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– 1 – Notas para Aula Escola de Formação de Agentes de Pastoral Diocese de São Carlos Jorge Nicolau dos Santos – 2 – INTRODUÇÃO O autor do segundo evangelho o escreveu com a finalidade precisa de responder à pergunta: «Quem é Jesus?». Não responde com doutrinas teóricas ou discursos de Jesus. Ele apenas relata sua atividade prática, deixando que o leitor chegue por si mesmo à conclusão de que Jesus é o Messias, o Filho de Deus. Através da sua prática, Jesus realiza o projeto messiânico, entrando em conflito com a concepção político-nacionalista de Messias vigente na época. Esse conflito se traduz concretamente no confronto de Jesus com a sociedade judaica do seu tempo. Toda a atividade de Jesus é o anúncio da vinda do Reino de Deus (Mc 1,15), pela transformação radical das relações humanas: o poder pelo serviço (campo político), o comércio pela partilha (campo econômico), a alienação pela capacidade de ver e ouvir a realidade (campo ideológico). O Evangelho de Marcos é apenas o começo da Boa Notícia (1,1). O autor deixa claro, portanto, que sua obra não é completa e que, para chegar ao fim, supõe que o leitor tome uma posição: continuar o livro através de sua própria vida, tornando-se discípulo de Jesus. PERFIL DO AUTOR O segundo evangelho é uma obra anônima. A tradição intitulou este evangelho “segundo Marcos”. Papias (bispo de Hierápolis, na Frígia, viveu entre 70 e 140 dC) atesta: “Marcos tornou-se o intérprete de Pedro, escreveu diligentemente enquanto podia lembra-se, porém não em ordem, as coisas feitas e ditas pelo Senhor. De fato, ele não ouviu o Senhor, nem foi seu discípulo, mas em seguida o foi de Pedro, como disse. Aquele expunha sentimentos conforme a necessidade do auditório, mas não com a intenção de fazer uma exposição contínua e sem lacunas das palavras do Senhor. Por isso, Marcos não cometeu erro escrevendo as coisas assim como se recordava. Ele, de fato, preocupou-se em não deixar de lado nada do que tinha ouvido de Pedro e não se referir a nada que fosse falso.” (História Eclesiástica, III 39,15, de Eusébio) Santo Irineu (bispo de Lyon, na Gália, viveu entre 140 e 202 dC)

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Notas para Aula Escola de Formação de Agentes de Pastoral

Diocese de São Carlos Jorge Nicolau dos Santos

– 2 –

INTRODUÇÃO

O autor do segundo evangelho o escreveu com a finalidade precisa de responder à pergunta: «Quem é Jesus?». Não responde com doutrinas teóricas ou discursos de Jesus. Ele apenas relata sua atividade prática, deixando que o leitor chegue por si mesmo à conclusão de que Jesus é o Messias, o Filho de Deus.

Através da sua prática, Jesus realiza o projeto messiânico, entrando em conflito com a concepção político-nacionalista de Messias vigente na época. Esse conflito se traduz concretamente no confronto de Jesus com a sociedade judaica do seu tempo.

Toda a atividade de Jesus é o anúncio da vinda do Reino de Deus (Mc 1,15), pela transformação radical das relações humanas: o poder pelo serviço (campo político), o comércio pela partilha (campo econômico), a alienação pela capacidade de ver e ouvir a realidade (campo ideológico).

O Evangelho de Marcos é apenas o começo da Boa Notícia (1,1). O autor deixa claro, portanto, que sua obra não é completa e que, para chegar ao fim, supõe que o leitor tome uma posição: continuar o livro através de sua própria vida, tornando-se discípulo de Jesus.

PERFIL DO AUTOR

O segundo evangelho é uma obra anônima. A tradição intitulou este evangelho “segundo Marcos”. Papias (bispo de Hierápolis, na Frígia, viveu entre 70 e 140 dC) atesta: “Marcos tornou-se o intérprete de Pedro, escreveu diligentemente enquanto podia lembra-se, porém não em ordem, as coisas feitas e ditas pelo Senhor. De fato, ele não ouviu o Senhor, nem foi seu discípulo, mas em seguida o foi de Pedro, como disse. Aquele expunha sentimentos conforme a necessidade do auditório, mas não com a intenção de fazer uma exposição contínua e sem lacunas das palavras do Senhor. Por isso, Marcos não cometeu erro escrevendo as coisas assim como se recordava. Ele, de fato, preocupou-se em não deixar de lado nada do que tinha ouvido de Pedro e não se referir a nada que fosse falso.” (História Eclesiástica, III 39,15, de Eusébio)

Santo Irineu (bispo de Lyon, na Gália, viveu entre 140 e 202 dC)

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da testemunho semelhante: “Após a morte deles [de Pedro e de Paulo], Marcos, intérprete de Pedro, escreveu aquilo que Pedro pregava.” (Contra as heresias, III, 1, 1)

São Justino, no final do século II, chamou o evangelho de Marcos de “Memórias de Pedro”.

Marcos é nomeado nove vezes no Novo Testamento. A tradição o identificou também com o personagem João Marcos, citado em Atos 12,12; 12,25; 15,37, cuja mãe chamava Maria e que possuía uma casa em Jerusalém onde os cristãos costumavam se reunir. Os Atos ainda apontam um Marcos primo de Barnabé (At 15,39), um levita originário de Chipre, portanto seria Marcos da tribo de Levi, tribo sacerdotal. Teria sido talvez batizado por Pedro, que o chamava de “meu filho” (1ª Pd 5,13)

Sendo esse Marcos o autor do segundo evangelho, entre os anos 45 e 48 dC acompanhou Paulo e Barnabé na primeira viagem missionária (At 13,5), mas por razões que desconhecemos abandonou a missão na Panfília, levando Paulo a recusar sua participação na segunda viagem missionária (At 15, 37-39).

Segundo uma tradição pouco confiável, Marcos teria sido o primeiro bispo de Alexandria, no Egito, onde teria morrido, e seus restos mortais, em 828 dC, transportados para Veneza, em uma basílica a ele dedicada.

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RELAÇÃO COM PEDRO

Pedro certamente conhecia algumas palavras gregas, mas não o suficiente para fazer grandes pregações para um auditório de língua grega. Por isso serviu-se de Marcos, que conhecia melhor o grego.

Assim, o seu evangelho não é resultado de uma pesquisa, como em Lucas. É sim, o resultado da conservação da catequese de Pedro. Existem uma série de indícios no texto do evangelho de Marcos que apontam nessa direção:

A figura de Pedro que se destaca no grupo dos apóstolos, embora não narre absolutamente nada que possa glorificar a pessoa de Pedro;

A vivacidade de algumas narrações que só uma testemunha ocular poderia afirmar, como que durante a tempestade, Jesus dormia sobre um travesseiro na popa do barco (Mc 4,38) ou que a filha de Jairo tinha doze anos e que Jesus recomendou que a alimentassem depois de ressuscitá-la (Mc 5,43);

As narrações em que, se substituindo a terceira pessoa do plural pela primeira, quase se poderia ouvir o próprio Pedro falando.

Não se pode, porém, exagerar a dependência do segundo evangelho em relação a Pedro, ignorando outras fontes orais ou escritas. O autor do segundo evangelho não foi um simples secretário, mas um verdadeiro autor.

LOCAL E DATA DE COMPOSIÇÃO

A maioria dos autores situa a composição do evangelho de Marcos após a morte de Pedro, em 64 dC.

O autor não tem notícia da destruição de Jerusalém, que ocorreu em 70 dC. Mesmo a previsão da destruição do templo e da cidade santa (Mc 13) parece ter sido escrita antes de 70 dC.

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A narração de Marcos revela um contexto de “perseguição” dos cristãos, muito provavelmente a de Nero em Roma, entre 64 e 68 dC. A comunidade de Marcos vive sua fé numa situação conflituosa e de muita oposição. Trata de uma fé contestada; portanto, é necessário assumir todos os tipos de riscos, pois o ambiente em que a comunidade de Marcos se encontra rejeita ao mesmo tempo a fé e aqueles que a professam.

Esses dados sugerem como hipótese provável da data de composição os anos de 67 ou 68 dC.

Segundo a tradição, o autor marciano teria escrito seu evangelho em Roma. Há fortes evidências neste sentido: o uso de palavras romanas e a lembrança de que Simão Cirineu era pai de Alexandre e Rufo (15,21), este último provavelmente membro da comunidade cristã de Roma (Rm 16,13), que os destinatários certamente conheciam.

FORMAÇÃO E RELAÇÕES LITERÁRIAS

Para discutir sobre as etapas da formação do evangelho de Marcos Lucas e suas relações literárias com outras obras, devemos introduzir a chamada Questão Sinótica.

A primeira hipótese é de que o Evangelho de Lucas, assim como os outros dois evangelhos sinóticos, teriam como origem uma tradição oral comum, e seus autores a teriam posto por escrito de modo independente e por isso mesmo forçosamente variado.

Essa hipótese é em si verossímil, mas não poderia explicar as semelhanças numerosas e marcantes entre os evangelhos, tanto em detalhes dos textos como na ordem das perícopes, que excedem as capacidades de memória mesmo dos orientais.

Partindo dessas observações, a crítica moderna criou a teoria das

Tradição Oral

Mateus Marcos Lucas

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Duas Fontes. Segundo essa teoria, o evangelho de Lucas teria como uma primeira fonte o evangelho de Marcos, de quem dependeria em seus Relatos. Os discursos e palavras, chamados Logia, teriam origem em outra fonte, desconhecida, mas exigida como postulado, a qual se denomina Q (inicial da palavra alemã “Quelle”).

Essa hipótese não é ainda inteiramente satisfatória, pois não leva em conta alguns dados do problema, como o fato do evangelho de Lucas ser em alguns pontos mais primitivo que o evangelho de Marcos, ou o fato do Evangelho de Lucas e de Mateus terem concordâncias notáveis entre si que vão contra o evangelho de Marcos, opondo-se assim à sua dependência comum. E a procura por reconstituir da fonte Q a partir dos Logia de Mateus e Lucas leva a pelo menos duas fontes diferentes, uma coerente com o paralelismo de Mateus e Lucas e outra concentrada em Lucas e esparsa em Mateus.

Com essas observações, a gênese do evangelho de Lucas certamente deve ter uma explicação mais complexa e completa.

Na base de tudo está a pregação oral dos apóstolos, querigmática, acompanhada de relatos mais detalhados inicialmente da paixão (que cedo deve ter assumido uma forma estereotipada) e posteriormente de histórias da vida do Mestre.

Após a fase apostólica, surge a preocupação de conservar por escrito essas tradições orais, aparecendo um primeiro evangelho escrito em aramaico e que nada impede de atribuir a Mateus (de acordo com o que diz a Tradição). A esse evangelho primitivo de Mateus junta-se outra fonte, a coleção chamada S (inicial da palavra francesa “Source”), de autor ignorado, ainda escrita em aramaico e que reunia uma coleção de Logia, Essas duas obras logo foram adaptadas para o grego, visando os irmãos de origem

Tradição Oral

Mateus

Marcos Relatos

Q Logia

Lucas

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pagã, produzindo assim duas novas obras. A essas fontes soma-se um outro evangelho arcaico com os relatos estereotipados da paixão e da ressurreição. Temos então cinco documentos básicos numa etapa inicial.

Numa etapa intermediária, a tradição marciana se baseou no evangelho primitivo de Mateus, notadamente na sua versão grega, para redigir seu evangelho numa forma intermediária. Esse evangelho intermediária de Marcos juntamente com coleção S grega foram a fonte para a tradição mateana elaborar com muito tato uma nova redação intermediária do seu evangelho.

Ainda na etapa intermediária, a tradição lucana começa a redigir o

Tradição Oral

Mateus primitivo Relatos - aramaico

Evangelho arcaico Paixão e Ressurreição

Proto-Marcos Relatos

Coleção S Logia - aramaico

Coleção S Logia - grego

Mateus primitivo Relatos - grego

Proto-Mateus Relatos e Logia

Proto-Lucas Relatos e Logia

Lucas atual Relatos e Logia

Marcos atual Relatos

Marcos atual Relatos e Logia

Fontes particulares

Fase Inicial

Fase Intermediária

Fase Final

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seu evangelho, utilizando como fontes o evangelho primitivo de Mateus na sua versão grega, o evangelho intermediário de Mateus, a própria coleção S, e o evangelho arcaico da paixão e ressurreição também compartilhado pela tradição joanina. O proto-evangelho de Lucas produzido ainda não conhecia o evangelho intermediário de Marcos.

Numa etapa final, o evangelho de Mateus foi profundamente refundido pela tradição mateana com o auxílio do evangelho intermediário de Marcos, chegando à sua versão final. O evangelho de Marcos foi por sua vez revisado utilizando com fonte o evangelho intermediário de Mateus e sofrendo influências paulinas. E finalmente o evangelho de Lucas encontrou a sua forma definitiva introduzindo seções marcianas em seu evangelho, utilizando como fonte o evangelho intermediário de Marcos, além de fontes particulares as quais ele deve muitas pérolas de seu evangelho, como o evangelho da infância, o bom samaritano, Marta e Maria, o fariseu e o publicano, o filho pródigo etc.

ESTRUTURA DA OBRA

As antigas comunidades cristãs consideravam o evangelho de Marcos incompleto e desarrumado, sem estrutura e sem fio condutor. Mas os exegetas vêm descobrindo um texto muito bem elaborado.

A estrutura do Evangelho de Marcos pode assumir várias composições, de acordo com o critério utilizado. Os estudiosos têm sugerido as seguintes classificações:

ESBOÇO CRONOLÓGICO: Marcos teria arranjado seu material seguindo a ordem dos eventos históricos como de fato eles ocorreram.

ESBOÇO TOPOLÓGICO: Marcos teria arrumado o seu material de acordo com os lugares que Jesus visitou, começando pela Galiléia e terminando em Jerusalém, sem necessariamente seguir a seqüência histórica dos acontecimentos.

ESBOÇO TÓPICO: Esta proposta sugere que Marcos teria organizado seu material por assuntos, dentro de um esquema mais amplo. A sua estrutura seguiria temas comuns.

ESBOÇO CRISTOLÓGICO: Esta divisão pressupõe que o livro se propõe a revelar o “segredo Messiânico”. Aproveitando a seqüência geográfica ou cronológica, o autor teria desvendado este segredo gradativamente,

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segundo se encontra na disposição de assuntos que ele estabeleceu.

Nenhuma destas opções são totalmente satisfatórias. A estrutura abaixo esboça uma síntese delas.

Nas regiões de Cesaréia de Felipe (8,10-9,29)

Ressurreição de Jesus (16)

João, o precursor (1,1-8) Batismo (1,9-11) Tentação no deserto (1,12-13)

Início do ministério de Jesus (1,1-13)

Ministério de Jesus na Galiléia (1,14-9,50)

Ministério inicial de Jesus na Galiléia: a apresentação do Messias (1,14-3,6)

Nas praias orientais do Mar da Galiléia (6,30-52)

Ministério posterior na Galiléia: a cegueira do mundo (3,6-6,29)

Ministério em outras localidades: a cegueira dos discípulos (6,30-9,32)

Ministério na Judéia e Peréia (10)

Ensino sobre o divórcio (10,1-12) e sobre as crianças (10,13-16) O jovem rico (10,17-31) Jesus prediz sua morte (10,32-34) e o pedido dos dois irmãos (10,35-45) Cura do cego Bartimeu, (10,46-52)

Ministério em Jerusalém: o conflito decisivo (11-13)

A entrada triunfal do rei-messias (11,1-11) A purificação do Templo (11,12-19) Controvérsias finais com líderes judaicos (11,20-12,44) O sermão escatológico no Monte das Oliveiras (13)

Paixão de Jesus (14-15)

Jesus é ungido (14,1-11) A última Ceia (14,12-25) Jesus prediz a negação de Pedro (14,26-31) Jesus no Getsêmani (14,32-42) A prisão, julgamento e morte de Jesus (14,43-15,47)

Proclamação da Boa Nova (1,14-15) Chamado dos primeiros discípulos (1,16-20) Começo da revelação do segredo messiânico: Libertação do espírito mau(1,21-28) Disputas com os fariseus, curas e milagres (1,21-2,28) Adversários planejam a morte de Jesus (3,1-6)

Escolha dos 12 (3,6-19) Discernimento do Espírito perante os atos e as palavras de Jesus: aos de fora em enigma (parábolas), aos discípulos como poder que domina o mar, liberta, cura e ressuscita (3,20-5,43) Rejeição na pátria (6,1-6) Morte de João Batista e prenúncio da morte de Jesus (6,14-29)

Cura do surdo e nova multiplicação dos pães (7,31-8,9)

Nas praias ocidentais do Mar da Galiléia (6,53-7,23)

Na Fenícia (7,24-30)

Em Decápolis (7,31-8,9)

Jesus se revela pastor e vencedor do mal: alimenta o povo e caminha sobre o mar (6,30-52)

Confronto com doutores da lei (6,53-7,23)

Libertação em Tiro e Sidônia Fenícia (7,24-30)

Ministério final na Galiléia(9,14-50)

Transfiguração (9,1-13)

O túmulo vazio (16,1-8)

As aparições do ressuscitado (16,9-20) Apêndice (16,9-20)

A cegueira dos discípulos: cura do cego (8,10-8,38)

Ensino sobre quem é maior e escândalo (9,30-50)

Libertação do espírito mudo (9,14-29)

Revelação do Segredo Messiânico: confissão de Pedro e revelação do caminho da cruz (8,27-33)

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Apêndice

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CARACTERÍSTICAS DA OBRA

EXPLICAÇÃO DAS PALAVRAS ARAMAICAS

É certo que os primeiros destinatários deste evangelho não eram habitantes da Palestina, pois o autor teve o cuidado de explicar os dados geográficos (1,9;6,45;10,1;13,3), as palavras aramaicas como “Corban, isto é, oferta a Deus” (7,11), “Boanerges, isto é, filhos do trovão” (3,17), “Talita cum, menina levanta-te” (5,41) “Éfata, isto é, abre-te” (7,34), “Gólgota, lugar do crânio” (15,22).

USO DE TERMOS LATINOS

É recorrente o uso de palavras latinas entre as quais centurião (15,39.44.45), legião (5,9.15) e denário (6,37;12,15; 14,5)

POBREZA DE VOCABULÁRIO E DE ESTILO

O estilo de Marcos é muito simples e pobre, com o uso freqüente de gerúndios como ensinando, caminhando, partindo, aproximando etc. As frases são ligadas por uma simples conjunção “e” ou “e logo”, “e imediatamente”, “e depois” (cf. Mc 1,10.12.18.20.21.28.29.30). Muitas vezes é difícil descobrir uma seqüência lógica entre as perícopes. Os fatos, também, não são todos escritos com o mesmo estilo: algumas narrações são feitas com estilo vivo, rico de detalhes (2,1-12; 5,1-20; 5,21-43; 6,17-29 etc), e outras muito esquematizadas (1,12ss; 1,16-20; 2,13-3,5).

AUSÊNCIA DE GRANDES DISCURSOS

Embora afirme, continuamente, que Jesus ensinava ou anunciava a Palavra (1,39; 2,2.13; 4,1.2; 6,2.6.34; 10,1; 11,17; 12,1), Marcos contém apenas dois discursos de Jesus: o discurso em parábolas (4,2-34) e o discurso escatológico (13,5-37). Falta o discurso da montanha presente em Mateus e Lucas. O ensinamento de Jesus e normalmente inserido em breves narrações (apoftegmas): sobre o perdão (2,1-12); sobre o comer com os pecadores(2,16-17); sobre o jejum(2,18-20); sobre o sábado (2,23-26); sobre o repouso sabático (3,1-6); sobre a família de Jesus (3,31-35); sobre o tributo a Cesar (12,13-17); sobre a esmola (12,41-44).

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OS RESUMOS

Às vezes, com pequenas frases, Marcos reúne uma série de informares que dão uma visão geral dos acontecimentos. Esses resumos são independentes dos que Ihes precede ou sucede e, algumas vezes, servem para introduzir um grupo de textos (1,14-15.21-22.39; 2,13; 3,7b-13; 4,33-34; 6,7.12-13.55-56; 7,24.31; 8,10,27; 9,30; 10,1.32). Se lidas um após o outro, estes textos se parecem com os discursos querigmáticos dos Atos dos Apóstolos e formam uma síntese do ministério de Jesus.

AS NARRAÇÕES DE MILAGRES

São as narrações nas quais o enfoque é o próprio milagre e não algum ensinamento de Jesus. São numerosas e bem desenvolvidas. Normalmente, possuem um esquema fixo dividido em três partes: as circunstâncias do milagre, a ação de Jesus e os efeitos (1,23-28; 1,29-31; 4,40-45; 4,35-41; 5,1-20; 5,21-24; 5,25-34; 5,35-43; 6,35-44). Algumas vezes, essas narrações estão reunidas por alguma referência geográfica ou cronológica (1,23-35; 4,35-5,43).

A FIGURA DE PEDRO

Pedro ocupa um lugar importante no evangelho de Marcos (1,36; 5,37; 9,2; 14,33), mas, ao contrário de Mateus e Lucas, Marcos omitiu tudo aquilo que poderia exaltar a pessoa de Pedro.

O OLHAR DE JESUS

Marcos insiste no olhar de Jesus, porém, sem especificar os seus sentimentos (3,5.34; 5,32; 10,23; 11,11).

O SEGREDO MESSIÂNICO

Jesus parece querer esconder do grande público sua verdadeira identidade. Por isso, proíbe aos demônios (1,25.34; 3,12), aos que foram curados (1,44; 5,43; 7,36; 8,26), e aos próprios discípulos (8,30; 9,9) que revelem sua identidade ou seus milagres. Essa atitude de Jesus foi chamada, pelos exegetas, de "segredo messiânico". Não é algo exclusivo de Marcos, pois existe também em Mateus (8,4; 12,16; 16,20; 17,9) e em Lucas (4,41; 8,56). No entanto, é mais evidente em Marcos. Alguns milagres, feitos longe da multidão (5,37.40 e 7,33), também podem ser considerados nesse mesmo sentido.

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MENSAGEM

Podemos deduzir o objetivo de Marcos a partir do início de seu evangelho: “Início do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus” (1,1)

Seu objetivo é, portanto, cristológico. Contudo, não se trata de apresentar um tratado sistemático de cristologia, mas escrever a catequese de Pedro aos romanos. Uma catequese centrada na descoberta de Jesus A pergunta fundamental é «Quem é Jesus?». Marcos procura responder mostrando que Jesus é o Cristo e o Filho de Deus.

Pedro, o apóstolo de Roma, e um centurião romano dão a resposta exata à pergunta. Pedro professa que Jesus é o Cristo: “Tu és o Cristo” (8,29) e o centurião romano, no momento da morte de Jesus, reconhece: “Na verdade esse homem era Filho de Deus” (15,39).

Tendo como base essas duas profissões de fé, podemos dividir o texto de Marcos em duas partes: a primeira, de 1,1 até 8,30 e a segunda de 8,31 até 16,20.

PRIMEIRA PARTE

Na primeira parte (1,1-8,30), Marcos mostra uma série de opiniões sobre Jesus, Fulminando na profissão de fé de Pedro, que reconhece que Jesus é o Cristo, isto é, o Ungido, o Messias

Já na pregação de João Batista está veladamente descrita a identidade de Jesus: Ele é o mais forte, aquele que batiza com o Espírito Santo.

“Depois de mim vem o mais forte do que eu. Eu não sou digno de, abaixando-me, desatar a correia de suas sandálias. Eu vos batizei com água. Ele vos batizará com o Espírito Santo” (1,7-8).

No momento do batismo, a voz que vem do céu identifica Jesus: “Tu és o meu Filho amado” (1,11).

No primeiro milagre, feito na sinagoga de Cafarnaum, o demônio gritava: “Sei quem tu és: o Santo de Deus” (1,24). No final desse dia, em forma de um resumo, Marcos diz que Jesus “curou muitos que sofriam de diversas enfermidades; expulsou também muitos demônios, e não Ihes permitia falar, porque sabiam quem ele era” (1,34). Em outra situação, diz que “os espíritos impuros, ao vê-lo, caiam a seus pés, gritando: Tu és o Filho de Deus” (3,11). Também o possesso de Gerasa “caiu de joelhos diante dele

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e gritou bem alto: Que queres de mim, Jesus, Filho do Deus Altíssimo?” (5,7). Portanto, os demônios, ou espíritos impuros, como Marcos costuma dizer, sabem quem é Jesus e procuram revelar sua identidade.

Os habitantes de Nazaré, sua cidade, interrogam-se sobre ele e o reconhecem como “o carpinteiro, o filho de Maria, irmão de Tiago, José, Judas e Simão” (6,3).

Seus parentes, logicamente excetuando sua Mãe, o consideravam um louco (3,21). Para os escribas, Jesus era um possesso (3,22.30). Herodes, que tinha mandado decapitar João Batista, ao ouvir falar de Jesus dizia: “Esse João, que eu mandei decapitar, ressuscitou” (6,16).

No final dessa primeira parte, o próprio Jesus apresenta a questão de sua verdadeira identidade: “Quem dizem as pessoas que eu sou? (...) E vós, quem dizeis que eu sou? Pedro respondeu: Tu és o Cristo” (8,27.29).

É também importante ressaltar que, nesses oito primeiros capítulos, Marcos concentrou catorze milagres de Jesus: 1,21-27; 1,29-30i 1,40-45; 2,1-12; 3,1-6; 4,35-41; 5,1-17; 5,21-43 (dois milagres); 6,30-44; 7,24-30; 7,31-37; 8,1-10; 8,22-26.

Embora todos eles sejam importantes, o primeiro e o último têm muito a ver com a problemática da identidade de Jesus. No primeiro milagre, realizado em um sábado na sinagoga de Cafarnaum, Jesus expulsou um espírito impuro, ou seja, um demônio, que gritava revelando Sua identidade: “Sei quem tu és: o Santo de Deus” (1,21-27). E, no último milagre, Jesus cura um cego (8,22-26). Este milagre é feito em duas etapas: Jesus colocou saliva nos olhos do cego e Ihe impôs as mãos. Mas ele não ficou totalmente curado. Via as pessoas como se fossem árvores andando (8,24). Só enxergou claramente quando Jesus tocou-lhe os olhos novamente, Esse cego anônimo é uma figura daqueles que não conseguem ver claramente a verdadeira identidade de Jesus. O cego confunde pessoas e árvores. Os judeus confundem Jesus com João Batista, com Elias ou com qualquer um dos profetas (8,28).

Marcos, com isso, quer ressaltar que enquanto os demônios sabem quem e Jesus, os homens o confundem com outras pessoas. São cegos espiritualmente e precisam ser curados. Mesmo Pedro, que respondeu acertadamente à pergunta de Jesus, declarando: “Tu és o Cristo”, é cego, pois logo a seguir se opôs abertamente à viagem para Jerusalém onde Jesus seria morto. Jesus diz que mesmo Pedro "não pensava as coisas de Deus, mas as dos homens" (8,33). O que Pedro entendia ao afirmar que Jesus era o Cristo? Certamente Jesus era o Cristo, o Messias, o Ungido

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anunciado pelos profetas, mas não como Pedro e todos os judeus imaginavam, um Messias político, nacionalista.

Marcos, nessa primeira parte de seu evangelho, procura levar seus leitores a descobrir a verdadeira identidade de Jesus Vendo seus milagres, ouvindo as opiniões a seu respeito, cada um é convidado a responder à pergunta central: Para você, quem e Jesus?

SEGUNDA PARTE

A segunda parte (8 31-16,20) é toda dominada pelo anúncio da paixão. Por três vezes Jesus anunciou sua morte e ressurreição, (8,31-33; 9,30-32; 10,32-34). Jesus já não ficava todo o tempo com multidões. Grande parte de seu tempo era dedicada à instrução dos discípulos. O conteúdo desse ensino era sua própria pessoa. Ele era sim Cristo, o Messias. Mas seu messianismo não era do tipo político-nacionalista, como imaginavam os apóstolos. Todavia, os discípulos não o compreenderam. E, diante da perspectiva da morte do Mestre, começaram a discutir entre si quem seria mais importante, o maior para ocupar o seu lugar. Por isso, Marcos coloca, logo após cada um dos anúncios da morte e ressurreição, um ensinamento de Jesus sobre a humildade e o serviço.

Diante da oposição de Pedro, no primeiro anúncio, Jesus ensina que para segui-lo é preciso tomar a cruz, perder sua vida por causa dele e do Evangelho (8,34-38). Depois do segundo anúncio, Marcos diz claramente que os discípulos “não compreendiam esta palavra” (9,32) e que, pelo caminho haviam discutido quem era o maior. Jesus ensinou “Se alguém quiser ser o primeiro, seja o último e aquele que serve a todos (9,33-37). E logo depois de Jesus anunciar pela terceira vez sua morte, Tiago e João, filhos de 2ebedeu, pediram para ocupar os lugares de honra no reino (10,35-40). E mais uma vez Jesus ensinou a humildade: “aquele que dentre vós quiser ser grande, seja o vosso servidor, e aquele que quiser ser o primeiro dentre vós, seja o servo de todos. Pois o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (10,41-45).

Por intermédio desses ensinamentos Jesus mostrou que tipo de Messias ele era: não um líder revolucionário, que dominaria todos pela força das armas, mas aquele que daria sua própria vida na cruz, aquele que veio para servir, que não buscou as honras e a grandeza, mas foi o último, o servo de todos.

Nessa segunda parte, Marcos colocou apenas dois milagres: a expulsão de um demônio (9,14-29) e a cura do cego Bartimeu de Jericó (10,46-52). Como na primeira parte, o primeiro milagre também é a expulsão

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de um espírito impuro, e o último, a cura de um cego. Mas com notáveis diferenças. No primeiro milagre (9,14-29), os apóstolos não conseguiram expulsar o demônio (9,18). A incapacidade dos apóstolos diante do demônio revela a sua falta de fé e sua incompreensão da pessoa de Jesus. O último milagre (10,46-52), a cura do cego de Jerico, é também uma figura daqueles que reconhecem Jesus e o seguem. O cego gritava chamando Jesus de “Filho de Davi”, antecipando assim a aclamação da multidão na entrada em Jerusalém: “Bendito seja o Reino que vem, o Reino de nosso Pai Davi” (11,10). O cego, uma vez curado, seguiu Jesus no seu caminho para Jerusalém.

Ensinando em Jerusalém, o próprio Jesus colocou o problema de sua identidade, ou melhor, da identidade do Messias: “Por que os escribas dizem que o Cristo é filho de Davi?”. A pergunta não foi dirigida a um grupo de pessoas, mas a todos e não recebeu resposta, deixando em aberto a questão (12,35-37).

Na narração da paixão, Jesus se calou o tempo todo, respondendo apenas às perguntas sobre sua identidade. Quando o sumo sacerdote Ihe perguntou: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus Bendito? Jesus respondeu: Eu sou” (14,61-62). A pergunta do sumo sacerdote retoma o inicio do evangelho (cf.1,1), sendo a única vez que Jesus declara abertamente sua identidade. Ele é o Cristo, o Filho de Deus. Quando Pilatos Ihe perguntou: “Tu és o Rei dos Judeus? Jesus respondeu: Tu o dizes” (15,2). Também os insultos da multidão no Calvário refletem sua identidade: “O Messias, o rei de Israel, dessa agora da cruz, para que vejamos e acreditemos” (15,32). E, finalmente, o centurião romano, que não vira nenhum milagre, nem ouvira nenhum ensinamento de Jesus, mas viu sua morte na cruz, reconheceu sua verdadeira identidade: “Na verdade, esse homem era Filho de Deus” (15,39).

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REFERÊNCIAS

Os Evangelhos Sinóticos: Introdução Bíblia de Jerusalém – Edições Paulinas – 1985. Evangelho segundo Marcos: Introdução Bíblia Pastoral – Paulus – 2002. Introdução aos Evangelhos, Cadernos Temáticos para Evangelização 14 Pe. José Carlos Fonsatti, CM – Editora Vozes – 2ª edição – 2007