Apostila Ciencias Sociais Np1

69
Autor: Josefa Alexandrina da Silva Colaboradores: Flávio Celso Müller Martin Fábio Gomes da Silva Angélica Lucia Carlini Ciências Sociais

Transcript of Apostila Ciencias Sociais Np1

  • Autor: Josefa Alexandrina da Silva

    Colaboradores: Flvio Celso Mller Martin

    Fbio Gomes da Silva

    Anglica Lucia Carlini

    Cincias Sociais

  • Professora conteudista: Josefa Alexandrina da Silva

    Possui graduao em Cincias Sociais (1990) e mestrado em Cincias Sociais (1997) pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. Atualmente, doutoranda do programa de ps-graduao na rea de educao: currculo pela mesma instituio.

    professora adjunta da Universidade Paulista, onde atua como lder da disciplina Cincias Sociais, e docente do curso de Administrao de Empresas no campus Marqus de So Vicente da mesma universidade, em So Paulo.

    Foi membro da equipe tcnica de sociologia da Secretaria de Estado da Educao e coordenadora de contedos para educao distncia na Fundao Padre Anchieta. Tem experincia na rea de sociologia, com nfase em ensino, atuando principalmente a partir das seguintes reas: poltica educacional, precarizao do trabalho, trabalho docente, metodologia de ensino, educao a distncia e currculo.

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrnico, incluindo fotocpia e gravao) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permisso escrita da Universidade Paulista.

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    S586c Silva, Josefa Alexandrina da

    Cincias Sociais. / Josefa Alexandrina da Silva. - So Paulo: Editora Sol, 2011.

    128 p., il.

    Notas: este volume est publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Srie Didtica, ano XVII, n. 2-034/11, ISSN 1517-9230.

    1. Sociologia. 2. Pensamento Clssico 3. Sociologia Contempornea I.Ttulo

    CDU 303

  • Prof. Dr. Joo Carlos Di GenioReitor

    Prof. Fbio Romeu de CarvalhoVice-Reitor de Planejamento, Administrao e Finanas

    Profa. Melnia Dalla TorreVice-Reitora de Unidades Universitrias

    Prof. Dr. Yugo OkidaVice-Reitor de Ps-Graduao e Pesquisa

    Profa. Dra. Marlia Ancona-LopezVice-Reitora de Graduao

    Unip Interativa EaD

    Profa. Elisabete Brihy

    Prof. Marcelo Souza

    Profa. Melissa Larrabure

    Material Didtico EaD

    Comisso editorial: Dra. Anglica L. Carlini (UNIP) Dr. Cid Santos Gesteira (UFBA) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Ktia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valria de Carvalho (UNIP)

    Apoio: Profa. Cludia Regina Baptista EaD Profa. Betisa Malaman Comisso de Qualicao e Avaliao de Cursos

    Projeto grco: Prof. Alexandre Ponzetto

    Reviso: Simone Oliveira

  • SumrioTtulo da DisciplinaAPRESENTAO ......................................................................................................................................................7INTRODUO ...........................................................................................................................................................7

    Unidade I

    1 INTRODUO AO PENSAMENTO CIENTFICO SOBRE O SOCIAL ................................................... 131.1 As origens do pensamento cientco sobre o social .............................................................. 131.2 A sociologia pr-cientca ................................................................................................................ 16

    1.2.1 Renascimento ........................................................................................................................................... 161.2.2 O sculo das luzes ................................................................................................................................... 19

    1.3 O pensamento cientco sobre o social ...................................................................................... 231.3.1 Augusto Comte (1798-1857) ............................................................................................................. 23

    2 TRANSFORMAES SOCIAIS DO SCULO XVIII ................................................................................... 272.1 Revolues burguesas ........................................................................................................................ 27

    2.1.1 Revoluo Francesa ............................................................................................................................... 282.1.2 Revoluo Industrial .............................................................................................................................. 30

    3 AS PRINCIPAIS CONTRIBUIES DO PENSAMENTO SOCIOLGICO CLSSICO ...................... 393.1 mile Durkheim e o pensamento positivista ............................................................................ 39

    3.1.1 A relao indivduo versus sociedade ............................................................................................. 423.1.2 Os fatos sociais e a conscincia coletiva ....................................................................................... 423.1.3 O crime ........................................................................................................................................................ 443.1.4 Solidariedade mecnica e orgnica ................................................................................................. 45

    3.2 Karl Marx e o materialismo histrico e dialtico .................................................................... 473.2.1 Diviso do trabalho social ................................................................................................................... 493.2.2 Classes sociais ........................................................................................................................................... 503.2.3 Salrio, valor, lucro e mais-valia ....................................................................................................... 513.2.4 Ideologia burguesa e alienao ........................................................................................................ 523.2.5 A amplitude da contribuio de Karl Marx .................................................................................. 53

    3.3 Max Weber e a busca das conexes de sentido ....................................................................... 543.3.1 Ao social e tipo ideal ......................................................................................................................... 553.3.2 A tarefa do cientista .............................................................................................................................. 563.3.3 A tica protestante e o esprito do capitalismo ......................................................................... 573.3.4 Teoria da burocracia e os tipos de dominao ........................................................................... 58

    4 A FORMAO DA SOCIEDADE CAPITALISTA NO BRASIL ................................................................. 604.1 Industrializao e formao da sociedade de classes ........................................................... 614.2 O capitalismo dependente ................................................................................................................ 61

    Unidade II

    5 A GLOBALIZAO E SUAS CONSEQUNCIAS ....................................................................................... 705.1 A globalizao comercial e nanceira ......................................................................................... 72

  • 5.2 As novas tecnologias .......................................................................................................................... 735.3 A globalizao cultural ...................................................................................................................... 74

    6 TRANSFORMAES NO MUNDO DO TRABALHO ............................................................................... 756.1 Precarizao das relaes de trabalho ......................................................................................... 766.2 Desemprego estrutural e informalidade ..................................................................................... 78

    7 POLTICA E RELAES DE PODER: PARTICIPAO POLTICA E DIREITOS DO CIDADO ..... 827.1 Poltica, poder e Estado ..................................................................................................................... 82

    7.1.1 Interesses particulares, grupais e gerais ........................................................................................ 837.2 Democracia e cidadania .................................................................................................................... 837.3 Participao poltica ............................................................................................................................ 84

    8 AS QUESTES URBANAS E OS MOVIMENTOS SOCIAIS .................................................................... 868.1 A cidade e seus problemas ............................................................................................................... 878.2 Violncia urbana ................................................................................................................................... 878.3 Movimentos sociais ............................................................................................................................. 88

    8.3.1 Caractersticas dos movimentos sociais: identidade, oposio e totalidade .................. 908.4 A sociedade em movimento ............................................................................................................ 92

    8.4.1 O movimento feminista ....................................................................................................................... 938.4.2 O movimento ambientalista ............................................................................................................... 95

    8.5 Movimentos da sociedade em rede .............................................................................................. 978.6 Os novos movimentos sociais .......................................................................................................101

  • 7APRESENTAO

    Caro aluno,

    Partindo das premissas bsicas que norteiam a misso da universidade de atuar para o progresso da comunidade, para o fortalecimento da solidariedade entre os homens e para o desenvolvimento do pas, a disciplina Cincias Sociais visa contribuir com a compreenso da realidade global atravs do estudo da formao da sociedade contempornea.

    Para isso, os objetivos da disciplina se focam numa compreenso construda sob a perspectiva cientca, a m de permitir o entendimento dos principais problemas da sociedade capitalista a partir do desenvolvimento das seguintes competncias:

    Senso crtico e capacidade de contextualizao;

    Pensamento estratgico;

    Viso sistmica;

    Conscincia tica e social.

    Alm disso, atravs das estratgias de trabalho e de avaliao, os alunos devero ter a oportunidade de tambm aprimorar:

    A comunicao e a expresso;

    O desenvolvimento pessoal;

    O trabalho em equipe.

    De forma mais especca, o objetivo primeiro da disciplina Cincias Sociais levar os estudantes a compreender que o capitalismo um modo de organizao econmica e social construdo historicamente e reetir sobre os fundamentos tericos desse modelo de sociedade.

    Outro objetivo da disciplina tem a ver com o aprendizado dos diferentes princpios explicativos para os fenmenos sociais. Esses princpios abarcam diferentes estilos de pensamento e distintas vises de sociedade e de mundo.

    Por m, busca-se a formao de um prossional tico, competente e comprometido com a sociedade em que vive e, principalmente, que reita frente aos diferentes princpios explicativos sobre os problemas latentes do mundo contemporneo.

    INTRODUO

    O propsito deste texto fornecer aos alunos material de apoio para o acompanhamento da disciplina Cincias Sociais. A primeira questo que precisa ser colocada : qual o sentido do aprendizado das cincias sociais na formao universitria?

  • 8As cincias sociais se denem a partir da possibilidade de o homem contemporneo entender a realidade social em que vive sob uma perspectiva cientca.

    A sociologia como cincia vista por Mills (1965, p. 11) como um conhecimento capaz de conduzir o homem comum a compreender os nexos que ligam sua vida individual com os processos sociais mais gerais. A percepo que o homem comum tem da realidade social marcada pelo seu cenrio mais imediato, o do cotidiano, levando-o formao de uma viso distorcida do todo. Segundo Mills (1965), a superao dessa condio de alienao se d com o desenvolvimento do que chama de imaginao sociolgica, que permite usar a informao e desenvolver a razo.

    Ianni (1988) aponta que a realidade no se mostra em sua totalidade e que a compreenso abrangente do mundo depende da cincia. O autor concebe a sociologia como a autoconscincia da sociedade pela sua capacidade de levar o ser humano a reetir sobre os rumos da vida social.

    Ao reetir sobre o sentido da sociologia, Giddens (2001) atribui a esta cincia um papel central para a compreenso das foras sociais que vm transformando nossas vidas. Para ele, a vida social tornou-se episdica, fragmentria e marcada por incertezas. Sendo assim, o pensamento sociolgico deve contribuir para seu entendimento.

    Todos ns vivemos em sociedade e, pela nossa condio humana, somos capazes de elaborar uma viso sobre o mundo e formular hipteses e opinies sobre os eventos sociais. No entanto, isso ainda no cincia. O que vai caracterizar a reexo cientca sobre o social a utilizao de mtodos adequados de anlise e formulao de teorias. Mesmo sem ter estudado uma cincia, todas as pessoas conhecem certos fatos sociais. Os temas do nosso curso so familiares ao senso comum, porm, se espera que vocs, estudantes, superem esse senso comum para desenvolver uma reexo mais elaborada sobre a sociedade em que vivem. importante salientar que o conhecimento cientco crtico, pois esfora-se por descobrir bases slidas e justicaes claras e exatas, enquanto o senso comum limita-se ao conhecimento supercial.

    Figura 01 Homem e engrenagens girando

    Por ser uma cincia que se preocupa com o entendimento das regras que organizam a vida social, a sociologia desenvolveu mtodos de anlise que buscam tornar a ao social humana explicvel atravs de informaes baseadas em conhecimentos precisos. O saber sociolgico organizado e isso se evidencia no empenho pela construo de sistemas que formem conjuntos nos quais os elementos estejam relacionados de maneira ordenada. Ainda, outra caracterstica da sociologia que seus conhecimentos so gerais, ou seja, trata-se de um conjunto de fatos e situaes e no apenas de um estudo de determinadas circunstncias isoladas.

  • 9Desse modo, o conhecimento cientco sobre o mundo social no produto de uma sequncia de acasos ou situaes imprevisveis. preciso orientar a inteligncia para certa noo de ordem social, pois a realidade social capaz de ser observada, entendida e explicada luz da razo.

    Ao explicar relaes entre acontecimentos complexos e diferenciados, o conhecimento sociolgico permite ao ser humano transpor os limites de sua condio particular e perceber-se como parte de uma totalidade mais ampla. Isso faz da sociologia um conhecimento indispensvel num mundo que diferencia e isola os homens e os grupos entre si.

    Figura 02 Livros

    Mas, anal, o que se estuda na disciplina Cincias Sociais?

    Iniciamos nosso curso discutindo o processo de formao do pensamento cientco sobre o mundo social. Procuraremos conhecer a sociedade capitalista na qual estamos imersos sob a perspectiva cientca. Para tanto, ser necessrio reetir sobre os fundamentos desse modelo de organizao social que se desenvolveu na Europa a partir do sculo XV.

    Num segundo momento, discutiremos rapidamente um conjunto de transformaes sociais que ocorreram na Europa no sculo XVIII e conduziram o sistema capitalista a se rmar como hegemnico no mundo.

    Em seguida, discutiremos sobre as principais contribuies de autores clssicos da sociologia. A inteno dessa discusso reetirmos conjuntamente sobre a pertinncia das anlises desses autores no entendimento do mundo atual.

    No podemos deixar de discutir tambm a sociedade brasileira. Por isso, vamos abordar como se deu a insero do Brasil no sistema capitalista, sua industrializao, sua urbanizao e procuraremos entender de que maneira criamos um sistema econmico dependente de recursos e tecnologia externos.

    De posse de referncias mais consistentes sobre o sistema capitalista, nos voltaremos compreenso da sociedade atual. Discutiremos o que globalizao, o impacto das novas tecnologias e seguiremos analisando as transformaes no mundo do trabalho que tm conduzido aos processos de precarizao do trabalho, desemprego e informalidade.

  • 10

    No senso comum, usual encontrarmos pessoas simples que atribuem todas as mazelas de sua existncia ao governo. Como queremos fugir do senso comum, vamos reetir: anal, o que poltica? O que poder? Qual o papel do Estado? A participao poltica importante?

    Dedicaremos o nal do nosso curso para analisar as questes urbanas. Sabemos hoje que a maior parte da populao brasileira vive em reas urbanas e estas so portadoras de inmeros problemas, como a questo ambiental e a violncia, por exemplo. Assim, no podemos deixar de olhar esses assuntos novamente sob uma perspectiva cientca.

    Por ltimo, trataremos dos movimentos sociais, pois a vida em sociedade extremamente dinmica e marcada por lutas constantes de grupos sociais que defendem interesses especcos.

    Assim, espera-se que vocs, alunos, desenvolvam um olhar mais crtico sobre a sociedade, o que certamente contribuir para o seu aprimoramento prossional. A seguir, um texto complementar para marcar o incio do noso trabalho.

    Bons estudos!

    Estratgias para o desenvolvimento da reexo sociolgica: o uso da produo cinematogrca

    Figura 03 Cinema em Hollywood

    Os estudos sobre a utilizao do cinema como recurso para o ensino da sociologia tm apontado para a complementaridade que o lme pode exercer no despertar da reexo crtica sobre a sociedade.

    Mesmo lmes do circuito comercial, que so produzidos para um pblico amplo, tratam de temas do cotidiano e, por isso, oferecem possibilidades para a anlise de temas bsicos da sociologia, j que o cinema representa o imaginrio social.

  • 11

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    CINCIAS SOCIAIS

    Os lmes possibilitaro a percepo e discusso das realidades retratadas a partir de referenciais tericos a serem discutidos no decorrer do curso, o que ampliar e renar a compreenso de conceitos e teorias, alm de auxiliar no processo de contextualizao histrica.

    O cinema pode provocar um tipo de pensamento que ultrapassa o mbito do senso comum e gera um novo olhar sobre o mundo, contribuindo, assim, para a formao de uma conscincia da diversidade e da pluralidade e para o entendimento sobre o nosso prprio comportamento social.

    Desse modo, necessrio que haja adequao dos lmes selecionados ao contedo da disciplina Cincias Sociais, j que o lme pode servir como forma de ilustrar contedos. Martins (1990), por exemplo, enfatiza justamente que o desenvolvimento de um olhar sobre o lme possibilita a apreenso de comportamentos, vises de mundo, valores, identidades e ideologias de uma sociedade.

    A utilizao de lmes pode contribuir para estimular a prtica de estudos independentes e transversais que ajudam a desenvolver o senso crtico e a capacidade de contextualizao.

    A partir dessas consideraes iniciais, os lmes que sero indicados ao longo deste livro-texto aprofundaro suas reexes sobre os assuntos abordados durante o curso. importante ler os textos e, em seguida, assistir aos lmes indicados, tendo por premissa a anlise dos detalhes das obras cinematogrcas em relao aos conceitos lidos e discutidos. Por m, procure sempre elaborar os seguintes questionamentos:

    Qual a relao entre a histria do lme e a realidade em que vivemos?

    Em que poca e local se passam os fatos narrados na obra?

    Qual a mensagem do lme?

    Aps assistir ao lme, a qual concluso pode-se chegar sobre ele?

    Alm disso, acreditamos tambm que o hbito de assistir a lmes acrescenta prazer ao processo de aprendizado da sociologia.

    Saiba mais

    Para saber mais sobre o assunto, leia os textos indicados a seguir:

    MARTINS, A. L. Cinema e ensino de sociologia: usos de lme em sala de aula. XIII Congresso Brasileiro de Sociologia. UFPE, Recife, 2007. Disponvel em < http://bib.praxis.ufsc.br:8080/xmlui/bitstream/handle/praxis/60/Cinema%20e%20Ensino%20de%20Sociologia.pdf?sequence=1>. Acesso em: 22 jun. 2011.

    PAIVA JNIOR, Y. E. B. Viver e pensar o cotidiano. Revista Sociologia, So Paulo, n. 32, 2010. Seo Reportagens. Disponvel em . Acesso em: 13 fev. 2011.

  • 12

    Unidade I

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

  • 13

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    CINCIAS SOCIAIS

    1 INTRODUO AO PENSAMENTO CIENTFICO SOBRE O SOCIAL

    1.1 As origens do pensamento cientco sobre o social

    Desde que o ser humano desenvolveu a capacidade de pensar, est em busca de explicaes para os fenmenos que o circundam. A partir dessa preocupao bsica, o homem se tornou produtor de conhecimento sobre o mundo. Num primeiro momento, as explicaes sobre o funcionamento da natureza e da vida humana eram dadas a partir de mitos e explicaes mgicas no pautadas em um sistema lgico e coerente. Posteriormente, foram criadas outras formas de conhecer e explicar o mundo, como as religies, a losoa e a cincia.

    Nesta unidade, nosso propsito identicar as diferentes formas de se pensar a vida social e delimitar nosso campo de estudo cientco.

    O conhecimento mtico se manifesta atravs de um conjunto de histrias, lendas e crenas. Os mitos carregam mensagens que traduzem os costumes de um povo e constituem um discurso explicativo da vida social. O mito se explica pela f, ou seja, no precisa de comprovao.

    Segundo Meksenas (1993, p. 39), o mito fez com que o ser humano procurasse entender o mundo atravs do sentimento e busca da ordem das coisas. Na medida em que o homem desenvolveu sua conscincia, sentiu necessidade de descobrir as leis que regem o mundo e procurou entend-lo de um modo racional. Enquanto o mito contribua para o homem aceitar o mundo atravs de histrias, a filosofia atuou no sentido de permitir o entendimento das coisas atravs da reflexo sobre elas.

    O conhecimento losco valorativo1, porm, se apoia na formulao de hipteses, pautado na razo e tem como nalidade buscar uma representao coerente da realidade estudada. Como ilustram Lakatos e Marconi (2009, p. 19), o conhecimento losco caracterizado pelo esforo da razo pura para questionar os problemas humanos e poder discernir entre o certo e o errado, unicamente recorrendo s luzes da razo humana.

    Unidade I

    1 O termo valorativo aqui empregado com o sentido de emitir juzo de valor.

  • 14

    Unidade I

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    Figura 04 rvore do conhecimento

    De acordo com Scrates (apud MEKSENAS, 1993, p. 41), no existe no mundo conhecimento pronto, acabado e que, se desejamos chegar raiz do conhecimento, devemos em primeiro lugar criticar o que j conhecemos.

    O conhecimento religioso tambm se baseia em doutrinas valorativas, mas suas verdades so consideradas indiscutveis. um tipo de conhecimento que no se vale diretamente da razo e da experimentao, mas sim da f na revelao divina. Esse conhecimento se imps como dominante no mundo ocidental durante o perodo medieval e, assim, o cristianismo impediu o orescimento de outras maneiras de conhecer a realidade e se constituiu um saber absoluto que justicava o poder de uma instituio: a igreja Catlica.

    Quanto ao senso comum, ele a nossa primeira forma de compreenso do mundo, resultante da herana cultural dos grupos sociais onde estamos inseridos. um conhecimento transmitido de gerao em gerao por meio da educao informal e baseado em imitaes e experincias pessoais.

    Todos os seres humanos possuem conhecimentos prticos de como agir e de como participar das instituies. O senso comum um saber que parte da prtica do homem comum, do no especialista. um conhecimento que se volta compreenso dos dados imediatos e no procura explicaes profundas dos eventos.

    As transformaes que ocorreram no mundo a partir do sculo XVI como as grandes navegaes e a internacionalizao do comrcio foram acompanhadas pela crtica ao poder eclesistico de explicar a realidade.

    Com a desagregao do mundo feudal, foi conferida uma importncia nica ao conhecimento cientco. Surgiu uma necessidade histrica de formular um saber que permitisse estabelecer um critrio de verdade pautado na razo e na funcionalidade.

  • 15

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    CINCIAS SOCIAIS

    A razo, ou capacidade racional do homem de conhecer a realidade, foi denida como elemento essencial para confrontar o dogmatismo religioso e a autoridade eclesial. O desenvolvimento da razo conduziu a uma nova atitude diante da possibilidade de explicar os fatos sociais de maneira lgica e coerente (COSTA, 2005).

    O conhecimento cientfico se pauta na realidade concreta e baseado na experimentao e no apenas na razo. um saber que possui uma ordenao lgica e busca constantemente se repensar. A caracterstica elementar do pensamento cientfico a procura pela verdade atravs do desenvolvimento de mtodos de anlise e de uma linguagem objetiva que evite ambiguidades.

    Figura 05 Pesquisa cientca

    Esse tipo de saber produzido e transmitido atravs de treinamento apropriado nos institutos de pesquisa e nas universidades. Trata-se de um conhecimento desenvolvido no mundo ocidental a partir do sculo XVII.

    Portanto, mito, religio, losoa e cincia so formas de conhecimento produzidas pelo ser humano e o sentido da busca pelo conhecimento chegar verdade.

    Para reetir: qual a diferena entre conhecimento mtico, losco e cientco? Por que a universidade o espao do pensamento cientco?

    Cada forma de conhecer o mundo representada por instituies prprias. O pensamento religioso amplamente difundido por instituies religiosas. O senso comum est disseminado por toda a sociedade e encontra nos meios de comunicao de massa espao para sua expresso. Mas, e o conhecimento cientco?

    A universidade concebida como centro de criao e difuso do conhecimento cientfico. Materializa-se pela unio de professores e alunos para o avano do conhecimento. Seu compromisso com o desenvolvimento da cincia e da sociedade atravs da formao de profissionais

  • 16

    Unidade I

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    competentes e com slida formao cientfica. Desse modo, nosso foco neste curso se volta para a anlise cientfica da sociedade, pois nosso compromisso institucional com o desenvolvimento da cincia.

    Figura 06 Homem estudando

    Saiba mais

    Para saber mais sobre a natureza da cincia social e o conhecimento do mundo, consulte a obra a seguir:

    GIL, A. C. Mtodos e tcnicas de pesquisa social. So Paulo: Atlas, 2008.

    1.2 A sociologia pr-cientca

    1.2.1 Renascimento

    Neste tpico, abordaremos a contribuio de alguns lsofos para a compreenso das transformaes sociais que culminaram no desenvolvimento do capitalismo.

    Observao

    O termo sociologia pr-cientca foi desenvolvido pela professora Cristina Costa e se refere ao pensamento social anterior ao desenvolvimento da sociologia como cincia. Trata-se do pensamento losco que se desenvolveu a partir do Renascimento e se estendeu at a Ilustrao.

  • 17

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    CINCIAS SOCIAIS

    Figura 07 Weitra, cidade da ustria

    No sculo XV, signicativas mudanas ocorreram na Europa: iniciou-se uma nova era marcada por inovaes na organizao do trabalho e por transformaes no modo de o homem conceber o conhecimento, a partir de ento pautado na razo e na cincia.

    Alm de se preocupar com o desenvolvimento de explicaes racionais sobre o funcionamento da natureza, o homem renascentista passou a se preocupar com a questo de como utilizar melhor os recursos naturais com o intuito de aumentar a produtividade e o lucro. Essa nova forma de conhecimento da natureza e da sociedade se fundamentou em processos de experimentao e observao e foi representada pelas obras de Galileu Galilei (1564-1642), Francis Bacon (1561-1626) e Ren Descartes (1596-1650).

    O pensamento social do Renascimento se expressou tambm na criao imaginria de mundos ideais que mostrariam como a realidade deveria ser, sugerindo que tal sociedade seria construda pelos homens atravs de sua ao e no pela crena ou pela f.

    Em A Utopia, Thomas Morus (1478-1535) defende a igualdade e a concrdia e concebe um modelo de sociedade no qual todos tm as mesmas condies de vida e executam em rodzio os mesmos trabalhos.

    Figura 08 Thomas Morus

  • 18

    Unidade I

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    Em sua obra O Prncipe, Maquiavel arma que o destino da sociedade depende da ao dos governantes e explora as condies pelas quais um monarca absoluto capaz de obter xitos. Alm disso, o autor analisa as condies para se chegar a conquistas, reinar e manter o poder. Maquiavel acredita que o poder depende das caractersticas pessoais do governante, de suas virtudes, das circunstncias histricas e de fatos que ocorrem independentemente de sua vontade.

    A obra O Prncipe ainda disserta a respeito das relaes que o monarca deve manter com a nobreza, o clero e o povo:

    [O Prncipe] mostra como deve agir o soberano para alcanar e preservar o poder, como manipular a vontade popular e usufruir seus poderes e aliados. Como conseguir exrcitos is, como castigar inimigos, como recompensar aliados, como destruir na memria do povo a imagem dos antigos lderes (COSTA, 2005, p. 34).

    A importncia dessa obra reside no tratamento dado ao poder, que passou a ser visto a partir da razo e da habilidade do governante para nele se manter, separando, assim, a anlise do exerccio do poder da tica.

    Figura 09 Esttua de Nicolau Maquiavel

    Segundo Costa (2005), as ideias de Thomas Morus e Maquiavel expressavam os valores de uma sociedade em mudana, portadora de uma viso laica de si e do poder.

    Com o Renascimento, novos valores sociais passaram a ser compartilhados entre os homens. Houve uma crescente valorizao da riqueza em detrimento da origem do indivduo e a ordem social se voltou para a competio por novos mercados e ampliao do consumo.

  • 19

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    CINCIAS SOCIAIS

    Com o desenvolvimento das atividades comerciais, uma nova classe social ganhou evidncia: a burguesia comercial, constituda por comerciantes que aspiravam lucros e tinham interesses de domnio poltico.

    Os valores sociais da sociedade moderna eram:

    Antropocentrismo: o homem se coloca como centro de tudo;

    Laicidade: separao das questes transcendentais das preocupaes imediatas do dia a dia;

    Individualismo: valorizao da autonomia individual em detrimento da coletividade;

    Racionalismo: modo de pensar que atribui valor somente razo;

    Hedonismo: dedicao ao prazer como estilo de vida.

    Saiba mais

    O pensamento renascentista foi expresso em obras importantes, tais como:

    ALIGHIERI, D. A Divina Comdia. Trad. talo E. Mauro. So Paulo: 34, 2010.

    MAQUIAVEL, N. O Prncipe. So Paulo: Martins Fontes, 2010.

    MORUS, T. A Utopia. Trad. Marcelo B. Cipolla. So Paulo: Martins Fontes, 2009.

    SHAKESPEARE, W. Macbeth. Trad. M. Bandeira. So Paulo: Cosac Naify, 2009.

    ______. Romeu e Julieta. Trad. Beatriz Vigas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 1998.

    Se houver diculdade no acesso a essas obras, todas elas esto disponveis no diretrio .

    1.2.2 O sculo das luzes

    A partir do sculo XVII, o capitalismo entrou em franca expanso pelo mundo. Os valores sociais bsicos burgueses se voltaram para o individualismo e para a busca pelo lucro. A expanso das atividades comerciais conduziu a uma procura crescente pelo aumento da produtividade e esse aumento precisou do desenvolvimento tecnolgico e da racionalidade no planejamento da produo. Desse modo, recorreu-se ao apoio na razo como fonte de conhecimento das atividades econmicas.

    Com a Ilustrao2, as ideias de racionalidade e liberdade se converteram em valores supremos. A racionalidade aqui compreendida como a capacidade humana de pensar e escolher.

    2 Movimento losco do sculo XVIII que partia da convico na razo como fonte de conhecimento.

  • 20

    Unidade I

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    Figura 10 Esttua da Liberdade

    Lembrete

    A liberdade concebida sob a perspectiva poltica. As relaes entre os homens devem ser pautadas na liberdade contratual, desse modo, todos os homens so livres e iguais.

    De acordo com Quintaneiro (2002):

    A ideia de liberdade passou, ento, a conotar emancipao do indivduo da autoridade social e religiosa, conquista de direitos e autonomia frente s instituies. A burguesia europeia ilustrada acredita que a ao racional traria ordem ao mundo, sendo a desordem um mero resultado da ignorncia. Educados, os seres humanos seriam bons e iguais (QUINTANEIRO, 2002, p. 13).

    interessante observar que a concepo de liberdade e igualdade no perodo em questo ainda no concebia a igualdade civil entre homens e mulheres, ou seja, as mulheres ainda possuam um status inferior ao dos homens.3

    3 Quintaneiro (2002) ainda relata que Helvtius armou em 1758 que as diferenas entre os seres humanos no se referiam sua capacidade de conhecer, mas a fatores sociais, polticos ou morais. Propunha que a educao deveria ser oferecida igualmente a homens e mulheres. Seu livro foi to revolucionrio para a poca que foi condenado pelo Papa e queimado no Parlamento de Paris e na Faculdade de Teologia.

  • 21

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    CINCIAS SOCIAIS

    Os lsofos iluministas concebiam a poltica como uma coletividade organizada e contratual. O poder surgiu como uma construo lgica e jurdica que independia de quem o ocupava e se fazia de forma temporria ou representativa.

    A sociedade passou a ser vista como portadora de diferentes instncias como a poltica, a jurdica, a social e a econmica, ou seja, surgiu a percepo de que o funcionamento da sociedade dependia da relao entre as partes que a compunham (COSTA, 2005).

    Em um contexto de luta contra o poder absolutista4 que atravancava o desenvolvimento do comrcio e a efetivao dos princpios de representatividade poltica, as massas foram conclamadas a defender a democracia e a igualdade jurdica entre os homens na constituio de um regime republicano.

    A partir da inicia-se o liberalismo, ideologia poltica que preconiza a liberdade da economia frente ao poder. Desse modo, a economia deveria ser regida por leis prprias (a lei da oferta e da procura) e a organizao do Estado se voltaria para a defesa dos interesses burgueses.

    Em sua obra O contrato social, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) arma que a base da sociedade estava no interesse comum pela vida social e no consentimento unnime dos homens em renunciar a suas vontades em favor de toda a comunidade (COSTA, 2005).

    Encontrar uma forma de associao que defenda e proteja de toda a fora comum a pessoa e os bens de cada associado e pela qual cada um, unindo-se a todos, no obedea, portanto, seno a si mesmo, e permanea to livre como anteriormente. Tal o problema fundamental cuja soluo dada pelo contrato social.

    (...) Todas essas clusulas, bem entendido, se reduzem a uma nica, a saber, a alienao total de cada associado, com todos os seus direitos, em favor de toda a comunidade; porque primeiramente, cada qual se entregando por completo e sendo a condio igual para todos, a ningum interessa torn-la onerosa para outros (ROUSSEAU, 1978, p. 30).

    Quanto desigualdade social, Rousseau identicou na propriedade privada a fonte das injustias sociais e defendeu um modelo de sociedade pautada em princpios de igualdade. Sobre a desigualdade entre os homens, Rousseau arma:

    Eu concebo na espcie humana duas espcies de desigualdades: uma, que chamo de natural ou fsica, porque foi estabelecida pela natureza e que consiste na diferena das idades, da sade, das foras corporais e

    4 O absolutismo foi um sistema poltico de governo em que os dirigentes assumiam poderes absolutos, sem limitaes ou restries, passando a exercer de fato e de direito todos os atributos da soberania. Esse sistema poltico perdurou na Europa entre os sculos XV e XVIII.

  • 22

    Unidade I

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    das qualidades do esprito ou da alma; outra, a que se pode chamar de desigualdade moral ou poltica, pois depende de uma espcie de conveno e foi estabelecida, ou ao menos autorizada, pelo consentimento dos homens. Consiste esta nos diferentes privilgios desfrutados por alguns em prejuzo dos demais, como o de serem mais ricos, mais respeitados, mais poderosos que estes, ou mesmo mais obedecidos (ROUSSEAU, 1978, p. 143).

    Em relao identicao da propriedade privada como fonte das desigualdades e da injustia social, Rousseau coloca que:

    O primeiro que, cercando um terreno, se lembrou de dizer: isto meu, e encontrou pessoas bastantes simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil.

    Quantos crimes, guerras, assassnios, misrias e horrores no teria poupado ao gnero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos so de todos, e a terra de ningum! (ROUSSEAU, 1978, p. 175).

    A partir das ideias expostas, Rousseau se tornou partidrio de uma sociedade que defendesse princpios igualitrios e preservasse uma base livre e contratual.

    Assim como Rousseau, John Locke (1632-1704) era partidrio da ideia de que a sociedade resultante da livre associao entre indivduos dotados de razo e vontade, porm, diferentemente daquele, Locke reconhecia a diferena entre os direitos individuais e o respeito propriedade e defendia que os princpios de organizao social fossem codificados em torno de uma Constituio.

    John Locke concebia a propriedade privada como um direito natural do ser humano. Todo indivduo teria o direito de us-la em seu proveito para sobrevivncia ou para ampliar seus bens e aumentar sua riqueza.

    Segundo Lucien Goldamnn (1913-1979), os valores fundamentais defendidos pelos lsofos iluministas, como igualdade jurdica, liberdade contratual e respeito propriedade privada, foram apropriados pela burguesia como os fundamentos da atividade comercial. Basta pensarmos em como operam as relaes comerciais at os dias de hoje: so relaes que, independentemente das desigualdades sociais, so marcadas pelo princpio da igualdade jurdica. Esse princpio prevalece mesmo na relao entre desiguais economicamente. A defesa da propriedade privada confere a seu proprietrio o poder de usar e dispor livremente daquilo que lhe pertence.

    Conclumos, portanto, que a sociologia pr-cientca foi caracterizada por estudos sobre a vida social que no tinham como preocupao central conhecer a realidade como ela era, mas sim propor formas ideais de organizao social. O pensamento losco de ento j concebia diferenas entre indivduo e

  • 23

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    CINCIAS SOCIAIS

    coletividade e, como arma Costa (2005, p. 49), (...) presos ainda ao princpio da individualidade, esses lsofos entendiam a vida coletiva como a fuso de sujeitos, possibilitada pela manifestao explcita das suas vontades.

    Saiba mais

    Para um estudo mais aprofundado sobre o assunto aqui abordado, consulte as obras listadas a seguir:

    DESCARTES, R. O Discurso do Mtodo. So Paulo: Nova Cultural, 1987.

    HOBBES, T. Leviat. So Paulo: Nova Cultural, 1988.

    HUBERMAN, L. Histria da riqueza do homem. Rio de Janeiro: LTC, 2010.

    LOCKE, J. Segundo tratado sobre o governo. So Paulo: Abril Cultural, 1978.

    ROUSSEAU, J.-J. O contrato social e outros escritos. So Paulo: Cultrix, 1978.

    VOLTAIRE. Dicionrio losco. So Paulo: Nova Cultural, 1988.

    1.3 O pensamento cientco sobre o social

    At aqui, percebemos que a inquietao em conhecer e explicar os fenmenos sociais sempre foi uma preocupao da humanidade. Porm, a explicao com base cientfica fruto da sociedade moderna, industrial e capitalista. A formao da sociologia no sculo XIX significou que o pensamento sobre o social se desvinculou das tradies morais e religiosas. Como afirma Costa (2005):

    Tornava-se necessrio entender as bases da vida social humana e da organizao da sociedade por meio de um pensamento que permitisse a observao, o controle e a formulao de explicaes plausveis, e que tivessem credibilidade num mundo pautado pelo racionalismo (COSTA, 2005, p. 18).

    1.3.1 Augusto Comte (1798-1857)

    Augusto Comte nasceu em Montpellier, na Frana, em 1798. Aos 16 anos, ingressou na Escola Politcnica de Paris, fato que exerceu grande inuncia na orientao de seu pensamento. Em carta de 1842 John Stuart Mill (1806-1873), Comte fala da Politcnica como a primeira comunidade verdadeiramente cientca que deveria servir como modelo de toda educao superior. Contudo, dois anos depois, ele foi expulso da instituio por insubordinao e rebelio.

  • 24

    Unidade I

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    Amigo e secretario de Saint-Simon que colaborou imensamente em sua formao intelectual , Comte desenvolveu um curso de losoa positiva ministrado em sua casa e obteve reconhecimento. Em 1831, foi convidado a trabalhar como professor na prpria Escola Politcnica, onde se dedicou ao magistrio e elaborao de seus livros. Comte morreu em Paris em 1857 e considerado o fundador da sociologia.

    Saiba mais

    Infelizmente, a maior parte das obras de Augusto Comte no foi traduzida para o portugus. Suas principais obras editadas em portugus so:

    Reorganizar a Sociedade. So Paulo: Escala, 2009.

    Discurso sobre o esprito positivo. So Paulo: Escala, 2009.

    Comte foi o autor que desenvolveu pela primeira vez reexes acerca do mundo social sob bases cientcas. Inuenciado pelo cienticismo5 e o organicismo6, o terico compreendia a sociedade como um grande organismo no qual cada parte possua uma funo especca, assim, o bom funcionamento do corpo social dependia da atuao de cada rgo.

    Figura 11 O corpo humano

    Observao

    Referncias ao funcionamento do corpo humano e teoria da evoluo geral das espcies de Darwin foram utilizadas como parmetros para o estudo da sociedade.

    5 Crena no poder absoluto da razo para explicar todas as coisas.6 O organicismo concebe a sociedade como um grande corpo humano constitudo de partes coesas e integradas

    que funcionam harmonicamente (COSTA, 2005).

  • 25

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    CINCIAS SOCIAIS

    De acordo com Comte, a sociedade teria passado por trs fases ao longo da histria: a teolgica, a metafsica e a cientca. O autor concebia a fase teolgica como aquela em que os homens recorriam vontade de Deus para explicar os fenmenos da natureza. Na fase metafsica, o homem j seria capaz de utilizar conceitos abstratos, entretanto, somente na fase cientca, que corresponde sociedade industrial, que o conhecimento passou a se pautar na descoberta de leis objetivas para determinar os fenmenos.

    Comte procurou estudar o que j havia sido acumulado em termos de conhecimentos e mtodos por outras cincias, como a matemtica, a biologia e a fsica, para saber quais deles poderiam ser utilizados na sociologia. O terico buscava garantir assim um estatuto cientco sociologia, como indica Costa (2005):

    Foi ele o primeiro a denir precisamente o objeto, a estabelecer conceitos e uma metodologia de investigao e, alm disso, a denir a especicidade do estudo cientco da sociedade (COSTA, 2005, p. 70).

    Preocupado com os problemas sociais de sua poca, Comte concebia que o papel da sociologia como cincia seria o de conhecer as leis que regem a vida social para poder prever os fenmenos e agir racionalmente, sempre respeitando os princpios gerais que regem o mundo, a manuteno da ordem e o caminho para o progresso.

    Para o autor, todas as sociedades possuam movimentos vitais de evoluo e de ajustamento. Identicado com o progresso, o primeiro movimento conduziria as sociedades a sistemas mais complexos de existncia. como se houvesse um movimento inexorvel que conduziria todas as sociedades para o progresso. Identicado com a ordem, o segundo movimento, por sua vez, seria responsvel pela adaptao dos indivduos ao meio social, ajustando os indivduos s condies estabelecidas. Esse movimento seria o responsvel pela preservao dos elementos permanentes de toda organizao social, como a famlia e a religio, por exemplo. Desse modo, todas as sociedades teriam um duplo movimento: caminhariam para o progresso e preservariam, ao mesmo tempo, a ordem social.

    Observe como os movimentos identicados por Comte se relacionam com a bandeira brasileira:

    Figura 12 Bandeira do Brasil

    Analise a bandeira nacional e reita: Nossa bandeira tem alguma relao com o pensamento de Augusto Comte? O Brasil um pas que se orienta pelos princpios de ordem e progresso?

  • 26

    Unidade I

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    Comte foi um dos principais expoentes do positivismo, uma corrente de pensamento losco que aceitava os problemas advindos da industrializao e da urbanizao como um dado da realidade. O termo surgiu em oposio aos grupos intelectuais que defendiam a volta ao passado agrrio e feudal.

    O estudioso foi um crtico das ideias de Rousseau, pois, para ele, o homem um animal gregrio por natureza e o indivduo s pode ser explicado pela sociedade. Alm disso, Comte concebe a famlia como a verdadeira clula social.

    Para o autor, a propagao das ideias iluministas que preconizavam a liberdade e a igualdade entre os homens conduziu estes discrdia. O restabelecimento da coeso social s seria possvel com a constituio de uma nova ordem de ideias e conhecimentos representados pelo positivismo (MARTINS, 1990).

    Como arma o socilogo Carlos Benedito Martins (1990):

    O advento da sociologia representava para Comte o coroamento da evoluo do conhecimento cientco, j constitudo em vrias reas do saber (...). Ela deveria utilizar em suas investigaes os mesmos procedimentos das cincias naturais, tais como a observao, a experimentao, a comparao etc. (MARTINS, 1990, p. 44).

    O conhecimento sociolgico permite ao homem transpor os limites de sua condio particular para perceb-la como parte de uma totalidade mais ampla, que o todo social. Isso faz da sociologia um conhecimento indispensvel num mundo que, medida que cresce, mais diferencia e isola os homens e os grupos entre si.

    Saiba mais

    O texto indicado abaixo permite um aprofundamento sobre o conceito de positivismo:

    GIANNOTTI, J. A. A primeira vtima do positivismo. CulturaBrasil. s. d. Disponvel em . Acesso em: 03 mar. 2011.

    Os lmes sugeridos a seguir apresentam um panorama do perodo histrico sobre o qual discorremos at aqui:

    EM NOME de Deus. Dir. Stealin Heaven. Estados Unidos. 1988. 108 min.

    JOANA DArc. Dir. Luc Besson. Frana. 1999. 158 min.

  • 27

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    CINCIAS SOCIAIS

    O NOME da Rosa. Dir. Jean-Jacques Annaud. Estados Unidos. 1986. 131 min.

    ROMEU e Julieta. Dir. Baz Luhrmann. Estados Unidos. 1996. 120 min.

    SHAKESPEARE Apaixonado. Dir. John Madden. Estados Unidos/Inglaterra. 1998. 122 min.

    1492 A conquista do Paraso. Dir. Ridley Scott. Espanha/Frana/Inglaterra. 1992. 150 min.

    2 TRANSFORMAES SOCIAIS DO SCULO XVIII

    2.1 Revolues burguesas

    O intuito deste tpico analisar o contexto em que o capitalismo se imps como modo de organizao econmica, social e poltica predominante na sociedade moderna.

    Figura 13 Patrick Henry Rothermel: a luta da burguesia americana contra a Lei do Selo (1765)

    Lembrete

    Por revolues burguesas entende-se um conjunto de movimentos que ocorreram no sculo XVIII na Europa e nos Estados Unidos.

    As revolues burguesas foram: a Revoluo Gloriosa (1680), na Inglaterra, a Revoluo Francesa (1789), a Independncia Americana (1776) e a Revoluo Industrial inglesa a partir de 1750. Neste curso, somente as revolues Francesa e Industrial sero nosso foco, pois ambas constituem as duas faces de um mesmo processo: a consolidao do regime capitalista moderno.

  • 28

    Unidade I

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    O que caracterizou esses movimentos revolucionrios foi sua capacidade de suplantar as formas feudais de organizao social. Sua importncia est no estmulo dado ao desenvolvimento do capitalismo, pois essas revolues colocaram um m s monarquias absolutistas e contriburam para a eliminao de barreiras que impediam o livre desenvolvimento econmico.

    2.1.1 Revoluo Francesa

    As ideias iluministas exerceram profunda inuncia sobre a sociedade francesa ao longo do sculo XVIII. A crescente crtica racional da vida em sociedade propiciou ao povo questionar as instituies polticas absolutistas e de base feudal presentes na Frana.

    Figura 14 Prefeitura de Yvelines, em Versailles, Frana: Versailles foi um dos palcos da Revoluo Francesa

    Segundo Martins (1990):

    O conito entre as novas foras sociais ascendentes chocava-se com uma tpica monarquia absolutista, que assegurava considerveis privilgios a aproximadamente 500 mil pessoas, isso num pas que possua ao nal do sculo XVIII uma populao de 3 milhes de indivduos. (MARTINS, 1990, p. 23).

    Sobre os privilgios concedidos pelo rei nobreza e ao clero, que no pagavam impostos e cobravam tributos e dzimos do povo, Huberman (2010) cita em sua obra a resoluo do parlamento francs para a manuteno desses privilgios:

    A monarquia francesa, pela sua constituio, formada por vrios Estados distintos. O servio pessoal do clero atender s funes relacionadas com a instruo e o culto. Os nobres consagram seu sangue defesa do Estado e ajudam o soberano com seus conselhos. A classe mais baixa da nao, que no pode prestar ao rei servios to destacados, contribui com seus tributos, sua indstria e seu servio corporal (HUBERMAN, 2010, p. 116).

    A partir das consideraes anteriores, possvel compreender as razes que levaram as massas populares a ir s ruas lutar contra a monarquia, numa revoluo marcada por posturas radicais. O povo

  • 29

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    CINCIAS SOCIAIS

    no aguentava mais pagar as altas taxas de impostos para manuteno de um grupo social que nada produzia.

    Como nos relata Martins (1990), alm de no pagar impostos, a nobreza possua o privilgio de cobrar tributos feudais e investir contra o desenvolvimento das foras capitalistas, coibindo assim a abertura de empresas e o desenvolvimento da agricultura.

    A monarquia francesa procurava garantir os privilgios da nobreza em um contexto no qual crescia a miserabilidade do povo. A burguesia tambm se opunha ao regime monrquico, pois este no permitia a livre constituio de empresas e a impossibilitava de realizar seus interesses econmicos.

    Quanto aos interesses burgueses na derrubada no regime absolutista, Huberman (2010) pontua que:

    A burguesia desejava que seu poder poltico correspondesse ao poder econmico que j tinha. Era dona de propriedades queria agora os privilgios. Queria ter certeza de que sua propriedade estaria livre das restries aborrecidas a que estivera sujeita na decadente sociedade feudal. Queria ter certeza de que os emprstimos feitos ao governo seriam pagos. Para isso, tinha de conquistar no somente uma voz, mas a voz do governo. Sua oportunidade chegou e ela soube aproveit-la (HUBERMAN, 2010, p. 119).

    Em 1789, com a mobilizao das massas em torno da defesa da igualdade e da liberdade, a burguesia tomou o poder e passou a atuar para a desestruturao do sistema feudal que ainda era predominante na Europa.

    Como informa Martins (1990), entre as medidas tomadas pelo governo aps a Revoluo Francesa, merece destaque a legislao que limitava os poderes patriarcais na famlia, reprimindo os abusos da autoridade do pai. Alm disso, os bens da igreja foram conscados e as funes de educao foram transferidas para o Estado.

    A burguesia defendia a organizao de um Estado independente do poder religioso e promoveu profundas inovaes na rea econmica ao criar medidas para favorecer o desenvolvimento de empresas capitalistas.

    Contudo, as massas que participaram da Revoluo logo foram surpreendidas por outras medidas burguesas, como a proibio das manifestaes populares e a represso violenta dos movimentos contestatrios.

    O signicado histrico da Revoluo Francesa descrito por Huberman como:

    O privilgio de nascimento foi realmente derrubado, mas o privilgio do dinheiro tomou seu lugar. Liberdade, Igualdade, Fraternidade foi uma frase popular gritada por todos os revolucionrios, mas coube principalmente burguesia desfrut-la (HUBERMAN, 2010, p. 120).

  • 30

    Unidade I

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    Observao

    A Revoluo Francesa ps m ao sistema feudal no s na Frana, mas em todos os territrios conquistados por Napoleo Bonaparte.

    Saiba mais

    Para complementar sua leitura, consulte os textos a seguir:

    A DECLARAO dos Direitos do Homem e do Cidado. AmbaFrance. s. d. Disponvel em . Acesso em: 08 mar. 2011.

    HOBSBAWM, E. A era das revolues: 1789-1848. So Paulo: Paz e Terra, 2009.

    VOVELLE, M. A Revoluo Francesa e seu eco. Estudos Avanados, So Paulo, v. 3, n. 6, maio/ago., 1989. Disponvel em . Acesso em 08 mar. 2011.

    2.1.2 Revoluo Industrial

    A Revoluo Industrial eclodiu na Inglaterra na segunda metade do sculo XVIII. Ela foi fruto de um conjunto de inovaes que possibilitou um aumento sem precedentes na produo de mercadorias.

    Chamamos de Primeira Revoluo Industrial o perodo de 1760 a 1820, quando o sistema industrial efetivamente suplantou o sistema feudal. Em sua primeira fase, a introduo de teares mecnicos possibilitou ao setor txtil ampliar extraordinariamente sua produtividade.

    A Revoluo Industrial signicou mais do que a introduo da mquina a vapor e o aperfeioamento dos mtodos produtivos, ela nasceu sob a gide da liberdade ao permitir aos empresrios industriais que desenvolvessem e criassem novas formas de produzir e enriquecer (MARTINS, 1990).

    Quadro 01 - Origem e consequncias da Revoluo Industrial

    Aparecimento da mquina a vapor

    Aumento da produo

    Melhoria nos transportes

    Crescimento das cidades

  • 31

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    CINCIAS SOCIAIS

    Os antecedentes histricos da Revoluo Industrial remontam ao acmulo de capital oriundo da intensicao do comrcio internacional mercantilista. A utilizao de mo de obra escrava na Amrica possibilitou um grande aumento de riquezas que precisavam ser investidas na produo.

    Para que houvesse desenvolvimento econmico, era necessrio exportar mercadorias e importar apenas o necessrio7. Para isso, era primordial o estmulo indstria, pois os produtos industriais possuem mais valor que os artigos do setor primrio (agricultura e extrativismo). Como arma Huberman:

    Era tambm importante ter indstria produzindo as coisas de que o povo precisava e isso equivalia a no ser necessrio compr-las no estrangeiro. Era um passo na direo da balana de comrcio favorvel, bem como no sentido de tornar o pas autossuciente, independente de outros pases (HUBERMAN, 2010, p. 96).

    A Revoluo Industrial desencadeou uma macia migrao do campo para cidade. Esse processo de migrao teve incio no sculo XVI, com a expulso de camponeses de suas plantaes. Sem ter para onde ir, os camponeses seguiram para as estradas, onde se tornaram pedintes. No sculo XVIII, houve um novo fechamento de terras e, como afirma Huberman (2010, p. 130): dessa forma, o exrcito de infelizes sem terra, que tinham de vender sua fora de trabalho em troca de salrio, aumentou tremendamente. Desse modo, o fechamento das terras com a expulso dos camponeses sem ttulo de propriedade foi uma das principais formas de obter mo de obra para a indstria.

    Um dos efeitos dessa revoluo na rea rural foi a acelerao da produtividade agrcola a partir da introduo de tcnicas que permitiam a intensicao da utilizao do solo. Assim, a atividade agrcola se voltou para o mercado e teve sua produo orientada para o lucro.

    Somado expulso dos camponeses de suas reas de produo, o aumento da produtividade agrcola um elemento fundamental para compreender como se formou a classe operria. A falta de trabalho no campo forou os camponeses a buscar trabalho nas reas urbanas.

    O grande uxo migratrio tornou as reas urbanas palco de grandes transformaes sociais. Formaram-se multides que revelavam nas ruas uma nova face do desenvolvimento do capitalismo: a miserabilidade.

    O sistema de trabalho na indstria se diferenciava de outras formas de organizao existentes na poca. Dias (2004) cita entre as principais modicaes a crescente diviso do trabalho, a necessidade de coordenao e tambm as mudanas culturais ocorridas dentro da questo do labor.

    O desenvolvimento de tcnicas levou os empresrios a incrementar o processo produtivo e aumentar as taxas de lucro. Isso permitiu que eles se interessassem cada vez mais pelo aperfeioamento das tcnicas de produo, visando produzir mais com menos gente.

    7 Sistema vigente at hoje no mercado mundial.

  • 32

    Unidade I

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    Para reetir: o trabalho sempre foi uma fonte de riquezas?

    A diviso do trabalho foi implementada como tcnica no interior da fbrica para o aumento da produtividade, como nos relata Huberman:

    Quando se emprega um grande nmero de pessoas para fazer certo produto, podemos dividir o trabalho entre elas. Cada trabalhador tem uma tarefa particular a fazer. Executa-a repetidamente e, em consequncia, se torna perito nela. Isso poupa tempo e acelera a produo (HUBERMAN, 2010, p. 86).

    A diviso do trabalho imposta pela grande indstria conduziu os operrios a um crescente processo de especializao que, por sua vez, reduziu drasticamente o conhecimento desses operrios, agora realizadores de tarefas repetitivas e rotineiras que dispensavam formas de conhecimento mais sofisticado.8 Analisando as consequncias dessa intensa diviso do trabalho, Dias esclarece que:

    (...) h um empobrecimento intelectual do operrio, por realizar tarefas cada vez mais repetitivas e altamente especializadas. O que, por outro lado, facilita a introduo no trabalho industrial de mulheres e crianas (DIAS, 2004, p. 18).

    Assim, a atividade produtiva se voltou para as grandes unidades fabris e a relao de classes que passou a existir entre a burguesia e os trabalhadores foi orientada pelo contrato isso permite inferir que existia a liberdade econmica e a democracia poltica, pois tnhamos o trabalhador livre para escolher um emprego qualquer e o empresrio livre para empregar quem desejasse (MEKSENAS, 1991) , o que significou uma profunda transformao na maneira de os homens se relacionarem.

    Eis o que constata Huberman sobre as caractersticas do trabalho industrial:

    Produo para um mercado cada vez maior e oscilante, realizada fora de casa, nos edifcios do empregador e sob rigorosa superviso. Os trabalhadores perderam complemente sua independncia. No possuam a matria-prima, como ocorria no sistema das corporaes, nem os instrumentos, tal como no sistema domstico. A habilidade deixou de ser to importante como antes, devido ao maior uso da mquina. O capital tornou-se mais necessrio do que nunca. Do sculo XIX at hoje (HUBERMAN, 2010, p. 89).

    8 Dias (2004) remete a discusso sobre a diviso do trabalho obra A Riqueza das Naes (1776), de Adam Smith, que compara a produo de alnetes entre operrios em uma linha de produo com a capacidade de produzir de um operrio isolado.

  • 33

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    CINCIAS SOCIAIS

    A relao de interdependncia entre empresrios e operrios um elemento fundamental na nova ordem social capitalista. A congurao do mercado de trabalho conduz os operrios a vender sua fora de trabalho como uma mercadoria. As indstrias se converteram na nica possibilidade de trabalho para este trabalhador que perdeu conhecimento do processo produtivo e s possui a fora fsica, vendida como fora de trabalho. Quanto aos empresrios, h o reconhecimento da necessidade de mo de obra para a movimentao das indstrias.

    Aspectos importantes da Revoluo Industrial

    A produo passa a ser organizada em grandes unidades fabris, onde predomina uma intensa diviso do trabalho;

    Aumento sem precedentes na produo de mercadorias;

    Concentrao da produo industrial em centros urbanos;

    Surgimento de um novo tipo de trabalhador: o operrio.

    Figura 15 Indstria e tecnologia

    Sobre a organizao do sistema fabril e seus reexos na sociedade inglesa, Hubermann descreve:

    O sistema fabril, com sua organizao eficiente em grande escala e sua diviso de trabalho, representou um aumento tremendo na produo. As mercadorias saam das fbricas num ritmo intenso. Esse aumento da produo foi em parte provocado pelo capital, abrindo caminho na direo dos lucros. Foi, em parte, uma resposta ao aumento da procura. A abertura de mercados das terras recm-descobertas foi uma causa importante desse aumento. Houve outra. As mercadorias produzidas nas fbricas encontravam tambm um mercado interno simultneo ao mercado externo. Isso devido ao crescimento da populao da prpria Inglaterra (HUBERMANN, 2010, p. 138).

  • 34

    Unidade I

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    No interior das fbricas, as condies de trabalho eram ruins. As fbricas no possuam ventilao ou iluminao e os trabalhadores eram submetidos a jornadas de trabalho de at 16 horas por dia. Como ilustra Huberman:

    Os andeiros de uma fbrica prxima de Manchester trabalhavam 14 horas por dia numa temperatura de 26 a 29C, sem terem permisso de mandar buscar gua para beber (...) Quando os trabalhadores conquistaram o direito de trabalhar em dois turnos de 12 horas, consideraram isto uma beno (HUBERMAN, 2010, p. 143).

    A cultura que os operrios levavam para o ambiente industrial era a apreendida no meio rural. Isso conduzia os empresrios a perceber que a gesto dos recursos humanos constitua um problema a ser solucionado. Dessa forma, um rgido sistema disciplinar acompanhado de constante superviso dos empresrios foi introduzido nas indstrias para garantir a produtividade com ecincia. Como informa Dias (2004, p. 19): o fator disciplina assume um papel fundamental na nova forma de organizar a empresa, no s pelo aspecto cultural com a necessidade de desenvolvimento de novos hbitos. Os operrios tinham grande diculdade de adaptao ao sistema disciplinar, que no era pautado na liberdade e igualdade dos indivduos.

    Era usual nas fbricas a presena de mulheres e crianas a partir de cinco anos atuando na linha de produo com salrios inferiores aos dos homens. Quanto aos homens, naquela poca estes j sofriam com os efeitos do desemprego.

    A princpio, os donos de fbricas compravam o trabalho das crianas pobres nos orfanatos; mais tarde, como os salrios do pai operrio e da me operria no eram sucientes para manter a famlia, tambm as crianas que tinham casa foram obrigadas a trabalhar nas fbricas e minas (HUBERMAN, 2010, p. 144).

    A seguir, a maneira como Engels (2010) descreve o trabalho infantil sob a tica de um empresrio:

    Visitei vrias fbricas em Manchester e em seus arredores e jamais vi crianas maltratadas, submetidas a castigos corporais ou mesmo que estivessem de mau humor. Pareciam todas alegres e espertas, tendo prazer em empregar seus msculos sem fadiga e dando livre vazo vivacidade prpria da infncia. O espetculo do trabalho na fbrica, longe de despertar-me pensamentos tristes, foi, para mim, sempre reconfortante. Era delicioso observar a agilidade com que reuniam os os rompidos em cada recuo do carreto da mula e v-las, depois de segundos de atividades com seus dedinhos delicados, divertirem-se muito a descansar nas posies que lhes davam prazer, at que a atividade recomeasse. O trabalho desses elfos velozes parecia um jogo, que executavam com a encantadora destreza que um longo treinamento lhes conferira. Conscientes de sua prpria habilidade, compraziam-se em mostr-la a qualquer visitante. Nenhum sinal de cansao: sada da fbrica, imediatamente se punham a brincar num espao livre

  • 35

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    CINCIAS SOCIAIS

    vizinho com o mesmo ardor de crianas que saem da escola (ENGELS, 2010, p. 204).9

    Alem disso, as condies de moradia eram altamente precrias nos bairros perifricos. As doenas eram epidmicas. Nassau Snior (apud HUBERMAN, 2010) ilustra a situao na cidade de Manchester em 1837:

    Essas cidades, pois pela extenso e nmero de habitantes so cidades, foram construdas sem qualquer considerao pelo que no fosse a vantagem imediata do construtor especulador... Num lugar encontramos toda uma rua seguindo o curso de um canal porque dessa forma era possvel conseguir pores mais profundos, sem o custo de escavaes, pores destinados no ao armazenamento de mercadorias ou lixo, mas residncia de seres humanos. Nenhuma das casas dessa rua esteve isenta de clera. Em geral, as ruas desses subrbios no tm pavimentao, e pelo meio corre uma vala ou h um monturo; os fundos das casas quase se encontram, no h ventilao nem esgotos, e famlias inteiras moram num canto de poro ou numa gua-furtada (SNIOR apud HUBERMAN, 2010, p. 145).

    Para reetir: atualmente, as condies de vida dos trabalhadores melhoraram?

    Figura 16 Casas e fbricas

    9 Em junho de 2007, durante a comemorao do Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, foram divulgados impressionantes dados estatsticos sobre o trabalho infantil no Brasil, diante dos quais, sem dvida, temos que parar para fazer uma reexo.

    De acordo com os pesquisadores da UNIP, professor Dr. Jos Eduardo Azevedo e professor Fernando Perillo, em texto ainda indito, nos dados divulgados pelo IBGE a partir de 2005 houve infelizmente o crescimento do trabalho infantil em 10,3%, isto , em 2005, apesar da proibio legal, houve a utilizao se aproximadamente 5 milhes de crianas e adolescentes entre cinco e 17 anos de idade nas frentes de trabalho. Desse total, por volta de 80 mil (1,6%) possuam idade entre cinco e nove anos, sendo que 76,7% destas 80 mil crianas estavam trabalhando em atividades agrcolas e mais de 64% no recebiam nenhuma remunerao, pois auxiliavam a famlia em diversas atividades no campo. Nas reas rurais, evidentemente, h menor scalizao em relao ao trabalho infantil, enquanto que, apesar da maior scalizao, nos grandes centros urbanos h inmeras crianas que perambulam pelas ruas como pedintes e/ou so exploradas como vendedoras ambulantes. A regio do Brasil que mais emprega a mo de obra infantil o Nordeste, com quase 40% do total de crianas trabalhando no campo.

    Em termos de dados mundiais, os nmeros so reveladores, pois, segundo a OIT (Organizao Internacional do Trabalho), 230 milhes de crianas ainda trabalham, sendo que 130 milhes delas trabalham em atividades rurais.

  • 36

    Unidade I

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    A descrio anterior nos conduz a pensar sobre as precrias condies de vida que a nascente classe operria encontrou nas grandes cidades industriais. Os problemas sociais decorrentes do processo de urbanizao e industrializao conduziram ao aumento de doenas epidmicas nas reas urbanas; ao aumento do nmero de suicdios e dos problemas com o alcoolismo; ao crescimento da violncia urbana, com o surgimento dos delinquentes; e a um crescimento vertiginoso tambm da prostituio. Tudo isso contribuiu para tornar as cidades industriais centros de forte tenso social.

    Figura 17 A morte do engenheiro

    Como observa Martins:

    Num perodo de 80 anos, ou seja, entre 1780 e 1860, a Inglaterra havia mudado de forma marcante sua sionomia. Pas com pequenas cidades, com uma populao rural dispersa, passou a comportar enormes cidades, nas quais se concentravam suas nascentes indstrias, que espalhavam produtos para o mundo inteiro (MARTINS, 1990, p. 12).

    Dessa forma, percebemos como a sociedade industrial era portadora de um alto grau de complexidade para ser compreendida. Essa a razo da formao da sociologia como cincia que estuda os problemas advindos da sociedade moderna, industrial, urbana e capitalista.

    As condies de vida da classe trabalhadora fez com que esta lutasse por uma menor jornada de trabalho. Os trabalhadores dirigiram suas reivindicaes ao Parlamento, porm, elas no foram aceitas. Eles se voltaram ento contra as mquinas e organizaram movimentos coordenados para a destruio destas, acreditando que o motivo de seu infortnio eram elas e no as relaes de trabalho. Em seguida, passaram a se organizar em sindicatos e partidos na luta poltica pelo sufrgio universal, pois queriam intervir no Parlamento para criar leis que os beneciassem. As principais reivindicaes dos trabalhadores eram:

    Sufrgio universal para os homens;

    Pagamento aos membros eleitos da Cmara dos Comuns (o que tornaria possvel aos pobres se candidatarem ao posto);

    Parlamentos anuais;

  • 37

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    CINCIAS SOCIAIS

    Nenhuma restrio de propriedade para os candidatos;

    Sufrgio secreto, para evitar intimidaes;

    Igualdade dos distritos eleitorais (HUBERMANN, 2010).

    Assim, a classe trabalhadora se lanou na luta poltica e novas instituies sociais ganharam evidncia como, por exemplo, as organizaes sindicais, que surgiram pelas prprias condies sociais colocadas pela Revoluo Industrial.

    Os sindicatos ganharam fora porque o sistema fabril concentrou trabalhadores nas grandes cidades, o que facilitava sua organizao. Segundo Engels (2010):

    As grandes cidades so o bero dos movimentos trabalhistas; nelas, os trabalhadores comeam a refletir sobre sua condio e a lutar contra ela; nelas, a oposio entre proletariado e burguesia se manifestou inicialmente; delas saram o sindicalismo, o cartismo e o socialismo (ENGELS, 2010, p. 84).

    Como j explicitado anteriormente, os problemas sociais inerentes Revoluo Industrial foram inmeros: aumento da prostituio, suicdio, infanticdio, alcoolismo, criminalidade, violncia, doenas epidmicas, favelas, poluio, migrao desordenada etc. A Revoluo Industrial constituiu uma autntica revoluo social que se manifestou por transformaes profundas na estrutura institucional, cultural, poltica e social.

    Saiba mais

    Para saber mais sobre o assunto, consulte a obra indicada a seguir:

    CASTRO, A. M.; DIAS, E. Introduo ao pensamento sociolgico. Rio de Janeiro: Eldorado Tijuca, 1976.

    As transformaes sociais do sculo XVIII conduziram o sistema capitalista a se consolidar como forma de organizao social, pois colocou m s relaes feudais e em apenas cem anos se espalhou por outros pases.

    Lembrete

    O capitalismo um sistema econmico voltado para a produo e para a troca, para a expanso comercial, para a circulao crescente de mercadorias e para o consumo de bens materiais (COSTA, 2005).

  • 38

    Unidade I

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    O desenvolvimento do comrcio e das tcnicas produtivas no significou melhoria na condio de vida da classe trabalhadora. Sua concentrao em bairros perifricos possibilitou a organizao social para a luta poltica, transformando as cidades em palco de conflito social com a concentrao das duas classes sociais bsicas do sistema: os empresrios e os operrios.

    Por m, preciso esclarecer que os problemas anteriormente expostos so tpicos da sociedade capitalista, que tornou a vida em sociedade altamente complexa. As cincias sociais surgem nesse contexto e buscam compreender a lgica desse modo de organizao da vida social. Assim, a sociologia nasce e se desenvolve com o mundo moderno e com os impasses criados pela sociedade urbano-industrial.

    Saiba mais

    O seguinte texto discorre mais sobre a questo do trabalho infantil:

    BARATA, G.; CASTELFRANCHI, Y. Pobreza causa trabalho infantil. ComCincia, Campinas, n. 54, maio 2004. Seo Reportagens. Disponvel em . Acesso em: 13 fev. 2011.

    Os lmes a seguir abordam o contexto do trabalho ou se desenrolam sobre o pano histrico das grandes revolues:

    CASANOVA e a revoluo. Dir. Ettore Scola. Itlia. 1982. 121 min.

    DAENS: um grito de justia. Dir. Stinjn Coninx. Holanda/Frana/Blgica. 1992. 138 min.

    DANTON: o processo da revoluo. Dir. Andrzej Wajda. Frana. 1982. 131 min.

    GERMINAL. Dir. Claude Berri. Frana. 1983. 158 min.

    MARIA Antonieta. Dir. Soa Coppola. Estados Unidos/Frana. 2006. 123 min.

    OLIVER Twist. Dir. Roman Polanski. Estados Unidos/Frana/Itlia. 2005. 130 min.

    TEMPOS Modernos. Dir. Charles Chaplin. Estados Unidos. 1936. 87 min.

  • 39

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    CINCIAS SOCIAIS

    3 AS PRINCIPAIS CONTRIBUIES DO PENSAMENTO SOCIOLGICO CLSSICO

    Aqui, o ponto central a compreenso das principais reexes desenvolvidas pela sociologia no que diz respeito sociedade industrial. Essas reexes so denominadas de pensamento sociolgico clssico. usual que haja o questionamento sobre o motivo de se estudar pensadores que viveram no sculo XIX.

    Para reetir: como possvel pensar o mundo de hoje tendo como referncia autores que viveram no passado?

    A importncia da compreenso das principais matrizes do pensamento social se deve sua capacidade de explicar o mundo contemporneo, ou seja, a atualidade dessas obras resiste no fato de que elas no foram corrodas pelo tempo e so plenamente capazes de lanar luz compreenso dos problemas sociais presentes no mundo atual. Assim, importante conhecer o conjunto dos princpios fundamentais que formam a teoria social desses autores e seus principais conceitos e relacion-las com os problemas da sociedade contempornea.

    3.1 mile Durkheim e o pensamento positivista

    mile Durkheim (1858-1917) deu continuidade ao trabalho iniciado por Augusto Comte. O positivismo uma corrente de pensamento que surgiu no sculo XIX na Europa e foi fortemente inuenciada pela crescente valorizao da cincia como fonte de obteno da verdade. O positivismo se inspirou no mtodo de investigao das cincias da natureza, tendo a biologia como principal referncia. Para essa corrente de pensamento, a sociedade era passvel de compreenso e o homem possua uma natureza social.

    Figura 18 mile Durkheim

    As pesquisas sobre o funcionamento do corpo humano conduziram os positivistas a pensar a sociedade como um grande organismo social, constitudo de partes integradas e coesas que deveriam

  • 40

    Unidade I

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    funcionar harmonicamente. Assim, seria preciso conhecer sua anatomia e descobrir as causas de suas doenas.

    Outra forte inuncia do pensamento positivista foi o darwinismo social, uma crena de que as sociedades mudariam e evoluiriam num mesmo sentido.

    Figura 19 A evoluo humana

    Saiba mais

    WAIZBORT, R. Notas para uma aproximao entre o neodarwinismo e as cincias sociais. Histria, Cincias, Sade, Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, p. 293-318, maio/ago., 2005. Disponvel em . Acesso em: 03 fev. 2011.

    mile Durkheim nasceu em 1858 em Epinal, na Frana. Em 1879, ingressou na Escola Normal Superior. Em 1887, foi nomeado professor de pedagogia e cincias sociais na Faculdade de Letras da Universidade de Bordeaux. Em 1902, transferiu-se para a Sorbonne, onde se tornou professor titular de sociologia em 1913. Ele foi o pensador francs que deu sociologia o status de disciplina acadmica. Durkheim viveu em uma poca de grandes crises econmicas e sociais que causavam desemprego e misria entre os trabalhadores.

    A seguir, algumas de suas obras:

    Da diviso do trabalho social (1893);

    Regras do mtodo sociolgico (1895);

    O suicdio (1897);

  • 41

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    CINCIAS SOCIAIS

    Sociedade e trabalho (1907);

    As formas elementares de vida religiosa (1912).

    Durkheim viveu em uma poca onde uma srie de inovaes sociais propiciadas pelo avano cientco e tecnolgico ocorreu e, dentre elas, destacam-se a inveno e o incio da utilizao em grande escala da energia eltrica e a inveno de automveis.

    Apesar do otimismo com as inovaes, as frequentes ondas de suicdio eram analisadas por Durkheim como indcio de que a sociedade encontrava-se incapaz de exercer controle sobre o comportamento de seus membros. Para Durkheim, os suicdio no era um fenmeno individual, mas estaria ligado ao que ocorria no mbito social.

    O estudioso identicou em sua obra trs categorias de suicdio:

    Altrusta: ocorre quando o indivduo valoriza mais a sociedade do que a ele mesmo. Exemplo: terroristas suicidas em vrios locais do mundo.

    Egosta: a falta de redes de convvio e o isolamento social conduzem a pessoa a uma frustrao que pode culminar no suicdio.

    Anmico: as instituies sociais como a famlia, a igreja e a escola deixam de funcionar e os laos de solidariedade entre os indivduos perdem a eccia, o que os deixa viver de forma desregrada. Podemos exemplicar com a crise nas instituies familiares, que conduz seus membros ao abandono.

    Perceberam como as causas do suicdio podem ser identicadas na sociedade?

    Observao

    Por conceber a sociedade como um grande corpo humano onde cada parte possui uma funo especfica, Durkheim concebia que as instituies como a famlia, a igreja e o Estado tinham de desempenhar seus papis.

    Quando uma instituio falha, ela contamina todo o corpo social, provocando algo que o terico chamou de anomia social, ou seja, uma sociedade doente.

    Durkheim acreditava que os problemas de sua poca no eram de natureza econmica, mas de natureza moral, pois as regras de conduta no estavam funcionando. Ele via a necessidade de criao de novos hbitos e comportamentos no homem moderno, com vistas ao bom funcionamento da sociedade.

  • 42

    Unidade I

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    Para reetir: Durkheim acreditava que os problemas de sua poca eram de natureza moral. Atualmente, nossos problemas so de natureza moral ou econmica?

    3.1.1 A relao indivduo versus sociedade

    Como quaisquer outros animais, os indivduos humanos nascem dotados de impulsos, instintos e desejos herdados da natureza.

    A sociedade est fora dos indivduos, sob a forma de outros indivduos e instituies, e tambm est dentro dos indivduos, sob a forma de valores, normas, costumes, tradies etc.

    Para conviverem pacicamente, os indivduos devem aprender a limitar seus impulsos, desejos e instintos, que geralmente so violentos ou sexuais. Para isso, a sociedade estabelece valores e normas para guiar o comportamento dos indivduos e conduzi-los convivncia harmoniosa. Algumas normas so explcitas e institudas em leis; outras normas permanecem tcitas.

    So as instituies (escola, famlia, igreja etc.) que fazem o trabalho de transferncia dos valores e normas sociais para os indivduos, habituando-os vida social. A esse processo educativo denominamos socializao.

    Ao nascer, o indivduo encontra a sociedade pronta e acabada. As maneiras de se comportar, de sentir as coisas e de aproveitar a vida j foram estabelecidas pelos outros indivduos e possuem a qualidade de serem coercitivas (MARTINS, 1990). A impositividade do social sobre o individual o que determina nosso comportamento, por isso a conduta social deve ser pautada em regras socialmente aprovadas. Observe como Durkheim (1985) exemplica essa questo:

    Se no me submeto s convenes mundanas, se, ao me vestir, no levo em considerao os usos seguidos em meu pas e na minha classe, o riso que provoco, o afastamento em que os outros me conservam, produzem os mesmos efeitos de uma pena propriamente dita. (...) No sou obrigado a falar o mesmo idioma que meus compatriotas, nem empregar as moedas legais; mas impossvel agir de outra maneira. (...) Se sou industrial, nada me probe de trabalhar utilizando processos e tcnicas do sculo passado; mas, se o zer, terei a runa como resultado inevitvel (DURKHEIM, 1985, p. 02).

    Portanto, no existe espao para manifestao da individualidade, pois o social que determina nosso comportamento individual, atuando como uma verdadeira camisa de fora sobre as nossas individualidades.

    3.1.2 Os fatos sociais e a conscincia coletiva

    Para Durkheim, a sociologia deveria se ocupar com os fatos sociais que so de natureza coletiva e se apresentam ao indivduo como exteriores e coercitivos. O autor ainda assinala o carter impositivo dos fatos sociais, sendo esse um conceito fundamental para analisar a sociedade.

  • 43

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    CINCIAS SOCIAIS

    Os fatos sociais so todos aqueles que apresentam trs caractersticas:

    Exterioridade: no foi criado por ns, exterior nossa vontade.

    Coercitividade: enquadra nosso comportamento, atua pela intimidao e induz o homem aceitao das regras a despeito de seus anseios e opes pessoais.

    Generalidade: qualidade do que geral, ou seja, atinge um grande nmero de pessoas na sociedade.

    Os fatos sociais podem ser normais ou patolgicos. Um fato social normal aquele que desempenha alguma funo importante para sua adaptao ou evoluo, como, por exemplo, o crime10. Um fato patolgico aquele que se encontra fora dos limites permitidos pela ordem social. Os fatos sociais so considerados patolgicos quando as leis no funcionam.

    Para reetir: o desemprego um fato social? Por qu?

    Lembrete

    Conscincia coletiva um conjunto de ideias comuns que formam a base para uma conscincia da sociedade.

    Cada um de ns possui uma conscincia individual, que faz parte de nossa personalidade. Existe tambm uma conscincia coletiva formada pelas ideias comuns que esto presentes em todas as conscincias individuais de uma sociedade.

    A conscincia coletiva est difusa na coletividade e, por isso, exterior ao indivduo, ou seja, a conscincia coletiva no o que o indivduo pensa, mas o que a sociedade pensa. Ela um tipo de conscincia que atua sobre o indivduo de maneira repressora, exercendo uma autoridade sobre seu modo de agir no meio social.

    Observao

    Podemos concluir que a conscincia coletiva no o que o indivduo pensa, mas o que a sociedade pensa. A conscincia coletiva representa a moral vigente na sociedade.

    A conscincia coletiva dene os fatos que so considerados imorais, reprovveis ou criminosos (COSTA, 2005). possvel sentirmos sua fora nos intensos debates pblicos que temos em nossa

    10 O crime visto como um fato social normal, pois em todas as sociedades em todas as pocas sempre existiram criminosos. O crime exerce uma funo social importante: refora os valores morais de renovar os laos de solidariedade de uma sociedade. Porm, quando os crimes fogem do controle da sociedade, eles se tornam uma patologia.

  • 44

    Unidade I

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    sociedade nos ltimos tempos sobre a legalizao do aborto, a descriminalizao do uso de drogas, as leis antitabagismo etc.

    3.1.3 O crime

    Durkheim armou que nenhuma sociedade est livre do crime. Como ela feita de um conjunto de instituies que pressupem a existncia de regras para a convivncia coletiva, o crime normal, um padro social.

    A normalidade do crime no signica que ele seja bom, mas que desempenha um papel social importante. Esse papel surge quando a criminalidade assume uma forma degenerativa, o que indica que h uma ausncia de normas que ameaa a coeso social e que as instituies sociais no conseguem socializar os indivduos. Exemplo: o crime organizado no Rio de Janeiro e em So Paulo.

    Observao

    As causas do crime devem procuradas na sociedade, no no delinquente.

    Quando as instituies de uma sociedade so fracas ou ausentes, a socializao fracassa e os indivduos entram num estado de ausncia de normas, a anomia. Numa sociedade com alto grau de anomia, os crimes e os desvios tornam-se mais comuns.

    Desvios e crimes so comportamentos que determinadas sociedades consideram antissociais, esforando-se por inibi-los, combat-los ou sublim-los:

    Desvio: comportamento que viola uma norma social (informal ou tcita). Exemplo: nas sociedades modernas, o homossexual considerado desviado, mas no criminoso.

    Crime: aquele desvio que uma sociedade considerou to perigoso e ofensivo que resolveu inibir ou punir com a lei. Exemplo: nas sociedades modernas, o assassino considerado um desviado e um criminoso.

    Figura 20 Foras armadas ocupam o Complexo do Alemo, no Rio de Janeiro

  • 45

    Revi

    so:

    Sim

    one

    Oliv

    eira

    - D

    iagr

    ama

    o: L

    o -

    30/

    6/20

    11

    CINCIAS SOCIAIS

    Todo criminoso um desviado, mas nem todo desviado um criminoso. Crime todo comportamento que t