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APOSTILA DE FILOSOFIA 9º ANO – ENSINO FUNDAMENTAL 2º TRIMESTRE 2020

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APOSTILA DE FILOSOFIA

9º ANO – ENSINO FUNDAMENTAL 2º TRIMESTRE

2020

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2020 – APOSTILA – 9º ANO – 2º TRIMESTRE

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UNIDADE 03 – FILOSOFIA E ATUALIDADE

CAPÍTULO 01

Filosofia e meio ambiente: a “Bioética”

Hans Jonas e a responsabilidade com o planeta

Em nosso último capítulo aprendemos como a razão pode se transformar em um instrumento para se chegar

a variegados objetivos, seja para se chegar ao maior lucro possível, para a manipulação política ou para o mantimento do poder. O uso da razão de maneira pouco reflexiva para alcançar todos os objetivos citados acima traz consequências múltiplas, tanto para o indivíduo, quanto para o mundo e a sociedade em que ele está inserido. É pensando nessas consequências do progresso e da evolução tecnológica para o mundo, que a Bioética vai se situar como uma importante área da filosofia e da ciência ao longo do século XX.

Essa área engloba vários conteúdos e temas, sendo estudada não apenas pela filosofia, mas pela medicina, pela biologia, pelas ciências da natureza, entre outras. Na reflexão filosófica, a bioética busca repensar as principais convenções e atos que levaram nossa civilização ao ponto que estamos atualmente, no que tange ao uso indiscriminado da natureza e de seus insumos. Ela busca uma crítica da capacidade de autorregulação dos processos tecnológicos e a análise de seus impactos na vida humana. Mas nada é mais importante e, ao mesmo tempo, mais vago e amplo do que “defender a vida”. Assim, a bioética se apresenta de maneira aberta, com várias frentes de estudo e vários temas diferentes entre si, já que são inúmeras as relações que podem ser feitas entre a tecnologia e a natureza.

Na tentativa de propor uma “ética” (do grego ethos, que significa “modo de ser” ou “hábito”) diante da “vida” (“bio”, em grego), a bioética vai estudar as normas que devem reger nossa ação de domínio técnico e produtor sobre o mundo natural, avaliando eticamente o impacto da intervenção humana sobre a própria vida humana e propondo uma “ética de responsabilidade com o mundo”.

O filósofo alemão Hans Jonas (1903-1993), contemporâneo de outros importantes pensadores alemães como Martin Heidegger e Hannah Arendt, foi um dos grandes filósofos que trataram do tema da bioética. Sua filosofia é voltada para questões humanitárias e sua preocupação é a preservação do planeta e da vida.

(Hans Jonas em fotografia dos anos 1960).

Jonas defende que um dos grandes problemas a ser pensados pela contemporaneidade é a impossibilidade

de a vida ser mantida na Terra em decorrência da irresponsabilidade e da magnitude das ações humanas. Para ele, o homem está rumando para sua própria destruição, portanto é urgente uma nova atitude frente às ações humanas que destroem o meio ambiente e ao uso indiscriminado de tecnologias que degradam a natureza ano após ano, em uma velocidade cada vez maior.

No seu livro O princípio responsabilidade, lançado no ano de 1979, Jonas afirmou que nós vivemos em uma era impressionante, jamais vista em outro período da história: a técnica moderna se especializou e se desenvolveu de tal forma que assumiu proporções inimagináveis. A questão colocada por ele é que tal “super desenvolvimento” está ligado não apenas a fatores positivos, mas também a consequências nefastas para o mundo.

A era da tecnologia moderna avança de modo a colocar em risco a vitalidade do planeta e sua capacidade de autorregeneração, e os marcos reguladores da ética, que outrora podem ter sido o suficiente para balizar a relação do homem com o mundo e com os outros, se mostram cada vez mais ineficazes no contexto pós-moderno do século XX adiante: a ideia de Deus ou Divindade (marco regulador religioso), o amor ao próximo, o respeito, a justiça, a bondade, a caridade, a honra. O homem esgota cada vez mais os recursos naturais tendo em vista favorecer-se com o progresso científico e o consumo dos bens que este possibilita, sem se atentar ou respeitar nenhum marco regulador, limite ou “mandamento” ético e bioético.

FILOSOFIA

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É por isso que Jonas desenvolve a ideia de que a técnica moderna começa a ganhar vida e se soltar do poder e do domínio humano. O homem perde cada vez mais o lugar de sujeito da ação e a técnica ganha vida própria, tornando-se sujeito no lugar do homem, que se transforma em objeto. A técnica se torna autônoma e dita os procedimentos que devem ser seguidos pelas sociedades. Tornamo-nos um Homo Faber, deixando de sermos Homo Sapiens. Isto é, há uma ausência de reflexão na ação do homem que se torna um mero fabricante, não mais um ser pensante. Não existe mais separação entre o saber teórico e o saber prático.

Dicionário:

Homo Faber: aquele que tem capacidade de fabricar utensílios e modificar a natureza; Homo Sapiens: aquele que conhece a realidade e tem consciência do mundo.

Em O princípio responsabilidade, Hans Jonas explica que o marco inicial do domínio irrestrito do homem sobre a natureza foram as bombas atômicas lançadas pelo governo estadunidense sobre Hiroshima e Nagazaki, em 1945, que vitimaram imediatamente cerca de 200.000 mil pessoas, além das incontáveis mortes e doenças causadas posteriormente pelo efeito da radiação. Para Jonas, a bomba atômica representa o poder máximo do homem sobre a natureza, a possibilidade de criação de um artefato que pode acabar com a própria vida do homem, e isso deveria gerar em nós um novo questionamento que precisa se fundamentar na ideia do perigo da nossa própria existência.

(Imagens da bomba atômica em Hiroshima: à esquerda, uma igreja com sua estrutura ainda de pé em meio a destruição ao seu redor; à direita, a nuvem de fumaça provocada no momento da explosão).

Por essa razão, torna-se necessária uma nova postura ética. A ideia que se tinha anteriormente sobre ética era direcionada a relação interpessoal, de pessoa para pessoa em uma sociedade. Agora, é preciso uma nova ética: uma ética global que contemple, também, a natureza. Para essa nova postura ética, Jonas faz uma reinterpretação do imperativo categórico do filósofo Immanuel Kant. No pensamento de Kant, o imperativo era “age de tal modo que a sua ação seja uma máxima universal”; mas Jonas busca a sua reformulação da seguinte forma: “age de tal modo que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a permanência da vida humana” ou ainda, “age de tal modo que a tua ação não ponha em risco a continuidade indefinida do ser humano na Terra”.

Tal imperativo fica ainda mais urgente de se tornar uma regra de pensamento (e, sobretudo, de se tornar um guia para políticas públicas de preservação ambiental e de fiscalização da ação privada e empresarial sobre a natureza) quando percebemos que as consequências da degradação ambiental do planeta, por mais que possam ser sentidas por todas as pessoas em qualquer país, incidem principalmente sobre as populações mais pobres e vulneráveis.

Seja pela falta de moradia e alimentação adequadas, pela falta de condições de saneamento, atendimento médico e assistência social, as populações que carecem de condições econômicas básicas de se precaver ou de, em caso de desgraças e intempéries, se reerguer, como a maior parte dos habitantes da África e América Latina e boa parte dos asiáticos, acabam por ser as mais atingidas pelas mudanças climáticas e pela poluição ambiental.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 23% das mortes prematuras no mundo são causadas por problemas de degradação ambiental, com números estimados em 12,6 milhões de mortes no ano de 2012. Outra pesquisa, de 2018, mostrou que 91% das mortes por poluição do ar ocorrem em países de baixa e média rendas do Pacífico e Sudeste Asiático, enquanto no Brasil as mortes em decorrência da poluição atmosférica aumentaram 14% em dez anos, segundo dados do Ministério da Saúde.

(Imagem de chaminés de uma indústria despejando gases na atmosfera: no Brasil as mortes em decorrência da poluição atmosférica aumentaram 14% entre os anos de 2009 e 2018).

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Uma ética da responsabilidade

Ao buscar o estabelecimento de uma nova ética para guiar a ação humana, Hans Jonas afirma que essa ética deve ser baseada em um temor, que cria uma responsabilidade maior. É a partir do temor que as pessoas devem se questionar sobre a possibilidade do caos dentro do planeta e sobre os modos de evitar que o pior aconteça. É por meio do temor que o ser humano pode ser “obrigado” a refletir sobre o futuro da humanidade.

Para Jonas, a humanidade está apostando na produção tecnológica do presente, utilizando de modo irresponsável os insumos naturais de que dispõe, colocando em risco a possibilidade de um futuro para as novas gerações. É importante lembrar que o temor do qual fala Jonas não é uma doença patológica que paralisa a pessoa, mas um sentimento que impulsiona à reflexão das ações desenvolvidas, tendo em vista o seu melhoramento e a preservação do futuro.

Para entender essa ideia, leia o que o próprio filósofo escreveu:

“O sacrifício do futuro em prol do presente não é logicamente mais refutável do que o sacrifício do presente em favor do futuro. A diferença está apenas em que, em um caso, a série segue adiante e, no outro, não”

(Jonas, Hans. O princípio responsabilidade. Rio de Janeiro: contraponto, 2006, p. 47).

Indicação de vídeo:

Curta de animação de Steve Cutts sobre o homem e uso da natureza da maneia irresponsável: https://www.youtube.com/watch?v=RbpL5xGCXx8

A novidade do pensamento de Jonas é exatamente a ideia de uma ética voltada para um espaço ainda por fazer, mas pensado previamente e como condição para a vida das próximas gerações: o futuro. É um chamado para o dever que todos têm de assumir a responsabilidade que lhe cabe com a vida futura, preocupando-se com o presente e refletindo sobre as ações e suas consequências no espaço em que estamos inseridos. Assim, as ações devem ser observadas em curto, médio e longo prazo para garantir o direito à vida daqueles que virão. É imprescindível que o ser humano aprenda a conviver, de maneira minimamente harmoniosa, com os demais seres vivos que existem e pare de pensar e agir como se fosse a última geração da vida no planeta. É preciso coexistir e não apenas existir.

(Existem várias ilhas de lixo nos oceanos. A maior delas, no oceano pacífico, tem duas vezes o tamanho do território da França e 79 mil toneladas de plástico e outros detritos acumulados. Estamos tratando nosso lixo com a devida responsabilidade?).

Jean Bosco Kakozi: uma nova bioética a partir da filosofia africana

Em seu livro Lições sobre a Filosofia da História, o filósofo alemão Georg Hegel diz que a África não tem

interesse histórico próprio e é um local em que os homens “vivem na barbárie e na selvageria, sem se ministrar

nenhum ingrediente da civilização”. A África, para Hegel, não é um lugar habitado pela História nem pela Razão

(“os africanos são crianças eternas, envoltos na negrura da noite sem a luz da história consciente”, diz ainda).

Tratada hoje como um preconceito datado e anacrônico, a visão hegeliana sobre a relação do continente

africano com a razão e com o próprio conceito de “humanidade” permanece viva no presente, segundo o filósofo

Jean Bosco Kakozi, natural da República do Congo. Kakozi afirma que a racista passagem de Hegel exposta

anteriormente mostra que o problema da Filosofia na África é o problema da luta pela razão, uma luta que se

aplica também aos povos indígenas e outros povos excluídos pela civilização ocidental moderna na África, na

América Latina e na Ásia: uma luta por reconhecimento.

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Por que ele fala de luta pela razão? A filosofia ocidental excluiu muitos povos do mundo do uso desse atributo humano que é a razão. Foram excluídos povos indígenas, africanos e asiáticos. Hegel, na Fenomenologia do Espírito, diz que a África é uma região que não é de muito interesse para a humanidade pois é uma região que está fora da História. A luz da razão, como ele diz, nasceu no Oriente, na Ásia, e foi caminhando para o Oeste, na direção da Europa, sem passar pela África. O Egito, para ele (assim como acontece em muitos filmes e novelas sobre o tema), não teria nada a ver com a África, sendo uma espécie de preâmbulo da Europa. Para o filósofo congolês a Filosofia na África tem uma tarefa e uma responsabilidade muito importante que é lutar pela razão. A Filosofia deve começar também por esse problema, dizendo que a razão está presente na África e que as pessoas usam a razão. Todo o ser humano usa a razão. Ao reconhecer uma razão eminentemente africana, o ocidente poderia aprender com um modo de vida radicalmente diferente do seu e que está fundamentalmente ligado a uma bioética.

Jean Bosco Kakozi, professor da Universidade Federal da Integração Latino-americana (Unila) e pesquisador de temas variados ligados ao pensamento filosófico e sociológico africano, defende a ideia de que a filosofia africana se adéqua perfeitamente a uma bioética moderna, por se basear em um pensamento diferente do pensamento eurocêntrico que desenvolve a noção da natureza como algo “disponível” para o homem, como uma “propriedade” do homem.

(Jean Bosco Kakozi)

O filósofo congolês afirma que a filosofia africana, ao contrário do antropocentrismo que marca a tradição ocidental, caminha na direção de uma cosmovisão biocêntrica, que está sempre voltada para fortalecer, cuidar, gerar e transmitir a vida, respeitando todos os seres vivos, humanos e não humanos e tratando os ancestrais como elo de ligação entre os vivos, os mortos e os que ainda não nasceram. Essa “visão de mundo” que coloca a “bio” (no sentido amplo de “todas as formas de vida”) no centro da investigação, e não mais o homem (como acontece em uma cosmovisão antropocêntrica), é fundamentada no conceito de ubuntu, termo base para toda a filosofia de matriz africana e que tem origem na língua Zulu, significando uma cosmovisão ética e humanista baseada no “nós”, e não no “eu”, baseada na “humanidade” (entendida como o conjunto dos homens) e não no “homem” (entendido como indivíduo).

Para Kakozi, se o ocidente buscasse aprender um pouco mais com a cultura africana e oriental, haveria outras possibilidades de enxergar a realidade e a natureza que poderiam promover um cuidado maior com o mundo em que vivemos, uma radicalmente nova bioética. Uma visão de mundo que se baseasse no conceito do ubuntu poderia buscar uma mudança na forma como o ocidente enxerga a si mesmo e ao outro.

A filosofia ocidental está baseada na ideia do cogito, de Descartes. Eu penso, logo existo. Ou seja, “eu penso”, “eu existo”. O ego pensante é condição de possibilidade da existência de uma pessoa. Essa ideia do “eu” é chave na filosofia moderna ocidental. Toda a cultura ocidental pode ser entendida a partir dessa visão. Já a cosmovisão africana é diferente. Ela diz: eu sou porque pertenço (a uma comunidade): eu sou porque nós somos. Há uma forte relação entre o nós e o eu. Há alguns pensadores mais categóricos que afirmam que, na cosmovisão africana, é o nós que prevalece. Isso não implica excluir o eu. Há algumas críticas que afirmam que essa visão representaria uma tirania da comunidade sobre o indivíduo, um coletivismo comunismo. Mas não é bem assim.

(“O ‘eu’ encontra seus interesses dentro do ‘nós, e cuidando do ‘nós’, cuidamos também do ‘eu’”).

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O “eu” encontra seus interesses dentro do “nós”. O “nós” significa vida em comunidade com a presença de vários “eu”. A vontade de uma só pessoa, porém, não deve prevalecer, mas sim a vontade da comunidade. Essa valorização da comunidade não aparece somente na África. O filósofo canadense Charles Taylor também trabalha a questão do comunitarismo, de uma perspectiva ocidental. Os alemães também valorizam muito essa ideia de comunidade. O pensador senegalês Léopold Sédar Senghor disse que, embora a cultura ocidental considere o comunitarismo, o indivíduo acaba prevalecendo em relação ao “nós”. Na África, mesmo existindo também a ideia de indivíduo, o “nós” acaba prevalecendo. Aliás, nesta visão, o indivíduo que não cabe dentro de um “nós” representa a morte social. Se você não se considera pertencente a alguma comunidade, você não existe. A pobreza extrema não é não ter dinheiro ou riquezas, mas sim não pertencer a nenhuma comunidade.

Dessa forma, pensar a realidade com base no ubuntu é pensar a realidade pensando primeiro na humanidade, para depois pensar no indivíduo. Isso não significa deixar de lado os indivíduos em nome do coletivo, mas incluí-los no todo que é a humanidade na qual ele está inserido, é pensar em todos e que todos nós, como membros de uma sociedade ou do conjunto de sociedades que formam o mundo, temos um lugar em comum que precisamos cuidar, por nós e pelos outros: o planeta.

Isso poderia favorecer o desenvolvimento de uma ética da responsabilidade com o mundo e com o outro. Uma forma de estar no planeta que não acabe com a própria Terra ao deixar para as gerações futuras problemas que nem sequer foram criados exatamente por eles. A bioética de matriz africana pode nos ensinar, destarte, que só poderemos cuidar do “eu” se cuidarmos do “nós”, e que cuidando do “nós”, estaremos cuidando ao mesmo tempo, do “eu”.

Atividades

1. Explique o que é a Bioética.

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2. Em sua opinião, é possível construir um mundo com base em uma “ética da responsabilidade”? Justifique.

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3. Por que Hans Jonas afirma que a técnica moderna parece se soltar do domínio humano?

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4. Qual o marco inicial do domínio humano sobre a natureza, segundo Jonas?

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5. O filósofo Jean Bosco Kokazi afirma que “se o ocidente buscasse aprender um pouco mais com a culturaafricana e oriental, haveria outras possibilidades de enxergar a realidade e a natureza que poderiampromover um cuidado maior com o mundo”. Explique.

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6. Com base no conceito ubuntu da filosofia africana, o que significa afirmar que “o ‘eu’ encontra seus interessesdentro do ‘nós’”?

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7. Qual a diferença entre uma visão de mundo antropocêntrica e uma visão de mundo biocêntrica?

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CAPÍTULO 02

Reflexões filosóficas em meio a uma sociedade de consumo

A sociedade de consumo

Ao ligar a televisão, ler uma revista ou jornal, entrar nas redes sociais ou em qualquer site e até mesmo ao caminhar pelas ruas, você se depara com diversos anúncios publicitários. São dezenas, centenas de produtos anunciados que, diariamente, procuram atrair sua atenção e despertar o desejo de consumo.

Você já reparou que na sociedade em que vivemos as pessoas valorizam a aquisição de bens materiais, o acúmulo de riquezas e a posse de determinados objetos que lhes dão um certo status quo? Todos querem obter os últimos lançamentos da moda, os carros do ano mais sofisticados, o aparelho celular da última geração ou o tablet mais avançado. O desejo de consumo aumenta ano após ano e toma conta da vida e da mente das pessoas.

Essa sociedade de consumo leva muitas vezes as pessoas para o individualismo e as educa (pelos meios de comunicação, nas relações humanas e sociais) para a ambição e a competição, para uma disputa de “quem tem mais”. Ainda apresenta como medida para ser feliz e realizado somente o sucesso econômico e o acúmulo de bens materiais. É claro que isso pode sim fazer parte do sucesso pessoal, mas será que ter “sucesso” se restringe a isso? O consumo é importante por uma série de fatores pessoais, sociais e econômicos, mas e as consequências para o mundo, para o indivíduo e para a sociedade, de um consumo desenfreado? E as consequências ambientais trazidas por toda a poluição que a produção industrial acarreta? E o acúmulo de riqueza na mão de uma pequena parcela da sociedade?

(Fotografias da série Hipster in Stone III (2017), de Leo Caillard, que ironiza os hábitos modernos de consumo ao colocar roupas e acessórios atuais em estátuas clássicas).

Na década de 1970, o sociólogo e psicanalista Erich Fromm (1900-1980), em seu livro Ter ou ser?, afirmou que a sociedade teria convertido o indivíduo em mero consumidor de mercadorias (o que guarda estreita relação com as ideias desenvolvidas pelos pensadores da Escola de Frankfurt, da qual Fromm também foi integrante), reduzindo a essência do ser humano ao que ele tem, e não ao que ele é. As pessoas, na sociedade de consumo, seriam exatamente aquilo que possuem ou que parecem possuir, o que conseguem adquirir. O grau de “ser” delas (ou a sua essência) seria quantificado de acordo com os bens que ela possui.

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Assim, os grandes proprietários, a minoria da população global, teriam uma existência em grau elevado, o que a faria reconhecida por todos, como se a vida deles valessem mais que a vida dos que têm pouco. Enquanto a imensa maioria das pessoas que lutam diariamente para garantir as condições mínimas de sobrevivência, como moradia e alimentação, padeceriam de uma existência irrelevante, imperceptível.

Saiba mais:

Para percebermos o abismo de poder econômico que separa essas duas “classes sociais” citadas por Erich Fromm, um relatório da organização Oxfam, de 2020, aponta que o 1% mais rico do mundo detém mais que o dobro da riqueza de 6,9 Bilhões de pessoas. Os 2.153 bilionários do mundo têm mais riqueza que cerca de 60% de toda a população mundial, ou seja, pouco mais de 2 mil pessoas têm mais riqueza que 4,6 bilhões de pessoas juntas.

Favela de Paraisópolis, em São Paulo, ao lado de prédio de luxo. (Foto: Tuca Vieira).

A vulnerabilidade do ser

Se na sociedade de consumo uma pessoa é somente aquilo que tem, sua identidade está sempre ameaçada, pois existe a possibilidade de perder todas as coisas que adquiriu e, com isso, também aquilo que ela é. Dito de outro modo, o individuo pode a qualquer momento deixar de ser o que é e se transformar em nada ou ninguém.

Por essa razão, se o que motivou a pessoa durante toda a vida foi a busca incessante de bens materiais, se esse objetivo se tornou uma verdadeira paixão e um desejo insaciável, a perda do que foi adquirido virá acompanhada de uma grande angústia e infelicidade. Além dessa triste consequência para o individuo, a ambição pelo “ter” desencadeia uma série de desigualdades sociais, pois surge como um desejo egoísta de não partilhar aquilo que se tem. Nessa lógica, à medida que o outro adquire o mesmo bem de consumo que eu, a minha felicidade fica comprometida, pois há uma perda do sentimento de “exclusividade” que o poder econômico traz.

Erich Fromm defendeu outra forma de existência, baseada não no ter, mas no ser. Ser, para esse pensador, significa exercer a humanidade de maneira plena, isto é, sentir, pensar, amar, observar, ficar triste etc., dando expressão às faculdades e aos talentos próprios do sujeito, e não do objeto adquirido. Ser é viver a experiência humana de forma crítica, reflexiva e independente, sem reproduzir padrões da sociedade de consumo, sem fazer apenas aquilo que todo mundo faz. Uma existência questionadora e crítica não estaria tão vulnerável a ser reduzida a nada.

(Herbert Marcuse e Erich Fromm)

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A irracionalidade do sistema social e a anulação do indivíduo

Outro importante filósofo que refletiu a respeito da influência da sociedade capitalista sobre o indivíduo foi Herbert Marcuse (1898-1979), teórico alemão que se tornou um dos principais mentores dos movimentos estudantis que aconteceram na década de 1960 na Europa e nos Estados Unidos. De acordo com esse filósofo, a participação cada vez maior da tecnologia na vida das pessoas criou a aparência de que a razão estaria no controle de todo o sistema no qual os consumidores estão envolvidos. Essa impressão, para Marcuse, estaria equivocada, pois, apesar de ter suas técnicas apoiadas na ciência, o sistema é profundamente irracional, na medida em que caminha contra as necessidades primordiais do ser humano.

“[...] essa sociedade é irracional como um todo. Sua produtividade é destruidora do livre desenvolvimento das necessidades e faculdades humanas”

(Marcuse, Herbert. A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1973, p. 14).

Marcuse defendia que o sistema social havia se tornado uma grande máquina tecnológica de controle e dominação. Que o ser humano nesse sistema teria abdicado da satisfação plena de suas necessidades e desejos, subordinando seus interesses aos da sociedade tecnológica, que tudo controlaria e manipularia. Esse controle teria sido introduzido com o uso de máquinas nas fábricas, substituindo a mão de obra dos operários, e teria se estendido a todas as formas de organização de vida, passando a controlar também o lazer, as relações entre as pessoas e até mesmo a sexualidade.

Os valores humanos teriam assumido a forma dos valores da sociedade consumista. Nessa sociedade, nada despertaria com maior intensidade o interesse do homem do que o conforto, o descanso, a distração e o consumo. O sujeito teria perdido sua individualidade em prol do totalitarismo da sociedade tecnológica e da máquina produtiva.

(Exército (2012), fotografia digital de Tommy Ingberg. Na sociedade industrial, o humano teria perdido sua identidade em prol da máquina produtiva).

Atividades

1. Com base nas ideias do filosofo Erich Fromm, analise a charge e responda às questões:

a) Na sociedade contemporânea, qual dos personagens dessa charge seria mais valorizado? Por quê?

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b) Qual o equívoco cometido nessa valorização?

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2. Estabeleça uma comparação entre a tira abaixo, de André Dahmer, e o pensamento de Herbert Marcuse.

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3. Observe a tirinha abaixo, de Fabio Moon e Gabriel Bá, e responda as questões seguintes:

a) Quem é o personagem central da tirinha e como e se enxerga?

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b) Qual o estranhamento vivido pelo personagem?

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c) Que relação pode ser feita entre a tirinha e as ideias de Erich Fromm e/ou Marcuse?

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O valor da interpretação de texto:

A moda como modelo da sociedade de consumo

“Pode-se caracterizar empiricamente a ‘sociedade de consumo’ por diferentes traços: elevação do nível de vida, abundância das mercadorias e dos serviços, culto dos objetos e dos lazeres, moral hedonista e materialista etc. Mas, estruturalmente, é a generalização do processo de moda que a define propriamente. A sociedade centrada na expansão das necessidades é, antes de tudo, aquela que reordena a produção e o consumo da massa sob a lei da obsolescência, da sedução e da diversificação, aquela que faz passar o econômico para a órbita da forma da moda. ‘Todas as indústrias se esforçam com copiar os métodos dos grandes costureiros. Essa é a chave do comércio moderno’: o que escrevia L. Cheskin nos anos 1950 não foi desmentido pela evolução futura das sociedades ocidentais, o processo de moda não cessou de alargar sua soberania. A lógica organizacional instalada na esfera das aparências na metade do século XIX difundiu-se, com efeito, para toda a esfera dos bens de consumo: por toda parte, são instâncias burocráticas especializadas que definem os objetos e as necessidades; por toda parte, impõe-se a lógica da renovação precipitada da diversificação e da estilização dos modelos”

(LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero. São Paulo: Companhia das letras, 2009, p. 184).

Com base no texto acima, responda: 1. Qual é a tese ou a ideia central defendida no texto?

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2. Quais são as características da moda comuns às da sociedade de consumo?

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3. Você concorda que a lógica da moda realmente está presente na sociedade de consumo? Justifique.

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Gilles Lipovetsky e o surgimento da sociedade consumista

Se o consumo excessivo é um fato reconhecido, a questão é saber: por que isso acontece? A resposta mais imediata é dizer que se adquirem coisas para satisfazer certas necessidades. Mas isso só em parte é verdadeiro.

O consumo esteve presente em toda história da humanidade. Para sobreviver, o ser humano precisa consumir. Porém, devemos investigar por que passamos do consumo para o consumismo, e também esclarecer o que significa dizer que somos uma sociedade consumista. Quais são as singularidades dessa sociedade? Por que desejamos tanto consumir?

A mentalidade consumista da sociedade contemporânea não surgiu de repente nem se desenvolveu espontaneamente. Sobre isso, podemos nos apoiar nas reflexões do filósofo francês Gilles Lipovetsky. Para ele, o processo de consumo em massa do capitalismo ocorreu em três fases. Vejamos.

A primeira fase – a criação do consumidor moderno – teria iniciado no final do século XIX com as técnicas industriais que possibilitavam a produção de mercadorias em alta escala, com o aprimoramento dos transportes para escoar as mercadorias, com o estabelecimento de grandes magazines, isto é, estabelecimentos que vendem ampla variedade de produtos, e com a formação de mercadorias nacionais.

A segunda fase – a sociedade do consumo de massa – tem início por volta de 1950 e vai até o final da década de 1970. Com novas técnicas – padronização, automatização, repetição, linhas de montagem –, a produtividade aumentou e o preço dos produtos diminuiu, o que permitiu que se ampliasse cada vez mais a base de consumidores. Foram criados os supermercados e, pouco depois, os hipermercados. O tempo de vida dos produtos torna-se cada vez menor e estimula-se no consumidor o desejo pelo novo, sobretudo através das propagandas.

Na terceira fase, a que viveríamos hoje e que Lipovetsky chama de hiperconsumo, as características da fase anterior foram acentuadas e surgiram outras, exaltando-se ainda mais os desejos e os prazeres individuais dos consumidores em busca da felicidade privada imediata.

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Viver melhor, desfrutar aqui e agora de satisfações de todo tipo – corporais, emocionais, estéticas, sensitivas –, usufruir de momentos lúdicos, de lazer, viagens e distração, ter saúde e prolongar a juventude são alguns dos alvos para os quais o consumismo atual estaria voltado.

Não é à toa que, nessa fase, os orçamentos com propaganda e marketing aumentaram e o perfil dos anúncios mudou. Presentes cada vez mais em todas as mídias, as campanhas publicitárias buscam menos ressaltar as qualidades do produto do que estabelecer vínculos entre o consumidor e as marcas por meio de apelos sensíveis e emocionais – não é preciso mais dizer na propaganda que determinado refrigerante é bom por certas características como seu gosto ou sua composição química, basta dizer que, ao tomá-lo, você estará “abrindo a felicidade”; não é mais preciso dizer o nome de determinada marca de roupas na propaganda, basta colocar famosos cantores e jogadores de futebol usando uma camisa ou chuteira com seu logotipo, que todos vão conhecer a marca mesmo que o comercial não cite em nenhum momento seu nome.

(A propaganda é a “alma” do negócio?)

Esse “consumo emocional”, no dizer do filósofo francês, não vende apenas uma mercadoria, mas um estilo de vida: jovem, bonito, dinâmico, esportivo, preocupado com o corpo, que anseia mudanças, busca o novo, desprende-se instantaneamente das coisas que deixaram de ser inovadoras, dá importância ao lúdico, ao humor e à informação rápida. A busca de identidade e felicidade individual estaria diretamente relacionada, então, ao consumismo.

Os problemas do consumo como fim

O consumo exacerbado baseia-se, então na procura de prazer individual imediato e na criação incessante de necessidades e desejos. A produção de mercadorias é voltada para essa lógica e os produtos e serviços são criados para serem consumidos rapidamente, pois logo serão substituídos por uma novidade que prometa uma nova experiência. Nessa sociedade, as mercadorias são usufruídas como novidade por pouquíssimo tempo, e seu horizonte pós-imediato é o descarte, implicando desperdício. O consumo não é mais uma ação que visa à sobrevivência, mas é em si um modo de existência.

(Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), somente na América Latina, são desperdiçadas, em média, 127 milhões de toneladas de alimentos a cada ano, ao mesmo tempo em que o continente tem cerca de 40 milhões de pessoas com desnutrição).

Tal consumo desenfreado e individualista acentua vários problemas, dois deles evidentes: a devastação ambiental e a desigualdade social. O primeiro é decorrente do fato de os recursos naturais serem esgotáveis e sua intensa utilização irresponsável coloca sob risco a satisfação das nossas necessidades básicas; o segundo problema, a desigualdade social, é reforçado em uma sociedade centrada no individualismo, pois cada qual busca seu prazer sem se importar com o outro. Dessa maneira, enquanto alguns podem consumir bens de luxo, serviços supérfluos e gastar com frivolidades, outros, por falta de dinheiro, não têm acesso nem mesmo a coisas essenciais, como remédios ou saneamento básico. Nesse aspecto, o capitalismo consumista é ao mesmo tempo a sociedade do desperdício e da falta.

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A indústria da frustração

Outro problema, não tão evidente, é a promessa de felicidade consumista e o não cumprimento dessa promessa. Ou seja, o consumo não significa felicidade e a frustração da felicidade faria parte do mecanismo de consumo. Vejamos como o pensador polonês Zygmunt Bauman explica esse processo.

Em nossa sociedade, a felicidade está relacionada à satisfação dos desejos por meio do consumo de produtos. No entanto, Bauman defende que a promessa de satisfação só permanece sedutora enquanto o desejo não é plenamente alcançado. Isto é, o consumidor se mobiliza comprando coisas à medida que busca satisfazer um desejo, algo que ele não tem e quer. Se estiver satisfeito, não há desejo ou impulso para comprar mais.

Dessa maneira, é a não satisfação dos desejos que impulsiona a economia consumista. Quer dizer, para esse tipo de sociedade, o ideal é a perpétua insatisfação dos consumidores. Quanto mais insatisfeito alguém estiver, mais ela vai consumir. Como isso seria feito? Por meio da desvalorização rápida das mercadorias. Os produtos são adquiridos e, logo depois, são depreciados e tornam-se obsoletos. Adquire-se algo e logo em seguida surge uma demanda por outra coisa mais moderna, mais na moda.

Como a produção em excesso e o desperdício, a criação e a frustração de desejos seriam necessários ao consumismo. Por esses motivos, Bauman afirma que vivemos em uma economia do engano, pois ela estimula as emoções consumistas e não cultiva a razão.

Vidas consumidas no consumo

Quando estudamos alguns aspectos das ideias de Erich Fromm, vimos que esse pensador criticava a existência humana baseada na aquisição de coisas. Ele questionava a ideia de que o ser humano é aquilo que “tem” e de que deveria, portanto, levar uma vida voltada para acumular bens.

A situação do consumismo atual, no entanto, parece diferente e além, pois já não se trata mais de acumular coisas, tampouco de achar que a essência de um indivíduo é o que ele tem. A existência em nossa sociedade teria como foco o próprio consumo em si: o ato compulsivo de comprar coisas e descartá-las em um processo sem fim. Isto é, a vida se consumiria pelo consumo.

Se somos organizados em torno do consumo e o ato de consumir compulsivamente é uma característica nossa, então a existência individual e social estaria empobrecida e comprometida, havendo necessidade de repensá-la. Por que não começamos esse processo evitando reproduzir os padrões consumistas em nossas vidas? Ou isso é impossível?

Atividades

1. O que caracteriza a sociedade consumista atual, segundo Lipovetsky?

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2. Qual é o papel da propaganda no consumismo?

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3. O que significa dizer que a vida é consumida pelo consumo?

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4. Em que medida os desejos consumistas atingem você? Explique.

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CAPÍTULO 03

O lugar da filosofia no século XXI

A filosofia e o mundo atual

A filosofia é uma atividade que sempre se renova. Qual é, então, a importância dela nos dias atuais? A filosofia ajuda a superar os impasses cotidianos? Em certa medida, pode-se afirmar que a reflexão filosófica é mais necessária atualmente do que foi em sua origem. A sociedade contemporânea, complexa e contraditória, intensificou antigos problemas e criou novos desafios. Os impactos decorrentes da crescente intervenção do ser humano na natureza, a intolerância étnica e cultural e os efeitos das novas tecnologias nas relações humanas são apenas alguns dos temas contemporâneos que exigem nossa reflexão.

Daí a importância da filosofia: ela pode contribuir para a análise cuidadosa e embasada de todas essas questões e ajudar o ser humano a construir um novo modelo de vida, de desenvolvimento e de relação com os outros e com a natureza.

O sentido da vida

Na sociedade em que vivemos, parece que o indivíduo perdeu consistência e se fragmentou. Ele não é capaz de se opor à poderosa estrutura da chamada “sociedade de massa”, cada vez mais globalizada, na qual é intensa a presença da tecnologia e do consumo. É como se o humano perdesse as características que compõem sua identidade e se diluísse no interior de um padrão homogêneo imposto a todos, bem como falou Herbert Marcuse no capítulo anterior.

(“Tão perto e tão longe”: as imagens acima retratam o uso constante que fazemos dos celulares smartphones).

Além disso, o avanço científico-tecnológico e o desenvolvimento econômico parecem não ter tornado as pessoas mais felizes. Ao contrário, muitas são afligidas pela angústia e se sentem sozinhas mesmo cercadas de pessoas e bens, outras tantas desenvolvem sérias patologias psicológicas e/ou psiquiátricas, como depressão, ansiedade e síndrome do pânico, enquanto nunca foram vendidos tantos remédios e outros fármacos para esse fim como atualmente.

Dica:

O filme “Ela” (Her), produção de 2013 do diretor Spike Jonze (classificação indicativa: 14 anos), conta a história de um escritor solitário, Theodore (Joaquim Phoenix), que se apaixona pelo sistema operacional do seu computador, uma voz que é uma espécie de “namorada virtual” para pessoas sozinhas. Será que essa ficção está muito distante da realidade de nossa sociedade?

Em nossa sociedade, muitos indivíduos frequentemente sofrem por não encontrar sentido para sua existência. Nesse aspecto, a reflexão crítica sobre as condições de nossa civilização pode levar as pessoas a estabelecer um novo significado para o viver e o conviver. Uma das chaves para usufruir uma vida minimamente tranquila e prazerosa estaria, então, em pensar os limites e possibilidades de nossa existência por meio da filosofia e do autoconhecimento.

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Charlotte Blease: A filosofia pode ensinar o que o Google não pode

A filósofa Charlotte Blease, do Reino Unido, escreveu um artigo para o jornal britânico The Guardian, onde expõe sua visão sobre a importância da filosofia no século XXI. Para a pensadora, a filosofia “é uma das ferramentas mais poderosas que temos à nossa disposição para capacitar as crianças a atuar como sujeitos livres e responsáveis em um mundo cada vez mais complexo, interconectado e incerto”, mesmo em um mundo onde “a maioria das pessoas prefere morrer do que pensar”. Vejamos o texto de Blease.

A filosofia pode ensinar o que o Google não pode

Seja com a invenção de carros sem motorista, ou nos telefones quando ligamos para o banco ou para uma loja: todos sabemos que os robôs estão chegando, e em muitos casos já estão aqui. Em 2013, economistas da Oxford University’s Martin School estimaram que, nos próximos 20 anos, mais de metade de todos os empregos serão substituídos por tecnologias inteligentes. Como essa perspectiva de uma vida auxiliada por robôs, é tolo negar que as crianças que estão na escola hoje entrarão num local de trabalho muito diferente amanhã - e isso se tiverem sorte. [...] Os futurólogos preveem que os trabalhos administrativos e burocráticos serão cada vez mais terceirizados para "máquinas", bem como os trabalhos manuais.

Diante disso, como os educadores devem preparar os jovens para a vida cívica e profissional numa era digital? [...] Redobrar o investimento em ciência, tecnologia, engenharia e matemática não vai resolver o problema, pois: o treinamento em altas tecnologias tem suas limitações imaginativas.

Num futuro próximo, os que abandonaram a escola precisarão de outras habilidades. Em um mundo onde o conhecimento técnico é cada vez mais restrito, as habilidades e a confiança para percorrer disciplinas será recompensado. Precisaremos de pessoas que estejam preparadas para perguntar e responder às perguntas que não são encontradas no Google, como: Quais são as ramificações éticas da automação das máquinas? Quais são as consequências políticas do desemprego em massa? Como devemos distribuir a riqueza em uma sociedade digitalizada? Como sociedade nós precisaremos estar mais familiarizados com a Filosofia para discutirmos tais questões.

Em meio às incertezas políticas de 2016, o presidente irlandês Michael D Higgins lançou uma luz nesta área. "O ensino da filosofia", disse ele em novembro, "é uma das ferramentas mais poderosas que temos à nossa disposição para capacitar as crianças a atuar como sujeitos livres e responsáveis em um mundo cada vez mais complexo, interconectado e incerto". A sala de aula, ele enfatizou, oferece um "caminho para uma cultura democrática humanista e vibrante".

Em 2013, enquanto a Irlanda lutava contra os efeitos da crise financeira, Higgins lançou uma iniciativa nacional que pedia um debate sobre o que a Irlanda valorizava como sociedade. O resultado é que em setembro, pela primeira vez, a filosofia foi introduzida nas escolas irlandesas. O curso para jovens de 12 a 16 anos provoca os jovens a refletirem sobre questões que - até agora - estavam ausentes dos currículos escolares. No Reino Unido, uma rede de filósofos e professores ainda está tentando implantar algo parecido. E na Irlanda, uma nação que já foi considerada "o país mais católico", já está explorando reformas para estabelecer a filosofia para as crianças como um assunto dentro das escolas primárias.

Esta expansão da filosofia no currículo é algo que Higgins e sua esposa Sabina, graduada em filosofia,

pediram expressamente. As opiniões de Higgins estão à frente de seu tempo. Se alguns educadores assumem

que a filosofia é inútil, é justo dizer que muitos filósofos acadêmicos ainda são territoriais ou ignorantes sobre a

viabilidade de tratarem do assunto para além da academia. Se por um lado os educadores precisam ficar sábios,

por outro lado os filósofos precisam superar a si mesmos.

O pensamento e o desejo de compreender não vêm naturalmente - ao contrário do que Aristóteles acreditava.

Diferentemente, digamos, da fome e da fofoca, a filosofia não é um interesse universal. Bertrand Russell

aproximou-se disso quando disse: "A maioria das pessoas prefere morrer do que pensar; na verdade, é isso que

fazem ". Embora possamos todos ter a capacidade de filosofar, é uma capacidade que requer treinamento e

"cutucões" culturais. Se a busca da ciência requer algum andaime cognitivo, como argumenta o filósofo norte-

americano Robert McCauley, então o mesmo vale para a filosofia.

A filosofia é difícil. Abrange a dupla exigência de trabalho árduo e um supervisor sério. Isso nos obriga a

superar os preconceitos pessoais e as armadilhas no raciocínio. Para isso é necessário o diálogo tolerante, e

imaginar pontos de vista divergentes enquanto os avalia. A filosofia ajuda as crianças - e os adultos - a articular

perguntas e a explorar respostas que não são facilmente extraídas pela introspecção ou pelo Twitter. No seu

melhor, a filosofia coloca ideias, não egos, na frente e no centro. E é a própria fragilidade - a não-naturalidade - da

filosofia que exige que ela seja incorporada, não apenas nas escolas, mas nos espaços públicos.

A filosofia não vai trazer de volta os trabalhos perdidos para os robôs. Não é uma cura para todos os

problemas atuais ou futuros do mundo. Mas pode construir uma imunidade contra julgamentos descuidados, e

certezas não avaliadas. A filosofia em nossas salas de aula poderia nos preparar melhor para perceber e desafiar

os conhecimentos convencionais da nossa era (Texto publicado em 09/01/2017 no jornal The Guardian).

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Assim, a filosofia, mais do que um instrumento utilizado para resolver uma necessidade imediata e específica,

deve ser compreendida como um caminho que não leva a nenhum ligar preciso do mapa humano, mas que, no

entanto, tem o poder de mudar o caminhante e que, ao fazê-lo, muda o próprio mapa, enriquecendo-o com novas

e infindáveis possibilidades. A filosofia, em si mesmo, não vai mudar a mundo. Mas ela pode contribuir para a

mudança do pensamento das pessoas, e são essas mesmas pessoas que serão os agentes de alguma possível

transformação do mundo.

Bertrand Russell, ao defender a necessidade do ensino de filosofia, afirmava que os problemas filosóficos

alargavam o horizonte humano, ampliando as nossas concepções do que é possível, enriquecendo a imaginação

intelectual e diminuindo o dogmatismo, que fecha a nossa mente para diversas possibilidades e

novos entendimentos.

Desse ponto de vista, a filosofia e seu exercício podem trazer vantagens tanto ao indivíduo filosofante – para

Sócrates, por exemplo, a vida não questionada não valeria a pena ser vivida –, quanto à humanidade, pois a

filosofia é um exercício que põe em evidência o próprio ser humano e toda a maravilhosa e complexa teia que é a

sua vida e o seu lugar no mundo.

Atividades

1. Segundo o que foi exposto no capítulo 3, quais os temas contemporâneos que exigem nossa reflexão?

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2. Em sua opinião, a internet mais aproxima ou afasta as pessoas? Por quê?

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3. Você concorda com a ideia de Charlotte Blease que a filosofia pode ensinar coisas que o Google nãopode Justifique.

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4. O filósofo argentino Dario Sztajnszrajber afirma que a filosofia “não faz perguntas para encontrar respostas,mas sim para questionar as respostas já estabelecidas”. Explique e dê um exemplo do que o filósofoquer dizer.

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5. Segundo o texto de Blease, por que o filósofo Russel afirmava que "a maioria das pessoas prefere morrer doque pensar”? Explique.

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