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SUMRIO

DIDTICA I

OBJETIVOS ............................................................................................................... DIDI 1 1. 2. 3. 4. EDUCAO E DIDTICA .................................................................................. DIDI 3 ALGUNS CAMINHOS PERCORRIDOS PELA DIDTICA ............................. DIDI 7 CAMINHOS APS O SCULO XVIII ............................................................... DIDI 11 O PENSAMENTO CONSTRUTIVO DE JEAN PIAGET E O NOVO OLHAR PARA A ALFABETIZAO DE EMLIA FERREIRO ........................... DIDI 19 5. VYGOTSKY, PAULO FREIRE E A CONSIDERAO DO CONTEXTO SCIO-HISTRICO NO PROCESSO DE APRENDIZADO ....................... DIDI 27 6. 7. PHILIPPE PERRENOUD: PENSANDO A EDUCAO NA ATUALIDADE ....... DIDI 33 ORGANIZANDO A PRTICA EDUCATIVA: A IMPORTNCIA DO PLANEJAMENTO ..................................................................................... DIDI 37 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. OS OBJETIVOS EDUCACIONAIS .................................................................. DIDI 39 OS CONTEDOS DE APRENDIZAGEM .......................................................... DIDI 41 COMPETNCIAS E HABILIDADES ................................................................ DIDI 45 OS RECURSOS DIDTICOS E A IMPORTNCIA DA DIVERSIDADE ............ DIDI 47 AS TCNICAS DE ENSINO NO PROCESSO PEDAGGICO ......................... DIDI 51 A AVALIAO DA APRENDIZAGEM .............................................................. DIDI 55 CONTINUANDO NOSSOS CAMINHOS .......................................................... DIDI 59

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OBJETIVOS

Ao final dos 14 mdulos a disciplina contemplar os objetivos abaixo:

Que os alunos tenham a viso de uma Didtica fundamental, multidisciplinar, com o compromisso da transformao social, democratizao e a universalizao do ensino; Possam exercitar o seu lado crtico enquanto educandos em seus processos de formao e de futuros educadores, politicamente e socialmente compromissados; Busquem metodologias e abordagens que privilegiem a compreenso do trabalho pedaggico em seu aspecto dialtico (ao - reflexo ao).

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EDUCAO E DIDTICA

CAPTULO 1

No se pode encarar a educao a no ser como um que fazer humano. Que fazer, portanto, que ocorre no tempo e no espao, entre os homens, uns com os outros. (Paulo Freire)

Antes de comearmos a falar sobre o nosso tema, escreva a seguir o que voc pensa sobre o que educao.

Pois bem, no h como pensar em didtica sem falarmos sobre educao. No dicionrio Aurlio, encontramos a definio de educao como processo de desenvolvimento da capacidade fsica, intelectual e moral da criana e do ser humano em geral, visando sua melhor integrao individual e social. Aperfeioamento integral de todas as faculdades humanas. Dermeval Saviani em seu livro Educao: do senso comum conscincia crtica, considera que a finalidade da educao a promoo do homem e para ele, promover o homem significa torn-lo mais capaz de conhecer os elementos de sua situao, para intervir nela, transformando-a no sentido de sua liberdade, da comunicao e da colaborao entre os homens. Paulo Freire diz que: A educao uma resposta da finitude da infinitude. A educao possvel para o homem, porque este inacabado e sabe-se inacabado. (...) A educao, portanto, implica uma busca realizada por um sujeito que o

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homem. O homem deve ser o sujeito de sua prpria educao (...) (1988, p.27-28) Libneo vem somar a esses autores afirmando que: Educao um conceito amplo que se refere ao processo de desenvolvimento onilateral da personalidade, envolvendo a formao de qualidades humanas fsicas, morais, intelectuais, estticas tendo em vista a orientao da atividade humana na sua relao com o meio social, num determinado contexto de relaes sociais. (1994, p.22) Voltando s quatro definies citadas, podemos observar que no dicionrio Aurlio e em Libneo, a educao retratada enquanto processo de evoluo que considera o ser humano em seu todo. Saviani ressalta a importncia da educao enquanto meio para favorecer a autonomia do ser humano, gerando transformao em sua vida e tambm no contexto em que vive. Freire reconhece a limitao humana em seu condicionamento histrico e social; a incompletude e a conseqente busca por ser mais, querer mais, atravs da educao. Podemos tambm salientar que as definies trazem o conceito de educao como um fenmeno social e, como diz Fernando Savater, o ser humano nasce duas vezes: o nascimento biolgico e o nascimento atravs da EDUCAO. Bem, voltemos ao seu conceito de educao formulado no incio do captulo. Aps essas breves consideraes, voc o modificaria? Experimente!

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Mas, e a didtica? O que ela tem a ver com tudo isso? A didtica busca compreender o fenmeno educativo atravs da reflexo sobre o processo ensino-aprendizagem. Como considera Vera Maria Candau, o objeto de estudo da didtica o processo ensino-aprendizagem, (1994, p.13) que acontece de forma organizada e intencional, na escola, na sala de aula. Ao refletir sobre esse processo, a didtica busca caminhos para a realizao de uma prtica pedaggica compromissada com a transformao social e com um ensino de qualidade. Para isso, necessrio que se considerem trs dimenses do processo ensinoaprendizagem que, segundo Candau, so: humana, tcnica e poltica. A dimenso humana leva em considerao os relacionamentos vividos e o clima afetivo entre todos os atores participantes da escola (educadores, educandos, pais, gestores, funcionrios) e tem sido muito considerada na didtica atual. Na dimenso tcnica, temos a preocupao com a organizao do processo ensino-aprendizagem, pois como j dito nesse texto, tal processo acontece de modo sistemtico e intencional. Portanto, h que se pensar nos objetivos educacionais, na seleo dos contedos, na escolha dos procedimentos metodolgicos, na prtica de avaliao, etc. Enfim, na dimenso tcnica organiza-se a ao pedaggica, contextualizando-a com as questes sociais e com as outras duas dimenses (humana e poltica). Marcos Masetto, recuperando as idias de Candau, considera que o ensino-aprendizagem de que estamos falando acontece numa escola situada em um local determinado, numa certa poca histrica, que segue orientaes e diretrizes de profissionais da educao e das polticas governamentais. Estas ltimas tm uma influncia muito grande atravs da legislao e normas que afetam a escola (...) (1996, p.14) Trata-se da dimenso poltica ou poltico-social que permeia todo o processo ensino-aprendizagem.

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Em sntese, h uma estreita ligao entre Didtica e Educao, e tambm com outros campos do conhecimento como a Filosofia, Sociologia, Psicologia e outras. Podemos dizer que a Didtica contribui com a reflexo sobre o processo ensino-aprendizagem e com a implementao da prtica pedaggica ao levar em conta uma educao que d sentido nossa humanizao.

REFERNCIAS

CANDAU, Vera Maria F. (org.) A didtica em questo, 12. ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 1994. FREIRE, Paulo. Educao e mudana. 14. ed. So Paulo: Paz e Terra, 1979. LIBNEO, Jos Carlos. Didtica. 6. ed. So Paulo: Cortez, 1994. MASETTO, Marcos. Didtica: a aula como centro. 3. ed. So Paulo: FTD, 1996.

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ALGUNS CAMINHOS PERCORRIDOS PELA DIDTICA

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A toda hora, uma histria que preciso estar atento. A toda hora um movimento que muda o rumo dos ventos. (Paulinho da Viola)

Pensando na trajetria da Didtica enquanto rea de conhecimento, podemos dizer que ela surge no sculo XVII com Joo Amos Comnio (1592-1670), que acredita ter encontrado uma forma de ensinar tudo a todos e organiza uma obra intitulada Didtica Magna, propondo tal princpio. Antes disso, alguns autores consideram que o ensino era praticado de forma intuitiva, excluindo Scrates (sc. V a.C.) que praticava a maiutica, ou seja, partindo do conhecido para o desconhecido, do fcil para o difcil, Scrates vai fazendo a seu discpulo uma srie de perguntas que o leva a refletir, a descobrir e a formular as prprias respostas (Haidt, 2001, p. 16). Reconhecido como o pai da didtica,Comnio marca sua atuao na poca da Reforma Protestante na Europa e acreditava ter criado um mtodo que tornasse o ensino mais agradvel, eficiente e rpido. Seu pensamento educacional partia de alguns valores como o autoconhecimento, o saber com valor instrumental, a escola tornar-se mais atrativa, dentre outros. Comnio acreditava em uma educao que aperfeioasse o ser humano para conduzi-lo a Deus, dado seus ideais tico-religiosos. Desta forma, propunha uma aprendizagem com material didtico rico e variado (livros escolares com ilustraes); nfase ao exemplo, ressaltando o papel da imitao na aprendizagem infantil; prioridade lngua materna, pois todo o ensino nessa poca era oferecido em latim, etc. No sculo XVIII teremos alguns educadores que iro promover o afastamento da pedagogia e religio, o que at ento era costumeiro, dentre eles Rousseau (1712-1778), como autor de uma grande revoluo didtica. Como filsofo interessado nas questes pedaggicas, Rousseau traz um novo conceito de infncia por consider-la um momento singular. Contudo, como afirma Castro (1992, p.17):

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A valorizao da infncia est carregada de conseqncias para a pesquisa e a ao pedaggicas, mas estas vo ainda aguardar mais de um sculo para concretizar-se. Enquanto COMNIO, ao seguir as pegadas da natureza, pensava em domar as paixes das crianas, ROUSSEAU parte da idia da bondade natural do homem, corrompido pela sociedade. em sua obra O Contrato Social que discute a reforma da sociedade, to necessria quanto a reforma da Educao: por essa vertente de seu pensamento que precedeu Revoluo Francesa.

JEAN JACQUES ROUSSEAU

Jean Jacques Rousseau nasceu em Genebra, na Sua, no ano de 1712, e perdeu sua me ao nascer, pois esta morrera no parto. Teve uma vida incomum, aventureira e solitria. Viveu inicialmente com o pai e depois sob a tutela de um tio. Aos 16 anos iniciou sua vida nmade. Aventura-se com alguns amigos, buscando trabalho em outros locais e vai estudando, lendo muito e aprendendo. Quando vai para Paris, torna-se amigo dos Jean Jacques Rousseau filsofos iluministas e inicia carreira como compositor. Em 1745, conhece Thrse Levasseur, com a qual tem cinco filhos e vive at o fim de seus dias. Rousseau abandona os filhos em orfanatos de Paris, alegando no ser capaz de cri-los, fato que o faz carregar um grande remorso, explorado por seus inimigos e que tambm marcar sua obra. De 1756 a 1762, permanece no campo e produz suas obras mais importantes e conhecidas (Do Contrato Social, Emlio e A Nova Helosa) as quais o condenam a viver uma vida intranqila, fugindo de perseguies. Nos ltimos anos de sua vida dedica-se botnica e a 2 de julho de 1778 vem a falecer e enterrado na ilha de Choupos. Em 1793, durante a Revoluo Francesa, seus restos mortais so levados para o Panteo de Paris, monumento dedicado aos heris da ptria.

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atravs de suas obras Do Contrato Social e Emlio que Rousseau deixa sua contribuio para o pensamento educativo. Rousseau afirma que tudo que no temos ao nascer nos dado pela educao e a define como um processo natural. Aprende-se atravs dos sentidos, das emoes, dos instintos. Rousseau contrrio ao intelectualismo que leva ao ensino formal e livresco e prope a aprendizagem pela prpria experincia, dizia ele: que a criana corra, se divirta, caia cem vezes por dia, tanto melhor, aprender mais cedo a se levantar. Ressalta o papel da me como importante figura no processo educativo. Encara a infncia como importante para o incio da educao. Em sua obra Do Contrato Social, Rousseau apresenta a legitimidade do poder poltico e discute a formao do homem enquanto cidado. Podemos associar a essa obra a frase do prprio Rousseau: Todo homem nasce livre. Em Emlio, obra considerada um ensaio pedaggico, mas tambm um romance, Rousseau apresenta a educao do jovem Emlio do nascimento at os 25 anos, tratando da formao do homem enquanto indivduo. Podemos associar a essa obra a frase: Todo homem nasce bom. Alis, Rousseau se ope igreja fazendo tal afirmao, pois para os religiosos, o homem nasce com o pecado original. Como j dissemos, isso lhe ocasionou vrias perseguies. Na Coleo Os Pensadores, destacam-se os temas dominantes em suas obras: 1. relaes entre natureza e sociedade; 2. moral fundada na liberdade; 3. primazia do sentimento sobre a razo; 4. teoria da bondade natural do homem; 5. doutrina do contrato social. (Os Pensadores Rousseau vol. 1, p.12) Enfim, atravs de seus escritos, Rousseau propunha mudanas, tanto no contexto social como tambm no contexto educativo. A talvez esteja a sua grande contribuio.

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REFERNCIAS

CASTRO, Amlia Domingues de. A trajetria histrica da didtica. Idias, So Paulo: FDE, (11), 1992. FORTES, Luiz Roberto Salinas. Rousseau: o bom selvagem. So Paulo: FTD, 1989. HAIDT, Regina Clia Cazaux. Curso de didtica geral. 7. ed. So Paulo: tica, 2001. (Srie Educao). ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social / Ensaio sobre a origem das lnguas. Os Pensadores. Trad. de Lourdes Santos Machado. So Paulo: Nova Cultural, 1997. vol.1.

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CAMINHOS APS O SCULO XVIII

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Quem no se arrisca a abrir novas portas ter sempre a mesma porta pela frente. (Autor desconhecido)

No sculo XIX, podemos ressaltar John Frederick Herbart (1776-1841), que busca criar uma pedagogia cientfica, com um corpo de conhecimentos prprios. Herbart concebia a educao como instruo e considerava que a partir das influncias externas, das representaes formadas e de suas combinaes (HAIDT, 2001, p. 20), o ser humano vai se desenvolvendo. Portanto, a caracterstica fundamental do ser humano o seu poder de assimilao. A teoria educacional de Herbart gravita assim em torno da noo de funo assimiladora, que ele denominou de apercepo. A apercepo a assimilao Johann Friedrich Herbart de novas idias atravs da experincia e sua relao com as idias ou conceitos j anteriormente formados (Ibid) . Nesse sentido, a formao moral e o desenvolvimento intelectual so fundamentais para a educao. Levando em considerao as concepes acima expostas, Ghiraldelli (1996, p.28) expe sobre a didtica de Herbart, proposta em cinco passos: (...) preparao, apresentao, associao, generalizao e aplicao. A aula comea, ento, com o professor recordando o assunto da aula anterior (preparao). O assunto antes exposto deve encaminhar para a necessidade de novos estudos, o que convoca a nova lio (apresentao). Baseandose em analogia, o professor recorre aos procedimentos utilizados na resoluo dos problemas da lio anterior para solucionar os novos problemas (associao). Em seguida, mostra como as regras recm aprendidas podem servir para diversos casos (generalizao). Por fim, coloca os alunos no trabalho de resoluo de problemas semelhantes ao da aula dada (aplicao), inclusive com o objetivo de verificar o conhecimento aprendido.

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A didtica proposta por Herbart est associada ao ensino tradicional. Parte do domnio e conhecimento do professor que transmite o saber e leva-se em considerao mais o produto do que o processo de aquisio desse conhecimento. Segundo nossa trajetria histrica, parafraseando Castro (1992), o sc. XIX apresentar dois modos de interpretar a didtica: ora com nfase no sujeito, buscando a aprendizagem atravs do interesse, da curiosidade; ora com nfase no mtodo, como um caminho traado pela descoberta do ser humano. Teremos no final do sculo XIX e incio do sc. XX o movimento da Escola Nova, que trouxe novos rumos para a educao e que discutiremos logo a seguir. O que vale a pena ressaltar que nessa trajetria a didtica contou com a contribuio de vrias reas do conhecimento como a filosofia, a sociologia, a psicologia e outras, mas a responsvel por refletir sobre o processo ensino-aprendizagem a didtica. Do sculo XVII aos dias de hoje podemos perceber a evoluo da didtica e em alguns momentos, marcos significativos para uma mudana de paradigma. Como afirma Castro (1992, p.24): O panorama do final do sc. XX no simples. A Didtica est impregnada de todas as inquietaes da poca (...). A associao entre uma tendncia psicolgica que acentua a relevncia da compreenso da inteligncia humana e sua construo e outra que se apia na viso sociolgica das relaes escola-sociedade, parece dominar o contedo da disciplina. E diante dessas inquietaes, vale considerar que o foco da didtica o ensino passou a olhar com maior interesse para a aprendizagem, ou seja, busca-se o entendimento no como se aprende para se propor como ensinar. Partindo dessa tica, muitas questes se colocaro para a didtica de nossos dias, como por exemplo, pensar sobre a estrutura escolar, as relaes de poder que se estabelecem e, dentre outras, o papel de cada um dos atores envolvidos no processo educativo.DIDI 12

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FREINET E DEWEY: REPRESENTANTES DA ESCOLA NOVA

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Pestalozzi

Podemos perceber na histria da pedagogia alguma ressonncia das idias apresentadas por Rousseau (1712-1778). Poderamos citar Pestalozzi (1746-1827), Ovide Decroly (1871-1932), Froebel (1782-1852), Maria Montessori (1870-1952), dentre outros. Percebe-se tambm um certo adormecimento de suas idias at o advento do movimento da Escola Nova, cujos educadores trataremos na seqncia. Castro (1992, p.19) considera que:

No coincidncia que a era do liberalismo e do capitalismo, da industrializao e urbanizao tenha exigido novos rumos Educao. Na burguesia dominante e enriquecida, a Escola Nova vai encontrar ressonncia com seus ideais de liberdade e atividade. (...) O movimento doutrinrio, ideolgico, caracteriza-se por sua denominao mais comum: Escola Nova, tambm Renovada, Ativa ou Progressista, conforme as vertentes de sua atuao. Contrape-se, pois, a concepes consideradas antigas, tradicionais, voltadas para o passado. Apresenta-se com tonalidade crtica, contestadora, revolucionria e seus escritos tm, muitas vezes, um tom panfletrio, proselitista, talvez utpico. caso de distinguir-se o significado de novo e de recente, pois o movimento declara, como precursores, todos aqueles que mesmo em outras eras atendem s condies da infncia e poderiam entrar na frmula consagrada de atender s crianas conforme seus interesses, por meio de suas atividades e de um ambiente de liberdade. Nova seria, sobretudo, a amplido do movimento e sua roupagem moderna. (Grifo Nosso) Vale ressaltar dois aspectos considerados por Castro em relao a Escola Nova:

1. O sentido de NOVO, representado por idias que fugissem do ensino

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enciclopdico, formal, independente do TEMPO em que essas idias surgissem. 2. O sentido desse movimento, apresentado como uma tendncia que valorizava a ao, a realizao do estudante. Mas vamos ento tecer algumas consideraes em relao a dois representantes desse movimento: Freinet e Dewey. consensual entre muitos educadores de que Clestin Freinet Clestin Freinet (1896 - 1966) um dos grandes nomes da educao do sculo XX. Nasceu na Frana e atuou como professor em comunidades simples, populares, no negando sua origem. Diferentemente de vrios educadores de sua poca e at seus contemporneos (Maria Montessori e Dewey, por exemplo), no possua grandes ttulos universitrios, mas isso no o impediu de propor e realizar inovaes no plano pedaggico apesar da vida conturbada, cheia de interrupes em funo da participao na Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Para Freinet, o que orienta a prtica educativa a atividade (do aprendiz) e, nesse sentido, propunha a Pedagogia do Trabalho. As tcnicas propostas por Freinet vo atender idia de ativismo crianas agindo diretamente sobre o meio e funcionalidade do trabalho as atividades escolares precisam ter sentido, utilidade e funo. Para a aplicao das tcnicas, Freinet considerava tambm o princpio da livre expresso entre as crianas e a cooperao, esta ltima considerada como grande legado desse educador para a pedagogia do sculo XX, gerando em 1927 a criao da Cooperativa de Ensino Leigo (CEL); do Instituto Cooperativo de Escola Moderna (ICEM), em 1951, e da Federao Internacional de Movimentos da Escola. (FIMEM) em 1957. Voltando s tcnicas de Freinet, vale ressaltar que o objetivo no a utilizao ortodoxa, mas a observao e reflexo do professor para as necessidades de sua sala e das realidades vivenciadas nesse espao. Algumas tcnicas propostas por Freinet: Texto livre - elaborado pela criana, partindo de suas prprias idias, sem

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tema e prazo pr-fixados. Revista escolar - os textos livres e outros trabalhos elaborados pelas crianas podem ser utilizados na revista. Toda organizao do trabalho realizado pelas prprias crianas. Aula-passeio - o objetivo desta prtica era estimular o contato com o meio e posteriormente a escrita do texto livre. Correspondncia interescolar - nessa prtica, professores e alunos trocam correspondncias com outras classes, possibilitando a aprendizagem da vida cooperativa e favorecendo a criao de vnculos. Jornal-mural - como cita Sampaio (1994, p.206): nas classes Freinet, as paredes so vivas. (...) cada espao ocupado por alguma coisa considerada importante pelos alunos e pelo professor e permanecer l durante o tempo que for considerado necessrio. Livro da vida trata dos escritos, desenhos, fatos, dos acontecimentos significativos para a turma. A proposta a elaborao diria dos registros, ilustraes etc. que acaba tornando-se um documento das aes da classe. Alm dessas tcnicas temos: a imprensa na escola; o jornal escolar; o fichrio escolar cooperativo; o estudo do meio; a biblioteca; o fichrio autocorretivo; os planos de trabalho; os cantos de atividades; Todas as tcnicas visam o contato da criana com o conhecimento de forma a encontrar sentido no que se prope e no que se faz, o

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desenvolvimento do senso cooperativo e a alegria de estar na escola. Freinet, em determinado momento de sua vida, afirmou que j no estamos ss. Aps Freinet, como educadores podemos dizer: J no estamos ss. Dewey (1859-1952), como outros educadores j citados, faz parte da Pedagogia Renovada, tambm conhecida como Escola Nova. Americano nascido em Burlington, viveu em um perodo em que pde acompanhar vrias mudanas no contexto mundial. Em funo disso, vislumbrava a realidade e os valores como mutveis e que deveriam estar a servio das finalidades sociais. Dewey estudou arte e filosofia e como alguns intelectuais de sua poca era adepto do pragmatismo. Para essa corrente, a teoria s faz sentido se contribuir John Dewey para a soluo de problemas reais do dia-a-dia. Como afirma Haidt (2001, p.21), o conhecimento e o ensino devem estar intimamente relacionados ao, vida prtica, experincia. O saber tem carter instrumental: um meio para ajudar o homem na sua existncia, na sua prtica. Portanto, mais do que reproduzir conhecimento, o papel da escola, para Dewey, consiste em colocar o estudante em contato com situaes-problema reais para que este busque as solues, mas sempre de forma coletiva e cooperativa, pois Dewey acreditava que esses elementos so essenciais para solidificar a vida social e, portanto, a prtica escolar. Os pensamentos deweyanos repercutiram significativamente no campo da didtica com a proposta da escola-laboratrio criada por Dewey e que propunha o processo e aprendizagem atravs de cinco passos assim descritos por Ghiraldelli (1996, p.29): (...) atividade, problema, coleta de dados, hiptese e experimentao. O processo se inicia com o professor propondo trabalhos de diversas ordens (atividade). As curiosidades diversas e questes oriundas desses trabalhos so recolhidas pelo professor, que as coloca na forma de problemas tericos (problema). Para resolver tais problemas, estudantes e professor devem recorrer pesquisa (coleta de dados), procurando informaes nasDIDI 16

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bibliotecas e outros meios disponveis. Assim, estudantes e professor podem conjecturar solues para o problema (hiptese). Por fim, se for o caso, cabe experimentar as hipteses selecionadas (experimentao). A proposta de Dewey hoje reconhecida como reflexiva, que busca o aprender a aprender. No Brasil, suas idias foram defendidas por Ansio Teixeira no Movimento da Escola Nova.

REFERNCIAS

CASTRO, Amlia Domingues de. A trajetria histrica da didtica. Idias, So Paulo, v. 11, p.15-25, 1992. GHIRALDELLI Jnior, Paulo. O que pedagogia. 3. ed. rev. e atual. So Paulo: Brasiliense,1996. (Coleo Primeiros Passos; 193). HAIDT, Regina Clia Cazaux. Curso de didtica geral. 7. ed. So Paulo: tica, 2001. (Srie Educao). SAMPAIO, Rosa Maria Whitaker. Freinet: evoluo histrica e atualidades. 2. ed. So Paulo: Scipione, 1994. (Srie Pensamento e ao no magistrio)

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O PENSAMENTO CONSTRUTIVO DE JEAN PIAGET E O NOVO OLHAR PARA A ALFABETIZAO DE EMLIA FERREIRO

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... precisamos de alunos ativos, que aprendam a descobrir por si mesmos, em parte atravs de sua prpria atividade espontnea, em parte atravs do material que organizamos para eles. (Jean Piaget)

Podemos dizer que, depois de Piaget (1896-1980), ou mesmo, durante o perodo em que produziu conhecimento, o mundo da educao jamais foi o mesmo. Jean Piaget nasceu na Sua, em Neuchtel, a 9 de agosto de 1986, no seio de uma famlia rica e culta. Considerado sempre uma criana precoce, comea a interessar-se por cincia aos 7 anos de idade. Jean Piaget Dos 7 aos 10 anos inclina-se para o estudo de moluscos pela sua abundncia nos lagos suos e tambm para o estudo de pssaros, conchas marinhas e mecnica. Aos 10 anos, realiza sua primeira publicao sobre um pardal parcialmente albino que observara em um parque pblico. Aos 11 anos, Piaget trabalha como assistente do diretor do Museu de Histria Natural de sua cidade, j havia publicado 25 trabalhos, influenciado por seu mestre do qual era assistente no museu. Licenciou-se em 1915 (19 anos) e concluiu seu doutorado em 1918 (22 anos) com uma tese que versava sobre moluscos de Valais. Sua produo chega a 70 livros e 300 artigos sobre psicologia, pedagogia e filosofia. Aps finalizar seus estudos, Piaget passou a investigar como a inteligncia humana se desenvolve e pensou que se estudasse com profundidade como as crianas constroem as noes fundamentais de conhecimento lgico tais como as de tempo, espao, objeto, causalidade etc. poderia compreender a gnese e a evoluo do conhecimento humano (Davis e Oliveira,

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1994, p.37). Piaget pesquisou utilizando observao direta, sistemtica e cuidadosa de crianas, incluindo seus prprios filhos, Jacqueline, Laurent e Lucienne e, chegou a uma teoria que revolucionou a compreenso do desenvolvimento intelectual. Vale ressaltar que, a princpio, o que chamou a ateno de Piaget foram os erros cometidos pelas crianas. Azenha (1999, p.9) observa que o que o fascinava era a compreenso da lgica subjacente ao erro e interpretao do percurso intelectual da criana em relao ao seu desenvolvimento cognitivo global. Atravs de seus estudos, Piaget busca explicar como j afirmamos o desenvolvimento mental do ser humano e percebeu que: a criana possui lgica e funcionamento mental que difere qualitativamente da lgica do funcionamento mental do adulto. Props-se conseqentemente a investigar como, atravs de quais mecanismos, a lgica infantil se transforma em lgica adulta. Nessa investigao, Piaget partiu de uma concepo de desenvolvimento envolvendo um processo contnuo de trocas entre o organismo vivo e o meio ambiente (Davis e Oliveira , 1994, p.37).

COMPREENDENDO COMO A INTELIGNCIA SE DESENVOLVE

Algumas noes como equilbrio, organizao, adaptao, dentre outros, so imprescindveis para a compreenso da teoria piagetiana. Piaget considerava que todo ser vivo busca manter um estado de equilbrio ou adaptao com o meio em que vive. Se porventura h o rompimento com esse estado, o organismo age e tenta obter um novo estado de equilbrio. Para o pesquisador, o encontro desse novo

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estado se d atravs de dois mecanismos fundamentais: adaptao e organizao. A adaptao apresenta outros dois mecanismos que esto continuamente interligados, embora se coloquem como processos opostos: a assimilao e a acomodao. Na ASSIMILAO, o indivduo usa as estruturas psquicas que j possui. Se elas no so suficientes, preciso construir novas estruturas. Isso a ACOMODAO. Piaget diz que: na assimilao e na acomodao se pode reconhecer a correspondncia prtica daquilo que sero mais tarde a deduo e a experincia: a atividade da mente e a presso da realidade. J a ORGANIZAO articula esses processos com as estruturas existentes e reorganiza todo o conjunto. Assim, o indivduo constri e reconstri continuamente as estruturas que o tornam cada vez mais apto ao equilbrio. (Lopes, 1996, p.12) Essas construes e reconstrues que acontecero em um processo contnuo sero caracterizadas por perodos ou estgios de desenvolvimento.

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Vejamos esses quatro estgios no quadro resumo a seguir:

FONTE: Adaptado de B. Eadsworth, Piagets Theory of Cognitive Development (Nova york: David McKay, 1971)DIDI 22

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Piaget foi um grande defensor da Escola Ativa e dizia que o mundo deve ser reinventado pela criana. No era favorvel ao empirismo e nem ao inatismo para a concepo de um modelo explicativo para o desenvolvimento cognitivo, mas, sim o CONSTRUTIVISMO como proposta para o estudo e desenvolvimento da gnese do conhecimento. No Brasil, passamos a ter contato com as obras de Piaget a partir de 1936, mas foi na dcada de 80 que suas idias passaram a ser alvo de estudo e discusso. Tambm no incio da dcada de 80 morre em Genebra esse grande estudioso, no dia 16 de setembro.

EMLIA FERREIRO

Talvez possamos ousar em afirmar que no h professor alfabetizador brasileiro, na atualidade, que no tenha ouvido falar de Emlia Ferreiro. Seu nome e pensamento comearam a ser ouvidos e divulgados no Brasil a partir da dcada de 80, quando os educadores tiveram acesso a seu primeiro livro escrito em parceria com Ana Teberosky, traduzido em nosso pas: Psicognese da lngua escrita. A obra trazia uma mudana de paradigma, pois concebia a alfabetizao de modo singular, como at ento no se enxergara. Emlia Ferreiro, psicolingista argentina, foi aluna e colaboradora de Piaget em suas pesquisas. Estudou na Universidade de Genebra e concluiu seu doutorado orientado pelo mestre aqui citado. Inicialmente, trabalhou em parceria com Ana Teberosky em seu pas de origem, realizando pesquisas empricas. Como considera Azenha (1999, p.35): Emlia Ferreiro (...) do ponto de vista terico, as pesquisas de Ferreiro & Teberosky trazem uma contribuio original. Tomam como objeto de estudo um contedo ao qual Piaget no se dedicava resgatam os pressupostos epistemolgicos

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centrais de sua teoria, para aplic-los anlise do aprendizado da lngua escrita. Na contramo de outros estudos tericos, o objetivo de suas investigaes no a prescrio de novos mtodos para o ensino da leitura e da escrita. (...) Ao contrrio desta tendncia, as investigaes de Ferreiro articulam-se para demonstrar a existncia de mecanismos do sujeito do conhecimento (sujeito epistmico), que, na interao com a linguagem escrita (objeto de conhecimento), explicam a emergncia de formas idiossincrticas de compreender o objeto. Ou seja, Ferreiro queria demonstrar que a lgica da criana para se apropriar da lngua escrita enquanto sistema de representao no a mesma lgica do adulto. A criana transita por fases e essas demonstraro os esquemas de assimilao e acomodao j demonstrados por Piaget. De modo sinttico, podemos apresentar quatro fases principais, mas existem as fases intermedirias que tambm so significativas para o desenvolvimento e evoluo da criana. So elas: Pr-silbica: no faz a associao das letras (registro escrito) aos sons da fala; Silbica: inicia-se, pela criana, a tentativa de relacionar os sons da linguagem com o registro escrito. De acordo com Azenha (1999, p.72), o fato crucial que evidencia a sua utilizao pela criana atribuio de um valor silbico a cada marca produzida como parte de uma totalidade registrada; Silbico-alfabtica: um momento de transio em que a criana utiliza a fase anterior mas tenta aproximar-se da escrita alfabtica, acrescentando letras; Alfabtica: nessa fase a criana j superou os obstculos conceituais para o entendimento da escrita e escreve utilizando as letras adequadas a seus valores sonoros. Emlia Ferreiro mora atualmente no Mxico e trabalha como professora titular do Centro de Investigao e Estudos Avanados do Instituto Politcnico Nacional. J esteve vrias vezes no Brasil para falar aos educadores brasileiros. O que podemos ressaltar que, em todo trabalho realizado por Ferreiro,

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percebe-se um forte comprometimento com o contexto social e educacional da Amrica Latina. Suas pesquisas vieram mostrar que todas as crianas so capazes de aprender e que necessitamos acabar com a reteno e buscar compreender como nossas crianas aprendem. O foco precisa estar na aprendizagem.

REFERNCIAS

AZENHA, Maria da Graa. Construtivismo: de Piaget a Emlia Ferreiro. 7. ed. So Paulo: tica, 1999. (Srie Princpios) DAVIS, Claudia e OLIVEIRA, Zilma de. Psicologia na educao. 2. ed. So Paulo: Cortez, 1994. LOPES, Josiane. Piaget: a lgica prpria da criana como base do ensino. Nova Escola, So Paulo, p.9-15, agosto, 1996.

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VYGOTSKY, PAULO FREIRE E A CONSIDERAO DO CONTEXTO SCIOHISTRICO NO PROCESSO DE APRENDIZADO

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Na ausncia do outro, o homem no se constri homem. (Lev S. Vygotsky)

Escrever sobre Vygotsky (1896-1934) recuperar a trajetria de um estudioso brilhante que, embora tenha vivido pouco (morre de tuberculose aos 37 anos), deixou uma vasta obra que s tornou-se acessvel ao mundo ocidental, aproximadamente na dcada de 60 e no Brasil, em final da dcada de 70 atravs de pesquisadores que estudaram no exterior. At em seu prprio pas, Rssia, suas obras ficam proibidas no perodo de 1936 a 1956 por questes polticas. Piaget lamentou que os dois no tivessem Lev S. Vygotsky se encontrado para dialogar sobre seus estudos e convices. No incio do sculo XX, perodo em que Vygotsky com mais alguns jovens intelectuais (Luria e Leontiev) comeam a trabalhar, buscando construir um novo conceito de Psicologia, os dois tipos de abordagens psicolgicas existentes eram: 1. Psicologia como cincia natural procurava explicar processos elementares sensoriais e reflexos, tomando o homem basicamente como corpo. Essa tendncia relaciona-se com a psicologia experimental, (...) preocupando-se com a quantificao de fenmenos observveis. (Oliveira, 1995, p.22) 2. Psicologia como cincia mental descrevia as propriedades dos processos psicolgicos superiores, tomando o homem como mente, conscincia, esprito. (Oliveira, 1995, p.22-23) Essas duas abordagens, para Vygotsky, com seus postulados, no eram suficientes para compreender os processos psicolgicos superiores (percepo, ateno, memria, capacidade para solucionar problemas).DIDI 27

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Dessa forma, busca-se uma nova abordagem para a psicologia, apoiada em trs idias bsicas para o pensamento vygotskyano, de acordo com Oliveira (1995, p. 23-24). As funes psicolgicas tm um suporte biolgico pois so produtos da atividade cerebral (o crebro no um sistema de funes fixas e imutveis, mas um sistema aberto, de grande plasticidade, cuja estrutura e modos de funcionamento so moldados ao longo da histria da espcie e do desenvolvimento individual. Dadas as imensas possibilidades de realizao humana, essa plasticidade essencial: o crebro pode servir a novas funes, criadas na histria do homem, sem que sejam necessrias transformaes no rgo fsico). O funcionamento psicolgico fundamenta-se nas relaes sociais entre o indivduo e o mundo exterior, as quais desenvolvem-se num processo histrico (o homem transforma-se de biolgico em scio-histrico, num processo em que a cultura parte essencial da constituio da natureza humana. No podemos pensar o desenvolvimento psicolgico como um processo abstrato, descontextualizado, universal: o funcionamento psicolgico, particularmente no que se refere s funes psicolgicas superiores, tipicamente humanas, est baseado fortemente nos modos culturalmente construdos de ordenar o real). A relao homem/mundo uma relao mediada por sistemas simblicos (a relao do homem com o mundo no uma relao direta, mas uma relao mediada, sendo os sistemas simblicos os elementos intermedirios entre o sujeito e o mundo). Mas como essas consideraes podem contribuir na educao? Segundo o estudioso, no convvio com outros seres humanos e no contato com a cultura que desenvolvemos as funes psicolgicas superiores, que se constituem como caractersticas essencialmente humanas. O desenvolvimento ou evoluo do ser humano vai acontecendo pela organizao das informaes recebidas do meio em que vive, e, como considera Claudia Davis (apud Lopes, 1996, p.34), as informaes nunca so absorvidas diretamente do meio. So sempre intermediadas, explcita ou implicitamente, pelas pessoas que rodeiam a criana, carregando significados sociais e histricos.

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Confirmando as consideraes de Davis, Oliveira diz que todas as funes no desenvolvimento da criana apareceram duas vezes: primeiro, no nvel social, e , depois, no nvel individual; primeiro entre as pessoas (interpsicolgica), e, depois, no interior da criana (intrapsicolgica) (1995, p.38-39). Para explicar a evoluo intelectual, Vygotsky utiliza-se de trs conceitos desenvolvidos por ele, de acordo com o que segue no quadro explicativo:

Essas idias desenvolvidas por Vygotsky e muitas outras acabaram por influenciar o entendimento do processo educativo, do papel do professor, como o aluno aprende, etc. As idias de Vygotsky, com certeza, na atualidade, fazem parte do iderio pedaggico e muitos estudiosos brasileiros tm se dedicado a estudar e escrever sobre esse brilhante pesquisador.

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PAULO FREIRE

Com certeza, Paulo Rgulos Neves Freire - o nosso Paulo Freire - o mais conhecido e renomado educador brasileiro. Nascido em 1921 e falecido em 1997, viveu momentos de calmaria e tambm de conflitos em relao a situao poltica no Brasil, a ponto de viver exilado de 1964 (Golpe Militar) at1980 quando volta para nosso pas. Paulo Freire ficou conhecido por suas idias em defesa do oprimido, do excludo e por sua proposta de alfabetizao colocada em prtica no incio da dcada de 60. Paulo Freire Em seu ltimo livro - Pedagogia da autonomia finalizado entre 1996-1997, o autor admite que mudar difcil, mas possvel e de certa forma, retoma suas certezas e incertezas quanto ao caminho que a educao deve trilhar. Falemos um pouco sobre essa obra. Como o ttulo bem coloca, o livro busca refletir sobre a formao docente e os saberes necessrios a uma prtica educativa transformadora, progressista, em favor da autonomia de educandos e educandas, educadores e educadoras. E para atingir essa educao transformadora, Paulo Freire prope uma pedagogia fundada na tica e no respeito dignidade destes educandos. E como seria essa pedagogia? O que ela prioriza? Prioriza o ser humano e seu crescimento histrico, social e poltico; a construo da cidadania atravs do dilogo crtico; enfatiza a urgncia de professoras e professores progressistas em assumirem a dignidade da profisso e lutarem por seus direitos, repensando a eficcia das greves e reinventando a forma (...) histrica de lutar (p.76), o que significa, na prtica, atuao no sindicato, clareza poltica e a no aceitao pela condio de objetos, mas sim sujeitos, protagonistas de suas vidas. Ressalta tambm a importncia da coerncia entre o discurso e a ao, entre o saber-ser e o saber-fazer pedaggicos. a rejeio do velho ditado: faa o que eu mando, mas no faa o que eu fao. Enquanto educadores/educadoras no apenas se importarem em ensinar os contedos, mas tambm ensinarem a pensar certo e quem pensa certo est

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cansado de saber que as palavras a que falta a corporeidade do exemplo pouco ou quase nada valem. Pensar certo fazer certo (p.38). Enfim, pensar certo tem a ver com a atitude de disponibilidade ao risco; aceitao do novo e tambm do velho que preserva sua validade, sua tradio; rejeio a qualquer forma de discriminao; disposio a favor da justia, da liberdade, do direito de expresso e de respeito mtuo entre educadores e educandos. Alm disso, essa pedagogia salienta e refora o investimento nos processos de formao cientfica e permanente, momento propcio e fundamental para reflexo sobre a prtica, para a superao constante da curiosidade ingnua (senso comum) em direo curiosidade epistemolgica atravs da pesquisa, pois, para Paulo Freire, no h ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Tudo isso, sem esquecer-se da afetividade, do bem querer aos educandos que torna o ato de educar alegre, significando disponibilidade alegria de viver (p.160), lembrando tambm do cumprimento tico da prtica docente, do exerccio da autoridade (e no do autoritarismo), importantes para a composio do espao pedaggico. Trata-se, sem dvida, de um livro relevante para o iderio pedaggico, principalmente para os educadores e educadoras que vislumbram nas idias progressistas a pedagogia das possibilidades, o caminho para uma ao docente que considere a dimenso social, poltica e histrica da formao humana e contrria a qualquer prtica de desumanizao e excluso.

REFERNCIAS

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessrios prtica educativa. 17.ed. So Paulo: Paz e Terra, 2001. 165p. (Coleo leitura). LOPES, Josiane. Vygotsky: o terico social da inteligncia. Nova escola, So Paulo, n 99, p.33-38, dez. 1996.

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OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento um processo scio-histrico. 3. ed. So Paulo: Scipione, 1995. (Coleo Mestres da Educao). VYGOTSKY, Lev Semyonovich. A formao social da mente: o desenvolvimento dos processos psicolgicos superiores. Traduo Jos Cipolha Neto, Lus Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 5. ed. So Paulo: Martins Fontes, 1994.

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PHILIPPE PERRENOUD: PENSANDO A EDUCAO NA ATUALIDADE

CAPTULO 6

O aluno acumula saberes, passa nos exames, mas no consegue usar o que aprendeu em situaes reais (P. Perrenoud)

Philippe Perrenoud nasceu na Sua em 1944. Doutor em Sociologia e Antropologia, leciona nas Faculdades de Psicologia e Cincias da Educao da Universidade de Genebra nas reas de Currculo, Prticas Pedaggicas e Instituies de Formao, alm de participar de Congressos e Seminrios de Educao, conversando com educadores pelo mundo todo. No Brasil, Perrenoud tornou-se um nome respeitado por trazer tona, em seus livros, reflexes sobre profissionalizao de professores, avaliao escolar, educao por competncias, chegando at a influenciar com suas idias na elaborao de documentos oficiais como a construo dos PCNs (Parmetros Curriculares Nacionais) e na organizao do sistema escolar por ciclos, como o caso da Progresso Continuada. Vrias obras do autor j foram traduzidas para o portugus. Dentre elas: Pedagogia Diferenciada Construir as competncias desde a escola Dez novas competncias para ensinar Avaliao: da excelncia regulao das aprendizagens Ensinar: agir na urgncia, decidir na incerteza. Saberes e competncias em uma profisso complexa Os ciclos de aprendizagem: um caminho para combater o fracasso escolar Algumas idias de Perrenoud: Saber Perrenoud considera que, na atualidade, buscar o saber pelo saber

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distancia o aluno da realidade vivente. Por isso, o interessante seria desenvolver saberes como ferramentas para compreender o mundo e agir sobre ele. Nesse sentido, o autor prope a base do conhecimento no desenvolvimento de COMPETNCIAS. Competncia Para Perrenoud, ... a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informaes, etc.) para solucionar uma srie de situaes, e exemplifica: localizar-se numa cidade desconhecida mobiliza as capacidades de ler um mapa, pedir informaes. Muitas outras idias so desenvolvidas por Perrenoud, mas poderamos dizer que, em relao formao e profissionalizao de professores, deixa-nos a mensagem de que ser educador compreender a necessidade de investimento, organizao, planejamento, conhecimento do seu ofcio e que tudo isso nunca est acabado. um processo contnuo de busca e formao. Como diz o prprio autor, sempre que o aluno no aprende em sala de aula temos matria para refletir.

E POR FIM

Atravs desses captulos iniciais, falamos sobre o significado da didtica enquanto rea que contribui para a reflexo sobre o processo ensino-aprendizagem, buscando, para tal, o apoio de teorias de ensino, de propostas pedaggicas que trazem a possibilidade de pensar sobre a escola, sua funo, seu sentido. Para isso, recuperamos de forma breve alguns percursos da didtica e selecionamos alguns nomes que auxiliaram e ainda nos auxiliam a compreender e a fazer educao. Alguns de nossos selecionados, no desmerecendo a obra e o trabalho de outros aqui no mencionados, tornaram-se clssicos em funo da projeo universal e das idias que

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marcaram o processo educativo em vrios tempos e espaos. Sebarroja (2003, p.10) refere-se a alguns de nossos autores como: (...) pessoas aventureiras e carismticas, tm carter e autoridade,convices profundas e esperanosas no futuro da humanidade, com o qual esto fortemente comprometidas, sempre com um p no ensino e outro na sociedade. So capazes de manter a tenso intelectual e emocional necessria para converter dificuldades em possibilidades, como diz Freire, e concretizar, com muito empenho e convico, pequenas e grandes utopias. Portanto, tomar contato com as propostas desses pesquisadores/ educadores sempre motivo para aprender, para encontrar respostas, mas tambm levantar questionamentos. Comnio, Herbart, Rousseau, Freinet, Dewey, Piaget, Vygotsky, Paulo Freire, Emlia Ferreiro, Philippe Perrenoud, todos, de certo modo, trazem marcas singulares expostas atravs de seus pensamentos, mas tambm trazem em suas respectivas pocas histricas, o desejo de MUDANA nas formas de aprender, de ensinar, na formao e funo do educador, na maneira de conceber a escola e a educao, confirmando Jaume Carbonell ao dizer que as novas idias surgem sempre a partir de reelaboraes de idias anteriores. A maioria defende a democratizao do ensino, contrape-se aos princpios da escola tradicional; alguns propem novos mtodos, reivindicam o fazer do educando e sugerem um educador que seja orientador, mediador, companheiro, tico, tambm aprendiz e preocupado com sua prpria formao. Como disse Maria Montessori, toda proposta educativa deixa de ser vlida se permanece tal e qual for apresentada nos seus primrdios. Desse modo, que possamos, por meio do contato e conhecimento das idias e obras desses educadores/pesquisadores, escrever o nosso captulo na trajetria da didtica e da educao, buscando sempre uma prtica educativa de qualidade.

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REFERNCIAS

MARAGON, Cristiane e LIMA, Eduardo. Os novos pensadores da educao. Nova Escola, So Paulo, p.19-25, agosto, 2002. SEBARROJA, Jaume Carbonell (org.) Pedagogias do sculo XX. Trad. Ftima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2003.

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ORGANIZANDO A PRTICA EDUCATIVA: A IMPORTNCIA DO PLANEJAMENTOEla est no horizonte me aproximo dois passos ela afasta dois passos caminho dez passos

CAPTULO 7

e o horizonte corre dez passos por mais que caminhe jamais alcanarei Para que serve a utopia? Serve para isso para caminhar. (Eduardo Galeano)

Nos prximos captulos estaremos conversando sobre como organizar a prtica educativa, sem nos esquecermos das dimenses do processo ensinoaprendizagem considerados pela Didtica: humana, poltico-social e tcnica. Organizar a prtica educativa significa projetar, sonhar, planejar o que se deseja, da mesma forma como planejamos e investimos em nossos projetos pessoais. A grande maioria dos seres humanos no vive sem fazer planos. Libneo considera que, no processo educativo, o planejamento uma atividade de reflexo acerca das nossas opes e aes; se no pensarmos detidamente sobre o rumo que devemos dar ao nosso trabalho, ficaremos entregues aos rumos estabelecidos pelos interesses dominantes na sociedade (1994, p. 222). E acrescenta: A ao de planejar, portanto, no se reduz ao simples preenchimento de formulrios para controle administrativo; , antes, a atividade consciente de previso das aes docentes, fundamentadas em opes polticopedaggicas, e tendo como referncia permanente as situaes didticas concretas (isto , a problemtica social, econmica, poltica e cultural que envolve a escola, os professores, os alunos, os pais, a comunidade, que

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CAPTULO 7

integram no processo de ensino) (Ibid). A formao do ser humano para viver no sculo XXI no a mesma que a requerida em tempo anteriores. No mundo contemporneo, temos buscado superar alguns modelos educacionais, dando nfase a uma sociedade democrtica, que se fundamente no dilogo constante e na tica para firmar as relaes humanas. Em relao ao conhecimento, superar a fragmentao dos saberes, buscando conceb-los de maneira interdisciplinar. Os contedos passam a ser desenvolvidos, visando no apenas os aspectos cognitivos (saber), mas procedimentos (saber fazer) e atitudes (saber ser), para atender a uma formao integral. Se coloca tambm como instrumento para o desenvolvimento de competncias (como vimos no captulo sobre Perrenoud) e habilidades. H que se pensar tambm na organizao do tempo, do espao, das metodologias, dos recursos, da avaliao ... enfim, tudo visando uma formao humana voltada para as necessidades do nosso mundo. A escola que planeja suas aes e busca concretiz-las, rompe com a prtica do planejamento como momento burocrtico, esvaziado de sentido, Ao contrrio, caminha para alcanar uma utopia possvel. Por isso o planejamento importante: para levantarmos muitos questionamentos sobre como desejamos nossa escola e como pensamos fazer educao.

REFERNCIALIBNEO, Jos Carlos. Didtica. 6. ed. So Paulo: Cortez, 1994.

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OS OBJETIVOS EDUCACIONAIS

CAPTULO 8

Por acaso, o papel da escola deve ser seletivo e propedutico? Ou deve cumprir outras funes? No h dvida de que esta a primeira pergunta que temos que nos colocar. Quais so nossas intenes educacionais? O que pretendemos que os alunos consigam? (Antoni Zabala)

Vimos no captulo anterior que o planejamento se reveste de importncia porque o momento de pensar o ser humano que se deseja formar. Para isso, temos algumas etapas que auxiliaro a organizar a prtica educativa. Uma dessas etapas trata da definio de objetivos. Ao buscarmos estabelecer os objetivos, estamos nos perguntando: para que e por que ensinar? Quais resultados alcanar? E ao prop-los, estamos explicitando metas, finalidades, rumos da ao docente e discente. Como diz Masetto (1996, p. 88): O estabelecimento de objetivos orienta o professor para selecionar o contedo, escolher as estratgias de ensino e elaborar o processo de avaliao. Orienta tambm o aluno, que fica sabendo o que se espera dele nesse curso, disciplina, srie ou aula. Nos Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs) os objetivos esto expressos como capacidades a serem trabalhadas ao longo do processo de escolarizao. So elas: capacidades de ordem cognitiva, capacidade fsica, afetiva, de relao interpessoal, capacidade esttica, tica e de insero social. Se observarmos, tais capacidades visam a formao integral dos educandos, pois no se preocupa apenas com o desenvolvimento cognitivo que, de uma certa forma, foi a grande preocupao de alguns modelos educacionais em voga. Alm disso, os PCNs consideram que primordial estabelecer os objetivos como capacidades para que possam manifestar-se numa diversidade de comportamentos (desejados). Ao redigir um objetivo, seja ele mais

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CAPTULO 8

amplo (geral) ou especfico, o professor expe em uma frase afirmativa o que se espera atingir com todos os alunos ou o que se espera que sejam capazes, ao finalizar um determinado estudo, projeto, curso ou ciclo. Por exemplo: No trabalho com alunos das sries iniciais em relao construo do conceito de tempo: - confeccionar relgios de Sol, ampulhetas, relgios de gua (clepsidra). (PCNs, vol. 5, 1997, p. 88). No trabalho com os alunos sobre unidades de medida: - saber aplicar adequadamente as medidas de comprimento, massa, volume etc, em vrias situaes sociais reais (Libneo, 1994, p. 236). Vale ressaltar a estreita relao dos objetivos com outra etapa do processo: a avaliao, pois atravs desta que o professor ter condies de refletir sobre o sucesso da aprendizagem e se os alunos conseguiram atingir as metas estabelecidas e, a partir dessa reflexo, tomar as decises necessrias: prosseguir com a caminhada ou retomar os objetivos no alcanados.

REFERNCIAS

BRASIL Secretaria de Educao Fundamemtal. Parmetros Curriculares Nacionais: introduo. Braslia: MEC/SEF, 1997. MASETTO, Marcos. Didtica: a aula como centro. 3. ed. So Paulo: FTD, 1996

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OS CONTEDOS DE APRENDIZAGEM

CAPTULO 9

Viver muito perigoso. Porque ainda no se sabe. Porque aprender a viver que viver, mesmo. (Guimares Rosa)

Neste captulo, continuaremos a apresentar as etapas que auxiliam a organizar a prtica educativa e trataremos dos contedos. Mas, o que vem a ser contedo? Para responder a essa questo, precisaremos atentar que a concepo de contedo foi se modificando na trajetria da educao e tambm na Didtica. Se perguntssemos para um aluno, talvez este dissesse que contedo a matria que o professor transmite em suas aulas. Para ns, muito mais que isso. Contedo tem a ver com conhecimento, com saber, mas no apenas um saber erudito, conceitual ou propedutico, como diria Zabala. Historicamente, o sentido de contedo ampliou-se e, na atualidade, procuramos compreend-lo como tudo que possvel conhecer. Zabala o define como: (...) tudo quanto se tem que aprender para alcanar determinados objetivos que no apenas abrangem as capacidades cognitivas, como tambm incluem as demais capacidades. Deste modo, os contedos de aprendizagem no se reduzem unicamente s contribuies das disciplinas ou matrias tradicionais. Portanto, tambm sero contedos de aprendizagem todos aqueles que possibilitem o desenvolvimento das capacidades motoras, afetivas, de relao interpessoal e de insero social. (1998, p. 30)

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Podemos acrescentar a essa definio o pensamento de Libneo (1994, p. 129) que observa: (...) os contedos retratam a experincia social da humanidade no que se refere a conhecimentos e modos de ao, transformando-se em instrumentos pelos quais os alunos assimilam, compreendem e enfrentam as exigncias tericas e prticas da vida social (...). Portanto, ao tratar dos contedos, estamos nos preocupando com o saber (factuais/conceituais), com saber fazer (procedimentais) e com o ser (atitudinais). Ao propormos essa tipologia para os contedos, estamos considerando a formao escolar de modo mais integral, incorporando no apenas os contedos formais com os quais a escola trabalhava e valorizava anteriormente, mas tambm contedos que valorizem as experincias pessoais, sociais, ticas, estticas, motoras, etc. de todos os educandos. Vale ressaltar que essa diviso se d para fins didticos a ns educadores, pois no exerccio da prtica educativa eles acontecem integrados, sem fragmentaes. Zabala prope que para os alunos das sries iniciais priorize-se os contedos procedimentais e atitudinais que valorizam o fazer do aluno, suas vivencias e experincias e, conforme acontea a evoluo do processo escolar, se incremente os contedos conceituais, pois o aluno ter um maior repertrio para elaborar sua idias e representaes. Zabala tambm considera que: (...) a tipologia de contedos pode nos servir de instrumento para definir as diferentes posies sobre o papel que deve ter o ensino. Portanto, num ensino que prope a formao integral a presena dos diferentes tipos de contedos estar equilibrada; por outro lado, um ensino que defende a funo propedutica universitria priorizar os conceituais. (1998, p. 33)

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CAPTULO 9

Finalizando, importante esclarecer que a proposta desta tipologia est em sintonia com o reconhecimento de um mundo em constate mudana e a valorizao de uma educao permanente que se faz ao longo da vida e com os quatro pilares da educao (aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver juntos, aprender a viver com os outros e aprender a ser) sugeridos no Relatrio para a UNESCO da Comisso Internacional sobre Educao para o sculo XXI, organizado por Jacques Delors e colaboradores.

REFERNCIAS

DELORS, Jacques. (org). Educao: um tesouro a descobrir. 5. ed. So Paulo: Cortez; Braslia, DF: MEC; UNESCO, 2001. (CAPTULO IV) LIBNEO, Jos Carlos. Didtica. 6. ed. So Paulo: Cortez, 1994. ZABALA, Antoni. A prtica educativa: como ensinar. Trad. Ernani F. da F. Rosa. Porto Alegre: Artmed, 1998.

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CAPTULO 9

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COMPETNCIAS E HABILIDADES

CAPTULO 10

O homem s feliz se puder desenvolver e utilizar todas suas capacidades e habilidades (Jostein Gaarder Inspirado em Aristteles) Saber e no fazer ainda no saber (Provrbio Zen)

Temos considerado atravs dos captulos que a prtica educativa no neutra e que ao fazermos algumas opes, estamos apostando em um tipo de formao que acreditamos ser a mais adequada e tambm escolhendo as bases tericas que daro o alicerce para essa formao. Trabalhar desenvolvendo competncias e habilidades requer uma nova viso de formao do professor e uma nova relao deste com os seus alunos, com o conhecimento, com as metodologias propostas e com a avaliao. Logo, propostas em que o professor visto como figura central do processo ensino-aprendizagem, considerado como o detentor do saber e o conteudismo precisam ser superados, pois j no formam para as urgncias do contexto atual e, conseqentemente do aluno que a vive. Para alguns tericos, estamos vivendo na Era da Comunicao e o instrumento necessrio para usufruir esse momento o conhecimento. Mas, o que vem a ser um trabalho voltado para o desenvolvimento de competncias e habilidades? Parafraseando Vasco Moretto, as competncias se organizam num conjunto de conhecimentos que nos habilita a enfrentar e solucionar situaesproblemas vivenciadas. J as habilidades demandam colocar em prtica as competncias j adquiridas. Ambas (competncias e habilidades) dependem da ao do sujeito e se desenvolvem no trabalho com os contedos (saber, saber fazer, saber conviver e saber ser). Vejamos alguns exemplos: Ler uma competncia.DIDI 45

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CAPTULO 10

Saber ler em voz alta uma habilidade. Decidir seu caminho em uma cidade desconhecida requer as capacidades de ler um mapa, localizar-se e pedir informaes. E tambm diversos saberes, como ter noo de escala, elementos da topografia ou referncias geogrficas. (Perrenoud apud Gentile e Bencini, 2000, p. 13) Como destacamos na epgrafe do captulo 6, Perrenoud afirma que o aluno acumula conhecimentos, aprovado nas provas e exames, mas no consegue utilizar o que aprendeu nas situaes reais do dia-a-dia. Precisamos, portanto, reverter essa situao, considerando o professor como mediador, orientador do processo de construo do conhecimento pelo aluno e organizador de situaes de aprendizagem. O aluno, por sua vez, seja visto como um eterno aprendiz situado em um contexto e que, ao invs de memorizar regras, frmulas, conceitos, possa exercitar habilidades para conquistar competncias. Os contedos no sero descartados, ao contrrio, serviro de instrumento para o desenvolvimento das habilidades e competncias. Como ressalta Ktia S. Smole (apud Gentile e Bencini, 2000, p. 14), o conhecimento deve ser visto como uma rede de relaes na qual o educador ajuda os jovens a fazer as conexes necessrias. Finalizando, vale lembrar o que diz Moretto1 , a palavra de comando educar para as competncias, atravs da contextualizao e da interdisciplinaridade. preciso dar significado ao que se fala em sala de aula; sem isso no h ncora para a aprendizagem.

REFERNCIA

GENTILE, Paola e BENCINI, Roberta. Para aprender (e desenvolver) competncias. Nova Escola, So Paulo, p. 12-14, set. 2000.1

Nota 10 - Jornal Mensal sobre Educao Ano I n 4 ago/99

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OS RECURSOS DIDTICOS E A IMPORTNCIA DA DIVERSIDADE

CAPTULO 11

A tarefa do professor mostrar a fruta. Com-la diante dos olhos dos alunos. Provocar a fome. Faz-los babar de desejo, querendo saber. Acordar a inteligncia adormecida. A a cabea fica grvida: engorda com idias. E quando a cabea engravida, no h nada que segure o resto do corpo. (Adaptado de um texto de Rubem Alves)

Os recursos didticos so importantes para auxiliar professores e alunos a encaminharem o processo ensino-aprendizagem. Se analisarmos os livros de didtica, encontraremos vrias terminologias e/ou expresses para definir tais recursos como: material didtico, material pedaggico, recursos didticos, materiais curriculares, etc. Vale, ento, definir o que estamos entendendo por recursos didticos para que possamos refletir sobre eles, sua funo e uso, visando a melhoria e eficincia da aprendizagem. Estamos entendendo por recursos didticos tudo o que possa apoiar uma prtica pedaggica com vista aprendizagem. (Campos e Dantas, p. 2). Zabala (1998, p. 167-168) considera que: Os materiais curriculares ou materiais de desenvolvimento curricular so todos aqueles instrumentos que proporcionam ao educador referncias e critrios para tomar decises, tanto no planejamento como na interveno direta no processo ensino/aprendizagem e em sua avaliao. Assim, pois, consideramos materiais curriculares aqueles meios que ajudam os professores a responder aos problemas concretos que as diferentes fases dos processos de planejamento, execuo e avaliao lhes apresentam. Poderamos, ento, dizer que os recursos didticos se apresentam como aspectos que auxiliam na organizao da dinmica da sala de aula, procurando explicitar os fundamentos contidos em sua aplicao, ou seja, os recursos didticos sero selecionados de acordo com as intenes do professor, com a organizao dos contedos, com a disponibilidade e possibilidades da escola e com a proposta de

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avaliao. Desse modo, atravs do olhar sobre a prtica educativa em vrios momentos histricos, iremos perceber que inmeros foram os recursos didticos utilizados, de acordo com o tipo de formao que se almejava para o ser humano daquela poca. Haidt (2001, p. 226) relata que : Alguns registros histricos que descrevem as salas de aula de tempos remotos relatam que os mestres da Antiguidade e da Idade Mdia j dispunham de certos recursos para facilitar o ensino, como grandes tbuas que serviam de lousa, material para o ensino do clculo aritmtico, documentos cartogrficos, globos, cartas, murais de astronomia e livros com iluminuras. De l pra c, vimos educadores que defenderam o verbalismo, o enciclopedismo; outros, opostos a essas propostas, buscavam uma educao voltada para a experincia; outros sugeriam uma educao que explorasse os sentidos antes da razo. Cada qual, demandando diferentes recursos didticos. Alguns criaram seus prprios recursos, como o caso de Maria Montessori , Froebel, Freinet. Na atualidade, inmeros so os recursos didticos e talvez possamos afirmar que se definem mais pelo uso que por suas caractersticas intrnsecas. (Campos e Dantas, p. 03). Textos, livros didticos, paradidticos, jornais, revistas, gibis, mapas, propagandas, cartazes, bssolas, placas, rtulos, documentrios, filmes, vdeos, programas de TV, relgios, msicas, sites, softwares, receitas, murais, slidos geomtricos ... tudo depender das intenes e da proposta de utilizao. Campos e Dantas consideram que a apresentao e trabalho em sala de aula de uma diversidade de recursos imprescindvel, pois o aluno convive com esse universo fora da mesma. Se desejamos uma escola que desperte e seduza o aluno para o conhecimento, precisamos estar sensveis a tudo que possa nos servir como recurso didtico para evitar a mesmice.

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Para finalizar, a adoo dos recursos didticos so fundamentais para um trabalho que priorize o desenvolvimento de habilidades e competncias e que visualize os contedos como instrumentos para tal desenvolvimento. Nesse sentido, Zabala (1998, p. 168-169) alerta que: Conforme os contedos e a maneira de organiz-los, podemos encontrar materiais com pretenses integradoras e globalizadoras, que tentam abarcar contedos de diferentes matrias, e outros com enfoques claramente disciplinares. Tambm encontraremos materiais especficos vinculados a contedos estritamente procedimentais: blocos, fichas ou programas de computador para domnio dos algoritmos das operaes matemticas, da ortografia, do desenho, da interpretao de planos e mapas, etc. Existem outros que se referem ao mbito dos contedos conceituais, como a maioria dos livros didticos, especialmente os das reas de cincias sociais e naturais, monografias, programas audiovisuais, etc; ou para contedos atitudinais, por exemplo, propostas para os professores, livros para o aluno, programas multimdia para a educao para o trnsito e outros temas transversais, etc.

REFERNCIAS

CAMPOS, Maria Tereza Arruda e DANTAS, Eva Margareth. Materiais pedaggicos e aprendizagem: a importncia da diversidade. So Paulo: Programa de Melhoria e Expanso do Ensino Mdio, SEE/SP, 14p. (Apostila mimeo). HAIDT, Regina Clia Cazaux. Curso de didtica geral. 7 ed. So Paulo: tica, 2001. (Srie Educao). ZABALA, Antoni. A prtica educativa: como ensinar. Trad. Ernani F. da F. Rosa. Porto Alegre: Artmed, 1998.

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AS TCNICAS DE ENSINO NO PROCESSO PEDAGGICO

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Desde Bacon que afirmava que a natureza est a servio do homem, ou desde Comnio que defendera que outra coisa no exige a arte de ensinar do que uma engenhosa distribuio do tempo, dos objetos e do mtodo, as tcnicas de ensino, mais do que nunca, se incorporaram teorizao educacional. (Vrios autores)

Nesse captulo pretendemos discorrer brevemente sobre o lugar das tcnicas de ensino no processo de ensinar e aprender. De Comnio (citado na epgrafe) para nossos dias, muitas concepes se modificaram em relao s tcnicas. Alguns educadores de tempos atrs sustentavam que para ensinar e aprender, bastava servir-se de boas tcnicas. Esse tipo de abordagem chegou a ter destaque no cenrio pedaggico nas dcadas de 60/70 no Brasil e tornou-se conhecida como tecnicismo pedaggico. No volume I dos Parmetros Curriculares Nacionais (1997, p. 41) temos uma anlise sobre tal abordagem: Nos anos 70 proliferou o que se chamou de tecnicismo educacional, inspirado nas teorias behavioristas da aprendizagem e da abordagem sistmica do ensino, que definiu uma prtica pedaggica altamente controlada e dirigida pelo professor, com atividades mecnicas inseridas numa proposta educacional rgida e passvel de ser totalmente programada em detalhes. A supervalorizao da tecnologia programada de ensino trouxe conseqncias: a escola se revestiu de uma grande auto-suficincia, reconhecida por ela e por toda a comunidade atingida, criando assim a falsa idia de que aprender no algo natural do ser humano, mas que depende exclusivamente de especialistas e de tcnicas. O que valorizado nessa perspectiva no o professor, mas a tecnologia; o professor passa a ser um mero especialista na aplicao de manuais e sua criatividade fica restrita aos limites possveis e estreitos da tcnica utilizada. A funo do aluno reduzida a um indivduo que reage aos estmulos de forma a corresponder s respostas esperadas pela escola, para ter xito e avanar. Seus interessesDIDI 51

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e seu processo particular no so considerados e a ateno que recebe para ajustar seu ritmo de aprendizagem ao programa que o professor deve implementar. Essa orientao foi dada para as escolas pelos organismos oficiais durante os anos 60, e at hoje est presente em muitos materiais didticos com carter estritamente tcnico e instrumental. Contudo, apesar do tecnicismo pedaggico, desejamos refletir sobre o valor das tcnicas de ensino de uma outra forma e poderamos levantar alguns questionamentos: que relaes podemos estabelecer entre tcnica de ensino e a prtica de ensinar e aprender? As tcnicas estariam atreladas aos contedos? Como pensar as tcnicas de ensino sem cair no tecnicismo? O sentido etimolgico da palavra tcnica vem dos gregos expressando arte, habilidade. No dicionrio Michaelis (1998, p. 2030) encontramos o verbete como conhecimento prtico; prtica. Conjunto dos mtodos e pormenores prticos essenciais execuo perfeita de uma arte ou profisso. Desse modo, as tcnicas esto ligadas ao fazer, dimenso da prtica. No livro Tcnicas de ensino: por que no? organizado por Ilma Veiga e escrito por vrios autores podemos ver na apresentao a seguinte afirmao: (...) as tcnicas de ensino no so naturais ao processo de ensinar, mas elas so condies que do acesso ao mesmo. Portanto, nesse sentido, elas so compreensveis como arti-fcios, que se interpem na relao entre o professor e o aluno, submissas autoridade e intencionalidade do primeiro, Assim sendo, as tcnicas de ensino no so algo mecnico que se sobrepe relao humana como quer certa tendncia pedaggica. (1996, p. 8) O que podemos ressaltar da afirmao que as tcnicas de ensino devem estar a servio do ser humano; tornam-se importantes a partir do momento em que auxiliam no processo ensino-aprendizagem. Portanto, precisam estar atreladas aos propsitos educativos, ao contedo e no o inverso. Possumos inmeras tcnicas que foram e ainda so utilizadas pelos professores e na concepo de alguns autores, podemos classific-las em

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individualizantes, socializantes e tambm socioindividualizantes. Essa classificao se far de acordo com a estrutura e organizao da tcnica e conforme um planejamento das etapas a serem desenvolvidas. importante considerar que dificilmente encontraremos uma tcnica sendo utilizada em seu estado puro em termos de classificao; geralmente o que acontece a predominncia de uma forma, sem excluir a outra. Poderamos apontar como tcnicas individualizantes, de acordo com levantamento de SantAnna e Menegolla: fichas didticas, estudo dirigido individualizado, estudo de texto, instruo programada, estudo de caso, etc. Como tcnicas socializantes, os autores apontam: exploso de idias, dramatizao, seminrio, painel ou mesa-redonda, tcnica de projetos, role playing ou desempenho de papis, jri simulado, simpsio, discusso e debate, Phillips 66 e outras. J em relao s tcnicas socioindividualizantes, SantAnna e Menegolla (1997, p. 44) consideram que ocupam uma posio mediadora como as tcnicas de projetos, estudo dirigido, soluo de problemas, estudo de caso, etc. as quais, dependendo dos procedimentos estabelecidos, sero principalmente individualizantes, socializantes ou um misto de ambas (...). Uma tcnica de ensino relevante e que tem sido considerada por vrios educadores o Estudo do Meio, s vezes at elevada condio de mtodo. De acordo com Balzan (1969, p. 106 apud Feltran e Filho, 1996, p. 119) o estudo do meio: uma tcnica de grande importncia, pois atravs dela que se leva o aluno a tomar contato com o complexo vivo, com um conjunto significativo que o prprio meio, onde a natureza e cultura se interpenetram. Alm disso, uma tcnica que se utiliza da dimenso cientfica, buscando trabalhar com a pesquisa. Por essas e muitas outras razes que consideramos relevante a utilizao das tcnicas de ensino no processo escolar.

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REFERNCIAS

BRASIL Secretaria de Educao Fundamental. Parmetros curriculares nacionais: introduo. Braslia: MEC/SEF, 1997. FELTRAN, Regina Clia de S.; FILHO, Antonio Feltran. Estudo do meio. In: VEIGA, Ilma Passos A. (org.) Tcnicas de ensino: por que no? Campinas, SP: Papirus, 1996. cap. 7, p. 115-129. SANTANNA, Ilza Martins; MENEGOLLA, Maximiliano. Didtica: aprender a ensinar. 5. ed. So Paulo: Loyola, 1997. (Coleo Escola e Participao).

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A AVALIAO DA APRENDIZAGEM

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... o risco que define a funo docente: ser que fiz tudo para fazer dos meus alunos os homens que eu desejaria que eles fossem? (Georges Snyders)

Falar de avaliao sempre rduo porque trata-se de um tema polmico. Ao atentarmos para a prtica da avaliao ao longo da histria da educao veremos que houve momentos em que avaliao era sinnimo de castigo, punio, julgamento. A supervalorizao desse momento atravs de provas e exames fazia (ou ainda faz) com que os alunos se sentissem incompetentes, gerando s vezes o fracasso escolar. Luckesi (2002) salienta que, sociologicamente falando, a supervalorizao de provas e exames como princpio avaliativo s traz a seletividade social porque a avaliao est relacionada com a reteno. Na atualidade, muitos autores se colocam sobre tal tema e o que se tem buscado vivenciar uma prtica avaliativa que est ligada a todo o processo de aprendizagem. Sendo assim, a avaliao no vista como um momento nico, estanque, cristalizado. Podemos ento dizer que a avaliao deve estar a servio da aprendizagem e no da nota. Desse modo, alguns autores consideram trs momentos significativos na prtica da avaliao: avaliao inicial, reguladora e final. A avaliao inicial o momento de conhecer qual a situao de partida levando-se em conta os objetivos estabelecidos. O professor faz o levantamento dos conhecimentos prvios dos alunos, ou seja, busca conhecer o que os alunos sabem. A avaliao inicial tambm conhecida como avaliao diagnstica. A avaliao reguladora prope o acompanhamento do aprendizado do aluno, fazendo os ajustes necessrios no decorrer do processo. Para a realizao da avaliao reguladora, importante levar em considerao dois aspectos:DIDI 55

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1. Ponto de Partida: o que o aluno j sabe (Zona de desenvolvimento real); 2. Onde se quer chegar: o que desejo que meus alunos aprendam (zona de desenvolvimento potencial). Para isso, o professor precisa estabelecer critrios e ao propor atividades e avaliao, estas giraro em torno destes e das metas estabelecidas. Para se chegar onde se deseja, o professor pode utilizar vrios instrumentos de avaliao como: trabalhos em grupo, debate, relatrio individual, provas escritas, autoavaliao etc. no perdendo de vista a aprendizagem e a reorientao do processo caso seja necessrio.A avaliao final significa chegar a determinados resultados, aps um tempo de interveno/mediao. tambm denominada de avaliao somativa.Gentile e Andrade (2001, p. 21) ressaltam que: Segundo os especialistas, no se pode perder de vista que os resultados interessam a quatro pblicos: ao aluno, que tem o direito de conhecer o prprio processo de aprendizagem para se empenhar na superao das necessidades; aos pais, tambm responsveis pela educao dos filhos e por parte significativa dos estmulos que eles recebem; ao professor que precisa constantemente avaliar a prpria prtica; equipe docente, que deve garantir continuidade e coerncia no percurso escolar da criana e do jovem. Finalizando, Luckesi considera no captulo IX de seu livro Avaliao da aprendizagem escolar que: A avaliao da aprendizagem na escola tem dois objetivos: auxiliar o educando no seu desenvolvimento pessoal e responder sociedade pela qualidade do trabalho educativo realizado. Articuladas com esses objetivos bsicos esto as funes de: a) propiciar a autocompreenso do educando e do educador; b) motivar o crescimento do educando;DIDI 56

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c) aprofundar a aprendizagem; d) auxiliar a aprendizagem. Podemos assim dizer que o objetivo propor uma prtica avaliativa que acolha, inclua, que traga a perspectiva de uma educao de sucesso, que faa a diferena na vida do educador, do educando e na sociedade.

REFERNCIAS

GENTILLE, Paola e Andrade, Cristina. Avaliao nota 10. Nova Escola, So Paulo, p. 15-21, nov. 2001. LUCKESI, Cipriano C. Avaliao da aprendizagem escolar. So Paulo: Cortez, 2006.

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CONTINUANDO NOSSOS CAMINHOS

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Por favor, no me ofenda perguntando se esta histria aconteceu. Escrever o que se vive coisa de pouca ou nenhuma graa. O desafio est em viver o que se escreve. (Eduardo Galeano)

Em nossa jornada pelos 13 captulos da disciplina Didtica, discorremos sobre sua definio, sobre os caminhos percorridos por essa disciplina e a contribuio de vrios educadores/pesquisadores na construo do principal elemento da didtica que a reflexo sobre o processo ensino-aprendizagem. Falamos tambm sobre a organizao da prtica educativa na atualidade e os quesitos para uma formao holstica e humanizadora. A dimenso tcnica no foi esquecida e apresentamos as etapas a serem consideradas ao organizarmos a ao pedaggica: o estabelecimento de metas (objetivos), a seleo dos contedos, os aspectos metodolgicos, a escolha de tcnicas de ensino que possam auxiliar na aprendizagem e a avaliao como parte integrante de todo o processo de ensinar e aprender. Tratamos dessas etapas por que elas sero encontradas em todas as formas de organizao da prtica educativa, seja esta atravs de um plano de aula, de um plano de ensino ou projeto didtico, ou ainda, na elaborao do projeto poltico-pedaggico da escola. Nossa inteno no parar por aqui, pois a educao enquanto um projeto de vida requer uma discusso constante de temas que merecem ser abordados luz da Didtica como: a importncia das novas tecnologias e sua utilizao no processo educativo; os encaminhamentos didticos atravs de projetos; a interdisciplinaridade; o projeto poltico-pedaggico e muitos outros temas que poderamos aqui citar. Mas, alm de continuarmos nossas reflexes, importante tambm se faz pratic-las, como sugere Galeano na epgrafe deste captulo. Portanto, continuemos nossa jornada, tentando viver o que se escreve.

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