações nervosas, é acetilada pela enzima colina acetiltransferase. A maior parte da acetilcolina sintetizada é acondicionada em vesículas a partir das quais ocorre liberação por exocitose, desencadeada pela entrada de cálcio na terminação nervosa. A acetilcolina acumula-se nas vesículas pela ação de um transportador específico, diferente do transportador de colina (que é por transporte ativo). O processo que limita a velocidade de síntese da acetilcolina parece ser o transporte de colina que, por sua vez, é regulado pela taxa de liberação da acetilcolina. A colinesterase presente nas terminações nervosas pré-sinápticas faz com que a acetilcolina seja constantemente hidrolisada e ressintetizada.

Após sua liberação, a acetilcolina sofre difusão através da fenda sináptica para se combinar com receptores na célula

pós-sináptica. Uma parte é hidrolisada pela acetilcolinesterase situada entre as membranas pré e pós-sinápticas.

Eventos elétricos na transmissão da sinapse colinérgica. A acetilcolina, ao atuar na membrana pós-sináptica, provoca acentuado aumento na entrada de cátions, particularmente, sódio e potássio. A conseqüente despolarização é denominada “potencial de placa terminal” (ppt) se ocorre em uma fibra muscular esquelética, e “potencial excitatório pós-sináptico rápido” (peps rápido) se ocorre na sinapse ganglionar.

Bloqueio de despolarização. Nas sinapses colinérgicas, ocorre quando os receptores nicotínicos excitatórios são persistentemente ativados por agonistas nicotínicos, resultando em uma diminuição na excitabilidade elétrica pós-sináptica.

I. COLINOMIMÉTICOS DE AÇÃO DIRETA

São agonistas de receptor. Alguns desses fármacos apresentam alta seletividade para os receptores muscarínicos ou nicotínicos. Muitos possuem efeitos sobre ambos os receptores, como a acetilcolina.

AGONISTAS MUSCARÍNICOS

São chamados parassimpaticomiméticos em virtude de seus efeitos se assemelharem à estimulação parassimpática. A acetilcolina e outros ésteres relacionados à colina são agonistas tanto nos receptores muscarínicos quanto nicotínicos. Porém, são mais potentes em receptores muscarínicos. Apenas o betanecol e a pilocarpina são utilizados clinicamente.

Efeitos. Diminuem freqüência e débito cardíaco e causam vasodilatação generalizada devido à liberação óxido nítrico. O resultado final é uma queda importante na pressão arterial.

A musculatura lisa visceral sofre contração, aumentando a atividade peristáltica do trato gastrintestinal, podendo gerar cólica. Ocorrem contrações também na bexiga e músculo liso brônquico. Além disso, aumentam a secreção brônquica, salivação, lacrimejamento e sudorese.

No olho, reduzem a pressão intra-ocular em pacientes com glaucoma, com pouco efeito sobre o indivíduo normal.

Uso clínico. Pilocarpina é utilizada no tratamento do glaucoma na forma de gotas oftálmicas. Betanecol é utilizado, ocasionalmente, para ajudar no esvaziamento da bexiga ou estimular a motilidade gastrintestinal.

II. COLINOMIMÉTICOS DE AÇÃO INDIRETA

São inibidores da colinesterase. A ação da acetilcolina é interrompida por sua hidrólise pela enzima acetilcolinesterase. Essa enzima está presente em altas concentrações nas sinapses colinérgicas. Os colinomiméticos de ação indireta exercem

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seus efeitos, principalmente, sobre os sítios ativos dessa enzima. Dessa forma, os inibidores da colinesterase, ou anticolinesterásicos, aumentam a concentração de acetilcolina endógena nos receptores colinérgicos.

Existem dois tipos de colinesterases, que são semelhantes estruturalmente, mas diferem em suas funções, distribuição e especificidade de substrato. São elas a acetilcolinesterase e a butirilcolinesterase.

A acetilcolinesterase encontra-se tanto na fenda sináptica, onde hidrolisa o transmissor liberado, como nas terminações nervosas colinérgicas, onde influi na concentração de acetilcolina livre. A butirilcolinesterase não está particularmente associada a sinapses colinérgicas e apresenta uma especificidade de substrato mais ampla que a acetilcolinesterase. Normalmente, a acetilcolinesterase e a butirilcolinesterase mantêm as concentrações plasmáticas de acetilcolina em níveis indetectáveis, de modo que a acetilcolina, ao contrário da noradrenalina, não funciona como um hormônio, mas como um neurotransmissor apenas.

FÁRMACOS ESPECÍFICOS

1. Anticolinesterásicos de ação curta: edrofônio é usado para diagnóstico de miastenia gravis (ver Quadro 11.1) por melhorar a força muscular nesses pacientes;

2. Anticolinesterásicos de ação média: neostigmina, piridostigmina e fisostigmina possuem ação muito prolongada;

3. Anticolinesterásicos irreversíveis: compostos organofosforados (derivados orgânicos do ácido fosfórico). Esses compostos se ligam à acetilcolinesterase e sofrem uma hidrólise, resultando num sítio ativo fosforilado. A ligação covalente fósforo-enzima é extremamente estável e sua hidrólise é muito demorada. No caso de certos fármacos como o diflos, não ocorre hidrólise e a enzima deve ser sintetizada novamente, o que pode levar várias semanas.

Devido à sua alta lipossolubilidade (à exceção do ecotiofato), os organofosforados são bem absorvidos pela pele, pulmões, trato digestivo e conjuntiva. Dessa forma, tornam-se perigosos para os seres humanos (já foram muito usados como gases bélicos) e altamente eficazes como inseticidas. Alguns, porém, apresentam usos clínicos, como o ecotiofato para uso oftálmico (glaucoma).EFEITOS DOS ANTICOLINESTERÁSICOS

Afetam as sinapses colinérgicas autonômicas, a junção neuromuscular e o SNC. Nas sinapses pós-ganglionares parassimpáticas, potencializam os efeitos da acetilcolina levando a um aumento de secreções, peristaltismo etc.

A intoxicação com anticolinesterásicos provoca bradicardia, hipotensão e dificuldade respiratória. Na junção neuromuscular, as doses elevadas da intoxicação provocam, inicialmente, contrações espasmódicas que evoluem para paralisia.

Os compostos terciários como fisostigmina e os organofosforados apolares penetram livremente no SNC, que pode resultar em excitação inicial, convulsões, depressão e parada respiratória.

APLICAÇÕES CLÍNICAS

Miastenia gravis. Anticolinesterásicos melhoram a função neuromuscular nesses pacientes (ver Quadro 11.1). Na terapêutica, são usados neostigmina e piridostigmina via oral (edrofônio é usado no diagnóstico).

Glaucoma. Usa-se ecotiofato em gotas oftálmicas.

Anestesia. Usa-se neostigmina via intravenosa para reverter a ação dos fármacos bloqueadores neuromusculares não-despolarizantes (bloqueadores competitivos de acetilcolina).

Quadro 11.1 Apêndice

Clínica: a Miastenia Grave

A miastenia grave é uma doença que afeta as junções neuromusculares dos músculos esqueléticos. Um processo auto-imune leva à produção de anticorpos, diminuindo o número de receptores nicotínicos funcionais nas placas terminais pós-juncionais (ver Fig. 2.1).

Os achados freqüentes incluem ptose (queda) palpebral, diplopia (visão dupla), dificuldade na fala e deglutição e fraqueza nos membros. A doença grave pode acometer todos os músculos, inclusive os necessários à respiração.

Referências Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,

2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9ª ed.,

The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).

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Farmacologia I – UNIRIO

CAPÍTULO 12

Antagonistas Muscarínicos

INTRODUÇÃO

Os bloqueadores dos receptores muscarínicos são, freqüentemente, denominados “parassimpaticolíticos”, pois bloqueiam, seletivamente, a atividade parassimpática. Entretanto, como não “lisam” os nervos ou receptores parassimpáticos e exercem certos efeitos que não podem ser previstos com base no bloqueio do sistema parassimpático, é preferível utilizar o termo antimuscarínico.

Apresentam estrutura semelhante à da acetilcolina, mas com um grupo aromático no lugar do grupo acetil. E como são lipossolúveis, são rapidamente absorvidos pelo intestino e atravessam a barreira hematoencefálica.

Os antimuscarínicos incluem alcalóides naturais (ver Quadro 12.1) como a atropina e a escopolamina (compostos de amônio terciário muito lipossolúveis), derivados semi-sintéticos desses alcalóides e substâncias sintéticas. Esses fármacos competem com a acetilcolina por um sítio comum de ligação no receptor muscarínico.

A atropina provoca um bloqueio reversível das ações colinomiméticas nos receptores muscarínicos. Ou seja, o bloqueio por uma pequena dose de atropina pode ser superado com uma concentração maior de acetilcolina ou agonista muscarínico equivalente. Trata-se, portanto, de um caso de antagonismo competitivo reversível (ver Fig. 2.4).

A atropina apresenta alta seletividade para os receptores muscarínicos e suas ações em receptores não-muscarínicos, geralmente, são clinicamente indetectáveis. Além disso, a atropina não distingue os subgrupos M1, M2 e M3 dos receptores muscarínicos; (há, entretanto, fármacos antimuscarínicos que apresentam seletividade moderada para um ou outro desses subgrupos).

A fim de evitar muitas repetições, lembre-se, ao longo do capítulo, de que atropina e escopolamina são lipossolúveis, mas a escopolamina o é em maior grau. Com isso, atravessa mais facilmente a barreira hematoencefálica e distribui-se de forma completa pelo sistema nervoso central.

Hierarquia de ação. Doses pequenas de atropina deprimem as secreções salivares, brônquicas e sudorese. Com doses maiores, a pupila dilata, a acomodação do cristalino para visão próxima é inibida e a freqüência cardíaca aumenta

devido à inibição da ação vagal cardíaca. Doses ainda maiores inibem a micturação e diminuem o tônus e motilidade do intestino.

Essa hierarquia de ações é resultado do grau com que as funções dos órgãos são reguladas pelo tônus parassimpático, e não de diferenças na afinidade da atropina pelos receptores. Uma conseqüência dessa hierarquização de efeitos é que, por exemplo, uma dosagem de atropina que causa efeitos no tato gastrintestinal, invariavelmente, afeta a secreção salivar, acomodação ocular e micturação.

FARMACOCINÉTICA DOS ANTIMUSCARÍNICOS Absorção, distribuição e excreção. Os alcalóides naturais e demais antimuscarínicos terciários são bem absorvidos a partir do trato gastrintestinal e mucosas. Por outro lado, antimuscarínicos de amina quaternária, em função de sua baixa lipossolubilidade, são mal absorvidos, seja por via oral, pulmonar ou pela conjuntiva. Sua diminuída lipossolubilidade também dificulta sua penetração no cérebro.

Quanto à atropina, o metabolismo hepático elimina metade da dose absorvida e o resto é excretado inalterado na urina.

EFEITOS SOBRE SISTEMAS E ÓRGÃOS

Coração. Os receptores muscarínicos M2 estão presentes no coração e nas terminações neuronais pré-sinápticas e, quando ativados, exercem efeitos inibitórios. Dessa forma, a atropina, ao bloquear os receptores M2 no coração (nó sinoatrial), causa taquicardia pois inibe o bloqueio vagal sobre o coração. Contudo, em doses muito baixas, a atropina causa bradicardia paradoxal. Isso ocorre pois, inicialmente, ela bloqueia os receptores M2 neuronais pré-sinápticos das fibras pós-ganglionares que suprimiam a liberação de acetilcolina. Ou seja, os receptores que impediam a liberação de acetilcolina no coração são inibidos pela atropina. Há, com isso, um aumento inicial e passageiro na atividade vagal.

Sistema circulatório. Antes de mais nada, vale lembrar que os termos simpático e parassimpático são baseados em

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Farmacologia I – UNIRIO

critérios anatômicos e não fisiológicos (ver Quadro 8.2) e que a acetilcolina não é um neurotransmissor exclusivo do sistema parassimpático (ver Quadro 8.3). Com efeito, nervos somáticos, como os que inervam a musculatura esquelética, também usam a acetilcolina como transmissor.

Além disso, mesmo os neurônios pós ganglionares do sistema simpático que, em sua maioria, liberam noradrenalina, podem ser colinérgicos, como por exemplo, os que inervam a maioria das células sudoríparas. Outro exemplo são os que inervam alguns vasos que irrigam tecido muscular.

Essa inervação simpática da vasculatura dos músculos esqueléticos é importante pois os vasos sangüíneos não recebem inervação direta do sistema nervoso parassimpático. Não obstante, os nervos simpáticos colinérgicos causam vasodilatação nos vasos dos músculos esqueléticos. Note que essa vasodilatação é mediada pela acetilcolina e não pela ação da adrenalina nos receptores β2 adrenérgicos (ver Quadro 9.1).

Antagonistas muscarínicos, como a atropina, apresentam a capacidade de bloquear essa vasodilatação simpático colinérgica. Além disso, quase todos os vasos contêm receptores muscarínicos endoteliais, que medeiam a vasodilatação por meio do EDRF (ver Cap. 11).

Olhos. A pupila é dilatada (midríase), paralisam a acomodação ocular e a lente é fixada para visão à distância.

Sistema nervoso central. Nas doses habitualmente utilizadas, a atropina exerce efeitos estimulantes mínimos sobre o sistema nervoso central, com efeito sedativo lento e duradouro sobre o cérebro. A escopolamina, possui efeitos centrais mais pronunciados, produzindo sonolência quando administrada nas doses recomendadas, bem como amnésia nos indivíduos sensíveis. Foi usada em anestesia por essas propriedades depressivas e amnésicas. Em doses tóxicas, a escopolamina e, em menor grau, a atropina podem causar excitação, agitação, alucinações e coma.

O fármaco anticolinesterásico fisostigmina é um antídoto eficaz no envenenamento por atropina pois diminui a degradação de acetilcolina e esta desloca a atropina segundo o antagonismo competitivo reversível.

Trato respiratório. Tanto o músculo liso quanto as glândulas secretoras das vias aéreas recebem inervação vagal e contêm receptores muscarínicos. A atropina, portanto, promove relaxamento muscular (broncodilatação) e diminuição das secreções. Esses efeitos são muito mais significativos em indivíduos com doença das vias aéreas. Apesar disso, os antimuscarínicos não são tão úteis quanto os fármacos estimulantes dos receptores β-adrenérgicos (ver Cap. 9).

Trato gastrintestinal. O interesse no uso destes fármacos vem de suas ações antiespasmódicas e no tratamento da úlcera péptica. A atropina abole a ação da acetilcolina e outros colinérgicos na motilidade e secreção gastrintestinais. Mas não inibe completamente os estímulos vagais. Esta diferença de ação se mostra mais acentuada na motilidade do

intestino e se deve à ação de outros transmissores excitatórios como serotonina. A pirenzepina (antagonista M1-seletivo) age nos receptores M1 presentes no estômago e inibe a secreção de ácido gástrico.

APLICAÇÕES CLÍNICAS

As maiores limitações ao seu uso são os efeitos colaterais.

Cardiovascular. Por provocar taquicardia em doses terapêuticas, a atropina é usada no tratamento da bradicardia sinusal. Além disso, a remoção da influência vagal no coração pela atropina também pode facilitar a condução A.V. e aumentar a freqüência cardíaca em pacientes com fibrilação atrial ou flutter.

Oftalmologia. O uso de antagonistas muscarínicos causa midríase e a visão é acomodada para longe. A aplicação local ocular de atropina ou escopolamina apresenta uma longa duração de ação (7-10 e 3-7 dias, respectivamente). O ciclopentolato (1 dia) e a tropicamida (1/4 dia) possuem uma duração de ação menor e são usados quando se precisa fazer um exame completo. Apesar disso, simpaticomiméticos como a fenilefrina (agonista α-adrenérgica), por sua curta duração de ação e por não causarem dificuldade de acomodação, são utilizados como midriáticos em exames simples de fundo de olho.

Cinetose. Por sua alta lipossolubilidade, a escopolamina atravessa mais fácil e rapidamente a barreira hematoencefálica, distribuindo-se pelo sistema nervoso central. A escopolamina é um dos remédios mais antigos para o enjôo no mar e é tão eficaz quanto qualquer fármaco recentemente introduzido. Tem forte ação anti-cinetose (distúrbio vestibular que causa tontura ou enjôo do movimento).

Parkinson. O tremor da doença é reduzido pelos antimuscarínicos de ação central, como a escopolamina, útil como terapia adjuvante em alguns pacientes.

Pneumologia. São usados em rinite com coriza. As misturas de anti-histamínicos devem sua ação contra resfriados, provavelmente, às suas propriedades anticolinérgicas. Tiotrópio e ipratrópio são utilizados em inalações no tratamento de asma e DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica).

Por inibir secreções do nariz, boca e faringe, os antagonistas muscarínicos também podem ser usadas como pré-anestésicos.

Gastroenterologia. Escopolamina pode proporcionar alívio no tratamento da diarréia do viajante por promover o relaxamento da musculatura lisa gastrintestinal. Na atualidade, agentes antimuscarínicos são raramente utilizados para úlcera péptica nos Estados Unidos.

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Farmacologia I – UNIRIO

Quadro 12.1 Apêndice

Antimuscarínicos Naturais

A atropina e seus congêneres de ocorrência natural consistem em ésteres alcalóides de amina terciária do ácido trópico. A atropina (hiosciamina) é encontrada na planta Atropa belladonna, também conhecida como beladona, e na Datura stramonium, também conhecida como figueira-do-inferno. Já a escopolamina (hioscina) ocorre em Hyoscyamus niger ou meimendro negro.

Pupilas dilatadas eram consideradas esteticamente desejáveis durante a renascença, explicando o nome beladona (em italiano, “mulher bonita”) dado à planta e a seu extrato ativo, devido ao uso do extrato como gotas oftálmicas naquela época.

Referências Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,

2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9ª ed.,

The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).

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Farmacologia I – UNIRIO

CAPÍTULO 13

Bloqueadores Neuromusculares

INTRODUÇÃO

Bloqueadores neuromusculares são usados, via intravenosa, como adjuvantes na anestesia geral por provocarem relaxamento muscular. Podem exercer seu bloqueio na pré-sinapse (neurônio) ou na pós-sinapse (fibra muscular). Porém, todos os fármacos clinicamente importantes atuam na pós-sinapse (placa terminal), carecendo de atividade no SNC.

Antes da introdução dos bloqueadores neuromusculares, o relaxamento profundo do músculo esquelético para operações era obtido somente com altos níveis de anestesia. O que, contudo, deprimia os sistemas cardiovascular e respiratório.

Na prática, o bloqueio neuromuscular ocorre por meio de dois mecanismos básicos: (1) bloqueio não-despolarizante por meio de um antagonista e (2) bloqueio despolarizante por meio de um agonista.

BLOQUEIO NÃO-DESPOLARIZANTE

À exceção da succinilcolina, todos os bloqueadores neuromusculares utilizados nos Estados Unidos são não-despolarizantes. A tubocurarina é considerada o protótipo desses bloqueadores neuromusculares e é derivada do curare. Fármacos sintéticos, desenvolvidos a partir da tubocurarina e usados em anestesia, atuam como bloqueadores competitivos da acetilcolina nos receptores nicotínicos da placa terminal. Acarretam, dessa forma, paralisia motora.

Em geral, os músculos volumosos (p. ex., músculos abdominais, eretores da espinha e diafragma) são mais resistentes ao bloqueio e se recuperam mais rapidamente que os músculos de menor volume (p. ex., músculos oculares extrínsecos e da face). Geralmente, o diafragma é o último a ser paralisado (ver Quadro 11.1). Com isso, os primeiros

eventos são diplopia dificuldades na fala e deglutição. A paralisia respiratória seria um evento derradeiro.

Quadro 13.1 Relação Estrutural

Todas as drogas bloqueadoras neuromusculares disponíveis apresentam semelhança estrutural com a succinilcolina. De fato, a succinilcolina é constituída por duas moléculas de acetilcolina ligadas por suas extremidades.

BLOQUEIO DESPOLARIZANTE

A ação dos bloqueadores despolarizantes consiste em causar despolarização persistente na placa terminal da fibra muscular, levando à perda da excitabilidade elétrica. A succinilcolina, por exemplo, produz os mesmos efeitos neuromusculares da acetilcolina. Contudo, sua duração de ação na junção neuromuscular é mais prolongada pois a succinilcolina não é efetivamente metabolizada nas sinapses. Com isso, as membranas permanecem despolarizadas e não respondem a impulsos subseqüentes. Ou seja, permanecem num estado de bloqueio despolarizante. Além disso, como são necessárias descargas repetidas para manter a tensão muscular, ocorre paralisia flácida.

Referências Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,

2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9ª ed.,

The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).

CH3 O | | |CH3–N+–CH2– CH2–O–C– CH3

| CH3

CH3 O | | |CH3–N+–CH2– CH2–O–C– CH2

| CH3

CH3 O | | |CH3–N+–CH2– CH2–O–C– CH2

| CH3

Acetilcolina Succinilcolina

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Farmacologia I – UNIRIO

CAPÍTULO 14

Anestésicos Locais

INTRODUÇÃO

Anestesia local é a perda de sensação em uma parte do corpo sem a perda da consciência ou prejuízo do controle central das funções vitais (perturbações fisiológicas associadas a uma anestesia geral). Quando aplicados localmente no tecido nervoso em concentrações adequadas, os anestésicos locais bloqueiam, reversivelmente, os potenciais de ação responsáveis pela condução nervosa. Eles agem em qualquer parte do sistema nervoso e em qualquer tipo de fibra nervosa, podendo causar paralisia tanto motora quanto sensorial na área inervada. A vantagem prática dos anestésicos locais é que sua ação é reversível em condições clínicas e seu uso é seguido pela recuperação completa da função nervosa sem evidência de dano a fibras nervosas ou células. Sigmund Freud estudou a fisiologia da cocaína no século XIX e Karl Koller (1884) a introduziu na prática clínica como anestésico local em cirurgias oftálmicas. Foram as primeiras observações do uso de anestésicos locais. Por seus problemas relacionados à dependência e toxicidade, logo começou a procura por substitutos sintéticos para a cocaína, que resultou na síntese de procaína (1902), a qual foi o protótipo de anestésicos locais por meio século.

QUÍMICA

Um anestésico local consiste de uma porção hidrofóbica separada de uma porção hidrofílica por uma ligação amida ou éster. O grupo hidrofílico é, geralmente, uma amina secundária ou terciária e a parte hidrofóbica deve ser aromática. A lipossolubilidade aumenta tanto a potência quanto a duração de ação dos anestésicos locais. Isto acontece porque a lipossolubilidade aumenta o transporte do fármaco a seus locais de ação e diminui seu metabolismo por esterases plasmáticas e enzimas hepáticas.

Os anestésicos locais amídicos são quimicamente estáveis e são os que mais fornecem dados de farmacocinética. Os ésteres são rapidamente hidrolisados pela butirilcolinesterase plasmática e seus estudos são mais limitados.

MECANISMO DE AÇÃO

Os anestésicos locais bloqueiam reversivelmente o início e a propagação dos potenciais de ação da condução nervosa, impedindo o aumento na condutância ao sódio dependente de voltagem. Sua principal ação consiste em bloquear os canais de sódio, o que fazem bloqueando fisicamente o poro transmembranar, interagindo com radicais da hélice transmembrana S6.

A atividade anestésica local é dependente do pH, sendo aumentada em pH alcalino (quando as moléculas estão pouco ionizadas). Isso se deve à necessidade de a substância penetrar a bainha do nervo e a membrana do axônio para alcançar a extremidade interna do canal (onde residem seus sítios ligantes).

No entanto, uma vez no interior do axônio, é a forma ionizada da molécula anestésica que se liga ao canal. Essa dependência em relação ao pH pode ser clinicamente importante, visto que os tecidos inflamados são freqüentemente ácidos e, portanto, não permitem a entrada do anestésico, sendo levemente resistentes a anestésicos locais.

Muitos anestésicos locais também exibem a propriedade de bloqueio dos canais de sódio dependentes de uso. A dependência de uso significa que, quanto mais os canais estão abertos, maior o bloqueio. Este fenômeno ocorre porque a molécula penetra mais facilmente no canal quando ele está aberto. Os anestésicos lipossolúveis, por comparação, podem causar bloqueio mesmo quando o canal não está aberto. Neste caso, a molécula bloqueadora não apresenta carga e penetra no canal diretamente a partir da membrana.

O canal pode existir em três conformações: em repouso, aberto e inativado. Os anestésicos locais ligam-se mais ao estado inativado do canal. Assim, em qualquer potencial de membrana, o equilíbrio entre canais em repouso e inativado será deslocado – na presença de um anestésico local – em favor do estado inativado, e este fator contribui para o efeito bloqueador geral. A passagem de um potencial de ação faz com que os canais passem pelo estado aberto e inativado de seu ciclo, os quais têm maior possibilidade de ligar-se a moléculas de anestésicos do que o estado em repouso.

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DIFERENÇAS NA SENSIBILIDADE DE FIBRAS NERVOSAS A ANESTÉSICOS LOCAIS

As funções dos nervos não são igualmente afetadas pelos anestésicos locais. Embora exista uma grande variabilidade individual na maior parte dos pacientes, o tratamento com anestésicos locais causa desaparecimento da dor, seguido pelo desaparecimento da sensação de temperatura, tato, pressão profunda e, finalmente, função motora. O bloqueio diferencial relaciona-se às dimensões do nervo e à presença, ou não, de mielina. As fibras nervosas são classificadas em três classes principais com base na velocidade de condução: A, B e C.

Fibras A. Correspondem aos grandes nervos somáticos mielinizados e de rápida transmissão, cujo grupo mais fino, o delta (), também transmite dor aguda e bem localizada.

Fibras B. Nervos simpáticos pré-ganglionares finamente mielinizados.

Fibras C. Correspondem aos nervos não mielinizados de transmissão lenta que transmitem a dor difusa e profunda .

Os anestésicos locais bloqueiam a condução na seguinte ordem: B C A

PROLONGAÇÃO DE AÇÃO POR VASOCONSTRITORES (ADRENALINA)

A duração de ação de um anestésico local é proporcional ao tempo em que ele está em contato com o nervo. Portanto, manobras que mantêm o fármaco junto ao nervo, prolongam a anestesia. A cocaína, por inibir o transporte da noradrenalina de volta ao neurônio, causa vasoconstrição pois potencializa a ação da norepinefrina. Desta forma, previne sua própria absorção. Em condições clínicas, preparações de anestésicos locais, freqüentemente, contêm um vasoconstritor, geralmente adrenalina. O vasoconstritor, ao diminuir a velocidade de reabsorção, restringe o anestésico ao local desejado e reduz sua toxicidade sistêmica. Alguns dos agentes vasoconstritores podem ser absorvidos ocasionando reações secundárias indesejáveis e também podem causar atraso na cicatrização de feridas, edema tecidual e, mesmo, necrose. Assim, seu uso é contra-indicado em locais com circulação colateral limitada.

EFEITOS INDESEJÁVEIS DE ANESTÉSICOS LOCAIS

SNC. Podem causar estimulação, produzindo inquietude e tremores que podem evoluir para convulsões. Em geral, quanto mais potente o anestésico, mais facilmente ocorrem convulsões. Pode ou não haver uma estimulação central inicial que é seguida por depressão e morte por insuficiência respiratória. Na realidade, o mecanismo parece ser depressivo e a fase excitatória é conseqüência da inibição de neurônios

inibidores. Sonolência é a queixa mais comum e a lidocaína pode produzir alterações de humor e contrações musculares.

Cocaína tem um efeito especial no comportamento e no humor e produz euforia em doses bem inferiores às que causam convulsões. Isto decorre de sua ação de inibir a captação de monoaminas (bloqueio de canais), o que não é compartilhado por outros anestésicos locais.

Sistema cardiovascular. São depressores cardíacos: diminuem a excitabilidade, velocidade de condução e a força de contração do miocárdio (por inibição da corrente de sódio no músculo cardíaco, o que diminui estoques intracelulares de cálcio e diminui a força de contração). Também causam dilatação arterial, em parte por um efeito direto no músculo liso vascular e, em parte, por inibição do sistema simpático. Os efeitos cardíacos e vasculares levam a uma queda na pressão arterial que pode ser súbita e potencialmente fatal. Lidocaína e procainamida são usados como antiarrítmicos. A cocaína também é uma exceção em relação aos efeitos cardiovasculares e, por inibir a reabsorção de noradrenalina, potencializa a atividade simpática. A cocaína, portanto, provoca taquicardia, aumento do débito cardíaco, vasoconstrição e aumento da pressão arterial.

Músculo liso. Relaxamento, em geral. Deprimem a contratilidade do intestino delgado, músculo liso vascular e brônquico (embora pequenas doses possam produzir contração).

Hipersensibilidade a anestésicos locais. Pode se manifestar como uma dermatite alérgica ou um ataque típico de asma. Parecem estar limitadas a anestésicos do tipo éster, e não aos do tipo amida.

METABOLISMO

A velocidade de absorção pode ser muito reduzida pela incorporação de um vasoconstritor. Visto que a toxicidade é relacionada à concentração do fármaco livre, a ligação do anestésico a proteínas no plasma e tecidos reduz a toxicidade do fármaco. Alguns dos anestésicos comuns (p. ex., tetracaína, procaína, benzocaína, cocaína) são ésteres. Eles são hidrolisados e inativados pela butirilcolinesterase plasmática, enquanto a ligação amídica é resistente à hidrólise. Devido a isso, a procaína, por exemplo, possui uma meia-vida plasmática de menos de um minuto.

Pelo fluido espinhal conter pouca colinesterase, a anestesia produzida pela injeção intratecal de um agente anestésico persistirá até o anestésico ser absorvido pela circulação.

Os anestésicos que possuem uma ligação amida (lidocaína, mepivacaína, bupivacaína, etidocaína, prilocaína) são, em geral, degradados pelo retículo endoplasmático do fígado (desalquilação e subseqüente hidrólise) e devem ser administrados com cuidado em pacientes com doença hepática. Os anestésicos locais com ligação amida são extensivamente ligados a proteínas plasmáticas, particularmente -1-glicoproteína ácida. Muitos fatores aumentam a concentração desta proteína plasmática (câncer,

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Farmacologia I – UNIRIO

cirurgia, trauma, infarto do miocárdio, fumo, uremia) ou diminuem (agentes anticoncepcionais orais). Isso vai ocasionar mudanças na quantidade de anestésico que é metabolizado pelo fígado, influenciando a toxicidade sistêmica. O recém-nascido é deficiente em proteínas plasmáticas que se ligam a anestésicos e mais suscetível à toxicidade. A cocaína, apesar de ser um éster, também é metabolizada no fígado.

FÁRMACOS ESPECÍFICOS

Cocaína. As ações clinicamente desejadas da cocaína são: (1) o bloqueio do impulso nervoso como conseqüência de suas ações locais anestésicas; e (2) vasoconstrição local secundária à inibição local da reentrada de noradrenalina (potencializando a atividade simpática). Sua toxicidade e seu potencial para abuso diminuíram seus usos clínicos. Sua toxicidade está associada ao bloqueio da entrada de catecolaminas tanto no sistema nervoso periférico quanto no central. Suas propriedades euforizantes (em pequenas doses; convulsões em grandes) são devidas, primariamente, à inibição da entrada de catecolaminas, principalmente dopamina, nas sinapses do SNC. Atualmente, a cocaína é usada, primariamente, para anestesia tópica das vias aéreas superiores, onde suas propriedades vasoconstritoras combinadas com suas ações anestésicas proporcionam contração e anestesia das mucosas com um único agente.

Além disso, aumenta a freqüência cardíaca, débito cardíaco, P.A. e causa vasoconstrição.

Lidocaína. Introduzida em 1948, é, hoje, o anestésico local mais utilizado. Por ser uma amina, produz uma anestesia mais rápida, mais extensa, de duração maior e mais intensa que a procaína, que é um anestésico local do tipo éster. Na presença de adrenalina (vasoconstritor), sua toxicidade é menor, e sua duração de ação mais prolongada.

Os efeitos colaterais da lidocaína são sonolência, tremores, contração muscular e alterações de humor. Com doses maiores, convulsões, coma, paradas respiratória e cardíaca. É usada como anestésico local e fármaco antiarrítmico.

Bupivacaína. Possui uma estrutura similar à da lidocaína e, sendo muito potente, produz anestesia de longa duração. Ocasiona um bloqueio mais sensório que motor e é usada em trabalho de parto ou pós-operatório. É mais cardiotóxica que a lidocaína, causando arritmias ventriculares difíceis de tratar e que são agravadas por acidose e hipoxemia.

APLICAÇÕES CLÍNICAS

Anestesia tópica. É a injeção de anestésico diretamente no tecido, sem tomar em consideração a rota de nervos sistêmicos. Pode incluir desde pele até estruturas profundas como órgãos. Lidocaína, bupivacaína e procaína são usadas em infiltrações.

A vantagem deste tipo de anestesia é que não interrompe as funções corporais normais e sua desvantagem é que grande quantidade do fármaco precisa ser usada para anestesiar áreas relativamente pequenas. É utilizada em cirurgias menores.

Anestesia de bloqueio nervoso. Produz efeitos maiores que a anestesia tópica e consiste em injetar uma solução de anestésico local ao redor de nervos ou plexos periféricos. Também produz bloqueio de nervos somáticos, causando relaxamentos musculares, o que é interessante em alguns procedimentos cirúrgicos. São usadas lidocaína e bupivacaína.

Anestesia regional intravenosa. Usa a vasculatura para levar a solução de anestésico local para os troncos e terminações nervosas. Lidocaína é usada preferencialmente.

Anestesia raquidiana ou espinhal. Consiste na injeção de anestésico local – na região lombar – dentro do espaço subaracnóide que contém o fluido cérebro-espinhal. É, ainda, uma das formas mais populares de anestesia por atingir uma considerável parte do corpo com níveis plasmáticos pequenos.

A maior parte dos efeitos fisiológicos da anestesia raquidiana é conseqüência da inibição simpática produzida pelo bloqueio anestésico local das fibras simpáticas nas raízes de nervos espinhais. A vasodilatação gerada é mais venosa que arterial, resultando em seqüestro sangüíneo venoso e queda do débito cardíaco. Hipotensão é um efeito colateral importante. Lidocaína, tetracaína e bupivacaína são anestésicos usados em anestesia raquidiana. É um método seguro e eficiente de anestesia em cirurgias envolvendo a porção baixa do abdômen, extremidades inferiores e períneo, quando não se pode usar a anestesia geral.

Anestesia epidural. É obtida pela injeção de anestésico local no espaço epidural. Pode levar a maiores concentrações plasmáticas do anestésico que a raquidiana e necessita de habilidade maior na execução também. O risco de uma injeção intravascular também é maior. As respostas simpáticas cardiovasculares, por outro lado, são menores. Geralmente, usa-se lidocaína e bupivacaína.

Referências Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone, 2004

(trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9ª ed.,

The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).

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CAPÍTULO 15

Anestésicos Gerais

INTRODUÇÃO

Em 1800, Humphrey Davy sugeriu o uso de óxido nitroso (N2O) em cirurgias ao observar que o mesmo causava euforia, analgesia e perda da consciência. O óxido nitroso começou a ser usado em apresentações públicas como gás hilariante e Horace Wells realizou uma extração de dentes usando este gás em 1846. No mesmo ano, ocorreu a primeira extração dentária em Boston e, logo a seguir, a primeira cirurgia com uso de éter dietílico por William Morton. Menos de um ano após, o clorofórmio foi introduzido por James Simpson para aliviar a dor do parto. A anestesia moderna data da década de 1930, quando foi introduzido o barbitúrico intravenoso tiopental. Uma década depois, utilizou-se o curare para obtenção do relaxamento muscular esquelético. Halotano, o primeiro hidrocarboneto halogenado moderno, foi introduzido em 1956 e tornou-se o padrão de comparação para novos fármacos anestésicos. Até o advento dos anestésicos gerais, os cirurgiões usavam técnicas de operar em alta velocidade e a maioria das cirurgias constava de amputações.

CONCEITO DE ANESTESIA

Anestesia geral refere-se a um conjunto de analgesia, amnésia, perda de consciência, inibição dos reflexos sensoriais e autônomos e, em muitos casos, relaxamento dos músculos esqueléticos. O grau com que determinado anestésico individual exerce esses efeitos depende do fármaco, dose e circunstâncias clínicas. Os anestésicos gerais são administrados sistemicamente, exercendo seu efeito sobre o sistema nervoso central, ao contrário dos anestésicos locais, que agem por bloquear a condução dos impulsos nos nervos sensoriais periféricos. Para que um fármaco seja útil como anestésico, ele deve ser prontamente controlável, de modo que a indução e a recuperação sejam rápidas, permitindo um ajuste do nível de anestesia de acordo com as necessidades durante a cirurgia. A inalação continua sendo a via mais comum de administração de anestésicos, embora a indução seja geralmente executada com agentes intravenosos.

TEORIAS ANESTÉSICAS

Os anestésicos inalatórios incluem substâncias completamente diversas quimicamente e a forma e configuração eletrônica da molécula não parecem ser muito importantes. A ação farmacológica está relacionada a determinadas propriedades físico-químicas. Devido à inespecificidade química, deve-se pensar não em receptores específicos, mas em uma ação mais diversa na célula. Os anestésicos gerais parecem atuar principalmente sobre a membrana celular e, em conseqüência, as teorias da anestesia se relacionam a interações com os dois principais componentes da membrana, as proteínas e os lipídios.

Teoria lipídica. Overton e Meyer mostraram, no início do século XX, que existe uma estreita correlação entra a potência anestésica e a lipossolubilidade da droga, usando compostos orgânicos simples e não-reativos. Os estudos de Overton-Meyer não sugerem qualquer mecanismo específico, mas revelam uma correlação muito forte que deve ser levada em consideração. A partição óleo/água deve prever a partição nos lipídios da membrana em concordância com as evidências de que a anestesia é causada por alterações na função da membrana. Há algumas evidências de que a expansão de volume é o mecanismo ligado à ação anestésica e especula-se que ocorra anestesia quando o volume da fase lipídica é expandido em cerca de 0,4% pela intrusão da molécula anestésica, mas esta teoria é muito controversa. Outra hipótese sugere que a ação anestésica seria conseqüência de um aumento na fluidez por desorganização de fosfolipídios da membrana, embora isso só ocorra com concentrações elevadas de anestésicos.

Teoria protéica. Os anestésicos podem ligar-se a proteínas assim como a lipídios, tendo sido provado que anestésicos interagem com proteínas funcionais da membrana, particularmente com canais iônicos acionados por ligantes. Muitos anestésicos são capazes de, em concentrações obtidas durante anestesia, inibir receptores excitatórios como os de glutamato inotrópicos, acetilcolina ou de serotonina, além de potencializar a função de receptores inibitórios como GABAA

e glicina. Estudos com receptores obtidos por engenharia genética mostram que existem sítios moduladores específicos na proteína receptora por meio dos quais os anestésicos exercem seus efeitos sobre a função do canal. A comprovação

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definitiva de que estes sítios medeiam a ação dos anestésicos será feita quando se criarem camundongos transgênicos com mutações nesses sítios.

Existem grupos que preconizam uma teoria intermediária, na qual os anestésicos encontrariam-se na interface lipídio-proteína dentro da membrana, afetando o funcionamento das proteínas aí localizadas.. É provável que mais de um tipo de interação contribua para os efeitos dos anestésicos.

Os anestésicos individuais diferem em suas ações e afetam a função celular de várias maneiras, sendo improvável para alguns teóricos, uma teoria unitária simples que explique seu funcionamento.

EFEITOS DOS ANESTÉSICOS SOBRE O SISTEMA NERVOSO

No nível celular, os anestésicos inibem a transmissão sináptica, não sendo, na prática, importante qualquer efeito sobre o axônio. A inibição da transmissão sináptica pode ser devido a uma redução na liberação de transmissores, inibição da ação do transmissor ou redução da excitabilidade da célula pós-sináptica. Os mecanismos que diminuem a liberação do transmissor e uma resposta pós-sináptica diminuída parecem ser os mais importantes. Há uma diminuição na liberação de acetilcolina em sinapses periféricas e uma sensibilidade reduzida aos transmissores excitatórios, tanto nas sinapses periféricas como nas centrais, com o uso de anestésicos.

A ação das sinapses inibitórias pode ser aumentada ou reduzida pelos anestésicos. Seu aumento ocorre principalmente com o uso de barbitúricos e anestésicos voláteis.

A região do cérebro onde ocorre a ação dos anestésicos não está completamente esclarecida. As mais sensíveis parecem ser os núcleos de transmissão sensoriais talâmicos e a camada profunda do córtex, onde projetam-se estes núcleos (é a via seguida pelos impulsos sensoriais – portanto a inibição pode resultar em uma falta de informação da aferência sensorial). A função hipocampal também parece estar envolvida e ser responsável pela amnésia de curto prazo.

Quando, porém, a concentração anestésica é aumentada, são afetadas todas funções cerebrais, incluindo controle motor, atividades reflexas e regulação da respiração autônoma. Portanto não é possível identificar um local alvo crítico e específico no cérebro responsável por todo efeito da anestesia geral.

ESTÁGIOS DA ANESTESIA

Indução. Caracteriza o lento início da ação do anestésico até o desenvolvimento da anestesia cirúrgica do paciente. Normalmente, a anestesia geral é induzida com um anestésico intravenoso e cerca de 25 segundos após a injeção, ocorre a inconsciência. A partir deste momento, pode ocorrer a complementação com drogas inalatórias ou intravenosas para levar à profundidade necessária.

Manutenção. É o período de tempo no qual se mantém anestesiando o paciente durante a cirurgia. Ocorre monitorização dos sinais vitais e da resposta a vários estímulos para ajustar a profundidade da anestesia.

Recuperação. É a interrupção do fornecimento do anestésico e retorno da consciência.

PROFUNDIDADE DA ANESTESIA

Quando um anestésico de ação lenta é administrado sozinho, transpõem-se certos estágios bem definidos conforme sua concentração sangüínea aumenta:

Estágio 1 – Analgesia. O indivíduo está consciente, porém, sonolento. A resposta a estímulos dolorosos está reduzida. O grau de analgesia varia de acordo com os agentes anestésicos.

Estágio 2 – Excitação. O indivíduo perde a consciência e não responde mais a estímulos indolores. Porém, responde de maneira reflexa a estímulos dolorosos. A respiração fica irregular e a P.A. aumenta.

Estágio 3 – Anestesia Cirúrgica. A respiração torna-se regular e leve. Alguns reflexos e o tônus muscular continuam apreciáveis. Com o aprofundamento da anestesia, os reflexos desaparecem e os músculos relaxam.

Estágio 4 – Paralisia Bulbar. A respiração e controle vasomotor desaparecem.

Na prática, agentes anestésicos dificilmente são utilizados sozinhos e a progressão por esses estágios raramente é observada. O estágio anestésico para fins clínicos consiste em três componentes principais: (1) perda da consciência; (2) analgesia; e (3) relaxamento muscular. Essa tríade de efeitos geralmente é conseguida pela combinação de fármacos.

EFEITOS DOS ANESTÉSICOS

Sistema cardiovascular. Todos diminuem a contratilidade cardíaca, mas os efeitos sobre o débito cardíaco e a P.A. variam devido a ações concomitantes no SNC. Alguns agentes (p. ex., o óxido nítrico) aumentam a descarga simpática e tendem a aumentar a P.A.. Outros exercem efeito contrário (p. ex., halotano). Além disso, podem causar arritmia, principalmente, extra-sístoles (p. ex., halogenados), podendo levar à fibrilação ventricular em alguns casos em decorrência da excessiva secreção de catecolaminas.

Sistema respiratório. Causam depressão acentuada da respiração e aumentam a PCO2, à exceção do óxido nitroso e da quetamina.

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ANESTÉSICOS INALATÓRIOS

Geralmente, são usados para manter o estado anestésico após administração de um agente intravenoso. A indução e a recuperação com o uso dos inalatórios são rápidas, permitindo um controle flexível sobre a profundidade da anestesia. A concentração sangüínea do anestésico varia rapidamente em relação à dose administrada pois a passagem dos anestésicos, pequenas moléculas insolúveis, pela membrana alveolar é rápida.

A solubilidade dos anestésicos inalatórios é expressa como coeficiente de partição, definido como a relação da concentração do agente em equilíbrio nas duas fases: sangue/gás. Agentes com coeficiente sangue/gás baixos produzem indução e recuperação rápidas. Por outro lado, agentes com coeficiente sangue/gás altos produzem indução e recuperação lenta.

FÁRMACOS ESPECÍFICOS

Óxido nitroso. Analgésico eficaz (usado, p. ex., para reduzir a dor no trabalho de parto) mas anestésico fraco. Sua baixa potência faz com que raramente seja usado isoladamente. Normalmente usa-se combinado como adjuvante dos anestésico voláteis. Possui uma rápida indução/recuperação e não causa efeito adverso sobre sistema respiratório.

Halotano. É o agente de escolha em crianças. Não é analgésico, sendo, porém, um potente anestésico. Como leva a um relaxamento na musculatura uterina, não é usado em trabalho de parto. Não é irritante e a indução/recuperação são relativamente rápidas. A concentração administrada deve ser cuidadosamente calculada a fim de evitar falência respiratória e cardiovascular. Mesmo em concentrações normais o halotano causa queda da P.A. (devido à depressão miocárdica e vasodilatação) e arritmias. Dois efeitos adversos raros, mas preocupantes, do uso desse agente são a necrose hepática e hipertermia maligna.

Metoxiflurano. Mais potente anestésico inalatório. Nefrotoxicidade pelo fluoreto. Portanto, pouco usado na prática atual. Usado em obstetrícia por não relaxar o útero.

Enflurano. Alternativa ao metoxiflurano, pois gera pequena concentração de fluoreto. Menos potente que o halotano, mas com indução e recuperação mais rápidas. Pode causar convulsão durante a indução ou após a recuperação, além de haver risco, em comum com outros agentes halotanos, de desencadear hipertermia maligna.

Isoflurano. Anestésico volátil mais utilizado e recente. É pouco tóxico e sem o efeito convulsivo do enflurano. Hipotensor e vasodilatador coronariano, pode causar, paradoxalmente, isquemia miocárdica em pacientes com doenças coronarianas.

ANESTÉSICOS INTRAVENOSOS

São usados para a rápida indução de anestesia, a qual é, então, mantida com um agente inalatório. Isso porque, mesmo o mais rápido agente inalatório leva alguns minutos para agir. Dessa forma, causa, a princípio, um período de excitação antes da anestesia. Os agentes intravenosos agem rapidamente, produzindo inconsciência tão logo o fármaco atinja seu local de ação (em geral, cerca de 20 segundos). Porém, por sua eliminação corpórea lenta, não são satisfatórios para manutenção de uma anestesia.

FÁRMACOS ESPECÍFICOS

Tiopental. Anestésico intravenoso mais utilizado. Sua alta lipossolubilidade explica seu efeito rápido e transitório, além de sua redistribuição (a responsável pelo fim de sua função). Tal redistribuição gera a “ressaca” de longa duração. Além disso, doses intravenosas repetidas causam períodos progressivamente mais longos de anestesia, pois o platô na concentração sangüínea torna-se progressivamente mais elevado quanto mais o fármaco acumula-se no corpo. Por essa razão o tiopental não é usado para manter anestesia cirúrgica.

O tiopental liga-se à albumina (70% do conteúdo sangüíneo), sendo a fração ligada menor em estados de desnutrição, doença hepática e renal e em pacientes com qualquer fator que ocasione hipoalbuminemia, o que interfere na dose necessária para induzir anestesia.

É um hipotensor leve e causa broncoespasmo. As suas ações sobre SNC são semelhantes às dos anestésicos inalatórios, embora não cause analgesia.

Quetamina. Ou Ketamina, possui efeito mais lento que o do tiopental, causando uma anestesia dissociativa, na qual o paciente parece estar acordado, não perdendo inteiramente a consciência, mas ocorrendo analgesia, perda sensorial, amnésia e paralisia dos movimentos. Igualmente diferente de outros anestésicos, causa aumento da pressão arterial e do débito cardíaco. O sistema respiratório não é afetado. Sua principal desvantagem é a ocorrência de alucinações e de comportamentos irracionais no paciente em recuperação. Tais efeitos são menos marcantes em crianças (é mais usada em procedimentos curtos em crianças).

Etomidato. É preferível ao tiopental pela maior margem entre a dose anestésica e a dose necessária para produzir depressão respiratória ou cardíaca. Além disso, também é metabolizado mais rapidamente, produzindo uma “ressaca” menor. Sua utilização prolongada pode causar supressão adrenocortical.

Propofol. É um sedativo/hipnótico usado na indução ou manutenção da anestesia (sem a necessidade de um agente inalatório). Tem o metabolismo muito rápido, não havendo “ressaca”. Muito usado em cirurgias ambulatoriais.

Referências 

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Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone, 2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).

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