Apostila 2 Final

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Gestão Estratégica Pública em Municípios Gapi/IG/Unicamp índice Apresentação do Curso Gestão Estratégica Pública.................................................................................04 1 a Parte - Capítulos Cap. 1 - Proposta para a criação de uma Escola de Governo Municipal......................................................08 Cap. 2 - Metodologia de Diagnóstico de Situações........................................................................................24 Cap. 3 - Metodologia de Planejamento de Situações.....................................................................................30 Cap. 4 - Estrutura de Governo para a Gestão Estratégica.............................................................................36 Cap. 5 - Avaliação do Funcionamento do Gabinete do Dirigente...................................................................48 Cap. 6 - Metodologia de Mapas Cognitivos....................................................................................................54 Cap. 7 - Metodologia de Análise de Sistemas e Construção de Modelos ........................................................62 Cap. 8 - Metodologia de Construção de Cenários.........................................................................................70 Cap. 9 - Metodologia de Análise Estrutural....................................................................................................75 Bibliografia........................................................................................................................................................79 2 a Parte - Capítulos Cap. 10 - Metodologia de Análise de Políticas Públicas...................................................................................04 Cap. 11 - Metodologia de Trabalho em Equipes...............................................................................................37 Cap. 12 - Condução de Crises ........................................................................................................................54 Cap. 13 - Análise Estratégica..........................................................................................................................58 Bibliografia........................................................................................................................................................71 3 a Parte - Textos de Apoio: 1- A Coordenação do Governo 2- Metodologia de Diagnóstico de Situações 3- Sistema Integrado de Planejamento e Gestão Orçamentária 4- Planejamento como Aprendizado 5- Artigos do jornalista Merval Pereira 6- Gerenciamento de Crises: caso para discussão 7- Método ZOPP – Planejamento de Projeto Orientado para Objetivo 8- Sistema de Monitoramento e Avaliação do Planejamento Estratégico Situacional 9- Dez Teses sobre as Práticas de Governo 10- O Planejamento de Governo 11- Guia de Exercícios

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Gestão Estratégica Pública em Municípios

Gapi/IG/Unicamp

índiceApresentação do Curso Gestão Estratégica Pública.................................................................................04

1a Parte - Capítulos

Cap. 1 - Proposta para a criação de uma Escola de Governo Municipal......................................................08

Cap. 2 - Metodologia de Diagnóstico de Situações........................................................................................24

Cap. 3 - Metodologia de Planejamento de Situações.....................................................................................30

Cap. 4 - Estrutura de Governo para a Gestão Estratégica.............................................................................36

Cap. 5 - Avaliação do Funcionamento do Gabinete do Dirigente...................................................................48

Cap. 6 - Metodologia de Mapas Cognitivos....................................................................................................54

Cap. 7 - Metodologia de Análise de Sistemas e Construção de Modelos ........................................................62

Cap. 8 - Metodologia de Construção de Cenários.........................................................................................70

Cap. 9 - Metodologia de Análise Estrutural....................................................................................................75

Bibliografia........................................................................................................................................................79

2a Parte - Capítulos

Cap. 10 - Metodologia de Análise de Políticas Públicas...................................................................................04

Cap. 11 - Metodologia de Trabalho em Equipes...............................................................................................37

Cap. 12 - Condução de Crises ........................................................................................................................54Cap. 13 - Análise Estratégica..........................................................................................................................58

Bibliografia........................................................................................................................................................71

3a Parte - Textos de Apoio:

1- A Coordenação do Governo

2- Metodologia de Diagnóstico de Situações

3- Sistema Integrado de Planejamento e Gestão Orçamentária

4- Planejamento como Aprendizado

5- Artigos do jornalista Merval Pereira

6- Gerenciamento de Crises: caso para discussão

7- Método ZOPP – Planejamento de Projeto Orientado para Objetivo

8- Sistema de Monitoramento e Avaliação do Planejamento Estratégico Situacional

9- Dez Teses sobre as Práticas de Governo

10- O Planejamento de Governo

11- Guia de Exercícios

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1010.1 Apresentação

Este capítulo tem por objetivo apresentar de formaorganizada uma visão acerca dos aspectos políticosenvolvidos com a Gestão Estratégica Pública. Maisespecificamente, ele se orienta a sistematizar acontribuição de autores que buscam melhorar a maneiracomo o processo de elaboração de políticas desenvolve-se no âmbito do Estado contemporâneo. Desta forma,pretende possibilitar aos profissionais ali situados, einteressados em construir alternativas aos cursos de açãotradicionais, um conjunto de categorias e métodos deanálise apropriados à gestão pública.

Num certo sentido, ele pode ser entendido comoum auxílio metodológico para a pesquisa de situações -políticas, organizações, processos, etc. - relevantes doponto de vista da Gestão Estratégica Pública, uma ajudapara tratar estas situações ou sistemas complexosmediante a construção de modelos. Neste sentido, estecapítulo complementa o conteúdo de outros dois -“Análise de Sistemas e Construção de Modelos” e“Análise Estrutural” - que conformam um amplo espectrode metodologias disponíveis. Estas duas metodologias,de aplicação relativamente fácil e imediata, podem serusadas em praticamente qualquer situação em que umsistema possa ser descrito por uma lista decaracterísticas, seja ele qual for. A metodologia de quetrata este capítulo é de aplicação mais complexa edemorada, mas oferece resultados muito mais relevantespara o entendimento dos ambientes de governo e para aelaboração de políticas públicas.

A sua estrutura segue muito de perto a propostafeita por um livro bem conhecido (HAM e HILL, 1993) epode ser usado para guiar o processo de consulta àbibliografia sobre Análise de Política. O seu público-alvosão os profissionais de formação variada (engenheiros,médicos, administradores, economistas, etc.) que atuamno setor público ou privado, lidando com temas, denatureza também muito distinta, relacionados a áreasonde é importante a presença do Estado na produção(ou sua regulação) de bens e serviços para a população(energia, saúde, educação, transporte etc).

Neste capítulo trata-se quase que exclusivamenteda análise, propriamente dita, do processo de elaboraçãode políticas. Isso porque seu propósito, tal como acimaindicado, é instrumentalizar o leitor enquanto analistadedicado ao acompanhamento, avaliação e crítica depolíticas cuja responsabilidade de formulação eimplementação corresponde a um outro ator.Relativamente pouca ênfase é dada à capacitação doleitor enquanto responsável pela elaboração,propriamente, de políticas públicas.

É por isso que somente na seção 9 é abordado o

tema da elaboração de políticas enquanto “arte e técnicade governo”. Assim, somente nesta seção é que sediscorre sobre os procedimentos que devem serrealizados, da metodologia que deve ser utilizada, e doscuidados que devem ser tomados para formular políticasque possam ser implementadas de maneira adequada epara que elas sejam implementadas de forma a alcançaros objetivos e os impactos visados. Tal tema, entretanto,não será abordado em detalhe, pois mais do que osdemais, ele tem sido tratado de forma exaustiva pormuitos autores.

Não obstante, o conteúdo apresentado nas seçõesque precedem a 9 constitui-se num subsídio tãoimportante para adquirir a capacidade de elaborar(formular, implementar e também avaliar) políticaspúblicas, que se espera de um profissional situado nointerior do aparelho de Estado, que omití-las seria algoassim como esperar que alguém que nunca pisou numacozinha possa fazer um bom bolo apenas com umareceita (por melhor que ela seja). Em outras palavras,seria aceitar a proposição tecnocrática de que aelaboração de política pública pode ser encarada comoa simples operacionalização de um conjunto de normas,procedimentos e passos de um manual.

A seção 11 é uma espécie de resumo dasanteriores (com exceção da 9) e pode ser usada comoum guia para a Análise de Políticas.

A intenção deste capítulo é, então, construir umaponte entre as metodologias de planejamento usualmenteadotadas por organizações públicas, cuja ineficácia têmsido insistentemente apontada, e esses conteúdos.

10.2. Explorando o conceito de Análisede Política

Antes de qualquer coisa, um lembrete:A Análise de Políticas não necessariamente implica

numa identificação do analista com os objetivos daquelesque controlam o processo político. A subversão do statusquo demanda, talvez mais do que sua preservação, oseu correto entendimento.

Esta extensa seção procura dar conta dacomplexidade do conceito de Análise de Política,introduzindo o leitor, simultaneamente, à bibliografiaproduzida pelos principais autores que se dedicam a estecampo e à forma como se vão estabelecendo (ealterando) os demais conceitos com ele relacionados.

10.2.1. O conceito de Política

EASTON (1953, p. 130) nos diz que “uma política(policy) é uma teia de decisões que aloca valor”. Maisespecificamente, JENKINS (1978, p. 15) vê política comoum “conjunto de decisões inter-relacionadas, concernindoà seleção de metas e aos meios para alcançá-las, dentrode uma situação especificada”.

Segundo HECLO (1972, p. 84-85), o conceito depolítica (policy) não é “auto-evidente”. Ele sugere que“uma política pode ser considerada como um curso deuma ação ou inação (ou “não-ação”), mais do quedecisões ou ações específicas”.

METODOLOGIA DE ANÁLISEDE POLÍTICAS PÚBLICAS

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WILDAVSKY (1979, p. 387) lembra que o termopolítica é usado para referir-se a um processo de tomadade decisões, mas, também, ao produto desse processo.

HAM e HILL (1993, p. 13) analisam as “implicaçõesdo fato de que a política envolve antes um curso de açãoou uma teia de decisões que uma decisão”, destacandoaspectos como:

ü “há uma rede de decisões de considerávelcomplexidade;

ü há uma série de decisões que, tomadas em seuconjunto, encerram mais ou menos o que é a política;

ü políticas mudam com o passar do tempo e, emconseqüência, o término de uma política é uma tarefadifícil;

ü o estudo de políticas deve deter-se, também, noexame de não-decisões”.

Os autores colocam, ainda, que o estudo de não-decisões tem adquirido importância crescente nos últimosanos.

Uma forma de resumir as características doconceito é dada por estes três elementos:

ü uma teia de decisões e ações que alocam(implementam) valores;

ü uma instância que, uma vez articulada, vaiconformando o contexto no qual uma sucessão dedecisões futuras serão tomadas;

ü algo que envolve uma teia de decisões ou odesenvolvimento de ações no tempo, mais do queuma decisão única localizada no tempo.

Ao se trabalhar com Análise de Políticas há quese lembrar que o termo política pode ser empregado demuitas maneiras. Por exemplo, para designar:

1. campo de atividade (social, econômica), ouenvolvimento governamental, embora com limitesnem sempre definidos;2. objetivo ou situação desejada (estabilidadeeconômica);3. propósito específico (inflação zero) em geralrelacionado a outros de menor ou maior ordem;4. decisões do governo frente a situaçõesemergenciais;5. autorização formal (diploma legal), ainda que semviabilidade de implementação;6. programa (“pacote” envolvendo leis, organizações,recursos);7. resultado (o que é obtido na realidade e não ospropósitos anunciados ou legalmente autorizados);8. impacto (diferente de resultado esperado);9. teoria ou modelo que busca explicar a relação entreações e resultados;10. processo (os nove pontos acima são “fotos”; énecessário um “filme”: enfoque processual).

As definições e os cuidados que se deve tomarmostram que na Análise de Política há de se levar emconta que:

ü os political aspects (aspectos políticos) sãoinerentes ao processo de elaboração de políticas(tradução para o termo em inglês policy process); eque:

ü a política envolve uma teia de decisões e odesenvolvimento de ações no tempo, mais do queuma decisão isolada.

Para resumir pode-se criar um “decálogo” como oque segue, que nos lembra que, para entender o conceitode política é necessário levar em conta:

1. a distinção entre política e decisão: a política égerada por uma série de interações entre decisões,mais ou menos conscientes, de diversos atoressociais (e não somente dos tomadores de decisão);2. a distinção entre política e administração;3. que política envolve tanto intenções quantocomportamentos;4. tanto ação como não-ação;5. que pode determinar impactos não esperados;6. que os propósitos podem ser definidos ex post:racionalização;7. que ela é um processo que se estabelece ao longodo tempo8. que envolve relações intra e inter-organizações;9. que é estabelecida no âmbito governamental, masenvolve múltiplos atores;10. que é definida subjetivamente segundo as visõesconceituais adotadas.

10.2.2. O conceito de Análise de Política

Embora várias definições tenham sido cunhadaspor autores que se têm dedicado ao tema, pode-se iniciardizendo que a Análise de Políticas pode ser consideradacomo um conjunto de conhecimentos proporcionado pordiversas disciplinas das Ciências Humanas, utilizadospara buscar resolver ou analisar problemas concretosem política (policy) pública (BARDACH, 1998).

Para WILDAVSKY (1979, p. 15), a Análise dePolítica recorre a contribuições de uma série de disciplinasdiferentes, a fim de interpretar as causas e conseqüênciasda ação do governo, em particular, ao voltar sua atençãoao processo de formulação de política. Ele considera,ademais, que Análise de Política é uma sub-área aplicada,cujo conteúdo não pode ser determinado por fronteirasdisciplinares, mas sim por uma abordagem que pareçaapropriada às circunstâncias do tempo e à natureza doproblema. Segundo LASSWELL (1951, p. 3), essaabordagem vai além das especializações existentes.

Segundo DYE (1976: p. 1), fazer “Análise dePolítica é descobrir o que os governos fazem, porquefazem e que diferença isto faz”. Para ele, Análise dePolítica é a descrição e explicação das causas econseqüências da ação do governo (ib.). Numa primeiraleitura, essa definição parece descrever o objeto daCiência Política, tanto quanto o da Análise de Política.No entanto, ao procurar explicar as causas econseqüências da ação governamental, os cientistas políticostêm-se concentrado nas instituições e nas estruturas degoverno, só há pouco registrando-se um deslocamento paraum enfoque comportamental (HAM e HILL, 1993, p. 4).

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HAM e HILL (p. 5) ressaltam que “recentemente a políticapública tornou-se um objeto importante para os cientistaspolíticos. O que distingue a Análise de Política do que seproduz em ciência política é a preocupação com o que ogoverno faz”.

O escopo da Análise de Política, porém, vai muitoalém dos estudos e decisões dos analistas, porque apolítica pública pode influenciar a vida de todos osafetados por problemas das esferas pública (policy) epolítica (politics), dado que os processos e resultados depolíticas sempre envolvem vários grupos sociais e porqueas políticas públicas constituem-se em objeto específicoe qualificado de disputa entre os diferentes agrupamentospolíticos com algum grau de interesse pelas questõesque têm no aparelho de Estado um locus privilegiado deexpressão.

A Análise de Política engloba um grande espectrode atividades, todas elas envolvidas de uma maneira oude outra com o exame das causas e conseqüências daação governamental. Assim, uma definiçãocorrentemente aceita sugere que a Análise de Políticatem como objeto os problemas com que se defrontamos fazedores de política (policy makers), e como objetivoauxiliar o seu equacionamento através do emprego decriatividade, imaginação e habilidade.

10.2.3. O surgimento da Análise de Política como campo acadêmico

HAM e HILL (1993) apontam que a preocupaçãocom as políticas públicas, que dá origem ao surgimentoda Análise de Política, acentua-se no início da décadade 60 e tem origem em duas vertentes de interesse:

ü as dificuldades porque passavam os formuladoresde política frente à complexidade cada vez maior dosproblemas com que se deparavam, fato que os levoupaulatinamente a buscar ajuda para construção dealternativas e propostas para soluções; e

ü a atenção de pesquisadores acadêmicos emCiências Sociais (Ciência Política, Economia,Sociologia) que progressivamente passaram atrabalhar com questões relacionadas às políticaspúblicas e procuraram construir e aplicarconhecimentos à resolução de problemas concretosdo setor público.

Foi, assim, a escala dos problemas com que, nosanos 60, deparavam-se os governos das sociedadesocidentais industrializadas, o que levou a um crescenteinteresse pela Análise de Política. Por outro lado, adificuldade de tratar problemas fez com quepesquisadores acadêmicos, sobretudo da área deCiências Sociais, se interessassem, progressivamente,por questões relacionadas às políticas públicas eprocurassem aplicar seus conhecimentos na suaelucidação. Ao longo dos anos, surgiram programas ecursos universitários, novas disciplinas e publicaçõesacadêmicas sobre o tema. Simultaneamente, agênciasde governos dos países avançados começaram aempregar analistas de políticas e a adotar novas práticas,

como a análise de custo e benefício, o orçamento porprograma e a análise de impacto.

Em alguns círculos, a Análise de Política nascecomo área de pesquisa, contrapondo-se à AdministraçãoPública. Não obstante, o formato inicial dos cursos (nosEUA, nos anos 60) a ela dedicados (focalizados na análiseorganizacional, métodos quantitativos, etc.) nãoenfatizavam com propriedade a questão dos valores,intrínseca à Análise de Política.

Em outros círculos, a Análise de Políticaestabelece-se por diferenciação/exclusão em relação aode Ciência Política, determinando uma inflexão no seuenfoque, concentrado na análise das organizações eestruturas de governo; isto é, deslocando o foco daanálise do institucional para o comportamental.

Apesar das contribuições que desde há muitotempo têm sido realizadas por cientistas sociais, o que énovo é a escala em que elas passam a ocorrer a partirdos anos 70, e o ambiente mais receptivo que passa aexistir por parte dos governos. De fato, pesquisadores,como Keynes e Marx, já se tinham interessado porquestões inerentes à atuação de governo e às políticaspúblicas. Esse movimento recente, entretanto,caracterizou-se por oferecer uma nova abordagem e portentar superar problemas atinentes aos cursos de CiênciaPolítica, que tomaram por modelo áreas da AdministraçãoPública ou deram excessiva ênfase a métodosquantitativos combinados à análise organizacional.

Segundo alguns dos pesquisadores que fundam ocampo, a “policy orientation” é o que distingue a Análisede Política da Administração Pública. O seu caráternormativo (no sentido de explicitamente portador devalores) revela uma preocupação acerca de como asidéias que emergem da análise podem ser aplicadas nosentido de alavancar um projeto social alternativo. Nestecaso, a melhoria do processo político através das políticaspúblicas que promovam a democratização do processodecisório é assumida como um viés normativo.

Mas, segundo eles, a Análise de Política é tambémproblem-oriented, o que demanda e suscita ainterdisciplinaridade. A Análise de Política caracteriza-se, assim, pela sua orientação aplicada, socialmenterelevante, multidisciplinar, integradora e direcionada àsolução de problemas, além da sua natureza ao mesmotempo descritiva e normativa.

Nos anos 80, o debate Estado x mercado,privatização, e a consideração da incapacidade do Estadopara resolver os problemas sociais, levaram à utilizaçãode técnicas de administração desenvolvidas no setorprivado. A subestimação das dificuldades relacionadasà implementação de políticas é um traço marcante dapostura da administração.

10.2.4. Uma tipologia da Análise de Política: a tensão entre o descritivo e o prescritivo

Sobre a tensão entre o descritivo e o prescritivo,HAM e HILL (1993) classificam os estudos de AnálisePolítica (abordagens, perspectivas) em duas grandescategorias:

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ü a análise que tem como objetivo desenvolverconhecimentos sobre o processo de elaboração depolíticas (formulação, implementação e avaliação) emsi mesmo - estudos sobre as características daspolíticas e o processo de elaboração de políticas -que revelam, portanto, uma orientaçãopredominantemente descritiva; e

ü a análise voltada a apoiar os fazedores de política,agregando conhecimento ao processo de elaboraçãode políticas, envolvendo-se diretamente na tomadade decisões, revelando assim um caráter maisprescritivo ou propositivo.

Já DYE refere-se ao tema dizendo que a Análisede Política tem um papel importante na ampliação doconhecimento da ação do governo e pode ajudar os“fazedores de política” (policy makers, no original) amelhorar a qualidade das políticas públicas. Com isso,ele corrobora a visão de outros autores, como LASSWELL(1951) e DROR (1971), segundo a qual a Análise dePolítica é tanto descritiva, quanto prescritiva (HAM e HILL,1993, p. 6). Na visão de WILDAVSKY (1979, p. 17) “opapel da Análise de Política é encontrar problemas ondesoluções podem ser tentadas”, ou seja, “o analista deveser capaz de redefinir problemas de uma forma que tornepossível alguma melhoria”. Portanto, a Análise de Políticaestá preocupada tanto com o planejamento como com apolítica (politics).

Assim, dois termos que podem ser encontradosreiteradamente na literatura anglo-saxã são:

ü analysis of policy, referindo-se à atividadeacadêmica visando, basicamente, ao melhorentendimento do processo político;

ü analysis for policy, referindo-se à atividade aplicadavoltada à solução de problemas sociais.

A figura que segue, que aparece em HOGWOODe GUN (1981 e 1984), e está baseada, por sua vez, emGORDON, LEWIS e YOUNG (1977), propõe umatipologia da Análise de Política que abrange um amploespectro. Ele vai desde os estudos descritivos - “análisedo conteúdo da política” - até os francamente normativos

- “defesa de políticas”.Essa tipologia distingue sete tipos de Análise de

Política e esclarece muitos dos termos usadoscorrentemente na área:

ü estudo do conteúdo das políticas (study of policycontent), no qual os analistas procuram descrever eexplicar a gênese e o desenvolvimento de políticas;isto é, determinar como elas surgiram, como foramimplementadas e quais os seus resultados;

ü estudo do processo das políticas (study of policyprocess): nele, os analistas dirigem a atenção paraos estágios pelos quais passam questões e avaliama influência de diferentes fatores, sobretudo naformulação das políticas;

ü estudo do resultado das políticas (study of policyoutput), no qual os analistas procuram explicar comoos gastos e serviços variam em diferentes áreas,razão por que tomam as políticas como variáveisdependentes e tentam compreendê-las em termosde fatores sociais, econômicos, tecnológicos eoutros1;

üestudo de avaliação (evaluation study), no qual seprocura identificar o impacto que as políticas têmsobre a população2;

ü informação para elaboração de políticas(information por policy making): neste caso, o governoe os analistas acadêmicos organizam os dados paraauxiliar a elaboração de políticas e a tomada dedecisões;

ü defesa de processos (process advocacy): osanalistas procuram melhorar os sistemas deelaboração de políticas e a máquina de governo,mediante a realocação de funções, tarefas e enfoquespara avaliação de opções; e

ü defesa de políticas (policy advocacy), atividadeexercida por intermédio de grupos de pressão, emdefesa de idéias ou opções específicas no processode políticas.

10.2.5. A postura do analista de políticas

É possível identificar três tipos deanalistas:

- o “técnico”: interessado em pesquisapolicy-oriented, é um acadêmico preocupadocom a (ou atuando na) burocracia;

- o “político”: interessado em Análisede Política na medida em que lhe permiteaumentar sua influência política;

- o “empreendedor”, interessado emusar a Análise de Política para influenciar apolítica.

1 Tais estudos têm recebido muita atençãonos E.U.A., Europa e Reino Unido.

2 Esse tipo de estudo pode ser descritivo eprescritivo e marca a fronteira entre a “análise depolítica” e a “análise para política”.

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O caráter de policy orientation da Análise de Políticasugere que a preocupação do analista seja maisdirecionada à “análise da determinação da política”(postura normativa) do que à “análise do conteúdoda política” (postura descritiva).

A posição não-engajada, puramente acadêmica,é válida na medida em que a isenção permite uma análisemais rigorosa. Ela não deve impedir o cumprimento doobjetivo maior (normativo), que deve ser a melhoria doprocesso político. Esta não necessariamente implicanuma identificação com os objetivos daqueles quecontrolam o processo político. A subversão do status quodemanda, talvez mais do que sua preservação, o seucorreto entendimento.

Análises neutras, desprovidas de valores, são ummito. A pesquisa é sempre influenciada pelos valores doanalista. É difícil, mas necessário, que ele não se convertanum “político” (policy advocate).

WILDAVSKY (1979, p. 7) destaca que a Análisede Política envolve um certo aprendizado, a partir daexperiência, especialmente da experiência do fracassoe da correção dos erros cometidos. Segundo HAM e HILL(p. 22), os analistas não se deveriam restringir a examinarcomo políticas podem ser melhoradas, dentro dasrelações sociais e políticas já existentes: essas própriasrelações deveriam ser parte do campo de investigação.Se a análise política está localizada na estrutura existentede relações sociais, e se o escopo é limitado a questõesjá postas na agenda para discussão, então questõessignificativas podem ser ignoradas e as necessidadesde grupos particulares podem ser negligenciadas (p. 21).

Uma postura cética, que questione ospressupostos dos tomadores de decisão é aconselhável.Não fazê-lo leva a uma posiçãoconservadora. Buscar simplesmente amelhoria das políticas (e não do processopolítico) no âmbito das relações sociais epolíticas existentes termina levando àadoção de um critério de qualidadeenviesado: a boa política é aquela quepode ser implementada (viável).

Restringir o foco de análise aosproblemas já contemplados pela “agenda(de discussão) política” leva a excluirquestões que interessam a grupos políticae socialmente desfavorecidos.

A percepção de que as políticas,mais do que o mercado, são osresponsáveis pelo progresso social,envolve o questionamento das relaçõessociais e políticas existentes; aconsideração tanto das decisões tomadas como das“não-decisões”.

Mesmo a analysis for policy, que supõe uminteresse não (apenas) acadêmico e aplica o instrumentalda administração visando à sua consecução, demandaa analysis of policy como etapa prévia. Caso contrário,se o policy process (processo de elaboração da política)não for entendido como um political process, esseinstrumental será ineficaz (não adaptado ao mundo real).

A postura do analista deve, em suma, levar emconta que a Análise de Política envolve tanto a melhoria

do entendimento acerca da política e do processo políticoquanto prescrições visando a melhores políticas.

10.2.6 A Análise de Política e o contextoda política

HAM e HILL (p. 18-19), citando MINOGUE (1983,p. 5), ressaltam que, dado que as políticas públicasproduzem efeitos sobre a economia e a sociedade,qualquer teoria que as explique satisfatoriamente devetambém explicar as inter-relações entre Estado, políticae sociedade.

Para entender o processo de elaboração depolíticas, EASTON (1953, 1965) baseia-se numparadigma semelhante ao sistema biológico. Ele propõeque a atividade política seja analisada em termos de umsistema, abarcando uma série de processos que devempermanecer em equilíbrio a fim de que a atividadesobreviva. Assim, a teoria dos sistemas proposta porEASTON considera a vida política como um processoque engloba inputs (entradas ou perguntas), que vêm doambiente externo (econômico, religioso, cultural etc..),que se transformam em outputs (saídas ou respostas) -as decisões políticas - as quais, por sua vez, retroagemsobre o ambiente circundante, provocando, assim,sempre novas perguntas (BOBBIO, 1993, p.167).

A Análise de Política, dado que deve levar emconsideração o contexto social, econômico e político noqual se inserem os problemas enfocados, tem seu objetorepresentado por alguns autores pelo esquema propostopor EASTON como segue.

HAM e HILL (p. 16-22) dizem que uma das

vantagens do paradigma adotado por EASTON está emque a teoria dos sistemas oferece uma forma deconceituar complexos fenômenos políticos. Ao enfatizaros processos, em oposição a instituições ou estruturas,o enfoque de EASTON representa um avanço, em relaçãoa análises mais tradicionais, no âmbito da Ciência Políticae da Administração Pública.

Esta visão permite que se defina um setor depolítica como “um grupo de organizações complexas,conectadas umas às outras por dependência derecursos”. Ela permite abordar a dependência de uma

Demandas

Apoio, recursos

Entradas Decisões eações Saídas

Ambiente Ambiente

AmbienteAmbiente

SISTEMAPOLÍTICO

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organização em relação à outra através do exame dofluxo de recursos financeiros. Ao fazê-lo, destaca trêscaracterísticas da Análise de Política:

ü As organizações são influenciadas pelassociedades nas quais operam;

ü É necessário assegurar que a análise do Estadoseja baseada na compreensão de sua relação com asociedade;

ü As atividades do Estado nas sociedades modernasé essencialmente uma atividade organizacional.

De fato, aplicada às organizações, a teoria dossistemas permite analisá-las como conjunto de entidadesmais ou menos interdependentes e constituídas departes, que são variáveis mutuamente dependentes. Alémdisso, alguns temas são mais ou menos comuns àsteorias da organização e dos sistemas: os agregados deindivíduos inseridos no sistema, as relações entre osindivíduos e o ambiente do sistema organizacional, asinterações dos indivíduos dentro do sistema e ascondições necessárias para garantir a estabilidade dosistema.

HAM e HILL (p. 15-18), porém, fazem algumascríticas à concepção geral do modelo sistêmico. Aprimeira destaca a excessiva redução lógica dosprocessos, em termos de demandas e apoios convertidosem saídas, o que raramente ocorre de modo tão simples,no mundo prático da elaboração de políticas. Oreconhecimento de alguns processos (manipulação delinguagem, criação de crises, imposição de agendas paraautoridades ou mesmo simulação de políticas, porexemplo) é um importante corretivo de ingênuashipóteses encontradas na teoria dos sistemas. Umsegundo comentário ressalta que o enfoque sistêmicoenfatiza a importância do processo central de conversão- a caixa preta (black box) -; isto é, da tomada de decisõese, no entanto, dá-lhe pouca atenção, ao compará-lo àsdemandas e apoios externos. Isso indica a necessidadede os estudos basearem-se não apenas na análise desistemas, mas também na dinâmica da tomada dedecisões. Uma terceira crítica refere-se ao fato de osistema e, em particular, a forma em que os processosocorrem dentro da caixa preta constituírem o próprioobjeto da ação política. A relação entre as entidades degoverno está sujeita a ajustes contínuos, na medida emque obrigações e orçamentos são alterados.Reapresentações sistemáticas do processo de políticastendem a dar aos conflitos a aparência de jogos. Nessecaso, o problema reside na possibilidade de a políticatratar tanto da garantia de um resultado específico, quantoda mudança nas regras do jogo.

Para HAM e HILL (p. 16), a própria ênfase da teoriasistêmica na idéia da black box (caixa peta) é ilustrativa:a imagem salienta que os processos implícitos na caixapreta dificilmente são penetrados e pesquisados.Tomando os três modelos de ALLISON (1971), queajudam a entender os processos, HILL lembra que há omodelo do ator racional, o modelo do processoorganizacional e o modelo de políticas burocráticas. Noprimeiro, os agentes devem escolher, entre alternativas,as metas e objetivos da ação, de modo que suas

conseqüências sejam as maiores possíveis. No segundo,a ação é vista como resultado do comportamentoorganizacional, estabelecido pelas rotinas eprocedimentos operacionais. O terceiro considera a açãocomo resultado de acordos entre grupos e indivíduos, nosistema político.

Uma outra contribuição importante à compreensãodos processos políticos abordados nesta pesquisa é ametodologia desenvolvida por MATUS (1996). No seutrabalho “Política, Planificación y Gobierno”, apreocupação implícita é com a análise para a política.Entretanto, algumas das suas críticas dos pressupostosbásicos do planejamento sistêmico exibem elementosinteressantes para a abordagem da análise de política.Como decorrência da discussão das falácias da teoriasistêmica, o autor introduziu dois novos conceitos, umdos quais foi adotado no presente estudo, como seabordará a seguir.

De acordo com MATUS (p. 72), “o modelosistêmico tradicional tende a tratar o próprio sistema comoalgo estático e incontestável ou, pelo menos, sujeito araras mudanças fundamentais”. Considera, comopressuposto, que, nesse modelo, o “ator que planeja estáfora ou sobre a realidade que planifica”. O ator “nãocoexiste nessa realidade com outros atores, que tambémplanejam”. Isso leva “o planejador sistêmico, ao nãoaceitar que sua teoria se baseia neste pressupostobásico, coloque-se diante do seguinte dilema: ou aceitao pressuposto mencionado, e tem uma teoria consistente,mas irreal nos seus pressupostos, ou o rechaça por serirreal, mas então sua teoria é inconsistente”.

Apoiando-se na suposição anterior, MATUS (p. 76-80) deduz, como postulados do modelo sistêmico, que:

1. sujeito é diferençável do objeto;2. não pode haver mais de uma explicaçãoverdadeira;3. explicar é descobrir as leis que regem o objeto;4. o poder não é um recurso escasso;5. não existe uma incerteza mal definida;6. os problemas a que se refere o plano são bemestruturados e têm solução conhecida.

Todos esses pressupostos têm regido as teoriasem que se baseia a prática do planejamento, na AméricaLatina e, exceto nos meios acadêmicos, não sãoquestionados. A explicação, que se tem procurado paraos irrisórios efeitos alcançados pelos planejadores, passaao largo da crítica a tais postulados, contentando-se comapontar a precária qualidade dos planos, as deficiênciasdas estatísticas, o escasso poder dos órgãos deplanejamento, a inexperiência dos economistas, adeficiência de sua formação e o desinteresse político. Otrabalho de MATUS vai mais além, ao sustentar que ospoucos resultados do planejamento tradicional latino-americano devem ser procurados naqueles pressupostos,que conduzem a um conceito restrito de planejamento ede planejador e a uma prática economicista etecnocrática, que se isola do planejamento político e doprocesso de governo.

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MATUS (p. 76-80) rejeita, de início, a suposiçãode que o ator que planeja está fora da realidade e que arealidade planejada é um objeto planificável, que nãocontém outros sujeitos criativos, que também planejam.Com isso, abrem-se novas portas para reformular,teoricamente, o planejamento, a função do planejador ea Análise de Políticas. Ao assumir que o ator está inseridonuma realidade, na qual coexiste com outros, quetambém planejam, MATUS propõe alguns postulados:

1. sujeito não é distinto do objeto;2. há mais de uma explicação verdadeira;3. os atores sociais geram possibilidades, em umsistema social criativo que, só em parte, segue leis;4. o poder é um recurso escasso e limita apossibilidade do “deve ser”;5. existe uma incerteza mal definida, que domina todoo sistema social; conseqüentemente,6. os problemas, a que se refere o plano, são quase-estruturados3 (p. 580).

Com esses postulados, supera-se também aexigência de que o sistema esteja em equilíbrio, a fim deque a atividade sobreviva.

Se uma das vantagens do modelo sistêmico “é queele chama a atenção entre sistemas políticos e outrossistemas” (HILL, 1993, p. 17), a abordagem de MATUS,introduzindo uma nova conceituação de “meio-ambiente”,vai bem mais além, ao considerar que os atores e osoutros sistemas são elementos intrínsecos ao modelode planejamento. MATUS ainda introduz dois conceitosimportantes: o de situação e o de momento4. Este últimoserá extensamente utilizado, dado que possibilita umrecorte dinâmico e mais adequado ao enfoque analíticousado, a Análise de Política. Evitou-se a adoção doprimeiro conceito, porquanto envolveria uma posturaacadêmica um tanto controversa, na medida em queimplica diferentes leituras e explicações de uma mesmarealidade. Além do mais, a opção pela Análise de Políticafacultou uma compreensão satisfatória do problemaproposto, nos termos do enfoque de HAM e HILL, com a

a chegada do conceito de momento, de MATUS.

10.2.7. A Análise de Política e os níveisde análise

O analista das políticas públicas deve situar-se forado mundo do dia-a-dia da política (politics), de maneira apoder indagar acerca de algumas das grandes questõesrelacionadas à função do Estado na sociedadecontemporânea, e à distribuição de poder entre diferentesgrupos sociais.

Para uma análise adequada, é necessário explorartrês níveis, que podem ser entendidos, ao mesmo tempo,como níveis em que se dão realmente as relaçõespolíticas (policy e politics) e como categorias analíticas;isto é, como níveis em que estas relações devem seranalisadas. São eles:

ü do funcionamento da estrutura administrativa(institucional). É o nível superficial das ligações eredes intra e inter agências, determinadas por fluxosde recursos e de autoridade, etc., em que a análiseestá centrada no processo de decisão no interior dasorganizações e nas relações entre elas. É o que sepode denominar nível da aparência ou superficial.

ü do processo de decisão. É o nível em que semanifestam os interesses presentes no âmbito daestrutura administrativa; isto é, dos grupos políticospresentes no seu interior e que influenciam noconteúdo das decisões tomadas. Dado que os gruposexistentes no interior de uma organização respondema demandas de outros grupos externos, situados emoutras instituições públicas e em organizaçõesprivadas, as características e o seu funcionamentonão podem ser adequadamente entendidos a não serem função das relações de poder que se manifestamentre esses grupos. É o que se pode denominar níveldos interesses dos atores.

ü das relações entre Estado e sociedade. É o nívelda estrutura de poder e das regras de sua formação,o da “infra-estrutura econômico-material”. Édeterminado pelas funções do Estado que assegurama acumulação capitalista e a normatização das

3“Problema quase-estruturado” é o que não se pode definir nem explicar com precisão; por isso, não se sabebem como enfrentá-lo e, muito menos, se conhecem os critérios para escolher entre as opções concebidas paraenfrentá-lo. A primeira dificuldade com tais problemas está em reconhecê-los (MATUS, 1993, p. 580).

4Estas duas expressões, adotadas e empregadas neste capítulo foram definidas por MATUS (1996, p. 584)como segue. “Situação” é a realidade explicada por um ator, que vive nela e a interpreta em função de sua própriaação. Por isso, cada ator pode ter uma explicação diferente de uma realidade. “Momento” é uma instância repetitiva,pela qual passa um processo encadeado e contínuo, que não tem princípio nem fim bem demarcados (MATUS,1996, p. 577). Em texto anterior, MATUS detalha esse conceito, explicitando que ele não tem uma característicameramente cronológica e que indica instância, ocasião, circunstância ou conjuntura, pela qual passa um processocontínuo ou em cadeia, sem começo nem fim bem definidos. Enfatiza que a passagem do processo por um momentodeterminado é apenas o domínio transitório desse momento sobre os outros, que sempre podem estar presentes(MATUS, 1996, p. 577).

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relações entre os grupos sociais. É o que explica,em última instância, a conformação dos outros doisníveis, quando pensados como níveis da realidade,ou as características que assumem as relações aserem investigadas, quando pensados como níveisde análise. Este nível de análise trata da função dasagências estatais que, em sociedades capitalistasavançadas é, em última análise, o que assegura oprocesso de acumulação de capital e a sualegitimação perante a sociedade. É o que se podedenominar nível da essência ou estrutural.

A figura acima ilustra o Ciclo Iterativo da Análisede Política e os seus respectivos Níveis de Análise. Elamostra que a análise deve desenvolver-se de formareiterada (em ciclos de retroalimentação) do primeiro parao terceiro níveis, e vice versa, buscando responder asperguntas suscitadas pela pesquisa em cada nível. Comoindicado, é no terceiro nível onde as razões últimas destasperguntas tendem a ser encontradas, uma vez que é eleo responsável pela manutenção da estabilidade políticae pela legitimidade do processo de elaboração depolíticas.

No momento de formulação da política é quando,através da filtragem das demandas, seleção dos temase controle da agenda, ocorre um processo deenfrentamento entre os atores com ela envolvidos cujograu de explicitação, pelas razões que se explora nasseções que seguem, é bastante variável. Ele vai desdeuma situação de conflito explícito, onde há uma seleção“positiva” das demandas que se refere às funções quesão necessárias para manutenção de formas dedominação na organização econômica, como suporte àacumulação de capital e resolução de conflitos abertos,até uma de “não-tomada de decisão”, que opera no nível“negativo” da exclusão dos temas que não interessam àestrutura capitalista (como a propriedade privada ou areforma agrária), selecionando os que entram ou não naagenda através de mecanismos que filtramideologicamente os temas e os problemas.

Nos momentos da implementação e da avaliaçãooutros mecanismos de controle político se estabelecem,tendo por cenário os dois primeiros níveis e, como âmbitomaior e mais complexo de determinação, o terceiro.

É através do trânsito entre estes três níveis que,depois de várias reiterações, é possível conhecer ocomportamento da “comunidade política” presente numaárea qualquer de política pública, e desta maneira chegara identificar as características mais essenciais de umapolítica. Este processo envolve examinar a estrutura derelações de interesses políticos construídos pelos atoresenvolvidos; e explicar a relação entre o primeiro nívelsuperficial das instituições e o terceiro nível mais profundoda estrutura econômica.

Para ilustrar este ponto, pode-se dizer que a análisede uma política implica, primeiramente, em identificar as

organizações (instituições públicas) com elaenvolvidas e os atores que nestas se encontram emposição de maior evidência. Em seguida, e ainda noprimeiro nível (institucional) de análise, identificar asrelações institucionais (isto é, as sancionadas pelalegislação, públicas, etc.) que elas e seus respectivosatores-chave mantêm entre si.

Passando ao segundo nível, passa-se apesquisar as relações que se estabelecem entreesses atores-chave, que representam os grupos deinteresse existentes no interior de uma organizaçãoe de grupos externos, situados em outras instituiçõespúblicas e em organizações privadas. As relaçõesde poder, coalizões de interesse, formação de gruposde pressão, cooptação, subordinação, etc. Devemser cuidadosamente examinadas de maneira aexplicar o funcionamento da organização e as

características da política. A determinação de existênciade padrões de atuação recorrentes de determinadosatores-chave e sua identificação com os de outros atores,instituições, grupos econômicos, partidos políticos, etc.,de modo a conhecer os interesses dos atores, é o objetivoa ser perseguido neste nível de análise.

O terceiro nível de análise é, finalmente, o quepermitirá, mediante uma tentativa sistemática decomparar a situação observada com o padrão (estruturade poder e das regras de sua formação) conformado pelomodo de produção capitalista - sua “infra-estruturaeconômico-material” e sua “superestrutura ideológica” -,explicá-lo. É através do estabelecimento de relações entrea situação específica que está sendo analisada ao quetipicamente tende a ocorrer no capitalismo avançado (ouperiférico, no caso latino-americano) que se pode chegara entender a essência; isto é, entender porque as relaçõesque se estabelecem entre as várias porções do Estado edestas com a sociedade são como são.

Pode-se entender o percurso proposto nestecapítulo, e de resto por muitos dos pesquisadores daAnálise de Política, como uma tentativa sistemática depercorrer este “caminho de ida e volta”, apoiando-sesempre no “mapa” que este terceiro nível de análiseproporciona.

10.3. Visões do Estado e Análise Política

A natureza do modelo que o analista utiliza paraentender as relações entre Estado e sociedade é crucialpara os resultados que se obtêm ao analisar (e elaborar)uma política pública, a tal ponto que os resultados quemuitas vezes se obtêm podem variar consideravelmente

Ciclo Iterativo da Análise de Política e seus Níveis

Aparência ou superficial

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segundo a visão que se adote. É claro que a escolha davisão a ser adotada como guia para a análise não éneutra. Mesmo quando se trata apenas de descrever enão de prescrever, neste caso como em outros queenvolvem uma escolha na qual a postura ideológicadificilmente pode ser colocada de lado, a opção realizadanão é simplesmente metodológica. Não obstante, aescolha deve dar-se tendo em vista as característicasespecíficas da política em análise. O que implica dizerque, mesmo que a visão particular do analista acerca doconjunto dos órgãos e políticas que conformam o Estadoseja mais próxima a uma das quatro visões (entendidas,sempre e como em outros casos em que modelos deanálise são propostos, de situações extremas), ele nãodeve descartar a possibilidade de que a análise da políticaem foco tenha, como guia metodológico, uma das outrasvisões.

Esta seção apresenta as visões Pluralista,Marxista, Elitista e Corporativista.

10.3.1. A visão Pluralista

A visão Pluralista enfatiza as restrições quecolocam sobre o Estado um grande espectro de gruposde pressão dotados de poder diferenciado nas diversasáreas onde se conformam as políticas públicas (emboranenhum possa ser considerado dominante), sendo estasum resultado das preferências destes grupos. O Estado(ou seus integrantes) é considerado, por uma de suasvariantes, como um entre estes grupos de pressão.

Esta visão tem como interlocutor a visão Marxistaclássica, contrapondo-se a ela e reafirmando ademocracia como valor fundamental e o voto como meiode expressão privilegiado dos indivíduos. A poliarquia(“democracia real”) e a ação de grupos de pressão éadotada, entretanto, como uma concepção mais realista.

A aceitação da interpretação Pluralista implica naadoção de uma visão incremental (em oposição àracional) sobre o processo de elaboração de políticas,como se verá posteriormente.

10.3.2. A visão Elitista

A visão Elitista pode ser considerada como umaderivação/ extensão da Pluralista. O esforço de superaçãodas óbvias limitações (e irrealismo) da visão Pluralistalevou à aceitação da existência de elites, proposta comofundamento teórico da visão Elitista.

A visão Elitista (ou neopluralista) ressalta o poderexercido por um pequeno número de bem organizadosinteresses societais e a habilidade destes para alcançarseus objetivos.

10.3.3. A visão Marxista

A visão Marxista aponta a influência dos interesseseconômicos na ação política e vê o Estado como umimportante meio para a manutenção do predomínio deuma classe social particular.

Entre as suas subdivisões é importante destacar:

ü Instrumentalista: Entende o Estado liberal comoum instrumento diretamente controlado “de fora” pelaclasse capitalista e compelido a agir de acordo comseus interesses (ela rege mas não governa).Capitalistas, burocratas do Estado e líderes políticosformam um grupo coeso em função de sua origemde classe comum, estilos de vida e valoressemelhantes etc. (afinidade com a visão Elitista).(Miliband).

ü Estado como árbitro: Quando existe relativoequilíbrio entre forças sociais, a burocracia estatal elíderes político-militares podem intervir para imporpolíticas estabilizadoras que, embora não sejamcontroladas pela classe capitalista, servem aos seusinteresses. Em situações normais (que não as decrise) o Estado atua como árbitro entre frações daclasse dominante. A burocracia estatal é vista,diferentemente da corrente funcionalista, como umsegmento independente/distinto da classe dominante,embora a serviço de seus interesses de longo prazo.(Poulantzas).

ü Funcionalista: A organização do Estado e a policymaking é condicionada pelo imperativo damanutenção da acumulação capitalista. Funções:preservação da ordem, promoção da acumulação decapital, e criação de condições para a legitimação.Os gastos governamentais para manter essasfunções são: “gastos sociais”, “investimento social”(para reduzir custos de produção), e “consumosocial”. Enfatiza os processos macro e não, porexemplo, a questão do caráter da burocracia ou daselites. (O’Connor)

ü Estruturalista: O Estado é visto como um fator decoesão social, com a função de organizar a classedominante e desorganizar as classes subordinadasatravés do uso de aparatos repressivos ou ideológicos(Althusser).

ü Escola da “lógica do capital”: Deduz a necessidadefuncional do Estado da análise do modo de produçãocapitalista. O Estado é entendido como um “capitalistacoletivo ideal”. Ele provê as condições materiaisgerais para a produção; estabelece as relações legaisgenéricas; regula e suprime os conflitos entre capitale trabalho; e protege o capital nacional no mercadomundial (Altvater).

ü Escola “de Frankfurt”: O Estado é entendidocomo uma “forma institucionalizada de poder políticoque procura implementar e garantir o interessecoletivo de todos os membros de uma sociedade declasses dominada pelo capital”. Combina as visõesfuncional e organizacional. (Offe).

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10.3.4. A visão Corporativista

A visão Corporativista, mantendo a ênfase naatuação de grupos de pressão (organizações detrabalhadores e patrões), ressalta que estes passam aser integrados no Estado. Este é entendido como ummecanismo de controle de conflitos entre os grupos,subordinando-os aos interesses mais abrangentes e delongo prazo dos Estados nacionais num ambiente decrescente concorrência internacional, busca decompetitividade e diminuição do crescimento econômico dospaíses capitalistas. Embora os primeiros Estadoscorporativos tenham sido autoritários, depois de 1945, váriosadotaram o neocorporativismo como forma de concertação.

A premissa em que se apóia esta visão é a de queos indivíduos podem ser mais bem representados atravésde instituições funcionais/ocupacionais do que através departidos políticos e mesmo do que unidades eleitoraisgeograficamente definidas. Trabalhadores, através desindicatos; empregadores, através de federações:fazendeiros, através de câmaras de agricultura. Asunidades de categorias são reconhecidas pelo Estadocomo possuindo monopólio de representação (podendoassim ser por ele controladas) e responsabilizadas porfunções administrativas em lugar do Estado.

10.3.5. Um quadro sinóptico

A figura que segue oferece um quadro sinóptico dasvisões acima caracterizadas.

Nele as quatro posições estão colocadas emsituações opostas, querendo indicar-se com isto asdiferenças ideológicas que guardam entre si. O traço verticalsepara - à esquerda - as que aceitam a hipótese deexistência de um poder concentrado. A importância daburocracia no controle do aparelho de Estado e a autonomiarelativa deste em relação à classe dominante. As flechas,finalmente, indicam as possibilidades teóricas de derivaçãodas visões.

Assim, a visão Elitista pode ser considerada comouma extensão da Marxista, uma vez que considera outrosfatores que não os econômicos como determinantes naformação de elites políticas.

A visão Corporativista pode ser considerada como

resultado da ênfase colocada pelas interpretações neo-Marxistas no papel central do Estado no processo político,por outra via, convergente, da ênfase colocada pelainterpretação Elitista no papel das “state elites”.

As visões Pluralista, Elitista e Corporativista sãoao mesmo tempo visões/ interpretações e propostasnormativas de organização da sociedade e da economiano capitalismo. A Marxista, pelo contrário, constitui-senuma crítica à formação social capitalista. A propostanormativa que apresenta transcende os limites docapitalismo.

10.4. O papel da burocracia no Estadocapitalista contemporâneo

O estudo das organizações deve muito a MaxWeber, com seu enfoque da burocracia no Estado moderno.Ele desenvolveu proposições sobre a estrutura dasorganizações, em que a administração se apóia naracionalidade formal. Segundo HAM e HILL (p. 132-133),WEBER - objetivando estabelecer um tipo genérico deorganização e explicar por que motivo ela cresce emimportância - apontou as seguintes característicasdefinidoras de burocracia:ü uma organização contínua, com uma ou mais funçõesespecíficas, cuja operação é delimitada por certasregras: a consistência e a continuidade, no interior daorganização, são garantidas pelo registro de todos os

atos, regras e decisões inerentes à organização;ü a organização dos funcionários está na base dahierarquia: o escopo da autoridade, no interior dessahierarquia, é claro, definindo os direitos e deveresdos funcionários, em cada nível hierárquico entãoespecificado;ü os funcionários são separados da propriedade dosmeios de administração e produção: eles são livres,estando sujeitos à autoridade somente no que dizrespeito a suas obrigações oficiais, enquantofuncionários de uma organização;ü os funcionários são indicados, não eleitos,baseando-se essa indicação em critérios impessoais,e são promovidos por mérito; eü pagam-se salários fixos aos funcionários e asregras de emprego e relações de trabalho sãopreviamente definidas: a escala de salários égraduada de acordo com a posição dos funcionários

na hierarquia, e o emprego é permanente, estandogarantida uma certa estabilidade e previsto o pagamentode pensões após a aposentadoria.

A discussão sobre o papel da burocracia no Estadocapitalista contemporâneo pode ser entendida a partir doideal Weberiano, nele introduzindo os “desvios” impostospela realidade. Balizam esta discussão perguntas como:ü Quem controla a burocracia?ü Os políticos, as elites, a opinião pública?ü Ela está submetida apenas a controles internos?ü Como atua a burocracia?ü Ela age segundo seus próprios interesses (bureaumaximazing, bureau shaping)?ü Em termos econômicos funciona como um monopólioadministrador de preços e quantidades em

CORPORATIVISTA

MARXISTA

ELITISTA

PLURALISTA

poder “não-econômico”

internalizaçãodo conflito

poliarquia

inexistência deinteresses de classe

poder moderadorda burocracia

PODER DISTRIBUÍDOPODER CONCENTRADO

RELEVÂNCIA DA BUROCRACIA DEMOCRACIA = VOTO

AUTONOMIA RELATIVA

VISÕES DO ESTADO CAPITALISTA MODERNO

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seu próprio interesse (public choice)?ü Como se organiza?

A reflexão sobre a burocracia dá-se num contextomarcado pelo embate capitalismo x socialismo (queterminaria por extinguir o Estado e a própria burocracia).Não terá a benevolência do “marxismo oficial”, ante aburocracia soviética, neutralizado a crítica que deveriamfazer seus partidários à burocracia das sociedadescapitalistas.

À pergunta de como se afasta a burocracia “real”do paradigma ideal Weberiano, ou o que é, hoje, um bomburocrata, autores como Chapman respondem:

ü a burocracia pode ser um instrumento que permiteatenuar o poder econômico da burguesia -defendendo a democracia - (visão pluralista); ou

ü a burocracia pode agir em conformidade com opoder econômico - autonomia relativa - (visão elitista).

Muitos advogam que, pelo menos nos paísescapitalistas avançados, o poder decisório da burocraciano processo de policy making parece ser capaz, emsituações normais, de contrabalançar os interesseseconômicos. Mas até que ponto a burocracia pode atuarnum ambiente distinto? Não estará ela presa às formasde dominação existentes (conservadorismo “intrínseco”)?

O fato é que ela possui um poder cada vez maior dedefinir o caráter das políticas públicas no âmbito de umsistema presidido por Estado crescentemente corporativo,que combina a propriedade privada dos meios de produçãocom o controle público exercido por uma burocraciaconstituída de “filhos da classe média” que acedem aprivilégios no âmbito do Estado de bem-estar.

A corrente da public choice que propõe aprivatização e a reforma do Estado parece visualizar, nasua versão mais de “direita”, o mercado como “regulador”da burocracia, enquanto que uma visão mais de“esquerda” entende a participação e controle públicoscomo antídotos eficazes ao poder da burocracia.

Em suma, as contribuições teóricas a respeito dasorganizações e da burocracia pública ultrapassaram aperspectiva do formalismo idealizado por Max WEBER.Alguns estudos, ao longo das últimas décadas,deslocaram a ênfase para o ambiente das organizações,enquanto outros deram prioridade às regras e àsestruturas, bem como às relações entre as organizações,os indivíduos e as estruturas informais. A evolução dasabordagens evidenciou as conexões entre questõesorganizacionais internas e o contexto externo.

10.5. Poder e tomada de decisão

O estudo dos processos de decisão é umimportante ponto de partida para entender as relaçõesde poder.

A análise sobre poder e decisão parte do debateentre elitistas e pluralistas, que diferem nas concepçõessobre a distribuição do poder na sociedade atual, comotambém nos métodos de análise que devem ser usadospara proceder a investigação.

Num dos estudos seminais acerca das “elitesgovernantes”, Robert Dahl (1958) tomou como ponto departida os resultados do trabalho de, por um lado, FloydHunter (1953), sobre o poder local (concluindo que ocontrole estava nas mãos de um pequeno grupo deindivíduos-chave) e do estudo de Wright Mills (1956) arespeito do poder nacional, nos EUA (que apontava aexistência de uma elite formada pelos militares,corporações e agências estatais). Segundo ele, osmétodos utilizados por HUNTER e MILLS não foramsuficientemente rigorosos para justificar suas conclusõesa respeito da existência de elites.

Defendendo um ponto de vista pluralista (emcontraposição ao elitista), ele entende que ospesquisadores deveriam analisar casos em que existamdiferenças de preferência entre os atores: quem estudao poder deve analisar decisões reais, envolvendo atoresque possuam preferências diferentes, e explorar se aspreferências de uma hipotética elite dominante sãoadotadas no lugar das de outros grupos. Isso porque,para DAHL (1958:203), “A tem poder sobre B, na medidaem que ele pode levar B a fazer algo que, de outra forma,não faria”. E conclui: “Atores cujas preferênciasprevalecem em conflitos sobre questões políticas-chavesão os que exercem o poder em um sistema político”.

Segundo outros autores, existe consenso de queos conflitos sobre assuntos-chave fornecem evidênciassobre a natureza da distribuição de poder, mas estasevidências precisam ser suplementadas por análises denão-tomada de decisão. Em alguns casos, a não-tomadade decisão assume a forma de decisão e, ao contráriodo que postulam os pluralistas, pode ser investigada coma metodologia que estes propõem. Mais complicado éestudar o poder quando exercido como formador deopinião. Essa dimensão é considerada por muitos comosendo a mais importante e o aspecto mais difícil dapesquisa de poder. Esta discussão metodológica é o queleva HAM e HILL a chamar a atenção para o fato de quemuitas vezes os debates sobre a distribuição de poderna sociedade desenvolvem-se no terreno dasmetodologias de pesquisa utilizadas e definições,desviando o foco da natureza e estrutura do poder.

De modo a tornar mais focada a discussão, estesautores descrevem o debate travado entre os analistasvinculados às vertentes elitista e pluralista, a partir demeados da década de 50, englobando as relações quepodem ser estabelecidas entre o poder e suadeterminação ou influência sobre as decisões tomadasem âmbito governamental.

Embora se adote aqui o roteiro de apresentaçãopor eles formulado, vale uma lembrança, que talvezpareça óbvia. Neste caso, como em tantos outros que seapresenta ao longo deste capítulo, e que envolvemescolhas metodológicas, a opção do analista não devedar-se em função de qualquer consideração normativa.Trata-se de escolher um modelo descritivo; isto é, quemelhor descreva a realidade existente. Algo querepresente, explique, o que é e não o que deve ser. Assim,embora o enfoque de apresentação, que adota o capítulo,procure revelar o embate ideológico que preside adiscussão acadêmica, isto não deve ser tomado (pelo

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10.5.1. O debate entre pluralismo e elitismo

Este debate revela as divergências de posiçãoentre os estudos de DAHL, por um lado, e os de HUNTERe MILLS, por outro, sobre a existência de uma elitedominante, beneficiária das decisões e dos resultadosdas políticas públicas em cidades norte americanas, nostrabalhos de DAHL e HUNTER, e para todo os EUA, noestudo de Mills.

Em seu trabalho, DAHL (1961) aponta que osmétodos de pesquisa utilizados por Hunter e Mills nãoforam suficientemente rigorosos para justificar suasconclusões. Utilizando a metodologia que propôs, no seuestudo empírico acerca de New Haven (publicado sob otítulo de “Quem governa”), ele conclui as desigualdades(cumulativas ou não) em recursos de poder, a forma detomada de decisões importantes e o padrão de liderança(se oligárquico ou pluralista). E concluiu que, no períodode 1780 a 1950, ocorreu uma transição gradativa, emNew Haven, da oligarquia para o pluralismo.

Outros estudos sobre educação e saúdeconcluíram que o poder não estava concentrado emgrupos particulares, como teóricos elitistas haviamsuposto. Pelo contrário, devido ao fato de os recursos,que contribuem para o poder, estarem dispersos napopulação, o poder estava fragmentado entre diferentesatores. Embora apenas algumas pessoas tivesseminfluência sobre questões-chave, a maioria tinhainfluência indireta, através do poder do voto. Essaabordagem evidenciou a importância de considerar comodecisões-chave são tomadas e como as preferências,não só da elite, mas também dos outros grupos de atores,atuam no processo.

DAHL afirma não haver encontrado evidências daexistência de uma elite que seria beneficiada por decisõese orientações das políticas públicas. Diferentemente,MILLS afirmara, antes dele, que uma elite de podercomposta de militares, corporações e agências de Estadogovernava os EUA, e HUNTER, examinado a distribuiçãodo poder em Atlanta, relatara ter observado que o podernesta cidade se concentrava sob o controle de um certonúmero de indivíduos-chave.

A crítica de DAHL aos estudos elitistas concentra-se no fato de que os trabalhos que afirmam haverencontrado evidências da existência de beneficiários depolíticas públicas teriam examinado a “reputação depoder” (posição ou status) de indivíduos em suacomunidade ou organização. Segundo DAHL, estaspesquisas não teriam se detido sobre as decisões reaisque teriam sido tomadas e se, nestas decisões, aspreferências expressas por algum grupo de poder teriamsido de fato atendidas em lugar das de outros grupos.Estas seriam as bases da metodologia proposta por

DAHL para o exame da influência do poder nas decisões.

10.5.2. As duas faces do poder

HAM e HILL afirmam que os trabalhos de DAHL,longe de resolverem as pendências entre elitistas epluralistas, teriam aberto uma nova perspectiva deestudos sobre o exercício do poder quando BACHRACHe BARATZ (1963), criticando as conclusões de DAHL,afirmam que o exame do poder não poderia ficar restritoa decisões chave ou a um comportamento efetivo.

Estes autores formularam um “complemento” àdefinição de DAHL sobre o poder, afirmando que “o podertambém é exercido quando um ator A utiliza suas forçaspara criar ou reforçar valores sociais e políticos e práticasinstitucionais que venham a restringir o debate a questõesque possam ser politicamente inócuas à A”.

Esta definição dá origem aos conceitos demobilização de opinião ou de conformação do processopolítico a questões seguras. Desta forma, os autoresapontam para a existência de duas faces do exercício dopoder:

ü uma explícita, atuando no nível dos conflitos abertossobre decisões-chave; e

ü outra, não aberta, em que os grupos jogam parasuprimir os conflitos e impedir sua chegada aoprocesso de elaboração da política (à agenda depolítica).

BACHRACH e BARATZ contribuíram para osurgimento de uma nova fase do debate sobre a decisãoe o poder, ao sustentar que pesquisar o poder não envolvesimplesmente o exame de decisões-chave, comopropunha a metodologia de Dahl. Para eles, o poder étambém exercido quando A utiliza suas energias para criarou reforçar valores sociais e políticos e práticas institucionaisque limitam o escopo dos processos políticos à consideraçãopública somente das questões inócuas para A.

Citam, como exemplo, as questões sobre preconceitode cor, nas quais se vêem claramente as duas faces dopoder: uma operando nos conflitos abertos sobre decisões-chave e, a outra, buscando suprimir conflitos e fazendo detudo para o assunto não entrar no processo político,mediante o que BACHRACH e BARATZ denominam de“não-tomada de decisão”.

A idéia forte dos autores no campo metodológico éque a metodologia de DAHL para pesquisar o poder éinadequada ou, pelo menos, parcial. Isto porque a teoriapluralista é baseada numa concepção liberal que iguala osinteresses das pessoas a preferências por elasexpressadas. Mas se os interesses das pessoas forementendidos não como aquilo que elas afirmam ser, anatureza destes interesses pode ser inferida através daobservação da ação e da não-ação políticas.

Assim, uma análise completa deve perceber tanto oque de fato acontece como aquilo que não acontece, erevelar os meios pelos quais a mobilização de opinião atuapara limitar o escopo do debate.

BACHRACH e BARATZ definem a não-tomada dedecisão como sendo a prática de limitar o alcance real datomada de decisão a questões seguras, através da

contrário!) como uma intenção de sugerir ao analista queseu trabalho de análise deva implicar escolhas que nãoaquelas baseadas exclusivamente na fidedignidade, emrelação ao mundo real.

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manipulação de valores dominantes na comunidade,mitos, procedimentos e instituições políticas. A não-tomada de decisão existe quando os valores dominantes,as regras do jogo aceitas, as relações de poder entregrupos e os instrumentos de força, separadamente oucombinados, efetivamente previnem que certasreclamações transformem-se em assuntos maduros queexijam decisão, diferindo de assuntos que não se devemtornar objeto de decisão (entrar na agenda de política).

Nesta caracterização, convém chamar a atençãoainda para que a conceituação apresentada possa serdistinguida de situações como a decisão de não agir oua decisão de não decidir. Nestes dois casos, os temasou assuntos focos de debate são explicitados. Isto é,entram na agenda e são objeto de uma decisão de nãoagir. Na situação de não-tomada de decisão sequer sepermite que as questões e demandas venham a se tornartemas para uma eventual decisão.

Autores como EASTON (1965a), ao trabalhar como enfoque sistêmico do processo político, tambémapontam o fato de que existe um modo de regulação dedemandas políticas que busca proteger e preservar aestabilidade de sistemas políticos e, adotando um pontode vista bastante semelhante, discute a existência de“gate-keepers” , que ajudam a controlar o fluxo deassuntos para dentro da arena política.

BACHRACH e BARATZ vão mais além ao enfatizaros meios pelos quais os interesses estabelecidos seprotegem pela não-tomada de decisão. Assim, aregulação da demanda não é uma atividade neutra, mas,sim, contrária ao interesse das pessoas e grupos queprocuram uma realocação de valores. Segundo eles,então, a forma como certos interesses presentes noprocesso político protegem-se dos que pretendem alteraro status quo são as estratégias de não-tomada dedecisão.

O processo de regulação de demandas seria,portanto, uma forma de atuação políticafundamentalmente não “neutra” buscando, de fato,favorecer ou preservar interesses de pessoas ou grupos.Esta posição está inserida no interior de uma concepçãopara a ação política, na qual a distribuição de poder épercebida como muito menos equilibrada do queacreditam DAHL e os autores da vertente pluralista5.

CRENSON (1971) corrobora, através de um estudode caso, as críticas de BACHRACH e BARATZ aospluralistas, e afirma que a ação observável oferece umguia incompleto para pesquisar o exercício do poder. Defato, ao colocar como uma das implicações das suasanálises que a distribuição de poder tende a ser menosequilibrada que a referida pelos pluralistas, a visão elitistanega, no terreno metodológico, a afirmação de que asnão-decisões serão não-pesquisáveis quando não sepuder identificar reclamações encobertas e conflitos quenão entram na agenda de política. Isto é, se nenhumaqueixa ou conflito puder ser descoberta pode-se afirmarque a não-tomada de decisão pode não ter ocorrido.

Assim, respondendo à réplica dos pluralistas, queafirmavam que a não-tomada de decisões seria “não

pesquisável”, BACHRACH e BARATZ apresentam apossibilidade de seu estudo através do levantamento dedemandas, reclamações ou conflitos que não entraramna arena política: se nenhuma queixa ou conflito puderser descoberta, então existiria uma situação de consensopolítico, e uma situação de não-tomada de decisão nãoteria ocorrido.

Diante das críticas de que sua metodologia e seusconceitos não seriam adequados para investigar (econtribuir para resolver) questões relativas a conflitospotenciais ou emergentes, e que assim era legítimoconsiderar a não-tomada de decisão como um tipo dedecisão, os partidários da visão elitista foramreformulando suas posições.

WALSH argumentou que é preciso examinar nãoapenas os conflitos abertos, mas o sistema dedominação: “quem ganha em uma organização não o fazsomente através de batalhas”. Na verdade, quemconquista vantagens, beneficia-se dos valoresdominantes, que agem como padrões ou critérios para aoperação de uma organização. Dessa forma, o poder éexercido, ainda que conflitos abertos possam não ocorrer.

É nesse ponto que a chamada segunda dimensãodo poder “descoberta” por BACHRACH e BARATZcomeça a dar lugar a uma nova visão. Aquela que enfatizaque o poder pode ser usado para manipular os interessese preferências das pessoas e, assim, aumentar aindamais o poder de quem o detém. É isto que diferencia aposição de LUKES (1974), examinada a seguir, daquelaassumida por BACHRACH e BARATZ.

10.5.3. A terceira face do poder

Segundo LUKES, o poder pode ser estudado emtrês dimensões:

ü a dos conflitos abertos entre atores sobre assuntos-chave, quando o exercício do poder pode serobservado através da metodologia proposta pelaconcepção pluralista;

ü a dos conflitos encobertos, quando ocorre asupressão das reclamações impedindo que cheguema ser incluídas na agenda de decisão, como emBACHRACH e BARATZ, com a não-tomada dedecisão; e

ü a dos conflitos latentes, quando o exercício do poderse dá conformando as preferência da população, demaneira a prevenir que nem conflitos abertos nemencobertos venham a se manifestar (conflitos latentesou “potenciais”).

LUKES chama a atenção para algo distinto aoconceito de “não-tomada de decisão”. Algo distinto dedecidir, não decidir ou decidir não agir porque os assuntosnem sequer se tornam matéria de decisão (permanecemencobertos).

Para esclarecer sua posição, LUKES formula umanova definição de poder que é por ele utilizada: “A exercepoder sobre B na medida em que A influencia ou afeta B

5Esta concepção remete à posição IV da racionalidade limitada por condicionantes estruturais, proposta por FORESTER.

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de um modo que contraria os interesses de B”.Ele se refere, portanto, a uma situação em que o

poder é usado de forma abrangente, mas difusa e sutil,para impedir que até mesmo conflitos encobertos eassuntos potenciais que poderiam vir a entrar na agendade política se conformem.

Uma situação em que se manifesta a terceira facedo poder ocorre quando os valores dominantes, as regrasdo jogo, as relações de poder entre grupos, efetivamenteimpedem que determinados desacordos possam vir a setransformar em disputas que demandem decisões.

Neste tipo de situação, a existência de consensonão indica que o poder não esteja sendo exercido. As“preferências” das pessoas (tal como entendidas pelospluralistas) já seriam conformadas pela sociedade emque vivem (socialização pela educação, mídia, etc.),dando lugar a uma situação em que estas poderiam sersignificativamente diferentes de seus “interesses reais”.Estes últimos, então, só poderiam ser por eles percebidoscomo tais, dando margem a conflitos abertos ou mesmoencobertos, em situações de elevada autonomia relativados atores sociais sobre os quais atua este processo demobilização - ou manipulação - de opinião.

10.5.4. A terceira face do poder e a pesquisa sobre poder e decisão

A discussão que se estabelece entre as duasvisões - pluralista e elitista - no plano metodológico, setorna ainda mais complexa e interessante com acontribuição de LUKES quando ele afirma que o poderteria que ser estudado segundo aquelas três dimensões.Isto explicita a existência de mais um grau de dificuldadede análise das situações e processos concretos atravésdos quais políticas são formuladas.

Visto que o interesse dos cidadãos é apontado pelavisão pluralista como o fundamento principal das escolhasrealizadas, a proposição de que os interesses manifestos,os que aparentemente (mas não efetivamente, segundoos elitistas) estão em jogo, podem ser apenas o resultadoda manipulação de interesses “reais”, coloca para aquelavisão um problema metodológico insolúvel(“impesquisável”).

A pesquisa do poder teria então que se valer deoutros conceitos e relações, senão alternativos,suplementares aos propostos pela visão pluralista. Umdeles seria o de sistema de dominação: o sistema devalores dominante que atua na sociedade e, em particular,no interior das organizações, em favor de certos grupos.Outros seriam os mecanismos ideológicos de difusãodo sistema de crenças e valores, os quais não devemser entendidos como uma manipulação simples, evidentee nem mesmo consciente. Eles conformam uma situaçãoem que as elites não precisam “lutar” para exercer opoder.

É evidente que o exercício do poder tende abeneficiar os grupos que o detêm. O que esses conceitospretendem desnudar é o fato de que mesmo as açõespontuais de um determinado grupo subordinado podemnão ser tentadas devido à postura fatalista de que suas

reclamações nunca serão atendidas.É oportuno lembrar, entretanto, que mudanças

econômicas ou políticas numa determinada sociedadepodem tornar possível a inclusão na agenda de políticade assuntos até então não considerados porqueenvolvidos na penumbra que caracteriza a terceira facedo poder. Mudanças que permitam um aumento do graude autonomia relativa dos atores sociais subordinadosem relação aos dominantes, ou mais precisamente, aoprocesso de mobilização de opinião que estesinstrumentalizam - o que se poderia referir como umganho de consciência política - faria com que conflitoslatentes pudessem emergir.

No decorrer do debate entre as duas visões, ospluralistas passam a admitir que é necessário examinaras relações entre poder, interesses das pessoas e aspreferências por elas manifestas. Isto é, relaxa-se aposição pluralista extrema, baseada na concepção liberal,que iguala os interesses das pessoas às suaspreferências expressas -, de que os interesses daspessoas são o que elas afirmam ser. E, desta forma,altera-se também a premissa metodológica de que anatureza desses interesses não pode ser inferida pelaobservação de situações de não-tomada de decisão.

Essa argumentação coloca dois problemas: oprimeiro refere-se às situações em que as pessoas agemou não, contrariamente aos seus interesses (quando aselites conseguem controlar suas opiniões e preferências);o segundo é que o modo mais efetivo de dominação deum “grupo de poder” é prevenir o surgimento ecrescimento de conflitos.

Os mecanismos ideológicos são caminhos atravésdos quais as pessoas interpretam o mundo, transmiteme perpetuam um sistema de valores e verdades. Essesmecanismos resultam na dominação de uns grupos poroutros, cujos interesses estes grupos passam também adefender ou servir. Torna-se ainda mais complexa asituação quando se tem em conta que “ideologiasdominantes refletem a experiência de vida de todas asclasses e são consenso, porque refletem o modo de vidada sociedade, como um todo” (SAUNDERS, 1980).Ademais, a manipulação consciente faz da ideologia umaforça poderosa, subjacente à aderência da comunidadea um conjunto de normas e metas aparentemente auto-impostas, auto-reguladas ou “naturais”.

Mecanismos de seleção de assuntos, típicos docapitalismo regulado pelo Estado, incluem tanto os detipo ideológico e comportamental, como os de tiporepressivo (polícia, justiça) e estruturais (limites impostospelas demandas da acumulação capitalista que podemser tratados pelo Estado).

Do ponto de vista metodológico, argumenta a visãoelitista que, como o Estado capitalista, para melhor serviraos objetivos da acumulação, precisa aparentarneutralidade, ele deve adotar um padrãoconsistentemente enviesado de filtragem de assuntos; oque torna realmente difícil pesquisar situações de conflitoencoberto ou latente.

Como situações em que existe cooptação, ou queenvolvem a delegação de poder de decisão a comissõesque nunca se reúnem, ou ainda que envolvem aconformação de interesses mediante mecanismos de

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controle ideológico podem ser pesquisadas?É interessante, embora possa ser considerada

hipócrita, a reação pluralista ao conceito desenvolvidopor LUKES: a pesquisa dos “interesses reais” poderiaser feita através de avaliações acerca de quem ganha equem perde em determinadas situações. Mas, a perguntade “quem se beneficia?”, apesar de interessante, poucotem a ver com a de “quem governa?”

De acordo com essa formulação, examinar quemganha e quem perde, em uma comunidade ou sociedadeparticular, revela aqueles cujos interesses reais foramou não contemplados. Tanto SAUNDERS quantoBACHRACH e BARATZ concordam em que a questãocentral, nas pesquisas sobre o poder, diz respeito a quemse beneficia. Segundo POLSBY (1980, p. 208), saberquem se beneficia é tema interessante e frutífero para apesquisa, mas difere da questão relativa a quem governa.Para ele, mesmo demonstrando que um dado status quobeneficia algumas pessoas de forma desproporcional,isso não prova que tais beneficiários possam, no futuro,vir a agir, efetivamente, para impedir mudanças: Isto égovernar. Seria esse um lembrete útil de que indivíduosse podem beneficiar, de forma não-intencional, daelaboração de políticas.

Quando o poder é exercido como formador deopinião, torna-se mais complicado estudá-lo. No entanto,este ângulo é o que mais importa. Por isso, a despeitodos problemas de realizar a sua pesquisa, um grandeesforço vem sendo feito e alguns caminhos foramapontados, em particular o do emprego simultâneo deteorias aparentemente conflitantes. Segundo BLOWERS(1984, p. 250-251) “é óbvio que perspectivas diferentesiluminam aspectos diferentes do conflito do poder e cadauma delas é incompleta”. Essa observação põe em relevoa importância da multidisciplinaridade einterdisciplinaridade nas pesquisas sobre o poder.

As abordagens disciplinares tradicionais da CiênciaPolítica revelam bastante força analítica quando se tratada fase ativa do conflito e quando há evidências paraembasar a idéia da existência de participação, dereceptividade e do papel dos atores. A crítica neo-elitistaé, de certa forma, complementar. Oestruturalismo com raiz naabordagem da economia, com suaênfase na natureza de classe dosinteresses e das forças econômicassubjacentes, e com sua negação daimportância da ação individual naexplicação da natureza dosresultados dos conflitos, leva aanálise adiante. Ela pode auxiliar,mesmo sem os determinantes de“interesses de classe” ou “forçaseconômicas”, porquanto bastaria oconceito de “grupos de poder”, queincluem elites profissionais eburocráticas. Ressalte-se, porém,que as estruturas não são fixas eimutáveis: ao invés disso, elas semodificam pela ação e algumasações podem ser, de propósito,direcionadas à tentativa de

modificação das estruturas. A ordem reinante érenegociada, incessantemente. Essa renegociação,decerto, não constitui um processo fácil, mas, ao abordaros determinantes da tomada de decisões, ela não deveser, em absoluto, desconsiderada.

1. O quadro que segue sistematiza a proposiçãode HAM e HILL que, reunindo a contribuição deBACHRACH e BARATZ e de outros autores, sugeremcinco formas que a não-tomada de decisão pode assumire que deveriam ser tomadas como guia para a pesquisa.

GUIA PARA A PESQUISA DE SITUAÇÕESDE NÃO-TOMADA DE DECISÃO

ü usar a força de forma indireta ou velada paraimpedir que demandas cheguem ao processopolítico (no limite, o terrorismo);

ü usar o poder para impedir o surgimento dequestionamentos através de cooptação;

ü invocar regras ou procedimentos existentes,criar novos ou modificar os existentes como formade bloquear reivindicações (“mandar fazer estudodetalhado”, “criar uma comissão”);

ü invocar a existência de valores supremospara evitar ou desviar contestações nãodesejadas (referência e valores comoimpatriótico, imoral);

ü dissuadir atores mais fracos de agir indicando“sutilmente”, por antecipação, as reações quepoderão ocorrer.

10.5.5. Um quadro sinóptico

A figura que segue oferece um quadro sinópticodo conteúdo apresentado acima.

O ESTUDO D O PODER E DO S PROCESSOS DE DECISÃO(as três faces do poder)(as três faces do poder)

abertos(DA HL: v isão pluralis ta)

encobertos(BA CHRACH e BARATZ)

latentes(LUKES)

A tem poder sobre B, na m edida em que A

leva B a fazer algo que de outra forma não

faria

A cria ou reforça valores e práticas institucionais que restringem o debate a questões politicamente inócuas à A

A exerce poder sobre B quando influencia B de um modo que contraria seus interesses

não-tomada de decisão

conflit os abertose decisões-chave

limitação do alcance da tomada de decisão através da manipulação de valores

pesquisa sobre s ituações de:

concepções de poder:

tipos de conflito:

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10.6. Os modelos de tomada de decisão:o confronto entre o racionalismoe o incrementalismo

Como indicado acima, a expressão “elaboraçãode políticas” dá conta de três processos ligados atravésde laços de realimentação, que denominamos demomentos, mas que são mais comumente (emboraequivocadamente, no nosso entender) referidos comofases ou etapas. Esses processos são usualmenteseparados, para fins de análise, em formulação,implementação e avaliação de políticas.

O debate acerca do grau de objetividade eracionalidade com que deve ser efetivado o primeirodestes processos - o processo decisório ou da formulaçãode políticas, ou ainda, o momento de definição preliminarde objetivos e estratégias - através da ação dos analistas,fazedores de política ou mesmo dos dirigentes públicos,é um tema importante da Análise de Políticas. A posiçãoaparentemente predominante no debate entre a visãoracional e a incremental é aquela que atribui a esta últimaum maior peso aos fatores de ordem política (politics)nas escolhas que são efetivamente realizadas no decorrerdo processo decisório. Podem ser encontradas naliteratura diversas abordagens que buscam verificar oslimites e relações entre racionalidade, poder e decisãoe, desta forma, fazer com que a Análise de Política possade fato ser um suporte às decisões e uma ferramentapara a melhoria do processo de elaboração de políticas.

10.6.1 As origens do debate

HAM e HILL utilizam um enfoque histórico que é oaqui adotado para entender as origens deste debate. Paratanto, examina-se os autores mais representativos dasduas visões, estudando, especialmente, as abordagenscríticas de LINDBLOM (1965), SIMON (1945), DROR(1964), e ETZIONI (1967), sobre os modelos racional-compreensivo, de racionalidade limitada, incremental ede análise estratégica, buscando pontos em comum erelações entre eles.

Partindo das duas posições extremas, é possívelmostrar como se pode ir gerando uma posturaeqüidistante e eclética. Reconhecendo que os doismodelos - incremental e racional - são lentes conceituaisirreconciliáveis enquanto tais, o objetivo é chegar a umavisão adaptável às diferentes situações encontradas narealidade.

As duas devem, de fato, ser interpretadas comomodelos idealizados do processo de tomada de decisão,que se baseiam em posições no limite antagônicas acercada estrutura de poder na sociedade capitalista, daconcepção do Estado e do papel da burocracia.

Para entender mais claramente a questão, cabelembrar a distinção clássica entre:

1. Modelo ideal: é uma construção mental, umexercício artificial de raciocínio que consiste,inicialmente, em selecionar aspectos de uma dadarealidade (ou sistema), que atuarão como variáveisdo modelo, e imputar relações de causalidade entre

estas. Ele é uma caricatura que, mais do que explicara realidade, permite contrastá-la e explicá-la comoum desvio em relação ao modelo;

2. Modelo descritivo: partindo do modelo ideal, eidentificando os limites que condicionam o processode decisão, pode-se chegar a modelos quedescrevem satisfatoriamente a realidade;

3. Modelo prescritivo: supõe uma intenção acercade como deve ser a realidade.

Existe uma fundada associação entre oincrementalismo e a postura descritiva da análise política,e entre o racionalismo e a postura normativa. Nãoobstante é uma preocupação recorrente dos autores quepesquisam o tema formular um instrumento normativoque evite o irrealismo do racionalismo e a incompletudedo incrementalismo.

A visão incremental destaca que a ação de“partidários” de posições distintas, interessados eminfluenciar as decisões no âmbito do processo político,ao provocarem um ajuste mútuo e contínuo entre suasposições, assegurariam o ideal democrático dopluralismo. Ressalta, por outro lado, que o racionalismo,por não considerar os interesses políticos existentes nasociedade, conduziria à “engenharia social” e aoautoritarismo.

SIMON, em “O comportamento administrativo”(1945), ao concentrar ênfase na busca por eficáciaadministrativa no interior das organizações, para a análisedo processo de decisão, avança na caracterização dasduas visões.

Segundo ele, a visão racional envolve comparar(e escolher) as alternativas que melhor sirvam à obtençãode um dado resultado. Ela envolve:

1. listar todas as estratégias alternativas;2. determinar todas as conseqüências que decorremde cada estratégia alternativa;3. avaliar comparativamente cada um dos conjuntosde conseqüências.

SIMON reconhece que seu enfoque possuilimitações, a partir das perguntas que formula:

1. que valores devem ser usados para guiar oprocesso de escolha? como identificar os valores dasorganizações?2. as organizações não são homogêneas. Os valoresa elas imputados terminam sendo aqueles dosindivíduos dominantes;3. a tomada de decisão não se processa da formalógica, abrangente e objetiva inerente aoprocedimento racional;4. como separar fatos e valores, e meios e fins noprocesso decisório se os meios para tanto tambémsupõem valores?

SIMON evolui, em 1957, para um conceito maisrealista de bounded rationality: a alternativa escolhida nãoprecisa ser a que maximiza os valores do tomador dedecisão; só precisa ser boa o suficiente. Portanto, não todosos cursos alternativos de ação precisam ser ponderados.

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LINDBLON (1959) parte da visão de racionalidaderestrita de SIMON para formular seu enfoque de“comparações limitadas sucessivas”. Ao invés de partirde questões básicas e construir a análise de baixo paracima (“método da raiz”), parte da situação existentebuscando alterá-la incrementalmente (“método dosgalhos”).

Contrapondo-se a posições da abordagemracionalista, ele tem como preocupação central produziruma análise ampla sobre as características do processode tomada de decisões. O processo decisório é percebidocomo algo bem mais complexo do que propõe aabordagem racional, sem princípio ou fim e com limitesum tanto incertos. A democracia é vista comodeterminando um processo contínuo de tomada dedecisões relacionadas às políticas públicas, que serãodefinidas, formuladas e implementadas, e sobreproblemas ou demandas sociais e políticas que serão ounão incluídas na agenda de decisões governamentais.Nesta configuração, o governo e a política são tambémvistos pelo autor como processos contínuos de decisão.

Ele aponta para o fato de que a preocupação daCiência Política em produzir estudos sobre o processodecisório, então incipiente, havia-se iniciado devido anecessidade de uma maior racionalidade, controle ecriação de possibilidades para a avaliação dos resultadosobtidos na atividade pública (de governo). A preocupaçãocom a racionalidade é, por isto, muito influente nosestudos sobre Análise de Políticas, desde a sua origem.

Segundo ele, a reflexão sobre o tema daracionalidade exige resposta às seguintes perguntas:

ü as decisões dos dirigentes públicos são, em algumamedida, sustentadas por um comportamento decaráter racional?

ü os analistas podem oferecer formas de trabalhocientífico que venham a garantir algum apoio contraa incerteza que caracteriza os processos de decisãoem âmbito governamental?

Respondendo a estas perguntas, LINDBLONafirma que, nos sistemas políticos, as pessoas buscamapropriar-se de informações, estudos e resultados deinvestigações ou análises científicas para fortalecer suaspróprias posições, ou de seus grupos de interesse, ejustificar suas decisões. Este seria o principal obstáculoao uso das ferramentas de Análise de Políticas oumétodos de trabalho de base racional no processo deelaboração de políticas. Este seria também o ponto apartir no qual instauram-se os conflitos entre a análise ea política. Ainda que os estudos especializados, baseadosem informações bem fundamentadas, sejam aceitoscomo componentes importantes nos processosdecisórios, sua influência é limitada. Na visão do autor,estes limites seriam:

ü a própria Análise de Política, e as pessoas que arealizam, podem cometer erros;

ü os processos de investigação baseados na ciênciaou em métodos racionais são muito mais lentos ecustosos do que o permitem os prazos e capacidadede financiamento na esfera pública;

ü a análise por si só não é capaz de avaliar aimportância social e política e selecionar os problemasque necessitam ser enfrentados prioritariamente, istoé, não se pode decidir os conflitos a respeito devalores e interesses apenas com estudos ouinvestigações que se apresentam como racionais,científicos ou metodologicamente corretos.

Outro autor que contribuiu significativamente aotema é FORESTER (1989). A partir dos estudos deLINDBLOM e MARCH (1978 e 1982), ele apresenta umasistematização que explicita as diferenças entre a posiçãoracional-compreensiva e a vertente analítica que percebelimites à racionalidade no processo decisório. Baseando-se em sua importante contribuição, organizou-se o quadroapresentado a seguir:

UMA SÍNTESE DA DISCUSSÃO SOBRE A RACIONALIDADE

Na posição racional-compreensivaos analistas trabalhariam com:

Na visão baseada em uma racionalidade limitada:

1. problemas bem definidos os problemas são ambíguos e pouco determinados

2. uma lista completa de alternativas para suaconsideração

a informação para identificação de alternativas éprecária e muitas alternativas são desconhecidas

3. uma base completa de informação sobre contexto eambiente

a informação sobre o contexto ou ambiente éproblemática e incompleta

4. visão adequada sobre os impactos de cadaalternativa

os impactos das possíveis alternativaslevantadas é desconhecido

5. informação completa sobre os valores e interessesdos cidadãos e grupos de interesse

os interesses, valores e preferências não são bemestabelecidos

o tempo, as competências e os recursos sãolimitados

6. competências, recursos e tempo suficientes

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A posição de FORRESTER é que, dado aconsciência dos limites da utilização de métodosinteiramente racionais para a tomada de decisão, o quese acaba fazendo em termos práticos é adotar esquemassimplificados para a busca de compreensão sobre cadasituação. Em situações em que prevalecem os juízos epreconceitos estabelecidos, as tradições e práticasanteriores, e quando nem todas as alternativas paracursos de ação são examinadas, sendo escolhida aprimeira que se apresenta como satisfatória e não a queseria ótima são a regra e não a exceção.

A opção por adotar uma postura racional-comprensiva na formulação de políticas pode ser irrealistae inócua. Alternativamente, conceber a formulação comobaseada na racionalidade limitada ou pior, na posturameramente incremental pode deixar o fazedor de políticasde “mãos atadas” e simplesmente reproduzir o passado.

10.6.2. Algumas propostas intermediárias

BRAYBROOKE e LINDBLOM formulam oitocríticas ao modelo racional. Segundo eles, este modelonão é adaptado:

1. às limitadas capacidades humanas para resolverproblemas.2. à inadequação da informação;3. ao custo da análise;4. a falhas na construção de um método estimativosatisfatório;5. às estreitas relações observadas entre fato e valorna elaboração de políticas;6. à abertura do sistema de variáveis sobre o qualele opera;7. à necessidade do analista de seqüênciasestratégicas de movimentos analíticos8. às diversas formas em que os problemasrelacionados às políticas realmente ocorrem.

O modelo que propõem (“análise incrementalobjetiva”) diferencia-se do anterior porque:

1. considera apenas as alternativas que pouco seafastam da situação observada (e das políticasexistentes);2. não indaga acerca das conseqüências dealternativas;3. não analisa separadamente meios e fins, e fatos evalores;4. não parte da especificação de objetivos para aformulação de políticas que levem a um “estágiofuturo ideal”, propõe a comparação de políticasespecíficas “possíveis”, tendo como referência suaaderência aos objetivos e o tratamento iterativo dosproblemas visando a sua superação;5. considera que uma boa política não é aquela quepassa no teste do racionalismo, mas aquela quemaximiza os valores do tomador de decisão e quepermite um acordo entre os interesses envolvidos;6. considera que, apesar de suas imperfeições, oincrementalismo é preferível a um futile attempt at

superhuman comprehensiveness;7. considera que agindo incrementalmente pode-sealterar eficazmente o status quo - ainda que pouco apouco - evitando os grandes erros que o modeloracional pode implicar;8. considera que o mútuo ajuste entre partidários depolíticas, atuando independentemente, adaptando-sea decisões tomadas no seu entorno e respondendoàs intenções de seus pares é o melhor modo dealcançar uma coordenação compatível com ademocracia.

Apoiando a idéia de que uma racionalidade restritano processo de políticas seria “o melhor que se poderiaobter” ou que “é melhor do que nada”, LINDBLOMapresenta o conceito de análise estratégica como umaanálise limitada a um conjunto de procedimentos para oestudo de políticas obtido a partir da escolha informadae atenta entre os métodos disponíveis para a simplificaçãode problemas complexos.

Já HARRISON, HUNTER e POLLIT (1990), porsua vez, propõem que uma seqüência de mudançasincrementais pode muito bem ocorrer num contexto noqual certos interesses são dominantes e que, portanto,em situações como esta tenderia a não ocorrer um ajuste“mútuo”.

DROR (1964) critica o conservadorismo do modeloincremental, e o apoio que confere às forças pró-inérciae antiinovação. O incrementalismo seria adequadosomente quando existissem políticas razoavelmentesatisfatórias e um alto grau de continuidade dosproblemas e dos meios para tratá-los; isto é, quandoexistisse grande estabilidade social.

O modelo que ele sugere (optimal method)combina o emprego de métodos “extra-racionais” deidentificação de preferências dos atores com o examecriterioso, ainda que seletivo, das opções e metas depolítica. Embora aceitando o modelo incremental comouma descrição aceitável da realidade, ele consideranecessário adotar um modelo normativo mais próximoao racional. O problema é como operacionalizar o modelo.

ETZIONI (1967) critica a idéia de LINDBLOM deque uma sucessão de pequenos passos podem produzirmudanças tão significativas quanto passos grandes, maspouco freqüentes, como implicitamente proposto pelavisão racional. Nada garante que pequenos passos levemà acumulação de resultados ao invés de um movimentocircular em torno da situação inicial, sem direcionalidadee de pouco impacto.

Segundo ele, o ajuste mútuo entre partidários deinteresses diferentes nem sempre é, de fato, mútuo etende a estar enviesado em favor dos atores maisinfluentes e mais organizados (grandes corporações,p.ex.); inovações básicas a respeito de questõesfundamentais tendem a ser negligenciadas.

Ele sugere o método do mixed scanning: situaçõesque envolvem grandes decisões, dado que assertam asbases para decisões incrementais futuras, devem seranalisadas de uma maneira mais cuidadosa, próxima àproposta pelo modelo racional. Desta forma, os aspectosnegativos de cada modelo seriam minimizados.O problemaé como identificar essassituações e distinguir as decisões

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O “incrementalismo revisitado” de LINDBLOM(1979) e as críticas de DROR e ETZIONI dão origem atrês tipos de análise para a tomada de decisão; cada umdeles embutido no seguinte de maior nível:

ü análise incremental simples: envolve aconsideração de alternativas, que se diferenciamapenas incrementalmente do status quo;

ü análise incremental objetiva: envolve aconsideração de umas poucas alternativasconhecidas; da relação existente entre objetivos evalores, e os aspectos empíricos do problema. Supõeuma preocupação maior com o problema do que comos objetivos perseguidos e explora apenas algumasdas conseqüências de uma dada alternativa. A análiseé dividida entre vários participantes;

ü análise estratégica: envolve a consideração deestratagemas (algoritmos, indicadores etc.) capazesde simplificar problemas complexos de política.

Ao invés de buscar uma análise racional sinóptica,considerada um ideal impossível, a proposta sugere acomplementação do modelo incremental através de umalargamento do campo de análise, podendo até incluiruma busca especulativa sobre futuros possíveis,envolvendo prazos mais longos.

O incrementalismo revisitado reconhece que oajuste mútuo é eficaz para abordar questões corriqueiras.Mas que, ao contrário, as grandes questões - como adistribuição de renda, p.ex. - acerca das quais existe umamanipulação ideológica por parte dos grupos dominantes,exigem tratamento distinto (análise estratégica).

Desenvolvendo sua análise na direção de produzirsubsídios para a Análise Política, FORESTER comparaa posição racional-compreensiva às diferentes vertentescompatíveis com a concepção da racionalidade limitada.Ele aponta cinco concepções analítico-teóricas oumodelos, que estudam as relações entre a racionalidadee os processos decisórios envolvidos na elaboração depolíticas, e que poderiam ser usados para definirdiferentes estratégias de resposta, ação e tomada dedecisão para cada situação específica.

10.6.3. Modelos de Processo Decisório

MODELOS

ElementosCompreensiva(sem limites)

LimitaçãoCognitiva - I

DiferençasSociais - II

Pluralista - III LimitaçãoEstrutural - IV

Atorum ator

racional decidee executa

um ator não-racional,

falível

diversos atorese competênciasem cooperação

atorescompetindoorganizados

em grupos deinteresses

atores emestruturaspolíticas e

econômicas comdesigualdade

Problema bem definido

definido deforma

imprecisa

interpretaçãovariável a cada

ator

múltiplasdefinições de

valores,impactos e

direitos

definições embases ideológicas

Informação perfeita Imperfeitaqualidade e

acessovariados

contestada eaceita comomanipulada

desinformaçãoideológica evinculada ao

poder

Tempoinfinito ousempre

suficientelimitado limitado tempo é poder

é poder e élimitado conforme

interesse dosatores

Estratégiaprática

tecnicamenteperfeita, ótima

baseada embaixas

expectativa esatisfação

atuação emredes

incremental,com

verificação eajustes

baseada emantecipação,neutralização,organização

fundamentais das incrementais. Muitas vezes ações sãoimplementadas justamente porque “as coisas sempre foramfeitas deste modo...”

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As diferentes concepções apresentadas revelamo debate sobre as possibilidades do apoio racional àsdecisões e podem fixar os limites entre o mundo dapolítica e as pretensões técnico-racionalistas dosanalistas. Na posição IV, de limitação estrutural, podemser encontradas as bases teórico-conceituais para aanálise de muitas das políticas que são elaboradas emnosso meio.

A imagem concebida por HAM e HILL sobre oambiente de elaboração da política pública, resultanteda extensa revisão e sistematização da literatura querealizam, aproxima-se do modelo IV de racionalidadelimitada, com distribuição não eqüitativa de poder entreos diversos interesses em jogo, proposto por Forester.

Outros dois autores que realizaram um importantetrabalho de sistematização são HOGWOOD e GUNN.Para entender o processo político (penetrar na caixa pretado enfoque sistêmico) utilizam três modelos (idealizações)do processo de formulação de política:

ü modelo racional: baseia-se na hipótese de que aformulação é um processo essencialmente racional,em que os atores tomam suas decisões apoiando-se numa seqüência de passos sistematicamenteobservada. No limite, os problemas são entendidoscomo “técnicos” (e não políticos), o ambiente éconsensual, e o processo está permanentemente sobcontrole.

ü modelo (burocrático) incremental: supõe que aformulação é um processo inescapavelmente político,no qual as percepções e interesses dos atoresinvadem todas as suas etapas. A implementação,mais do que a formulação, é vista comoespecialmente problemática. A política é o resultadode uma permanente barganha num ambienteconflitado.

ü modelo do processo organizacional: interpretaas decisões e ações não como resultado de umaescolha racional, mas de um comportamentobaseado em rotinas e procedimentos-padrãosistemática e previamente definidos.

A opção de adotar o modelo racional comoreferência, com status normativo, não deve levar a umadesconsideração dos aspectos políticos inerentes aoprocesso de elaboração de políticas. Por outro lado,descartar esse modelo seria compactuar com aquelesque, cinicamente, desqualificam qualquer pretensão detornar o processo de elaboração de políticas maisadequado para a solução dos problemas sociais.

Como ressaltam HOGWOOD e GUNN: “O modelo racional é aplicado para resolver

problemas de uma forma sistemática. Ele deve sertambém usado para resolvê-los de uma maneirademocrática.”

Do ponto de vista da análise, deve ser semprelembrado que a opção por uma das interpretações impõediferenças substantivas em termos da metodologia depesquisa a ser usada e, portanto, hipóteses quanto à

conformação das estruturas de poder que estão por trásda formulação das políticas. E que as metodologiasempregadas condicionam o tipo de assuntos a serempesquisados e os “achados” que podem ser descobertos.

10.6.4. O processo de elaboração de Políticas Públicas e os modelos de análise

Para terminar esta extensa seção, a segunda quetrata do tema da formulação da política, parececonveniente apresentar um resumo sobre o processo deElaboração de Políticas Públicas. Ele costuma ser divididoem três fases sucessivas - Formulação, Implementaçãoe Avaliação - que conformam um ciclo que se realimenta.

A política é, primeiramente, formulada, isto é,concebida no âmbito de um processo decisório pelos“tomadores de decisão”, que pode ser democrático eparticipativo ou autoritário e “de gabinete”; de “baixo paracima” ou de “cima para baixo”; de tipo racional e planejadoou incremental e mediante o ajuste mútuo entre os atoresintervenientes; com ou sem manipulação e controle daagenda dos atores com maior poder; detalhadamentedefinida ou deixada propositadamente incompleta para“ver se cola” e como é que fica “na prática”. Dependendoprincipalmente do grau de racionalidade do processodecisório, a fase de Formulação pode contemplar etapascomo pesquisa do assunto, filtragem do assunto,prospectiva, explicitação de valores e objetivos globais.

Depois de formulada, inicia-se a Implementaçãoda política, mediante os órgãos e mecanismos existentesou especialmente criados pelos burocratas. Dependendosobretudo do grau de definição da política, eles exercemseu poder discricionário - variável principalmente segundoo nível em que se encontram na hierarquia - adaptandoa política formulada à realidade da relação Estado-sociedade e das regras de formação do poder econômicoe político que estas impõem ao jogo entre os atoressociais.

Finalmente, ocorre a Avaliação da política, quandoos resultados - entendidos como produtos e metasdefinidos e esperados num âmbito mais restrito - eimpactos - entendidos como produtos sobre um contextomais amplo e muitas vezes não esperados ou desejados-, decorrentes de sua Implementação são comparadoscom o planejado, ou no limite, quando a Formulação sedá de forma totalmente incremental, aprovados atravésde um critério de satisfação dos interesses dos atoresenvolvidos. É o grau de racionalidade da fase deFormulação e o estilo de Implementação que definemcomo irá ocorrer a Avaliação. No extremo racional, emque existe uma intencionalidade de mudança de umdeterminado sistema, a Avaliação é condição necessária.É através dela que o trânsito do sistema de uma situaçãoinicial a uma outra situação, tida como desejada, podeser promovida. É a Avaliação que aponta as direções demudança e as ações a serem implementadas nummomento ulterior. Após a implementação dessas, e aavaliação dos resultados alcançados é que,iterativamente, serão propostas novas ações que levarãoo sistema a aproximar-se do cenário desejado.

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Pode-se sintetizar a discussão colocada nestaseção, dizendo que a associação entre incrementalismoe sociedades plurais e entre racionalismo e sociedadestotalitárias é falsa (Etzioni). E que, muito importante, énecessário resgatar a questão central acerca do quesignifica o racionalismo em sociedades democráticas.Uma coisa é tentar definir os objetivos de umadeterminada sociedade de uma forma racional, outra éprocurar implementar os objetivos democraticamenteestabelecidos através de um modelo racional.

10.7.Modelos para o estudo da implementação de políticas

O estudo da implementação é às vezesdenominado o “elo perdido” entre a preocupação com opolicy making e a avaliação dos resultados e impactosda política. Ele pode ser resumido à pergunta: Por quêcertas políticas são bem sucedidas (bem implementadas)e outras não?

Dizemos que a implementação foi mal sucedidaquando a política foi colocada em prática de formaapropriada, sem que obstáculos sérios tenham-severificado, mas falhou em produzir os resultadosesperados. Neste caso, é provável que o problema (falha)da política não esteja na implementação propriamentedita, mas na formulação.

Dizemos que há um hiato (gap) de implementaçãoquando a política não pôde ser colocada em prática deforma apropriada porque aqueles envolvidos com suaexecução não foram suficientemente cooperativos oueficazes, ou porque apesar de seus esforços não foipossível contornar obstáculos externos.

Para verificar de que tipo é a situação que se estátratando, a questão chave é escolher quais dos doisenfoques (top down e bottom up) é a ela mais adequado.isto é, a qual destes dois extremos a política em análiseencontra-se mais próxima. Esta escolha deve dar-se emfunção de uma avaliação de conjunto que deve serrealizada tendo em conta as características que apresentaa política. Freqüentemente, inclusive porque ela é sempreuma solução de contingência, de compromisso (situaçõesmistas podem ocorrer) e por aproximação, esta escolhapode se modificar ao longo da análise.

10.7.1. O enfoque top down

O modelo ou enfoque top down aborda o porquêde certas políticas serem bem sucedidas (bemimplementadas) e outras não, partindo de uma definiçãode implementação como um processo em que “ações deatores públicos ou privados são dirigidas ao cumprimentode objetivos definidos em decisões políticas anteriores”.

A política é, assim, entendida como uma“propriedade” dos policy makers situados no topo dasorganizações, como atores que têm o controle doprocesso de formulação.

O hiato entre as aspirações desses atores situadosnum plano central (federal, p.ex.) e realidades locais seriaa causa dos déficits de implementação.

Para que uma política de tipo top down seja bem

implementada é necessário que dez pré-condições sejamobservadas:

1. Que as circunstâncias externas à agênciaresponsável pela implementação não imponham a estarestrições muito severas;2. Que tempo adequado e recursos suficientes sejamcolocados à disposição do programa;3. Que não haja nenhuma restrição em termos derecursos globais e que, também, em cada estágio doprocesso de implementação, a combinação necessáriade recursos esteja realmente disponível;4. Que a política a ser implementada seja baseada emuma teoria de causa e efeito válida;5. Que as relações de causa e efeito sejam diretas eem pequeno número;6. Que haja uma única agência de implementação quenão dependa de outras ou, se outras agências estiveremenvolvidas, que as relações de dependência sejampequenas em número e importância;7. Que haja entendimento completo, e consentimento,acerca dos objetivos a serem atingidos; e que estascondições persistam durante o processo deimplementação;8. Que ao mobilizar-se para o cumprimento de objetivosacordados seja possível especificar, em completodetalhe e perfeita seqüência, as tarefas a serem levadasa cabo por cada participante do programa;9. Que haja perfeita comunicação e coordenação entreos vários elementos envolvidos no programa;10. Que aqueles com autoridade possam exigir e obterperfeita obediência.

10.7.2. O enfoque bottom up

O enfoque bottom up constitui-se a partir de críticasao enfoque top down ou da introdução de restrições aoque se poderia considerar o caso perfeito, ideal, deelaboração de política. Elas são classificadas em:

1. relativas à natureza da política: A política entendidacomo instância que, ao ser definida (ou “indefinida”),“cria problemas” de implementação. Políticas destetipo, que projetam conflitos (ou compromissos) nãoresolvidos, que não contemplam recursos para suaimplementação, que envolvem relações poucodefinidas entre organizações que as devemimplementar, que envolvem a criação de novasorganizações, etc. são denominadas “simbólicas”;

2. relativas às relações entre a formulação e aimplementação: A política entendida como umainstância e como um compromisso que se mantém ese renova ao longo do processo de implementação;o que faz com que se torne difusa a interface entreformulação e implementação;3. relativas às instâncias normativas adotadas pelosanalistas. O enfoque bottom up parte da análise dasredes de decisões que se dão no nível concreto emque os atores se enfrentam quando daimplementação, sem conferir um papel determinanteàs estruturas pré-existentes (relações de causa e

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efeito e hierarquia entre organizações, etc.)O enfoque bottom up parte da idéia de que existe

sempre um controle imperfeito em todo o processo deelaboração de política, o que condiciona o momento daimplementação. Esta é entendida como o resultado deum processo interativo através do qual uma política quese mantém em formulação durante um tempoconsiderável relaciona-se com o seu contexto e com asorganizações responsáveis por sua implementação.

Segundo o enfoque bottom up, a implementaçãoé uma simples continuação da formulação. Existiria umcontinuum política/ação no qual um processo interativode negociação tem lugar entre os que buscam colocar apolítica em prática - aqueles dos quais depende a ação -e aqueles cujos interesses serão afetados pela mudançaprovocada pela política. Ele supõe (no limite) que aimplementação carece de uma intencionalidade(racionalidade) determinada pelos que detêm o poder.

Esse enfoque chama atenção para o fato de quecertas decisões que idealmente pertencem ao terrenoda formulação só são efetivamente tomadas durante aimplementação porque se supõe que determinadasopiniões conflitivas não podem ser resolvidas durante omomento da tomada de decisão. Seria ineficaz (ouprematuro, e por isto perigoso) tentar resolver conflitosaí, uma vez que são as decisões do dia-a-dia daimplementação as que realmente requerem negociaçãoe compromisso entre grupos poderosos, e decisões-chave só podem ser tomadas quando existe umapercepção mais clara dos potenciais resultados da políticaà disposição dos “implementadores”. Assim, são os“implementadores” os melhor equipados para tomaressas decisões que “deveriam” ser tomadas no momentoda formulação.

O processo de implementação pode ser estudadosegundo distintas perspectivas de análise:

ü organizacional: quando o tipo de organização éplanejado em função do tipo de ação;

ü processual: a implementação é um resultado deuma sucessão de processos;

ü comportamental: há uma ênfase na necessidadede reduzir conflitos durante o processo;

ü político: padrões de poder e influência entre e intra-organizações são enfatizados.

Em situações em que uma política possui objetivose contempla atividades claramente definidas, e mais aindase os inputs e resultados são quantificáveis, é possívelidentificar déficits de implementação e o enfoque top downé aconselhável.

Embora isto freqüentemente ocorra, a Análise dePolítica não deve privilegiar a análise do processo deimplementação ou tomá-la com algo à parte. O estudode aspectos relacionados ao estudo das organizações,ao papel da discricionariedade e dos street levelbureaucrats, entre outros, são os passos seguintes dopercurso para a análise do processo de elaboração depolíticas.

10.8. O estudo das organizações e a Análise de Política

O estudo das organizações e da formulação depolíticas tem evoluído muito nas últimas décadas, desdeWEBER (1961), para quem “todo poder se manifesta efunciona como administração”, aos enfoquesestruturalistas e comportamentais, que incorporamvariáveis inerentes ao contexto externo no âmbito internoàs organizações.

O crescimento das Ciências Sociais nos EUA e,em particular, dos estudos sociológicos e psicológicossobre o comportamento dos indivíduos no interior dasorganizações, teve como resultado uma crescenteênfase: à abordagem das relações humanas (atribuindo-se relevância à motivação, ao entusiasmo e às relaçõesnos grupos de trabalho); ao enfoque dos psicólogossociais (procurando explorar o conflito entre asnecessidades humanas e os aparentes pré-requisitos dasorganizações formais); à “teoria da contingência”(proclamando a existência de uma interação complexaentre variáveis contingentes e estruturais, que relacionamo poder organizacional interno e o contexto externo).

10.8.1. A discricionariedade dos escalões burocráticos inferiores e a elaboração depolíticas

O conceito de discricionariedade reporta a umasituação em que um funcionário público possui um graude poder de decisão que o torna capaz de escolher entredistintos cursos de ação ou “não-ação”. Neste caso, diz-se que ele possuem poder discricionário.

Existe uma diferença entre o conceito de“julgamento”, quando uma simples interpretação dasregras é requerida, e “discricionariedade”, quando asregras conferem a um certo tipo de funcionário, emsituações específicas, a responsabilidade de tomardecisões que ele considera apropriadas.

Toda delegação de poder envolve facultar aoburocrata, situado numa posição hierárquica inferior,discricionariedade. O conflito entre regra ediscricionariedade é o outro lado da moeda do conflitoentre autoridade dos chefes e a sua confiança nossubordinados.

A delegação de poder remete a perguntas do tipo:Como atua a parte da burocracia que interage diretamentecom os cidadãos no desempenho de suas funções,aquela que se situa mais distante dos centros de decisãopolítica e mais próximo à implementação das políticas,no “nível da rua” (street-level bureaucrat)?

Este tipo de funcionário público costuma ter umconsiderável poder discricionário na execução de seutrabalho. Suas decisões, baseadas nas rotinas queestabelece e nos mecanismos que inventa para enfrentaras incertezas resultantes da pressão do trabalho, é o quedetermina a maneira como as políticas são efetivamenteimplementadas.

Isso nos leva a indagar sobre até que ponto apolítica pública deve ser entendida como algo feito no

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legislativo ou nos gabinetes dos administradores de altoescalão, uma vez que, de uma maneira importante, ela éde fato feita nas repartições lotadas onde se dá oatendimento diário do público pelos street-levelbureaucrats.

O poder desses funcionários na conformação daspolíticas efetivamente implementadas éconsideravelmente superior ao de outros funcionáriospúblicos de mesmo nível hierárquico e remuneração, masque não atuam diretamente com o público. Isto faz comque possam ser considerados como os efetivos“fazedores da política”.

Estes funcionários - os “implementadores”-quebram regras e estabelecem rotinas para poderemtrabalhar, pois caso operassem “segundo o regulamento”paralisariam o serviço. Exemplo disso é o que ocorre emsituações de conflito em que, freqüentemente, antes deentrarem em greve, realizam uma “operação tartaruga”como forma de boicote. O seu poder manifesta-se tantoem relação aos consumidores como em relação àsagências às quais pertencem.

O seu poder discricionárioé tanto maior quanto:

ü maior a diferença entre ademanda e a oferta de recursosdisponíveis para seremalocados;ü menos claras forem asdeterminações emanadas dadireção da agência;ü mais pobre ou menospoderosa e difusamenteorganizada for a clientela.

Como uma recomendaçãoconclusiva para que a análise docomportamento dos burocrataschegue ao resultado esperado,cabe lembrar que eles muitasvezes entram na carreira comideais que não conseguem realizarna prática. Passam sua vidaprodutiva num ambiente detrabalho corrompido. E, em geral,consideram que estão fazendo omelhor que podem, alocandorecursos materiais e temposempre escassos para atender auma demanda que pode serentendida (segundo a teorianeoclássica) como virtualmenteinfinita, uma vez que o preço doserviço que prestam é nulo.

10.8.2. Os modelos deorganizações e o processo deelaboração de políticas

As organizações sãoelementos centrais no processo deelaboração de políticas. São o

locus onde ocorre o processo decisório, o principal agenteresponsável pela implementação das políticas e,freqüentemente, onde se avalia o resultado das políticasque nela se formulam e implementam.

Também no caso das organizações é possível“destilar” modelos capazes de serem usados para suaanálise. Apoiando-se na contribuição de ELMORE (1978),é possível classificar as organizações em quatro tipos,tomando como referência particular o momento daimplementação e referindo-os a quatro categorias deanálise. Para cada um dos tipos, a Implementação éentendida, respectivamente, como um sistema degerenciamento, como um processo burocrático, comodesenvolvimento organizacional e como um processo deconflito e barganha, referidos a quatro categorias deanálise - Princípio Central, Distribuição de Poder,Processo de Formulação de Políticas e o Processo deImplementação propriamente dito.

Os quadros que seguem mostram ascaracterísticas de cada tipo de organização.

Organizações são es truturadas sobre o princípio do controle hier árquico. A responsabilidade pela formulação de políticas e controle completo sobre os s is temas operacionais recai sobre a alta gerência que aloca tarefas específicas e objetivos a unidades subordinadas e acom panha seu desempenho.

Organizações operam como maximizadores racionais de valor. O atributo essenc ial é o procedimento direcionado a metas; as organizações são efic ientes na m edida em que maxim izem seu desempenho em relação a seus objetivos e metas centrais. Cada tarefa que um a organização executa deve contribuir para pelo menos um dos objetivos que refletem os propósitos da organização.

Para todas as tarefas que a organização executa, existe uma alocação ótima de responsabilidade entre sub unidades que maximiza o desempenho da organização para o cumprimento de seus objetivos. A form ulação consiste em encontrar este ponto ótimo e mantê-lo, ajustando continuam ente a alocação interna de responsabil idades.

Cons iste em definir de uma detalhada relação de metas que refl ita exatamente os objetivos de um a política; determinar responsabilidades e padrões de desempenho para sub unidades consistente com seus objetivos; monitorar sistematicamente desempenho, e elaborar ajustes internos que melhorem a consecução das metas. O processo é dinâmico, não estático; o desenvolv imento impõe continuamente novas demandas que requerem ajustes internos. Mas a implementação é sempre direcionada a metas e maximizadora de valor.

PrincípioCentral

Distribuição de Poder

Formulação

Implementação

O domínio de arbítrio e rotina s ignifica que o poder tende a ser fragmentado e disperso entre pequenas unidades que exercem estrito controle sobre tarefas específicas em sua esfera de autoridade. O controle que qualquer unidade pode exercer sobre uma outra, lateralmente ou hierarquicamente, se deve a que, como as organizações vêm se tornando crescentemente complexas, as unidades se tornam altamente especializadas e exercem grande controle sobre suas operações internas.

As duas características centrais são discric ionaridade (arbítrio) e rotina; todos os procedimentos importantes podem ser explicados a partir do irredutível arbítrio exerc ido por func ionários individualmente em suas decisões do dia a dia e a operação de rotinas desenvolvidas para manter e fazer crescer sua pos ição na organização.

Consiste em controlar o arbítrio e mudar rotinas. Todas as propostas v isando mudanças são avaliadas por unidades organizac ionais em term os de uma gradação de afastamento em relação às normas determinadas; desta forma, as dec isões na organização tendem a ser incrementais.

Consis te em identificar onde a discric ionariedade está concentrado e onde, no repertório de rotinas organizac ionais , são necessárias m udanças, criando-se rotinas alternativas que representem o propósito da política e induzindo as unidades organizacionais a substituir velhas rotinas por outras novas.

Princípio Central

Distribuiçãode Poder

Formulação

Implementação

Tipo 2: Organização como Processo Burocrático

Tipo 1: Organização como Sistema de Gerenciamento

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Tipo 3: Organização como DesenvolvimentoOrganizacional

Tipo 4: Organização como Processo de Conflito eBarganha

10.9. Os Momentos da elaboração de políticas públicas

A partir das considerações realizadas nas seçõesanteriores, que se referem quase que exclusivamente àanálise, propriamente dita, do processo de elaboraçãode políticas e que buscam capacitar o leitor a analisarcriticamente políticas, cuja responsabilidade deformulação e implementação não é dele, cabe explorar

um outro tema.Esta seção apresenta os procedimentos que

devem ser seguidos para formular políticas que possamser implementadas de maneiraadequada e para que elas sejamimplementadas de forma aalcançar os objetivos e osimpactos visados. Objetiva acapacitação do leitor enquantoresponsável pela elaboração,propriamente dita, de políticaspúblicas.

Este tema da elaboraçãode políticas, enquanto “arte etécnica de governo”, tem sidotratado de forma exaustiva pormuitos autores, ao contrário doque ocorre com os objeto dasseções precedentes. O fato deque o conteúdo apresentadonestas seções seja um subsídiotão importante para adquirir acapacidade de elaborar (formular,implementar e também avaliar)políticas públicas, quanto aqueleque se apresenta a seguir, é o quenos leva a abordá-lo com umdetalhe comparativamente menor.Na verdade, a ênfase que damosaos dois tipos de conteúdo écoerente com a negação quetemos feito da proposiçãotecnocrática, de que a elaboraçãode política pública pode serencarada como a simplesoperacionalização de um conjuntode normas, procedimentos epassos de um manual.

A intenção desta seção é,por isso, construir uma ponteentre as metodologias deplanejamento usualmenteadotadas por organizaçõespúblicas, cuja ineficácia têm sidoinsistentemente apontada, e osconteúdos apresentados até aqui.Ou, alternativamente, através dafundamentação proporcionadapela Análise Política, e seuemprego para desvelar os

aspectos mais propriamente políticos envolvidos noplanejamento, contribuir para tornar aquelas metodologiasmais realistas e eficazes.

Assim, esta seção apresenta os procedimentossugeridos por diversos autores que buscam melhorar amaneira como o processo de elaboração de políticasdesenvolve-se no âmbito do Estado capitalistacontemporâneo, oferecendo aos profissionais ali situados,e interessados em construir alternativas aos cursos deação tradicionais, um conjunto de categorias e métodosde análise.

Organizações devem ser estruturadas para maximizar o controle indiv idual, partic ipação e compromisso em todos os níveis. Burocracias hierarquicamente estruturadas maximizam estes aspectos, mas para pessoas que se encontram nos níveis mais altos da organização, às custas dos que se encontram nos níveis inferiores . Portanto, a melhor est rutura é a que minimiza o controle hierárquico e distribui capacidade de dec isão entre todos os níveis da organização.

Organizações devem funcionar para satisfazer as necessidades psicológicas e sociais básicas dos que as constituem, a partir da autonomia e controle sobre seu próprio trabalho, da participação nas decisões que os afetem e do compromisso com os propósitos das mesmas.

Consiste na construção de consensos e sólido relacionamento interpessoal entre os membros do grupo. Depende da criação de grupos de trabalho efetivos. A qualidade das relações interpessoais determina em grande medida a qualidade das dec isões. Grupos de trabalho efetivos são caracterizados por metas compartilhadas, comunicação aberta, confiança e apoio recíprocos entre membros do grupo, completa utilização das habilidades e controle de conflitos.

Cons iste na const rução de consensos e acomodação entre fazedores de política e implementadores. O problema central da implementação é a dificuldade do processo resultar em consensos quanto às m etas , autonomia individual e compromisso com as políticas por parte daqueles que devem executá-la.

PrincípioCentral

Distribuiçãode Poder

Formulação

Implementação

Nunca é estável. Ela depende de habilidades transitórias de indivíduos ou unidades para mobilizar recursos para manejar os procedimentos dos outros. A posição formal na hierarquia é apenas um dos fatores que determinam a dis tribuição do poder. Outros fatores são conhecimento, controle de recursos materiais e capacidade de mobilizar apoios externos . O exerc ício do poder nas organizações é fragilmente relacionado à sua estrutura formal.

O rganizações são arenas de conflitos nas quais indivíduos e sub unidades com interesses específicos competem por vantagens relativas no exercício do poder e na alocação de recursos escassos.

Consiste em um processo de barganha no interior e entre unidades da organização. Dec isões negociadas são o resultado de consenso entre atores com diferentes preferênc ias e recursos. Negociação não requer que as partes entrem em acordo sobre objetivos comuns nem eventualmente requer que elas contribuam para o êxito do processo de negociação. A barganha exige apenas que as partes concordem em ajustar mutuamente sua conduta no interesse de preservar a negociação como um instrumento para a alocação de recursos.

Consis te numa complexa série de decisões negociadas refletindo as preferências e recursos dos participantes. Sucesso ou fracasso não podem ser avaliados comparando-se o resultado com uma simples declarações de intenção, porque uma lista de propósitos simples não pode gerar um enunciado consistente dos interesses das diversas partes participantes do processo. O sucesso só pode ser definido em relação aos objetivos de um ator no processo de negociação ou em termos de preservação do processo em si mesmo.

PrincípioCentra l

Distribuiçãode Poder

Formulação

Implementação

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Há que se ressaltar, entretanto, que talvez maisdo que no caso das seções anteriores, a leitura destaseção não substitui a consulta às obras aqui referidas.Entre elas, recomenda-se enfaticamente a consulta aolivro de HOGWOOD e GUNN (1984), Policy Analisys forthe Real World.

Para facilitar a consulta aos autores citados, talvezseja conveniente classificá-los em dois grupos. Umprimeiro mais preocupado em construir categorias deanálise e descrever processos de trabalho voltados aoconjunto do processo de elaboração de políticas (comoLINDBLOM (1981) e HOGWOOD e GUNN), e um outrogrupo, com interesse mais focado no momento deformulação (como DROR (1983) e BARDACH (1998)).

Como método de trabalho para a compreensão doprocesso de elaboração de políticas, LINDBLOM em seutrabalho seminal propõe a divisão no que considera seuscomponentes principais. Disto resulta sua sugestão deque os seguintes passos sejam observados:

1. os diferentes problemas e reclamações, sociaisou de governo, chegam ao processo decisório econvertem-se em temas da agenda de política dosdirigentes;2. as pessoas ou atores concretamente envolvidoscom o processo concebem, formulam ou descrevemestes temas objeto da ação governamental;3. planejam-se a ação futura, os riscos epotencialidades envolvidas, as alternativas, osobjetivos previstos e os resultados esperados;4. os administradores aplicam (implementam) apolítica formulada;5. uma determinada política pode ser avaliada, o quepressupõe a construção de metodologias específicaspara este tipo de análise.

Uma observação dos três primeiros passos remeteao processo de formulação de uma política. Muito emboraa preocupação com a implementação, para que ela sejaeficiente e eficaz, e também a definição dos processosde avaliação devam existir previamente à implementaçãoda política, este processo de planejamento deve serseparado de sua execução propriamente dita.

Estes cinco passos ou “instâncias” de análiseapresentadas por LINDBLOM são desdobrados de mododidático e rigoroso, ao longo de nove capítulos de seulivro, por HOGWOOD e GUNN. O percurso que adotampara organizar o trabalho do profissional encarregado daelaboração de uma Política Pública engloba um conjuntode nove fases:ü Escolha de Assuntos para Definição da Agenda;ü Filtragem de Assuntos (ou decidir como decidir);ü Definição ou processamento do Assunto;ü Prospecção ou estudo dos desdobramentosfuturos relativos ao Assunto;ü Definição de Objetivos, Resultados e Prioridadesda Política;ü Análise de Opções ou Alternativas para Cursosde Ação;

ü Implementação da Política (incluindo seumonitoramento e controle);ü Avaliação e revisão da Política;ü Manutenção, sucessão ou encerramento daPolítica.

Entre os trabalhos voltados à elaboração depolíticas, merece ser destacada a análise realizada porDROR, e que pode ser resumida, utilizando-se os termosdo autor, como as etapas para um policy making ótimo:

A - Meta Policy making1. Análise de Valores Sociais e de Atores envolvidos;2. Análise da Realidade na qual se pretende atuar;3. Processamento de Problemas;4. Desenvolvimento de Recursos;5. Montagem do sistema de Formulação de políticas;6. Alocação e definição de Problemas, Valores eRecursos;7. Determinação da Estratégia.

B - Policy making1. Alocação de recursos;2. Estabelecimento de metas operacionais;3. Estabelecimento de priorização de valores;4. Preparação de um conjunto de alternativas;5. Análise de custos e benefícios futuros;6. Identificação dos melhores resultados poralternativa;7. Avaliação de custos e benefícios das melhoresalternativas.

C - Post Policy making1. Incentivo à implantação da política;2. Execução da política;3. Avaliação da formulação de política.

DROR propõe que todas estas 17 fases sejamapoiadas e interligadas por uma forte rede decomunicação e retroalimentação.

BARDACH, ao sugerir uma seqüência de oito“passos” para a formulação de políticas, ressalta que elanão deve ser entendida como rígida ou completa e queem muitas situações é necessário realizar os passos emordem diversa da apresentada. Além disso, e tal comoHOGWOOD e GUNN, o autor afirma que o processo deformulação da política é sempre interativo, muitas dasetapas repetem-se, e algumas, como a obtenção deinformação, pode ter sua execução realizadarecorrentemente ao longo de todo o processo.

Os passos propostos por Bardach são osseguintes:

1. Definição do Problema a ser enfrentado;2. Obtenção de informação;3. Construção de Alternativas;4. Seleção de critérios para avaliar alternativas;5. Projeção dos Resultados;6. Confrontação de custos;7. Tomada de Decisão;

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8. Argumentação e defesa da Proposta:Comunicação.

Todos os autores chamam a atenção para aexistência de restrições ao processo de elaboração“perfeita” de uma política. Entre elas, são enfatizadasrestrições como o tempo decorrido entre a decisão, aformulação e a verificação dos resultados obtidos; asubordinação da avaliação à obtenção de informaçãoqualificada e em tempo oportuno; e a preponderância devalores e diferenças de visão política no decorrer dosprocessos. A estas haveria que agregar outrasespecialmente importantes nos países periféricos, comoo fato de que as políticas são aqui geradas e implantadasem um ambiente marcado por uma grande desigualdadede poder, de capacidade de influência e de controle derecursos entre os diversos atores sociais; o que por si sóaponta as dificuldades para adotar rigorosamente asproposições feitas pelos autores.

10.10.Experiências de Planejamento Público

Alguns processos concretos de planejamentorealizados em organizações públicas de países latino-americanos, como a construção de Planos Institucionais,têm adotado metodologias de trabalho inspiradas nométodo do Planejamento Estratégico Situacional, doprofessor Carlos Matus (MATUS, 1993), e no métodoZOPP6 (BOLAY, 1993), métodos que se aproximam emmuitos aspectos ao conteúdo apresentado na seçãoanterior.

Em geral, o desenvolvimento deste tipo de trabalhotem sido apoiado em consultoria externa especialmentecontratada, uma vez que a “cultura” do planejamentoestratégico encontra-se ainda muito incipientementeimplantada nessas organizações.

O processo costuma ter início com um encontrode planejamento, envolvendo os atores relevantes à açãodo órgão, seguido da realização de seminários deplanejamento organizados com técnicas participativaspara tomada de decisões. De forma geral, o processorealizado pode ser resumido, a partir das própriasinstâncias de formulação, como segue:

Conformação da Agendaü Escolha dos participantes;ü Definição de objetivos do Processo;ü Definição da Missão da Organização;ü Levantamento dos Obstáculos ao Cumprimentoda Missão;ü Definição do Problema Estratégico;ü Diagnóstico;ü Análise da situação problemática definida a partirdo problema estratégico;ü Levantamento e análise de interesses para osAtores envolvidos;ü Explicação de cada problema na perspectiva de

cada um dos atores envolvidos.

Proposiçãoü Escolha dos cursos de ação;ü Definição de projetos de ação e resultados peloAtor que planeja;ü Levantamento de Cenários futuros;ü Precisão de Resultados esperados.

Estratégiaü Análise de posicionamento dos Atores relevantesem função dos resultados esperados;ü Estudos de viabilidade para cada um dos projetosde ação definidos;ü Formulação de cursos de ação para movimentojunto aos atores;ü Montagem de grupos tarefa para detalhamento doscursos de ação.

Preparação da Implementaçãoü Definição de mecanismos de implementação;ü Formação de equipe de suporte para o processo;ü Definição de mecanismos de controle eacompanhamento;ü Definição de procedimentos para avaliação erevisão permanente da Ação.

10.11.Um roteiro para a Análise de Políticas

Esta seção tem por objetivo oferecer ao leitor umroteiro de trabalho que o ajude a analisar uma área deatividade econômica, social. etc. no qual o governopossua um poder de influência elevado na definição dosrumos de seu desenvolvimento. Em outras palavras, umaárea qualquer onde exista, ou possa ser explicitada aexistência de uma política pública.

O seu conteúdo é duplamente inespecífico.Primeiro porque, esteja o analista situado no próprioaparelho de Estado ou fora dele, numa empresa privadaou no chamado terceiro setor, em todos os casos, ele teráque “... descobrir o que os governos fazem, porque fazem eque diferença isto faz” - que é a definição de Análise dePolítica de DYE. Para desempenhar seu trabalho de formamais eficaz, ele terá que atuar (ou transformar-se)necessariamente num analista de política. Em segundolugar, porque ele se adeqüa a qualquer das áreas deatividade onde a atuação do governo é importante.

Para desenvolver sua análise, o profissional (agoraconvertido em analista) deverá conhecer com algumaprofundidade a área em que trabalha e o ambiente em quese insere. Se isto ocorrer, ele será capaz de identificaradequadamente os objetos, fatos, atores, organizações,relações, etc. que correspondem aos elementos do marcoanalítico-conceitual - conceitos, modelos, fatos-estilizados,etc. - que se apresentou até aqui e que, a seguir, sintetiza-se. Pelo menos é este o desafio que esta seção procuraenfrentar ao sistematizar a grande variedade de temasabordado pela também variada literatura consultada atravésde quadro sinópticos etc.

6 Sigla em alemão para Planejamento de Projetos Orientado por Objetivos. O método ZOPP incorpora oLogical Framework Approach, LFA, desenvolvido pela USAID nos anos 60. Posteriormente, foi revisto pela GTZ,agência do governo alemão, para apoio a projetos de desenvolvimento.

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Ao organizar esta seção, adotou-se um estilo aomesmo tempo “telegráfico” e abrangente, coerente coma suposição de que o leitor não apenas conhece oconteúdo até aqui apresentado como terá condições deaprofundá-lo consultando a bibliografia indicada. A suafinalidade é que ele possa funcionar como um apoiometodológico quando não se conta ainda com elementossuficientes para realizar um trabalho mais focado eproporcionar insights e pistas de pesquisa que permitaminiciar o trabalho de uma forma metódica, através do usointer-relacionado dos conceitos próprios da Análise dePolítica com coerência e consistência.

10.11.1. Os instrumentos da Análisede Política

A figura acima ilustra a função do processo deanálise de uma política no contexto mais amplo de umsetor de atividade pública qualquer. Ela mostra como esteprocesso, cujo objetivo é, por um lado apreender estarealidade e, por outro, fornecer indicações úteis para aelaboração propriamente dita da política, relaciona-secom a realidade. A característica policy oriented daatividade de análise é assinalada com afinalidade de enfatizar seu objetivo de,tendo em vista as restrições impostas poresta realidade, transformá-la buscandouma situação desejada.

Os quadros que seguem oferecemuma visão mais detalhada dessas duasfunções da análise de política: apreendera realidade e atuar sobre ela. Eles devemser vistos como uma síntese do conteúdodesenvolvido nas seções precedentes,que busca proporcionar ao analista umguia para a análise, assinalando a sériede conceitos, relações e escolhas quedevem manter-se no seu foco.Coerentemente com a característica

desta seção, as expressões usadas não estão aquidefinidas ou relacionadas a outras que, no entanto,contribuem a dar-lhes o significado que possuem.

INSTRUMENTOS DE ANÁLISE DE POLÍTICASPÚBLICAS

ü para apreender a realidadeü fatos estelizadores → variáveisü comparações (diacrônicas e sincrônicas)ü modelos descritivo e explicativo das interaçõesü determinações do contexto socio-ecônomico

ü para atuar sobre a realidade(policy)ü modelo normativo e institucionalü os três níveis de análise: atores e instituições,

interesses, regras de formação do poderü o processo de tomada de decisão: conformaçãoda agenda, participação dos atores, “as três facesdo poder”, racionalismo x incrementalismoü implementação: modelos top down x bottonup; discricionariedade, “street level bureaucrat’déficit de implememtação

A figura que segue ilustra como a partir dessesinstrumentos é possível conceber um marco dereferência para a análise da política. Seuentendimento, tendo em vista os conteúdos ate aquiapresentados, não demanda muitos comentários.Parece necessário apenas salientar dois aspectos.Primeiro: é sobre o modelo produzido por meio doprocedimento de modelização que a política é

elaborada e, por isso, tudo se passa como se fosse sobreele que o analista aplica marco de referência concebido;e é assim que ele pretende atuar sobre a realidade a sermodificada. Segundo: tanto quanto como o modelo, éimportante para a concepção do marco de referência oambiente institucional em que se dá o processo deelaboração da política.

RE ALIDADE politics

ANÁLISE DE POLÍTICA

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10.11.2. Tipos de Análise de Política

Entre as várias opções que deve realizar o analistano decorrer de uma análise de política, uma, crucial, é otipo de trabalho que pretende desenvolver. O quadro quesegue indica as sete variedades possíveis, mostrandoas respectivas características. A escolha do analistadepende de sua perspectiva ideológica, objetivo, posiçãoque ocupa no ambiente político, etc. Freqüentemente,no entanto, o analista altera as características de seutrabalho, à medida que aumenta seu envolvimento coma política que analisa, podendo inclusive percorrer todoo espectro conformado pelas sete variedades abaixoindicadas.

10.11.3. Uma visão de conjunto dostrês momentos da Elaboração de Políticas

O quadro abaixo apresenta uma síntese doProcesso de Elaboração de Políticas Públicas,enfatizando aspectos dos seus três momentos. Ele podeser usado como uma ajuda para a análise simplificada(e, é claro, simplista e ainda pouco refinada) de umapolítica qualquer. Algo como um checklist.

Sua utilização como uma espécie de guia deanálise implica no procedimento de tentar “enquadrar”(ou classificar) cada um dos três momentos do processode elaboração de uma dada política sob análise, em um

dos dois modelos estilizados extremos. Isto porque étomando um dos dois como “caso puro, ideal”, em relaçãoao qual se desvia o caso concreto que se está analisando,é que se pode proceder de maneira segura à análise doprocesso concernente a cada momento.

De modo a auxiliar a compreensão do quadro efacilitar seu uso, realiza-se abaixo a sua “leitura porcoluna”. Em cada coluna indica-se os dois modelos ouaspectos extremos que costuma assumir, na realidade,o processo concernente a cada um destes momentos.

(1 ) Estudo do conteúdo das

políticas

analistas procuram descrever e explicar a gênese e o

desenvolvimento de políticas, isto é, determinar como

surgiram, com o foram implementadas e quais seus

resultados;

(2) Estudo da elaboração das

políticas

analistas dirigem a atenção para estágios pelos quais

passam questões e avaliam a influênc ia de diferentes

fatores, sobretudo na formulação das políticas;

(3) Estudo do resultado das

políticas

explicar como os gastos e serviços variam em

áreas diferentes, políticas interpretadas como variáveis

dependentes entendidas em termos de fatores sociais,

econômicos, tecnológicos e outros;

(4 ) Avaliação de políticas identificar impacto que políticas têm sobre o contexto

sócio-econômico, ambiente político, população;

(5) Informação para elaboração

de pol íticas:

governo e analistas acadêmicos organizam os dados,

para auxiliar a elaboração de políticas e a tomada de

decisões;

(6) Defesa do processo de

elaboração da política

: analistas procuram melhorar processos de elaboração

de políticas e máquina de governo, mediante realocação

de funções, tarefas e enfoques para avaliar opções;

7) Defesa de políticas Ativ idade exerc ida por grupos de pressão que defendem

idéias ou opções específicas no processo de elaboração

de políticas .

Variedades de Analise de Política

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Na primeira coluna, da Formulação, opõem-se osmodelos incremental e racional; na segunda, daImplementação, confrontam-se os modelos bottom up etop down. e, na terceira, da Avaliação, apresentam-se asalternativas da avaliação simplesmente ritualística e aque é, de fato, indutora de mudanças sobre o ambienteem que atua a política.

Existe uma óbvia correspondência entre o modelosituado à esquerda na segunda e terceira colunas comaquele situado à esquerda na primeira coluna. Ou seja,se o modelo que mais se adequa à realidade observadaé o racional, é provável que a implementação da políticatenha transcorrido de acordo com um modelo top downe deva ser por seu intermédio analisada. E, se este é ocaso, é provável que a avaliação dos resultados da políticapossa se dar em torno às metas, objetivos, etc,previamente definidos e que ela seja capaz de induzirmudanças no processo de formulação e, assim pordiante, ao longo do “ciclo da elaboração de política”.

Apesar disto, o procedimento que se aconselha éconsiderar esta correspondência como algo a ser testado,Dado que situações mistas podem ocorrer.

Voltando à Formulação, vemos que o processodecisório pode seguir (ou ser assimilado a) um modeloincremental, cuja ênfase é basicamente descritiva e,aparentemente sem conteúdo normativo, ou racional, cujoobjetivo não é apenas descrever a realidade, mas explicá-la e, explicitamente, atuar sobre ela (prescrever).

No primeiro modelo, o processo decisóriocaracteriza-se pela negociação e barganha, sem autilização de qualquer metodologia específica deplanejamento, por exemplo. Vigora apenas o diálogo entrepartidários de interesses e cursos de ação distintos, todoseles dispondo, idealmente, de informação plena e poderindiferenciado. O resultado do processo é um ajuste entreeles, que tenderá a assumir uma característicaincremental, na medida em que a situação a que tende achegar o processo decisório diferencia-se de formaapenas marginal, incremental, da existente. A formulaçãotem como resultado um “consenso” de caráterfreqüentemente ilusório e precário, posto que baseadoem mecanismos de manipulação de interesses (segundae terceira faces do poder), que constringem a agendade decisão a assuntos “seguros” e conduzem a situaçõesde não-tomada de decisão, que costumam favorecer aselites de poder. Este “consenso” possui, ademais, umcaráter efêmero, na medida em que se pode desfazerquando da implementação da política. A suarepresentatividade será, assim, tanto menor quanto maisdesequilibrada for a correlação de forças entre os atores.

A implementação deste “consenso” é, naaparência, desprovida de conflitos. E, na medida em quenão exista um elemento concreto como um plano, queexplicite o acordo alcançado, o critério usado para aavaliação de seu resultado é: o “bom é o possível”; ou,em outras palavras, o bom é o que satisfaz a elite.

O segundo modelo envolve a utilização demetodologias específicas de planejamento como apoioao processo decisório. É através delas que se realizauma minuciosa definição dos interesses, valores eobjetivos de cada um dos atores (ou partidários) deinteresses e cursos de ação distintos. O plano funciona,

então, como uma instância que, se levada a efeito demodo cabal, obriga à explicitação de conflitos encobertos(segunda face do poder) e latentes (terceira face dopoder). Neste caso, existe um elemento concreto - o plano- que explicita o acordo alcançado. Em conseqüência, ocritério usado para a avaliação do resultado da política éa sua aderência aos objetivos planejados e aos impactosdesejados: o “bom é o que satisfaz o plano”.

Em termos do acompanhamento do processo deimplementação da política, enquanto o primeiro modelopermite apenas o monitoramento de alguns efeitos(impactos) da política, o segundo contempla omonitoramento acerca do cumprimento das metas,prazos, utilização de recursos, etc.

Na segunda coluna, da Implementação, opõem-se os modelos bottom up e top down, que devem serescolhidos pelo analista para proceder a sua análise. Estaescolha deve dar-se em função de uma avaliação deconjunto que deve ser realizada acerca dascaracterísticas que apresenta a política e,freqüentemente, inclusive porque ela é sempre umasolução de contingência, de compromisso (situaçõesmistas podem ocorrer) e por aproximação, ela se modificaao longo da análise.

Embora possa parecer óbvio, vale a lembrança:Neste caso, como no anterior - dos modelos racional eincremental - e em tantos outros que se apresenta aolongo deste capítulo, e que envolvem escolhasmetodológicas, a opção do analista não deve dar-se emfunção de qualquer consideração normativa. Trata-se deescolher um modelo descritivo; isto é, que melhordescreva a realidade existente. Algo que represente,explique, o que é; e não o que deve ser.

Os processos de Implementação de tipo top downpossuem uma aparência mais “organizada”, planejada,racional. Teoricamente, eles seriam a conseqüência, noplano da implementação, da escolha do modelo racionalpara guiar (cuidado, não para analisar) o processo deformulação. Como existe neste caso uma nítidaseparação entre o dois momentos, a implementação sóse inicia depois da formulação ter sido finalizada em todosos seus detalhes pelos policy makers. Burocratasoperando agências com hierarquias, cadeias decomando, atribuições, atividades etc. bem definidas, semsuperposições e rigorosamente consignadas em manuaissão, neste caso, a regra. Havendo ou não racionalidadeno processo, o certo é que a existência de mecanismosde manipulação de interesses associados à “terceira facedo poder” são uma garantia da implementação deprocessos tipo top down.

Por oposição, no caso dos processos de tipobottom up são profissionais com considerável poder dedecisão sobre os assuntos-chave, de conformação daagenda, e elevada discricionariedade, os queimplementam a política. Um continuum formulação-implementação é típico neste caso, e as organizaçõesenvolvidas (ver item seguinte nesta seção) possuem umaaparência e lógica de funcionamento totalmente distinta:muito mais “frouxa e desorganizada”. É freqüente emprocessos deste tipo que conflitos encobertos nomomento da formulação, por impossibilidade ouinconveniência de que as decisões sejam de fato

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A forma como os resultados, produtos e impactossão obtidos em cada caso, ao longo da implementação,é compreensivelmente variada.

Por isso, na terceira coluna - momento da avaliação- sistematizam-se as duas situações extremas,correspondentes, conforme se apontou, aos modelosincremental e racional, respectivamente. No primeirocaso, do modelo incremental, uma vez que não houveuma preocupação prévia em definir indicadores (metas,etc.) que pudessem mensurar os resultados alcançados,compará-los com os projetados, e assim avaliar em quemedida o processo de implementação foi bem sucedido,a avaliação só poderá ser realizada, conforme apontado,através de um critério difuso, subjetivo, de satisfação dosatores envolvidos. Critérios ex-post, exógenos aoprocesso, são então adotados de modo a proceder aoque denominamos de avaliação ritualística, uma vez queele é mais um processo de legitimação, não raromanipulador e demagógico, do que uma avaliaçãopropriamente dita.

No caso do modelo racional, ocorre o oposto. Umavez que indicadores adequados foram definidos, e quecritérios ex-ante, endógenos ao processo, foramexplicitamente adotados, a verificação de consecução dasmetas, resultados e impactos esperados se dá de modotransparente e inequívoco. Ao contrário do caso anterior,em que o parâmetro de avaliação é o grau de satisfaçãodas elites que dominam o processo de elaboração dapolítica desde a sua formulação, a avaliação pode serrealizada através da comparação entre metas eresultados, conduzindo a mudanças significativas nopróximo “ciclo da elaboração de política”.

10.11.4 Uma tipologia das organizaçõesÉ freqüente que a análise de uma política tenha

que incluir a análise da organização(ões) com elaenvolvida(s). Isto ocorre não apenas porque asorganizações são unidades de análise mais suscetíveisde serem analisadas de maneira produtiva,transcendendo as idiossincrasias e subjetividades desteou daquele ator interveniente. Como já ressaltado, elassão elementos centrais no processo de elaboração; sãoo locus onde ocorre o processo decisório e o principalagente responsável pela implementação das políticas.

Como ressalta ELMORE (1978): “Uma vez que,virtualmente, todas as políticas públicas são executadaspor grandes organizações públicas, somente através doentendimento de como funcionam tais organizações éque se pode compreender como as políticas sãolapidadas em seu processo de implementação”.

Embora não exista um procedimento padrão paraproceder a sua análise, mesmo porque a vertente daadministração durante muito tempo considerou poucorelevante a pergunta de “por quê as organizações nãofuncionam como deveriam”, é possível encontrar algumaspistas nas contribuições relativamente mais recentes àteoria das organizações.

Talvez a contribuição mais significativa, nestesentido, seja a realizada por ELMORE (1978),apresentada na seção “Os modelos de organizações e oprocesso de elaboração de políticas”. A partir dela épossível caracterizar as instituições que se pretendeanalisar. De fato, uma boa providência para iniciar aanálise de uma organização, quando não se conta aindacom elementos suficientes para realizar um trabalho maisfocado, é tentar classificá-la num dos quatro modelos ou“casos ideais” em relação aos quais o caso concreto quese está analisando pode ser considerado como umdesvio.

O quadro apresentado a seguir, provocativamentedenominado “Grade para Identificação de Organizações”,fornece uma visão sintética da contribuição de ELMORE.Trata-se de uma “matriz de dupla entrada”, com dezesseiscélulas construída a partir da tipologia apresentada naseção acima indicada. Em conjunto com ela, o quadroproporciona pistas de pesquisa que permitirão iniciar otrabalho de uma forma metódica, através do uso dascategorias do estudo das organizações. O seu objetivo éreforçar a recomendação de que as categorias quesugere sejam usadas para iniciar um processo de análisede uma organização qualquer.

tomadas, irrompam com toda a força durante aimplementação.

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10.11.5. O confronto entre o Planejamento Tradicional e a NegociaçãoO debate em torno das “bondades” do

planejamento tradicional vis-à-vis a negociação érecorrente na literatura sobre o Planejamento e a Análisede Política. Como freqüentemente costuma ocorrer, estedebate situa-se muitas vezes sobre bases falsas,imputando, cada contendor ao outros, posições que nãocorrespondem à realidade. A tática de “construir umespantalho para derrubá-lo mais facilmente” faz com queàs vezes fique difícil ao analista desvelar a realidade emmeio à neblina ideológica que cerca debates deste tipo.

O quadro abaixo é um guia metodológico que dialogacom alguns dos capítulos deste documento (e não com asdemais seções deste capítulo), nos quais o analistaencontra-se tipicamente inserido numa estrutura deelaboração de políticas (ou de planejamento) no interior doaparelho de Estado.

O quadro sistematiza as diferenças mais notáveisapresentadas num processo de elaboração de políticaquando conduzido de acordo com o espartilho extremodo Planejamento Tradicional, ou segundo o figurino - cujaaparência fashionable é, entretanto, às vezes ilusória edemagógica - da Negociação.

Muitos dos conceitos e relações que nele aparecemsão os utilizados no quadro anterior e foram apresentadosno decorrer do capítulo. Por esta razão, e adotando umprocedimento semelhante ao do item anterior, exploram-seos contrastes existentes entre as situações (concepções emodelos) extremas, normalmente assimilados aoPlanejamento Tradicional e à Negociação.

O quadro pode então ser entendido como umconjunto de critérios auxiliares para a decisão acerca deque cursos de ação deve tomar - Planejamento Tradicionalou Negociação - na presença de situações extremas, tendocomo pressuposto o compromisso inerente à posturanormativa já referida, da melhoria do processo de elaboração

de política.Assim, se o analista opera enquanto “fazedor de

políticas” numa área de política pública em que o ambientepolítico é semelhante ao tipificado à esquerda, em que opoder é assimétrico ou encontra-se concentrado, e apresença de mecanismos de manipulação de interesses(segunda e terceira faces do poder) facultam um efetivocontrole da agenda de decisão, sua escolha metodológicadeverá estar pautada:ü no que diz respeito à visão do Estado, pelaconcepção elitista e não pela pluralista;

ü no que tange ao modelo do processo de decisão(neste caso normativo e não descritivo), no racionale não no incremental;

ü no que respeita ao auxílio do processo de decisão,o analista deve procurar construir um modeloexplicativo causal da realidade observada, quepermita aos tomadores de decisão uma visãoadequada das conseqüências de suas preferênciase ações, e não simplesmente aplicar o modelonormativo ou institucional já consagrado e que tendequase que inexoravelmente à reprodução do statusquo;

ü Finalmente, e ainda no que concerne ao auxílio doprocesso de decisão, o analista deveesforçar-se para que seja estabelecido umcompromisso explícito entre os atores. Istoé, que seja concebido um plano o maisracionalmente detalhado possível (em quenão somente metas e resultados sejamdefinidos, mas que sejam explicitados osvalores e interesses dos atoresintervenientes) e não confiarsimplesmente que o “ajuste mútuo departidários” leve a uma solução queassegure a melhoria das políticas.

Por oposição, se o ambiente políticocom o qual se defronta o analista enquanto“fazedor de políticas” é semelhante aotipificado à direita, sua opção metodológicadeverá ser a oposta em cada um dosplanos de escolha acima indicados.

O estilo e a atuação contracorrentes,que aqui se recomenda ao analista “fazedorde política”, parecem ser os mais coerentescom o ideal burocrático weberiano e com

uma proposição ideológica fundada em valoresdemocráticos. Segundo ela, cabe aos servidores públicosprivilegiar a transparência, a participação, adesconcentração do poder, a igualdade de direitos eoportunidades a todos os cidadãos em detrimento doautoritarismo, do comportamento tecnocrático, damanutenção do status quo e da manipulação de interesses.

Finalmente, cabe ressaltar que este estilo pareceser, ainda mais do que em outras regiões, um objetivo aser perseguido por aqueles que, na América Latina,percebem a extrema concentração de poder econômicoe político que entrava o nosso desenvolvimento.

Elaboração de Políticas PúblicasPlanejamentoTradicional

CONCEPÇÃOELITISTA

ModeloExplicativoCausal

FORMULAÇÃO PROCESSO DECISÓRIO

IMPLEMENTAÇÃO

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CONCEPÇÃOPLURALISTA

Ajuste mútuoentre partidários

MarcoInstitucionalNormativo

INCREMENTALISMO

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Poder assimétrico

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Agenda permeável

Conflitos abertos

democracia ou manipulação?mudança ou status quo?

Agenda controlada

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Negociação

Poder distribuído

Plano

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11.1. Apresentação

Este capítulo tem por finalidade apresentar aosparticipantes procedimentos para ampliar a efetividadedo trabalho em organizações públicas. Ele é voltadomenos a conteúdos do que a práticas de trabalho emequipe, de rápida assimilação e fácil incorporação àcultura dessas organizações. A sua adoção permitiráaumentar a capacidade de trabalho e melhorar acoordenação de ações e a implementação de políticas.

É bastante amplo e variado o espectro de temasque abarca, indo desde assuntos complexos, como afilosofia da linguagem, até simples check lists paraverificação das providências necessárias para organizaruma reunião. O trabalho em grupo é aqui consideradocomo o principal padrão operacional das atividadesrealizadas por equipes de direção em âmbito público. Éum espaço extremamente importante para viabilizarprocessos decisórios mais efetivos. Este capítulo, então,pode ser entendido como um substrato para ocompromisso de aperfeiçoar a elaboração de políticaspúblicas, conforme expresso no capítulo sobre Metologiade Análise de Políticas Públicas.

O capítulo é composto por três segmentos.

O primeiro, nas próximas três seções, apresentaelementos conceituais gerais que conformam acomunicação humana, denominados como AtosLingüísticos básicos - afirmações e declarações - e, nointerior destas, os compromissos. A seção 11.4 destacauma visão original a partir da teoria da linguagem sobreas distinções possíveis entre falar e escutar, e suasimplicações para uma boa comunicação no trabalho.

O segundo segmento, seções 11.5 a 11.9,apresenta um modelo para coordenação de ações quetomam como base elementos de estudos da linguagemconsubstanciados em padrões a partir dos quais aspessoas se comunicam cotidianamente no trabalho. Essemodelo resume e exemplifica o uso de recursos delinguagem básicos. Seu objetivo é desenvolverprocedimentos voltados à otimização da comunicaçãoentre as pessoas e à coordenação de ações em equipesde trabalho como elementos fundamentais para aelaboração de políticas. É dado destaque na seção 11.7- planejamento de conversações - às diversasmodalidades de comunicação envolvidas nas reuniõesque usualmente são realizadas nos espaços de trabalho.

O terceiro segmento, seção 11.10, sintetizaprocedimentos operacionais para a realização deencontros ou reuniões no espaço cotidiano de trabalho.Os procedimentos são aqui sub-divididos em padrões deorganização de caráter preparatório, para realização

propriamente dita de uma reunião, e para fechamentoou conclusão de cada atividade realizada coletivamentepor equipe dirigente de uma organização. Entre osprocedimentos típicos da preparação de reuniões,destaca-se uma série de sugestões e comentáriosespecíficos para a composição de equipes de trabalhono interior das organizações.

Ainda que aparentemente possam ser percebidoscomo sendo de senso comum, os procedimentosapontados não são adotados usualmente como práticasde trabalho nas organizações públicas. Fruto de nossasexperiências, podemos afirmar que grande parte dosentraves e dificuldades comuns na gestão públicapoderiam ser evitados com a adoção de procedimentosde trabalho simples e “óbvios” como os check listsapresentados.

Os conhecimentos e cuidados enfocados nestecapítulo buscam garantir uma base geral para maiorefetividade no trabalho de equipes dirigentes no interiorde organizações públicas.

11.2. Comunicação para a Ação

Este item foi elaborado, principalmente, a partir dascontribuições do professor Fernando Flores (1991, 1994).

As organizações funcionam com base naintegração das atividades e iniciativas de indivíduos eequipes. Uma das formas de produzir esta integração éorganizar os processos de comunicação interna, já quepara trabalhar as pessoas estão sempre coordenandosuas ações em relação às ações de outras. Acomunicação nas organizações pode ser vista como umfluxo contínuo de conversações voltadas à negociação,fixação e verificação do cumprimento de compromissosatravés da troca de mensagens escritas e faladas entrepessoas e equipes.

Ao falar, estamos coordenando ações, fazendocoisas, produzindo. O que permite a coordenação deações é a existência de uma linguagem comum utilizadanas falas e documentos que conformam os processosde discussão e decisão nas organizações. A coordenaçãode ações pode ser vista como um fluxo de conversações;e toda conversação pode ser reduzida a uma pequenavariedade de movimentos básicos de linguagem. Estesmovimentos básicos são chamados Atos de Fala ou AtosLingüísticos (SEARLE, 1969, 2000). São eles queconstituem os significados nos discursos e permitemestruturar a comunicação voltada ao trabalho e à açãode governo. Como regra geral, toda a comunicaçãohumana relacionada ao mundo do trabalho, mas nãoapenas a esse ambiente, pode ser realizada utilizando-se dois tipos distintos de atos lingüísticos: as afirmaçõese as declarações.

Ao considerarmos a fala como ação - que sempreestabelece um vínculo entre a palavra de um lado e omundo, de outro -, cabe perguntar: Quem tem a primazia;a palavra ou o mundo? Quem conduz a ação?

Quando a palavra deve adequar-se ao mundo e,portanto, o mundo é que conduz a palavra, falaremos deafirmações.

Quando ocorre o contrário, a palavra buscando

METODOLOGIA DETRABALHO EM

EQUIPES

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modificar o mundo; ou seja, o mundo é que deve adequar-se à palavra, falaremos de declarações.

11.2.1. Afirmações

As afirmações correspondem às descrições, poissão proposições acerca de nossas observações. Elasbuscam descrever as coisas como elas são, embora nãosaibamos como elas são realmente. Sabemos somentecomo as observamos. E, dado que os seres humanoscompartilham, por um lado, uma estrutura biológicacomum e, por outro, a tradição de distinções de suacomunidade, lhes é possível compartilhar o queobservam. Mas, isso nem sempre ocorre. Só podemosdizer que os indivíduos têm estruturas biológicasdiferentes. As distinções entre as cores vermelho e verdesó nos falam de nossa capacidade de reação diante domeio externo, mas não nos falam da mesma realidadeexterna. Nós, seres humanos, observamos segundo asdistinções que possuímos. Isto significa dizer que, semdistinguir mesa não posso observá-la. Posso verdiferenças em termos de cor, de textura, de forma, etc.Assim, por exemplo, não podemos falar de domingo, Riode Janeiro e sol, sem as distinções do que sejamdomingo, Rio e sol. Alguém que não tenha estasdistinções não pode afirmar “fez sol domingo passadono Rio”. Quem tem razão? Quem está mais próximo darealidade? A pessoa que tem as distinções ou a pessoaque não as tem? Estas perguntas só fazem sentido paraas pessoas que compartilham o mesmo conjunto dedistinções. As afirmações se fazem sempre dentro deum “espaço de distinções” já estabelecido.

Mesmo compartilhando o que observamos, nãopodemos afirmar que as coisas são como realmente são.Podemos somente concluir que compartilhamos dasmesmas observações; isto é, que observamos o mesmo.

Quanto à distinção entre o verdadeiro e o falso,esta só é válida para condições sociais e históricasdeterminadas. O verdadeiro e o falso são convençõessociais que tornam possível a coexistência em sociedade.Uma afirmação verdadeira é uma proposição para a qualpodemos apresentar uma testemunha (membro qualquerde nossa comunidade com quem compartilhamos dasmesmas distinções que, por estar no mesmo lugar nestemomento, pode coincidir com nossas observações). Aodizer “no domingo passado fez sol no Rio”, chamaremosde verdadeira esta afirmação se demonstrarmos que,com quem temos distinções comuns, estando ele lá nodomingo passado, compartilhou do que observamos.Podemos nos valer também de algum documento cujavalidade seja aceita. Pode-se pensar que o mundo daciência funciona com base na busca da construção deafirmações sobre eventos e fenômenos que sãoestudados de forma sistemática.

Uma afirmação falsa é uma proposição que, sujeitaa confirmação, seria refutada por qualquer testemunhaque a presenciasse. Se refutada, é falsa, apesar decontinuar sendo uma afirmação. Muitas vezes estasafirmações não podem ser confirmadas por falta decondições necessárias, são as afirmações acerca dofuturo. Por exemplo, nos casos de previsão do tempo -

“vai chover amanhã”. Teremos que esperar até amanhãpara sabermos se a afirmação é verdadeira ou falsa. Nasafirmações acerca do passado, pode ocorrer algo similar.Ex. “choveu em Brasília no dia 10 de maio de 1942”.Teoricamente, pode ser confirmada a afirmação.

As afirmações têm a ver com o mundo dos fatos.Falar, portanto, nunca é um ato inocente. Cada atolingüístico caracteriza-se pelos diferentes compromissossociais envolvidos. Quando afirmamos algo noscomprometemos com a veracidade de nossas afirmaçõesperante a(s) pessoa(s) que nos escuta.

11.2.2. Declarações

Nas declarações, geramos um novo mundo paranós. A palavra gera uma realidade diferente. Depois dedizer o que se disse, o mundo já não será mais o mesmode antes. Este foi transformado pelo poder da palavra.Exemplo: declaração de independência de um país.

As declarações não ocorrem somente emmomentos especiais da história. Elas estão em nossocotidiano - quando o juiz diz, inocente; quando um árbitrodiz, gol; quando o oficial diz, vos declaro marido e mulher;quando dizemos em nossa casa, é hora de jantar; quandoalguém cria uma nova companhia; quando alguémcontrata ou despede uma pessoa; quando o professordiz, aprovado - em todos estes casos, o mundo passa aser diferente depois da declaração. A ação de fazer umadeclaração gera uma nova realidade. A realidade setransforma segundo a vontade de quem fala, e assim, ascoisas deixam de ser como eram antes.

Diferentemente das afirmações, as declaraçõesnão estão relacionadas com nossas capacidadescompartilhadas de observação. Estão relacionadas como poder. E isso faz toda a diferença. Adicionalmente, paraas declarações terem validade é preciso que sejamcumpridas. Esta capacidade vem da força ou daautoridade. A força nos obriga a aceitá-la, para evitardesintegração. A autoridade é o poder que um gruposocial exerce sobre certas pessoas para fazerdeclarações válidas. Ambas são expressões de poder.Exemplos: O juiz que faz um matrimônio tem autoridadepara declarar duas pessoas marido e mulher. Outrapessoa declarando o mesmo não geraria o mesmo efeitoe, possivelmente, ninguém levaria a sério.

As declarações não são verdadeiras ou falsascomo as afirmações. São válidas ou inválidas, segundoa pessoa que as faz. O oficial de um casamento nãopoderá dizer mais tarde que, realmente, não queria dizero que declarou, sem usufruir as conseqüências de umatuar inconsistente. A pessoa a quem se outorgou aautoridade para fazer uma determinada declaração deve,comumente, cumprir com certas normas para poder fazê-la.

11.2.3. Algumas Declarações Fundamentais no Trabalho [e na vida]

Há um vasto ramo de declarações que nãonecessitam de uma concessão social de autoridade,posto que estão associadas à própria dignidade dapessoa humana. A saber:

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A declaração do “não”O não é uma das declarações mais importantes

que um indivíduo pode fazer. Nela se assenta tanto asua autonomia como a sua legitimidade como pessoa; e,portanto, é a declaração que em maior grau comprometea nossa dignidade.

A declaração de aceitação: o simO mais importante em relação ao sim ou ao seu

equivalente - aceito -, é o compromisso que assumimosao dizê-lo. Quando ele ocorre, colocamos em jogo o valore o respeito de nossa palavra. Poucas coisas afetam maisseriamente a identidade de uma pessoa do que esta dizersim e não atuar coerentemente com tal declaração.

A declaração de ignorânciaMuitas vezes parece que “dizer não sei” é uma

declaração sem maior importância. Porém, um dosproblemas cruciais da aprendizagem é que, muitofreqüentemente, não sabemos que não sabemos. E,quando isto ocorre, simplesmente fechamospossibilidades, evitando, assim, um espaço para novosaprendizados. “Dizer não sei” é o primeiro elo do processode aprendizagem. “Sei que não sei e estou aberto aoaprender”. “O não sei” representa uma das forçasmotrizes mais poderosas no processo de transformaçãopessoal e de criação de quem somos.

A declaração de gratidãoDesde criança nos ensinam a dizer obrigado, mas

nem sempre reconhecemos tudo o que contêm essapequena declaração. Quando alguém cumpre comsatisfação aquilo que havia se comprometido conosco, edizemos “obrigado”, estamos não apenas registrando asatisfação por tal cumprimento, como também,construindo nossa relação com esta pessoa. Esta relaçãopode, inclusive, ser prejudicada, se não declaramos onosso agradecimento.

A declaração de perdãoÉ o reverso do agradecimento. Quando não

cumprimos com aquilo a que nos comprometemos, ouquando nossas ações causam danos a outros, nos cabeassumir tais responsabilidades. A forma de o fazermos édizendo “perdão”. Dizer “perdão” e “eu te perdôo” sãoambas extraordinariamente importantes, sendonecessário não subsumir a primeira na segunda. Mantê-las separadas nos permite reconhecer a eficácia de pedir“perdão”, independentemente da resposta que se obtenhado outro.

Outras declarações importantes

ü A declaração de Amorü A declaração de Satisfaçãoü Compromissos, Pedidos, Ofertas, Promessasü Avaliações

Avaliações são juízos, veredictos ou julgamentosque fazemos a respeito de nós mesmos, dos outros, das

coisas, das instituições. Como ato lingüístico, pertencemao mundo das declarações e, como tal, sempre buscamcriar novas realidades. A seção 10.7 apresenta asdistinções relativas à formulação de avaliações nacomunicação, no trabalho cotidiano.

11.2.4. Sobre a Relação entre as Afirmações e as Declarações

As declarações representam atos lingüísticosprimários por excelência, uma vez que criam as condiçõespara a emergência dos demais atos lingüísticos. Nossaspróprias afirmações requerem um espaço declarativo noqual elas se constituem. Isto significa que, todo o espaçode distinções, que dá condição às afirmações, é, em rigor,um espaço declarativo, criado por aquele que fala.

As afirmações dão conta do mundo em quevivemos e, portanto, nossa capacidade de fazerafirmações fala do tamanho e do caráter de nosso mundo.Uma pessoa que tem uma capacidade muito reduzidade fazer afirmações poderá, por conseqüência, mover-se em um mundo muito limitado.

11.3. Os Compromissos

Em nossas conversas no ambiente de trabalhoexistem falas que parecem definir compromissos, mas,na realidade, não o fazem. Existe uma grande diferençaentre dizer “eu te prometo” e “eu acho que poderia fazer/vou tentar”. Ao dizer “vou tentar”, por exemplo, estouexpressando uma intenção e não a ação. “Você podeconcluir esta negociação até amanhã?” “Vou tentar...”“Deixa comigo...”.

Todas as expressões mencionadas encobrem umpossível não-compromisso ou o provável fracasso nocumprimento do que foi declarado. Usualmente, busca-se com este tipo de falar justamente não secomprometer.

Assumimos compromissos com verbos executivos,que denotam ação. Existem muitos verbos com os quaispodemos fixar compromissos: “eu juro”, “eu garanto”,“eu asseguro”, “dou minha palavra”, etc.

Da mesma forma, existem diferentes verbos parapedir: “eu solicito”, “eu ordeno”, “eu suplico”, “eu convidoetc.”; ou para oferecer: “eu sugiro”, “lhe entrego”,“recomendo”, “aconselho. “

A diferença entre estes verbos está no “escutar”que gera no ouvinte. Ao escutar “te ordeno”, escutamos:“tenho autoridade sobre você”. Ao escutar “te convido”,escutamos: “vamos juntos”, e interpretamos que poderáser proveitoso ou arriscado para os dois.

Há ocasiões em que acreditamos estar fazendopedidos, mas, de fato, não estamos pedindo nada. Porexemplo, um Prefeito pede à sua Chefe de Gabinete:“Conto com você, minha amiga, dê um jeito nisto aqui eorganize minha vida!” Em princípio, esta fala parece serum pedido. Com uma observação mais atenta, vamosver que o Prefeito não está solicitando de formaadequada, pois o que significa “organizar a minha vida?”Quais são os critérios de satisfação envolvidos? Sem

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explicitá-los, por mais que o(a) Chefe de Gabinetetrabalhe, sempre haverá espaço para insatisfação. OPrefeito poderá dizer/pensar: “.ela não está dando contado recado!”; o Chefe de Gabinete sempre poderá dizer/pensar: “...estou sendo incapaz de organizar a vida doPrefeito. Sou incompetente!”.

Apesar das dificuldades que temos em fazerpedidos ou fixar compromissos, é impossível viver semutilizar estes tipos de declarações. Muitas vezes,deixamos de fazê-lo - em momentos importantes paranós - esperando que as outras pessoas adivinhem nossasnecessidades e prometam aquilo que não foi pedido.Chegamos a ficar magoados porque certas pessoas nãoagem de acordo com o que imaginamos tenha sido feito,mas que de fato nunca foi declarado.

11.3.1. A CONFIANÇA na negociação de Compromissos 1

Há uma estreita relação entre a construção decompromissos e a confiança nas relações humanas.(SCHUBERT e outros, 1995). Quando não se cumpreum compromisso não é somente a promessa que serompe, mas também a confiança na pessoa queprometeu. Temos confiança em alguém quando julgamosque a pessoa cumpre três requisitos em relação a seuscompromissos:

SinceridadeJulgamos que os compromissos assumidos estão

de acordo com seus outros compromissos e com suasconversas internas (aquelas que não exteriorizamos).

“Me parece que Maria não está sendo sincera aose comprometer a elaborar aquele estudo até a próximasegunda feira. Sei que ela assumiu outras tarefasimportantes e que não vai priorizar a promessa que fez.”

CompetênciaAvaliamos que a pessoa que faz a promessa está

em condições de cumprí-la efetivamente, e será capazde atender aos critérios de satisfação estabelecidos.

“Pedro vai realizar a reunião com os participantesdo projeto cidadania, conforme acertamos, pois ele temsido capaz de trabalhar com o grupo, encaminhar asdiscussões pertinentes e construir com as pessoas osresultados esperados.”

ConfiabilidadeJulgamos que a pessoa irá honrar o compromisso,

pois temos observado que, ao longo do tempo, ela temcumprido suas promessas.

“Acredito que o responsável pela área de produçãoestará na sala de reuniões no horário correto, pois eletem sido sempre muito pontual.”

A questão da confiança também é válida quandofazemos promessas a nós mesmos. Ainda que nãosejamos cobrados socialmente por romper nossaspróprias promessas, podemos perder a confiança em nósmesmos.

11.4. Falar e Escutar

Subestimamos o papel e a importância do escutarno processo da comunicação humana. De acordo com osenso comum, o falar é percebido como o lado ativo dacomunicação, enquanto o escutar é o seu lado passivo.Atribuímos grande importância ao quê e ao como se fala.Mas nos esquecemos que falamos para sermosescutados. Supomos que, ao falar clara e objetivamente,caso isso fosse possível, a mensagem seria recebidadessa mesma maneira. Na base dessa suposição, residea idéia segundo a qual “transmitimos mensagens”: oorador emite e o ouvinte recebe a mensagem tal e qual.Esta interpretação da comunicação como transmissãode mensagens é antiga, baseada em posições deautoridade e posse do saber, e desconsidera a biologia ea psicologia humanas.

11.4.1. Uma nova compreensão para a comunicação humanaAo nascer, cada pessoa integra-se em um mundo

de histórias, crenças, costumes e linguagempreestabelecidos. Cada um de nós é um ser social ehistórico, que vive num momento e lugar definidos. Comoseres históricos, dispomos de distinções que nospermitem fazer certo tipo de observações e não outras.Esta condição, porém, não é imutável: todo indivíduo écapaz de mudar o observador que é; de gerar novas emais poderosas distinções; de aprender e inovar; departicipar da criação de novas práticas sociais; detransformar a realidade tanto no que se refere a seu “vira ser” pessoal, como em relação às instituições e àconvivência na sociedade.

Nós não estamos biologicamente equipados parareproduzir, tal e qual, uma mensagem recebida.Diferentemente de um aparelho de TV, que reproduzpassivamente a imagem emitida, o ser humano atribuium sentido, um significado ao que escuta. Interpreta oque foi dito a partir de seus valores/ história/experiências,etc. “O fenômeno da comunicação não depende dotransmitido, mas do que ocorre com a pessoa que recebeo transmitido.”(MATURANA, 1997). Cada um diz o quediz e seu interlocutor escuta o que escuta. O falar e oescutar são fenômenos distintos. Desconsiderar essalacuna crítica está na raiz da grande maioria dos mal-entendidos entre as pessoas.

Esta percepção está na origem do que chamamosde ruídos de tipo 1 e de tipo 2; respectivamente: o bloqueiode comunicação que pode ocorrer quando alguém diz Ae um interlocutor escuta B; ou quando alguém pensa emdizer A, efetivamente diz B; e, como decorrência, seuinterlocutor terá poucas possibilidades de compreenderA.

O ato de escutar, portanto, é sempre ativo, pois,ao fazê-lo, geramos um mundo de interpretações. Nãohá escutar sem interpretar. Mesmo quando escutamosapenas sons, interpretamos. O mesmo se dá quandoapreciamos uma obra de arte, em silêncio.

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Se escutamos uma sirene, interpretamos “é umaambulância, alguém teve um acidente; são os bombeiros,houve um incêndio”, etc.

Cabe então, propor uma diferenciação: ouvir édiferente de escutar. Ouvir é perceber os sons, umfenômeno biológico. Escutar deve ser percebido comoum fenômeno lingüístico mais complexo: ouvir +interpretar. Podemos fazer uma argumentaçãosemelhante e ainda mais complexa inserindo, porexemplo, uma distinção entre Olhar e Ver ou Observar.

A observação mais ampla sempre implica emapreender algo além do que foi dito. Escutamos mais doque palavras e frases, escutamos ações. Se quisermosapreender o sentido daquilo que foi expresso, deveremoscaptar as ações envolvidas no falar. Quando alguém mediz: “Você quer participar da reunião amanhã?”, escuto afrase que foi dita, um pedido que foi feito e a açãodecorrente de minha possível resposta, que será ir ounão ir à reunião.

Ao escutar um pedido ou uma oferta, semprecriamos histórias, nos fazendo duas perguntas:

a) Para quê esta pessoa está me dizendo isto?Sempre atribuímos um sentido às nossas ações,

fazendo interpretações que lhes dão coerência.Chamamos essas interpretações - ou histórias - deinquietações. Assim, quando nos perguntamos “Paraque...?”, estamos indagando: “Quais são aspreocupações de meu interlocutor ao me dizer isto?”.Estamos ainda construindo uma interpretação sobre asinquietações a partir das quais o orador está falando.

Se escutarmos alguém dizer “Estou pensando emcontratar Jorge para coordenar este projeto!”, e sabendoque Jorge é um reconhecido especialista em organizaçãoe métodos, posso interpretar que o orador pode estarpreocupado com a estruturação do projeto; que o projetotenha características que exijam este tipo deconhecimento; ou que o orador esteja preocupado emevitar falhas desta natureza ocorridas no passado, aindaque estas frases não tenham sido ditas de modo explícito.

Como cada um diz o que diz e seu interlocutor(a)escuta o que escuta, esta interpretação, a história sobreas preocupações do orador, pertence a quem escuta enão a quem fala. Se pretendermos ser escutados deforma efetiva, precisamos considerar este fenômeno,checando com nosso ouvinte se aquilo que ele escutoucorresponde ao que quisemos dizer, perguntando, porexemplo: “O que você escutou?”.

b) Como meu futuro poderá ser afetado com isto?

Cada ação que escutamos pode gerar um futurodiferente, com maior ou menor incidência no curso denossas vidas. Podem ser abertas ou fechadaspossibilidades, podem ser criadas novas preocupaçõesdas quais teremos de cuidar, etc.

Por exemplo, o(a) Prefeito(a) pede para que um(a)secretário(a) amplie o âmbito de atuação de umdeterminado projeto de governo. Ao ouvir/interpretar talpedido, o(a) secretário(a):

ü “Escuta” uma preocupação com o andamento doprojeto, seja porque as coisas não estão indo bem;seja porque podem ser ampliadas exatamente porestarem indo bem;

ü “Escuta” que isto implicará em ampliar suasatribuições, trabalhar mais e, eventualmente,aumentar os atritos familiares.Ao escutar a resposta “vou estudar o assunto e nosreunimos na semana que vem”, o prefeito “escuta”:

ü um pedido de tempo;

ü uma inquietação com a mudança;

ü dúvidas acerca da sua decisão, receio frente àspossíveis conseqüências, etc.

Em cada momento, um dos interlocutores contribuicom suas histórias para a conversa em andamento.

11.4.2. A Partir de Onde Escutamos e Interpretamos

Tanto quem fala, como quem escuta, o faz a partirde seus problemas, preocupações e histórias. Podemosdistinguir pelo menos cinco âmbitos, que influem nasinterpretações que fazemos:

HISTÓRIA PESSOALEscutamos a partir de nossa história pessoal,

constituída de vivências e experiências anteriores. Aoconstruir as histórias que dão sentido ao que escutamos,fazemos associações, tomamos como referênciaexperiências vividas, outros casos conhecidos, juízos jáformados.

CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURALDado que somos seres sociais, nossa história

pessoal está altamente impregnada pela cultura da qualfazemos parte, formada por sistemas de crenças evalores, por histórias criadas e recriadas pelo conjuntoda sociedade na qual vivemos. Cada um escuta a partirde um pano de fundo histórico-cultural distinto.

ESTADO DE ÂNIMOTanto os estados de ânimo com os quais as

pessoas entram num diálogo, quanto os estados de ânimoque uma conversa cria, influenciam fortemente o escutar.Conforme o estado de ânimo, serão distintos ossignificados atribuídos ao escutado, as interpretaçõesdesenvolvidas, os juízos sobre o futuro, a predisposiçãopara vislumbrar o que é possível na vida, a vontade paraa ação. É muito diferente escutar a partir da tristeza ouda euforia. Em uma conversa, os estados de ânimocostumam mudar várias vezes - em sentido positivo ounegativo. Cabe, pois, fazer-se a pergunta “A partir de queestado de ânimo meu interlocutor está me escutando? É

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um estado de ânimo condizente com esta conversa?”.

CONTEXTOAs experiências vividas imediatamente antes da

conversa, o lugar, a hora, o grau de formalidade,condições em que acontece o diálogo, etc... sãoelementos que configuram o contexto de uma conversae influem no escutar. Incidem sobre o que pode serpossível na conversa: os significados e as interpretações;predispõem mais para alguns tipos de interpretações doque para outros; criam certas expectativas. É diferenteconversar sobre trabalho à noite, numa mesa de bar oude dia, no escritório; sobre um determinado tema numlugar feio e barulhento ou à beira-mar; em situação deestresse ou em ambiente relaxado; sob a pressão desinais externos de poder ou sem eles.

ABERTURAO escutar está intimamente ligado à capacidade

de aceitar o fato de que o outro é diferente de nós.Chamamos isto de abertura. Aceitar o outro como“legítimo outro” (MATURANA) é requisito essencial parao escutar. Quando alguém posiciona-se como superior,sustenta ser o dono da verdade e põe em dúvida alegitimidade do outro, por qualquer motivo, estárestringindo sua capacidade de escutar.

Como parte das interpretações e histórias quedesenvolvemos ao escutar, formulamos juízos sobre ooutro e vamos criando a identidade do interlocutor. Domesmo modo, quem nos escuta elabora suas avaliaçõese vai construindo nossa identidade. A rigor, criamos juízosno domínio da confiança: julgamos a sinceridade, acompetência, a confiabilidade do outro, o que deve serconsiderado muito importante, sobretudo para quem estáfalando.

Não é apenas a qualidade, a beleza ou a coerênciadaquilo que é dito o que fica de uma conversa. Asinterpretações e as histórias criadas por quem escutoupesam muito mais no sucesso ou fracasso de umacomunicação. E entre essas interpretações, estão osjulgamentos formulados a respeito de quem fala. Ao falar,criamos nossa identidade no escutar do outro.

11.4.3. Uma proposta para estruturar a observação efetiva

a) Passado - sobre o Observador:

ü de onde fala esta pessoa?

ü a partir de um discurso histórico: [uma formahistórica de dar sentido ao que observa + uma formahistórica de operar/agir]

ü a partir de sua história de experiências pessoais

ü a partir de suas emoções

b) Presente - âmbito da Ação:

ü Quais são as ações envolvidas no que esta pessoaestá dizendo?

c) Futuro - Resultados:

ü quais são as conseqüências dessas ações?

ü que possibilidades se abrem ou se fecham com oque esta pessoa diz?

A seguir é apresentado em detalhe um esquemaprático a partir do qual uma equipe de governo podeorganizar todo o seu fluxo de trabalho e decisões. Nesteesquema ganham destaque os atos lingüísticosapresentados acima e os momentos mais adequados asua utilização.

11.5. Atos de Fala e Critérios para Validação

São apresentados e exemplificados a seguir os 2atos lingüísticos fundamentais para a comunicaçãohumana (MATUS, 1991):

Capacidade ou poderpara declarar com os

efeitos pertinentes

Atos de FalaCritérios para

Validação

Afirmações:Procuram descrever arealidade - Duras (afirmo que)ex.: a arrecadação municipalfoi de R$ 800,00 por habitanteem 2003.- Brandas (aposto que)ex.: o orçamento vai crescer2% no próximo ano.

Verdadeira ou falsa

Solidez da aposta

Declarações:Buscam criar novasrealidades.Nomear, enunciar objetivosou prioridades, definircritérios, pedir, oferecer,aceitar.ex.: nomeio-te Ministro daEducação do Brasilex.: aceito o desafio de serMinistro de Estado

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Podem ser analisadas dezenas de tipos de declarações diferentes. Neste trabalho, destacamos:Ao falar/conversar, uma pessoa está definindo como ela e seu(s) interlocutor(es) irão coordenar suas ações

no futuro. Esta definição pode ter como objetivo fixar compromissos, persuadir, animar, motivar, convencer, darsegurança, gerar ação ou passividade, divertir, etc. Sempre produzimos combinando conversações. Um problemadeclarado por determinada equipe de trabalho pode dar origem a diferentes atos lingüísticos, gerando diferentesefeitos sobre pessoas e situações.

Ex: Problema - Crescimento da Exclusão Social

Compromissos:Indicam uma promessa em fazer algo.ex: comprometo-me a combater a pobreza com oProjeto Geração de Renda

O cumprimento

Diretivas:Ordenar para fazer.

Capacidade de mando

Expressões:Simbolismos e qualificações.ex: Seria bom tomarmos um café agora. Bom dia! Como vai? Como você está linda!

Sinceridade

Juízos:Julgamentos e avaliaçõesex: O Programa de Renda Mínima apresentaexcelentes resultados

Qualidade da fundamentação

Expressão: A exclusão me preocupa

Ação

Compromisso: Comprometo-me a

implementar um Programa

estrutural de Integração para reduzir

a exclusão

Afirmação: A exclusão continuará a

crescer por ser componente do padrão

de acumulação capitalista.

Declaração: Este é um problema

prioritário em meu programa

de governo

Avaliação: O Programa Integração não

apresenta bons resultados

Deriva: Ordeno aoMinistro do Desenvolvimentoque implemente o Programa Integração.

Fig. 10.1

Critérios de Avaliação

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Nas seções seguintes, são apresentadoselementos básicos para o planejamento eacompanhamento da gestão. Os conceitos de avaliação(seção 11.5) e de planejamento de conversações (seção11.6) buscam enfatizar a possibilidade de que todareunião venha a ser estruturada, para ocorrer, atendendoa um contexto e a demandas bem definidas a partir deprocedimentos e objetivos pré-identificados. Sãomodalidades de conversação que buscam criar condiçõesmelhores para a coordenação de ações. A experiênciapermite afirmar que este conjunto de conhecimentos ébastante útil para que uma equipe dirigente possaorganizar de forma mais efetiva suas reuniões eencontros de trabalho coletivo.

11.6. Avaliando ações

Quando avaliamos ou analisamos algum eventoou resultado de trabalho realizado, elaboramos juízos.Utilizamos no PRESENTE nossas experiências doPASSADO para guiar-nos no FUTURO. A avaliação éuma bússola para o futuro.

Exemplos:

ü A Instituição “X” agiu da forma “Y” no passado. Éuma instituição séria e profissional. Por isso, podemosesperar bons resultados de seu trabalho.

ü O Programa “W” obteve excelentes resultados.Podemos disseminar sua implantação para outrasregiões do Estado.

As declarações com as quais avaliamos situaçõesou ações de governo não buscam descrever, masinterpretar uma realidade conforme esta é percebida poralgum ator social. Neste sentido, os juízos não pertencemao objeto observado, mas à equipe técnica, órgão ou atorsocial que os declara. Essa avaliação é condicionadapelos conhecimentos e experiências prévias, valores,interesses e ideologia de quem está emitindo ojulgamento. Assim, os juízos podem ser válidos ouinválidos, de acordo com a autoridade conferida a quemos faz; e bem ou mal fundamentados, de acordo com aqualidade das evidências utilizadas para respaldá-los. Istoquer dizer que uma avaliação não pode ser qualificadacomo verdadeira ou falsa. A avaliação, enquanto AtoLingüístico pertencente ao grupo das Declarações, deve,portanto, ser percebida como essencialmente diferentedas Afirmações.

Exemplos:A VW fabrica automóveis. (afirmação)

A GM produz os melhores automóveis médios.(julgamento)

João tem dois filhos. (afirmação)

João é um bom pai. (julgamento)O projeto “Bolsa-Escola” foi criado pelo Governo

do Distrito Federal em 1995. (afirmação)

O projeto “Bolsa-Escola” é a propostagovernamental para ação educacional que melhoresresultados apresentou no Brasil nos últimos anos.(julgamento)

11.6.1. Perguntas Orientadoras para Fundamentar Avaliações

A avaliação das ações de governo na propostaapresentada acima deve seguir um roteiro de perguntasobjetivas como o que segue:

ü Para quê estou avaliando? [Que ações pretendocoordenar no futuro? Em que âmbito?]

ü Com que evidências e/ou afirmações possorespaldar a avaliação?

ü Em relação a que padrões estou avaliando?

ü Posso fundamentar uma avaliação contrária?

11.7. Planejamento de Conversações

O objetivo desta seção é apresentar uma formaparticular de conhecimento que pode ser utilizado aoorganizarmos uma reunião para tratar um determinadoproblema ou assunto. Nela são apresentadas cincomodalidades de conversações que ocorrem numambiente de trabalho. Uma delas é a modalidade deconversação para coordenação de ações, destacada naseção anterior.

Ao invés de tentar produzir uma contribuiçãooriginal ao tema, optou-se por apresentar um extrato detexto elaborado por Rafael Echeverría e Alícia Pizarro,inspirado nos trabalhos desenvolvidos originalmente porFernando Flores.

Segundo os referidos autores, quando estamosconversando com alguém ou com um grupo de pessoasrealizamos dois tipos de conversações simultâneas. Porum lado, estamos realizando uma conversação públicaque mantemos com a(s) outra(s) pessoa(s). Por outro,mantemos uma conversação privada, íntima, em queavaliamos o que se passa na conversação pública. Essaconversação privada é uma reflexão interior, oculta, naqual observamos e julgamos o que ocorre ao nosso redor:falas, expressões, emoções, postura corporal, e etc.

O que percebemos através das conversaçõesprivadas é decisivo para uma boa comunicação. Muitodo que pensamos e sentimos, e que é parte de nossaconversação privada, não é revelado por nós naconversação pública, pois consideramos que isto poderiadesagradar ao outro, ser inoportuno ou comprometer oque procuramos alcançar com a conversação.Normalmente, filtramos o que faz parte de nossaconversação privada e o fazemos de forma automática.Refletir sobre esta constatação nos permite distinguirmelhor seus componentes, e observar a dinâmica geradaentre a comunicação pública e as diversas conversaçõesprivadas que realizamos simultaneamente.

A análise das conversações públicas constitui-se

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em uma tipologia particularmente poderosa no espaçodas organizações. São cinco os tipos distintos deconversação que se diferenciam entre si, neste caso, pelarelação que estabelecem com um problema identificadopor uma equipe de trabalho.

Diante um determinado problema2, cada umadestas modalidades de conversação oferece um caminhodistinto para enfrentá-lo. O domínio das formas deconversação serve como ferramenta para a resoluçãode problemas. Ante todo problema, sempre teremos umaconversação possível que nos permitirá avançar emdireção a uma solução.

Estas modalidades de conversações que ocorremno espaço organizacional são:

ü Conversação de justificativas e explicaçõesEsse tipo de conversação surge de maneira quase

espontânea no momento em que se percebe algumproblema ou alguém busca declarar alguma insatisfação.Com ela procura-se dar uma resposta à pergunta: “Porquê isto está ocorrendo?” É um tipo de conversaçãobaseada em julgamentos e explicações, e quecorresponde à análise de problemas e à análise desituações. Com ela refletimos sobre o passado e ointerpretamos, verificamos tendências, explicamosproblemas.

ü Conversação para coordenação de açõesEssa é a conversação com a qual, por excelência,

busca-se organizar a ação e resolver problemas.Corresponde à definição e cumprimento decompromissos, é a base de toda a reflexão e proposiçãoestruturada como planejamento. Toda conversação notrabalho deve desembocar em uma conversação paracoordenação de ações, dado que ela nos permite “fazeras coisas acontecerem”. Esse tipo de conversação écentral na vida das organizações e no trabalho.

ü Conversação para possíveis açõesCom freqüência ocorre que, diante de um

problema, não sabemos o que fazer para enfrentá-lo, nãosabemos que ações darão conta do problema, a quemfazer pedidos, ou quais são os compromissos que podemser estabelecidos a respeito. Às vezes, uma linha de açãoé iniciada e, ao meio do caminho, nos damos conta deque não está clara a que direção estaremos nos dirigindode fato. Nessas ocasiões, torna-se necessário travar umaconversação diferente. Não adequado ter umaconversação de histórias, julgamentos e explicações, nemtampouco uma conversação para a coordenação de

ações, pois não há clareza sobre o rumo a seguir. Énecessário fazer então, uma conversação para possíveisações, em cujo centro está a busca de informações e olevantamento de diferentes opções de ação. A sua baseé a criatividade, a abertura ao novo, a invenção e aprocura por alternativas.

Conversação para possíveis conversaçõesMuitas vezes, tanto no espaço de trabalho como

no pessoal, enfrentamos com outra pessoa, ou grupo depessoas, situação em que sentimos que conversar é difícilou parece ser impossível. Chegamos até a abandonarprojetos que exigiam trabalhar juntos por nos sentirmosresignados diante da aparente impossibilidade demelhorar a maneira como conversamos e nosrelacionamos. A conversação para possíveisconversações pode permitir melhorar a maneira comoconversamos. Para conseguir este objetivo, o maisimportante é entender que o tema desta conversação éa dificuldade que existe em realizar uma conversa, paratrabalhar junto. Trata-se de fazer explícito ao outro nossosentimento, nossa visão, o que nos passa com a formaatual de conversar que mantemos. A função destamodalidade de conversação é acertar com as outraspessoas envolvidas uma forma de conversar diferente,que satisfaça a todos. Para isso é necessário pensar emnormas e protocolos de conversação que estão fazendofalta.

É importante combinar nossa capacidade deproposição com a de indagação3. Abrir ao outro aoportunidade de também dizer como está percebendo evivendo a dificuldade a aprtir de seu ponto de observação.É necessário escutar sem uma postura defensiva parapodermos entrar em um processo de busca conjunta derespostas sobre como superar a situação. Esse tipo deconversação pode não ser esgotado em um primeiroencontro. Muitas vezes, são necessárias váriasconversações para que seja alcançado um resultadosatisfatório.

ü Conversação para construção de relaçõesEsse é um tipo especial de conversa para novas

conversações. Ocorre normalmente ao ser iniciada umanova relação de trabalho ou ao ser criada uma nova equipede trabalho. Não basta selecionar os futuros membros deuma equipe de governo, de uma equipe de trabalho. Nãobasta reunir as pessoas e procurar dizer “claramente” o quecada um fará para que todos saiam trabalhando. Énecessário construir relações mútuas: a qualidade destasserá a base do trabalho conjunto no futuro.

Tendo pela frente um problema, uma nova

2 “Problema” é a percepção de que “algo não estáocorrendo como deveria”, e que leva ao reconhecimento deuma necessidade, declaração de insatisfação ou formulaçãode uma demanda. A percepção de problemas é conformadapelas inquietações, insatisfações e emocionalidade de cadaindivíduo envolvido, e a sua formulação é limitada pelascompetências de quem o declara e por sua capacidade deobservação. (ver cap. Sobre Metodologia de Diagnóstico deSituações)

3 Propor / Indagar. Propor: falar a partir de nossaspróprias inquietações, revelando nossas perspectivas pessoaispara soluções de problemas, encaminhamento deconversações e nossos limites cognitivos e emocionais.Indagar: pedir que as outras pessoas revelem suasinquietações, apresentem suas percepções e preocupações,abrindo espaço para a construção, conjunta e compartilhada,de respostas adequadas a problemas comuns.

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situação, cada uma dessas modalidades de planejamentode conversações oferece um caminho distinto para atuare coordenar ações. Essas tipologias são ferramentasfundamentais para a resolução de problemas, para a açãode coordenar projetos e equipes de trabalho. Perante todoproblema sempre haverá uma conversação possível maisadequada, que nos permitirá avançar em direção à suaresolução. A efetividade com que logremos superar umproblema depende, em muitos sentidos, do uso quefazemos de nosso poder para estruturar nossasconversações.

A apartir da observação dos procedimentossegundo os quais as pessoas se comunicam e de comopodem ser aprimoradas as conversações cotidianas notrabalho, podemos definir que tipo de reunião ou encontrode trabalho coletivo organizar para cada tipo diferente deassunto ou situação que encontramos pela frente.

Nas seções a seguir, apresentamos umaseqüência de procedimentos específicos e detalhadospara a estruturação e realização do trabalho em equipes.Os tópicos apresentados sintetizam nossa experiênciacom a estruturação e realização de reuniões de equipesdirigentes para tratar dos mais variados assuntos noâmbito de governo, em especial encontros deplanejamento e organização de gestão.

11.8. O Ciclo da Coordenação de Ações

O ciclo para a coordenação de ações no trabalhoé um modelo básico que permite a organização defluxos de trabalho deequipes. Ele é aquiapresentado por seruma poderosaferramenta de trabalhoorganizacional, cobrindoas necessidades paranegociação, definição,acompanhamento eavaliação nos processosde elaboração depolíticas.

São quatro asfases que conformam omovimento básico dacomunicação notrabalho:

1ª Fase:Definição da

Demanda. Alguém (A) declara que lhe falta algo;manifesta uma insatisfação em um determinado contextoe faz um pedido para que outra pessoa (B) execute umaação que supra esta falta. A demanda realizada deveexplicitar as Condições de Satisfação (critériosobserváveis - níveis que indicadores devem alcançar -sob os quais quem pede alguma coisa, ou aceita umaoferta, pode avaliar o que foi realizado e declarar suasatisfação, incluindo o prazo para seu atendimento).

2ª Fase:

Negociação. (B) se compromete, ou não, emrealizar o pedido feito por (A) ou faz uma contra-oferta,procurando redefinir condições, negociando tarefas eprazos, fixando compromissos e responsabilidades paraa execução do que foi solicitado.

3ª Fase:Realização. Fase em que (B), executa a tarefa a

que se comprometeu, com prazos e condiçõesasseguradas, e declara haver cumprido o pedido.

4ª Fase:Avaliação. (A) recebe o resultado da ação

realizada, verifica o que foi feito e declara que ascondições de satisfação foram, ou não, cumpridas. É umafase em que pode ser forte o componente deaprendizagem sobre erros e acertos, criando condiçõespara novos ciclos de coordenação de ações.

Como pode ser visto, cada umas das fasesdescritas neste ciclo básico em que é reproduzido omovimento da comunicação apresenta característicasparticulares que devem ser respeitadas para que acoordenação de ações venha a ser efetiva. Com aconclusão de um ciclo de coordenação de ações comoaqui descrito, seu objetivo, a anulação da insatisfaçãoinicial, deve ter sido alcançado. O esquema a seguirsintetiza o ciclo da comunicação no trabalho.

O ciclo de coordenação de ações apresentadoacima é uma forma de estruturar a comunicação, quedeve ser a predominante no espaço de trabalho ou detomada de decisões em âmbito governamental.

A

C iclo para Coordenações de Ações

B

Condições desatisfação

- Indicadores -

Negociação

Ação

Contexto

Avaliação

Declaração de Conclusão

Fixar C o m p rom issoDec laração de Sat isfação

(ou não)

P roblem a

Insat isfação

Necess idade

Pedido

Ace itar

Contra -O ferta

Recusar

Confiança

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11.9. Condições de Satisfação / Indicadores(MATUS, 1991)

Os critérios ou condições de satisfação são aquitrabalhados como indicadores objetivamentecomprováveis, padrões de medida em relação àconsecução de um determinado objetivo. Garanteminformações, a respeito de um pedido ou um resultadoesperado, em termos de:

Quantidade........................... Quantos?Qualidade............................. Conteúdo? Forma?Tempo.................................. Para quando?Local..................................... Onde?

Destacam aspectos importantes de uma ação ouresultados a serem alcançados. São as bases objetivaspara o monitoramento e para a avaliação.

ü para formar opinião;ü gerenciar ou coordenarprocessos de trabalho;ü para gerar legislação ouregulamentações;ü capacidade de mobilização.

Recursos: Capacidades:

ü cognitivos;ü políticos;ü financeiros;ü organizacionais;ü pessoal capacitado;ü tempo.

11.9.1. Conceito amplo de Recursos

No jogo de governo, recursos são todos os fatoresnecessários à operacionalização das ações definidas emum projeto.

Ex. 1: AÇÃO - Capacitar 40 dirigentes da Prefeitura de São Tomé (PMST)

RECURSOS PRODUTOS RESULTADOS ⇒ ⇒

Materiais didáticos;Espaço físico;Equipamentos;Financeiros;Apoio metodológico;Apoio do Prefeito

2 oficinas simultâneas c/ participação efetiva de 40 pessoas, carga horária de 120 h, abrangendo conteúdos [...], em São Tomé no 1º semestre / 2004

R1- Capacidade administrativa, de gestão e de apoio a projetos da PMST foi aumentada;R2- Ampliado conhecimento coletivo sobre os problemas vividos pelos dirigentes.

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Ex. 2: PROJETO – Plano de Contingência para a redução do impacto das chuvas de verãode janeiro a março de 2001 em Caramuru.

RECURSOS PRODUTOS RESULTADOS ⇒ ⇒

Conhecimento técnico para identificar áreas de risco e construir alternativas eorganizar / planejar esquema

Pessoal técnico administrativopara licitar suprimentos e adquirir equipamentos necessários

Equipamentos da PMC para reduzir risco de ocorrência de problemas;

Financeiros;

Apoio do Prefeito e da Câmara Municipal.

- Plano de trabalho elaborado e aprovado contendo definiçõessobre áreas de risco, procedimentos a adotar e competências da Guarda Civil e PMC em caso de problema;

- Equipes de trabalho montadas e treinadas para intervenção em caso de enchente

- 50% da população em área de risco realojada para reduzir o risco de ocorrência- Material de divulgaçãoproduzido e divulgado nos locais de risco e informado à população para reduzir impacto de imagem caso ocorram incidentes;

- Espaço físico preparado para receber vítimas e estocar suprimentos;

- Equipamentos adquiridos e suprimentos estocados para atender vítimas.

R1- Ampliado conhecimento coletivo sobre os problemas a enfrentar em caso deenchentes;

R2- Reduzido em 80% o número de pessoas atingidas por enchentes em 2004 em relação à média dos últimos 4 anos;

R3- Reduzido em 50% o número de locais com ocorrência de enchentes em 2004;

R4- Nenhum falecimento por decorrência de enchentes.

Ex. 3: Condições de Satisfação de Resultados Finais [Situação Objetivo]

Conjuntos de Objetivos Indicadores de Satisfação

- Atendimento ao público eficiente, rápido, em ambiente

de conforto

- Agilidade no atendimento aos públicos interno e externo

- Desburocratização de procedimentos

- Informatização de todas as instâncias públicas

- Postos de Informação Participativos atingem todas

as metas: integração plena do governo com a sociedade;

- Todos os departamentos de todas as secretarias e

empresas da Prefeitura foram integrados pelo sistema.

- 70% das pessoas que são atendidas nos balcões da

prefeitura afirmam ter sido bem atendidas [pesquisa Jornal ABC]

- 60% dos casos resolvidos imediatamente / os 40% dos

casos restantes são resolvidos com redução de 50% do tempo atual;

- Construção de mais 5 unidades de atendimento até jun/2005

- 100% do pessoal de atendimento capacitado para as funções

- Reformulação física e de procedimentos no Paço Municipal

- Informatização total até dez/2005.

Projeto: Porta Aberta - Atendimento direto ao cidadão com conforto, acessibilidade e resolutividade

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11.10. Estruturação para o Trabalho Coletivo

A realização de encontros que envolvem trabalhoem equipe4 busca a solução de problemas ounecessidades identificadas por algum dirigente ou grupode técnicos de alguma organização. Representa umesforço orientado por uma lógica de trabalho coletivo ede planejamento de conversações. Esse esforçoorganizacional encontra um importante aliado na escolhaadequada de métodos de trabalho voltados àparticipação. Ao procurar ampliar a participação, visamosaumentar a capacidade de governo para implementarações.

O trabalho em equipe permite a construção de algoem comum, como tomar decisões sobre um determinadoassunto, delinear um projeto, realizar uma avaliação,programar atividades, fixar compromissos, planejar paraenfrentar um problema ou organizar um processo.

O trabalho participativo pode aumentar a chancedas diferentes opiniões, idéias, reflexões, conhecimentos,experiências, expectativas e proposições dos membrosde uma organização serem levados em consideração econtribuirem da melhor forma nas decisões sobre otrabalho que o coletivo desenvolve.

Refletir e organizar a realização de cada atividadeé um primeiro passo para uma mudança qualitativa naforma como cada indivíduo percebe, organiza e valorizaseu trabalho no interior de uma organização ou de suaequipe.

11.10.1. Por quê Estruturar Atividades?Estruturar previamente as atividades coletivas

objetivas:

ü melhor aproveitamento do esforço, do tempo daspessoas e dos recursos disponíveis;

ü atingir resultados em cada encontro ou etapa detrabalho;

ü viabilizar a utilização posterior dos resultados decada atividade;

ü satisfazer as expectativas dos participantes e dainstituição;

ü garantir boa documentação dos trabalhos.

Para o êxito de atividades estruturadas, o trabalhoem equipe exige que seja bem cumprido o papel decoordenação ou moderação da reunião. O trabalho decoordenação visa a conduzir, regrar e dirigir o trabalhocoletivo para torná-lo menos intenso e cansativo, maisagradável e produtivo5. Ao coordenador cabe ainda adefinição sobre o uso de técnicas e métodos adequados

ao processo de trabalho em equipe e às especificidadesde cada situação ou necessidade.

11.10.2. Componentes de um Encontro de Trabalho

São os seguintes os principais componentes deuma reunião (atividade em equipe estruturada):

ASSUNTOü Problema ou necessidadeü Quem demanda (ator/organizador)ü Resultados esperados da reunião

EQUIPE de TRABALHOü Motivação, Interessesü Conhecimentosü Concepções, Idéiasü Experiências e Histórico

COORDENAÇÃO DA ATIVIDADEü Organizaçãoü Condução, Moderação, Facilitar debatesü Incentivar participação / Construir Cooperação

METODOLOGIAü Lógica e Conceitosü Roteiro de trabalhoü Documentaçãoü Como acompanhar desdobramentos

TÉCNICASü Formulação de Perguntasü Visualizaçãoü Jogos / Dinâmica Grupal* Avaliação

Nossa preocupação com a previsão e estruturaçãode atividades em grupo implica em conhecer e trabalharestes diversos componentes a cada momento em quereuniões são realizadas em uma instituição. A seguir, sãodetalhados procedimentos e cuidados para o tratamentoadequado de cada um destes elementos com sugestõespráticas.

11.10.3. Fases de uma Reunião6

Nesta seção são desenvolvidos os temas ligadosà estruturação de reuniões, mas com um destaque paraos encontros de planejamento e organização de gestão.Nestes casos as atividades em grupo são voltadas àresolução de problemas, análises de situações, análisesde estratégias gerais para um plano de governo oumesmo para a realização de encontros deacompanhamento ou avaliação do andamento das açõescoordenados por uma equipe dirigente.

4 As reuniões estruturadas são a forma de organização do trabalho coletivo adequada à utilização de metodologiasparticipativas de planejamento e gestão.

5 Cabe enfatizar a diferença, que nem sempre se expressa claramente em atividades de planejamento e gestão, entre ametodologia propriamente dita, as técnicas para o trabalho em grupo e o papel a ser desempenhado por um mediador ouconsultor. Uma compreensão correta destes elementos diversos, essenciais e complementares, pode ser encontrada emBROSE (1993).

6 Para esta síntese tomou-se como referência uma atividade em equipe de curta duração, p.ex., de algumas horas a trêsdias de trabalho consecutivos.

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Como poderá ser observado, optamos porapresentar de forma sintetizada e direta, em muitos casossimples check lists, conjuntos de cuidados eprocedimentos para a verificação das providênciasnecessárias para organizar de forma completa umareunião ou encontro de trabalho em equipe. O queresultou em um acervo operacional que pode evitar errose esquecimentos, às vezes triviais, mas que em muitoscasos representam a diferença entre uma atividade bemsucedida e outra que leva a muita insatisfação e desgastepolítico.

Acreditamos que o êxito de qualquer reunião exigecoerência e atenção na coordenação de 3 etapas7:Preparação, Condução e Fechamento. Cuidados parao tratamento adequado e a coordenação do trabalho emcada uma destas fases são apresentados em detalhe aseguir.

Etapa 1 - PreparaçãoSão cuidados a tomar na etapa de preparação:

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ü Contatos com um(a) dirigente, assessor(a) ourepresentante de uma instituição, interessado naorganização da atividade para garantir que a atividadese dê sobre o tema/problema demandado. Verificarse o tema escolhido está de acordo com a missão,funções, objetivos previstos ou planejamento deatividades da organização.

ü Definição da Equipe que irá participar;

ü Seleção e adequação do local / ambiente.Providenciar o que for necessário;

ü Sala ampla, ventilada e bem iluminada;

ü Mesas e cadeiras adequadas;

ü Painéis, Lousa/quadro branco/ “flip”, papel,canetas, fitas, cartões, cola;

ü Verificar necessidade de retroprojetor e tela, TV evídeo, projetor de slides, gravador e microfones, microe impressora;

ü Garantir que não haja interrupções imprevistas;

ü Dificultar a entrada de telefones;

ü Montar roteiro para o trabalho. Um roteiro completoprevê e organiza cada momento de uma reunião,indicando, para cada etapa, o que será feito, como,quem fará e quando, e listando os recursosnecessários.

ü Garantir informações prévias e enviar convite aosparticipantes. Organizar e divulgar a pautapreviamente e com prazo adequado aos requisitossolicitados. Uma pauta para convocação de umaatividade deve conter:

ü Data e local em que será realizada, horário parainício e término;

ü Relação de participantes e responsável pelaconvocação;

ü Objetivos estabelecidos;

ü Informações e documentos que os participantesdevem consultar ou levar.

Etapa 2 - ConduçãoEsta etapa é a realização da atividade propriamente

dita e demanda atenção especial às funções decoordenação, relatoria e ao uso de técnicas devisualização e de trabalho em grupo.

Ela compõe-se dos seguintes momentos:

ü Início da atividade9;

ü tratamento do assunto10;

ü encerramento dos trabalhos.

O momento do encerramento de um encontrodemanda três tipos de cuidados:

1) Como concluir o tratamento do tema principalque motivou a realização do evento ou processo?

As atividades que exigem trabalho participativo, emespecial os encontros de planejamento e avaliação dagestão, são realizadas por um grupo de pessoas paradiscutir algum assunto ou solucionar um problema.Considerando que um encontro de trabalho em equipematerializa-se enquanto uma rede compromissos econversações, deve-se fazer com que o encerramentoda atividade seja um insumo para a fase deimplementação, que se seguirá ao encontro. A rigor, oproduto final, a etapa que encerra um encontro, já deveestar prevista em um roteiro de trabalho construídoespecificamente para ela.

Como regra geral, o encerramento do tratamentode um assunto pode ser definido através de um Painelsíntese dos Produtos obtidos:

7 BROSE (1993), NETO (1992), DOYLE (1978).8 Ver a seguir, Organização de Equipes de Projeto.9 Em especial, garantir espaço na abertura dos trabalhos à apresentação pessoal e profissional dos participantes,

definição precisa dos objetivos do encontro e resultados esperados, duração e procedimentos que serão adotados, visando agarantir aos participantes as informações mínimas essenciais para ampliar a efetividade das discussões e decisões.

10 O que diz respeito fundamentalmente à escolha adequada de um método de trabalho ou roteiro de perguntas edecisões a tomar e também às técnicas ou dinâmica de trabalho em grupo que serão utilizadas para garantir que o assuntodefinido para o encontro seja tratado integralmente.

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2) Como prosseguir?Um outro cuidado que faz parte do encerramento dos trabalhos é levantar o que deve ser feito para que os

produtos definidos durante a atividade sejam encaminhados. Esse cuidado não se refere ao assunto e seu tratamento,mas a ações de coordenação operacional para garantir uma continuidade no processo.

Um Painel de Encaminhamentos deve indicar:

3) Realizar uma avaliação final da atividade.Todo processo que implique em trabalho em equipe

deve garantir uma avaliação geral e coletiva do encontro.Devem ser colocados em discussão, com o grupo detrabalho, os desdobramentos possíveis e/ou necessários,os compromissos futuros que a atividade implica, o nívelde satisfação com o trabalho realizado e deve-se,finalmente, verificar se algum assunto, problema ouaspecto da atividade ficou por resolver. Esse é um espaçoem que os participantes devem ter a possibilidade deexpressar suas opiniões sobre a atividade quedesenvolveram. De forma geral, a avaliação de umaatividade visa comparar os resultados atingidos com osprevistos e avaliar o grau de satisfação dos participantes.

A avaliação deve permitir aos participantes: refletirsobre a experiência vivida; expressar críticas e elogios;

Necessidades Responsável Rede de ajuda Prazos

Informar imediatamente à direção da instituição o final da atividade e seusresultados

Definir quem faz o relatório

completo da atividade e quem o revisa

Definir quem distribui o relatório

aos participantes

Definir se haverá novo encontro

ou encontro de avaliação no futuro

Realizar contatos com

vistas à divulgação do evento

propor melhorias e mudanças; e externar emoções ouopiniões que tenham surgido durante o processo. O usode técnicas de avaliação em atividades em equipe é umpoderoso instrumento para que organizador emoderadores possam rever práticas e evoluir na suaatuação.

Etapa 3 - Fechamento 11

A conclusão de um encontro implica em uma sériede cuidados que devem ser tomados após oencerramento da atividade propriamente dita, conformeo descrito anteriormente.

a) DocumentaçãoO documento relatando a atividade em equipe deve

conter a memória escrita completa dos trabalhos

11 Sintetizado de SCHUBERT e outros, 1995; e complementado com notas de experiências.

Decisões Tomadas Responsável pela implementação

Rede de Ajuda

Prazos definidos

Como será feito o acompanhamento

Objetivos,

Ações definidas,

Resultados de Análises

Membro da equipe de trabalho indicado como responsável pela realização do que foi decidido. Uma pessoa, "com nome e sobrenome”

Outras pessoas que apoiarão o trabalho do responsável

Até quando, para cada decisão tomada

Definições sobre como se dará a prestação de contas e acompanhamentodo cumprimento das decisões

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realizados coletivamente. Devem ser apresentados umasíntese das decisões tomadas, as informaçõesnecessárias ao acompanhamento, e relacionados osmecanismos de cobrança definidos. O trabalho comtécnicas de visualização ao longo do encontro facilita emmuito a produção do relato de uma atividade em grupo.A relação dos desdobramentos previstos deve sempreser parte integrante do relatório da atividade.

b) DesdobramentosGarantir a compreensão, por parte do dirigente que

solicitou a realização da atividade e de sua equipe detrabalho, dos compromissos definidos durante ostrabalhos, a forma como se dará a divulgação do relatórioe das avaliações pertinentes, descrevendo inclusive osprocedimentos para o acompanhamento, petição eprestação de contas definidos.

c) Comunicação Formal à OrganizaçãoA informação sobre uma atividade em equipe ao

organizador ou dirigente deve ser composta por umasíntese dos trabalhos e um relatório completo.

d) Avaliação Global da AtividadeCumpridos os requisitos apresentados acima, cabe

ao coordenador do encontro realizar uma avaliação formalde todo o processo, desde os primeiros contatos até aentrega do relatório completo a quem demandou aatividade. Essa conversação é fundamental e deveráverificar se os critérios de satisfação e resultadosdefinidos foram cumpridos, permitindo o encerramentode um ciclo de coordenação de conversações e a entradaem novos ciclos, com um outro patamar de qualidade.

Concluída a apresentação dos procedimentossugeridos para uma realização efetiva de encontros detrabalho participativos e produtivos, destacamos a seguirum conjunto de cuidados necessários para a organizaçãode equipes de trabalho.

11.10.4. Organização de EquipesAdotamos a perspectiva de que o trabalho em

equipe é a principal forma de trabalho nas organizações.Além disso, é a forma por excelência dos processos dediscussão, análise de situações, resolução de problemas,planejamento e tomada de decisão utilizada por equipesdirigentes. Os cuidados com a formação e organizaçãode equipes fazem parte do ponto de preparação deatividades. Dada a importância que lhe atribuímos,optamos por destacar esta apresentação em uma seçãoespecífica.

O trabalho em equipe é a forma apropriada pararealizar estas tarefas, uma vez que:ü agrega os conhecimentos e experiências de seusmembros, facilitando o trabalho em situaçõescomplexas;ü possui mais força para influenciar a trajetória daorganização do que pessoas individualmente;ü apresenta flexibilidade para mudar a orientação emsituações novas;

ü equipes atuando de forma coordenada geram umadinâmica positiva para a organização;

ü a qualidade das decisões em equipe é normalmentemaior do que a das decisões individuais.

Para chegar a resultados consistentes, a equipe esua forma de operação devem possuir as seguintescaracterísticas:

ü seus membros devem ter objetivos comuns;

ü o trabalho deve ser cooperativo e participativo;

ü as responsabilidades e tarefas devem serclaramente definidas;

ü a liderança deve ser compartilhada por todos osmembros da equipe;

ü deve haver tempo suficiente para a discussão edefinição de soluções consistentes;ü o trabalho e a definição de suas etapas devem sercuidadosamente preparados;

ü as regras para o desenvolvimento dos trabalhosdevem ser estabelecidas pela equipe e reconhecidaspor seus membros.

11.10.5. Regras para Formação de EquipesO dimensionamento de uma equipe depende da

importância da situação a ser tratada ou da complexidadedo problema a ser solucionado, e das áreas, setores deatividade ou outras organizações envolvidas. Por isso,são quatro as regras fundamentais para viabilizar eorganizar um grupo de trabalho:

ü A qualificação pessoal e profissional de seusmembros é mais importante que a posiçãohierárquica;ü Para decisões e soluções de problemas éimportante que os membros tenham conhecimentosdiversificados;ü A equipe deve ser pequena para garantir o fluxode informações e a eficiência na tomada de decisões.***** IMPORTANTE:ü Trabalhar em equipe e de forma participativa podecausar conflitos na estrutura hierárquica de umaorganização. Por isso, para obter êxito, é necessárioassegurar a vontade política e o apoio dosresponsáveis.

São os seguintes os passos sugeridos para aFormação de Equipes:

A. Identificar na organização os integrantespotenciais da equipe:

- Quem possui conhecimentos, informação,experiência ou capacidade; Quem pode melhorar aqualidade das decisões sobre um tema ou problemaespecífico. Normalmente é desvantajoso que todos osmembros de um grupo conheçam muito de um problema;

- Quem pode estar interessado no tema. Avaliar osignificado e intensidade do interesse. Evitar “jeitinhos”

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e “carreirismos”.Quem pode vir a se interessar pelos resultados do

trabalho; nível hierárquico, cooperação, desenvolvimentoexigido e prestígio.

B. Analisar o potencial da equipe com base nasavaliações:

ü A estruturação da equipe deve ocorrer de maneiraa equilibrar os diferentes estilos em função dascaracterísticas do assunto a tratar.

ü Grupos heterogêneos e multidisciplinares são maiseficazes quando as tarefas são complexas, quandose exige criatividade e há tempo.

ü Estudar a conveniência da colocação de cadapessoa. Não aumentar indevidamente o número departicipantes. Cuidar para que conflitos potenciais eprevisíveis não venham a ocorrer.

ü Definir as pessoas mais indicadas procurandoatentar para os aspectos motivacionais, dedicação,vantagens, autonomia e responsabilidade.

ü Negociar a alocação do profissional com osupervisor responsável.

Com este conjunto de sugestões, consideramoscompleto o ciclo de sugestões para definir, preparar,realizar e fechar uma reunião no espaço de trabalho. Emrelação aos cuidados relativos à montagem de equipesde trabalho ou de projetos específicos, cumpre ressaltara importância de reservar tempo e preocupação com suacomposição, de forma a evitar ou prevenir problemas defuncionamento que, se apenas percebidos tardiamente,podem inviabilizar a obtenção de resultados em umprojeto ou mesmo em uma gestão.

11.11.Considerações Finais

A apresentação da Metodologia para Trabalho emEquipes feita neste capítulo procurou introduzir adimensão da melhoria das práticas e da coordenação dotrabalho no interior das organizações públicas.Consideramos este um fator de suma importância paragarantir efetividade à implementação do conteúdoestratégico implícito nos projetos de gestão da inovação.Incorporar à gestão estratégica essa metodologia objetivaampliar a possibilidade de que as deliberações dosdirigentes, análises estratégicas e cálculos políticos sejamoperacionalizados, acompanhados e avaliados de formacontínua. Esta seria uma condição básica para que agestão venha de fato a causar impactos sobre assituações problemáticas que uma equipe de governo sepropõe a enfrentar.

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1212.1.Apresentação

Este capítulo apresenta um conjunto de conceitosindispensável para a gestão estratégia pública. Ele tratados procedimentos relacionados à prevenção,identificação, processamento e formulação de respostas,a surpresas e crises de governo. O seu objetivo éproporcionar a uma equipe dirigente ferramentas de apoiopara o enfrentamento de natureza estratégica, no dia-a-dia de governo, de denúncias, escândalos e crises dediferentes tipos. Situações essas que, em muitos casos,tornaram-se frequentes e em grande medida previsíveis.

A primeira seção trata das surpresas entendidascomo fatos geradores de crises de governo. Nela aponta-se exemplo de procedimentos operacionais para aformulação de respostas a esse tipo de desafio, atravésde planos de contingência. Em seguida, são apresentadasas estruturas de gabinete para apoio ao processamentode crises.

No Texto de Apoio sobre Gerenciamento de Crisesé apresentado um caso real extremante rico eminterpretações e possibilidades de análise, que podeorientar uma discussão aprofundada sobre riscosenvolvidos e procedimentos de superação de crises. Otipo de crise apresentado é o das crises de imagem.

12.2. As Surpresas como Fatos Geradores de Crises de Governo

De uma forma geral, as estruturas de gestãobrasileiras - tanto públicas quanto privadas encontram-se pouco preparadas para enfrentar surpresas em seufuncionamento cotidiano. Como visto anteriormente, oplanejamento tradicional, focado apenas em aspectosnormativos, não se prepara para mudanças no contextoe, menos ainda para o enfrentamento de surpresas.

O funcionamento do governo pode mudarbruscamente de ritmo e foco de atenção em virtude daocorrência de surpresas positivas ou negativas, tais comodesastres naturais, acontecimentos políticos, atoscriminosos, desastres ecológicos, fatos econômicos,descobertas científicas de impacto, etc.

Dezenas de vezes num período de governo dequatro anos ocorrem, a depender do nível de governo-municipal, estadual ou federal - rebeliões em presídios,greves de servidores públicos, inundações, aumentobrusco de preços internacionais de matérias-primas,denúncias graves sobre a conduta de governantes. Asconseqüências são sempre as mesmas: não-aproveitamento das possibilidades e alto custo dos

eventos negativos.Para fazer frente a este tipo de evento é necessário

desenvolver capacidade para a formulação eimplementação de planos de governo com baixasuscetibilidade ao imprevisto.

Os procedimentos mais adequados, para tanto,como será visto a seguir, são:

ü o trabalho de verificação de confiabilidade dosplanos, programas e projetos de governo (ver capítulosobre Metodologia de Planejamento de Situações);e

ü a identificação sistemática de surpresas e aformulação de planos de contingência para fazerfrente a elas.

Como apoio fundamental para essa prática degoverno que deveria ser usual, é necessário tanto otreinamento para a ação estratégica em momentos decrise como a seleção de equipes de dirigentes eassessores, que se encarreguem de realizar a conduçãode crises quando de sua ocorrência.

É possível estar preparado para enfrentarsurpresas?

Surpresas são eventos inesperados, que causamtranstorno grave para a ação de governo e queapresentam baixa probabilidade de ocorrência. Podemmesmo, nem vir a ocorrer num determinado período degoverno.

a) Surpresas podem ser:

b) Planos de Contingência

1) Preventivo para reduzir a probabilidade deocorrência da surpresa - evitar que a surpresa ocorra:(segurança, retirar populações em áreas de risco,vacinação preventiva, limpeza de bueiros e bocas de lobo,instalação de lombadas, etc.).

2) Preventivo para diminuir o impacto após

CONDUÇÃO DE CRISES

Um governante municipalencomenda a criminosos um atocontra prédio público, paradenunciar a insegurança no dia davisita do Governador do Estado asua cidade.

Nãoimagináveis

Imagináveis

• Repetitivas (ex.: enchente, acidentes,corte de energia, etc.)• Politicamente previsíveis (disputapolítica grave, denúncias de corrupçãono governo, greve de servidores)• Tecnicamente concebíveis (vacinacontra a AIDS, combustível sintético,comunicação eletrônica)• Identificáveis, como deficiências ousuposições frágeis em um projeto

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ocorrência - não foi possível evitar, mas é possível reduziro estrago. (atendimento médico de emergência,vacinação, geração de energia de emergência, pessoaltreinado, equipamentos, ambulâncias, equipamentos debombeiros, equipes de gerenciamento de crises, açãocomunicativa: quem será o responsável por falar aopúblico, o que dirá, com que freqüência e de que forma,quando uma crise se instalar).

3) Reativo para reduzir conseqüências(atendimento de longo prazo às vítimas, atenção sanitária,local para novas instalações, projeto para reconstruircasas afetadas, estoques de alimentos e medicação,empresas sob contrato para manter produção, contratarseguro patrimonial e sobre documentos, reserva noorçamento)

c) Como Avaliar Surpresas?ü Qual é a probabilidade de ocorrência?[Baixa, Muito Baixa ou Desprezível]

ü Se ocorrer, qual será o impacto?[Alto, Médio ou Baixo]

ü Qual é o custo para formular um Plano deContingência?[Alto, Médio ou Baixo]

d) Que planos de contingência preparo?ü Para enfrentar surpresas que causariam um altoimpacto sobre a população, sobre o projeto degoverno ou sobre a imagem do governante;

ü Planos com custo de formulação baixo;

ü Planos para enfrentar surpresas com maiorprobabilidade de ocorrência.

e) O quê fazer?

12.3. Estruturas para Apoio ao Processamento de Crises

A história latino-americana está cheia de exemplosde baixa capacidade de governo, apesar dos dirigentespolíticos revelarem muita experiência e boa formaçãointelectual e cultural. A experiência não vale por si só.Uma formação profissional de nível universitário tambémnão leva necessariamente a adquirir condiçõesindispensáveis para governar. Só poderemos falar emboa capacidade pessoal de governo, ou seja, de perícia,quando houver uma combinação de conhecimento,experiência, estruturas de gestão e métodos de trabalhoadequados.

Alguns elementos prejudicam a capacidade deresposta das equipes de governo frente a situaçõesinesperadas:

I. A desinformação e a não existência de sistemas eprocedimentos deterioram gravemente a capacidadede julgamento e tomada de decisões em momentosde crise;

II. O erro de reação, produto direto da baixa força devontade e da baixa capacidade de processamentodos problemas que já foram acumulados peloprocesso histórico;

III. O erro de descontrole, produto da rapidez e dassurpresas provocadas por uma crise, e de nossodespreparo para selecionar opções corretas sob atensão por ela gerada pela mesma;

IV. O erro da imprevisão, imperceptível hoje, pelo qualum pequeno desvio nos levará, mais tarde muito longedo objetivo. Corresponde a falhas na qualidade dadecisão entre opções críticas, em épocas denormalidade. A normalidade reduz a sensibilidade aosperigos. Uma trajetória em que a gestão recebecrescente avaliação positiva pode deixar a equipe degoverno mais descuidada em relação às ameaças.A desorganização e a baixa capacidade de governonos conduzem a decisões desacertadas e a omissõesgraves. Sobre esse ponto, é bem ilustrativa a citaçãode Sun Tzu: “... lamentando-se na encruzilhada, disse:não foi aqui que você deu meio passo errado eamanheceu a quilômetros do caminho certo?”;

O primeiro e o segundo tipos de falha são produtosde estruturas de planejamento e de deliberação - quedenominamos ‘direção estratégica’ - deficientes naestrutura do governo. O terceiro implica que o sistemade manejo de crises inexiste ou é de muito baixaqualidade. O último caso destaca a dificuldade parareconhecer as encruzilhadas antes de se chegar a elas,e de parar para examiná-las com cuidado, verificando asopções críticas. Mas quando a improvisação impera, omais provável é que esse tipo de opção não sejapercebida e sigamos em frente, sem consciência dasconseqüências de uma escolha que, no momento dado,nos parece carecer de importância. A história latino-

Formular:

Calcularnecessidades,

recursos,meios e riscos;

Garantirinformação

necessária econfiável;

Projetar oplano de

contingência.

Preparar:

Difundir,Treinar

pessoas /equipes;

Montar cadeiade decisão e

gerenciamento;Deixar Planoem condições

de implantaçãoimediata.

Ativar:

Colocar um planoem ação quando

ocorre oproblema;

Velocidade deativação;

Gerenciar crise/operações;

Monitorarinformação.

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americana é rica em exemplos dramáticos dessefenômeno. Por exemplo: qual foi a encruzilhada em quecomeçou o narcotráfico em tantos países latino-americanos? Qual foi a encruzilhada deixada de lado porum Presidente que poderia ter evitado um golpe militar?Qual foi a encruzilhada que permitiu o início doassentamento humano em zonas que posteriormenteforam arrasadas por inundações? Quantas vezes umprefeito(a), que dispõe de governabilidade para reformaro sistema tributário e descentralizar e modernizar oaparelho do Estado, deixa de lado estas opções?

Quatro elementos confluem na condução de crises:

1. a capacitação especializada na condução de crises,a fim de dispor de equipes experientes para taisacontecimentos;

2. os sistemas de informação e monitoramento sobreo desenvolvimento da crise;

3. a logística e a infra-estrutura de apoio para acondução de crises; e

4. as técnicas de condução de crises.

1. Capacitação EspecializadaUma pessoa não-treinada na condução de crises

dificilmente conseguirá atuar bem se tiver dedesempenhar um papel preponderante nessa situação.Devemos aqui distinguir dois tipos de treinamento:

ü O treinamento geral, próprio do nível dirigente, quetem de enfrentar uma enorme variedade depossibilidades de crises de naturezas muito diversas:esse treinamento visa a proporcionar ao dirigente osconhecimentos e técnicas básicos aplicáveis, demodo que possa interagir com os especialistas; quesaiba como buscar assessoramento com osespecialistas apropriados; e evitar os erros maiscomuns;

ü O treinamento especializado, que é muitodiversificado conforme seja a natureza dos eventoscríticos. Um especialista no tratamento de desastresnaturais, por exemplo, tem pouca coisa em comumcom o especialista em seqüestros e atos criminosos.Para enfrentar todo o conjunto de problemas geradospor fortes chuvas e enchentes em um município, sãonecessários conhecimentos e habilidades diferentesdas que são exigidas para o enfrentamento de umproblema como o de um acidente com um veículocarregado com carga perigosa próximo à regiãocentral da cidade. Da mesma forma, a condução decrises políticas geradas, como por exemplo, por umadenúncia grave envolvendo algum componente daequipe de governo, a ocupação de terras por algummovimento, uma greve geral de servidores públicos;

a paralisação de empresas de transporte coletivo; ede empresas de coleta de lixo na cidade exigemdomínio de competências muito diferenciadas entresi. Se nos aprofundarmos mais no problema,perceberemos que existem sub-especialidades bemdemarcadas. Um especialista no manejo de umproblema pode ser totalmente despreparado paraenfrentar outros:

O treinamento das equipes de governo para oenfrentamento de surpresas e crises, como jogos desimulação, é uma ferramenta complementar aoenfrentamento de crises, por buscar ampliar a capacidadede reação coletiva da equipe dirigente na emergência deuma surpresa, crise de grandes proporções ou acidentegrave.

2. Sistemas de Informação e Monitoramento deCrisesO problema central nesse caso é a velocidade da

informação, em comparação com a velocidade dosacontecimentos, relacionado à qualidade da informaçãoem relação à tensão com a qual esta deve ser produzida.Um princípio formulado por Stafford Beer diz: “informaçãoatrasada não é simplesmente atrasada, édesinformação”.1 Esse postulado teórico é de extremaimportância no processo normal de governo, mas chegaa ser de vida ou morte em situações de crise.

Aqui introduzimos dois conceitos: informação emtempo real e informação em tempo eficaz. Informaçãoem tempo real é aquela que chega ao ator ou controladorde um sistema sem qualquer atraso em relação aosfatos que comunica. A rigor, frações de segundo de atrasoentre fatos e informação são a condição para falar deinformação em tempo real.

Informação em tempo eficaz, ao contrário, é aquelaque chega ao dirigente com tempo menor que o máximoatraso, permitindo-lhe informar e evitar a desinformação.A informação em tempo real é o extremo da informaçãoem tempo eficaz; é um caso particular desta.

A informação com “x” atraso de tempo desinforma.Mas, se reduzirmos gradualmente o tempo “x” de atraso,poderemos talvez chegar a um tempo “z” máximo deatraso em que a informação, apesar de ter um atrasomaior que zero, informa o ator razoavelmente bem. Aesse atraso máximo de “z” é que sugerimos chamar deinformação em tempo eficaz.

Em uma crise, o requisito fundamental é ainformação em tempo eficaz, para que se disponha deinformação veraz e acessível dentro do espaço-limite deoportunidade permitido pelas possibilidades de correção.

3. Logística e Infra-Estrutura de apoio aoManejo de CrisesConduzir uma crise requer duas condições

aparentemente contraditórias: isolamento do calor e datensão da crise; e informação em tempo eficaz, sobre osfatos e atores relevantes, para acompanhar sua evoluçãoe enfrentá-la. Com base nessa contradição, surgiu na

1 Platform change, 1975, New York, Wiley.

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teoria e prática da guerra o conceito de “sala de guerra”.Mais tarde, surgiu a idéia de “sala de situações” para acondução de crises. Aparentada às idéias anteriores,surgiu também a proposta de “salas de gestão” deempresas e de conglomerados de empresas. Porextensão, e superando o uso restrito das salas desituações, hoje se fala de “sala de governo”.

As funções dessas salas são as seguintes:

ü criar um centro, se se trata de crises, em que asituação se esfria, separando-se seus analistas docontato direto e imediato com os acontecimentos efatos a ela relacionados. Por esse meio, procura-seevitar a cegueira situacional e o risco de decisõesemocionais. Essa primeira função alude ànecessidade de um recinto físico, com estruturaarquitetônica adequada;

ü criar um sistema de informações capaz de operarem tempo eficaz, tempo que se reduz notavelmenteem uma crise se o compararmos com o aceitável emsituações de normalidade;

ü uma vez ativada a sala de situações, concentrar aatenção de um grupo de especialistas na conduçãode crises; isto é, em um único problema que deveser analisado em alta velocidade a partir de múltiplasperspectivas situacionais e com um complexo suportede informações; e

ü criar um sistema de emergência para a transmissãodas decisões e diretrizes aos atores responsáveis e,através do monitoramento das ações, avaliaroportunamente o seu efeito gradual, para introduziras correções necessárias.

Uma sala de situações é um sistema processadorfinal. A qualidade e a oportunidade desse processamentodepende totalmente da qualidade da sua alimentaçãoexterna.

A sub-util ização das salas de situações,concebidas para a condução de crises, abriu espaço paraa discussão acadêmica das “salas de governo”. A idéia émuito simples, mas exige um gabinete de dirigente queestá muito distante da realidade latino-americana, que édar uso estável à sala de situações, fazendo com queela opere em duas modalidades: a) em tempo normal; eb) em tempo de crises. A vantagem de elevar acapacidade de governo seria expressiva.

4. Técnicas da Condução de CrisesSão uma especialidade que compreende várias

sub especialidades, que respondem aos princípios jáenunciados: evitar a cegueira situacional; simular osplanos e as ações dos adversários da melhor maneirapossível; receber a informação em tempo eficaz; analisarsempre as várias opções, considerando-se suasvantagens e desvantagens para o ator central e demaisatores; agir a tempo ainda que não se disponha de todaa informação; calcular; decidir e monitorar os resultadospara retificar ou reforçar a tempo as ações; etc. Aaplicação destes princípios gerais em uma crise é comoum traje sob medida feito por um bom alfaiate. Umvazamento de petróleo não é o mesmo que enfrentar umagreve nos transportes públicos; o enfrentamento de umgrande seqüestro é diferente de resolver problemascriados por uma inundação.

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1313.1. Apresentação

Neste capítulo são apresentados os conceitosfundamentais para a utilização da análise estratégicacomo suporte à ação de governo. Ele toma por base acontribuição do professor Carlos Matus, especialmenteem dois de seus trabalhos: Estratégias Políticas, de 1996,e Guia de Análise Teórica do PES, de 1997. Além daapresentação de conceitos sobre estratégia, tática eprincípios estratégicos básicos, são detalhadosprocedimentos práticos para a análise de atores e para aformulação de ações baseadas em um processamentotecno-político de situações e objetivos a atingir.

Nas seções 13.2 a 13.4, são sumariados oselementos conceituais e princípios gerais sobre a análiseestratégica e o estudo de atores, conforme propostosoriginalmente por Matus.

Na seção 13.5 são apresentados três conjuntosde procedimentos e exemplos práticos para o exercícioda análise estratégica em situação de governo. Sãodestacados os protocolos para a análise de atores, paraa formulação de operações estratégicas, e para aformulação de ações e resultados de governo, tomandopor base uma verificação de cenários.

13.2. Conceitos básicos sobre estratégia

A palavra estratégia é usada com diferentessignificados. Ainda que não seja aconselhável iniciar estaseção com definições que fecham prematuramente anossa apresentação, alguns esclarecimentos sãoindispensáveis para evitar confusões. Ignorado o usoabusivo, a palavra estratégia tem, pelo menos, paranossos objetivos presentes, três interpretações úteis edefensáveis. MATUS (1996, 28-32):

a) estratégia como modo de indicar alguma coisaimportante ou indispensável para alcançar um objetivofuturo, transcendente e relativamente distante;

b) estratégia de um jogo esportivo, entendida comoum modo de superar os obstáculos interpostos porum adversário que se supõe ter objetivos queconflitam com os meus;

c) estratégia como modo de lidar ou cooperar com ooutro em um jogo social para vencer sua resistênciaou obter sua colaboração.

O primeiro significado é comumente utilizado paraexplorar o futuro num horizonte de tempo de longo prazo.Indica o que deve ser feito, conforme o interesse do ator

que planeja, para estabelecer uma direção a um processode mudança num período de 20 a 30 anos. É um tatearem relação ao futuro, com ampla e alta visão até o limiteno qual os caminhos conhecidos desaparecem e nascemidéias sem nitidez e trilhas não-palmilhadas. Trata-se,portanto, da acepção normativo-prescritiva da palavraestratégia, que tem importância especial na concepçãode uma grande estratégia. Nesse raciocínio, a imaginaçãocriadora domina as urgências e importâncias imediataspara sonhar, com sentido prático, sobre o futuro. Nessaperspectiva, o conceito de jogo é secundário, o querealmente importa é criar um ou vários caminhosinexplorados para orientar o desenvolvimento da açãofutura. Na grande estratégia, a interação não se realizacontra outros, mas contra a própria incapacidade paracriar opções ou para decifrar nosso desconhecimentoinerente sobre o futuro. Se um ator vence esse desafio,obtém uma vantagem em face de todos, impondo umnovo jogo com novas regras. Nesse primeiro plano, agrande estratégia surge como uma ferramenta paraesclarecer questões como: para onde caminhar; queobjetivos devem ser perseguidos; qual o limite entre opossível e o sonho; como criar caminhos que ainda nãoexistem e que ninguém percorreu. Nessa fronteira, autopia e a estratégia andam de mãos dadas.

A segunda acepção do termo estratégia refere-sea um tipo especial de jogo, o esportivo, no qual se medemas diferenças de habilidade entre os adversários a partirde condições iguais. Os jogos esportivos não têm históriacumulativa de vantagens e desvantagens; cada jogo éuma unidade que parte de condições eqüitativas; sãojogados voluntariamente durante um tempoconvencionado; têm regras claras e precisas; e cada jogoé isolado em relação a outros jogos. Alguns desses jogosconstituem problemas bem-estruturados altamentecomplexos, como o xadrez ou o bridge, em razão dagrande quantidade de possibilidades. Outros são quase-estruturados e sua complexidade não repousa no grandenúmero de jogadas imagináveis, mas no fato de que elasnão são finitas e enumeráveis, dado o espaço decriatividade e recursos que suas regras permitem, como,por exemplo, no futebol ou no truco. Todos elescompartilham o critério de competir em condiçõeseqüitativas, com a única exceção do aspecto dehabilidade que o jogo tenta avaliar; e por isso suas regrassão precisas e capazes de refinar o objetivo da avaliação.No jogo de xadrez, todas as condições iniciais são iguaispara ambos os competidores, exceto a habilidade parajogar xadrez, que é exatamente o que o jogo quer medir.Portanto, o conceito esportivo de estratégia não deixa deser uma boa metáfora para entender as estratégiaspolíticas, que se caracterizam por referir-se a jogosdesiguais com regras matizadas de ambigüidade, e commemória e história cumulativas.

Na terceira acepção, admite-se que a grandeestratégia já foi explorada e tem uma resposta clara ouaproximada baseada na intuição, no senso comum ounum estudo formal. O caminho criador do futuro estáestabelecido, e agora a preocupação é como caminharum trecho nessa direção, porque o trajeto visível emdireção à escuridão do futuro é crivado de obstáculos

ANÁLISE ESTRATÉGICA

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entre os quais se incluem outros jogadores ou atoressociais, que perseguem objetivos diferentes dos meusou conflitantes com os meus. Aqui o problema assume ocaráter de um jogo com e contra outros. É um jogo comhistória. Ninguém pode evitá-lo. Os próprios jogadoresestabelecem as regras, acatam-nas, violam-nas e asalteram. Nesse jogo surgem oportunidades, ameaças eproblemas que desafiam os jogadores. Estratégiasignifica ter um plano de jogo para vencer essasdificuldades. A bússola indica o norte, e o caminho estátraçado. A pergunta “para alcançar o quê?” - específicada grande estratégia - agora transforma-se nas perguntas“como avançar nessa direção?” e “o quanto avançar?”, eelas desafiam os participantes do jogo social.

Nesse terceiro caso, a estratégia refere-se aproblemas quase-estruturados, ou seja, problemas quetêm as seguintes características:

a) não são enumeráveis todas as variáveis relevantese, portanto, não é finito o número de possibilidadesfuturas; só é possível enumerar algumas delas;

b) não é possível precisar todas as relações entre asvariáveis, já que muitas delas são imprecisas ounebulosas; e

c) a solução de um problema quase-estruturado ésituacional, já que uma boa solução para um jogadorpode ser má solução para os outros. É um problemaque escapa às possibilidades da formalizaçãomatemática.

A estratégia para a atuação governamental explorauma parte da grande estratégia, e coincide com ohorizonte de tempo do plano de governo. Contrasta coma estratégia esportiva porque lida com um jogo contínuosem começo nem fim, inter-relacionado com muitosoutros jogos e submetido, pelo menos em alguns casos,a regras de desigualdade.

A discussão sobre análise estratégica querealizamos neste capítulo aborda a estratégia do jogosocial, e inscreve-se nesta terceira acepção da palavraestratégia como cálculo interativo aplicado a problemasquase-estruturados. Refere-se ao momento estratégicona formulação de um plano de ação. Essa dimensão dapalavra estratégia tem enorme importância na práticadiária nos campos da política, da economia, das reformasorganizativas e na implementação de políticas sociais. Arealidade social mostra constantemente como osindivíduos e as organizações lutam para abrir o própriocaminho, perseguindo objetivos que, às vezes, sãocomplementares entre si e que, outras vezes, sãoconflitivos. Portanto, a análise estratégica acompanha oser humano, de algum modo, desde a infância, paraensiná-lo a chamar a atenção dos pais, na competiçãoescolar, no jogo esportivo, no trato com os companheiros,na relação madura com os pais e na conquista do primeironamorado ou da primeira namorada. É parte da vidahumana, ainda que não se tenha consciência dela e aescola a ignore como disciplina. Antes de sair da infânciahomens e mulheres já praticaram estratégias muitovariadas. Algumas dessas estratégias lidaram com a

sobrevivência em um ambiente hostil e, muitas vezes,contra um agressor. Essa tensão, agressiva ou defensiva,estabeleceu, como coisa muito natural, a relação estreitaentre o conflito, a cooperação, a tática e a estratégia.

Em Clausewitz a distinção é precisa e econômicaem palavras:

“... a tática ensina a usar as forças armadas nasbatalhas, e a estratégia é a utilização das batalhas paraalcançar o objetivo da guerra “.

Se ampliarmos a definição de combate ou batalhaincluindo nesta distinção qualquer jogada de cooperaçãoe de medição de forças, a definição acima será um pontode partida para abordar a estratégia e a tática em relaçãoao jogo social conflitivo ou cooperativo. Mudando apenasalgumas palavras, podemos sintetizar como segue essaconceituação:

Tática: é o uso dos recursos escassos naprodução da mudança situacional imediata.

Estratégia: é o uso da mudança situacionalimediata para alcançar a situação-objetivo de um planode governo.

No vocabulário que adotamos para a gestãoestratégica, a tática e a estratégia são aplicáveis aqualquer campo social e a qualquer tipo de postura, sejade cooperação, oposição ou de conflito violento. Arealização de um plano de governo exige a produção deuma seqüência de ações com impacto direto sobre osobjetivos, as quais, mescladas com ações táticas, quefacilitam as primeiras, combinam seu efeito paratransformar a proposta normativa do plano em realidadeviável. Tal realização demanda: (a) o uso da vontade sea viabilidade técnica e política já estiver dada; ou (b) acriação da vontade e da viabilidade no horizonte de tempodo plano, nos casos em que elas não existirem.

A vontade política que move um plano manifesta-se no desenvolvimento de uma estratégia para construirsua viabilidade e, justamente, essa vontade exige que odeve ser predomine sobre o pode ser.

A relação desigual deve ser - pode ser encarnadana vontade do dirigente, expressa no esforço extremopara superar as restrições. Desse modo, o deve sersubstitui o pode ser e finalmente o é, só depois deesgotarem-se todos os esforços para dar viabilidade aum plano ou ação de governo. Esforços que se podemrevelar infrutíferos no limite em que as restriçõesconstituam uma barreira intransponível em últimainstância. Há situações impossíveis que nenhumaestratégia é capaz de superar, mas antes de chegar aesse limite é necessário pôr à prova a resistência dessabarreira com o máximo de vontade. A partir daí, a vontadetransforma-se em voluntarismo que nega o impossível.

Em toda estratégia existe o outro. Um outro quenão é inferior, nem por hipótese nem na realidade. Esseoutro é capaz de jogar igual ou melhor do que eu, e porisso devo considerar a possibilidade de que sua estratégiame derrote. O outro representa um obstáculo ou uma

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facilidade, mas, em qualquer dessas duas possibilidades,é um jogador criativo, difícil de submeter-se ou adaptar-se aos meus interesses. Assim, a estratégia é um modode encadear a mudança situacional e de aproximar-meda situação-objetivo, superando os obstáculos ativos ecriativos que o outro opõe, em sua luta para obter êxito,lembrando que seu êxito pode ser a minha derrota, anão ser que surjam espaços de cooperação sobreobjetivos comuns. Se a estratégia é conflitiva, a cadeiade situações deve ser crescentemente favorável a mime desfavorável ao outro, em circunstâncias nas quais ooutro tenta fazer o mesmo que eu. Em contrapartida, sea estratégia for de cooperação, todos ganham com amudança situacional e cada um alcançará algo de suasituação-objetivo. Nesse caso, o seu êxito ajuda o meuêxito, e o meu êxito alimenta o seu.

Estabelecido que a ação estratégica sempreestabelece uma relação com o outro, surgem osproblemas psicológicos, éticos e afetivos, numerosos ecomplexos, que nunca são tratados nas tentativas dosmodelos matemáticos para formalizar esse tipo deanálise. De fato, nenhum cálculo econômico nem deestratégia política tem sentido sem atender a certosprincípios básicos de ética, sem admitir que certas açõessão proibidas por algum tipo de regras. Imagine-se oefeito que teria sobre a teoria do trabalho, da distribuiçãoda renda e da alocação de recursos, se fosse aceita comonormal a transgressão de algumas normas básicas deética, como não roubar e não matar. Como funcionaria omercado? Como seria a credibilidade nos negócios e napolítica? É preciso ter extremo cuidado quanto a esteaspecto, pois existe uma tendência teórica, favorecidapela barbárie tecnocrática, de isolar completamente aética, de um lado, e a economia e a política, de outro.

No jogo social conflitivo, a estratégia indireta é tãovelha quanto o homem, e equivale a minar as bases desustentação do adversário em vez de agredi-lofrontalmente, na plenitude de suas forças. O conflito,como duelo entre cavalheiros, é um caso excepcional esimples de confronto que se assemelha mais ao esporte.No entanto, diferente da guerra, a estratégia indireta nãoé a melhor possibilidade política. Na competiçãodemocrática podemos estabelecer um princípio distinto:o ideal de uma estratégia é a cooperação para alcançara situação-objetivo, transformando um jogo de soma zeroem outro de soma positiva. Se isto não for possível, aindarestará a estratégia de oposição que se decide namedição política e direta de forças. O valor do objetivoperdido ou postergado na cooperação entranecessariamente no cálculo entre as duas opções.

A ação estratégica exige uma combinação deengenho e de capacidades operativas. Mas, como eladepende muito das organizações, no caso de tratar-sede uma entidade pequena, exige-se do dirigente maistalento que capacidade organizativa, e suficientepensamento estratégico. Em contrapartida, no caso detratar-se de uma grande organização, a estratégiadependerá muito da capacidade organizativa, além dotalento para a direção; neste caso, requerem-se métodosestratégicos.

Uma ação estratégica é uma aposta que se realizaatravés de ofertas, disputas, simulações, acordos,

ameaças, golpes, pausas e respostas entre os atoresdivididos em posições contrárias. Usualmente o que estáem jogo são as ações de governo, um projeto ou umaoperação, outras vezes um conjunto de operações, umprograma, em casos menos comuns, joga-se em tornode um plano político, econômico, de relaçõesinternacionais, ou relativo a qualquer aspecto darealidade, onde um dirigente atua em busca de umobjetivo. Sabe que para alcançá-lo não tem outro recursosenão lutar, produzir jogadas, realizar operações, eviabilizar ações de forma estratégica. Porém, quanto maiseficaz é sua jogada, se tem objetivos conflitivos comoutros, maior será a motivação dos adversários paradesviar ou anular seus resultados com movimentos quea contrabalancem. Todas as partes jogam. Portanto, cadajogador está sujeito ao imperativo de resolver umproblema complexo que tem pelo menos três aspectos:

i) ter capacidade para produzir a jogada, apesar daação contrária ou perturbadora dos outros atores;

ii) conseguir que cada ação tenha os resultadosprevistos para alcançar um objetivo parcial, e por essavia, através de uma cadeia de ações, alcançar oobjetivo perseguido; e

iii) tentar prever com suficiente antecipação aspossíveis jogadas dos outros a fim de aproveitar comeficácia as oportunidades que o jogo abre e fecha,ou se posicionar frente às ameaças percebidas.

Nos três aspectos mencionados, a eficácia de umaação não depende inteiramente do ator que planeja, poisé influenciada pelas condições anteriores que abriramou fecharam as jogadas dos outros e pelas reações queeles produzem, simultaneamente ou como conseqüênciada referida ação. O mesmo acontece com os demaisatores em relação aos seus próprios planos.

Às vezes, essas ações são jogadas isoladas,parciais e com curto alcance. Outras vezes, constituemum conjunto coerente capaz de configurar um plano. Paraos resultados da teoria da análise estratégica, isto nãofaz a menor diferença, pois em ambos os casos a unidadede análise é cada ação.

O jogo político desenvolve-se em um ambiente demuita nebulosidade e incerteza sobre o futuro, de modoque o cálculo que precede e preside cada jogada, decada participante, é extremamente complexo e gira emtorno destas quatro perguntas:

1) Com que atores devo interagir para construir aviabilidade dos meus objetivos?

2) Qual o espaço de estilos políticos e depossibilidades estratégicas que ofereço e qual me éoferecido: cooperação, oposição ou confrontoviolento?

3) Que meios posso utilizar para influenciar asmotivações e capacidades dos outros: autoridade,persuasão, negociação, medição de forças, etc?

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4) Como devo ordenar no tempo a seqüência dasminhas jogadas?

Os procedimentos apresentados na seção 13.4 àfrente procuram, cada um à sua maneira, auxiliar odirigente público a responder a estas perguntas quandoformulando um plano, projeto ou ação de governo.

13.3. Alguns princípios estratégicos fundamentais

Destacados os elementos conceituais básicos paraa análise estratégica, cabe apresentar alguns princípiosoperacionais para a definição de linhas de ação políticae para a formulação de ações estratégicas. Sãodenominados princípios porque em estratégia nãoexistem receitas absolutas, mas orientações positivas(como agir) e negativas (equívocos a evitar), que devemser valorizadas criteriosamente.

13.3.1. Princípios positivos

a) Concentração e continuidade estratégicaEste princípio tem seu foco em buscar concentração

no que é importante; de concluir o que foi começado e denão abandonar o objetivo exceto quando ele por algummotivo bem avaliado deixar de vigorar. Deve-se manter adirecionalidade ainda que seja necessário garantiradaptação às circunstâncias. Como sempre haverá váriastrajetórias para alcançar um mesmo resultado, seráfreqüente o perigo de confundir um rodeio tático com umdesvio estratégico, o que pode levar à perda de objetivo eao abandono do plano traçado, acarretando uma mudançaindesejável. É preciso garantir que todas as linhas de açãoconduzam realmente ao objetivo escolhido, ainda querequeiram amplos movimentos de rodeio. Há uma enormediferença entre os conceitos de rodeio e de desvio: o primeiroé um recurso para alcançar o objetivo, que aumenta aprobabilidade de alcançá-lo, evitando maior investimentode esforço e tempo. O segundo refere-se a um caminhocujo fim é desconhecido e que tende a ser significativamentediverso da situação-objetivo inicialmente formulada.

Cada linha de ação apresenta uma probabilidadeparticular de êxito e representa também um riscoespecífico. Há trajetórias de alta probabilidade, mas muitomais arriscadas caso haja falha em algum elo da cadeiade ação. Em contrapartida, outras trajetórias podem termais baixa probabilidade de êxito, mas oferecem maiorpossibilidade de retomar-se a direção do objetivo, casofalhe alguma etapa. Às vezes, as estratégias devemapresentar prazos diferentes para maturação e momentosespecíficos para semeadura e colheita. A perseverançaestratégica exige que se aguarde a colheita semdescuidar da semeadura.

b) Toda ação estratégica exige economia de recursosA ação estratégica pressupõe uma forma imaginativa

de formular objetivos e uma maneira de solucionar asdificuldades que as circunstâncias e os outros atores sociaisapresentam para alcançá-los. Implica um cálculo não-bem-

estruturado e uma coordenação entre meios e fins, ou entreos recursos a utilizar e os resultados esperados com a ação.Os recursos devem ser proporcionais ao valor dos objetivos,e os objetivos devem ser proporcionais à magnitude equalidade dos recursos. O que é válido tanto para acooperação quanto para o conflito. Agredir para roubar umreal implica não só uma violação da ética, mas um recursodesproporcional ao valor do objetivo. O mesmo acontecese, em uma negociação, não se oferece a um aliado quasenada em termos de benefícios mútuos e significativos. Gritarcom um dirigente para conseguir um emprego públicoestabelece a desproporção inversa: um meioexcessivamente frágil para um objetivo difícil. Um excessoou uma deficiência nos dois lados da equação torna aestratégia eficaz ou ineficaz.

Em síntese, deve-se escolher, dentre as estratégiasconsistentes com o objetivo, a que implique menor esforço.Não superutilizar o poder; não “colecionar” adversáriosdesnecessariamente; fazer uso racional dos recursosfinanceiros, proteger todos os recursos escassos; preferira cooperação sempre que ela puder compensar, maisadiante, a perda de objetivos imediatos.

c) Rodeio tático e exploração da fraqueza do outroPensar com a cabeça e arremeter com o coração:

evitar a síndrome do touro, que faz exatamente o contrário.Não há linha reta entre a situação inicial e a situação-objetivo.O estrategista não deve rejeitar rodeios que sejam táticospor razões doutrinárias. Este tipo de rodeio será eficaz, emcomparação com a probabilidade da trajetória mais diretase, em prazo mais longo, o objetivo provisoriamentepostergado puder ser retomado com maior probabilidadede êxito. Não se deve confundir o critério tático com anegação definitiva do objetivo. O rodeio tático exige, muitasvezes, que se explore, oportunamente, a fraqueza do outro.

No caso da cooperação, a fraqueza do outro podereferir-se à dificuldade para perceber possibilidades debenefício mútuo, e é sobre este ponto que o estrategistadeve agir. Em caso de oposição, o que deve ser exploradoé o vetor de força e o código de personalidade do adversário,para estudar suas maiores fraquezas e interesses, e asações e os espaços nos quais sua força é mais eficaz. Sómediante o estudo do outro é que se descobrirão aspossibilidades de enfrentar o adversário em uma situaçãode desigualdade de forças particularmente desfavorável,mesmo que a situação geral lhe seja favorável. De qualquermodo, se minha própria força for sólida e superior, aaplicação desse princípio economizará recursos.

d) Escolher a trajetória de menor expectativaSituar-se na perspectiva do adversário, pensar como

ele, compreendendo seu modo de avaliar a situação; ver-se com os olhos do adversário, para descobrir a trajetóriade menor expectativa a partir da perspectiva situacional dele;analisar-se a si próprio utilizando o vocabulário do outro.Algo que parece ser o que menos se espera a partir deuma perspectiva situacional, pode ser o óbvio, do ponto devista do adversário. Esse critério pode ser aplicado tanto àcooperação quanto ao conflito. Só somos capazes desurpreender um adversário se o conhecemos. Ao fazermoso inesperado, multiplicamos nossa força e dividimos a forçado outro.

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e) Valorização multi-temporal e multi-dimensional deconseqüências

Mesmo que se disponha de muitos recursos, deve-se avaliar as conseqüências de uma estratégia em diversoshorizontes de tempo e nos diferentes campos do sistemasocial. Explorar as conseqüências políticas de uma decisãoeconômica e as conseqüências econômicas de uma decisãopolítica. Nunca se joga em uma só frente e em uma sódimensão. Por exemplo, o Presidente Bush, do PartidoRepublicano, enquanto concentrava sua atenção no conflitoe nas possibilidades da guerra contra o Iraque, abria umespaço interno para a luta política interpartidária. Asdeclarações do senador republicano Bob Dole apontavamnessa direção - embora com exagero e visando a obtervantagens políticas -, quando, ao assumir que a guerra erainiciativa republicana, declarou:

“A estratégia republicana consiste em desalojarHussein do Kuwait. Receio que a estratégia de algunsdemocratas seja a de tirar Bush da Casa Branca”.

f) Encadeamento das estratégiasOnde termina uma estratégia e começa outra?

Pensar na situação resultante de uma ação como se elafosse a situação inicial da ação seguinte. O plano deveprever e prover o movimento seguinte, tanto no caso deêxito quanto no de fracasso; e, sobretudo, no caso de êxitoou fracasso parciais, muito comuns em política. O planodeve evitar os becos sem saída e afastar a incerteza. Asdeclarações do Almirante Gene Larocque, do Centro deInformação sobre a Defesa, de Washington, expressambem a idéia do encadeamento de estratégias, quandoprognostica com excessiva segurança, no início do conflitoIraque-Kuwait, as conseqüências da guerra que rejeita equer evitar. Disse Larocque, em um prognóstico que serevelou equivocado:

“Supondo-se que derrotemos os iraquianos,poderemos aumentar em 100 bilhões nossa dívida nacional:o preço do petróleo subirá às nuvens, os preços das açõesterão queda vertical, perderemos mercados para os alemãese japoneses, nosso nível de vida deteriorar-se-á, aumentaráa instabilidade no Oriente Médio. (...) Não haverá glória,vantagem ou gratidão se fizermos uma guerra no GolfoPérsico”.

A partir da nova situação prevista, o governo dosEstados Unidos deveria dar continuidade ao processo, comnovas estratégias para lidar com outros problemas. Adeclaração de Larocque é um bom exemplo das dificuldadesapresentadas pelas relações de causalidade social, quandose trata de fazer prognósticos absolutos. O desenvolvimentoulterior da 1a Guerra do Golfo demonstrou que muitas dessaspredições eram equivocadas. O caso mais recente parecerepresentar melhor a predição.

13.3.2. Princípios negativos

São princípios orientados pelo que não deve ser feito,ou o que deve ser evitado, e podem ser assim sintetizados:

a) Evitar o pior.É o princípio básico, aliado de qualquer princípio

positivo. Nenhuma estratégia deve admitir, como resultadopossível e provável, que a situação final seja pior que a

situação inicial. Evitar o pior tem a máxima prioridadeem relação a qualquer princípio positivo. Proteger-secontra a possibilidade de que a situação final seja pior quea situação inicial é o principal objetivo de um dirigente público.

O pior é perder a liberdade de ação e, no limite, serobrigado a tomar a decisão trágica de escolher entre doismales. A guerra Iraque-Kuwait-Estados Unidos, mais umavez, contribui com um exemplo interessante. Qual é asituação do Iraque, no pós-guerra? Pior ou melhor queantes? Parece evidente que é pior.

b) Não enfrentar o adversário quando ele estiverpreparado.

Deve-se buscar envolver o adversário em um climade confiança, sinceridade e propósitos transparentes debenefício mútuo. Se, de início, isso não for possível,desgastar a força do adversário, distraí-lo ou tentarsurpreendê-lo. A ética política tem muito valor e é necessária,mas não é a ética dos jogos esportivos. Deve-se procurarsempre deixar o adversário em inferioridade de condições.Em relação a esse objetivo, pode-se seguir três caminhos:desmotivar o adversário, incapacitá-lo ou distraí-lo.Desmotivar pertence ao campo das estratégias psicológicasde persuasão, desmoralização, desânimo e desinteresse.Incapacitar inscreve-se nas estratégias de duelo, controlede recursos, habilidade, desorganização e superioridadetécnico-científica. Distrair é tema das táticas de surpresa econfusão.

c) Não iniciar uma ação se não estiver preparado.É impossível negociar e persuadir o outro, ou obter

uma vitória eficaz contra um adversário, nos casos em quenão se criou a situação oportuna para isso; o êxito éconstruído mediante uma seqüência de passos preliminares,de preparação de terreno, de análise sistemática denecessidades e conseqüências.

d) Não repetir uma estratégia fracassada.O reforço de uma mesma estratégia é, em geral,

insuficiente para aumentar-lhe a eficácia. Não repetir, deimediato, uma ação fracassada, a menos que a situaçãomude dramaticamente a seu favor, o que usualmente éimprovável. A única exceção a este princípio é o erroprovocado pelo sub-dimensionamento das operações queintegram a cadeia de ações. Mesmo neste caso, a repetiçãoencontrará o adversário com a atenção já dirigida para essalinha de confronto e, portanto, por ocasião da repetição, oadversário estará mais bem preparado que na ação original.

e) Não confundir reduzir a incerteza com preferir acerteza.

A esse respeito, nota Clausewitz, com agudeza:

“Podemos pedir que (a incerteza) seja a menorpossível, mas só em relação a um caso específico, istoé, tão reduzida quanto possível neste caso específico,mas não podemos exigir que se dê sempre preferênciaaos casos nos quais a incerteza seja menor. Seria umgrande erro. Há casos em que a maior ousadia significaa maior sabedoria”.

Este princípio negativo procura evitar gravesconfusões. A certeza não é critério para a seleção dentrealternativas: é critério para melhorar uma alternativa,supondo-se constantes todas as demais variáveis. A

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certeza de um objetivo de menor valor não é superior,como critério, à constatação de que há um certo risco emum objetivo de alto valor.

f) Evitar a dispersão com pormenoresNão propor ou buscar objetivos de pouco valor que

levem a algum grau de distração sobre querelas semimportância. O bom estrategista visa cada vez mais alto, eequipara-se a atores cada vez mais fortes, ou disputa comeles. Pequenos problemas constituem uma distração daestratégia principal.

g) Considerar sempre a situação em que se estará apósa ação.

Deve-se buscar uma redução sobre a capacidadede retaliação do adversário ou sobre efeitos negativos deuma ação não exitosa. Deixar um adversário incapacitadopara o revide nem sempre é possível na política. Portanto,é necessário prever, junto ao adversário vencido, espaçosnovos e dignos de cooperação, motivando-o a desvalorizaro revide. Com a vitória, podemos reforçar a inimizade, ouganhar um amigo. O confronto político deve ser conduzidocom vistas às vantagens posteriores à vitória ou à reduçãode danos após a derrota. Não se deve esquecer que umêxito é relativo ao momento, não define as situações futurase apenas cria condições melhores ou piores para as açõesseguintes. A situação-objetivo de uma ação ou projeto éapenas a situação inicial de uma sucessão de eventos; aação de governo não tem fim.

13.4. Análise de atores

Como destacado anteriormente, a análise estratégicaimplica em estudar as motivações e jogadas de outrosatores. Essa seção sintetiza quatro grupos de variáveis queformam uma base para o estudo do outro. Ela indica o quepode ser chamado de código operacional de um ator social.

a) Padrão psicológico: são consideradas suaspredisposições, estabilidade emocional, sua visão demundo, ego, estilo de aproximação às situações,relações com os outros, valorização dos estímulos, etc.;

b) Análise de suas intenções: devem ser abordadossua ideologia, projetos utópicos, seus hábitos cotidianos,seus planos concretos, sua valorização dos problemase das oportunidades, suas tendências e reações emdiversas situações, seus valores mais profundos, suaimaginação para conceber situações distintas, etc, emsíntese seu vetor de motivações;

c) Estudo de suas capacidades: deve-senecessariamente explorar sua inteligência, suacriatividade e audácia, sua formação teórica emdiferentes domínios da realidade, sua capacidadeestratégica e tática, seu peso político, intelectual,econômico e religioso, seu carisma, suas capacidadesorganizativas, seus estilos de trabalho e condução, seuambiente de apoio imediato (equipes, apoio externo,etc.), suas relações com as organizações de base, suasdestrezas práticas adquiridas, seu controle das variáveisdecisivas, etc, em síntese, o vetor de recursos do atoranalisado;

d) Estudo de suas necessidades: aparecerão seusvícios, virtudes e vulnerabilidades, as urgênciasreveladas, seu julgamento acerca da necessidade epossibilidade de seus planos, etc. Aqui é importanterelacionar aquilo que supostamente o ator estudadopede ao mundo, com o que ele crê que o mundo lhepede no seu papel de líder, em síntese, seu vetor denecessidades.

13.5. Protocolos aplicados para análiseestratégica

Tomadas em seu conjunto, as seções precedentesconfiguram um arcabouço conceitual suficiente para umautilização adequada dos protocolos aplicados como suporteao processamento de situações e formulação de açõesestratégicas, como veremos a seguir.

13.5.1. Protocolo 1 - análise de atores

Como apresentado no capítulo sobre Metodologiade Diagnóstico de Situação, consideramos Ator Social umapessoa, grupo ou organização que possui capacidade deproduzir ações, possui um projeto, controla recurso relevanteem uma dada situação e possui, pode acumular (oudesacumular) forças como resultado de suas ações.Portanto, todo ator social é capaz de fazer pressão paraalcançar seus objetivos, gerando e mudando estratégiaspara converter-se num centro criativo de acumulação depoder.

É cotidiano o esforço realizado por qualquer equipede direção de uma prefeitura ou ministério para fazer avançarseus projetos e ações de governo. Enviar um projeto de leipara uma câmara de vereadores ou aprovar uma propostade mudança para o trânsito na região central de uma cidade,com apoio dos movimentos sociais e associações demoradores, nem sempre é uma tarefa das mais fáceis.

O painel de análise e formulação de açõesconstrutoras de viabilidade política para um plano ou projeto,apresentado a seguir, é de uso muito prático e pode contribuirpara uma maior possibilidade de êxito para a ação degoverno em cada situação particular. Como será observadono exemplo apresentado a seguir, este protocolo buscaresposta para um conjunto de perguntas básicas. Para umdeterminado ator que planeja, e uma ação de governoespecífica, responder:

a) Quais são os Atores mais relevantes para o assuntoem questão? [Listar até 5]b) Que recursos controlam? [Se um ator é consideradoimportante para a resolução / implementação de umprojeto de governo é porque controla algum recursocrítico.]c) Quais são suas limitações?d) Como pode apoiar nosso Plano / proposta / projeto?e) Como pode prejudicar?f) O quê fazer em relação a este ator? Como obterseu apoio?

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Exemplo de utilização do protocolo 2 - Planejamento de ações em um Projeto Estratégico

a) O estratagema de Tróia

Ator: Agamenon - líder dos Aqueus (Gregos)

Objetivos:1- acabar com o cerco à cidade de Tróia que já dura10 anos2- derrotar os troianos

Projeto: Cavalo de Tróiaação 1- construir um cavalo de madeira com capacidade para que Ulisses e mais 30 soldados se escondam emseu interior;a2- deixar o cavalo cheio de soldados e pintado com o símbolo da Deusa Atena (preferida dos troianos) emfrente ao portão da cidade;a3- simular desistência do cerco a Tróia e volta para casa;[a4- os Troianos acreditam na desistência dos Gregos; comemoram a vitória; carregam o presente para dentroda cidade];a5- o espião que Ulisses tem dentro da cidade dá o sinal p/ os soldados saírem do cavalo;a6- os soldados saem do cavalo dentro da cidade, dominam os guardas e abrem os portões;a7- o exército aqueu invade e conquista a cidade.

Ações: a1 → a2 → a3 → a4→ a5 → a6 → a7(simples / linear)

R 1 +R 2

b) Análise idealizada sobre a lenda de Tróia:

Antecedentes:Dado que:O Sítio a Tróia já dura 10 anos eestão todos cansados. OsTroianos estariam propensos a sedeixar enganar com uma falsaretirada. Sua curiosidade ecrenças os farão aceitar um troféudado pelos gregos.

Plano:Aposto que:A1- Podemos construir um cavalo onde caibam 30soldados;A2- Deixá-lo como um troféu aos troianos;A3- Simular uma retiradaA4- Os Troianos levarão o troféu para dentro dosmuros;A5- À noite, o espião que está dentro da cidade abrea porta na barriga do cavalo;A6- Os soldados sairão do cavalo, dominarão aguarda e abrirão os portões da cidade;A7- Invasão da cidade e encerramento da guerra.

Possíveis Refutações(circunstâncias de invalidação)A menos que:- algum espião descubra o estratagema;- os troianos não sejam curiosos, ignorem o cavalo, não o levempara dentro ou o examinem com cuidado;- queimem o cavalo ou o joguem ao mar;- formem uma comissão p/ decidir o que fazer;- o cavalo seja maior do que o portão;- não seja bem construído deixando à vista a porta de saída p/ ossoldados;- 30 soldados não sejam suficientes;- um soldado entre em pânico dentro do cavalo por claustrofobiae faça barulho;- o espião de Ulisses dentro da cidade o traia;- chova naquela noite, o cavalo inche e acabe a ventilação matandoos soldados.

Garantias - (fundamentação)Porquê:- Ulisses é um estrategista perspicaz,intuitivo e experimentado em muitasbatalhas;- Existem 30 soldados fortes ecorajosos que aceitarão entrar nocavalo;- Existem carpinteiros habilidosos parafazer um cavalo como este;- Os troianos são conhecidos por suacuriosidade e crença na deusa Atena.- A surpresa e o engodo são recursosestratégicos muito usados e testadosem disputas.

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c) Análise de argumentos e suposições

Ação 1- construir um cavalo de madeira c/ capacidadep/ 30 soldados;

Suposições: os gregos podem construir um cavalocom as características e a qualidade necessárias, atempo e sem que nenhum espião troiano descubra;

Avaliação: Aceitável

Ação 2- deixar o cavalo em frente aos portões cheiode soldados;

Suposições: os troianos acreditam que o cavalo éum presente ou reconhecimento por sua resistênciade 10 anos

Avaliação: Forte

Ação 3- simular desistência do cerco e volta paracasa;

Suposições: os troianos são enganados com a falsaretirada e se comportam de forma negligente ou comingenuidade militar

Avaliação: Frágil

Ação 4- os Troianos carregam o presente para dentroda cidade;

Suposições: os troianos são pouco curiosos einteligentes, não suspeitam do engodo, tomam adecisão de levar o cavalo para dentro no mesmo dia,o cavalo passa pelo portão, os soldados não façambarulho dentro do cavalo;

Avaliação:Muito Frágil

Ação 5- o espião que Ulisses dá o sinal p/ os soldadossaírem;

Suposições: o espião de Ulisses não seja descobertoou seja um traidor

Avaliação: Forte

Ação 6- os soldados saem do cavalo dentro da cidadee abrem os portões;

Suposições: o cavalo não esteja fortemente guardado,os soldados não sejam vistos ao sair do cavalo, 30soldados sejam suficientes para dominar a situação nacidade e abrir os portões para o exército grego;

Avaliação: Aceitável

Ação 7- o exército aqueu invade e conquista a cidade.

Suposições: seja obtida surpresa, os troianos nãoconsigam dar um alarme antes da invasão e não hajacontra-surpresas;

Avaliação: Aceitável

13.5.3. Protocolo 3 - cenários aplicadosA formulação de resultados esperados com um

projeto de governo, e a definição das ações a realizarpara atingí-los tendo em vista os cenários, faz parte domomento 2 do planejamento, o momento normativo,conforme adotado neste trabalho. Optou-se, no entanto,por inserir um resumo e exemplos sobre construção decenários aplicados no capítulo de análise estratégica porconsiderar-se pertinente a preocupação deste protocolocom a formulação de ações, a exemplo do que foitrabalhado sobre a lenda de tróia.

O trabalho com cenários, sumariado a seguir,busca fornecer ao dirigente público uma ferramentaprática de fácil uso para aprimorar a formulação de açõesde governo. A preocupação com cenários toma por basea situação objetiva de que o ator que planeja podeescolher os problemas de planejamento, sua equipe decoordenação e a estratégia de ação que considerar amais adequada para atingir os resultados que almeja.Mas o ator que planeja não pode definir ou controlar ascircunstâncias em que se dará sua ação de governo nemas ações dos outros jogadores. Sempre haverá umconjunto importante de variáveis fora do controle do atorque planeja, mas que são condicionantes daimplementação de ações e dos resultados alcançados.No limite, para cada combinação de variáveis identificadaseria necessário definir um plano de ação específico.

Para a construção de um plano de ação com baseem cenários aplicados, é necessário responder a umconjunto de tarefas objetivas:

a) Para um projeto ou ação de governo bemdelimitada, quais são as principais variáveis que estãofora de controle do ator? [listar de 5 a 8]

b) Formular combinação de variáveis para pelo menostrês cenários aplicados: 1- COMBINAÇÃO DE TETO:(melhores circunstâncias possíveis); 2-COMBINAÇÃO DE CENTRO: (a mais provável); 3-COMBINAÇÃO DE PISO: (piores circunstânciaspossíveis).

c) Revisar as ações previstas no projeto inicial e osresultados esperados, tomando por base a situaçãoobjetiva identificada em cada uma das combinaçõesde variáveis formulada.

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Exemplo 1 idealizado:

Ator: Diretor da Polícia Federal

Problema: Crescimento da tensão social no Brasilno 1º trimestre de 2004 (ocupação de terras pelo MST)

Resultados definidos: R1: até 2 fazendas ocupadaspelo MST no 2º semestre de 2004; R2: até 400 famíliasenvolvidas; R3: máximo de 6 mortos e 50 feridos nomesmo período.

Ações:To T1 T2 T3 T4 (31/12/04)A1 → A2 → A6 —————--→ A7 —------------------> A8 A2 --—> A5 ——————---—————------> A8A1 —————> A3 —————> A4 A3 —————> A7 ——-------------> A8

Prestação de contas da Política Federal em 01/01/2005:

⇒ 1 fazenda ocupada; 80 famílias; 2 feridos;nenhum óbito.

a) Como você avaliaria estes resultados apresentadoscomo prestação de contas?

b) Como você avaliaria estes resultados do plano sefosse informado também de que no 2º sem. de 2004houve eleições gerais no país, que MST e INCRAacordaram trégua de 5 meses e que neste período oGoverno Federal assentou mais famílias que nos doisanos anteriores somados?

c) Que variáveis fora de controle do ator que planejaforam determinantes para a situação finalencontrada?

d) Que cenários aplicados poderiam ter sido previstosquando da formulação do plano de ação?

e) Em um cenário marcado por enfrentamentos emanutenção da tensão inicial, que Resultadospoderiam ser estimados?

Exemplo 2 idealizado: Um problema de escassezde água na região de Campinas

a) Levantamento de Variáveis

ü Posição do Governador do Estadoü Posição do Comitê de Bacias da RMCü Atitude da ASSOC. DE DEFESA DA ÁGUA DECAMPINASü Volume de arrecadação de impostos e tributosmunicipaisü Volume de exportações por Viracoposü Taxa de câmbioü Atitude da Diretoria da SANASA e PMC

b) Estruturação de Variáveis Combinadas

COMBINAÇÃO DE TETO: (melhores circunstânciaspossíveis)O Governador apóia a resolução do problema,buscando recursos e novas fontes de financiamentoe autorizando a retomada da construção da represade Itatiba e a ampliação da represa de Água Limpa;volume de exportações e preços internacionais dalaranja e dos automóveis cresce, ainda quetimidamente, ampliando arrecadação de ICMS emaiores recursos estaduais para enfrentar oproblema; ADACAMP reage apoiando a Prefeitura epressionando o Governador e o Comitê de Bacias nabusca de soluções para o problema; SANASA atuaativamente para resolver o problema.

COMBINAÇÃO DE CENTRO: (provável)O Governador apóia a resolução do problema, masapenas se forem encontradas fontes externas definanciamento para as obras em Itatiba e Água Limpa;Exportações crescem mas arrecadação estadual nãocresce na mesma proporção; Ocorre pequenocrescimento da atividade econômica no Estado;ADACAMP reage apoiando Prefeitura e pressionandoo Governador na busca de soluções para o problema;SANASA atua ativamente para resolver o problema.

COMBINAÇÃO DE PISO: (piores circunstânciaspossíveis)O Governador fica insensível ao problema emCampinas; Exportações não crescem e arrecadaçãoestadual se reduz ligeiramente pela redução deatividade econômica no Estado; ADACAMP reagedificultando a atuação da Prefeitura; Comitê de Baciasda RMC e SANASA atuam timidamente paraenfrentar o problema.

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d) Síntese de Cenários Aplicados

c) Precisão do Recursos, Produtos e Resultados por Operação Exercício para Cenário de Centro

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