Apostila de Historia Regional - Fabio Delgado

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APOSTILA DE HISTRIA REGIONAL O espanhol Vicente Yanz Pinzn descobriu a foz do Rio Amazonas em 1499, chamando-a de Santa Maria DeI Mar Dulce. Em 1528 alemes patrocinados pelo Imperador Carlos V da Espanha e do Sacro Imprio Romano Germnico tentaram fundar uma colnia na costa venezuelana, dirigi da por Ambrsio de Alfinger, que foi atacada e destruda pelos indgenas. Em 1530, Alfinger tentou sem sucesso a fundao da colnia na Amaznia venezuelana. Destacam-se ainda as tentativas de George de Spires e Philip Von Huntem. Em 1541, Gonzalo Pizarro e Francisco Orellana comandou uma expedio que partindo de Quito desceu o rio Amazonas chegando at a sua foz. Procuravam o pas das Canelas e Eldorado. A expedio terminou em tragdia e foi narrada pelo cronista Padre Gaspar de Carvajal que em meio a narrativa aborda a existncia de mulheres guerreiras, as Amazonas, em meio as naes indgenas encontradas. Em 1560, Pedro de Ursua e Lope de Aguirre e Fernando Gusmam partiram de Quito e navegaram pelo Amazonas em busca do Eldorado e o pas das Canelas. Crimes, assassinatos e tragdias levaram a expedio ao fracasso. Durante o sculo XVI, ingleses, franceses, holandeses, espanhis, alemes, italianos e portugueses disputaram a posse da Amaznia. Em 1616, Francisco Caldeira Castelo Branco construiu na foz do rio Amazonas a Vila de Santa Maria de Belm do Gro-Par, tinha inicio a ocupao portuguesa na Amaznia. 1637: Pedro Teixeira organiza uma expedio que sobe o Amazonas de Camet a Quito. Estabelece os marcos e delimitao da ocupao portuguesa na regio. Sua viagem foi narrada pelos padres cronistas Cristobal, Acufa, e Alonso Royas. 1647: Raposo Tavares percorre os vales dos rios Guapor, Madeira e Amazonas com sua grande bandeira de demarcao e limites que buscava aprisionar ndios, descobrir riquezas minerais e coletar drogas do serto. 1718: Paschoal Moreira Cabral, descobriu ouro nos rios Cuiab e Coxip. 1719: fundado o arraial do Senhor Bom Jesus de Cuiab. 1722: Descoberta das lavras do Sutil. 1723: Francisco Mello Palheta realiza uma bandeira fluvial partindo de Belm do Par , navegando pelos rios Madeira e Guapor, estabelecendo marco fronteirios e chegando at as misses Jesutas guaporeanas da Espanha de S Miguel e Santa Cruz de Cajubava. 1728: O jesuta, Padre Joo Sampaio funda a misso de Santo Antnio das Cachoeiras do Rio Madeira, que atacada por indgenas, mosquitos, desabastecimento e malria mudou-se diversas vezes de localizao at fixar-se na regio onde hoje Borba (AM). 1729/1730: Crise na minerao do Cuiab. 1736: Os irmos Fernando e Arthur Paes de Barros, descobrem ouro no Mato Grosso s margens do rio Guapor. 1742: Manuel Flix de Lima organiza uma expedio que navega pelas guas proibidas dos rios Guapor e Madeira chegando at Belm do Par, onde preso e encaminhado para Lisboa. 1748: criado a Capitania de Mato Grosso e Cuiab, abrangendo terras que hoje integram o estado de Rondnia ( 88%), desmembrada da Capitania de So Paulo ento governada pelo Capito General Dom Rodrigo Csar de Menezes.

1750: Assinado o Tratado de Madri que estabeleceu o rio Guapor como fronteira entre colnia espanhola ( Bolivia ) e colnia portuguesa ( Brasil ). 1752: Chega ao Guapor (Mato Grosso) o primeiro Governador, Capito General Dom Antnio Rolim de Moura. Obras da administrao de Rolim de Moura Construiu a primeira capital do Mato Grosso, Vila Bela da Santssima Trindade, fundada em 19 de maro de 1752. Criou as Companhias Militares de homens pretos e mulatos, dos pedestres, dos aventureiros e dos drages. Construiu o primeiro Forte do Guapor; Nossa Senhora da Conceio. Estimulou a entrada de escravos e habitantes de outras partes da colnia para Mato Grosso. Obteve juntamente com o governador do Par, Francisco Xavier Mendona Furtado, a liberao da navegao pelo Madeira, dando inicio as atividades mercantis da Companhia de Comrcio do Gro-Par e Maranho criada pelo Marqus de Pombal. Ordenou a fundao do povoado de Nossa Senhora da Boa Viagem de Salto Grande do Rio Madeira ao juiz Teotnio do Gusmo. Na cachoeira de Salto Grande (hoje, Teotnio). Atacado por indgenas, mosquitos, malria e fome, o povoado desapareceu. Combateu os castelhanos da margem esquerda do Guapor, garantindo a posse portuguesa da margem direita do referido rio. 1761: Portugal e Espanha assinam o Tratado de EI Pardo, tornando sem efeito o Tratado de Madri. Governo de Joo Pedro da Cmara: Ordenou a fundao do povoado do Girau, na cachoeira que levava o mesmo nome no no Madeira. Governo de Luiz Pinto de Souza Coutinho: Ordenou a fundao do povoado de Balsemo na cachoeira do Balcemo no rio Madeira. Ordenou ainda a destruio do Quilombo do Quariter ou Piolho, flagelando os quilombolas aprisionados. A Rainha Teresa de Benguela, chefe do Quilombo suicidou-se. Governo de Luiz de Albuquerque de Mello: Ordenou a fundao do Real Forte Prncipe da Beira (1776-1785) s margens do rio Guapor. A planta foi feita pelo Engenheiro italiano Domingos Sambussete. A fortaleza foi construda no modelo Vaubam, detinava-se conter os avanos castelhanos sobre o Guapor. Ao seu lado surgiu o povoado de Prncipe da Beira que chegou a contar com 700 habitantes. Criou ainda a fazenda de gado Casalvasco. Governo de Joo de Albuquerque de Mello Pereira e Crceres: Utilizou os quilombolas aprisionados para do povoado de Carlota. Morreu vtima da malria em Vila Bela da Santssima Trindade. Governo de Caetano Pinto Miranda Montenegro. Crise na minerao do Guapor, decadncia da regio que passa a ser progressivamente abandonada pelas elites brancas. Fundao do Destacamento Militar de So Jos do Salto do Ribeiro no rio Madeira.

A Crise do Vale do Guapor 1818: Vila Bela elevada a condio de cidade. 1835: Aps um grave incidente diplomtico envolvendo as elites de Vila Bela e as elites das Provncias de Chiquitos na Bolvia. A capital mudou-se definitivamente para Cuiab. O vale do Guapor abandonado pelos brancos decaiu e tornou-se uma regio habitada por negros, escravos que mantiveram e garantiram a posse territorial. Ocasionalmente expedies cientficas e exploradoras visitaram os vales do Madeira e Guapor. Expedies que percorreram os vales dos rios Guapor e lou Madeira nos sculos XVIII e XIX: 1. Expedio de Alexandre Rodrigues F erreira; 2. Expedio do Baro de Langsdorff, Hrcules Florence e Adrian Taunay; 3. F rancis Castelnau; 4. Joo Severiano da Fonseca Limites da Amaznia no perodo colonial Antes mesmo do descobrimento da Amrica (1492), Portugal e Espanha procuraram garantir direitos sobre possveis territrios a serem descobertos naquele oceano. J em 1479 as duas potncias firmaram o Tratado de Alcovas, confirmado pelo Papa Sisto IV (1414-1484) em 1481, estipulando que a Portugal pertenceriam todas as terras descobertas a oeste das ilhas Canrias para baixo, ficando a outra parte sob o domnio da Espanha. Em 1493, o Papa Alexandre VI (1431-1503) promulgou a Bula Inter Coetera, determinando que todas as terras descobertas a partir de cem lguas (660 Km) a oeste das ilhas Aores e Cabo Verde pertenceriam Espanha. Embora no se soubesse poca, a Portugal corresponderia apenas um pequeno trecho do Brasil atual, a parte mais avanada, em direo ao litoral, de alguns dos atuais estados do nordeste. Em 1494 foi firmado o Tratado de Tordesilhas. Como os tratados e bulas anteriores os limites eram fixados no por marcos naturais, acidentes geogrficos tais como rios e montanhas, e sim por uma linha geodsica, ou seja uma linha imaginria tirada a partir de uma paralela ou meridiano. Nesse tratado, o desconhecimento do territrio da Amrica recm-descoberta: extenso, rios, e outras particularidades da rea, que permitisse um acordo de diviso territorial mais preciso, conduziu opo do estabelecimento da fronteira atravs do meridiano de Tordesilhas. Pertenceriam a Portugal todas as terras encontradas at a distncia de 370 lguas (2.442 Km) a oeste de Cabo Verde, ponto atravs do qual passava o meridiano separando as duas possesses; todas as terras mais para oeste dessa linha pertenceriam Espanha. A linha de Tordesilhas, no Brasil, passaria ao norte pelas proximidades de onde hoje a cidade de Be1m (Par) e ao sul prxima atual localidade de Laguna, ou seja, toda a Amaznia seria territrio espanhol. Descoberto o Brasil em 1500, os portugueses comeam a avanar pela via do Amazonas sobre terras situadas muito mais a oeste do meridiano de Tordesilhas. As fortes tenses entre Portugal e Espanha nos sculos XVII-XVIII ligam-se a questes dinsticas, ruptura da Unio Ibrica e, sobretudo, disputa das regies coloniais, como a costa setentrional da Ribeira do Prata, na regio da colnia do Sacramento (onde a presena de fortificao portuguesa era considerada uma ameaa e .uma possibilidade muito concreta para a conquista da margem sul do rio da Prata). Existiam tambm os desagrados motivados pela vigorosa expanso portuguesa no norte, na regio do Amazonas e o processo de expanso lusa para as terras centrais na regio do Guapor. No sem razo, a Espanha temia pelas suas posses e integridade dos vicereinados do Alto Peru e Nova

Granada (atual Colmbia). Essa disputa que tinha incio no esturio do Prata, prolongava-se pelo rio Paraguai e atingia o Guapor e, atravs deste, a bacia amaznica. Ao expandir-se para o oeste os portugueses procuravam metais preciosos e, encontram, porm, outras riquezas naturais, algumas desconhecidas na Europa, iniciando o ciclo das drogas do serto, que fixou desde o incio o destino extrativista da Regio Amaznica. Com a misso de expulsar estrangeiros (franceses e holandeses) que haviam se estabelecido no rio Amazonas Francisco Caldeira, navegando em 1616 pela costa, chegou Baa de Guajar onde fundou o Forte do Prespio, origem da atual cidade de Belm. Essas tenses territoriais eram intensificadas, ainda, devido a questes europias, dentre as quais figurava a sucesso do trono espanhol, que, com a morte do ltimo representante da Casa de ustria na Espanha Carlos II (1661-1700), passaria ao Bourbon Felipe V (1683-1746), neto do francs Lus XIV (1638-1715). A questo dinstica levou a um antagonismo entre Portugal e Espanha, pois o Estado Portugus apoiou as pretenses da Inglaterra de elevar o arquiduque Carlos da ustria ao trono hispnico. As conseqncias imediatas desse fato tiveram reflexos na Amrica, gerando-se atritos nas regies ao norte, fronteirias com os territrios franceses e no centro sul, nas fronteiras com territrios castelhanos. Com o antigo apoio portugus Frana, a tenso regional ganharia rumo diplomtico, evitando-se o confronto blico a partir de 1700, quando pelo Tratado Provisional determinou-se a demolio dos fortes de Araguari e Macap, permitindo aos franceses o livre acesso regio. No ano de 1701, a Espanha assegurava a Portugal o direito s terras platinas da Colnia. No entanto, o desenrolar da Guerra da Sucesso Espanhola, levaria Portugal a romper com os franceses e a operar em prol das pretenses inglesas, o que, de imediato, levou os castelhanos de Buenos Aires a invadir as terras da Colnia em 1705. As solues das questes coloniais estariam agora ligadas soluo da sucesso dinstica na Europa. Reunidas as partes em questo na cidade de Utrecht, definiu-se como legtimas as pretenses de Felipe de Bourbon, que assumiu o trono espanhol com o nome de Felipe V. Em 11 de abril de 1713, a Frana assina com Portugal o primeiro tratado de Utrecht, confinando suas fronteiras ao norte da Amrica do Sul ao Oiapoque passou o Amap definitivamente ao domnio portugus. A Espanha, por sua vez, assinou o mesmo tratado, o que representava uma vitria para Lisboa, na medida em que facilitava a penetrao portuguesa alm das terras oeste de Tordesilhas pois garantia aos portugueses a foz do rio Amazonas. de fundamental importncia para a penetrao lusitana para o interior, rumo s possesses espanholas do norte. No entanto continuaram os conflitos em relao s regies platinas. Em 06 de fevereiro de 1715 foi assinado o segundo tratado de Utrecht entre Portugal e Espanha que devolveu a Colnia de Sacramento ao domnio Portugus. No se definiram, no entanto, as questes relativas ao extremo oeste, para onde convergiam novos grupos sertanistas, missionrios, mineradores e bandeirantes. Esse novo foco de tenso expandia-se at s margens do rio Guapor, impulsionado pelas descobertas de jazidas aurferas, lavras e faisqueiras. Com a morte de Felipe V, rei da Espanha, em 09 de julho de 1746, a situao de Portugal sofre sensvel melhoria no mbito diplomtico espanhol. Fernando VI (1713-1759), o novo rei, casara-se com a infanta portuguesa D. Maria Brbara de Bragana, filha do rei Dom Joo V (1689-1750), levando ao fim a hostilidade acentuada de Felipe V e Isabel de Farnsio contra a monarquia portuguesa. Nestas circunstncias, agora favorveis, surgiram as condies necessrias para um entendimento diplomtico entre os dois pases. As negociaes foram encaminhadas por Dom Jos Carvajal y Lancaster e por Alexandre de Gusmo 1695-1753), que representavam respectivamente Espanha e Portugal. Aps prolongada discusso, foi firmado, em 13 de janeiro de 1750, o Tratado de Limites, conhecido como Tratado de Madrid, ratificado em 08 de janeiro por Sua Majestade Catlica e a 26 de janeiro pelo Fidelssimo Monarca de Portugal. Pelas clusulas do Tratado ficava estabelecido que haveria paz permanente entre os sditos de ambos os reinos, mesmo que essa paz fosse violada na Pennsula. Caberia Espanha a posse da Colnia e a Portugal os Sete Povos, sendo transferidas para o lado castelhano as misses guaranis da regio.

Resultante do avano portugus para oeste de Tordesilhas prevaleceu no tratado o princpio do Uti Possidetis de Facto, respeitando-se a posse mansa e pacfica ou a ocupao real, o que tornou possvel fixar a linha de fronteira, no tocante ao extremo oeste e norte, a partir dos cursos dos rios Guapor e Mamor, seguindo at o curso mdio do Madeira, prximo atual cidade de Humait, de onde continuaria atravs de uma linha geodsica at as nascentes do Javari, deste rio subiria at o Solimes e dai at a boca do Japur, ficando as margens orientais sob o domnio da colnia portuguesa (vide mapa na 4, p. 38). Atravs desse tratado, Portugal adquiriu o controle de grande parte da bacia amaznica, atravs do domnio das embocaduras dos maiores afluentes daquele rio. Ainda, aps dois sculos e meio de explorao e ocupao foi possvel substituir o recurso da linha imaginria pelos rios e acidentes naturais na demarcao do Territrio. A regio entre o Madeira e o Javari era quase que totalmente desconhecida e havia o problema da desinteligncia e ignorncia em relao s nascentes desses rios. At o sculo XIX no havia consenso sobre as nascentes do Madeira e, quanto s do Javari, no se sabia sequer onde ficavam. Alguns afirmavam que o Madeira nascia da confluncia do Guapor com o Mamor, outros que a nascente era mais ao sul na confluncia do Mamor com o Beni. Claro est que a aceitao de qualquer uma das posies faria com que necessariamente o ponto mdio do Madeira ficasse mais ao norte ou mais ao sul. Um cronista que participou da expedio de Palheta, que partiu de Belm em novembro de 1722 retomando aquela cidade em setembro do ano seguinte, descreve que do Amazonas a expedio entrou pelo rio Madeira e esclarece tratar-se do mesmo rio que os espanhis denominavam Venes ou Beni. D. Jos I (1714-1777), sucessor de D. Joo V, signatrio do Tratado de Madri, recusou-se a entregar a Colnia de Sacramento Espanha, conforme previsto no referido tratado, e o fato de que os Guaranis levantaram-se em rebelio recusando-se a passar ao domnio portugus, resultaram no acordo de EI Pardo (1761), que suspendeu o Tratado de Madri. O Tratado de Santo Idelfonso (1777) determinou novamente a fronteira, tal como no Tratado de Madri, fosse pelos rios Guapor e Mamor at o ponto mdio do Madeira, seguindo dali por uma linha at encontrar a margem oriental do Javari sem que houvesse, no espao de tempo entre os trs tratados, qualquer conhecimento adicional a respeito das nascentes daquele rio. Quanto ao Madeira o tratado considerou que nascia da confluncia do Guapor com o Mamor, Apesar do comum acordo entre as duas coroas, quanto nascente do Madeira, havia a possibilidade da reviso da fronteira. Em 1782 o jesuta Karl Hirschko enviou atravs do embaixador espanhol em Viena um Memorial ao Rei de Espanha. O jesuta, que havia sido encarregado pelo vice-rei espanhol D. Jos Manso de assistir junto aos portugueses a demarcao de fronteiras resultantes do Tratado de 1750, afirmou que o rio Mamor era o mesmo que os portugueses chamavam de Madeira. Apesar da afirmao ser contrria ao acordado no tratado de 1777 o memorial foi considerado pela corte espanhola como uma valiosa contribuio e enviado para a instruo dos membros da Junta Espanhola de Limites com Portugal. A Minerao A conquista e a colonizao do extremo oeste do Brasil foi motivada por fatores de ordens diversas, apesar de sempre ter prevalecido a busca contnua das riquezas minerais como o ouro. Haviam tambm as drogas do serto e os ndios para serem escravizados, alm da necessidade de garantir a consolidao de uma base de explorao mercantilista que garantisse lucros imediatos para Portugal. O desencadeamento da atividade de minerao foi o grande motor da ocupao espontnea dos espaos naturais da Regio Guaporeana no perodo colonial. Aliada a essa migrao voluntria de garimpeiros observa-se a atuao estratgica da Coroa Portuguesa que traou os planos de ocupao e posse definitiva do territrio, a partir de uma ampla atuao administrativa que delineada pela fundao da capital, Vila Bela e dos sistemas militares de defesa e fortificao da regio. Essa regio, que no sculo XVIII era dissociada das minas do Cuiab, integrava as chamadas minas de Mato Grosso, nas reas fronteirias entre os domnios coloniais da Espanha e de Portugal.

As descobertas de veios e aluvies aurferos datam ainda da primeira metade do sculo XVIII, cabendo aos irmos Fernando e Arthur Paes de Barros, notrios sertanistas e predadores de ndios, naturais de Sorocaba, os primeiros descobrimentos em 1734, nos locais que foram chamados arraiais de Santana e So Francisco Xavier. Por essa ocasio a produo das lavras e faisqueiras de Cuiab j estavam em visvel decadncia, o que de fato motivou a formao de bandeiras e entradas de sertanistas pelos campos de Mato Grosso, que recebeu este nome devido s densas florestas onde correm os rios Jauru e Guapor, em cujas terras se abrigavam os indgenas Parecis. As descobertas, conforme relata o Baro de Melgao foram acompanhadas por providncias do governo da Capitania de So Paulo no sentido de eliminar, atravs de uma "guerra justa" os ndios Paiagu, que, em inmeras incurses pelos sertes, provocavam morte, terror e pnico entre a populao de Cuiab e Mato Grosso. Ordenada a guerra contra os Paiagu, observou-se tambm a quase dizimao dos Parecis, que passou a ser utilizado como mo-de-obra cativa nos trabalhos de extrao mineral. A conquista do territrio ao nativo tornava imprescindvel para a criao de condies de fixao de populaes coloniais nas novas reas de minerao. Assim, a Proviso de 6 de maro de 1732, editada pelo governo portugus, contra os nativos Paiagus, passou a oferecer condies para a ocupao de novos stios de minerao descobertos em 1734. Coube ao Tenente Mestre de Campo General Manuel Reis de Carvalho o comando da empreitada, que com uma milcia de 842 soldados aprisionou 266 ndios e matou cerca de 600 outros. A explorao do ouro em Mato Grosso levou os mineiros e faiscadores para as regies ribeirinhas ao Guapor, onde foi fundado o arraial de Pouso Alegre. A produo inconstante levava a um constante movimento das massas populacionais, cuja presena estava sempre vinculada abundncia do metal precioso, imprescindvel para a garantia da manuteno da poltica colonial e da colonizao na regio, constituindo-se no verdadeiro agente motor da vida econmica local e por extenso em elemento bsico, definido r das polticas sociais e territoriais. O rpido esgotamento das faisqueiras era remediado pelos sucessivos "achados" de outras tantas durante o sculo XVIII. A fantasiosa idia de enriquecimento fcil e rpido renovava os sonhos dos mitos do Eldorado e do Lago do Ouro, promovendo uma rotineira mudana das povoaes de um stio de garimpo para outro. A principal conseqncia dessa situao a mdio e longo prazo foi, no entanto, a fragilidade da agropecuria local, como ficou atestado acima, na crnica de Barbosa de S. Vrios problemas com os trabalhadores nas regies, levaram a administrao colonial a tomar medidas extremas. A necessidade de reposio da mo-de-obra era constante, mas era muito limitada a capacidade do Estado em socorrer os mineiros, por isso os governadores adotavam posturas de relativa transigncia em relao propriedade de escravos, permitindo aos proprietrios utilizarem-se da escravatura dos mortos e ausentes, evitando-se assim a interrupo ou paralisao dos trabalhos. Ainda, buscando-se alternativa para manter o abastecimento de mo-de-obra para as minas, os governos coloniais tentaram sensibilizar as autoridades portuguesas para a necessidade de introduo de portugueses na regio, explorando-se a fantasiosa idia da riqueza fcil e facilitando-se a estes a compra de escravos. A migrao desses grupos deveria, segundo os governadores, ser estimulada mas tambm controlada para que se evitasse um nmero de habitantes superior s capacidades de abastecimento de gneros alimentcios da regio. produo das minas do Guapor entrou em decadncia nos ltimos trinta anos do sculo XVIII. O esgotamento das jazidas ou mesmo a extrema reduo de sua produo no foi acompanhado por adaptao e reordenao das foras produtivas como aconteceu em outras regies como Cuiab, Gois e Minas Gerais. Com o declnio das lavras do Guapor, a regio no atraiu recursos nem estmulos para a fixao de uma prtica agropastoril voltada para a exportao, tendo concorrido para isso o seu isolamento geogrfico, sua fama de regio insalubre e mesmo o desinteresse dos CapitesGenerais, que a partir do final do sculo XVIII passam longos' perodos ausentes da regio e manifestam clara preferncia por Cuiab.

O contrabando, no entanto, impulsionou parcialmente a economia regional, tornando-se uma estratgia possvel numa regio fronteiria onde as severas leis coloniais inviabilizavam o intercmbio regular e legalizado entre as duas colnias. Foi justamente atravs dessa prtica e a conseqente obteno da prata que se conseguiu garantir alguma condio de barganha entre o vale do Guapor e os grandes centros de poder colonial, o que no foi suficiente para criar condies de superao da crise provocada pela decadncia da minerao. Esse quadro sombrio agravou-se sobremaneira ao longo das primeiras dcadas do sculo XIX. A regio passou ento por um intenso processo de descolonizao, que se ampliou na medida em que os focos da tenso fronteiria deslocaram-se progressivamente para o vale do Paraguai. Aos poucos, mas ininterruptamente, a decadncia foi-se instalando, at que com a transferncia da capital para Cuiab o vale do Guapor passou a ser uma regio notoriamente esquecida, povoada somente pelos negros, descendentes de escravos que ali permaneceram. Agropecuria Paralelamente ao desenvolvimento das atividades de minerao, instalou-se no vale do Guapor a lavoura de subsistncia, voltada exclusivamente para as necessidades mais prementes da populao regional e ocasionalmente ligada a uma precria exportao de alguns gneros para o Par ou para a colnia castelhana, vizinha da margem esquerda do Guapor, atravs do contrabando. A agricultura nunca conseguiu desenvolver-se plenamente na regio do Guapor Portugus, sendo considerada sempre uma atividade intrnseca minerao e no chegando a atender inteiramente s necessidades do consumo local, embora o conjunto de suas terras fosse frtil e produtiva. A formao de roas que garantissem uma base mnima de sustento alimentar era parte integrante das diretrizes da poltica colonial regional. A obsessiva preocupao com as lavras e faisqueiras deixavam em planos secundrios a produo de gneros, mas fatores como secas, pestes de ratos, inundaes ou pragas de insetos so relatados por todos os cronistas e viajantes que passaram pela regio e atestaram sua carncia de alimentos. A carestia atingia nveis insuportveis. As terras eram frteis e garantiam produo a nveis muito satisfatrios. O meio oferecia considerveis dificuldades, exigindo uma grande disponibilidade de mo-de-obra e recursos, o que no era vivel nestas regies de garimpo. Os custos dessa produo de roas eram altos e cumulativos, alm de que o retomo era altamente incerto, bastando o surgimento de um novo importante achado para que se perdesse todo o cultivo. A alternativa das roas surgia com maiores atrativos para a fundao dos engenhos, embora as sesmaras doadas pelos governos no vale do Guapor estivessem obrigadas ao cultivo das roas e criao de gado. A produo assumiu caractersticas prprias e ligava-se primordialmente ao mercado regional, sendo na maior parte das vezes encarada como uma atividade a mais desenvolvida por fazendeiros que tambm eram proprietrios de lavras e buscavam diversificar seus negcios obtendo lucros nos garimpos com atividades complementares que podiam ou no assumir caractersticas de grande vulto. Como no estava voltada para a exportao, a produo durante o perodo colonial, no garantiu a expanso interna dos negcios, pois o proprietrio era ainda obrigado a importar ferramentas, escravos e outros produtos. As tcnicas de produo eram bastante rudimentares possibilitando uma produtividade baixa e insuficiente. O desenvolvimento da pecuria, por seu lado, esteve sempre intimamente ligado questo da dispensa de direitos da entrada do gado na regio e aos interesses externos das regies tradicionalmente pecuaristas de onde provinha a maior parte da carne consumida. Esse comrcio interessava principalmente aos paulistas que introduziam na rea de Vila Bela o gado bovino e o muar, a partir de sua obteno nos campos do Sul e do vale do So Francisco (atravs da rota do Gois). O abastecimento precrio levava, entretanto, ao estabelecimento do contrabando com os espanhis das misses da margem esquerda do Guapor, o que, por sua vez, concorria para a sada clandestina de ouro da capitania e da colnia portuguesa. A preocupao das autoridades situava-se entre os campos diversos. Por um lado era necessrio coibir o contrabando com os castelhanos, para

tanto seria necessrio assegurar um abastecimento regular de carne ao vale do Guapor. Por outro, era indesejvel que a atividade crescesse a ponto de comprometer o abastecimento de mo-de-obra para a minerao, numa regio onde o nmero de habitantes sempre esteve muito abaixo do desejado. Na segunda metade do sculo XVIII a pecuria ganhou algum impulso, havendo inmeros pedidos de concesso de sesmarias para fins pecuaristas. O prprio governador Luiz de Albuquerque reconhecia que regies isoladas como o Forte Prncipe da Beira necessitavam de um abastecimento mais regularizado. O trabalho pecuarista era realizado tanto por indgenas quanto por negros e embora fosse reduzido o nmero de pees necessrios lida direta com os rebanhos, o nmero de trabalhadores desviados da minerao tendia a aumentar em funo da construo de cercas, currais, edifcios residenciais, formao e manuteno de pastagens e outras tarefas ligadas ao setor. Assim a pecuria funcionou tambm como uma atividade acessria ao processo de ocupao e manuteno das lavras e fronteiras, dando margens ao estabelecimento de enormes latifndios. Da conclui-se que, de expresso limitada, as atividades agropastoris do vale do Guapor colonial estiveram sempre subordinadas aos interesses da minerao. Perpetuava-se assim uma situao de abastecimento insuficiente e conseqente dependncia de importaes a preos elevadssimos, o que em ltima anlise importava num quadro de fome, escassez e subnutrio. Comrcio e as Rotas Fluviais O comrcio constituiu-se como principal fonte de abastecimento para o vale do Guapor no perodo colonial. Internamente a produo agrcola de subsistncia abastecia a regio de gneros de necessidade imediata como o milho, a mandioca, o feijo e hortalias. No entanto os demais produtos vinham de fora, atravs de rotas estabelecidas entre So Paulo-Cuiab- Vila Bela, Bahia- Vila Boa de Gois-Cuiab- Vila Bela e finalmente Belm do Par-Vila Bela, atravs do roteiro fluvial do Amazonas-Madeira-Mamor e Guapor. Entre os produtos trazidos por terra, atravs das rotas sertanistas, ou pelos rios, atravs das rotas monoeiras estavam: escravos, tecidos, utenslios domsticos, armas e munies, gneros alimentcios como sal, acar, vinhos, queijos e carnes, papel, materiais para construo, objetos para culto e celebraes religiosas, objetos para minerao e muitos outros. Assim, ao se estruturarem os roteiros comerciais do vale do Guapor com o restante da colnia teve-se em mente a importncia da manuteno da produo aurifera como elemento indispensvel para garantir o abastecimento local que garantiria por sua vez a guarda eficiente das fronteiras. Nos primeiros anos aps a descoberta das minas do vale do Guapor o comrcio se realizava sempre pelas rotas que ligavam a regio guaporeana a Cuiab e esta a So Paulo e Rio de Janeiro. A primeira constatao que se faz neste caso a precariedade do abastecimento. a governador Rolim de Moura passou a pleitear a abertura da rota fluvial Guapor-Mamor-Madeira e Amazonas, que ligaria Vila Bela da Santssima Trindade a Belm do Par. Ao pretenderem a ligao comercial com o Par atravs da rota fluvial do Guapor-Madeira e Amazonas, as autoridades coloniais e metropolitanas tinham em mente no s aliviar o auto custo de manuteno do abastecimento praticado at ento atravs de Cuiab, mas sobretudo facilitar o escoamento do ouro por um roteiro mais seguro, reduzindo as possibilidades de seu contrabando pelas rotas terrestres para So Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Mesmo enquanto esteve legalmente proibida, a prtica clandestina desse roteiro era de conhecimento e anuncia das autoridades coloniais. Pela Proviso de 14 de novembro de 1752, conhecida em Mato Grosso somente em 1754 ficava permitida e franqueada a navegao pelos vales do Guapor, Madeira e Amazonas, estabelecendo-se ligao comercial entre Vila Bela e Belm do Par, proibindo-se a comunicao entre as duas capitanias por qualquer outro caminho fluvial que no fosse a rota do Madeira. A abertura da rota fluvial do Madeira deveria ser consolidada com a fundao de arraiais ao longo de alguns pontos estratgicos que garantiriam apoio aos comboieiros bem como a fiscalizao de suas cargas. As medidas de preveno ao contrabando e proteo das fronteiras e rotas fluviais seriam completadas com a criao de destacamentos militares e fortificaes. Baseando-se nestas premissas surgiram os arraiais de Santo Antnio das Cachoeiras do Rio Madeira, a partir de uma misso jesutica, o povoado

de Nossa Senhora da Boa Viagem do Salto Grande, fundado pelo Juiz de Fora Teotnio Gusmo, na cachoeira que hoje leva o seu nome e o arraial do Balsemo, localizado na cachoeira do Girau. Esse conjunto de fatores tanto reais quanto imaginrios mantinham as tripulaes sobressaltadas e inquietas (Levava-se um ano e meio a dois anos e meio para se realizar uma viagem de ida e volta entre Vila Bela e Belm do Par). a trecho encaichoeirado requeria o trabalho de 100 a 120 homens para sirgar as embarcaes ou mesmo arrast-Ias por terra, o que provocava estragos nos cascos e retardamento na viagem interrompida para consertos e reparos. Na maior parte das vezes as embarcaes deveriam ser esvaziadas e sua carga levada pelos participantes, por picadas e trilhas nas margens dos rios. Das vinte cachoeiras, somente umas poucas eram atravessadas a remo. O comrcio que se estabeleceu entre Vila Bela e Belm do Par foi enormemente rentvel. No perodo ureo das lavras mato-grossenses, entre 1760 e 1780, registraram-se a chegada de duas mones por ano no vale o Guapor Esse comrcio foi intensificado com a criao da Companhia do Gro-Par e Maranho, que integrou o vale do Guapor e as minas de Mato Grosso ao mercantilismo colonial. Criada pelo Alvar Rgio de junho 1775, a Companhia de Comrcio do Gro-Par e Maranho deveria atender s necessidades de desenvolvimento geral da parte norte da colnia atravs da atividade comercial e garantir a sua integridade territorial. Com a extino da Companhia do Gro-Par e Maranho em 1778, o fornecimento de artigos e escravos sofreu uma brusca e repentina reduo, obrigando os comerciantes a rearticularem seus roteiros e elevando ainda mais os j elevadssimos preos praticados. Nas primeiras dcadas do sculo XIX, a rota comercial do Madeira j se encontrava em profunda decadncia, terminando por extinguir-se em meados desse mesmo sculo. O abastecimento cada vez mais precrio e espordico passava a ser feito novamente atravs das rotas do Rio de Janeiro e So Paulo e por intermdio de Cuiab. A questo da decadncia da navegao pela rota do Madeira liga-se primordialmente ao fato da decadncia das prprias minas do Mato Grosso, principalmente as do vale do Guapor, o que provocou um crescente endividamento da Capitania, junto Companhia de Comrcio do Gro-Par. A rota do Madeira atendeu primordialmente aos interesses da poltica do Marqus de Pombal, constituindo-se com as idias de solidificao do fisco do ouro e do aparelhamento estratgico-militar para a defesa de fronteiras num dos elementos que garantiu empresa mercantilista portuguesa a plena explorao das riquezas produzidas nas capitanias da Amaznia. A decadncia da produo aurfera que gerou uma ampla crise econmica e financeira na regio e a mudana das polticas diplomticas e fronteirias sob o reinado de D. Maria I (1734-1816) e D. Joo VI (1767-1826) tiveram portanto efeitos decisivos sobre o quadro de crise geral que se instaurava no vale do Guapor e em todo o Mato Grosso o que combinado com a desativao da Companhia terminou por inviabilizar a manuteno da rota comercial Amazonas-Madeira-Guapor. A sociedade colonial no vale do Guapor Acreditava-se em meados do sculo XVIII que as riquezas das minas do vale do Guapor eram suficientemente abundantes para garantir sua prosperidade, a da Capitania e de parte das sempre crescentes necessidades do Estado Portugus. Essa prosperidade deveria ser construda a partir do estabelecimento de uma populao fixa, produtora de riquezas e que espelhasse os padres sociais dos demais ncleos coloniais, formando uma sociedade de ordens ou estados alicerada sobretudo na prtica do escravismo. Em Vila Bela e no Vale do Guapor as distines sociais cavavam verdadeiros abismos entre os seguimentos da sociedade, embora sua constituio fosse marcada predominantemente por excludos sociais (pobres e miserveis) de diversos pontos da colnia, incluindo-se a brancos pobres, endividados ou culpados junto justia; forros negros ou mestios, indgenas e escravos. A poltica desenvolvida pelos governadores, a partir de Rolim de Moura permitia aos brancos, mamelucos e mestios de cor mais clara a reconquista de um status social, que seria impossvel de se obter em outras regies da colnia. a concesso do "privilgio de couto" (ao de resguardar-se das

penalidades judiciais) e o perdo das dvidas junto justia era um' instrumento destinado a atrair habitantes para a regio, notadamente entre os setores mais desclassificados da sociedade. Mesmo assim interessante observar, que a escassez absoluta de brancos para a constituio da elite social da regio levou o governo a aproveitar os poucos brancos e mestios claros da melhor forma possvel. Longe de ser apenas uma mera venda de cargos, ttulos e honrarias, a redefinio do status social desses brancos os transformavam em homens bons, aptos a participar da vida pblica do vale do Guapor, e teis ao sistema que os governava e com novo prestgio diante da imensa maioria negra ou de mestiagem escura. A explorao desse conjunto de despossudos foi realizada tambm a partir do recurso coero fsica. O governo colonial calcado na ideologia de serem esses homens improdutivos e ineficazes para o Estado enquanto senhores de seu prprio destino, exercem de forma repressiva e violenta seu poder, mantendo-os nos limites dos interesses das poltica mercantilista colonial da regio: homens livres e pobres dentro de uma sociedade escravista. Para garantir o colonizao e a organizao das estruturas sociais de Vila Bela e do Guapor, o governador Rolim de Moura utiliza-se largamente de prticas coercitivas, oferecendo aos apenados a oportunidade de redefinirem seus status a partir de fixao de residncia na regio. Paralelamente a essa minoria branca que foi se transformao na elite social da regio, observa-se uma imensa maioria de mestios, negros e ndios, que integraram os patamares mais baixos da sociedade, preenchendo as lacunas sociais desde a condio de escravos at a de pequenos e mdios funcionrios pblicos (como os membros da Companhia dos Homens Pardos e a dos Pedestres) ou ainda como pequenos comerciantes, faiscadores, lavradores e comboieiros. A sociedade guaporeana formava-se a partir de uma complexa gama de extratos sociais, tendo ao topo a elite branca encabeada pelos governantes e seus auxiliares diretos, alm dos ricos proprietrios de lavras, sesmarias e grandes comrcios. As camadas medianas compunham-se de pequenos e mdios comerciantes, proprietrios de plantis reduzidos de escravos e donos de pequenas lavras. A seguir encontravam-se os homens pobres livres, geralmente trabalhando como autnomos em regies de minerao franqueadas a todos, ou ainda cultivando pequenas roas ou mesmo integrando expedies sertanistas para busca de ouro e ndios. Por fim, na base da pirmide social encontravam-se os escravos tanto ndios quanto negros. O vale do Guapor abrigou no perodo colonial uma sociedade mercantilista e escravocrata. A maior distino social assentava-se sobre a condio livre/escravo, o que caracterizava a posio do indivduo perante o ordenamento jurdico: pessoa ou propriedade, cabendo a uns o direito cidadania e a outros no. As distines entre senhores e escravos atingiram toda a sociedade, permeando os mais variados segmentos sociais e atingindo todos os aspectos da vida comum. Essa dicotomia exteriorizava-se nas relaes raciais negro/branco, adquirindo nuances variveis, como as prprias gradaes de cor que estabeleciam. As relaes de poder e submisso entre senhores e escravos davam-se diretamente no convvio dirio, havendo poucas intervenes do poder colonial na prtica cotidiana dessas relaes. Normalmente o controle exercido pelo Estado sobre a prtica da escravido objetivava resguardar os interesses dos grupos proprietrios e da produo, criando as bases para uma satisfatria explorao das riquezas naturais da regio pelos representantes do poder colonial atravs das elites locais, grandes comerciantes e proprietrios de lavras, faisqueiras e sesmarias ou de grupos medianos como os comerciantes, militares e pequenos proprietrios. A posse de grandes fortunas implicava em estratgias de multiplicao de investimentos, diversificao de atividades e posses. Assim era-se ao mesmo tempo senhor de lavras, comerciante ligado s rotas monoeiras, agricultor e pecuarista, voltado tanto para a exportao quanto para a subsistncia. A instabilidade das lavras exigia a diversificao das atividades a fim de se garantir o patrimnio. Quanto s camadas populares onde predominavam mestios de todos os tipos prevaleceram os pequenos proprietrios que cultivavam pequenas roas de subsistncia, pequenos comerciantes que revendiam produtos oriundos das mones e que terminaram constituindo os grupos de mascates, os sertanistas preadores de ndios, os aventureiros e uma infinidade de pobres livres itinerantes que

vagueavam de um arraial para outro ao sabor da produo das lavras. Estes ltimos viviam margem da sociedade, sobrevivendo de pequenos biscates, caando, pescando, integrando bandeiras ou mesmo companhias militares de baixa patente como a dos homens pardos e a dos homens pretos fundadas por Rolim de Moura. Estas integravam tanto a paisagem rural quanto a urbana no vale do Guapor e, na maior parte das vezes transformavam-se numa espcie de exrcito de reserva da escravido, pois a eles se destinavam servios que de ordinrio se evitaria passar mesmo a um escravo por valorizar-se neste ltimo o capital investido. Desta forma nas obras de construo do Forte Prncipe da Beira evitava-se mandar os escravos do Estado para obras consideradas insalubres ou de risco, preferindo empregar nelas escravos de aluguel ou alguma mo-de-obra livre temporariamente contratada. Esse mesmo segmento de livres pobres era considerado ainda um estorvo e um prejuzo, pois situados margem do processo produtivo transformavam-se em um problema social e um nus para o Estado, que no objetivo de adequ-los realidade da produo mercantilista recorria e legitimava o uso da fora e da coero. Caracterizando-se pela extrema misria, ou pelo total descaso pelos padres de vida considerados dignos pelas autoridades, esses grupos marginalizados habitavam modestas casas de adobe ou palha situadas nas capoeiras, periferia das vilas, s margens dos rios ou nos sertes adentro. O conforto era mnimo, importando em pssima qualidade de vida. O mobilirio era escasso e composto por redes, esteiras, potes de cermicas, cuias, malas e alguns toscos bancos e mesas. Trabalhadores especializados integram o reverso do grupo de homens livres pobres. Em geral tinham uma vida bem mais cmoda do que os demais e adequavam-se com exatido s exigncias do sistema, sendo imprescindveis a qualquer ncleo de colonizao e trabalho. Para suprir as deficincias de mo-de-obra especializada na construo do Forte Prncipe da Beira, o administrador solicitava ao governador que importasse carpinteiros para a regio, que deveriam ser bem acomodados e remunerados. Sendo a populao guaporeana um conjunto humano predominantemente masculino, mestio ou negro, natural que a regio tenha sido notavelmente marcada por um elevado ndice de criminalidade e violncias de toda ordem, como alis tpico das regies de minerao e de fronteira. Os desatinos se multiplicavam e as autoridades embora se empenhassem em reprimir aquilo que consideravam como contraveno, jamais conseguiram conter a impetuosidade dos aventureiros e mineiros do Guapor. A prpria situao das minas favorecia esse quadro; grandes ermos serviam para esconder os mineiros, a fronteira era sempre um refugio possvel, a precariedade dos aparelhos de guarda e represso impedia um patrulhamento ostensivo e eficiente e a constante mobilidade dos mineiros impedia o seu reconhecimento e localizao, contribuindo para que os arraiais e periferias ganhassem caractersticas de sordidez e contraveno. Os crimes das elites ligam-se corrupo e explorao, no havendo registros nas Correspondncias dos Capites-Generais ou nas Crnicas e Memrias de crimes comuns. Poucos eram os limites impostos s autoridades; os acontecimentos de menor relevncia, que no envolviam perdas para o Estado eram escamoteados, ignorados ou perdoados. O cotidiano da populao guaporeana foi marcado tambm pela elevadssima quantidade de doenas e epidemias. A morte era uma possibilidade sempre muito real e prxima em toda a regio, chamada por Rolim de Moura de "O terror da Amrica". Ao lado dos crimes, dos ataques indgenas e da fome, as doenas completavam o quadro de pnico que povoava o imaginrio dos que por algum motivo chegavam ao vale do Guapor. Malria (malrias), mculos ou corrues, febres catarrais, pneumonias, diarrias sanguinolentas, tuberculose, febre amarela, tifo e clera foram as grandes causadoras de morte e terror entre os habitantes do Guapor, ajudando a consolidar a triste fama da regio, de ser uma sepultura a cu aberto. Essa m reputao causava arrepios de pavor aos brancos que a visitavam. Paralelamente a estes surtos epidmicos "menores" e de conseqncias menos trgicas para o conjunto da populao tinha-se ainda as grandes endemias, que vitimavam a muitos como a de 1758 marcada por violentos cursos de sangue e tosses ou a de 1814, quando a varola varreu o Forte Prncipe da Beira, levando o governo a tomar medidas para evitar o alastramento do mal. Epidemias

de bexiga, sarampo, verminoses flagelavam a populao e aumentavam os ndices de mortalidade da regio. A sade pblica no foi uma prioridade nesse regime em que a morte ceifava grandes massas de annimos livres e escravos. Somente a partir da irreversibilidade da acentuada crise que se abateu sobre a regio que se chegou a cogitar medidas profilticas como o treinamento de agentes de sade e alguma assistncia mdica populao como projetou Joo Carlos Augusto D'Oyenhausen Gravenburg, nomeado oitavo Capito-General do Mato Grosso em 1806. No entanto, essas medidas foram muito tardias e no chegaram a vingar. A regio, decadente no sculo XIX, continuaria a ser ainda no sculo XX o terror da Amrica. Escravido A sociedade colonial guaporeana foi uma sociedade de profundos abismos sociais que existiram em funo do prprio contexto da economia mercantilista da regio. Honra e apreo formavam o cotidiano das elites, envolvidas com a gerao de riquezas e a produo de excedentes. No entanto, os contigentes da populao livre eram marcados pela pobreza cotidiana e pela marginalizao de suas existncias. A essa massa heterognea que acabamos de estudar, resta acrescentar o contingente dos escravos, que foram os grandes agentes propulsores de toda a economia colonial da regio guaporeana. A poltica colonial portuguesa para a regio esteve sempre voltada para a proibio do cativeiro indgena e para a facilitao da entrada de escravos africanos. Assim, desde que se iniciou o processo de ocupao do espao guaporeano, procurou-se estabelecer um fluxo regular para a entrada de negros, o que nem sempre era possvel, devido prpria precariedade da regio de So Paulo, aos custos elevados dos negros na regio e irregularidade de todo o abastecimento pelas Mones do Sul. Dessa forma a irregularidade do trfico de escravos foi uma constante. Seu custo tornava o negro um bem de dificil aquisio, enquanto seu rpido esgotamento e morte nas minas exigiam constantemente a reposio dos cativos. A partir de 1757 o abastecimento de negros para as minas e lavouras do Guapor passou a ser feito tambm pela rota do Madeira atravs da Companhia de Comrcio do Gro-Par e Maranho. O mercado consumidor de escravos no Guapor surgia como um ponto central aos interesses de Pombal de dotar a Companhia do monoplio comercial na regio amaznica e garantir o sucesso de sua poltica fronteiria. Por outro lado a escassez de capitais do Gro-Par provocava a incapacidade das praas de Belm, Santarm e arredores de absorverem sozinhas os carregamentos que chegavam. Dessa forma tornou-se possvel ao governador Mendona Furtado atender s solicitaes de seu colega de Mato Grosso, Rolim de Moura. Pelo acordo estabelecido entre ambos, ficava acertado que do total de escravos desembarcados pela Companhia do Gro-Par e Maranho em Belm, nunca menos de 1.500 peas por ano, um tero ou seja 500 peas deveriam ser remetidas para o vale do Guapor atendo-se s necessidades dos mineiros. Essa medida interessava ao Par por dois aspectos: Em primeiro lugar possibilitava o repasse da carga excedente, no comprometendo os interesses da Companhia na regio (note-se que o governador do Par era irmo do Marqus de Pombal e se encontrava completamente imbudo dos interesses do prprio Marqus). Em segundo lugar, a revenda de negros para o Guapor possibilitaria um ressarcimento vantajoso de parte do capital investido pelos paraenses, dando a Belm a chance de capitalizar recursos para suprir suas prprias necessidades de compra de escravos. At 1769 foram desembarcados no porto de Belm 8.813 escravos. De acordo com os acertos entre Rolim de Moura e Mendona Furtado, um tero desse total deveria ser remetido ao preo de Belm, mais 40%, para o Mato Grosso. No entanto, observamos que o percentual de escravos que adentraram o vale do Guapor pela rota do Madeira foi sempre reduzido e insuficiente, no se concretizando nunca o acordo entre Mendona Furtado e Rolim de Moura, de reexportao de 1/3 dos escravos desembarcados no Par pela Companhia de Comrcio.

O nmero de cativos era escasso para atender demanda e suspeitava-se que a Companhia estivesse superfaturando o preo dos negros, que no Par e Vale do Guapor deveriam ser subsidiados para garantir quelas regies um nmero satisfatrio de braos para as minas e lavouras. Entre 1780 e 1790 os custos de compra de .um escravo em Belm e So Lus ficariam entre 40.000 e 120.000 ris. Na Bahia este custo seria de 75.000 a 125.000 ris e no Vale do Guapor o mesmo escravo custaria entre 260.000 a 300.000 ris. As origens dos negros do Guapor ainda no foram completamente identificadas. Os escravos guaporeanos tinham como procedncia os portos de Guin-Bissau, Angola, Benguela, Cacheu e Costa da Mina. Os cronistas e viajantes referem-se aos escravos do Vale do Guapor como tendo origem no grupo bantu. Os trabalhos dos escravos nas grandes sesmarias, lavras e faisqueiras, era controlado por feitores que intermediavam as relaes entre os senhores e os cativos, constituindo-se em catalisadores das tenses de todo o processo de coero e violncia que caracterizou a escravido. Esses feitores eram investidos de grande autoridade e poder e no raro eram oriundos da prpria escravaria, sendo em grande parte das vezes mulatos, pardos ou negros. Na figura do feitor-deescravos repousou a autoridade e disciplina do trabalho nas mdias e grandes propriedades Foi atravs dele que se tornou possvel ao grande proprietrio a manuteno de sua imagem distante e patriarcal, que pairava acima dos confrontos e conflitos cotidianos, comuns ao meio e que decidia as grandes questes de forma eqidistante. Entre os pequenos proprietrios de escravos inexistiu a figura do feitor, e na maior parte das vezes as relaes entre o senhor e seus cativos foram mais prximas, o que permitia uma melhor condio de vida para os escravos. Isso no entanto no impedia que fossem utilizados os diversos recursos disponveis para a coero e imposio da vontade desses pequenos proprietrios sobre seus reduzidos plantis. O trabalho escravo era requisitado mesmo para fins militares. Numa regio fronteiria absolutamente carente de populao e constantemente s voltas com situaes de conflitos militares, o trabalho dos negros incluiu tambm a luta contra os inimigos, tanto indgenas quanto castelhanos. Em 1752 o governador Rolim de Moura criou uma Companhia de Homens Pretos, preparando-se para uma possvel guerra contra os vizinhos castelhanos. J o Baro de Melgao ressalta que durante a situao de guerra entre Portugal e Espanha em 1763 o Capito-General Antnio Rolim de Moura organizou uma tropa com "o nmero pouco mais ou menos de quinhentos homens, sendo a maior parte escravos e entrando tambm carijs, muitos de uns e outros sem armas de fogo." Constituindo-se o escravo em um bem de grande valor e custo elevado, em meio a uma economia predominantemente instvel, notvel a sua utilizao em guerras, onde poderia morrer, fugir, ferir-se ou tornar-se um invlido para o trabalho. Alm de todos esses fatores, a participao de escravos em campanhas militares ressalta, conseqentemente, o seu afastamento de toda e qualquer atividade economicamente produtiva, tornando-o um bem ainda mais caro. No entanto a escassez de populao, as constantes ameaas estrangeiras ou de indgenas hostis e a fora da poltica de defesa fronteiria foram argumentos suficientemente eficazes para permitir e estimular a utilizao de negros escravos, tambm nesse ramo de atividades. Vtimas de abusos de toda sorte, vivendo no Vale do Guapor, um verdadeiro inferno, conhecido na Europa como o Terror da Amrica, sujeitados a maus tratos, castigos e suplcios, perseguidos e mortos ou vendidos pelos indgenas aos castelhanos, os negros do Guapor buscavam tambm por formas diversas escapar s angstias do cativeiro que os atormentava. Suas atitudes em busca de melhores condies de vida, chegavam medidas de rebeldia que exigiam extrema coragem e vigor. Os escravos do vale do Guapor construram assim uma histria de lutas e resistncia escravido, que deixou marcas na colonizao desse rio, perceptveis at os dias atuais. No vale do-Guapor, durante a segunda metade do sculo XVIII, foram comuns as fugas de escravos e o seu ajuntamento em quilombos, alguns dos quais resistiram, por longos perodos, como o caso

do Quariter, que se manteve ativo por quase meia dcada, desde sua fundao em 1752, at seu total extermnio em 1795. A resistncia negra ao cativeiro assumiu, em Mato Grosso, o carter de atos individuais de violncia e inconformismo, da reduo do ritmo dos trabalhos de forma intencional, aproveitando-se de fatores ambientais e fsicos, como as doenas e pragas naturais e a insubordinao pura e simples. De qualquer forma, durante o sculo XVIII, o temor das insurreies escravas tomou corpo na colnia do Brasil e no passou despercebido em Mato Grosso, onde embora no se tenham registrado levantes da escravatura, pairava o medo de que tal fato pudesse vir a acontecer. Medidas restritivas eram constantemente tomadas, procurando combater as possibilidades de rebelio, motins ou simplesmente desordens de escravos. Constituindo-se numa possibilidade constante e atraente, as fugas eram facilitadas, ainda, pela imensido das florestas e a enorme descolonizao da regio guaporeana, o que frustrava em grande parte as pretenses de captura dos foragidos. Independentemente de qualquer outro fator, a vida do escravo foragido era marcada pelas incertezas e sobressaltos, pairando; constantemente, a ameaa da identificao, localizao, descoberta e retorno ao cativeiro em situaes vexatrias, que se agravavam com as violncias de que poderiam ser vtimas, a partir das penalidades contidas nos Bandos e Alvars expedidos pelas autoridades coloniais que puniam, com 400 aoites no pelourinho, o escravo capturado aps a fuga ou a marcao, em ferro quente e em caso de reincidncia a amputao de uma das orelhas. A devoluo dos negros foragidos para os domnios castelhanos foi um problema vivido por todas as autoridades coloniais da Capitania de Mato Grosso que, invariavelmente, se viam s voltas com delicadas questes diplomticas que obstaculizavam as remessas de escravos mato-grossenses que viviam nos domnios coloniais dos Reis Catlicos. J entre o final do sculo XVIII, e o incio do XIX, os governadores Joo de Albuquerque e Joo Carlos D'yenhausen editaram bandos que favoreciam os escravos que, livre e espontaneamente se apresentassem a seus senhores. A esses seria perdoada a transgresso, ficando livres dos castigos e penalidades a que estavam sujeitos. Dentre as penalidades aplicadas, inclua-se o degredo para o vale do rio Madeira. Como mecanismo da resistncia, as fugas se completavam com a formao de quilombos, que se configuravam na face mais concretamente estudada dos processos de resistncia ao cativeiro. Vila Bela da Santssima Trindade e a regio do vale do Guapor, no ficaram isentas da presena de quilombos e de sua atuao perniciosa ao desempenho da dominao senhorial, sobre os escravizados. A existncia dos quilombos condicionou-se a fatores ambientais, como a existncia de grandes florestas. Aliada proteo natural oferecida pelos fatores ambientais, observa-se a organizao de estratgias de proteo militar. Todos mantinham, em pontos estratgicos, sentinelas que anunciavam qualquer invaso do territrio. Como unidades produtoras autnomas, os quilombos caracterizavam-se pela busca da autosuficincia. As terras trabalhadas pertenciam coletivamente ao quilombo, que as distribua em lotes aos camponeses, de acordo com o tamanho da famlia. Tal fato garantia uma produo de alimentos satisfatria, levando a se considerar a economia de subsistncia do quilombo como uma economia de fartura, em oposio prpria economia de subsistncia das populaes coloniais, inseri das no contexto da economia mercantilista, onde pairavam sempre as ameaas de privaes, fome e desabastecimento. No vale do Guapor o mais antigo quilombo formado foi o Quariter, que, fundado por volta da dcada de 1730, resistiu at 1770, quando por ordem do Capito-General Lus Pinto de Souza Coutinho, ele foi atacado e destrudo. Entretanto, muitos negros e ndios conseguiram fugir e reorganizaram o quilombo em moldes semelhantes ao primeiro, nas imediaes do rio Branco. Vinte e cinco anos se passaram, at que, mediante solicitao dos senhores de escravos e da Cmara de Vila Bela, o ento governador, Joo Albuquerque ordenou a formao da segunda bandeira, que atacou e destruiu novamente o Quariter, agora chamado Piolho. A reconstruo do quilombo se deu com o retorno dos antigos quilombolas, que haviam conseguido escapar aos assaltos da bandeira de 1770. Sua definitiva-destruio aconteceu em um momento de avano da crise econmica da regio.

A necessidade de mais braos para o trabalho, de se inibir novas fugas e de se descobrir novas lavras, motivou a formao da bandeira comandada pelo alferes de drages Francisco Pedro de Mello. A notcia de um ataque imediato aos quilombos espalhou-se rapidamente em toda a regio. Diversos ncleos de colonizao dos quilombos foram abandonados s pressas, outros, entretanto, foram surpreendidos e alguns de seus habitantes foram presos ou mortos. Destruindo os quilombos, o poder colonial redefiniu suas estratgias e utilizando-se dos quilombolas passou a efetivar seus projetos de domnio da regio. Embora a fundao da Aldeia da Carlota tenha ocorrido sob o patrocnio do prprio governo de Joo de Albuquerque, ela no prosperou. Reinseridos na ordem colonial, os quilombolas do Guapor, agora, passavam a integrar novamente a periferia do sistema social. Capites Generais do Mato Grosso Nome Ano de Posse 1. Antnio Rolim de Moura Tavares 1751 2. Joo Pedro da Cmara 1765 3. Luiz Pinto de Souza Coutinho 1769 4. Luiz de Albuquerque de Mello Pereira e Cceres 1772 5. Joo de Albuquerque de Mello Pereira e Cceres 1789 6. Caetano Pinto de Miranda Montenegro 1796 7. Manoel Carlos de Abreu e Menezes 1804 8. Joo Carlos Augusto D'Oyenhausen Gravenburg 1807 A Crise do Vale do Guapor 1818: Vila Bela elevada a condio de cidade. 1835: Aps um grave incidente diplomtico envolvendo as elites de Vila Bela e as elites das Provncias de Chiquitos na Bolvia. A capital mudou-se definitivamente para Cuiab. O vale do Guapor abandonado pelos brancos decaiu e tornou-se uma regio habitada por negros, escravos que mantiveram e garantiram a posse territorial. Ocasionalmente expedies cientificas e exploradoras visitaram os vales do Madeira e Guapor. Expedies que percorreram os vales dos rios Guapor e / ou Madeira nos sculos XVIII e XIX: Expedio de Alexandre Rodrigues Ferreira; Expedio do Baro de Langsdom, Hrcules Florence e Adrian Taunay; Francis Castelnau; Joo Severiano da Fonseca Sculo XIX Os vales do Madeira e Guapor entraram em profunda decadncia ao longo do sculo XIX. Os governos coloniais do sculo XIX, progressivamente abandonam a regio e procuram estabelecer-se em Cuiab. As antigas misses, os aldeamentos, os diretrios de ndios, os entrepostos fiscais e comerciais e os pontos militares avanados de fronteira foram progressivamente abandonados. Sobreviveram de forma isolada, pequenos plos de coleta de drogas do serto, cacau e produtos dervados de

tartarugas. As antigas sociedades indgenas voltaram ao seu estado natural ou foram combatidas e exterminadas em guerras justas ou adaptadas ao processo civilizatrio transformando-se em tapuios. (ndios aculturados que passam a integrar a periferia do sistema social e econmico). Regies remotas e de difcil acesso como as cachoeiras do Madeira abrigaram povos hostis. Os vales do Madeira e Guapor contavam em meados do sculo XIX com uma populao prxima a dez mil habitantes em sua maioria tapuios. Essa populao era atendida por um precrio servio de navegao realizado primeiramente a remo e velas e mais tarde a vapor. O sculo XIX foi marcado pelo desenvolvimento do industrialismo, do capitalismo liberal financeiro e monopolista, pelas prticas imperialistas, nacionalistas, expancionistas e neocolonialistas. Os pases industrializados passaram a buscar matrias-primas e combustveis nas colnias tropicais. O advento da Revoluo Industrial que abrangeu a Europa, Estados Unidos e o Japo trouxe com sigo a revoluo dos transportes com a inveno do automvel, tornavam necessrias a busca de combustveis e material para a fabricao de pneus que deveriam revestir e amortecer o contato do veculo e da carga com o solo. Desta forma a Amaznia rica em seringueiras, produtoras do ltex passou a engressar,de forma perifrica, o sistema capitalista internacional. Os vales do Madeira e Guapor integraram o circuito da borracha e so explorados por seringalistas bolivianos e brasileiros, que utilizam como mo-de-obra os indgenas locais, os indgenas do vale do rio Beni na Bolvia e mais tarde a mo-de-obra nordestina que migrou para a Amaznia a partir da grande seca de 1879 Os seringueiros eram divididos em dois grupos: Mansos: Naturais da Amaznia conheciam segredos da floresta e dos rios. Brabos: Naturais do nordeste, tinham enorme dificuldade de adaptao ao meio ambiente. O proprietrio do seringal era chamado de Coronel do Barranco ou seringalista, trabalhava a partir de financiamentos feitos pelo capital estrangeiro. Os trabalhadores eram chamados de seringueiros, de origem, condio e situao humilde, vinculavam-se aos seringalistas por trabalharem em seus latifndios (seringais) e por estarem dependentes do regime contratual do Barraco (tambm chamado Aviamento ou Habilito). O Barraco era onde o seringueiro comprava os produtos indispensveis para sobrevivncia e vendia a produo de borracha por ele obtida. O sistema crdito/dvida fazia com que o seringueiro estivesse sempre devendo ao Barraco. As poucas oportunidades de acumulao de um pequeno excedente de capital ou mesmo de um alvio de obteno de recursos para a sobrevivncia poderiam vir atravs do comrcio clandestino com o regato (embarcao de mascates que percorria os rios e igaraps comprando bolas de borrachas e vendendo gneros de primeira necessidade), ou da produo paralela de peles, plumas de garas e extrativismo de outros produtos vegetais. O ciclo da borracha inicia-se na segunda metade do sculo XIX e prolonga-se at a segunda dcada do sculo XX, quando a produo brasileira superada pela produo da Malsia. As sociedades indgenas em Rondnia O indgena do Madeira Instalado no ponto inicial de colonizao da Amaznia em 1616, o Forte do Prespio (Belm), avanou o conquistador portugus em direo aos territrios interiores, povoados pelo indgena e por fora dos tratados pertencentes a colnia espanhola. A partir desse momento o apresamento dos indgenas por parte do colonizador no respeitou sequer as fronteiras dinmicas (mveis e mal definidas) do perodo colonial, manipulando o indgena e impondo-lhe novos sentidos de identidade luz do interesse do dominado r. Assim, o indgena alm de estar sob jurisdio pretendida pelas duas coroas foi tambm utilizado como aliado militar para barrar o avano dos sditos de uma ou de outra nao europia. Desde a poca em que a maior parte da Amaznia pertencia aos estados do Maranho e GroPar, o indgena foi utilizado tambm na empresa de dominao. Como mateiros (conhecedores do terreno),

remeiros, flecheiros, participaram tambm das tropas, entradas e bandeiras que devas saram a Amaznia em todos os sentidos no sculo XVIII. O prprio Estado Portugus escravizou os indgenas utilizando-os como elemento auxiliar da conquista do territrio aos nativos e a outros povos europeus. Esse fenmeno ocorreu tambm no rio Amazonas, quando os portugueses entraram em contato com os Manas que j. participavam de uma rede de grupos tnicos indgenas que negociavam com os holandeses. Essa nao indgena no somente demonstrou desinteresse em negociar com os portugueses como tambm passou a bloquear sua penetrao para o interior. O ataque a uma tropa portuguesa que subia o Amazonas justificou uma guerra justa contra os Manas, esta guerra revelouse duplamente interessante para os portugueses: de um lado permitiu cativar mais indgenas e de outro abriu navegao portuguesa o curso do mdio e alto Amazonas. Alm do Madeira avanavam os portugueses ainda para a margem oeste do Guapor e Mamor capturando indgenas no interior da colnia espanhola. Na regio dos rios Madeira, Mamor e Guapor e nos seus tributrios desses o portugus encontrou dois grupos de indgenas: Os habitantes antigos e povos que para l migraram em fuga do avano europeu ou do expansionismo territorial de naes indgenas mais fortes. Desses povos que migraram po~sivelmente Tupis foram os primeiros a atingir a bacia .deste rio. Vinham recuando de suas povoa~s que at o sculo XVI estendiam-se da foz do Amazonas at o sul de So Paulo. Os tupinambaranas, descobertos pelo padre Acuia em 1639 na ilha de mesmo nome no rio Amazonas prximo foz do Madeira eram descendentes do tupinambs de Pemambuco. Posteriormente outros grupos migrariam para aquela regio provocando inclusive guerras inter-tribais pelo controle do territrio. Dentre os moradores antigos do Madeira encontraram os Tor, Mura e Matanaw. Quanto aos Mura necessrios esclarecer que enquanto alguns autores acreditam que o Madeira tenha sido o seu antigo ncleo de povoao outros porm defendem a hiptese de que esses indgenas tenham migrado do Peru fugindo ao domnio espanhol. No final do sculo XVIII alguns grupos indgenas do Tapajs comearam a entrar em contato com o colonizador, conhecidos como Cabahiba ou Kawahib eram uma nao que se subdi"vidia em vrios grupos, dentre eles os Parintintins. Esses Kawahib foram ferozmente perseguidos pelos Mundurulrus e expulsos de seus territrios subdividiram-se em vrios grupos que espalharam-se na regio situada entre os rios So Manoel e Madeira. Os Tup-Kawahib aps a disperso provocada pelos Mura situaram-se no rio Branco, afluente do Roosevelt e depois ampliaram seu territrio at o Ji-Paran e seus afluentes. Os Cabahibas foram encontrados at o final do sculo XIX no campo dos Parecis, entre a foz do Arinos e Juruena Nessa mesma poca o Baixo e Mdio Mamor foi objeto da migrao de outro grupo indgena, os Txapalruras. Viviam originalmente no curso do Mdio e Alto rio Blanco (Baures), na rea em tomo do lago Chitiopa e parte de Concepcin de Chiquitos (Bolvia). Os Txapakuras foram dominados pelos europeus no inicio do sculo XVII e reduzidos aos aldeamentos dos colonizadores. Alguns grupos penetraram a Amrica Portuguesa, desses os Urup, Jar e Tor pertencem a famlia lingstica Txapalrura e entraram em contato com os portugueses no incio do sculo XVIII. Uma das primeiras notcias que se tem dos Tor data do incio do sculo XVIII, em 1716 desceram o rio Madeira e no rio Amazonas atacaram vrios estabelecimentos coloniais e embarcaes. Em represlia foi organizada uma tropa de guerra que estabeleceu-se na ilha das onas, na margem direita do Madeira e iniciou feroz perseguio a esses indgenas que aps algum tempo pediram a paz, proposta que foi aceita pelos portugueses com a condio desse grupo fazer o descimento e aldearemse. Contudo, parte dessa nao que vivia mais recuada para o interior no entrou em contato com o europeu continuando a viver no Alto Madeira. Quando os missionrios que primeiramente tentarm . estabelecer misses naquele rio foram ameaados pelos ataques dos Muras tiveram que recuar estabelecendo sua misso em Itacoatiara alguns lderes Tors, com eles aldeados, recusaram-se a acompanh-Ios e retomara para o rio Maici, perto da foz do rio Machado onde continuaram vivendo

at o sculo XIX.. O territrio dos Tor, como o das demais naes indgenas foi paulatinamente sendo reduzido e ocupado tanto por brancos como pelos seus inimigos tribais, dentre eles os Parintintins. Ataques para o aprisionamento e escravizao desses ndios continuaram durante todo aquele sculo. Aqueles Tors que primeiramente entraram em contato com os missionrios eram encontrados, no final do sculo XIX, reduzidos em aldeamentos do governo imperial ou de misses religiosas dedicando-se lavoura para subsistncia e comrcio. Alguns membros da tribo que se internaram para o Alto Marmelos manteve-se mais tempo afastado do contato com os civilizados. Quando foi estabelecida a misso de So Francisco, j no final do sculo, os religiosos conseguiram atrair para a aldeia elementos de vrios grupos como os Araras, Urups e Jars e ainda os Tors do rio Machado e finalmente os Tors do rio Marmelos. A decadncia da misso e a retirada do missionrio fez com que os indgenas retomassem para as suas reas tradicionais. O avano pela regio ocasionado pelo extrativismo da borracha fez com que esses grupos de Tors fossem escravizados pelos seringalistas alm de sua dizimao pelas doenas contradas atravs do contato com o civilizado. Nas primeiras dcadas do sculo XX morreu o ltimo Tor do rio Machado e dos Tors do Marmelos restavam apenas 12 indivduos de puro sangue e aproximadamente 30 mestios que viviam da lavoura e do extrativismo da castanha no Alto Marmelos. A histria dos Urups repete em linhas gerais a dos Tors, encontrados nos sculo XVIII no rio Madeira contriburam para o povoamento de ltacoatiara e depois Borba sendo alguns aldeados, no sculo XIX, na misso de So Francisco. Por volta de 1886 um grupo dessa nao ainda habitava a cabeceira do rio Canaan, afluente do Jamar. No incio do sculo entraram em contato com um seringalista e transferiram-se para o barraco Bom Futuro onde contraram a varola que os reduziu a algumas dezenas de indivduos, os remanescentes refugiaram-se nas cabeceiras do rio Pardo. Na dcada de 20 alguns desses indgenas eram encontrados em localidades do Madeira mas concentravam-se na colnia do Servio de Proteo ao ndio no Alto Jamar. De maneira intensiva o indgena foi utilizado como mo de obra no Madeira a partir do sculo XVIII. Alm do extrativismo do cacau, era esse elemento indispensvel para a extrao da salsaparilha, leo de tartaruga e de copaba, nessa rea perifrica. No Alto Madeira, a praia do Tamandu, prxima a primeira cachoeira, Santo Antnio, era um viveiro abundante de tartarugas. No perodo da desova os indgenas retiravam os ovos para produzirem o leo ou manteiga de tartaruga. Essa utilizao do indgena no ocorria de maneira pacfica, em regies distintas tribos como os Araras e Mundurukus resistiam bravamente ao avano portugus. Contudo, a nao que mais ferozmente reagiu ao avano portugus na rea do Madeira no sculo XVIII foram os Muras, sobre os quais as informaes disponveis so controversas. Vtor Leonardi afirma que essa nao possua, naquele sculo, uma populao de 40.000 pessoas que morava s margens do Madeira, tendo combatido o colonizador na rea compreendida entre esse rio e o Tocantins. Moreira Neto, com base nas informaes de Nimuendaj, atribui a essa nao uma populao aproximada de 60.000 habitantes espalhados, antes do sculo XVIII, em uma enorme rea que compreendem os rios Madeira, Negro, Solimes e Japur. Teria ocorrido que por fora da guerra movida contra essa nao no sculo XVIII houve um rpido decrscimo da sua populao e a concentrao de seu territrio no rio Madeira. Foram os Muras uma das mais conhecidas e temidas naes indgenas do Madeira e, embora concentrassem-se nesse rio, ocupavam um extenso territrio que abrangia vrias bacias dos maiores afluentes do rio Amazonas. Ao terrvel contato desses indgenas com os europeus seguiu-se uma guerra que assolou esse rio por mais de 100 anos. Como desde os primeiros encontros com os portugueses houve um grande nmero de mortes entre os Muras, cuja predominncia numrica no compensava o desconhecimento das tticas e instrumentos de guerra dos europeus, optaram esses indgenas em evitar o confronto aberto e iniciaram uma estratgia de guerrilhas.

Marta Amoroso levanta a possibilidade de que a informao sobre o imenso territrio Mura, conhecida primeiramente atravs dos missionrios jesutas as quais os autores posteriores tomaram como base, faz parte de uma estratgia para superestimar o poder de resistncia dessa nao, construindo ficcionalmente um inimigo poderoso contra o colonizador, ou missionrio, cujo combate era necessrio. Assim como possvel que a dimenso do territrio Mura tenha sido superdimensionada, assim pode ser tambm em relao sua populao, tambm a atribuio de inmeros ataques aos estabelecimentos e embarcaes no Madeira e o exagerar do nmero de vtimas, faziam parte da estratgia colonial de construo do inimigo, a ser reduzido s misses ou dizimado. Alm dos jesutas, conspiravam contra os indgenas o aparelho judicirio colonial, em conluio com setor econmico do extrativismo do cacau. Entre 1738 e 1739 foi realizada uma devassa, processo judicial, sobre as atividades desses indgenas no Madeira. O veredicto foi que os Muras eram altamente perigosos e agressivos e estariam, com sua insolncia, tomando impossvel o comrcio naquele rio. Curiosamente as testemunhas do processo nunca haviam estado no Madeira, mas estavam fortemente ligadas aos interesses do comrcio de cacau. Ao chegar ao Brasil Capito-General governador Dom Antnio Rolim de Moura Tavares (1709-1782) Conde de Azambuja, trouxe consigo orientaes no sentido de instaurar uma devassa contra os Mura do rio Madeira, contra quem Sua Majestade Fidelssima, a pedido dos jesutas, ordenava a guerra justa, a extino ou o cativeiro por sua acirrada agresso contra os missionrios, colonos, sertanistas e comerciantes. Os Mundurukus foram tambm um grupo guerreiro cujo expansionismo encontrou foi obstaculizado pela penetrao portuguesa na Amaznia. Os europeus passaram a realizar expedies punitivas contra esse grupo at que no final do sculo XVIII os Mundurukus abandonaram os territrios que haviam ocupado recuando para os rios Canum e seus tributrios e para o rio Caruru, tributrio do Tapajs. O domnio final do Madeira pelo elemento colonizador ser obra do sculo XIX, quando se tomaram visveis nesse rio as contradies que a peculiaridade da colonizao da Amaznia trouxeram tona. O novo povoador, composto pelo ndio "amansado" e pelo mameluco novo somente porque inseriuse plenamente na lgica do dominador. Alm de ser o novo povoador da regio, e o novo se refere aqui ao aculturado, forosamente assimilado a uma nova cultura, com diferente noo de identidade e territrio, o ndio que vinha sendo apresado, simultaneamente colaborou com a obra do conquistador. No final do sculo XIX o Madeira era ainda fartamente habitado por vrias naes indigenas. Um mapa elaborado em 1872, por missionrios desse rio, abrangia a rea que vai desde a cachoeira do Caldeiro do Inferno at um pouco abaixo de Humait, e refere-se a vrias reas ainda sob domnio dos indgenas. Na margem direita, em um pequeno trecho do rio Marmelos assinala o territrio dos Muras; o rio Machado e seus afluentes era regio dos Parintintins; o rio Preto pertencia aos Iurs e Araras; o rio Jamari era territrio dos Jacanga-Pirangas, Urutucurs, Urapa-Manaca; na margem esquerda da cachoeira do Macaco ficavam os Apamas. Alm dos ndios j aldeados como os Caripunas situados na cachoeira de Morrinhos. Pequenos grupos de algumas das numerosas naes indgenas que povoavam a Amaznia no sculo XVI sobreviveram ao contato com os brancos at os nossos dias, particularmente aquelas que viviam ou se retiraram em fuga do contato para as cabeceiras dos rios. No Madeira vrias delas existiram ou ainda existem, sobreviventes da ameaa de extino dessas tribos que nesse rio iniciou no sculo XVIII, poca em que de fato encetou-se sua colonizao. O indgena do Guapor O descobrimento das lavras do Mato Grosso e Cuiab propiciou uma intensa migrao de paulistas, mineiros, goianos e outros habitantes da Colnia para a regio. A intensidade da produo levou sertanistas e aventureiros de todas as regies para os confins dos sertes mato-grossenses. Esse processo migratrio, marcado pela ousadia, bravura e ganncia esteve associado tambm contnua

busca de braos cativos dos indgenas da regio para o trabalho das minas, lavouras e para o comrcio humano de diversas praas coloniais. Sem embargo podemos dizer que a escravido precedeu ao prprio processo de sistematizao dos trabalhos nas lavras e faisqueiras do Vale do Guapor. A escravizao do indgena sofreu sempre amplas restries, mas nem por isso deixou de ser praticada. A prpria prtica do apresamento de indgenas no Vale do Guapor como j vimos, anterior a colonizao. Entre os grupos preferidos pelos sertanistas e apresadores esto os Bororos e os Parecis, que eram considerados de maior docilidade, mais fcil adaptao aos hbitos e costumes da sociedade colonial mercantilista que ia sendo implantada nos confins do Guapor. Como os negros, os indgenas sofreram no cativeiro o mesmo processo de degradao humana e separao dos resultados de sua produo no contexto da economia mineradora. No entanto, que a escravido do indgena no era feita sem grande resistncia dos mesmos, cabendo especial destaque aos inmeros transtornos e tragdias produzidos pelos Paiagus, Cabixis e Caiaps aos mineiros e s autoridades coloniais. Um Bando do governador de So Paulo datado de 13 de dezembro de 1727 proibia a venda de ndios. A legislao real sobre esse assun.to era dbia e praticada com pouco rigor. Datava de 1686 o Regimento das Misses, de aplicao do Maranho e em todo Norte. Por esse documento promulgado durante o reinado de D. Pedro II (1667-1706), rei de Portugal, procurava-se regularizar e harmonizar a ao colonizadora e catequtica. No entanto criavam-se sempre excees que possibilitavam o resgate e a guerra justa. Assim tomava-se mais barato a compra de ndios cativados na prpria regio do que a aquisio de africanos que chegavam ao Guapor pelas distantes rotas de So Paulo, Gois e Minas Gerais. Dessa forma em 1746 os habitantes do Guapor apresavam indgenas Parecis e promoviam verdadeiras chacinas em suas aldeias destruindo e queimando suas casas, arrasando suas searas, trucidando a populao e escravizando os sobreviventes. Em suas instrues o governador Rolim de Moura trazia ordens de Portugal para tratar com o rigor da guerra justa aos Caiaps e Paiagus, permitindo a quem os apresasse a sua escravizao mas preferindo-se a sua extino caso no se submetessem. Por outro lado ordenava-se que se construsse misso e aldeamentos para os ndios Parecis que vinham sofrendo contnuos ataques dos sertanistas de Cuiab e do Mato Grosso. O comrcio de indgenas, mesmo proibido era praticado, s vezes burlando-se as autoridades. No entanto, desde a dcada de 1750, o governador do Par Francisco Xavier Mendona Furtado (1700-1769) trouxe ordens do governo portugus para inibir e eliminar a escravizao dos ndios, dando-se preferncia mo-de-obra africana. Deve-se ressaltar que a precariedade do trfico negreiro para a Amaznia em geral e para o Guapor em particular provocou a abertura de precedentes para que o recurso da mo-de-obra indgena fosse ainda largamente empregado. A questo da escravizao do gentio permaneceu latente, apesar de todas as proibies do governo portugus. Em todos os perodos da histria colonial do Guapor e do Madeira encontramos referncias ao cativeiro dos indgenas. No se pode dizer que houve uma substituio da escravido indgena pela africana, pois as duas ocorreram ao mesmo tempo. O que se percebe que na regio guaporeana, ao contrrio do Madeira e de outras reas da Amaznia; a escravido de negros tomou um vulto muito maior, fazendo com que os nmeros de escravos indgenas fossem percentualmente mnimos. Dessa forma o governador da Capitania do Mato Grosso e Cuiab, Capito-General Caetano Pinto de Miranda Montenegro (17601827) Marqus de Vila Real de Praia Grande, assinalou que em 1800 existiam em Vila Bela e adjacncias do Vale do Guapor 131 ndios e 5.163 negros. Ao insistir na proibio da escravizao de indgenas a partir de 1751, as autoridades portuguesas e paraenses promoveram uma intensificao da sada de capitais do Vale do Guapor para o Gro-Par e Lisboa. Outra explicao plausvel para o acanhado nmero de indgenas escravizados pode ser encontrada na poltica fronteiria. A proteo governamental dispensada aos indgenas das regies

guaporeanas tinha como contrapartida o apoio desses s necessidades portuguesas em situaes de conflito com a vizinha colnia castelhana. Por esse motivo o governador Lus de Albuquerque de MeIo Pereira e Cceres (1739-1792) trouxe consigo ordens em suas Instrues para dar completa liberdade aos indgenas e garantir a total ocupao da margem oriental do Guapor, defendendo-a de toda possvel ameaa castelhana. A aliana e o apoio indgena eram, portanto, indispensveis para o xito da poltica fronteiria portuguesa, uma vez que a constante ameaa castelhana se fazia sentir sobre a regio. Os prprios castelhanos tentaram fundar misses em terras portuguesas para atrair os indgenas a sua causa e, dessa forma, ampliar seus domnios territoriais sobre as lavras e faisqueiras dos sertes do extremo oeste. Essa poltica foi denunciada pelos ndios Bororo que constataram a presena de padres castelhanos nas adjacncias das cabeceiras do rio Cuiab. Os portugueses imediatamente tomaram medidas armando os Bororos e ordenando a destruio de suas edificaes. O Ciclo da Borracha Os indgenas Omguas conheciam a borracha desde antes do incio da colonizao da Amaznia, chamavam a seringueira de H~v, a rvore que chora, e com o ltex fabricavam utenslios e brinquedos de borracha. 1735: Charles Marie de La Condomine realiza uma expedio cientfica pela Amaznia, denomina a seringueira de Hevea Brasiliense. Apresenta os objetos de ltex feitos pelos indgenas na sociedade cientfica de Paris, a Europa ignora a borracha. 1800: Crescem as exportaes de produtos impermeabilizados pela borracha no porto de Belm. A Europa e Estados Unidos enviam roupas e sapatos para serem impermeabilizados na Amaznia. 1844: McIntoch aperfeioa o processo de impermeabilizao. Charles Goodyear descobre o processo de vulcanizao da borracha. O mercado consumidor europeu e norte-americano cresce com a Segunda Revoluo Industrial. O processo de exportao do produto natural passa a superar as exportaes do produto manufaturado. 1852: O relatrio anual de Terreiro Aranha, Governador da Provncia do Amazonas, acusa o crescimento da atividade extrativista do ltex, em detrimento das atividades agropastoris, coletoras e manufatureiras tradicionais. 1855-1865: Abertura da Amaznia e navegao internacional. O Baro de Mau cria a Companhia de Navegao a Vapor do Amazonas. 1867: Assinatura do Tratado de Ayacucho entre Brasil e Bolvia estabelecendo bases de amizade, comrcio, navegao, limites, fronteiras e extradio. 1870-1880: A livre navegao na Amaznia favorece o contrabando de sementes de seringueira, Sir. Alexander Wickham contrabandeou sementes de Hevea Brasiliense cultivando Kew Garden atravs de estufas em Londres. As mudas foram transplantadas para a Malsia onde formaram extensos seringais. Esses seringais superaram a produo da Amaznia em 1912. 1877-1879: A grande seca nordestina promove uma intensa migrao de sertanejos para os seringais da Amaznia. Atravs de Manaus os seringueiros nordestinos iniciam ocupao do Acre Boliviano. 1899: Inicia-se a questo do Acre: A Bolvia entrega as terras do Acre ao monoplio da transnacional Boliviam Sindicate com capital de ingleses, norte-americanos e belgas. O espanhol naturalizado brasileiro Hernani Galvez Prsia e ria a frente de um pequeno exrcito de seringueiros, parte de Manaus e proclama-se Imperador do Acre. A Marinha norte-americana envia o navio de guerra Welmington pelo rio Amazonas para combater os seringueiros brasileiros. A Marinha brasileira aprisiona Welmington em Manaus. A Marinha brasileira intervm no Acre e o devolve a Bolvia. 1902: Plcido de Castro a frente de um exrcito de seringueiros nordestinos invade Xapuri aprisionando o administrador Juan de Dios Barrientos e proclama a independncia do Acre. A Marinha brasileira intervm e mantm a ocupao no Acre.

17 de Outubro de 1903: assinado o Tratado de Petrpolis entre Brasil e Bolvia. A Bolvia recebe uma indenizao de dois milhes de libras esterlinas que passa o Acre para o BrasiL O Boliviam Sindicate tambm indenizado com cem mil dlares, o Brasil se compromete em construir a EFMM. Este Tratado resultado do brilhante trabalho de Visconde do Rio Branco. 1910: Estoura na Europa o escndalo do seringal peruano de Putamayo, de propriedade do empresrio Jlio Csar Arana, bancado pelo capital ingls. As denncias de torturas, assassinatos, explorao e maus tratos publicadas nos jornais de Londres pelo jornalista norteamericano Walter Hardenburg denunciam as pssimas condies de vida dos indgenas e seringueiros. A Inglaterra cria uma comisso de investigao liderada por Sir. Roger Casement e o reverendo John Harris. 1915-1930: Crise da borracha na Amaznia, decadncia acentuada de Manaus, a cidade smbolo do esplendor da borracha. 1939: A Fordlndia no Par decreta falncia perdendo um investimento de 15 milhes de dlares e 3 milhes e 500 mil ps de seringueiras. 1943-1945: Durante a Segunda Guerra Mundial os seringais da Malsia so ocupados pelos japoneses, necessitando da borracha para a Indstria de guerra. Os aliados liderados pelos Estados Unidos, lanam na Amaznia o programa denominado "Guerra da Borracha". So instalados ncleos aliados na Amaznia para compra da borracha nos seringais. O preo sobe a niveis altssimos, utilizase novamente a mo-de-obra nordestina para os seringais (soldados da borracha). Morreram aproximadamente 22 mil cearenses na guerra pela borracha. Aps 1945 com a inveno da borracha sinttica pelos alemes, a borracha da Amaznia entra em definitiva decadncia. As pretenses estrangeiras sobre a Amaznia. A expanso do Capitalismo Industrial E Financeiro Mundial a partir do sculo XIX, levou a uma crescente adoo das prticas e polticas imperialistas, que promovidas pelas grandes potncias da Europa, o Japo e dos USA. tiveram como alvo os territrios da frica, sia, Oceania e Amrica Latina. Em meados do sculo passado, os avanos na tecnologia, nos transportes e nos meios de produo, ocasionaram o surgimento de gigantescas corporaes que resultaram da fuso entre o capital financeiro e o capital industrial. O avano desse processo de concentrao de capitais culminou com a criao de trustes, cartis e, mais tarde, para fugir s legislaes antitruste, holdings. Essas corporaes visavam a obteno de contratos privilegiados quanto ao monoplio de determinados mercados contando, para esse intento, com a colaborao da diplomacia e freqentemente, quando esta falhava, do exrcito de seus pases, alm da prtica do dumping para eliminar os concorrentes. No ultimo quartel do sculo XIX, naes capitalistas emergentes como o Japo, EUA e Alemanha pretendiam controlar novos mercados consumidores e fornecedores de matrias primas, em franca concorrncia com os mais fortes pases capitalistas da poca: Frana e Inglaterra, dividindo o mundo entre pases capitalizados e no capitalizados. Segundo Maurice Dobb (A evoluo do capitalismo) pretendiam essas potncias dividir o globo em mercados monopolizados de forma a manter o crescente ritmo da produo industrial. Os investimentos do capital monopolista na Amaznia resultaram no controle de importantes concesses de servios pblicos, como portos e navegao, alm da exclusividade nas operaes de exportao da matria prima, o que dava s casas exportadoras uma ampla margem para controlar os preos da goma elstica. Nesta parte interessa observar o aspecto poltico e militar desse processo na medida em que forjaram determinada mentalidade que, de forma bem precisa, migrou para a Amaznia juntamente com capitais e tcnicos estrangeiros. Antes porm intentar-se- uma viso de conjunto dessa face do fenmeno imperialista. Esta mentalidade desenvolveu-se a partir da forma mais extremada do imperialismo, efetivada na fiil;a e no Oriente, particularmente na China onde para garantir ampla liberdade de reproduo do capital, atritos entre o governo local e governos estrangeiros e mesmo pequenos incidentes entre

sditos nacionais (Chneses) e estrangeiros foram, propositadamente, acirrados e transformados pelas potncias imperialistas em questes diplomticas e da em agresses militares. Com base nesta poltica as potncias capitalistas conseguiram, a partir do segundo quartel do sculo XIX em diante, impor Chna os chamados tratados desiguais os quais culminaram no estabelecimento de verdadeiros enclaves estrangeiros via alienao da autoridade pblica, agredindo a soberania daquele pas. Assim que, aps provocar guerra contra a Chna, a Inglaterra conseguiu impor aquele pas o Tratado de Nanquim, assinado em 29 de agosto de 1842. Pelos termos desse Tratado, a Chna obrigava-se junto ao governo britnico a limitar suas taxas alfandegrias para importao at o teto de 5%; a reconhecer zonas reservadas nos portos abertos ao comrcio internacional e, ainda, aceitar que os cidados britnicos que cometessem crimes dentro do territrio chns fossem julgados apenas pelas autoridades e segundo as leis britnicas. O desenvolvimento desse tipo de "diplomacia" (se que assim se pode chamar diplomacia das canhoneiras) culminou, no ano de 1864, com a completa autonomia desses enclaves, determinando para eles os privilgios chamados de extraterritorialidade. Funes reservadas soberania desse estado tais como o recrutamento de milcias, o controle de alfndegas e a cobrana das taxas de importao, a administrao da justia, no somente criminal mas tambm cvel e penal, no somente entre os estrangeiros e nacionais mas tambm entre os prprios nacionais, foram transferi das aos mercadores estrangeiros que possuam plena jurisdio sobre esses endaves. Xangai foi um modelo tpico do fenmeno da extraterritorialidade, caracterizando-se como verdadeiro estado estrangeiro dentro da Chna. No inicio do sculo XIX (1823) o presidente norte-americano James Monroe (1758-1831) havia enunciado a Doutrina Monroe cujo slogan era "a Amrica para os americanos", ou seja os problemas internos das Amricas deveriam ser resolvidos pelos prprios estados do continente sendo ilcito aos estados europeus intervirem. A recproca contudo no era verdadeira, se a Amrica era para os americanos a sia no deveria ser s dos europeus. Assim, os Estados Unidos no deixaram de ocupar-se do assalto internacional China, conseguindo dois anos aps a assinatura do Tratado de Nanquim os mesmos privilgios obtidos na Chna pela Inglaterra. De incio os presidentes norte-americanos dedicaram-se a ampliar seus territrios comprando ou ocupando e, por esses meios, anexando vrios dos atuais estados norte-americanos. Como exemplo, em 1803 a Lousiana foi adquirida dos franceses e em 1818 a Flrida foi comprada da Espanha. O Mxico teve a metade de seu territrio tom