Apostila 2 - 2013
-
Upload
marcus-vinicius-alves -
Category
Documents
-
view
110 -
download
5
Transcript of Apostila 2 - 2013
- 2 -
Coordenação Geral
Comissão Organizadora
André Bedendo de Souza
Marcus Vinicius Costa Alves
Professores Responsáveis
Profa. Dra. Isabel Marian Hartmann de Quadros
Prof. Dr. Jair Ribeiro Chagas
Coordenadores de Módulo
Módulo Introdutório – Marina Rezende e Guilherme Julian
Módulo de Modelos Experimentais – César Augusto de Oliveira Coelho
Módulo de Memória – Vanessa Manchim Favaro
Módulo de Neuropsicologia – Larissa Botelho Gaça
Módulo de Transtornos Psiquiátricos – Mayra Machado e Luiz Dieckmann
Módulo de Plantas e SNC – João Vitor Pildervasser
Módulo de Drogas de Abuso – Juçara Zaparoli
Módulo de Estresse – Mariella Bodemeier Loayza Careaga
Módulo de Cronobiologia – Bruno Jacson Martynhak
Módulo de Sono – Flávia de Mattos Egydio
Módulo de Exercício Físico – Valdir Aquino
Coordenador da Tutoria Científica
Gabriel Natan Pires
- 3 -
Patrocinadores
Apoio
- 4 -
Memória.............................................................................................................................5
Neuropsicologia...............................................................................................................34
Transtornos Psiquiátricos..................................................................................................59
Plantas e Sistema Nervoso Central...............................................................................101
- 5 -
1. INTRODUÇÃO
Memória é a capacidade de armazenar, reter e, subsequentemente, recuperar
informações. Tem como função situar e adaptar o indivíduo ao meio, modificando
comportamentos em função de novas aprendizagens e experiências anteriores.
A compreensão a cerca do funcionamento da memória teve grandes avanços nos últimos
50 anos, muito em função de estudos realizados com pacientes que sofreram perda de memória,
apresentando amnésias de várias etiologias. Além disso, os trabalhos envolvendo modelos animais
de memória também permitiram e permitem conhecimento a cerca do funcionamento
mnemônico, bem como das estruturas cerebrais e neurotransmissores envolvidos com a função.
Mais recentemente, estudos envolvendo técnica de neuroimagem têm também
contribuído amplamente para a compreensão do funcionamento da memória.
2. TIPOS DE MEMÓRIA
Estudos com pacientes amnésicos, modelos animais e investigações com sujeitos normais
sugerem que a memória não é uma entidade única, mas é composta por múltiplos sistemas
(Baddeley, 2004; Schacter et al, 2000; Squire, 2004; Tulving, 1985).
Uma das divisões refere-se à distinção entre as memórias de curto e longo prazo (Atkinson
e Shiffrin, 1971; Miller, 1956; Waugh e Norman 1965). A primeira corresponde a um sistema efêmero,
com capacidade para poucos itens e duração de poucos segundos, enquanto a segunda tem
capacidade e durabilidade incalculáveis.
Inicialmente foi proposto que a memória de curto prazo fosse um sistema de
armazenamento unitário (Atkinson e Shiffrin, 1971), contudo, Baddeley e Hitch (1974) propuseram a
inclusão desse construto em um sistema mais complexo de múltiplos componentes, responsável
tanto pelo armazenamento quanto pela manipulação transitória de informações. Este sistema foi
chamado de memória operacional (working memory).
A memória de longo prazo também pode ser fracionada em sistemas distintos. Considera-
se que ela envolve sistemas implícitos e explícitos (Graf e Schacter, 1985) que diferem com
- 6 -
relação ao envolvimento ou não da consciência durante sua evocação. A memória implícita é
acessada de forma não consciente através do desempenho comportamental. A memória
explícita, por sua vez, é consciente e seu conteúdo pode ser declarado verbalmente.
2.1 Memória de Curto Prazo
Nas décadas de 1950 e 60, diversos pesquisadores, influenciados pela teoria da
informação, demonstraram que temos uma capacidade limitada para o processamento imediato
de itens (Miller, 1956; Waugh e Norman 1965). Atkinson e Shiffrin (1971) e propuseram que o fluxo
da informação passa sucessivamente por três estágios interligados, memória sensorial, memória de
curto e memória de longo prazo, o que ficou conhecido como o modelo modal.
De acordo com o modelo modal, a informação é inicialmente processada por um sistema
extremamente transitório, que faz parte do sistema perceptual, chamado de memória sensorial.
Em seguida, passa para um depósito com capacidade limitada, a memória de curto prazo, a
qual se comunica com um depósito de capacidade ilimitada, a memória de longo prazo
(Atkinson e Shiffrin, 1971).
Esse modelo foi bastante influente, mas foi alvo de diversas críticas e em 1974 Baddeley e
Hitch propuseram um sistema mais complexo chamado de memória operacional (working
memory), que englobava não só o armazenamento de curto prazo, mas também os processos
atencionais envolvidos na manipulação do que foi armazenado.
2.2 Memória Operacional
O modelo multicomponente de memória operacional quando foi proposto compreendia
três componentes: um sistema de controle atencional, chamado de executivo central (central
executive); e dois sistemas de armazenamento de curto prazo específicos para modalidades
verbais e visuo-espaciais, referidos, respectivamente, como alça fonológica (phonological loop) e
esboço vísuo-espacial (visuospatial sketchpad; Baddeley, 2003a).
Tanto a alça fonológica quanto o esboço visuo-espacial são subordinados ao executivo
central, que constitui, portanto, o componente mais importante, porém menos entendido do
modelo (Baddeley, 1996; Repovs e Baddeley, 2006). O executivo central seria responsável pela
manipulação da informação e o controle atencional. Como forma de explicar seu
funcionamento, Baddeley (1996) adotou o modelo de Norman e Shallice (1986) segundo o qual o
- 7 -
controle da ação se dá através de um Sistema Atencional Supervisor, que tem a função de focar,
dividir e alternar a atenção.
A alça fonológica é o componente mais estudado do modelo e compreende dois
subcomponentes: um sistema de armazenamento temporário que guarda informações de
modalidade acústica ou fonológica; e a alça articulatória, responsável pela reverberação dessas
informações, que seria um processo análogo à repetição subvocal (Baddeley, 2003b). As
informações armazenadas no primeiro subcomponente decaem em poucos segundos, a não ser
que sejam rearticuladas pelo segundo.
O esboço visuo-espacial é encarregado de armazenar materiais visuais (o que) e espaciais
(onde). Há evidências de que esse componente seja composto por subsistemas distintos
especializados em cada tipo de informação, visual ou espacial, os quais se subdividem em
componentes de armazenamento e articulação (Klauer e Zhao, 2004).
Inicialmente o modelo tratava a memória operacional e a memória de longo prazo como
entidades distintas (Baddeley, 2000). Em função disso, não dava conta de diversos achados,
dentre eles o fato de que a quantidade de palavras recordadas imediatamente é muito maior
quando as mesmas estão integradas numa frase (sentence span= 16) que quando não têm
relação, como no caso da amplitude de dígitos (Potter, 1993). Da mesma forma, a recordação
imediata de histórias pode estar relativamente preservada em pacientes amnésicos, apesar do
prejuízo da recordação tardia (Baddeley e Wilson, 2002). Isso ocorre, possivelmente, porque
informações adicionais da memória de longo prazo são utilizadas para integrar as palavras em um
número menor de agrupamentos (chunks).
Para dar conta destas e outras evidências, Baddeley (2000) propôs, posteriormente, um
quarto componente para o modelo de memória operacional, o buffer episódico. O buffer
episódico é um subsistema de armazenamento, de capacidade limitada, que faz uso de uma
codificação multimodal, guardando informações integradas advindas dos outros subsistemas da
memória operacional e da memória de longo prazo.
Esse componente é o principal responsável pela relação da memória operacional com a
memória de longo prazo e sua capacidade é dada em termos de agrupamentos (Baddeley,
2007). Desta forma, o buffer episódico tem papel importante na ligação (binding) de informações
de diferentes fontes em agrupamentos únicos. Contudo, esse processo pode demandar atenção,
estando o mesmo submetido ao executivo central (Baddeley, 2007).
O buffer episódico é episódico no sentido de guardar as informações integradas dos
diversos sistemas, transformando-as em estruturas complexas coerentes, tais como cenas ou
episódios. E é um buffer, porque serve como um armazenador intermediário entre subsistemas
com códigos diferentes, lançando mão de uma representação multidimensional unitária (Repóvs
e Baddeley, 2006).
- 8 -
O modelo multicomponente de memória operacional (proposto por Baddeley e Hitch,
desenvolvido e revisto por Baddeley) foi e continua sendo um modelo bastante influente, contudo
não é o único modelo existente de memória operacional. Esse construto é tema central da
psicologia cognitiva e neuropsicologia há mais de 30 anos (exemplo: aproximadamente 3700
artigos contendo o termo “working memory” em seu título, palavras-chaves ou resumo, são
publicados anualmente (Baddeley, 2007)) e diversos outros grupos de estudiosos têm proposto
diferentes modelos e formas de compreender a memória operacional. A citar os grupos
americanos liderados por Nelson Cowan e Randall Engle (ver: Akira Miyake and Priti Shah , 1999 e
Cowan, 2005).
Em suma, independente do modelo utilizado para compreender os processos e
componentes, a memória operacional refere-se a um sistema de capacidade limitada que
armazena e manipula informações temporariamente e, desta forma, dá sustentação às
atividades diárias (Baddeley, 2003a).
2.2.1 Correlatos Neuroanatômicos da Memória Operacional
Dada a existência de diferentes modelos para um mesmo construto e o fato desses
modelos cognitivos em geral derivarem de estudos comportamentais, identificar os correlatos
neuroanatômicos da memória operacional é uma tarefa árdua.
Isto não significa que não haja diversos estudos com pacientes com lesão cerebral e/ou
estudos de neuroimagem em indivíduos saudáveis que investigam a memória operacional. O que
ocorre é que muito comumente se está investigando uma tarefa cognitiva que envolva
armazenamento temporário e/ou manipulação de informações como representante do
construto. Existem, porém, diversas tarefas distintas que avaliam esses processos, as quais
obviamente ativam áreas cerebrais diferentes. As áreas cerebrais mais comumente associadas à
memória operacional são: córtices frontal, parietal e cingulado anterior e partes dos gânglios da
base.
Se tomarmos como referência o modelo multicomponente de memória operacional,
diferentes áreas cerebrais foram associadas aos diferentes componentes. A alça fonológica está
comumente associada ao hemisfério esquerdo por suas características de linguagem; estudos
com lesão identificaram o envolvimento da região temporoparietal esquerda (Vallar e Papagno,
2002), sendo que o subcomponente de armazenamento envolve a área de broadmann 40,
enquanto o subcomponente articulatório envolve as áreas de broca 6 e 44 (Awh, 1996).
O esboço visuoespacial, por sua vez, está primariamente localizado no hemisfério direito:
córtex parietal inferior direito (área de broadmann 40), córtex pré-motor do hemisfério direito (área
- 9 -
de broadmann 6) e cortex frontal inferior direito (área de broadmann 47) são as regiões
associadas (ver: Hanley et al., 1991 e Kosslyn et al., 1993).
Há diversas evidências na literatura associando o funcionamento executivo aos lobos
frontais (i.e.: Smith e Jonides, 1997; Stuss e Knight, 2002) e, em geral, tarefas que envolvem o
executivo central mostram ativação bilateral do córtex pré frontal dorsolateral. Não há ainda
muitas evidências da localização neuroanatômica do buffer episódico e isto se deve ao fato
deste ser um componente mais novo. Contudo, Prabhakaran et al.(2000) e Zhang et al (2004)
demonstraram o envolvimento também do córtex pré-frontal no armazenamento de informações
multimodais (quando ocorreu binding).
2.3 Memória de Longo Prazo
Além da tradicional distinção entre memórias de curto e longo prazo, os estudos com
pacientes amnésicos levaram a formulação de uma outra distinção entre memória: memória
explícita (ou declarativa) e memória implícita (ou memória de procedimento, ou não
declarativa), que se diferem tanto anatômica quanto funcionalmente.
2.3.1 Memória Explícita
Memória explícita pode ser definida como aquela que nos permite lembrar fatos e
acontecimentos. Assim, constitui-se na habilidade de armazenar e recordar (ou reconhecer) tais
acontecimentos ou fatos. Chama-se também de memória declarativa visto que a recordação
por ser declarada, relatada verbalmente ou por meio de uma imagem trazida à mente, sendo
então um conhecimento ou uma lembrança da qual podemos ter acesso conscientemente.
Esse subsistema de memória ainda abarca outras duas diferenciações: memória episódica
e memória semântica, como proposto por Tulving em 1983.
A memória episódica se refere ao armazenamento e recordação de acontecimentos,
vivências pessoais do indivíduo, o que lhe constitui um reconhecido caráter como “memória
autobiográfica”, pois permite a pessoa se lembrar de situações das quais participou (onde e
quando). Este tipo de memória é bastante suscetível de alterações e perdas de informações,
sendo também muito influenciado pelo contexto emocional da situação.
- 10 -
Já a memória semântica se refere aos fatos gerais sobre o mundo e conhecimentos sobre
fatos não pessoais. É a memória essencial para a linguagem, sendo considerada por Tulving, 1983,
como o ‘thesaurus’ mental. Assim, envolve o conhecimento organizado que uma pessoa possui a
respeito de palavras e outros símbolos verbais, seu significado e associações à outras palavras,
com outros significados, o que forma a chamada “redes semânticas”, pressupondo que todos as
palavras e seus significados formam um rede, na qual a ativação de uma palavra ativa
automaticamente conceitos à ela relacionados.
2.3.2 Memória Implícita
Trata-se de memórias aprendidas gradualmente, por meio de repetição que seguem
regras específicas e envolvendo habilidades percepto-motoras ou cognitivas. É denominada
implícita, pois só pode ser aferida pelo desempenho. Um exemplo é andar de bicicleta, uma
habilidade adquirida aos poucos, após seguidas tentativas. Além disso, uma pessoa só pode aferir
que outra sabe andar de bicicleta, pela demonstração factual (eu posso dizer que “sei” andar de
bicicleta, mas apenas diante de uma bicicleta que posso comprovar meu conhecimento).
Dentre os tipos de memória implícita estão: condicionamento clássico e operante e
aprendizagem não associativa, descritas no módulo de Psicologia Experimental. Memória implícita
compreende também: habilidades motoras ou de procedimento (andar de bicicleta, como
exemplificado acima, ou mesmo dirigir carro, tocar instrumentos musicais e trabalhos artesanais,
como bordado); e o efeito de pré-ativação (priming), que é quando a exposição prévia a um
estímulo facilita o subseqüente processamento de um estímulo semelhante (pré-ativação
semântica) ou mesmo o processamento desse mesmo estímulo posteriormente.
Abaixo segue quadro (Figura 1) que acomoda as diferentes subdivisões da memória de
longo prazo (adaptado de Squire & Zola-Morgan, 1991).
- 11 -
Figura 1: Subtipos de Memória.
3. CORRELATOS NEUROANATÔMICOS DA MEMÓRIA
Na década de 30, Wilder Penfield e cols. mapearam diversas áreas motoras, sensoriais e de
linguagem por estimulações elétricas cerebrais realizadas em pacientes durante o procedimento
cirúrgico. Como o encéfalo não possui receptores para dor, as cirurgias eram realizadas com o
paciente acordado para que pudessem descrever suas experiências. Penfield foi um dos primeiros
a observar que as funções de memória poderiam estar localizadas em regiões específicas do
cérebro, como as estruturas do lobo temporal medial. Entretanto, somente na década de 50, as
evidências de que essas estruturas seriam de fato importantes para a memória foram reveladas
em procedimentos cirúrgicos por meio da remoção de estruturas do lobo temporal medial, com o
objetivo de abolir crises epilépticas em pacientes não responsivos a tratamento medicamentoso,
como foi o caso do paciente H.M., que será descrito posteriormente.
As observações de outros pacientes amnésicos, juntamente com estudos em animais
permitiram verificar a existência de relações entre determinadas estruturas do cérebro e os
diferentes tipos de memória.
- 12 -
3.1 Estruturas Relacionadas com a Memória Explícita
Qualquer condição que cause lesão ao lobo temporal medial pode causar um prejuízo
grave e seletivo da memória explícita, um quadro clínico conhecido como amnésia, e que será
descrito posteriormente.
Lesões em algumas estruturas do diencéfalo, como os corpos mamilares e os núcleos
anteriores e dorsomediais do tálamo (áreas anatomicamente relacionadas ao lobo temporal,
também ocasionam prejuízos de memória muito semelhantes aos da amnésia do lobo temporal
medial).
Além disso, lesões em estruturas prosencefálicas, secundárias principalmente a ruptura de
aneurisma da artéria comunicante anterior (AcoA), podem ocasionar déficits de memória, além
de outras alterações. É atribuída relação ao funcionamento mnemônico em decorrência das
inervações colinérgicas de estruturas límbicas e neocorticais provenientes de núcleos do
prosencéfalo basal (núcleos septais, banda diagonal de Broca e núcleo basal de Meynert) e que
são irrigadas pela artéria comunicante anterior.
Em animais de laboratório, lesões da formação hipocampal determinam prejuízos em
tarefas de memória. Assim como em seres humanos, esses prejuízos são seletivos, pois somente
algumas tarefas são prejudicadas, como a esquiva passiva e a discriminação sucessiva no
labirinto em T ou em Y, enquanto que em outras não há prejuízo de desempenho, como a esquiva
ativa de duas vias, a discriminação simultânea e o condicionamento clássico de medo.
3.2 Estruturas Relacionadas com a Memória Implícita
Com relação à memória implícita ou de procedimento, são várias as estruturas cerebrais
envolvidas. Essas estruturas abarcam regiões muito extensas do sistema nervoso e ainda não
foram totalmente identificadas. Basicamente, a memória para habilidades e hábitos requer a
participação do estriado, o condicionamento clássico está relacionado à amígdala nas respostas
emocionais e ao cerebelo nas respostas da musculatura esquelética e aprendizagem não-
associativa às vias reflexas.
O estriado, em especial o núcleo caudado, parece ter um papel importante no
estabelecimento de um tipo de aprendizagem implícita conhecida como hábito. As conexões
anatômicas do estriado sugerem que essa estrutura seria apropriada para promover ligação entre
estímulos e respostas (necessária para a formação de hábitos), pois recebe projeções de várias
áreas do córtex, incluindo áreas sensoriais, e as envia a estruturas subcorticais que fazem parte do
- 13 -
sistema de controle dos movimentos. Algumas evidências diretas do envolvimento do estriado
com a memória implícita vêm de estudos com pacientes portadores do doença de Huntington e
da mal de Parkinson – patologias relacionadas a disfunções dos núcleos da base. Estes pacientes
apresentam alguns prejuízos que são seletivos para tarefas que requerem o uso da memória de
procedimento.
O papel do cerebelo no condicionamento clássico de respostas motoras, como por
exemplo piscar o olho, foi estabelecido claramente por Thompson e cols., trabalhando com
coelhos. Em seres humanos, o cerebelo parece desempenhar papel semelhante neste tipo de
tarefa.
A amígdala está relacionada à memória emocional, ou ao aprendizado emocional, um
tipo de memória implícita particularmente relevante para os clínicos, pois algumas teorias que
envolvem a amígdala e os medos aprendidos, sugerem que essa região cerebral está envolvida
em vários transtornos psiquiátricos, incluindo ataques de pânico, fobias, transtornos de ansiedade
e transtorno de estresse pós-traumático.
4. AMNÉSIA
A amnésia se caracteriza por um quadro de perda parcial ou total da memória, cujas
causas podem ser diversas, dentre elas: traumas físicos e psicológicos, infecções, acidentes
vasculares encefálicos, doenças neurodegenerativas, alcoolismo e drogas.
Podem ser divididas em retrógrada (fatos ocorridos antes do evento causador da amnésia)
e anterógrada (incapacidade de armazenar novas informações) (Figura 2).
Figura 2: Tipos de amnésia.
Pode-se ainda, classificar a amnésia de acordo com a região lesionada:
- 14 -
4.1 Amnésia do Lobo Temporal Medial
Qualquer condição que cause lesão ao lobo temporal medial (que inclui a amígdala, o
hipocampo, o córtex entorrinal e áreas corticais para-hipocampais e perirrinais) pode causar um
prejuízo grave e seletivo da memória explícita. Um caso clássico é o do paciente H.M., que foi
submetido a uma ressecção bilateral do lobo temporal medial, incluindo o giro parahipocampal,
córtex entorrinal, amígdala e dois terços anteriores do hipocampo. Apesar do controle das crises,
a cirurgia resultou numa grave e permanente inabilidade de adquirir novas informações (amnésia
anterógrada), assim como uma amnésia retrógrada cujo intervalo de tempo era de
aproximadamente três anos antes da cirurgia. No entanto, algumas funções foram preservadas:
memória de eventos remotos, memória de curto prazo (registros sensoriais e memória
operacional), memória implícita e nível intelectual geral.
Outro caso importante é o do paciente R.B., cujas lesões foram restritas ao hipocampo
(mais precisamente a camada de células piramidais CA1), após um episódio isquêmico durante
uma cirurgia cardíaca, apresentando um quadro de amnésia anterógrada e retrógrada (sendo
este menos intenso do que o do paciente H.M.). Estudos realizados nesse paciente ratificaram a
importância do hipocampo na formação e consolidação de novas memórias de longa duração.
Em tais casos, não importa se a informação a ser adquirida refere-se a nomes, lugares,
faces, histórias, desenhos, odores, objetos ou músicas, nem se o material a ser aprendido é
apresentado oralmente, por leitura, ou explorado pelo toque ou cheiro. Em todas estas situações
o paciente percebe o material normalmente, porém este material não é consolidado na memória
de longo-prazo.
4.2 Amnésia Diencefálica
As principais estruturas envolvidas são o núcleo dorsomedial do tálamo e os corpos
mamilares, lesionados por acidentes vasculares, tumores, problemas metabólicos e traumatismos.
Lesões nessas estruturas ocasionam prejuízos de memória muito semelhantes aos da amnésia do
lobo temporal medial. Como exemplo clínico, podemos citar a Síndrome de Wernicke-Korsakoff,
decorrente da deficiência de tiamina provocada pelo consumo crônico de álcool, cujos
principais sintomas são amnésia anterógrada grave e amnésia retrógrada, que é mais crítica no
período que antecede a lesão. A memória implícita permanece preservada. A Síndrome de
Wernicke-Korsakoff pode produzir, além disso, alterações nas funções executivas e os pacientes
podem apresentar apatia e confabulações.
- 15 -
Levando em consideração que pacientes com essa síndrome não apresentam lesão no
lobo temporal medial, porém apresentam um quadro clínico (referente à memória) semelhante
ao dos pacientes com amnésia temporal medial, isso significa que o lobo temporal medial não é
a único responsável pela formação da memória declarativa. Alguns pesquisadores argumentam
que ambas as regiões participam na formação dessa memória, como um sistema integrado.
4.3 Amnésia Prosencefálica
Lesões em estruturas prosencefálicas, secundárias principalmente à ruptura de aneurisma
da artéria comunicante anterior (AcoA), podem ocasionar déficits de memória, além de outras
alterações. É atribuída relação ao funcionamento mnemônico em decorrência das inervações
colinérgicas de estruturas límbicas e neocorticais provenientes de núcleos do prosencéfalo basal
(núcleos septais, banda diagonal de Broca e núcleo basal de Meynert) e que são irrigadas pela
artéria comunicante anterior.
Os prejuízos de memória observados em pacientes com AcoA são semelhantes àqueles
observados em outros tipos de amnésia, ou seja, memória implícita preservada e
comprometimento da memória declarativa.
Alguns estudos apontam a relação entre amnésia retrógrada e neocórtex, sendo de
especial interesse as regiões lateral e anterior do lobos temporais. Ou seja, há possibilidade dessas
regiões serem cruciais para o armazenamento e/ou evocação de informações de longa
duração. Dentre as causas que podem gerar lesão nessas regiões encontra-se a Doença de
Alzheimer e a encefalite herpética.
Quanto à memória implícita, as avaliações da maioria dos pacientes apontam para uma
dissociação entre esse tipo de memória e a memória explícita. Uma forma de memória implícita é
o sistema de representação perceptiva (SRP), envolvido na pré-ativação perceptiva, e estudado
no paciente M.S. Este paciente foi submetido a uma cirurgia devido a convulsões intratáveis de
crises epiléticas, tendo sido removido a maior parte das áreas 18 e 19 do seu lobo occipital direito,
deixando-o cego no campo visual esquerdo. M.S. apresentava resultados normais em testes de
inteligência e memória explícita, mas déficits em testes de pré-ativação perceptiva.
- 16 -
5. PSICOFARMACOLOGIA DA MEMÓRIA
Os estudos farmacológicos utilizam drogas que atuam em determinados sistemas de
neurotransmissão como ferramentas para decifrar a maquinaria neural da memória, isto é, os
neurotransmissores e os passos bioquímicos envolvidos nos processos de aprendizagem e
memória.
Algumas drogas podem alterar mecanismos cerebrais envolvidos nos processos de
formação, armazenamento e evocação dos diferentes tipos de memória. De forma geral, todos
os neurotransmissores conhecidos são importantes para a memória. Certas drogas podem atuar
de modo a impedir ou reverter algumas formações de memória, como forma de auxiliar no
esquecimento de determinadas lembranças de caráter traumático e que evocam aversão. Outra
maneira das drogas atuarem sobre os mecanismos de memória é potencializando a retenção,
formação ou evocação de memórias, aumentando assim a capacidade original de recordação
do indivíduo.
A seguir serão descritos alguns dos principais sistemas de neurotransmissão envolvidos na
modulação da memória. Porém, ressalta-se que nenhum desses neurotransmissores atua sozinho,
havendo interação entre eles mesmos, além da participação dos mecanismos celulares
envolvidos nos processos de formação, retenção e recuperação da memória.
5.1 CatecolaminaS (DA e NA)
As catecolaminas (dopamina e noradrenalina) atuam na modulação da atenção e
concentração, bem como na modulação de funções cognitivas dependentes de tais processos,
como a memória e aprendizagem. Uma característica da ação catecolaminérgica é que sua
modulação sobre memória e aprendizado ocorre em um esquema de curva em “U” invertido,
relacionado ao nível de liberação dos neurotransmissores. Ou seja, excesso ou depleção de
catecolaminas prejudica o desempenho da memória, sendo que um nível ótimo é alcançado
quando há um equilíbrio adequado dos neurotransmissores.
O córtex pré-frontal recebe projeções das vias catecolaminérgicas, sendo que as funções
relacionadas à essa área são altamente dependentes da modulação das catecolaminas. Um
exemplo é o funcionamento da memória operacional (ou working memory). Inicialmente
acreditava-se que a dopamina exercia uma ação modulatória superior nessa função, no entanto,
trabalhos subseqüentes mostraram que noradrenalina também exerce papel substancial nessa
modulação. Desse modo, excesso ou depleção de dopamina e/ou noradrenalina no córtex pré-
- 17 -
frontal prejudica habilidades de memória operacional, cujo funcionamento está altamente
relacionado ao nível de liberação catecolaminérgica.
Um exemplo de fármaco que representa a ação da dopamina e noradrenalina sobre a
cognição é o Metilfenidato, uma medicação estimulante, da família das anfetaminas, que atua
bloqueando a recaptação de noradrenalina e dopamina em diferentes regiões cerebrais, como
córtex pré-frontal. Muitos trabalhos demonstram o efeito do metilfenidato sobre o desempenho de
tarefas cognitivas envolvendo atenção e memória.
Ainda no campo das catecolaminas, as vias dopaminérgicas também têm sido
reconhecidas como importantes moduladores para a memória e plasticidade sináptica Um dos
tipos de memória que sofrem ação modulatória de dopamina é a memória semântica, assim
como o efeito de pré-ativação semântica. Certo nível de depleção dopaminérgica produz
déficits no desempenho de tarefas envolvendo pré-ativação semânticas e outras tarefas que
dependem ativamente da participação da memória semântica.
Além disso, condicionamentos baseados no uso de recompensas para estabelecimento
do aprendizado são totalmente dependentes da modulação dopaminérgica na via mesolímbica,
sendo que o aumento de dopamina nessa via seria o responsável pelo aumento da sensibilidade
à recompensa.
No nível celular, a dopamina modula a ação dos receptores do tipo NMDA, importantes
para o processo de formação e consolidação de memória, sendo também importante para o
processo de LTP (long-term potentiation), por meio de sua modulação sobre vias glutamatérgicas.
A Noradrenalina participa também de dois períodos críticos para a formação da memória.
Inicialmente, a modulação noradrenérgica atua de modo essencial no momento da aquisição de
informações, onde o nível atencional e de alerta são fundamentais, sendo esses processos
modulados pela liberação de noradrenalina.
Um segundo momento é durante a consolidação, quando memórias ainda instáveis são
armazenadas de modo mais permanente e estabilizado, sendo então que a noradrenalina
participa da determinação de quais informações serão armazenadas ou não. Esse envolvimento
da noradrenalina no armazenamento da memória difere de acordo com os diferentes tipos de
receptores adrenérgicos e suas localizações, bem como da função relacionada às estruturas nas
quais se localizam. Desse modo, sem a participação noradrenérgica não há retenção nem
mesmo formação de memórias.
Vias noradrenérgicas exercem um importante papel na modulação de LTP na formação
hipocampal, aumentando a eficácia sináptica pela ação de receptores do tipo beta, sendo que
este processo não ocorre na presença de antagonistas beta-adrenérgico.
- 18 -
Além disso, neurônios noradrenérgicos desempenham papel crucial para a formação da
memória emocional. A amígdala, estrutura do lobo temporal medial e altamente envolvida na
codificação e consolidação da memória episódica para conteúdos emocionais e na resposta de
medo, apresenta uma grande quantidade de receptores para adrenalina e noradrenalina. A
participação da amígdala na formação de memórias relacionadas a contextos emocionais
ocorre por meio de uma ação modulatória sobre o hipocampo, através do sistema beta
adrenérgico, que quando ativado favorece a formação de memórias relacionadas à
experiências emocionais, sendo elas traumáticas ou agradáveis.
A lembrança de eventos traumáticos, apesar de apresentar uma vantagem adaptativa,
no sentido de evitar nova exposição ao estímulo aversivo, também pode levar ao
desenvolvimento de um medo patológico, como no caso de fobias (medo exacerbado e não
condizente) ou do Transtorno de Estresse Pós Traumático (TEPT), patologia baseada na memória
de um evento com caráter excessivamente aversivo.
Nesse sentido, antagonistas β1 e β2 apresentam grande utilidade no tratamento de tais
patologias, pois prejudicam a formação de memória episódica para conteúdos emocionais sem
interferir na memória para conteúdos neutros.
Um exemplo de fármaco utilizado com essa finalidade é o Propanolol, antagonista beta-
adrenérgico. A administração de propanolol poucas horas após a vivência de uma situação
muito aversiva e com caráter traumático, pode reduzir subseqüente desenvolvimento de sintomas
de TEPT, assim como dos respondentes associados a tais memórias traumáticas. Este processo
segue o raciocínio de que a consolidação e retenção dessas memórias na amígdala é uma ação
modulada por hormônios como noradrenalina e adrenalina, que são liberados durante o estresse
e apresenta efeito no sistema nervoso central. Assim, o Propanolol teria o papel de bloquear a
liberação adrenérgica, e prevenir desse modo a formação das memórias emocionais negativas.
Neste caso então, a função da amígdala durante a codificação é prejudicada pelo uso do beta-
bloqueador, demonstrando que o sucesso da codificação de eventos emocionais é modulado
pela liberação adrenérgica na amígdala.
O sistema noradrenérgico participa ainda do processo de evocação da memória,
principalmente memórias com forte caráter emocional. Além disso, quando reativadas, as
memórias tornam-se passíveis de manipulação, sendo que essa reativação também é
acompanhada por liberação de noradrenalina, que atua então ativamente na posterior
reconsolidação dessas memórias reorganizadas.
No entanto, apesar de ser um consenso geral que a noradrenalina é um componente
importante e essencial para a formação, armazenamento e reconsolidação da memória, diversos
outros neurotransmissores influenciam esses processos, como acetilcolina, glutamato e GABA,
entre outros, que serão descritos posteriormente.
- 19 -
5.2 Acetilcolina (ACh)
Outro neurotransmissor de grande importância para o funcionamento da memória é a
Acetilcolina. O prejuízo no funcionamento da neurotransmissão colinérgica está ligado à perda de
memória, especialmente da memória de curto prazo e memória episódica. Um exemplo disso é o
progressivo declínio cognitivo observado na doença de Alzheimer, que resulta da degeneração
de neurônios de acetilcolina localizados no prosencéfalo basal, e conseqüente prejuízo na
neurotransmissão colinérgica.
Neurônios colinérgicos do prosencéfalo basal se projetam para amígdala, hipocampo e
todo o córtex, sendo que estas vias neuronais parecem estar envolvidas na mediação da
formação da memória e de outras funções cognitivas como aprendizagem e resolução de
problemas. A degeneração desses neurônios colinérgicos, e conseqüentemente a deficiência de
acetilcolina provocada por esta degeneração, também parece estar relacionada aos problemas
de memória de curto prazo observados no envelhecimento “normal”. Assim, durante o
envelhecimento, neurônios colinérgicos do prosencéfalo basal vão sofrendo alterações
degenerativas, que incluem diminuição da atividade enzimática da colina-acetiltransferase,
atrofia e perda celular, e que resultam no prejuízo da ação colinérgica, o qual é relacionado aos
progressivos déficits na memória que acompanham o envelhecimento, mesmo sadio.
O papel da acetilcolina como neuromodulador de memória e aprendizagem também se
estende à influência que exerce sobre a dinâmica da atividade neural e plasticidade que
ocorrem no hipocampo. Nesse sentido, diversos são os estudos que mostram que receptores
colinérgicos iniciam uma série de eventos intracelulares relacionados à plasticidade neural
envolvida com a codificação da memória, atuando também em processos relacionados à
consolidação da memória.
A acetilcolina também está relacionada ao desempenho em tarefas envolvendo memória
operacional e atenção. Aumento dos níveis de neurotransmissão colinérgica leva a um melhor
desempenho em tarefas que envolvem memória operacional e também produz melhora nos
processos atencionais. Além disso, essa modulação colinérgica sobre a atenção também
favorece o processo de codificação da memória, visto que, leva a melhor e mais acurada
seleção e codificação de estímulos.
O papel da acelticolina na codificação e formação da memória pode ser ilustrado pelos
efeitos da administração de fármacos antagonistas de acetilcolina, como a Escopolamina, um
bloqueador de receptores do tipo muscarínicos, e que provoca prejuízos na memória semelhantes
aos observados em pacientes com Alzheimer ou pacientes amnésicos. Desse modo, a
administração de Escopolamina em sujeitos saudáveis, e conseqüentemente o prejuízo na
neurotransmissão colinérgica, é acompanhada por déficits de tarefas de memória episódica e
- 20 -
memória operacional. Vale ressaltar que muitos autores para a questão que, o bloqueio de
receptores muscarínicos produz prejuízos
Esses déficits podem ser revertidos pela administração de outro tipo de droga, como o
Donepezil, um fármaco que atua no bloqueio da enzima acetilcolinesterase (responsável pela
degradação de acetilcolina). Desse modo, o Donepezil tem ação contrária à observada com
Escopolamina, ou seja, produz melhora no desempenho da memória episódica e memória
operacional, bem como favorecendo processos atencionais, codificação e armazenamento da
memória, sintomas observados em pacientes com doença de Alzheimer ou produzidos por outros
processos que também levam a prejuízo na neurotransmissão colinérgica.
5.3 Gaba
O sistema GABAérgico, está envolvido com a inibição de processos envolvidos na
formação ou evocação de diversos tipos de memória, como memória episódica e memória
operacional. Entretanto, o prejuízo maior ocorre na aquisição de memórias declarativas
episódicas. Estudos com administração de agonistas GABAérgios, como o muscimol ou a
picrotoxina no septo medial, amígdala ou hipocampo, demonstraram que mecanismos
GABAérgicos atuam como reguladores precoces da aquisição da memória nestas regiões
(Castellano et al., 1996). Além disso, em torno de 10% dos neurônios hipocampais são
interneurônios gabaérgicos que formam uma rede neural que controla e regula a atividade das
células glutamatérgicas (que representa os 90% restantes dos neurônios no hipocampo, e como
será discutido a seguir, representa grande influência sobre a formação e armazenamento da
memória).
A descoberta farmacológica do papel dos receptores GABAérgicos na memória foi
também importante para elucidar os efeitos nos processo de memória e amnésia produzidos por
barbitúricos, álcoois e benzodiazepínicos, ligantes dos receptores Gaba e que agem pela
potencialização dos receptores GABA- A. Assim, ficou demonstrado que o uso de moduladores
alostéricos dos receptores GABA-A também interfere nos mecanismos de memória.
Os Benzodiazepínicos (BZDs), como diazepam e lorazepam, se ligam ao complexo GABA-A
produzindo abertura dos canais iônicos e influxo de Cl- para dentro do neurônio, e
conseqüentemente, hiperpolarização e inibição neuronal. São fármacos amplamente utilizados
como ansiolíticos e sedativos. Porém, quando usado em grandes quantidades, podem produzir
amnésia anterógrada transitória, influenciando negativamente a formação de novas memórias.
(WAN et al, 2004). Alguns autores relacionam as semelhanças entre a amnésia anterógrada
causada pelos benzodiazepínicos àquelas que ocorrem na demência de Korsakoff, e sob
- 21 -
administração de antagonistas colinérgicos, como a escopolamina. Efeitos semelhantes entre
escopolamina e benzodiazepínicos também são observados em tarefas de memória operacional,
nas quais o desempenho é prejudicado pela ação de tais drogas.
Tais efeitos colaterais dos BZDs na memória episódica parecem resultar de alterações na
consolidação de informações (como dito anteriormente), seja por diminuição do
armazenamento, ou por interferência na organização deste, reduzindo o acesso às informações
aprendidas (POMPÉIA, GORENSTEIN, 1999). Nesse sentido, benzodiazepínicos interferem no
processo de LTP, que será discutido a seguir.
A administração de compostos benzodiazepínicos antes do aprendizado provoca uma
amnésia anterógrada semelhante àquela observada com a escopolamina. Estes compostos não
produzem nenhum prejuízo retrógrado e podem até mesmo facilitar a recordação de
informações aprendidas imediatamente antes da administração da droga (KOPELMAN, 1992). Um
uso clínico que se beneficia dessa ação amnésica dos benzodiazepínicos são em situações pré-
cirúrgicas, por exemplo, quando o fármaco é administrado visando não somente sedar o
paciente, mas também evitar que sejam formadas memórias traumáticas relacionadas à
procedimentos da cirurgia ou pré-preparatórios.
5.4 Glutamato
O Glutamato é um neurotransmissor amplamente distribuído no SNC, sendo um dos
principais neurotransmissores liberados pelos neurônios localizados nas estruturas cerebrais
envolvidas na formação da memória, principalmente hipocampo.
Cerca de 90% dos neurônios hipocampais são glutamatérgicos, responsáveis pelo circuito
trissináptico, o que demonstra a importância desse neurotransmissor para processos relacionados
à memória e aprendizagem ocorridos no hipocampo, como LTP (que será abordado no tópico de
mecanismos celulares da memória). Na fase inicial de consolidação, os sistemas modulatórios
provavelmente regulam processos de plasticidade neural, dependentes da ativação de
receptores NMDA no hipocampo, na amígdala e em outras áreas cerebrais. Os receptores NMDA
também parecem ser fundamentais para os fenômenos da memória celular através da LTP,
processo crucialmente dependente da neurotransmissão glutamatérgica, e o qual se acredita ser
a base molecular para alguns processos de memória que ocorrem em várias sinapses do
hipocampo e outras regiões do córtex cerebral, conforme mencionado anteriormente.
Em modelos animais, a administração de antagonistas de receptores NMDA hipocampais
prejudica o desempenho dos animais em tarefas de envolvendo aprendizado espacial (tarefas de
- 22 -
labirinto) e o e bloqueia o processo de LTP, ao passo que o uso de agonistas NMDA aumenta a
retenção da informação codificada.
O papel do Glutamato na memória será melhor descrito a seguir, quando for abordado os
mecanismos celulares envolvidos nos processos de memória e aprendizagem.
Novamente, faz-se importante também ressaltar que nenhum destes neurotransmissores ou
neuromoduladores atua sozinho. Eles se relacionam através das diferentes vias e circuitos, de
forma que o prejuízo, por exemplo, de uma via colinérgica pode levar a alterações no
funcionamento de uma via glutamatérgica, e o conjunto de alterações pode levar a um prejuízo
significativo da memória, além de uma série de outros efeitos como prejuízos motores e déficit de
atenção.
6. ELETROFISIOLOGIA DA MEMÓRIA
A área das neurociências cujo objetivo principal é o estudo detalhado das propriedades
elétricas de tecidos vivos e o esclarecimento de seus mecanismos básicos é a eletrofisiologia.
Protocolos para estudos eletrofisiológicos de processos mnemônicos e de aprendizagem
requerem abordagens diferenciadas e utilização, individual ou associada, de uma grande
variedade de técnicas tanto para registros “in vitro” de fenômenos de membrana como a
potenciação de longa duração (LTP, do inglês Long-term potentiation) e a depressão de longa
duração (LTD, do inglês Long-term Depression) como para registros contínuos e duradouros “in
vivo” durante a elaboração/execução e modulação de uma tarefa comportamental.
A seguir serão descritos alguns fenômenos relacionados aos processos de aprendizagem e
algumas técnicas utilizadas no estudo eletrofisiológico e suas aplicações para a compreensão dos
mecanismos de memória.
6.1 LTP e LTD
Um dos mecanismos neurais mais relevantes para o armazenamento de informação
(memória) é a plasticidade sináptica. O principal mecanismo de plasticidade sináptica é a LTP
A LTP é um fenômeno típico de sinapses excitatórias glutamatérgicas, e foi demonstrado
inicialmente no hipocampo (Bliss TV e Lomo T, 1973) e mais tarde em várias outras regiões do
sistema nervoso central. Trata-se do aumento prolongado da magnitude da resposta sináptica de
- 23 -
um neurônio, após contínua passagem de corrente elétrica (fisiológica ou por estimulação
externa) na membrana do neurônio pré-sináptico (Lledo P-M et al., 2006).
Experimentalmente, para se obter o registro de LTP, deve-se fazer preparações de fatias da
região de interesse (ex. hipocampo) e, por meio de eletrodos de registro e de estimulação, aplica-
se um estímulo de baixa intensidade no neurônio A, um potencial excitatório pós-sináptico (PPSE)
é registrado nos dendritos do neurônio B, se o estimulo for de maior intensidade, o PPSE formado
será maior.
No entanto, se um estímulo repetitivo de alta intensidade e frequência for aplicado no
neurônio A algo diferente acontece na sinapse. Os estímulos de baixa intensidade subsequentes
passam a produzir PPSE maiores do que antes, e o fenômeno se prolonga durante várias horas, em
alguns casos até dias. Estabeleceu-se uma nova relação: estimulo de baixa intensidade PPSE
maiores. Assim sugere-se que a LTP seja um dos possíveis mecanismos que explica a memória de
curta duração.
A LTD é o fenômeno inverso à LTP, nesse caso uma estimulação de baixa frequência dos
terminais pré-sinápticos, faz com que ocorra uma diminuição duradoura do potencial pós-
sináptico. Assim a relação que se estabelece é estimulo de alta intensidade PPSE de menor
intensidade. Sugere-se que a LTD esteja associada aos processos de esquecimento
(enfraquecimento do traço de memória).
Como é feito o registro do potencial de ação?
6.2 Estudos In Vitro
Patch-Clamp: essa técnica permite o registro do fluxo de corrente iônica em uma célula. Nessa
técnica, uma micropipeta de vidro com diâmetro aproximado de 1m é pressionada contra a
membrana celular, até que o meio intracelular fique em contato com a solução eletrolítica dentro
da micropipeta. Um eletrodo metálico que está em contato com os eletrólitos da micro-pipeta
permite medir a corrente gerada pelo fluxo iônico que ocorre entre o meio intracelular e a
micropipeta. Nos estudos de memória e aprendizagem essa técnica tem sido empregada para
elucidar os mecanismos da transmissão e da plasticidade sináptica que ocorre em determinados
tipos celulares que participam dos circuitos relacionados aos processos de memória.
- 24 -
6.3 Estudos In Vivo
Consiste na obtenção de registros de potenciais de ação unitários ou multi- unitários por
meio de micro-eletrodos implantados cronicamente ou, de ondas elétricas que abrangem um
largo espectro de bandas de frequências (alfa; beta, teta; delta, gama...) resultantes da
somatória espaço-temporal de centenas ou milhares de células neurais por meio de semi micro-
eletrodos, posicionados no escalpo ou implantados cronicamente em estruturas corticais e
subcorticais.
Place cells: são neurônios que tem sua frequência de disparo aumentada, isto é, aumento no
número de “ocorrências” de potenciais de ação, toda vez que o rato passa por um determinado
lugar na câmara de teste. Quando o animal deixa esse lugar, a frequência de disparo diminui
quase que a zero. Verificou-se ainda que um determinado lugar não é codificado apenas pela
atividade de um único neurônio, mas pela atividade de uma população de células ativas (Wilson,
M. A. and McNaughton, B. L., 1993). A localização relativa dos lugares codificados pelos neurônios
muda, quando há mudança de ambiente, assim um novo mapa deve ser construído em cada
novo ambiente (Redish, A. D. et al.,2001). Os autores que verificam a frequência de disparo de
neurônios, o fazem através de registro multi-unitário, mas também é possível verificar como a
somação dos PEPS e dos potenciais inibitórios pós-sinápticos (PIPS) estão relacionadas a um
determinado comportamento, através do registro de campo, seja ele profundo ou cortical.
Registros Multi-Unitário: nessa técnica um conjunto de eletrodos (~ 50µM) é implantado no
encéfalo do animal. A variação de frequência e voltagem em cada eletrodo é coletada e
digitalizada. Uma vez digitalizada, os potenciais de ação são separados e classificados, através
de algoritmos matemáticos (Maren S and Quirk GJ., 2004).
Registro do Potencial de Campo: Nessa técnica um único eletrodo (~ 300µM) é implantado no
encéfalo do animal. O implante também pode ocorrer no crânio ou na superfície da cabeça
como ocorre na clínica. Do mesmo modo, que no registro unitário, o eletrodo captará a variação
de voltagem, só que nesse caso essa variação irá se referir a um conjunto de neurônios. Essa
técnica é de grande valia para avaliar a variação das frequências geradas pela somação dos
PIPS e PEPS e a atuação dessas no processamento da informação
- 25 -
Sincronização de ondas (ritmos): é um fenômeno que ocorre em diferentes condições fisiológicas,
como por exemplo, no aprendizado, durante o sono, epilepsia. Esse processo é definido como a
correlação entre faixas de frequência ou voltagem, que pode ocorrer em uma determinada rede
neural envolvendo uma ou mais estruturas. Estudos utilizando o condicionamento clássico de
medo, uma tarefa clássica para o estudo da memória em modelos animais, mostraram haver uma
sincronização da atividade do hipocampo e da amígdala e esta sincronização ocorreu durante o
comportamento de congelamento dos animais. (Narayanan, Seidenbecher et al. 2007).
7. MECANISMOS CELULARES DO APRENDIZADO E MEMÓRIA
Sabemos que o aprendizado é capaz de modelar o comportamento de um organismo. O
comportamento, por sua vez, é produto do funcionamento do cérebro. Mas, como o
aprendizado pode alterar o funcionamento do cérebro e, dessa forma, modificar um
comportamento? De um modo geral, a memória é causada por alterações na eficácia da
transmissão sináptica. Essas alterações são provocadas por uma experiência prévia, isto em por
uma atividade neural prévia. Essas alterações são provocadas por uma experiência prévia, isto é,
por uma atividade neural prévia. O aprendizado, portanto, é capaz de alterar o funcionamento e
até mesmo a estrutura dos neurônios e de suas conexões sinápticas (Guyton & Hall, 1997; Kandel,
2000).
Como vimos anteriormente, a memória pode ser dividida em implícita ou não declarativa
e em explícita ou declarativa. Nos últimos anos houve um grande avanço no estudo dos
mecanismos envolvidos nesses dois tipos de memória. Os trabalhos nessa área abrangem desde
as formas mais simples de aprendizado implícito em invertebrados até as formas mais complexas
de memória explícita em vertebrados.
7.1 Formas Simples de Aprendizado Implícito: Habituação e Sensibilização
Como foi visto na Psicologia Experimental, a
habituação implica na diminuição ou ausência de
uma resposta a um estímulo repetido que não
apresenta nenhuma consequência ao organismo.
Por outro lado, estímulos que apresentam
consequências importantes, como a dor ou prazer,
podem aumentar a força da resposta a diversos
outros estímulos, inclusive inócuos. Esse aumento da
- 26 -
resposta é chamado de sensibilização.
Os mecanismos celulares envolvidos nos processos de habituação e sensibilização foram
muito bem estudados no molusco marinho Aplysia californica, que tem um sistema nervoso
simples, contendo somente cerca de 20.000 neurônios, o que o torna um modelo animal ideal
para o estudo das formas simples de memória implícita.
A Aplysia apresenta um reflexo, conhecido como reflexo de retirada das guelras, o órgão
respiratório do animal. Esse reflexo ocorre quando um estímulo tátil fraco é aplicado no sifão, uma
pequena proeminência carnosa por cima das guelras usada para expelir água e excretas (Figura
1). Este reflexo apresenta uma circuitária simples que consiste em alguns neurônios sensoriais, que
inervam o sifão, alguns interneurônios e os neurônios motores, que inervam as guelras (Figura 2).
Com a estimulação repetida, essas retiradas reflexas habituam. Por outro lado, quando um
estímulo nocivo é aplicado na cabeça ou na cauda do molusco essa resposta reflexa fica
sensibilizada. Dependendo do treino, tanto a habituação como a sensibilização podem ser de
curto prazo, durando apenas alguns minutos, e de longo prazo, durando dias a semanas.
Estudando estas duas formas de aprendizado na Aplysia, Kandel e colaboradores
propuseram os seguintes mecanismos celulares:
Na habituação a curto prazo ocorre uma redução da atividade das sinapses envolvidas
na circuitaria do reflexo, provocada por uma diminuição da quantidade de neurotransmissor
liberado pelo neurônio sensorial (ver figura 2). Os mecanismos responsáveis por essa diminuição
ainda não são bem conhecidos, mas é provável que ocorra uma diminuição da entrada de
cálcio no terminal pré-sináptico do neurônio sensorial.
Na habituação a longo prazo, além de ocorrer alterações da eficácia da transmissão
sináptica, foi observado também uma redução no número dessas conexões – de 90% no animal
controle, para 30% no animal habituado. Portanto, na memória a longo prazo para a habituação,
a redução da transmissão sináptica é acompanhada por alterações estruturais das células
sensoriais.
A sensibilização a curto prazo depende da facilitação sináptica: o estímulo nocivo, por
exemplo, ativa um grupo de interneurônios que fazem sinapse do tipo axo-axônica com o terminal
pré-sináptico do neurônio sensorial (Figura 2). Esses interneurônios, chamados de facilitadores,
intensificam a liberação do neurotransmissor pelos neurônios sensoriais, através de mecanismos
que envolvem segundos mensageiros, como o AMP cíclico.
A sensibilização a longo prazo depende da síntese de novas proteínas no neurônio sensorial.
Essas proteínas são responsáveis por manter os mecanismos que intensificam a liberação do
neurotransmissor, por um lado, e contribuem para o aumento do número de zonas ativas dentro
da terminação nervosa do neurônio sensorial e para o desenvolvimento de novas conexões
sinápticas.
- 27 -
Estes estudos mostraram, portanto, que o aprendizado de curto prazo provoca apenas
alterações químicas nas sinapses, já o aprendizado de longo prazo causa, além de uma
alteração química, uma reestruturação física ou estrutural dessas sinapses, acentuando ou
suprimindo a condução de sinais. Isto é, a memória de longo prazo provoca uma plasticidade das
vias neurais envolvidas.
Figura 3: Esquema simplificado da via envolvida no reflexo de retirada das guelras na Aplysia (em
vermelho). Na habituação ocorre uma diminuição da atividade dessa via (vermelha). Na
sensibilização, são ativados interneurônios facilitatórios que fazem sinapse do tipo axo-axônica
com os terminais nervosos do neurônio sensorial, aumentando a liberação do neurotransmissor (via
azul).(Extraído de KANDEL, 2000).
7.2 Potenciação de Longa Duração
A memória explícita envolve uma forma mais complexa de aprendizagem. Como vimos
anteriormente, o hipocampo é uma estrutura extremamente importante para este tipo de
aprendizado. Em 1973, os fisiologistas Timothy Bliss e Terje Lømo demonstraram em neurônios do
hipocampo que a estimulação elétrica de alta frequência num axônio pré-sináptico durante
alguns segundos produz um aumento na magnitude da resposta pós-sináptica. O aumento pode
durar algumas horas em animais anestesiados ou vários dias ou mesmo meses em animais
acordados. Esse fenômeno é chamado de potenciação de longa duração ou, em inglês, long-
term potentiation – LTP (KANDEL, 2000).
Do ponto de vista funcional, a LTP corresponde a um processo de facilitação da
transmissão do impulso nervoso, que pode ser induzido artificialmente por uma estimulação de
alta frequência (estímulo tetânico). Atualmente acredita-se que um disparo semelhante a essa
estimulação ocorra durante o aprendizado.
A LTP ocorre em várias sinapses do hipocampo e também em outras regiões do córtex
cerebral. No hipocampo, a LTP é observada no circuito trissináptico, que apresenta neurônios
glutamatérgicos. Estudos demonstraram que a indução da LTP requer a ativação de receptores
- 28 -
glutamatérgicos do tipo NMDA. Quando o potencial de membrana do neurônio está no estado
de repouso, os canais iônicos associados aos receptores NMDA estão bloqueados pelo íon
magnésio (Mg+2). Este bloqueio é dependente de voltagem, isto é, a membrana pós-sináptica
deve ser suficientemente despolarizada para que ocorra a remoção do íon Mg2+ e o desbloqueio
do canal.
Um modelo atualmente aceito para a indução da LTP é mostrado na figura 3. Quando um
estímulo de baixa frequência é aplicado em uma via do circuito trissináptico, o glutamato
liberado pelo neurônio pré-sináptico atua em receptores do tipo NMDA e não-NMDA (por
exemplo, receptores AMPA). Como os receptores NMDA estão bloqueados, somente receptores
do tipo não-NMDA são ativados e a transmissão ocorre normalmente, sem ser facilitada, isto é, a
LTP não é observada (Figura 3A). Entretanto, se nessa mesma via for aplicada uma estimulação
tetânica (breves pulsos de alta frequência), a despolarização causada pela ativação dos
receptores não-NMDA remove o Mg2+ do canal iônico do receptor NMDA (Figura 3B). A ativação
deste último receptor promove a entrada de cálcio no neurônio pós-sináptico. O aumento da
concentração intracelular de cálcio ativa proteínas quinases dependentes de cálcio
(Ca2+/calmodulina quinase e proteína quinase C) e a proteína tirosina quinase, responsáveis pela
indução da LTP (KANDEL, 2000).
Figura 4: Mecanismos responsáveis pela indução da LTP. A. Transmissão após
estimulação normal e B. Transmissão após estimulação tetânica – indução da LTP.
Maiores informações no texto.
A manutenção da LTP requer não só o aumento da atividade do receptor não-NMDA, mas
também um aumento da atividade do neurônio pré-sináptico. Este aumento ocorre através de
um “mensageiro” liberado pelo neurônio pós-sináptico que se difunde para o terminal pré-
sináptico e aumenta a liberação do neurotransmissor (Figura 3B). Este mensageiro é chamado de
mensageiro retrógrado, e um dos principais candidatos é o óxido nítrico (NO).
- 29 -
Assim como na memória implícita, a LTP, dependendo do treino, pode ter uma fase de
curto prazo, que dura de 1 a 3 horas e não requer a síntese de novas proteínas; e uma fase de
longo prazo, que dura pelo menos 24 horas e depende da síntese de novas proteínas. Estudos
recentes sugerem que esta fase tardia da LTP envolve também algumas alterações estruturais
como o surgimento de novas conexões sinápticas (KANDEL, 2000).
Uma forte evidência da relação entre este fenômeno de plasticidade sináptica e a
memória explícita vem de estudos que mostram que manipulações farmacológicas (como por
exemplo antagonistas de receptores NMDA) ou genéticas (ablação de genes que codificam
proteínas envolvidas na LTP) impedem a LTP e provocam também um severo prejuízo em ratos
submetidos a tarefas que avaliam a aprendizagem espacial e são dependentes do hipocampo,
como o teste do labirinto aquático (ver em Modelos Animais de Memória).
7.3 Enfraquecimento Sináptico: Depressão de Longo Prazo e Despotencialização
Em teoria, a eliminação sináptica (retração ou desaparecimento de conexões dentre
complexas redes neurais) é o meio por onde as conexões sinápticas são perdidas. Baseado na
regra do “uso e desuso”, desfazer ou perder uma conexão pode refletir em um mecanismo de
esquecimento ou falha de evocação; alternativamente, pode servir como o meio para
enfraquecer as conexões não usadas, e dessa forma promover o aparecimento de padrões
reforçadores nas conexões da rede neural, processo de seleção que pode facilitar o
armazenamento de informações.
Em determinadas condições de estimulação, os neurônios possuem os mecanismos para
enfraquecer a força de uma conexão sináptica. A principal forma que isso acontece é a LTD
(long-term depolarization), como pode ser visto na figura abaixo:
Figura 5: LTD na área CA1 hipocampa induzida por estimulação prolongada de baixa frequência
na via colateral de Schaffer (seta).
- 30 -
A LTD ocorre em regiões como o hipocampo, cerebelo e estriado. Nas duas últimas
estruturas os mecanismos da LTD estão implicados em aprendizagem motora ou associativa Assim
como a LTP, a indução da LTD parece estar relacionada com o sistema glutamatérgico,
dependendo dos receptores mGlu e envolvento cascatas de sinalização de MAPK, PKC, PKA. A
desfostorilação de resíduos de mGluR pode levar a internalização dos receptores AMPA, o que
favorece a formação de LTD.
No estriado, além da participação de glutamato, a dopamina é essencial para a indução
da LTD, através da ativação dos receptores D1 e D2.
Ao contrário da LTD, que pode ocorrer em qualquer neurônio, a despotencialização só
ocorre em neurônios onde a LTP está estabelecida.
A despolarização pode ser observada no adulto em diferentes estruturas cerebrais e
condições, como choque eletroconvulsivos, estresse ou condições a novos ambientes.
Através de um protocolo de estimulação de baixa frequência (LFS, 1–5 Hz), é possivel
reverter a conexão sináptica que estava fortalecida. Despotencialização e outros processos
regulatórios, como escalonamento sináptico são tão importantes quanto LTP e LTD para se
determinar as consequências da plasticidade sináptica em uma rede neural funcional.
- 31 -
BIBLIOGRAFIA
Akira Miyake and Priti Shah (eds) Models of working memory: Mechanisms of active maintenance and
executive control. New York, NY: Cambridge University Press, 1999.
Angwin AJ, Chenery HJ, Coplan DA, Arnott WL, Murdoch BR, Silburn P. Dopamine and semantic
activation: An investigantion of masked direct and indirect priming. Journal of the international
neuropsuchological society. 2004; 10: 15-25.
Atkinson RC, Shiffrin RM. The control of short term memory. Sci Am. 1971;225(2):82-90.
Awh, E. et al. Dissociation of storage and retrieval in verbal working memory: evidence from positron
emission tomography. Psychol. Sci. 7, 25–31 (1996).
Baddeley AD. The psychology of memory. In: Baddeley AD, Wilson BA ,Kopelman M, editor. Handbook of
Memory Disorders, 2nd.
Baddeley AD, Hitch GJ. Working memory. In: Bower G, editor. The psychology of learning and
motivation. New York: Academic Press. 1974. p47-90.
Baddeley AD. Working memory: looking back and looking forward. Nat Rev Neurosci. 2003a;4:829-39.
Baddeley AD. Working memory and language: an overview. J Commun Disord. 2003b;36(3):189–208.
Baddeley AD. Working memory, thought and action. Oxford: Oxford University Press. 2007.
Baddeley AD. The episodic buffer: A new component of working memory? Trends Cogn Sci.
2000;4(11):417-423.
Baddeley AD, Wilson B. Prose recall and amnesia: Implications for the structure of working memory.
Neuropsychologia. 2002;40(10):1737-43.
Baddeley AD. Exploring the central executive. Q J Exp Psychol. 1996;49:5-28.
Berridge CW, Waterhouse BD. The locus coeruleus-noradrenergic system: domulation of behavioral state
and state-dependent cognitive processes. Brain Research Reviews 2003; 42:33-84.
Bliss TV, Lomo T. J Physiol. (1973) Long-lasting potentiation of synaptic transmission in the dentate area of
the anaesthetized rabbit following stimulation of the perforant path. Jul;232(2):331-56.
Bruel-Jungerman E, Davis S, Laroche S. Brain Plasticity Mechanisms and Memory: A Party of Four. The
Neuroscientist. 2007; 13: 492-505.
Bueno OFA, De Oliveira MGM. Memória e Amnésia. In: Andrade VM, Santos FH, Bueno OFA, editores.
Neuropsicologia hoje. São Paulo: Artes Médicas, 2004, p. 135I-163.
Cowan, N. (2005). Working memory capacity. Hove, East Sussex, UK: Psychology Press.
Dalley JW, Everitt BJ. Dopamine receptors in the learning, memory and drug circuitry. Seminars in cell &
developmental biology 2009; 20:403-410.
De Oliveira MGM, Bueno OFA. Neuropsicologia da memória humana. Psicologia USP São Paulo. 1993;
4(12):117-138.
Di Filippo M, Picconi B, Tantucci M, Ghiglieri V, Bagetta V, Sgobio C, Tozzi A, Parnetti L, Calabresi P. Short-
term and long-term plasticity at corticostriatal synapses: implications for learning and memory. Behav
Brain Res. 2009; 199:108-18.
Fibiiger HC, Damsma G, Day JC. Behavioral pharmacology and biochemistry of central cholinergic
neurotransmission. Adv. Exp. Med. Miol. Review. 1991; 295:399-414.
Gibbs, AE. Memory systems in the chick: regional and temporal control by noradrenaline. Brain Research
Bulletin 2008; 76:170-182.
- 32 -
Gibbs ME, Summers RJ. Role of adrenoceptor subtypes in memory consolidation. Progress in
neurobiology 2202; 67:345-391.
Graf P, Schacter DL. Implicit and explicit memory for new associations in normal and amnesic subjects. J
Exp Psychol Learn Mem Cogn. 1985;11(3):501-18.
Guyton AC, Hall JE. O Córtex Cerebral; Funções Intelectuais do Cérebro; e Aprendizagem e Memória.
In: Tratado de Fisiologia Médica. 9ª Ed. Rio de Janiero: Guanabara Koogan. 1997 p. 661-673.
Hanley, J. R., Young, A. W. & Pearson, N. A. Impairment of the visuospatial sketch pad. Q. J. Exp. Psychol.
43A, 101–125 (1991).
Hansselmo ME. The role of acetylcholine in learning and memory. Curr.Op.Neurobiol.2006;16:710-715.
Jay TM. Dopamine: a potential substrate for synaptic plasticity and memory mechanisms. Progress in
neurobiology 2003; 69:375-390.
Kamboj SK, Curran HV. Neutral and emotional episodic memory: global impairment after lorazepam or
scopolamine. Psychopharmacology 2006; 188:482-488.
Kandel ER, Schwartz JH, Jessel TN. Princípios da Neurociência. Barueri: Manoele 2000.
Kandel ER. Cellular mechanisms of learning and the biological basis of individuality. In: Kandel ER,
Schwartz JH, Jessel TM. Principles of Neural Science 4th ed. New York: McGraw-Hill, 2000 p. 1247-1279.
Klauer KC, Zhao Z. Double dissociations in visual and spatial short-term memory. J Exp Psychol Gen.
2004;133:355–381.
Kopelman MD. The psychopharmacology of human memory disorders. In: Wilson BA, Moffat N. Clinical
Management of Memory Problems 2o ed. San Diego: Singular Publishing Group, 1992 p.189-215.
Kosslyn, S. M. et al. Visual mental imagery activates topographically organised cortex: PET investigations.
J. Cogn. Neurosci. 5, 263–287 (1993).
Lavigne F, Darmon N. Dopaminergic neuromodulation of semantic priming in a cortical network model.
Neuropsychologia, 2008; 46:3074-3087.
Lledo P-M, Alonso M, Grubb MS (2006). Adult neurogenesis and functional plasticity in neuronal circuits.
Nature Reviews Neuroscience, vol. 7, p 179-193.
Maren S and Quirk GJ., (2004) - Neuronal signalling of fear memory. Nat Rev Neurosci. 2004
Nov;5(11):844-52.
Miller, GA. The magical number seven, plus or minus two: Some limits on our capacity for processing
information. Psychol Rev. 1956;63(2):81-97.
Narayanan, R. T., T. Seidenbecher, et al. (2007). "Dissociated theta phase synchronization in amygdalo-
hippocampal circuits during various stages of fear memory." Eur J Neurosci 25(6): 1823-31.
Norman DA, Shallice T. Attention to action: Willed and automatic control of behavior. In Davidson R,
Schwartz G, Shapiro D, editor. Consciousness and self-regulation: Advances in research and theory. New
York: Plenum. 1986:p 1-18.
Pompéia S, Gorestein C. Benzodiazepínicos e desempenho psicomotor e cognitivo. In:
Benzodiazepínicos: quatro décadas de experiência. Bernick MA, editor. São Paulo: Editora da
Universidade São Paulo, 1999 p.199-209.
Potter MC. Very shot-term conceptual memory. Mem Cognit. 1993;21(2):156-61.
Prabhakaran V, Narayanan K, Zhao Z, Gabrieli JD (2000) Integration of diverse information in working
memory within the frontal lobe. Nat Neurosci 3:85–89.
Przybyslawski J, Roullet P, Sara SJ. Attenuation of emotional and nonemotional memories after their
reactivation: role of beta adrenergic receptors. Journal of Neuroscience 1999, 19:6623-6628.
- 33 -
Redish, A. D. et al. (2001). Independence of firing correlates of anatomically proximate hippocampal
pyramidal cells. J. Neurosci. 21, RC134 (2001).
Repovs G, Baddeley AD. Multi-component model of working memory: explorations in experimental
cognitive psychology. Neuroscience. 2006;139:5(1)-21.
Riedel G, Platt B, Micheau J. Glutamate receptor function in learning and memory. Behavioural brain
research 2003; 140:1-47.
Robbins TW, Murphy ER. Behavioural pharmacology: 40+ years of progress, with focus on glutamate
receptors and cognition. Trends in pharmacological sciences. 2006; 27(3): 141-148.
Savi MM, Dragan I, Nenad D, Dubravko R. Memory effects of benzodiazepines: memory satges and types
versus binding-site subtypes. Neural Plasticity 2005; 12(4):289-298.
Schacter DL, Wagner AD, Buckner RL. Memory Systems of 1999. In: Tulving E, Craik FIM, editor. The Oxford
handbook of memory. London:Oxford University Press; 2000.p.627-643.
Schliebs S, Arendt T. The significance of cholinergic system in the brain during aging and in Alzheimer’s
disease. Journal of neural transmission 2006; 113:1625-1644.
Squire LR. Memory systems of the brain: A brief history and current perspective. Neurobiol Learn Mem.
2004;82(3):171-77.
Squire LR, Zola-Morgan S. The medial temporal lobe memory system. Science, 1991; 235:1380-1386.
Smith, E. E. & Jonides, J. Working memory: a view from neuroimaging. Cogn. Psychol. 33, 5–42 (1997).
Stuss, D. T. & Knight, R. T. Principles of Frontal Lobe Function (Oxford Univ. Press, New York, 2002).
Tulving E. Elements of episodic memory. Oxford: Clarendon Press. 1983.
Tulving E. How many memory systems are there? Am Psychol. 1985;40(4):385-398.
Tollenar MS, Elzinga BM, Spinhoven P, Everaerd W. Psychological responding to emotional memories in
health young men after cortisol and propanol amnisntration. Psychopharmacology 2009. 203:793-803.
Vallar, G. & Papagno, C. in Handbook of Memory Disorders (eds Baddeley, A. D., Kopelman, M. D. &
Wilson, B. A.) 249–270 (Wiley, Chichester, 2002).
Vizi ES, Kiss JP. Neurochemistry and pharmacology of the major hippocampal transmitter systems:
synaptic and nonsynaptic interations. Hippocampus. 1998; 8: 566-607.
Zhang D, Zhang X, Sun X, Li Z, Wang Z, He S, Hu X (2004) Crossmodal temporal order memory for auditory
digits and visual locations: an fMRI study. Hum Brain Mapp 22:280–289.
Wan H. et al. Benzodiazepine impairment of perirhinal cortical plasticity and recognition memory.
European Journal of Neuroscience 2004; 20:2214–2224.
Waugh NC, Norman DA. Primary memory. Psychol Rev. 1965;72:89-104.
Williams GV, Castner SA. Under the curve: critical issues for elucidating D1 receptor function in working
memory. Neuroscience 2006; 139:263-276.
Wilson, M. A. & McNaughton, B. L. (1993) Dynamics of the hippocampal ensemble code for space.
Science 261, 1055–1058.
`
- 34 -
1. HISTÓRIA DA NEUROPSICOLOGIA
1.1 Desenvolvimento da Ciência do Cérebro
A neuropsicologia é uma área da neurociência que visa o estudo da relação entre
comportamento e funcionamento cerebral em condições normais ou patológicas, sejam essas
patologias decorrentes de fatores congênitos, lesões adquiridas ou de disfunções químicas. A
história da neuropsicologia está intimamente ligada à história dos estudos a respeito do cérebro,
cujos primeiros registros datam da Antiguidade. Dessa forma, esteve relacionada a procedimentos
neurocirúrgicos de abertura do crânio (craniotomia), as quais tem sido feitas desde o período
paleolítico.
Apesar da possibilidade de risco de morte e da dificuldade destas cirurgias, muitos
pacientes sobreviviam e voltavam a viver em comunidade, fato comprovado pelos crânios
encontrados em sítios arqueológicos que continham regeneração óssea em volta da área da
cirurgia, evidenciando uma sobrevida do sujeito.
Desde gregos como Hipócrates (460-355 a.C.) e Cróton (século V a.C.) que estudaram
ferimentos de crânios e como estes estariam relacionados à deficiências motoras, a partir de
então têm-se provas de que foram surgindo estudiosos que tinham interesse em entender e
explicar o estudo dos processos neurológicos e mentais. De acordo com o contexto histórico (e
por vezes até mesmo religioso), as descobertas desta época remota tiveram grande importância
no desenvolvimento do que foi se delineando em ciência do cérebro.
1.2. O Nascimento da Neuropsicologia
Pierre Paul Broca (1824-1880), um neurologista francês, em 1865 associou o hemisfério
esquerdo com a produção da fala e com a ideia de dominância manual. Pela primeira vez,
Broca relacionou uma determinada função (no caso, relacionada a comportamentos) a uma
localização cerebral específica, sendo um marco para o nascimento da neuropsicologia.
- 35 -
Em 1873, Karl Wernicke, neurologista e psicólogo alemão, identificou a afasia sensorial, ou
seja, perda da capacidade de compreender a fala audível, enquanto que a fala motora
(expressão verbal) permanecia relativamente preservada.
Um dos mais importantes estudos no campo da neuropsicologia foi o caso de Phineas
Gage, descrito por John M. Harlow. Uma barra de 2,5 cm de diâmetro e mais de 1 m de
comprimento atravessou frontalmente seu crânio acarretando uma lesão nos lobos frontais, que
passaram a ser associados às funções emocionais. Phineas, que antes era descrito como um
rapaz socialmente adaptado, inteligente e responsável, passou a ser zombeteiro, irresponsável, a
não medir as palavras e tampouco inibir comportamentos inadequados, ou seja, sua
personalidade mudou. Porém, sua fala, capacidade de se movimentar e sua capacidade de
aprender permaneceram intactas.
Outro caso clássico de suma importância para a neuropsicologia é descrito por Scoville e
Milner (1957) que relataram o caso de H.M., paciente que em 1954 (aos 27 anos) foi submetido a
uma cirurgia no lobo temporal mesial devido a uma epilepsia grave; H.M. apresentava até 10
crises por dia. Na cirurgia, houve ablação bilateral do lobo temporal mesial, sendo removidos
hipocampo, amígdala, giro parahipocampal e córtex entorrinal. Os testes neuropsicológicos
realizados após a cirurgia apontaram um desempenho aparentemente normal nos testes de
quociente de inteligência (QI), percepção e pensamento abstrato. Além disso, a memória de
curto prazo e memória implícita também estavam preservadas. Porém, seu desempenho em
tarefas de memória de longo prazo do tipo episódica foi muito baixo. Ou seja, o paciente
desenvolveu amnésia retrógrada parcial (para três anos antes da operação), e amnésia
anterógrada (não conseguia armazenar fatos novos, ocorridos após a cirurgia). Até os dias de
hoje são realizadas cirurgias semelhantes para epilepsias que não respondem a tratamento
medicamentoso, porém, elas são feitas unilateralmente para evitar tais problemas de memória.
O neurologista Alexander Romanovich Luria (1902-1977) também ofereceu grandes
contribuições à neuropsicologia com seus estudos de observações da correlação entre lesões em
diferentes regiões cerebrais e disfunções cognitivas. Luria difundiu a idéia de sistema funcional, ou
seja, da importância de determinadas localizações cerebrais para o funcionamento cognitivo e
comportamental.
Assim, a percepção de que funções relativamente complexas poderiam ser localizadas
em áreas cerebrais permitiu o estabelecimento da conexão entre cérebro e comportamento, a
base da neuropsicologia. Ressaltam-se ainda os estudos com sobreviventes da Segunda Guerra
Mundial, que contribuíram consideravelmente para o desenvolvimento desta ciência. Mais
recentemente, com o avanço da tecnologia, aprofundou-se o conhecimentoa da relação entre
cérebro e comportamento através de técnicas de neuroimagem como ressonância magnética
funcional.
- 36 -
A Resolução no. 002/2004 do Conselho Federal de Psicologia regulamenta a prática da
neuropsicologia – diagnóstico, acompanhamento, reabilitação e pesquisa – como especialidade
em psicologia e reconhece, através de registro e titulação, os profissionais especializados nestes
campos de atuação.
2. DA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA À AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA
A avaliação neuropsicológica tem bases na abordagem psicométrica e na avaliação
psicológica, embora tenha ultrapassado o conceito inicial da psicometria.
A psicometria (do grego psyché=alma e metrein=medir) surgiu no final do século XIX a
partir de amplas discussões acerca da inteligência e de sua medição. Consiste na medição das
funções psíquicas através de testes normatizados, destinados a estabelecer uma base
quantificável das diferenças entre os indivíduos. É baseada em métodos estatísticos, com a
suposição de que testes psicológicos medem diferentes dimensões do comportamento.
O teste é apenas um dos recursos em um processo de avaliação, o qual inclui o
instrumento objetivo e padronizado (que visa minimizar as limitações de uma simples observação),
a medida obtida pela aplicação do instrumento e a interpretação dos resultados obtidos. Para
que esta última seja realizada, é necessário considerar observações clínicas comportamentais, o
funcionamento do paciente no dia a dia via relato do próprio (quando adulto), de seus familiares
e da escola (quando criança) e também a utilização de questionários de escalas de avaliação
do humor e qualidade de vida.
Segundo Lezak (2004), a avaliação neuropsicológica não é um processo distinto do
psicodiagnóstico, mas sim um psicodiagnóstico que tem como foco a relação cérebro-
comportamento. Neste contexo, o comportamento é considerado um conjunto dos sistemas
emocionais e cognitivos, intimamente relacionados com o funcionamento cerebral. A avaliação
neuropsicológica aprimorou o estudo psicológico no sentido de permitir avanços no
entendimento da vida emocional, da consciência e do comportamento humano. Isto é
particularmente importante quando se considera que milhares de pessoas são hoje afetadas por
distúrbios cerebrais – como distúrbios degenerativos, isquemia cerebral hemorrágica,
esquizofrenia, autismo, epilepsia, distúrbios de aprendizagem, lesões, entre outros –.
A partir da última década do século XX, surgem exames de imagem, como a ressonância
magnética e funcional e o SPECT, que permitem identificar alterações estruturais e funcionais no
cérebro, bem como a localização de lesões. Entretanto, apesar de os exames de imagem serem
precisos na delimitação de alterações neurais, não são capazes de determinar as possíveis
repercussões dessas alterações no comportamento e na cognição, tampouco o seu impacto na
- 37 -
vida diária. Diferenças individuais, que circunscrevem os aspectos biológicos (incluindo a
organização neuronal), psíquicos e sociais, tornam a relação lesão-distúrbio pouco informativa.
Sendo assim, a definição do impacto de lesões ou distúrbios à vida do paciente requer uma
avaliação detalhada e interdisciplinar. Para a realização de diagnósticos, deve-se utilizar critérios
específicos (como CID 10 e DSM IV), levando em conta os aspectos supracitados.
2.1 O Avanço da Avaliação Neuropsicológica
Desde seu surgimento, a neuropsicologia, como qualquer outra corrente da psicologia, foi
se aprimorando e sofrendo modificações. Junto com o avanço da neuropsicologia, a avaliação
neuropsicológica também tem ampliado seus propósitos. Inicialmente, como acima discutido, a
avaliação tinha como principal objetivo identificar a localização de uma dada lesão ou
disfunção, contribuindo como instrumento de auxílio para planejamento cirúrgico. Atualmente,
como a determinação da localização cerebral afetada é mais comumente feita por exames de
neuroimagem, a neuropsicologia passou a ter também outras aplicações. A avaliação pode ser
utilizada para fins diagnósticos, mas, além disso, também pode ser aplicada para a definição de
fatores de prognóstico – esboçando o perfil evolutivo do distúrbio – e no contexto de reabilitação,
com o intuito de estabelecer as estratégias mais efetivas para a programação terapêutica da
intervenção.
2.2 Avaliação Neuropsicológica na Infância e Avaliação Neuropsicológica no Adulto
A neuropsicologia da infância surgiu a partir do modelo de avaliação com pacientes com
lesão cerebral, mas o avanço dos estudos sobre os aspectos neuropsicológicos na infância e
adolescência contribuiu para o desenvolvimento de métodos e técnicas específicas, delimitando
diferenças entre a neuropsicologia da infância e a do adulto/idoso.
Desde o nascimento do indivíduo, o cérebro está em constante evolução. As disfunções
ou distúrbios neuropsicológicos na infância tem características muito mais heterogêneas do que
homogêneas, pois são influenciadas por diversas variáveis que exercem um papel crucial no
desenvolvimento neuropsicológico, como a maturação cerebral – fenômeno complexo que
envolve aspectos genéticos, estruturais e de neuroplasticidade – e os fatores ambientais e sociais,
a exemplo dos estilos de interação familiar, a cultura e o método de alfabetização.
No contexto da avaliação neuropsicológica infantil é importante investigar diferentes
competências conforme a faixa etária do paciente. Deve-se atentar para o desenvolvimento da
- 38 -
criança e se há ou não discrepância com o desenvolvimento que é esperado para sua idade. Tal
análise, além de contribuir para diagnósticos diferenciais, permite traçar uma distinção entre
quadros de imaturidade daqueles de deficiência.
A avaliação neuropsicológica na infância é amplamente aplicada para a definição
diagnóstica, como em casos de lesões cerebrais, de transtorno do déficit de atenção e
hiperatividade, de distúrbios de aprendizagem (ex: dislexia), de deficiência intelectual, de
transtornos invasivos do desenvolvimento, entre outros quadros. Além da finalidade diagnóstica,
também auxilia na investigação ou identificação de quadros de comorbidades.
Já na fase adulta, ou no idoso, a avaliação neuropsicológica geralmente é aplicada para
identificar possíveis alterações causadas por lesões, traumatismo cranioencefálico (TCE), acidente
vascular cerebral (AVC), uso crônico de substâncias psicoativas, epilepsias, quadros
degenerativos ou comprometimento cognitivo leve (CCL). É importante considerar que a
avaliação na fase inicial após um determinado episódio, como AVC ou TCE, deve ser interpretada
com cautela, pois se trata de um período em que o sistema nervoso central está em fase de
reorganização.
De uma forma geral, cabe ao neuropsicólogo não só estabelecer o perfil do déficit e sua
extensão funcional, como também verificar as habilidades preservadas no paciente. Na etapa do
prognóstico, se esboça o perfil evolutivo do distúrbio, considerando as evoluções relacionadas às
funções cognitivas, psíquicas e do comportamento do indivíduo.
A avaliação neuropsicológica geralmente conta com algumas etapas. Entre elas,
podemos citar: 1) a anamnese, 2) a seleção de instrumentos, 3) a aplicação dos instrumentos, 4) a
correção e análise dos resultados, 5) a produção do relatório e 6) a devolutiva. Não se pretende
aqui discutir detalhadamente cada uma dessas etapas. Abordaremos apenas alguns aspectos
relevantes.
No momento inicial da avaliação neuropsicológica deve ser feita uma entrevista de
anamnese, para investigar o motivo da avaliação e as principais queixas. Com base nesses
dados, deve-se fazer um planejamento inicial, para organizar os testes a serem utilizados. É
fundamental considerar quem é o individuo a ser avaliado e quais os principais objetivos desta
avaliação. A idade do sujeito e a fase do desenvolvimento na qual se encontra também são
pontos importantes a serem levados em conta como apontado acima.
A avaliação neuropsicológica faz uso de testes e protocolos específicos organizados em
baterias de testes fixas ou flexíveis, dependendo do objetivo da avaliação. A seleção de testes
deve oferecer um panorama geral das funções cognitivas, favorecendo um exame eficiente para
permitir ao examinador avaliar o funcionamento cognitivo, com a finalidade de obter
informações necessárias para responder aos objetivos da avaliação.
- 39 -
De uma forma geral, o protocolo abrange a avaliação da atenção, funções executivas,
memória, processos intelectuais, funções motoras, funções visuais, organização visoespacial e
visoconstrutiva.
Os dados produzidos no contexto da avaliação neuropsicológica podem ser analisados
quantitativamente ou qualitativamente, como será discutido a seguir.
2.3 A Análise Quantitativa
A avaliação quantitativa utiliza-se de testes psicométricos que baseiam seus resultados em
escores (pontuações) e índices. O escore permite a comparação objetiva do desempenho do
paciente em relação a uma determinada população da mesma faixa etária ou com
escolaridade similar. Assim, os escores são uma medida do comportamento apresentado. Uma
outra forma de utilização dos escores obtidos nos testes é a comparação do paciente em relação
a ele mesmo em momentos diferentes, após uma intervenção ou procedimento cirúrgico, por
exemplo.
No entanto, vários fatores são limitantes para essa análise: a) os poucos testes traduzidos e
padronizados para o Brasil; b) escassas editoras especializadas em instrumentos neuropsicológicos;
c) regularização dos testes no Conselho Federal de Psicologia, o qual restringe a utilização de
testes não padronizados apenas para pesquisa.
2.4 A Análise Qualitativa
Segundo Lezak (2004), os escores gerados pela aplicação dos testes, isoladamente,
fornecem pouca informação acerca do funcionamento do paciente, sendo muito importante
verificar COMO o paciente soluciona um problema, e o PORQUÊ de não conseguir executar
determinadas tarefas, que pode decorrer de vários aspectos e não exclusivamente de um
distúrbio neurológico. Dificuldades na execução, além de poderem estar relacionadas à
limitações físicas (como dificuldade motora) ou à outras disfunções (como agnosias) podem
limitar o desempenho do paciente em uma avaliação. Outros fatores de possível interferência
poderiam ser afetivo-emocionais e comportamentais.
A observação do comportamento do paciente durante a avaliação é a principal forma
de se avaliar qualitativamente seu desempenho. Nessa observação, alguns aspectos particulares
das funções neuropsicológicas devem constar, entre elas: atenção do paciente ao que é dito,
- 40 -
capacidade de manutenção da atenção ao longo do tempo, compreensão das instruções,
intenção, tolerância à dificuldade, tônus muscular, motricidade, imitação, recordação de
elementos presentes em outros encontros, percepção temporal, estabelecimento de contato
com o avaliador, capacidade de comunicação e expressão de ideias, humor, entre outras. Essas
observações podem ser feitas no consultório, durante a execução dos testes.
No caso da avaliação neuropsicológica infantil, a análise qualitativa também pode ser
feita por meio de jogos lúdicos, e costuma ser muito utilizada na avaliação de crianças autistas,
crianças com atraso na linguagem, surdos-mudos, etc.; tais pacientes ficam cansados e frustrados
facilmente com tarefas formais.
Assim, a avaliação qualitativa pretende não só definir habilidades/disfunções dos
indivíduos, mas também fornecer informações complementares a métodos padronizados de
avaliação e protocolos formais.
3. NEUROPSICOLOGIA DA INFÂNCIA
Compreender as relações entre o cérebro e o desenvolvimento infantil é, até os dias de
hoje, um desafio aos profissionais. No entanto, as pesquisas e desenvolvimento de avaliações e
tratamentos para esta população tem sido crescente.
Como dito anteriormente, além dos aspectos genéticos e estruturais, outros fatores são
levados em conta em uma avaliação e intervenção em crianças. Considerando o
desenvolvimento neuropsicológico um processo dinâmico e contínuo das experiências sociais e
ambientais, fatores como a cultura em que a criança está inserida, o nível socioeconômico e as
experiências emocionais são levados em conta.
Para este material, optamos por discorrer sobre dois transtornos que têm sido muito
abordados ultimamente, pelos cientistas e também pela comunidade em geral.
3.1 Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)
A todo momento o ser humano está em contato com uma miríade de estímulos. Cabe aos
processos atencionais selecionar aqueles que devem ser processados e aqueles que devem ser
ignorados de modo a não sobrecarregar recursos cognitivos. A atenção é um processo
multifacetado, que requer uma percepção direcionada e seletiva à fonte de informação,
- 41 -
possuindo duração determinada. Trata-se de um processo cognitivo evidente a todos nós, porém
complexo e de difícil caracterização, não podendo ser reduzido a uma simples definição.
Relacionado principalmente à esta função neuropsicológica, o TDAH é comumente
caracterizado pela tríade sintomatológica desatenção (dificuldade em selecionar e sustentar o
foco da atenção), hiperatividade e impulsividade. Trata-se do transtorno neuropsiquiátrico mais
comum na infância e adolescência. Segundo a American Psychiatric Association, a prevalência
do TDAH é de 3% a 7% em população em idade escolar. Muitas das crianças com TDAH
continuam a apresentar sintomas significativos ao longo da adolescência e da vida adulta, sendo
entre 4% a 5% a prevalência estimada entre adultos. Observa-se, ainda, uma incidência mais alta
entre pessoas do sexo masculino do que entre o feminino, com uma proporção de 3:1.
O DSM-IV-TR descreve, dentro do diagnóstico de TDAH, três diferentes subtipos: (1)
predominantemente desatento, (2) predominantemente hiperativo-impulsivo e (3) combinado. O
subtipo predominantemente desatento apresenta, em maior intensidade, facilidade em se distrair,
dificuldade de organização, esquiva de atividades que exigem esforço mental constante,
dificuldades em seguir instruções e necessidade de um tempo maior que a média para completar
tarefas. O subtipo hiperativo-impulsivo caracteriza-se por apresentar elevada agitação
psicomotora, dificuldade em manter-se numa mesma posição ou numa mesma atividade por
tempo prolongado, dificuldade em esperar a vez, aversão ao atraso da recompensa e fala em
demasia. O subtipo combinado caracteriza-se pela associação dos sintomas presentes nos dois
subtipos.
3.2 Dislexia
A Dislexia, ou Transtorno Específico de Aprendizagem, é uma desordem do
neurodesenvolvimento caracterizada pela decodificação lenta ou incorreto de palavras, apesar
da inteligência dentro do esperado, adequada instrução escolar e habilidades sensoriais intactas.
Nos últimos 20 anos a compreensão sobre os Transtornos de Aprendizagem evoluiu muito
rapidamente, principalmente nas questões que envolvem definição e classificação, correlatos
neuropsicológicos, fatores neurobiológicos e intervenção. Há alguns anos atrás era bastante
difundida uma concepção diagnóstica baseada em critérios de exclusão. Teorias mais atuais
englobam conceito de “resposta à intervenção” conhecida como RTI, do original Response to
Intervention. De maneira resumida, a RTI oferece intervenção em momentos distintos (‘camadas’),
baseada em instrução explícita com foco na dificuldade de leitura (para revisão, ver Fletcher &
Vaughn, 2009). Com base no modo como a criança responde a esta intervenção, é de fato
confirmado ou não o diagnóstico. No caso da dislexia, dados da literatura descrevem que
disléxicos têm padrão de melhora mais lento quando comparados aos não disléxicos.
- 42 -
Uma definição atual e que contempla os achados de pesquisas recentes foi publicada em
2008 no Relatório Técnico do Comite de Especialistas (IDIS, 2008): “a dislexia é um transtorno
específico e persistente da leitura e da escrita... o disléxico responde lentamente às intervenções
terapêuticas e educacionais específicas, porém, somente com estas intervenções adequadas
pode melhorar seu desempenho em leitura e escrita. O prognóstico depende ainda de diversos
fatores facilitadores como a precocidade do diagnóstico, o ambiente familiar e escolar.” Em
testes cognitivos/ neuropsicológicos, três principais déficits são observados: prejuízo em memória
operacional fonológica (definição vide capítulo de memória) e consciência fonológia, além de
maior lentidão na velocidade de acesso ao léxico (baixo desempenho em tarefas de nomeação
rápida).
4. NEUROPSICOLOGIA DO ADULTO
A avaliação neuropsicológica em adultos tem por objetivo verificar a existência de
disfunções cognitivas e caracterizá-las, bem como apontar mudanças ao longo do tempo. Pode-
se, assim, obter informações específicas a respeito do alcance e gravidade do problema,
identificar quais funções permanecem preservadas e indicar o efeito de medicamentos e
intervenções cirúrgicas. A seguir serão descritos alguns tipos de lesão e suas consequências
neuropsicológicas.
4.1 Lesão Encefálica Adquirida
Lesão Encefálica Adquirida (LEA) é um termo geral empregado para descrever diversos
acometimentos cerebrais que causam prejuízos cognitivos e comportamentais. Esta terminologia
é utilizada para os casos em que o sujeito levava uma vida normal e em decorrência de um
acidente cerebral interrompeu seu curso de vida. Dependendo do grau e extensão da lesão
pessoas que sofrem um acidente cerebral podem ter prejuízos temporários. Todavia, na grande
maioria dos casos estes prejuízos são permanentes.
Dados epidemiológicos revelam que entre a população jovem as lesões encefálicas são
as causas de morte mais comum. Sobretudo, a causa mortis não decorre diretamente da lesão,
mas por seu danos secundários, como hematomas intracranianos, hipoxemia (baixa
concentração de oxigênio no sangue), hipotensão (pressão arterial baixa) ou inchaço cerebral,
levando a isquemias cerebrais.
- 43 -
As lesões encefálicas podem ser descritas quanto: A) ao grau e extensão do acidente
cerebral; e b) tipo de acometimento. Neste primeiro momento, é importante descrever como as
lesões podem ocorrer.
A. Grau e extensão da lesão
Existem diferentes especificidades no que se refere à forma com que o cérebro é atingido.
Uma lesão cerebral pode ser focal (atingindo uma região específica do cérebro) ou difusa
(comprometendo várias regiões cerebrais) e pode ocorrer de duas maneiras: lesão cerebral
fechada e lesão cerebral penetrante. Na lesão cerebral fechada não há abertura do crânio. O
cérebro é lesado por um movimento forte e abrupto que resulta em hematomas e lacerações,
rupturas de nervos e do tecido nervoso. Lesões cerebrais penetrantes envolvem perfuração do
crânio.
As causas das lesões cerebrais penetrantes mais comuns ocorrem devido a assalto com
armas de fogo, agressão com objetos pontiagudos, golpes ou quedas. Diferentemente, lesões
cerebrais fechadas geralmente são consequências de acidentes automobilísticos, quedas ou
práticas esportivas.
B. Tipos de Lesões
Como dito anteriormente, existem diferentes tipos de lesões encefálicas que podem
acometer principalmente pessoas com maiores vulnerabilidades de ordem genética ou
ambiental. A seguir, serão descritas com detalhes cada uma delas.
4.1.1 Traumatismo Crânio-Encefálico (TCE)
O TCE, como o nome sugere, trata-se de um dano cerebral geralmente causado por forte
golpe na cabeça devido a quedas ou acidentes automobilísticos, por exemplo. O impacto de
acidentes automobilísticos geralmente afeta a região orbitofrontal e temporal e pode causar
ainda lesão axonal difusa. Esta última afeta os núcleos da base, o pedúnculo cerebelar superior, o
corpo caloso e o mesencéfalo. Lesão cerebral traumática leve são as chamadas concussões, que
resultam do impacto com um objeto .
As sequelas do traumatismo podem ser resultado de fatores secundários aos danos físicos,
como distúrbio vascular, anoxia e edema cerebral. Por isso, dependendo da extensão, grau e
- 44 -
local da lesão problemas adicionais graves podem ocorrer logo após o dano ou mesmo após
anos.
Uma das formas de observar a gravidade do TCE baseia-se na observação da
profundidade e duração do coma e da amnésia pós-traumática (período em que o paciente
está confuso, desorientado e apresentando amnésia retrógrada – não lembrar-se de fatos
anteriores ao trauma - e sinais de amnésia anterógrada – para fatos posteriores ao trauma),
condições geralmente relacionadas a este tipo de lesão.
A escala de Glasgow é uma das ferramentas utilizadas para avaliação de pacientes em
estado de coma. Assim, observam-se sinais como abertura dos olhos, fornecimento de respostas
verbais e de respostas motoras. Nesta escala, quanto menor a pontuação obtida pior o quadro
de coma. O ponto de corte para definir se o sujeito está ou não em coma é um escore de 8
pontos.
A maioria dos sobreviventes de TCE podem apresentar prejuízos motores visíveis, como
hemiplegia (paralisia total de metade do corpo) ou hemiparesia (paralisia parcial em metade do
corpo) em que um dos lados do corpo fica imóvel. Sobretudo, os pacientes também podem
apresentar prejuízos cognitivos e comportamentais que nem sempre são visíveis às pessoas que
não convivem com ele(a).
4.1.2. Acidente Vascular Cerebral (AVC)
O AVC pode ser ocasionado por derrame cerebral (hemorragia) ou isquemia cerebral
(bloqueio da passagem de sangue pelos vasos sanguíneos). Nos casos em que ocorre
hemorragia, pode haver uma ruptura de aneurisma (dilatação de artérias). Já em acometimentos
isquêmicos, há uma falta de suprimento sanguíneo. É importante salientar que, como em outras
lesões, a gravidade do AVC é observada pela localização e extensão da lesão.
Nos casos de aneurisma a Artéria Comunicante Anterior geralmente é acometida, artéria
encontrada entre os lobos frontais, próximo ao hipotálamo anterior. Pela sua localização, quando
há um rompimento da artéria, problemas de memória e de funções executivas são
frequentemente observados. Dependendo do lado em que ocorre a hemorragia, os pacientes
podem apresentar ainda problemas de linguagem, dificuldades visuo-espaciais e síndrome
amnésica clássica.
- 45 -
4.1.3 Encefalite
Na encefalite há uma inflamação no cérebro que é causada por um vírus. Os vírus que
afetam o cérebro podem destruir células ou conduzir a uma reação alérgica entre o cérebro e a
medula espinhal. O vírus Herpes Simplex é a forma mais comum de encefalite, mas outras reações
infecciosas também dão origem a déficits cognitivos.
Este tipo de lesão é de rápido desenvolvimento, gera dores de cabeça, prostração, vômito
e irritabilidade. Dependendo do local de infecção, há maior comprometimento naquela região,
como por exemplo, infecção no lobo temporal, que causa a clássica síndrome amnésica.
4.1.4. Lesão Encefálica por Hipóxia
Em lesão encefálica por hipóxia há falta de oxigênio no cérebro, resultando em graves
prejuízos cognitivos, principalmente memória, funcionamento executivo e comprometimento
global intenso. Uma das causas que podem levar a hipóxia está associada a problemas cardíacos
em que há uma ausência de bombeamento de sangue para o cérebro. As formas mais comuns
de hipóxia são enforcamentos e afogamentos.
4.1.5. Síndrome Alcoólica de Korsakoff
A síndrome de Korsakoff é causada pelo uso crônico do álcool. Atinge os corpos
mamilares, uma região do diencéfalo que é responsável pela produção de tiamina. Os principais
sintomas são amnésia (retrógrada e anterógrada), problemas motores, confusão e desorientação.
Alguns pacientes acometidos pela Síndrome de Korsakoff não conseguem admitir que
estão com prejuízos de memória, o que os leva à confabulação, ou mesmo que admitam um
prejuízo, podem ter dificuldades para compreender os déficits.
4.1.6. Tumor Cerebral
Os tumores cerebrais podem ser classificados como benignos e malignos. Os principais
tumores malignos são os astrocitomas, gliomas, oligodendrogliomas, ependimomas,
- 46 -
meduloblastomas, linfomas e metatástico; os benignos, meningiomas, adenomas e neurinomas do
acústico.
Os déficits decorrentes de tumor cerebral dependem da pressão intracraniana, da
natureza do tumor, da sua localização e da resposta do sujeito à doença.
4.2 Consequências das Lesões Cerebrais
É comum ao neuropsicólogo observar os diversos problemas decorrentes de lesão
cerebral. Dentre eles, destacam-se os problemas cognitivos, motores, funcionais e de
personalidade que estão sumarizados no esquema abaixo. As dificuldades funcionais são de
primordial importância no processo de reabilitação neuropsicológica do paciente com lesão
cerebral.
Figura 1: Esquema das principais dificuldades após lesão encefálica adquirida
- 47 -
5. NEUROPSICOLOGIA DO ENVELHECIMENTO
5.1 Senescência e Senilidade
O fenômeno do envelhecimento populacional aumentou a expectativa de vida e isto tem
determinado a necessidade crescente do melhor entendimento não só do processo de
envelhecimento natural, mas também das doenças mais prevalentes nesta fase da vida e suas
consequências.
Assim, é fundamental o entendimento dos conceitos de senescência e senilidade. A
senescência é o conjunto de alterações que acompanham o envelhecimento normal e não
envolve prejuízo no funcionamento do idoso. A senilidade refere-se à presença da condição
patológica frequente na população idosa, que pode gerar comprometimento funcional.
5.2 O Cérebro do Idoso
No envelhecimento, do ponto de vista sensorial, tem-se pouco afetadado o olfato e
paladar, enquanto a audição, visão e equilíbrio são prejudicados de forma significativa.
Como alterações neuroanatômicas há diminuição da substância branca, diminuição do
volume cortical, aumento dos sulcos, aumento do líquido cefalorraquidiano e dilatação
ventricular.
5.3. A Cognição no Envelhecimento
Quando se fala sobre a cognição e o envelhecimento, sabe-se que alterações são
esperadas. A avaliação neuropsicológica nos idosos tem como principais objetivos o diagnóstico
diferencial entre envelhecimento normal e patológico, a estimativa da capacidade funcional do
idoso e o planejamento de estratégias terapêuticas.
Através da avaliação neuropsicológica fica perceptível a diferença do desempenho dos
idosos nas habilidades fluídas e cristalizadas. No curso do envelhecimento poucas são as
alterações observadas nos testes que avaliam as habilidades cristalizadas, que são os
conhecimentos adquiridos durante toda a vida e que podem ser mensurados através dos
subtestes Vocabulário e Informação, ambos pertencentes à Escala Wechsler de Avaliação da
- 48 -
Inteligência para Adultos – 3ª edição (WAIS-III). Por outro lado, o envelhecimento traz alterações
nas habilidades fluídas, que requerem do sujeito resoluções de problemas. Estas habilidades
podem ser mensuradas, por exemplo pelo subteste Raciocínio Matricial do WAIS-III.
É importante ressaltar que a maioria dos estudos indica diminuição da velocidade de
processamento cognitivo como a principal característica do envelhecimento. Esta modificação
afeta de forma secundária o desempenho em tarefas que mensuram diversos domínios
cognitivos, tais como atenção, memória, linguagem e funções executivas. Sendo assim, deve-se
diferenciar se os déficits observados são na verdade decorrentes da diminuição de velocidade de
processamento ou se estão relacionados a outras habilidades cognitivas.
Em geral, o envelhecimento normal revela na avaliação neuropsicológica:
Habilidades intactas ou estáveis:
- Habilidades verbais intactas;
- Habilidades cristalizadas intactas;
- Atenção sustentada e estratégias de manutenção da vigilância inalterada;
- Habilidades semânticas estáveis.
Habilidades alteradas:
- Diminuição na velocidade de processamento de pensamento;
- Diminuição da memória episódica;
- Diminuição da memória de trabalho;
- Diminuição da atenção dividida;
- Diminuição das habilidades visuo-espaciais;
- Diminuição do aprendizado.
5.4. Comprometimento Cognitivo Leve (CCL)
Estudos epidemiológicos sobre o envelhecimento e demências demostram que o uso dos
critérios diagnósticos habituais leva ao reconhecimento de três grupos de indivíduos: pacientes
demenciados, pacientes não demenciados e um grupo que não pode ser classificado como
normal ou demenciado, mas possui comprometimento cognitivo, predominantemente de
memória. Para este terceiro grupo, a definição atual mais amplamente aceita e utilizada é a de
Comprometimento Cognitivo leve (CCL).
Os critérios para o diagnóstico de CCL são:
- 49 -
- Queixa cognitiva relatada pelo paciente e/ou familiares;
- Declínio cognitivo relatado pelo paciente e/ou informante em relação a habilidades
prévias no último ano;
- Evidência de comprometimento em um ou mais domínios, incluindo memória;
- Preservação da independência nas atividades diárias;
- Ausência de demência.
Considera-se a existência de tipos de CCL com base no múmero de funções acometidas e
no comprometimento ou não da memória:
- CCL amnéstico: Compromentimento significativo apenas da memória;
- CCL amnéstico de múltiplos domínios: Comprometimento da memória e pelo menos de
outra função cognitiva;
- CCL não amnéstico: Comprometimento significativo de apenas uma função que não a
memória;
- CCL não-amnéstico de múltiplos domínios: Comprometimento significativo de mais de
uma função cognitiva que não a memória.
5.5. Demências
O termo “demência” é etiologicamente composto pelo prefixo de (ausência) mente
(mente) e pelo sufixo ia (condição ou estado).
É uma síndrome clínica caracterizada pelo declínio progressivo em múltiplos domínios
cognitivos, comprometendo o funcionamento social e ocupacional do indíviduo.
Os critérios para o Diagnóstico de Demência (DSM-IV) são:
- Déficits cognitivos múltiplos, que inclui déficts de memória e pelo menos afasia, apraxia,
agnosia, e alterações nas funções executivas;
- Comprometimento de atividades sócio-ocupacionais;
- Declínio de um estado prévio;
- Os déficts cognitivos não ocorrem exclusivamente durante episódio de delirium;
- O quadro pode estar relacionado a uma condição médica geral, aos efeitos persistentes
de algumas substâncias, ou a uma combinação destes dois fatores.
- 50 -
Demência
Alterações Comportamentais Prejuízos das
Cognitivas ADVs
(Associação Psiquiátrica Americana/ DSM-IV, 1994)
Embora frequentemente as demências sejam progressivas e irreversíveis, podem não ser
progressivas, como no caso de demências vasculares (20% dos casos de demências) ou quando
são decorrentes de fatores como deficiência da vitamina B12, depressão, tumores, doenças
infecciosas, hipotireodismo, vasculites, hematoma subdural, intoxicação medicamentosa, uso
abusivo de álcool.
As demências podem ser subdivididas em cortical e subcortical, a depender do local de
maior patologia.
Algumas demências corticais são: Doença de Alzheimer, Demência Frontotemporal,
Demência Semântica, e outras. E as subcorticais são: Doença de Parkinson, Demência por Corpos
de Lewy, Paralisia Supranuclear Progressiva, dentre outras.
A Doença de Alzheimer (DA) é a principal causa de demência, representando 50 a 70%
dos casos. A demência por corpos de Lewy (DCL) e a Demência Frontotemporal (DFT)
apresentam 5% dos quadros demenciais.
5.5.1 Doença de Alzheimer (DA)
Ocorre em geral a partir dos 65 anos e caracteriza-se tipicamente por déficts progressivos
de memória, associados ao comprometimento de outras funções cognitivas como linguagem,
habilidades visuoespeciais e visuoperceptivas. Além de alterações cognitivas, a DA apresenta
- 51 -
uma série de sintomas comportamentais em 50 a 80% dos casos, tais como apatia, depressão e
agitação/agressividade.
5.5.2 Demência Frontotemporal (DFT)
Demências Frontotemporais manifestam-se entre as idades de 45 e 65 e são
caracterizadas por distúbios progressivos do comportamento e/ou funções executivas e da
linguagem, com uma relativa preservação da memória, praxia e habilidades visuoespaciais.
5.5.3 Demência por corpos de Lewy (DCL)
A demência por corpos de Lewy (DCL) é uma demência degenerativa marcada pela
presença de, pelo menos, duas das seguintes características: parkinsonismo, alucinações visuais
recorrentes e flutuação do estado mental. O parkinsonismo é caracterizado por rigidez,
instabilidade postural e tremor de repouso. Os déficts encontrados na DCL são: atencionais,
visuoespaciais e visouconstrutivas. Distúrbios de sono, quedas repentinas. Grande sensibilidade dos
pacientes ao uso do neurolépticos são outros dos sinais que sugerem diagnóstico de DCL.
5.5.4 Demência Vascular (DV)
Demências Vasculares (DV) podem se apresentar através de várias síndromes clínicas:
cortical e/ou subcortical, por multiplos infartos, por infarto único estrategicamente situado e por
doença de pequenos vasos. As manifestações clínicas e a evolução são variáveis, não seguindo
um padrão único. Seu início pode ser súbito ou indisioso.
De maneira geral, os pacientes com DV apresentam menor comprometimento de
memória, enquanto que a atenção, as funções executivas e as funções motoras estão mais
gravemente afetadas.
- 52 -
5.6 Diagnóstico e Tratamento
Há diversas razões que levam o paciente (e/ou sua família) à procura de avaliação de
quadro demencial. Considerando que os marcadores biológicos não são ainda muito específicos
em relação às demências e que há fatores complicadores da avaliação (como a falta de dados
quantitativos prévios à queixa daquele paciente), o profissional precisa estar atento a outros
quadros. Um exemplo é a depressão, que pode também causar um comprometimento leve da
memória e atenção.
Outro dado importante e que merece atenção é que 10 a 15% dos idosos que apresentam
CCL evoluem para DA, enquanto que na população sadia esta prevalência é de 1 a 2%.
Tendo em vista que em casos de demência progressiva o tratamento farmacológico visa
aliviar os sintomas e retardar o avanço da doença, mas não a sua cura, tratamentos alternativos
são necessários. Como será melhor discutido adiante, estes tratamentos (reabilitação
neuropsicológica) parecem potencializar os efeitos das drogas e objetivam manter a autonomia
do paciente tanto o quanto possível, bem como preparar a família para fornecer um ambiente
adaptado e viável à condição do paciente.
6. Reabilitação Neuropsicológica
O desenvolvimento da neuropsicologia possibilitou aos pacientes uma nova forma de lidar
com suas dificuldades, sejam cognitivas, emocionais ou sociais.
Dentro da neuropsicologia, a proposta da reabilitação neuropsicológica surgiu como uma
possibilidade no tratamento para doenças neurodegenerativas, psiquiátricas, déficits cognitivos e
lesões cerebrais congênitas ou adquiridas.
A reabilitação neuropsicológica é uma modalidade de tratamento não farmacológico,
que não visa cura, dado que esta é em geral impossível de ser atingida. Esta prática tem por
objetivo resgatar a autonomia do indivíduo na medida em que esta é possível, através de
recursos internos (treinamento dos pacientes) ou externos (uso de estratégias) que restaurem a
funcionalidade social, física e/ou emocional do indivíduo. Para tanto, deve-se seguir uma
abordagem individualizada que deve também contemplar a participação da família (OMS, 1980,
2001).
Assim, seu objetivo principal é manter a qualidade de vida da pessoa assistida, assim como
o equilíbrio das forças dentro da família em que ela está inserida. O tratamento personalizado leva
- 53 -
a um sucesso maior, fazendo com que o planejamento das tarefas vá ao encontro das
necessidades dos pacientes e de seus cuidadores.
O primeiro passo num processo de reabilitação é invariavelmente a avaliação
neuropsicológica, que indica tanto os aspectos cognitivos prejudicados quanto os preservados,
que são empregados nas estratégias de tratamento propostos. McGlynn (1990) também observou
que a análise funcional, através de escalas específicas, aumenta as chances do programa de
reabilitação neuropsicológica ser bem-sucedido.
Existem linhas gerais na intervenção de reabilitação neuropsicológica, tais como:
1) Reabilitação cognitiva, que envolve: a) aprendizagem sem erro (como tentativa de
reabilitação); b) ajudas externas (como forma de compensação); c) estratégias internas
(utilizando a capacidade metacognitiva, ou seja, de forma que o paciente tenha consciência de
seus processos de aprendizagem);
2) Mudança de conduta, que tem quatro grandes objetivos: a) proporcionar destreza para
tarefas como, por exemplo, autocuidados; b) reduzir alterações comportamentais como irritação
e agressividade; c) adequar o paciente ao contexto familiar; d) trabalhar áreas de socialização
como comunidade de entretenimento, igreja, hobbies, etc. Nesta modalidade, cabe lembrar que
há algumas limitações, sejam elas cognitivas como déficits atencionais, dificuldades de
planejamento e iniciação, bem como limitações emocionais, tais como ansiedade e depressão,
que exigem primeiramente intervenção médica para plano de conduta medicamentosa.
3) Intervenção com a família, podendo ser: a) informativa e educacional, trazendo
esclarecimento sobre a doença, diagnóstico e prognóstico; b) aconselhamento familiar,
promovendo a compreensão e aceitação da situação de doença em família; c) psicoterapia
familiar, que através da elaboração psíquica e promove a identificação de papeis dos indivíduos
da família e da dinâmica familiar.
6.1 Modelo CPN-REAB
Wilson (1996) oferece uma definição abrangente para a reabilitação neuropsicológica:
“capacitar pacientes e familiares a conviver, lidar, contornar, reduzir ou superar as deficiências
cognitivas resultantes de lesão neurológica”, incluindo o tratamento de alterações
comportamentais e emocionais, de modo a melhorar a qualidade de vida do paciente.
A partir desta visão de reabilitação, descreveremos a seguir alguns procedimentos, para
exemplificar os conceitos de reabilitação abordados até aqui.
- 54 -
6.1.1. Metodologia
Inicialmente, é importante fazer algumas considerações a respeito dos pacientes que tem
sequelas cognitivas e comportamentais decorrentes de um acidente cerebral, já que essa
população tem características específicas, que influenciam diretamente a metodologia de
trabalho.
Em geral, antes da lesão esses pacientes eram pessoas saudáveis, que levavam uma vida
normal. O acidente cerebral aparece como uma quebra abrupta que interrompe o curso da vida
do paciente e, provavelmente, consiste numa situação irreparável. As sequelas cognitivas e
comportamentais de uma lesão cerebral causam mudanças drásticas e súbitas na vida do
indivíduo e de seus familiares, impondo limitações à vida profissional, aos planos pessoais, às
relações sociais e familiares.
Após o acometimento, com a melhora do estado geral e afastado o perigo de vida, o
paciente (e a família) entra em uma rotina de tratamentos. O que se observa é que o paciente se
adapta às sequelas motoras através de terapias específicas. Porém, o desenvolvimento das
sequelas cognitivas são imprevisíveis, de evolução variável (alguns pacientes podem apresentar
uma melhora espontânea inicial, que tende a se estabilizar com a passagem do tempo), e de
difícil percepção, aceitação e adaptação por parte dos pacientes e familiares afetados.
A dificuldade de autopercepção e a introspecção autocrítica, que está presente na
grande maioria dos casos, pode gerar excessivo apego aos objetivos da vida anterior e forte
recusa a aceitar atividades mais simples, redução das expectativas e uso de estratégias
compensatórias.
Parecem haver dois preditores de sucesso da reabilitação, habilidades verbais e a
autopercepção (Prigatano, 1997). Isto decorre do fato de que quanto mais o paciente
compreende e percebe suas limitações e capacidades, mais consegue se envolver em projetos
realistas, condizentes com seu status atual. Sendo assim há a necessidade de que o paciente se
envolva no tratamento de forma ativa, para que aceite e invista nas atividades e nas estratégias
propostas.
Desta forma, um trabalho de reabilitação, deve abordar não apenas as dificuldades
cognitivas e sua manifestação no dia-a-dia do paciente, mas também os diversos outros aspectos
relevantes, tais como a auto-estima, as emoções, a percepção de si, a adequação das
expectativas de melhora e a reestruturação dos planos de vida individuais e familiares.
Este trabalho fundamenta-se no conhecimento da neuropsicologia clínica cognitiva e da
psicologia clínica comportamental, ensinando o uso de estratégias compensatórias, a aquisição
de novas habilidades e propiciando a adaptação às perdas, que via de regra são permanentes.
- 55 -
Além disso, procura-se promover a generalização, para que as aquisições do paciente nas sessões
de tratamento possam ser utilizadas em sua vida diária.
Em geral os programas de reabilitação se destinam a pacientes em fase pós-aguda,
quando as condições de saúde estão estabilizadas. O trabalho realizado junto ao paciente e sua
família se constitui em um processo longo, dividido em quatro etapas principais: a) avaliação
neuropsicológica e funcional; b) formulação do plano de reabilitação; c) tratamento; d) alta e
acompanhamento.
Avaliação
O objetivo principal dessa avaliação é traçar um perfil cognitivo-comportamental do
paciente por meio de testes convencionais, baterias ecológicas e entrevistas detalhadas com
familiares e pacientes. Esta fase permite estabelecer os déficits apresentados, as capacidades
preservadas e a rotina dos pacientes.
Plano de reabilitação
Em seguida às avaliações, é traçado um plano de reabilitação. Este plano é desenvolvido
junto com o paciente e sua família e tem como objetivo estabelecer metas a serem cumpridas
pelo paciente a curto e médio prazos, bem como fornecer parâmetros que permitam à equipe
monitorizar semanalmente os progressos e as reações do paciente diante do tratamento. A
formulação conjunta do plano de reabilitação auxilia pacientes e familiares a compreender o
que será feito, além de promover o ajustamento de expectativas com relação ao tratamento.
Tratamento
A seguir serão descritos suscintamente alguns tipos de tratamento:
Trabalho cognitivo: visa promover a reconstrução do dia-a-dia do paciente lesionado através
da estruturação da rotina, inserindo novas atividades, ensinando o paciente a usar estratégias
compensatórias ou ajudando-o a realizar antigas atividades de novas formas. É baseado na
avaliação neuropsicológica e no relato familiar, e prioriza o trabalho com funções
preservadas, utilizando estratégias compensatórias para minimizar os prejuízos nas demais
funções. Essas atividades devem ser inseridas em um contexto particular a cada paciente
para que possam ser transpostas para a vida diária.
Psicoterapia: com o objetivo de proporcionar ao paciente um espaço individual de reflexão
sobre sua condição pós-acidente cerebral e sobre as conseqüências cognitivas e emocionais
da nova situação. Essa abordagem visa focar o enfrentamento das limitações impostas pela
lesão.
Orientação sobre o cérebro: os pacientes aprendem informações relevantes sobre o
funcionamento cerebral e sobre o impacto da lesão na competência para atividades da
- 56 -
vida. Além do conteúdo educacional, procura-se ajudar o paciente a perceber padrões do
seu próprio funcionamento através de estratégias metacognitivas.
Grupos: têm o objetivo de promover a integração social de pacientes que, na maioria das
vezes, estão restritos à convivência familiar. No grupo são desenvolvidas atividades
estruturadas, abordando principalmente aspectos sociais e cognitivos. Além disso, têm a
possibilidade de ampliar a percepção dos déficits e enriquecer seu repertório de estratégias e
modos de enfrentamento através do contato com indivíduos portadores de deficiências
semelhantes.
Atendimento familiar: ao longo de um processo de reabilitação, é necessário que um familiar
esteja sempre lado a lado com a equipe, para dar continuidade ao trabalho em casa. Esse
atendimento consiste principalmente em oferecer à família apoio e orientação a respeito da
patologia e sobre como lidar com os pacientes fora do ambiente institucional.
Alta e acompanhamento: a alta é proposta quando as metas de reabilitação foram atingidas
e considera-se que a inserção do paciente não promoverá novos progressos no momento.
Equipe, familiares e pacientes participam de sessões individuais e coletivas de feedback,
revendo todo o processo de reabilitação, as metas atingidas, as conquistas realizadas por cada
integrante e as diretrizes futuras a serem seguidas.
- 57 -
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRISQUETA-GOMES, J. (2012). Reabilitação Neuropsicológica: abordagem interdisciplinar e
modelos conceituais na prática clínica. 1ª Ed. Porto Alegre: Artmed.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (1994). Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders. 4th ed. (DSM-IV). Washington, DC.
BARKLEY, R.A. (1997). Attention-deficit hyperactivity disorder: a handbook for diagnosis and
treatment. New York: Guilford Press.
BEAR, M.F.; CONNORS, B.W.; PARADISO, M.A. (2002). Neurociências: desenvolvendo o sistema
nervoso. 2a ed. Porto Alegre: Artmed.
BERTOLLUCI, P.H. (2004). Prefácio. In: Andrade VM, Santos FH, Bueno OFA, org. Neuropsicologia
hoje. São Paulo: Artes Médicas.
BOLOGNANI, S.A.P.; et al. (2000). Memória Implícita e sua Contribuição à Reabilitação de um
Paciente Amnésico - Relato de Caso. 58 (2-B): 924-30. Arq Neuropsiquiatr.
COHEN, R.A. (1993). The neuropsychology of attention. New York: Plenum Press.
DAMÁSIO, A.R. (1996). O erro de Descartes. São Paulo: Companhia das Letras.
FLETCHER, J.M. (2009). Dyslexia: The evolution of a scientific concept. 15(4): 501–508. J Int
Neuropsychol Soc.
FLETCHER, J.M.; VAUGHN, S. (2009). Response to Intervention: Preventing and Remediating
Academic Difficulties. 3(1): 30–37. Child Development Perspectives.
FURMAN, L. (2005). What Is Attention-Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD)? 20:994. Journal of Child
Neurology.
GAZZANIGA, M.S.; IVRY, R.B.; MANGUN, G.R. (2006). Atenção Seletiva e Orientação. In: Gazzaniga
MS, Ivry RB, Mangun GR, editores. Neurociência Cognitiva: a biologia da mente. 2ª ed. Porto
Alegre: Artmed.
GHAJAR, J. (2000). Traumatic brain injury. 356: 923-929. The Lancet.
GOUVEIA, P. et al. (2001). Metodologia em reabilitação neuropsicológica de pacientes com lesão
cerebral adquirida. 28(6):295-299. Revista Psiquiatria Clínica HCFMUSP.
KANDEL, E.R.; SCHWARTZ, J.H.; JESSEL, T.M. (2003). Princípios da Neurociência. 4a ed. São Paulo:
Manole.
KRISTENSEN, C.H.; de ALMEIDA, R.M.M.; GOMES, W.B. (2001). Desenvolvimento histórico e
fundamentos metodológicos da neuropsicologia cognitiva. 14(2):259-274. Psicologia: reflexão e
crítica.
LURIA, A.R. (1981). Fundamentos de Neuropsicologia. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos.
MATTOS, P.; JÚNIOR, C.M.P. (2010). Avaliação Cognitiva de Idosos. In Malloy-Diniz, L., Fuentes, D.,
Mattos, P., & Abreu, N (Org.), Avaliação neuropsicológica. 247-253. Porto Alegre: Atrmed.
MCGLYNN, S.M. (1990). Behavioral approaches to neuropsychological rehabilitation. 108(3): 420-
441. Psychol Bull.
- 58 -
OMS. (2001)International Classification of Functioning, Disability and Health. WHO.
PASHLER, H.E. (1998). The Psychology of Attention. London: The MIT Press.
PETERSON, R.L.; PENNINGTON, B.F. (2012). Developmental dyslexia. 379: 1997–2007. Lancet.
PRIGATANO, G.P. (1994). Individuality, Lesion Location and Psychotherapy After Brain Injury, In:
Christensen, A. & Uzzell, B.P. (eds.): Brain Injury and Neuropsychological Rehabilitation. International
perspectives. 173-86. , New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates Publishers.
SCOLVILLE, W.B.; MILNER, B. (1957). Loss of recent memory after a bilateral hipocampal lesions.
20:11-21. J. Neurol. Neurosurg. Psychiat.
STEHNO-BITTEL, L. (2008). Neuroplasticidade. In: Lundy-Ekman, Laurie. Neurociência: fundamentos
para reabilitação. 3ª Ed. Tradução: Fernando Diniz Mundim et al. Rio de Janeiro: Elsevier.
TEIXEIRA, A.L.; CARAMELLI, P. (2008). Neuropsicologia das Demências. In Fuentes, D.; Malloy-Diniz, L.;
Camargo, C. & Cosenza, R (Org), Neuropsicologia: teoria e Prática. 356-363. Porto Alegre: Artmed
TREXLER, L.E.; WEBB, P.M.; ZAPPALA, G. (1994). Strategic Aspects of Neuropsychological
Rehabilitation, In: Christensen, A. & Uzzell, B.P. (eds.): Brain Injury and Neuropsychological
Rehabilitation. International Perspectives. 99-124. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates
Publishers.
VELLUTINO, FR; et al. (2004). Specific reading disability (dyslexia): what have we learned in the past
four decades? 45 (1): 2–40. Journal of Child Psychology and Psychiatry.
WALSH, K. (1994). Neuropsychology: A clinical approach. 3a ed. London: Churchill Livingstone.
WILSON, B.A. (1992). Memory Therapy in Practice, In: Moffat, N. & Wilson, B.A. (eds.): Clinical
Management of Memory Problems, 2nd ed. 121-53. California: Singular Publishing Group.
WILSON, B.A. (1997). Cognitive Rehabilitation: How it is and how it Might be. 3: 487-96. J Int Neuropsy
Soc.
WILSON, B.A. (1999a). Patients and Their Problems, In: Case Studies in Neuropsychological
Rehabilitation. 3-12. New York: Oxford University Press.
- 59 -
1. TRANSTORNOS DE HUMOR
Todo ser humano apresenta flutuações de humor em resposta a eventos cotidianos de sua
vida. No entanto, em alguns indivíduos essas respostas assumem um caráter inadequado em
termos de gravidade, persistência ou circunstâncias desencadeadoras, caracterizando, assim, a
ocorrência de um Transtorno de Humor (TH).
O Manual Estatístico Diagnóstico da Associação Norte-Americana de Psiquiatria, na sua
quarta versão (DSM-IV TR), classifica os TH em dois grandes grupos: os transtornos depressivos e os
transtornos bipolares. Reconhece ainda a existência de TH devido a uma condição médica geral
e aquele induzido por drogas.
Estudos sobre a distribuição quantitativa dos TH apontam a relevância dessa classe de
distúrbios, visto que um levantamento epidemiológico realizado por Weissman e colaboradores
em 13 países indicou uma oscilação na sua prevalência na vida entre 7,3% na Turquia e 19,4% nos
Estados Unidos, sendo que o Brasil possui uma taxa de 15,5% (Weissman et al., 1994).
1.1 DEPRESSÃO
1.1.1 Introdução
A depressão é um estado emocional que pode ser experimentado por qualquer indivíduo
em algum momento de sua vida, pois os quadros depressivos são muito prevalentes na
população geral. Em um estudo realizado em três capitais brasileiras (Brasília, São Paulo e Porto
Alegre), observou-se uma prevalência de depressão de 1,5%, 1,3% e de 6,7%, respectivamente.
Em relação aos gêneros, alguns autores encontraram uma prevalência aproximada de duas
mulheres para cada homem. Para explicar esta diferença, vários estudos foram realizados,
sugerindo que diferenças hormonais, o início da menopausa, o uso de contraceptivos orais e
reposições hormonais são variáveis fortemente associadas à aquisição e manutenção do
transtorno. Todavia, em uma revisão realizada por Kessler, o autor ressalta que o ponto chave
- 60 -
para se chegar a um entendimento mais concreto acerca da diferença de gêneros na
prevalência da depressão é levar em conta não somente vulnerabilidades biológicas e fatores
ambientais, mas a relação de ambos.
1.1.2 Critérios Diagnósticos
O diagnóstico precoce e correto de um transtorno depressivo é fundamental para se
instituir um tratamento adequado, obtendo, assim, maior sucesso terapêutico. Para o diagnóstico
da depressão são propostas duas classificações. A primeira, pela Organização Mundial da Saúde,
é apresentada através da Classificação Internacional de Doenças. A segunda é proposta pela
Associação Americana de Psiquiatria, por meio do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais. Para uma revisão acerca dos critérios de classificação, neste trabalho, será adotado o
DSM-IV TR.
1.1.3 Aspectos Clínicos
A característica essencial de um Episódio Depressivo Maior é um período mínimo de duas
semanas, durante as quais há um humor deprimido ou perda de interesse e/ou prazer por quase
todas as atividades. Estes são sintomas nucleares deste subtipo de depressão, ou seja, para o seu
diagnóstico, pelo menos um deles deve estar presente em associação com os demais.
Em crianças e adolescentes, o humor pode ser irritável ao invés de triste. O indivíduo
também deve experimentar, pelo menos, quatro sintomas adicionais, extraídos de uma lista que
inclui: alterações no apetite (ou peso), sono e atividade psicomotora; diminuição da energia;
sentimentos de menos valia ou culpa; dificuldades para pensar, concentrar-se ou tomar decisões,
ou pensamentos recorrentes sobre morte ou ideação suicida, planos ou tentativas de suicídio. Os
sintomas devem persistir na maior parte do dia, praticamente todos os dias, pelo menos por duas
semanas consecutivas. O episódio deve ser acompanhado por sofrimento ou prejuízo
clinicamente significativo no funcionamento social, profissional ou outras áreas importantes da
vida do indivíduo. Para alguns indivíduos com episódios mais leves, o funcionamento pode
parecer normal, mas exige um esforço acentuadamente aumentado.
O indivíduo deve apresentar pelo menos cinco sintomas por um período mínimo de duas
semanas, sendo que pelo menos um dos sintomas deve ser: (1) humor deprimido ou (2) perda do
interesse ou do prazer.
- 61 -
Distimia
A distimia, ou transtorno distímico, é um quadro depressivo mais leve e crônico. As
alterações do humor estão presentes na maior parte do dia, todos os dias, por, no mínimo, dois
anos, de maneira que não se preencha critérios para um episódio depressivo maior.
Na maioria dos casos, a distimia se inicia na adolescência ou no princípio da idade adulta.
Grande parte dos distímicos evolui para um episódio depressivo maior, sendo que, nestes casos, o
prognóstico se agrava devido à menor probabilidade de remissão completa dos sintomas
depressivos e à maior tendência à resistência aos tratamentos.
Além da presença de humor deprimido por um período de dois anos, é necessária a
presença de duas ou mais características descritas acima.
Depressão Endógena ou Melancólica
A depressão melancólica caracteriza-se pela predominância de sintomas descritos como
somáticos, vitais, biológicos ou endógenos: perda de interesse ou prazer em atividades
normalmente agradáveis, piora matinal, falta de reatividade do humor, retardo psicomotor, perda
de apetite e perda de peso.
Depressão Atípica
O conceito de Depressão Atípica refere-se àquelas formas de depressão caracterizadas
por: reatividade do humor, sensação de fadiga acentuada e "peso" nos membros, e sintomas
vegetativos "reversos" (opostos aos da depressão melancólica), como aumento de peso e do
apetite, em particular por carboidratos e hipersonia. Além do mais, estes pacientes possuem uma
sensibilidade exacerbada em ralação ao que consideram rejeição por parte de outras pessoas.
Episódios com características atípicas são mais comuns nos transtornos bipolares (I e II) e no
transtorno depressivo com padrão sazonal.
Depressão Sazonal
A depressão sazonal caracteriza-se pelo início recorrente no outono/inverno e pela
remissão na primavera, sendo incomum no verão. Esses episódios devem se repetir por dois anos
consecutivamente, sem quaisquer episódios não sazonais durante esse período. Ela também pode
ocorrer em pessoas que passam os dias em escritórios fechados, sem janelas, e com luzes menos
claras, em pessoas fechadas em casa devido a doenças, limitações físicas, etc.
- 62 -
Depressão Psicótica
A depressão psicótica é um quadro grave, caracterizado pela presença de delírio ou
alucinações durante um episódio de depressão maior. Aproximadamente 15% dos pacientes com
depressão possuem sintomas psicóticos e a grande maioria apresenta maior índice de morbidade
e mortalidade que pacientes com depressão não-psicótica. A ocorrência mais comum é em
mulheres, de maneira que, quanto mais precoce seu início, maior a probabilidade de que o
indivíduo seja bipolar. A depressão psicótica apresenta um prognóstico reservado, com elevado
índice de recaídas e recorrências, mesmo quando adequadamente tratada.
1.2 TRANSTORNO BIPOLAR
1.2.1 Aspectos Gerais
O Transtorno Bipolar (TB) é uma doença mental caracterizada por episódios de humor -
mania, depressão e mistos - separados por períodos de humor normal - eutimia. Esse caráter
cíclico garante a maior gravidade da doença, sendo considerada uma das 10 condições mais
debilitantes no mundo ao incapacitar indivíduos afetados por sua significante comorbidade
associada, risco de suicídio, prejuízo funcional e diminuição da qualidade de vida (Keck, 2003;
Kupfer, 2005).
Associado às condições mencionadas acima, estudos epidemiológicos refletem a
relevância clínica do TB, uma vez que essa doença acomete cerca de 0,8 a 1,6% da população
mundial (Angst, 1995; Weissman et al., 1996; Kupfer, 2005; Lima et al., 2005), sem predileção por
nação, raça ou status socioeconômico. Recentemente, houve uma mudança de paradigma em
termos de reconhecimento e diagnóstico de pacientes com transtornos de humor, em que muitos
indivíduos antes considerados apresentarem apenas depressão maior são agora reconhecidos
terem TB ou outra forma do espectro da doença (Stahl, 2008).
1.2.2 Critérios Diagnósticos
O TB é geralmente caracterizado por quatro tipos de episódios: maníaco, depressão maior,
hipomaníaco e misto (Figura 1). De acordo com o DSM-IV, os critérios diagnósticos para a
depressão bipolar são semelhantes aos de depressão unipolar. Já os critérios diagnósticos para
episódios maníacos, de acordo com o mesmo manual de classificação, são: humor
- 63 -
persistentemente elevado, expansivo ou irritável, durando pelo menos uma semana, e mais três
dos seguintes sintomas: excesso de auto-estima, prolixidade, atividade aumentada, fuga de
idéias, menor necessidade de sono, dispersão, envolvimento em atividades sem avaliar seu risco
ou conseqüências. Podem ocorrer sintomas psicóticos. Já os episódios hipomaníacos, apesar de
semelhantes aos maníacos, não causam prejuízo significativo no funcionamento social e não
existem sintomas psicóticos. Nos episódios mistos ocorrem, com freqüência quase diária, tanto
sintomas maníacos quanto de depressão maior (que caracterizam um episódio), com alternância
rápida entre eles ou de forma concomitante, por um período mínimo de uma semana.
Figura 1:Episódio Misto. Fonte:
ARMANI, Fernanda. Reversão de
comportamentos relacionados à
mania induzidos pela privação de
sono paradoxal pelo lítio e tamoxifeno
em camundongos. 2009. 100f. Tese de
Mestrado em
Neuropsicofarmacologia –
Universidade Federal de São Paulo.
Escola Paulista de Medicina, São
Paulo.
Segundo as características do episódio apresentado, o TB pode ser subdividido em
transtornos bipolar I e II, ciclotímico e aqueles não especificados.
Bipolar I: um ou mais episódios maníacos ou mistos, geralmente acompanhados de
episódios depressivos maiores. É um distúrbio recorrente, já que mais de 90% dos indivíduos que
apresentam um primeiro episódio maníaco terão novos episódios no futuro. Sua prevalência na
vida é de aproximadamente 0,4% a 0,6%. Existe um componente genético, uma vez que parentes
em primeiro grau do paciente têm maior risco de apresentar distúrbios de humor.
Bipolar II: um ou mais episódios depressivos maiores, acompanhados de pelo menos um
episódio de hipomania. Em 60% a 70% dos pacientes, os episódios hipomaníacos ocorrem
imediatamente antes ou após um episódio depressivo maior.
Distúrbio ciclotímico: apresenta curso crônico e flutuante, relacionado à presença de pelo
menos 2 anos, de vários períodos de sintomas hipomaníacos e depressivos que não preenchem o
critério para episódios maníacos ou depressivos maiores.
Durante o período de alteração do humor, ao menos três dos seguintes sintomas devem
estar presentes: atenção voltada facilmente a eventos externos irrelevantes; auto-estima elevada
ou grandiosidade; necessidade reduzida de sono; aumento de atividades com um propósito; fuga
maniamania
hipomaniahipomania
depressãodepressão
normalnormal
distimiadistimia
Episódio Maníaco
Mania (humor elevado, expansivo ou
irritável) + 3 outros sintomas
Episódio de Depressão Maior
Humor deprimido ou perda de interesse
+ 4 outros sintomas
Episódio Hipomaníaco
Hipomania (humor elevado, expansivo
ou irritável em menor intnsidade e
duração que na mania) + 3 outros
sintomas
Episódio Misto
Preenche critério para episódios
maníacos e de depressão maior
Episódio Maníaco
Mania (humor elevado, expansivo ou
irritável) + 3 outros sintomas
Episódio de Depressão Maior
Humor deprimido ou perda de interesse
+ 4 outros sintomas
Episódio Hipomaníaco
Hipomania (humor elevado, expansivo
ou irritável em menor intnsidade e
duração que na mania) + 3 outros
sintomas
Episódio Misto
Preenche critério para episódios
maníacos e de depressão maior
- 64 -
de ideias ou experiência subjetiva que os pensamentos estão acelerados; envolvimento excessivo
em atividades prazerosas que tem alto potencial de conseqüências desastrosas (compras
exageradas, promiscuidade sexual, negócios arriscados).
1.3 BASES NEUROBIOLÓGICAS
A compreensão do substrato biológico dos TH não está completamente elucidada, visto
sua complexidade e a participação de diversos mecanismos neurais. As primeiras hipóteses
biológicas sobre esses transtornos foram baseadas nos efeitos e mecanismos de ação dos
tratamentos antidepressivos, sendo que só mais recentemente têm surgido hipóteses que
procuram englobar suas possíveis alterações fisiopatológicas.
A hipótese monoaminenérgica clássica da depressão proposta por Schildkraut e Kety
(1965) sugere a diminuição da atividade monoaminérgica pós-sináptica, especialmente
noradrenérgica e serotoninérgica, como a base neurobiológica envolvida nessa entidade. Essa
hipótese advém de evidências indiretas a partir de estudos iniciados na década de 50 que
demonstraram redução na concentração de metabólitos de monoaminas, como MHPG –
noradrenalina e o 5HIAA – serotonina, em urina e líquido cefalorraquidiano de pacientes
deprimidos. Esse modelo foi reforçado pela efetividade de drogas antidepressivas como os
inibidores da enzima monoamina oxidase (IMAO) e antidepressivos tricíclicos (ADTs), uma vez que
esses agentes facilitam a neurotransmissão noradrenérgica e serotoninérgica. Somada a essas
evidências, o anti-hipertensivo reserpina, ao depletar as monoaminas, produz quadros depressivos
graves em 10% a 20% dos pacientes.
Entretanto, a teoria monoaminérgica também apresenta limitações na explicação da
neurobiologia dessa classe de transtornos, visto que a recaptação neuronal de noradrenalina é
um efeito imediato dos ADTs, mas a resposta terapêutica desses medicamentos necessita de uso
crônico para ser evidenciada. Além disso, a descoberta de diferentes subtipos de receptores
serotoninérgicos revelou efeitos opostos no sono, comportamento sexual, regulação da
temperatura, síndrome serotoninérgica e analgesia induzida por morfina dada a ativação de
receptores 5-HT1A ou 5-HT2. Com isso, Deakin sugere que os TH seriam causados por uma
deficiência da neurotransmissão mediada por 5-HT1A e/ou um excesso daquela mediada por 5-HT2.
Cabe ainda ressaltar a interação entre os sistemas noradrenérgicos e serotoninérgicos como uma
hipótese mais complexa à etiologia dessa doença.
Apesar de ter as vias noradrenérgicas e serotoninérgicas como protagonistas, a
complexidade das bases neurobiológicas da depressão desencadeou a possibilidade do
envolvimento de outros mecanismos de neurotransmissão em sua etiologia, como a dopamina
(DA) e o ácido-gama-amino-butírico (GABA). Uma vez que a DA está envolvida em sistemas de
- 65 -
recompensa, pacientes depressivos poderiam apresentar uma hipofunção dopaminérgica. Além
disso, estresse crônico também reduziria a liberação de dopamina, levando à anedonia. Já o
GABA, principal neurotransmissor inibitório do sistema nervoso central, poderia estar
correlacionado com a depressão visto que injeções intra-hipocampais de biculina (antagonista
GABAérgico) em animais elicia comportamentos de desamparo, sendo que esses podem ser
revertidos por injeções de GABA. Além do mais, outras observações sugerem uma relação estreita
do GABA com sintomas depressivos: a administração crônica de antidepressivos tricíclicos estimula
a liberação de GABA em animais em desamparo; os níveis de GABA no líquido cefalorraquidiano
são menores em pacientes deprimidos e drogas agonistas do GABA, tais como os
benzodiazepínicos, possuem propriedades antidepressivas. Para uma maior revisão sobre
diferentes abordagens acerca da etiologia da depressão, sugere-se Anderson et al. (2000).
Técnicas atuais de neuroimagem estrutural e funcional, como tomografia por emissão de
pósitrons (PET) e ressonância magnética funcional (RMF), evidenciaram que pacientes com
depressão podem possuir alterações no metabolismo cerebral, destacando um hipometabolismo
de glicose nos lobos frontais e córtex dorsolateral pré-frontal. Já pacientes acometidos pelo TB
revelaram alterações no córtex pré-frontal, complexo amígdala-hipocampo, tálamo, gânglios da
base e suas interconexões em estudos com pacientes acometidos pelo TB. Também existe um
importante componente genético envolvido no substrato biológico do transtorno bipolar, uma vez
que parentes em primeiro grau do paciente têm maior risco de apresentar a doença (Ackenheil,
2001; Muller-Oerlinghausen et al., 2002; Machado-Vieira et al., 2005).
Em relação às hipóteses biológicas sobre o TB elas inicialmente focaram em alterações no
sistema de neurotransmissão monoaminérgica decorrentes de mudanças na sinalização das
aminas biogênicas - noradrenalina, serotonina, dopamina e acetilcolina - per se e/ou de
alterações na sensibilidade de seus receptores. As monoamianas são moduladas pelo ácido
gama-aminobutírico (GABA) e amplamente distribuídas no sistema nervoso central,
especialmente no sistema límbico. Esse sistema é responsável pela regulação de fatores
neurovegetativos que estão alterados no TB, sugerindo o envolvimento da neurotransmissão
monoaminérgica na etiologia da doença (Ackenheil, 2001; Muller-Oerlinghausen et al., 2002; Berns
e Nemeroff, 2003; Machado-Vieira et al., 2005). No entanto, uma vez que o equilíbrio funcional
entre os múltiplos sistemas de neurotransmissão é regulado por cascatas de sinalização
intracelular, diversos estudos têm investigado sinalizações anormais como mediadoras entre
alterações neuroquímicas mais profundas e processos fisiológicos e de neurotransmissão no TB
(Manji e Lenox, 2000; Schloesser et al., 2007).
- 66 -
1.4 TRATAMENTO
O manejo terapêutico dos TH objetiva, além da remissão completa dos sintomas
apresentados em um episódio atual, a prevenção de novos episódios. Com isso, a escolha por
uma das diferentes abordagens disponíveis deve ser individualizada, considerando riscos e
benefícios ao paciente.
A abordagem não farmacológica inclui tratamentos como a Psicoterapia, Terapia
Cognitivo Comportamental, Eletroconvulsoterapia, Fototerapia, Dessensibilização por Movimentos
Oculares Rápidos (EMDR), Estimulação Magnética Transcraniana. Para maiores esclarecimento
sobre os tratamentos mencionados acima, sugere-se os estudos propostos por Zimmer e
colaboradores (2003), Rangé (2001), UK Ect Review Group (2003), Scippa (1998), Devilly (2002) e
Fitzgerald e colaboradores (2003), respectivamente. A eficácia das abordagens não
farmacológicas, como a Psicoterapia, é prejudicada pela escassez de estudos controlados, assim
como pela diversidade em suas modalidades terapêuticas. No entanto, cabe ressaltar que a
combinação entre a Psicoterapia e a Farmacoterapia é vantajosa quando comparada com um
dos tratamentos isoladamente.
A abordagem farmacológica disponibiliza uma grande variedade de medicamentos no
tratamento de Transtornos de Humor, sendo essas drogas atualmente classificadas em:
antidepressivos tricíclicos (ADTs), inibidores da monoamina oxidase (IMAOs), Inibidores Seletivos de
Recaptação de Serotonina (ISRS), Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina e
Noradrenalina, antidepressivos atípicos e estabilizadores de humor. A escolha por um desses
compostos depende principalmente da experiência do profissional de saúde envolvido, assim
como do perfil de efeitos desejáveis e indesejáveis originados pelo medicamento.
Os Antidepressivos Inibidores de Recaptação de Serotonina (ISRS) são os principais
fármacos empregados no tratamento da depressão. Ao possuírem, de forma geral, menor
afinidade por receptores noradrenérgicos, muscarínicos e histamínicos, essa classe de novos
compostos apresenta-se como uma alternativa terapêutica em casos que se deseja evitar
determinado efeito adverso provido pelos ADTs.
O efeito terapêutico dos Antidepressivos Tricíclicos (ADTs) nos TH ocorreu a partir de
observações da capacidade de recaptação neuronal pré-sináptica de monoaminas cerebrais
(noradrenalina, serotonina e dopamina) por drogas como a imipramina, clomipramina,
amitriptilina, desipramina, nortriptilina, doxepina e maprotilina. Apesar da diferença no potencial
em bloquear a recaptação de cada um desses neurotransmissores, a eficácia antidepressiva
desses compostos é semelhante e independente de qualquer indicador de deficiência
serotoninérgica ou noradrenérgica.
- 67 -
Apesar da alta eficácia evidenciada após administração prolongada (4 a 6 semanas),
estudos apontam que 20% a 30% dos pacientes não respondem a esse tipo de tratamento. Outra
limitação ao uso dos ADTs refere-se aos efeitos colaterais indesejáveis produzidos, como
hipotensão postural, boca seca, retenção urinária e sedação. Esses efeitos são em boa parte
determinados pelo antagonismo competitivo exercido por esses compostos em receptores alfa-
adrenérgicos, muscarínicos e histamínicos.
Os Inibidores da Monoamina Oxidase (IMAOs), ao lado dos ADTs, foram os primeiros
compostos antidepressivos desenvolvidos a parir da observação da capacidade da iproniazida,
uma substância usada no tratamento da tuberculose, produzir elevação de humor e euforia. A
principal ação farmacológica dessa classe é a inibição da enzima mitocondrial monoaminoxidase
(MAO), responsável pela degradação intracelular de diversas monoaminas. Essa enzima existe sob
dois subtipos, MAO-A e MAO-B, sendo ambas envolvidas no metabolismo de neurotransmissores
como a serotonina, noradrenalina e, em menor proporção, dopamina. A inibição não-seletiva e
irreversível restringe o uso de alguns IMAOs, visto que para efeitos graves como crises hipertensivas
verificadas após a ingestão de alimentos contendo grandes quantidades de tiramina ou outras
aminas simpaticomiméticas ocorrem pela inibição permanente da MAO-A em nível hepático. Um
novo composto, a maclobemida, está sendo testada no tratamento dos TH, uma vez que ao inibir
reversivelmente a MAO diminui significativamente a ocorrência de acidentes hipertensivos.
Outros antidepressivos usados no tratamento da depressão são os bloqueadores seletivos
da recaptação neuronal de noradrenalina (maprotilina), Inibidores seletivos da recaptação
neuronal de serotonina e noradrenalina (venlafaxina e duloxetina), bloqueadores dos receptores
alfa-2 e 5HT2 (mianserina, mirtazapina, trazdodona), bloqueadores de recaptação de dopamina
(bupropiona) ou benzodiazepínicos (alprazolan) e, mais recentemente, um agonista da
melatonina (valdoxan).
Entretanto, estes antidepressivos apresentam efeitos adversos próprios como, por exemplo,
facilitação do aparecimento de crises convulsivas (bupropiona), priapismo(trazodona) e sintomas
gastrintestinais como náuseas, cólicas e diarréias. Insônia, agitação e disfunção sexual também
são freqüentes (ISRNS). Este último é um dos problemas significativos mais freqüentes de seu uso
prolongado, principalmente dos ISRS e ISRNS, com uma prevalência que pode atingir de 30 a 40%
dos pacientes em tratamento. .
Recentemente um novo fármaco foi lançado no mercado - a agomelatina, um potente
agonista melotonérgico. Sua dupla ação agonista nos receptores melatonérgicos MT1 e MT2 e
antagonista no receptor 5-HT2c lhe confere uma exclusividade nos mecanismos em relação a
todos os fármacos antidepressivos até o momento. Sua eficácia tem sido demonstrada por meio
de vários estudos, utilizando tanto modelos animais de depressão quanto por pesquisas clínicas
compostas de diversos tipos de amostras.
- 68 -
De acordo com a Associação Americana de Psiquiatria (1993), a eficácia das medicações
antidepressivas é de aproximadamente 70%. Estatísticas apontam que enquanto 90% a 95% dos
pacientes apresentam remissão total dos sintomas com o tratamento antidepressivo, apenas 50%
se mantém recuperados após seis meses, sendo que essa porcentagem cai para 19% após 18
meses. Em cinco anos, a maioria dos pacientes apresenta uma ou mais recorrências.
Assim, embora novas modalidades de tratamento para a depressão tenham sido
propostas ou aperfeiçoadas ao longo do tempo, esse transtorno ainda é um desafio dentro da
psicofarmacologia. Este fato faz com que novas alternativas de tratamento que possuam eficácia
similar ou maior que os fármacos atualmente disponíveis, no entanto com um menor número de
efeitos colaterais, possam ser desenvolvidas.
Os Estabilizadores de Humor têm o lítio e o ácido valproico como principais representantes
do grupo. O efeito terapêutico do Litio foi descoberto por John Cade a partir da sedação de
animais de laboratório após a administração desse cátion monovalente. O lítio compete com o
sódio e o potássio por sítios enzimáticos e desloca o cálcio e o magnésio, o que garante a
complexidade e variedade de seus efeitos farmacológicos. Entre eles, destaca-se a alteração na
função serotoninérgica em diferentes níveis, promovendo uma facilitação dessa neurotransmissão
por ação pré-sináptica primária como resultante final.
Através principalmente do sal carbonato de lítio, essa droga é utilizada no tratamento de
pacientes em crise maníaca ou hipomaníaca, bem como na prevenção de ataques tanto
maníacos quanto depressivos em pacientes com transtorno bipolar. Outras condições em que o
lítio é a farmacoterapia indicada incluem tratamento agudo de episódio depressivo,
potencialização de antidepressivos em pacientes resistentes à terapia, agressividade,
esquizofrenia, alcoolismo, tensão pré-menstrual, tireotoxicose, coréia de Huntington e algumas
distonias.
Apesar de ser a primeira escolha clínica para o tratamento de mania aguda e profilaxia
(juntamente com o ácido valproico) associada com distúrbios de humor como o TB, o lítio
apresenta 20-40% de indivíduos bipolares que não respondem ao seu tratamento ou apresentam
recaídas (Judd e Akiskal, 2003; Tohen et al., 2003). Outra limitação ao uso dessa droga refere-se ao
seu baixo índice terapêutico (relação entre a dose tóxica e aquela eficaz). Possíveis alternativas
ao uso do lítio e do ácido valproico em transtornos bipolares incluem alguns anticonvulsivantes
como a carbamazepina, oxcarbazepina e lamotrigina. Ao apresentarem menores riscos de efeitos
colaterais e início de ação mais rápida, os antipsicóticos atípicos como a olanzapina, risperidona,
clozapina, aripiprazol e quetiapina podem ser eficazes no tratamento de pacientes maníacos ou
com sintomas psicóticos proeminentes.
- 69 -
2. TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
2.1 INTRODUÇÃO
A ansiedade, intrínseca à própria condição humana, desperta o interesse do pensamento
ocidental, tanto para a Medicina como para a Filosofia, desde a Antiguidade. Porém, de acordo
com German Berrios, renomado historiador da psiquiatria da Universidade de Cambridge, a
evolução histórica dos transtornos de ansiedade não foi adequadamente estudada – o que é
evidenciado pela quase total ausência de dados sobre o tema.
A primeira descrição clínica específica dos quadros de ansiedade foi feita por Freud, ao
cunhar o termo “neurose de angústia”, no final do século XIX. Freud pretendeu distinguir, no seio
da neurastenia, um grupo particular de sintomas organizados em torno das manifestações
ansiosas, o que representou um novo recorte de ordem nosológica e nosográfica. Os principais
sistemas de classificação psiquiátrica até a CID-9 incluíam o diagnóstico de “neurose de
ansiedade”, tal qual descrito por Freud no começo de sua obra.
Sob a ótica da psiquiatria moderna, a ansiedade é abordada por sua dimensão descritiva,
objetiva e mensurável – passível de experimentação controlada. Essa ênfase na abordagem
empírica dos estados ansiosos tem possibilitado progressos indiscutíveis, sobretudo no campo da
neurobiologia, da epidemiologia e dos tratamentos da ansiedade. Porém, precisamos cuidar para
não cientifizar a angústia humana, a tal ponto de desconsiderarmos suas relações com a cultura e
a subjetividade. Lembremo-nos de Henri Ey, psiquiatra e psicanalista francês, que dizia que
nenhum sintoma psíquico pode ser considerado apenas como a manifestação direta de uma
modificação cerebral, sendo sempre resultado da interação entre a bioquímica do sujeito e seu
modo de funcionamento.
2.2 Aspectos Gerais
2.2.1 Medo X Ansiedade
Não é simples estabelecer a distinção entre medo e ansiedade. Entretanto, escolhemos
abordá-la, pela grande utilidade de sua compreensão. Dado o caráter resumido de uma apostila,
optamos por diferenciar essas emoções de forma simples e objetiva. Encorajamos você a se
- 70 -
aprofundar no assunto, consultando nossas referências bibliográficas, ou outros materiais que
julgar conveniente.
Basicamente, podemos dizer que o medo é o sentimento que surge em resposta à
percepção de uma ameaça externa e conhecida, facilmente identificável, como um carro vindo
em sua direção em alta velocidade. A ansiedade, por outro lado, é uma reação a algo incerto,
vago e subjetivo – como aquele desconforto que sentimos ao entrar em um ambiente novo,
repleto de pessoas estranhas.
2.2.2 Ansiedade Normal x Ansiedade Patológica
A ansiedade pode ser considerada apenas como um sinal de alerta. Em baixos níveis, ela
adverte sobre ameaças reais e impele o indivíduo a tomar atitudes necessárias à evitação do
perigo. Ao alertar o indivíduo sobre certos atos que bloqueiem um perigo real, a ansiedade é
considerada adaptativa. E quando a ansiedade é patológica? Quando é uma emoção tão forte
e irracional que – em lugar de impelir o indivíduo para ação – o paralisa.
2.2.3 Sintomas
A experiência da ansiedade apresenta dois componentes: a percepção das sensações
fisiológicas (por ex., palpitação e suor) e a percepção do estar nervoso ou assustado. Além disso,
a ansiedade afeta o pensamento, a percepção e o aprendizado. Uma pessoa excessivamente
ansiosa tende a apresentar confusão e distorções da percepção, não apenas de tempo e
espaço, mas de pessoas e dos significados dos acontecimentos. Essas distorções podem interferir
nas relações pessoais e no aprendizado, ao diminuir a concentração e a memória.
2.2.4 Modelo Cognitivo da Ansiedade
O fluxo de pensamentos das pessoas com transtornos de ansiedade está
predominantemente relacionado ao perigo. Esses pacientes demonstraram ter vários vieses
característicos no processamento das informações – como elevado nível de atenção a
informações sobre ameaças em potencial, e a percepção de que os ativadores de seu medo são
perigosos de maneira não realista. Além disso, estudos já evidenciaram que essas pessoas tem
- 71 -
uma percepção reduzida de sua capacidade de enfrentar ameaças. A partir da ativação dos
esquemas de perigo, suas avaliações das situações caracterizam-se por pensamentos
automáticos negativos relacionados a catástrofes físicas, psíquicas ou sociais. Sendo assim, o
processamento cognitivo subjacente nos transtornos de ansiedade é a vulnerabilidade.
2.3 Neurobiologia
As emoções envolvem três aspectos: um sentimento, que pode ser positivo ou negativo;
um comportamento; e ajustes fisiológicos correspondentes. Assim como no estresse, na ansiedade
esses ajustes fisiológicos extrapolam o âmbito do sistema nervoso autônomo e atingem o sistema
endócrino e imunológico. Por isso, seus efeitos são mais duradouros.
As principais dificuldades no estudo das bases neurais da ansiedade decorrem das
limitações de se estudar o cérebro humano in vivo e dos problemas na extrapolação dos dados
advindos dos estudos em animais (Graeff e Hetem, 2004). Mesmo assim, muitas descobertas foram
feitas nessa área.
Evolutivamente, as bases neurais da ansiedade tem relação com mecanismos reguladores
de defesa dos animais mediante situações de perigo. Sob a ótica da Evolução, os transtornos de
ansiedade são disfunções dos sistemas cerebrais de defesa contra ameaças, adquiridos pela
seleção natural.
2.3.1 Estruturas
A amígdala é a principal estrutura relacionada às reações de medo e ansiedade. Ela tem
importantes ligações anatômicas que permitem a integração entre informações sensoriais e
cognitivas. As principais conexões envolvidas com áreas específicas do córtex pré-frontal, o córtex
orbitofrontal e o córtex cingulado anterior.
As reações endócrinas decorrentes do medo devem-se a conexões entre a amígdala e o
hipotálamo, causando mudanças no eixo Hipotálamo-Pituitária-Adrenal (HPA) e, portanto, nos
níveis de cortisol.
A aceleração da respiração é regulada por conexões entre a amígdala e o núcleo
parabraquial, localizado no tronco encefálico. Respostas autonômicas e cardiovasculares são
- 72 -
mediadas por ligações entre a amígdala e o locus coeruleus, onde se encontram os corpos
celulares de neurônios adrenérgicos.
Memórias traumáticas, desencadeadoras de ansiedade, são armazenadas no hipocampo
e ativadas por conexões com a amígdala. Isso ocorre especialmente no estresse pós-traumático.
2.3.2 Neurotransmissores
Os três principais neurotransmissores associados à ansiedade são a serotonina,
noradrenalina e o GABA.
a) Serotonina (5-HT)
A serotonina tem um papel importante sobre a amígdala, podendo estar relacionada à
eficiência do processamento de informações nessa estrutura, bem como à
vulnerabilidade/resiliência dos circuitos de medo. Os corpos celulares dos neurônios que dão
origem às vias serotoninérgicas ascendentes situam-se, principalmente, nos núcleos da rafe,
localizados no mesencéfalo.
Devido a esse papel da serotonina, tratamentos com antidepressivos inibidores seletivos de
recaptação de serotonina são eficazes na redução dos sintomas de ansiedade nos cinco tipos de
transtornos ansiosos.
b) Noradrenalina
Uma liberação excessiva de noradrenalina do locus coeruleus pode desencadear vários
sintomas centrais de ansiedade e medo, tais como pesadelos, hiperalerta, flashbacks e ataques
de pânico.
c) GABA
Principal aminoácido inibitório do SNC dos vertebrados, esse neurotransmissor desempenha
um importante papel regulador da atividade de muitos neurônios, incluindo os situados na
amígdala e nas alças córtico-estriatal-talâmico-cortical (CSTC).
2.4 EPIDEMIOLOGIA
No começo do século XX, a ansiedade teve um papel muito importante na compreensão
das psicopatologias, pois era considerado o sintoma mais importante de muitos transtornos
- 73 -
mentais. Hoje esta visão foi reformulada, mas os transtornos de ansiedade ainda estão entre as
condições psiquiátricas mais prevalentes nos Estados Unidos e na maioria dos países estudados,
tanto na população geral, quanto nos serviços de atenção primária à saúde.
Além disso, estudos demonstram de maneira persistente que os transtornos de ansiedade
produzem morbidade desordenada – em especial problemas cardiovasculares-, elevado uso de
serviços de saúde e comprometimento incomum do empenho.
Dados do Estudo Epidemiológico por Área de Captação (Epidemiologic Catchment Area),
realizado nos Estados Unidos, mostram que 75% da população norte-americana apresentam
medos irracionais, ataques súbitos de ansiedade ou nervosismo, ainda que a maioria deles não
preencha critérios diagnósticos para transtornos de ansiedade. Já o Estudo Americano de
Comorbidade (National Comobirdity Study) refere que aproximadamente 25% da população
satisfaz o critério diagnóstico de pelo menos um transtorno de ansiedade, e que há uma taxa de
prevalência de 17,7% em 12 meses. A prevalência é maior entre mulheres, e sua incidência tende
a diminuir, conforme o aumento do status socioeconômico.
No Brasil, o Estudo Multicêntrico de Morbidade Psiquiátrica, realizado em três cidades
brasileiras, entre 1990-1991, mostrou que a prevalência dos transtornos de ansiedade era de 12,1%
em Brasília, 6,9% em São Paulo e 5,4% em Porto Alegre. Transtornos fóbicos apresentaram
prevalência aproximada de 7% e o transtorno obsessivo-compulsivo cerca de 1%.
Também no início da década de 90, a Organização Mundial de Saúde promoveu um
estudo colaborativo, multicêntrico, conduzido em centros de atenção primária de vários países,
incluindo um no Rio de Janeiro (Mental Illness in General Health Care: An International Study). Seus
dados mostram que as prevalências globais foram: 7,9% para Ansiedade Generalizada; 1,1% para
Pânico e 1,5% para Agorafobia.
2.5 TRATAMENTOS
É importante ressaltar que o sucesso de uma intervenção terapêutica, seja ela qual for,
depende da precisão do diagnóstico. Daí a importância da história clínica detalhada, exames
físico e neurológico e de um bom diagnóstico diferencial.
Atualmente, os tratamentos para os transtornos de ansiedade estão entre os mais efetivos
da medicina psiquiátrica. Para muitas condições, a maioria dos pacientes pode esperar alívio
substancial dos sintomas, em um período relativamente curto.
- 74 -
2.5.1 Tratamentos Farmacológicos
Nem todos os transtornos de ansiedade são passíveis de tratamentos farmacológicos, com
os recursos de que dispomos hoje. As fobias simples, por exemplo, são resistentes a essa
abordagem, respondendo melhor a técnicas psicoterapêuticas. Porém, muitos deles tem resposta
excelente à medicação.
São os conhecimentos de farmacocinética e farmacodinâmica, efeitos colaterais e tempo
de latência para o início da ação terapêutica dos medicamentos que orientam as decisões
tomadas nas primeiras semanas de tratamento. Ao escolher o medicamento, o médico deve
levar em conta a eficácia, relação riscos/benefícios, custos, suas preferências e as do paciente.
Na prática, quando as alternativas terapêuticas são igualmente eficazes, a decisão sobre qual
droga utilizar baseia-se no perfil de efeitos colaterais e no custo.
As principais substâncias utilizadas no tratamento dos transtornos de ansiedade são:
Benzodiazepínicos: Alprazolam, Bromazepam, Clonazepam, Cloxazam,
Clordiazepóxido, Diazepam, Lorazepam e Oxazepam
Antidepressivos Tricíclicos: Amitriptilina, Clomipramina, Imipramina e Nortriptilina
Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina (ISRS): Citalopram, Escitalopram,
Fluoxetina, Fluvoxamina, Paroxetina e Sertralina
Inibidores de Monoaminoxidase (IMAO): Tranilcipromina, Fenelzina e Moclobemida
Inibidor de Recaptação de Serotonina e Noradrenalina: Venlafaxina, Duloxetina
Buspirona
β-Bloqueadores
2.5.2 Tratamentos Psicoterapêuticos
Os objetivos da psicoterapia em portadores de transtornos de ansiedade variam para
cada indivíduo, de acordo com suas necessidades e recursos disponíveis. Quanto mais realistas
forem os objetivos traçados, maiores são as chances de que sejam alcançados. Para determinar
com precisão essas questões, é necessária uma cuidadosa avaliação do quadro clínico -
incluindo histórico do transtorno, sintomas, comorbidades e prejuízos na funcionalidade do
paciente, além da qualidade dos relacionamentos interpessoais.
Inicialmente, o objetivo do tratamento é o controle dos sintomas o mais rápido possível, a
fim de reduzir o impacto do transtorno na vida do paciente. Quando o tratamento
- 75 -
psicoterapêutico é combinado com farmacoterapia, pode-se potencializar seus efeitos
terapêuticos, aumentando a adesão e eficácia do tratamento.
Três principais escolas de teoria psicológica – a psicanalítica, a existencial e a
comportamental – contribuíram com teorias sobre as causas da ansiedade. Cada uma delas tem
utilidades conceituais e práticas no tratamento dos transtornos de ansiedade.
As terapias cognitivo-comportamentais (TCC) produziram alguns dos tratamentos mais
eficientes dos transtornos de ansiedade, e tem sido amplamente utilizada nesse contexto, com
vários estudos controlados comprovando sua eficácia. A TCC busca produzir alterações no
sistema de crenças do indivíduo, com o objetivo de promover mudanças emocionais e
comportamentais duradouras.
Principais Técnicas Cognitivas e Comportamentais
a) Relaxamento
Técnicas de relaxamento ajudam o paciente a controlar suas respostas fisiológicas às
situações ansiogênicas. Destacam-se o treino em respiração, treino em relaxamento e o
relaxamento muscular progressivo.
b) Exposição
Consiste na exposição direta do paciente aos estímulos ou às situações temidas e evitadas,
por serem desencadeadores de ansiedade. A exposição é feita repetidamente, de forma
abrupta ou gradual, ao vivo ou imaginativa, conforme indicado pela avaliação do sintoma e do
contexto (Thorpe e Olson, 1997). É importante que o tempo de exposição seja suficiente para que
a ansiedade diminua antes que o paciente seja removido da situação, ou que o estímulo
ansiogênico tenha terminado. Essa técnica é muito apropriada para o tratamento de fobias, cujos
estímulos são externos.
c) Assertividade e Habilidades Sociais
Também desenvolvido por Wolpe, o treinamento do comportamento assertivo tem o
objetivo de ensinar aos pacientes formas socialmente adequadas de expressão. Essa prática inclui
a expressão de afetos e opiniões de modo direto, e a conquista de um tratamento justo,
igualitário e livre de demandas abusivas.
O treino em habilidades sociais inclui uma variedade de técnicas: instrução, modelação,
ensaio comportamental, reforço social positivo, prompts e feedback. Para Hoberman e Clarke
(1993), pelo menos quatro contextos sociais devem ser avaliados e incluídos no treinamento: com
estranhos, com amigos, com parentes ou em interação social e na escola ou trabalho.
- 76 -
d) Inoculação do Estresse
É a técnica utilizada pra treinar o paciente na vivência antecipada de uma situação
estressante, de modo a desenvolver recursos pessoais de enfrentamento, a serem utilizados
durante uma situação real. É realizada em três etapas: preparação, treino em habilidades básicas
e confrontação com situações reais.
e) Reestruturação Cognitiva
A reestruturação cognitiva visa a ajudar os pacientes a reconhecer e modificar esquemas
e pensamentos automáticos desadaptativos. Sua estratégia geral é ensinar ao paciente
habilidades para mudar cognições e expandir esse aprendizado às situações do mundo real.
O método mais frequentemente usado é o questionamento socrático. Também são
utilizados registros de pensamentos, identificação de erros cognitivos, exame de evidências,
análise pró e contra, reatribuição, alternativas racionais e ensaio cognitivo.
2.6 TIPOS DE TRANSTORNO
2.6.1 Transtorno do Pânico
Caracteriza-se pela ocorrência espontânea e inesperada de ataques de pânico (medo
intenso), que podem variar de diversos ataques por dia a apenas poucos por ano. Pode, ou não,
ser acompanhado de agorafobia.
a) Principais Sintomas e Critérios Diagnósticos
De acordo com o DSM-IV, são sintomas do ataque de pânico: palpitações ou taquicardia,
sudorese, tremores ou abalos, sensações de falta de ar ou sufocamento, dor ou desconforto
torácico, náusea ou desconforto abdominal, sensação de tontura, instabilidade, desmaio ou
vertigem, desrealização, medo de perder o controle, medo de morrer, parestesias, calafrios ou
ondas de calor.
Para ser considerado transtorno de pânico, esses ataques precisam ser seguidos de
preocupações persistentes com novos ataques e/ou alterações comportamentais significativas
relacionadas aos ataques. Além disso, os ataques não podem ser consequência de uso de
substâncias ou de outras condições médicas.
b) Comorbidades e Prognóstico
- 77 -
91% dos pacientes com transtorno de pânico tem, no mínimo, outro transtorno psiquiátrico,
incluindo transtornos de humor, de ansiedade, de personalidade, hipocondria e transtornos
relacionados ao uso de substâncias.
É um transtorno, em geral, crônico, embora seu curso seja variável, tanto entre pacientes,
como em um único pacientes. Indivíduos com bom desempenho pré-mórbido e sintomas de
duração breve tendem a ter bom prognóstico.
c) Tratamento Psicoterapêutico
A terapia cognitivo-comportamental está entre as mais eficientes. As principais técnicas
adotadas são o relaxamento, treinamento respiratório e exposição. Terapia familiar e de grupo
podem auxiliar tanto os pacientes como seus familiares.
d) Tratamento Medicamentoso
Em geral, tem-se observado superioridade dos ISRS sobre BZD, IMAOs e medicamentos
tricíclicos e tetracíclicos. Os benzodiazepínicos podem ser utilizados em pacientes que antecipem
uma situação em que possam ocorrer o pânico.
2.6.2 Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG)
a) Principais Sintomas e Critérios Diagnósticos
Os principais sintomas de TAG são ansiedade, tensão muscular, hiperatividade autonômica
e vigilância cognitiva.
De acordo com o DSM-IV, a ansiedade e preocupação excessivas devem ocorrer na
maioria dos dias, pelo período mínimo de 6 meses, em diversos eventos ou atividades. Além disso,
o indivíduo considera difícil controlar a sua preocupação e apresenta , no mínimo, três sintomas
somáticos associados.
b) Comorbidades e Prognóstico
O TAG é provavelmente o transtorno que coexiste com mais frequência com outros
transtornos mentais. Em sua maioria são: fobia social, fobia específica, transtorno de pânico e
depressão. É possível que de 50 a 90% dos pacientes com esse diagnóstico tenham outro
transtorno mental.
- 78 -
Em vista do alto índice de comorbidade, é difícil predizer o prognóstico. Por definição, esta
é uma condição crônica, que pode durar a vida inteira.
O tratamento mais eficaz para esse transtorno é um que combine psicoterapia,
farmacoterapia e abordagens de apoio.
c) Tratamento Psicoterapêutico
As técnicas cognitivas constantemente utilizadas são as de reestruturação cognitiva. Em
termos comportamentais, destacam-se o relaxamento e o biofeedback.
d) Tratamento Medicamentoso
As três principais opções de medicamentos a serem considerados nesses casos são a
Buspirona, os Benzodiazepínicos e os ISRS. Outros agentes que podem ser úteis são os tricíclicos e
os ISRNS.
2.6.3 Transtornos Fóbicos
Neste item, inicialmente, abordaremos os tratamentos, visto que as condutas são muito
semelhantes entre todos os transtornos fóbicos.
a)Tratamento Psicoterapêutico
Tem sido usada uma gama de técnicas cognitivas e comportamentais. Dentre elas, estão
a reestruturação cognitiva, a dessensibilização sistemática, exposição e inundação. A hipnose, a
terapia de apoio e a terapia familiar também tem se mostrado úteis no tratamento de transtornos
fóbicos.
b)Tratamento Medicamentoso – O uso de ISRS, ISRNS, tricíclicos e os benzodiazepínicos
podem ser utilizados no tratramento destes transtornos.
Agorafobia
a) Principais Sintomas e Critérios Diagnósticos
Os pacientes evitam situações em que seria difícil obter ajuda. Podem solicitar um
acompanhante a cada vez que tenham de sair de casa. Pacientes gravemente afetados podem
até se recusar a sair de casa.
b) Comorbidades e Prognóstico
- 79 -
Sintomas depressivos por vezes estão presentes no transtorno de Agorafobia, assim como
no do pânico. Alguns estudos demonstraram que o risco de suicídio nesse grupo é mais alto do
que em pessoas sem nenhum transtorno.
A maioria dos casos de agorafobia decorre do transtorno de pânico. Quanto esse é
tratado, a agorafobia por vezes melhora com o tempo. Porém, a agorafobia sem histórico de
pânico costuma ser incapacitante e crônica, e transtornos depressivos e abuso de álcool podem
complicar o caso.
Transtorno de Ansiedade Social
a) Principais Sintomas e Critérios Diagnósticos
Os critérios diagnósticos do DSM-IV para fobia social reconhecem que a condição pode
ser associada a ataques de pânico. O diagnóstico de fobia social é excluído quando o os
sintomas são resultado de evitação social devido a embaraço por outra condição médica.
O principal sintoma do transtorno de ansiedade social é o “medo acentuado e persistente
de uma ou mais situações sociais ou de desempenho, nas quais as pessoas o indivíduo é exposto
a pessoas estranhas ou ao possível escrutínio por terceiros”. Nesses casos, o indivíduo teme agir de
modo que lhe seja humilhante ou vergonhoso. (DSM-IV)
b) Comorbidades e Prognóstico
Indivíduos com fobia social podem apresentar história de outros transtornos de ansiedade,
transtornos de humor, abuso de drogas e bulimia nervosa.
A pouca informação disponível sobre esse transtorno sugere que a maioria das fobias que
começam na infância e continuam até a vida adulta persiste por muitos anos. Pensa-se que a
gravidade da condição permanece relativamente constante, sem o curso oscilante observado
em outros transtornos de ansiedade.
2.6.4 Fobias Específicas
a) Principais Sintomas e Critérios Diagnósticos
As fobias específicas caracterizam-se por um medo acentuado e persistente, excessivo ou
irracional, revelado pela presença ou antecipação de um objeto ou situação fóbica (por
exemplo: voar, alturas, animais, injeção, sangue).
- 80 -
Esse medo vem acompanhado de uma resposta imediata de ansiedade, que pode
assumir a forma de um ataque de pânico. A situação fóbica é, então, evitada ou suportada com
intenso sofrimento, e o indivíduo reconhecer que o medo é excessivo ou irracional.
b) Comorbidades e Prognóstico
Relatos de comorbidade com fobia específica variam de 50 a 80%. Dentre os transtornos
associados estão os de ansiedade, do humor, e aqueles relacionados ao uso de drogas.
2.6.5 Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT)
a) Principais Sintomas e Critérios Diagnósticos
As principais manifestações clínicas do TEPT são a reexperiência dolorosa do
acontecimento, um padrão de evitação e de abafamento emocional e uma hipervigilância
quase constante. Os sintomas podem variar com o tempo e serem mais intensos em períodos de
estresse, mas o evento traumático é persistentemente revivido, gerando – no paciente – esquiva
constante de estímulos associados com o trauma e entorpecimento da reatividade geral. Esses
sintomas, entre outros melhores descritos no DSM-IV, precisam gerar perturbação durante período
superior a um mês.
Os principais critérios diagnósticos são
b) Comorbidades e Prognóstico
As taxas de comorbidades são altas entre os pacientes com TEPT, com cerca de 2/3 dos
pacientes tendo pelo menos dois outros transtornos. Condições associadas incluem depressão,
transtorno bipolar, outros transtornos ansiosos e transtornos associados a substâncias.
Sem tratamento, cerca de 30% dos pacientes recuperam-se completamente, 40%
continuam a ter sintomas leves, 20% permanecem com sintomas moderados e 10% não tem
alteração ou pioram. Após 1 ano, cerca de 50% deles se recuperam (Kaplan e Sadock, 2007).
c) Tratamento Psicoterapêutico
As intervenções mais utilizadas incluem técnicas comportamentais, cognitivas e a hipnose.
d) Tratamento Medicamentoso
Os ISRS são considerados os medicamentos de primeira escolha para TEPT, devido a seus
escores em eficácia, tolerabilidade e segurança. A Buspirona também pode ser útil.
- 81 -
2.6.6 Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC)
Este tema será abordado com maior profundidade a seguir.
2.7 TRANSTORNO OBSESSIVO COMPULSIVO (TOC)
O Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) é uma doença crônica e progressiva em que o
indivíduo apresenta obsessões e/ou compulsões, ou seja, sofre de ideias e/ou comportamentos
que podem parecer absurdos ou ridículos para a própria pessoa e para os outros e, mesmo assim
são incontroláveis, repetitivos e persistentes. A pessoa é dominada por pensamentos
desagradáveis de natureza sexual, religiosa, agressiva, entre outros, e de preocupações
excessivas tais como lavar as mãos o tempo todo e revisar portas e janelas. Estes pensamentos são
difíceis de afastar de sua mente, parecem sem sentido e são aliviados temporariamente por
determinados comportamentos.
Estima-se que a prevalência de TOC na população seja de 1 a 2%, mas alguns estudos
indicam que seria de 2 a 3%. No Brasil, estima-se que de 3 a 4 milhões de pessoas estejam
acometidas pela doença, mas devido ao fato de haver sub-relato dos sintomas de TOC por parte
dos pacientes, estes índices podem ser maiores. De acordo com um estudo nos Estados Unidos,
indivíduos levavam em média 10 anos entre início dos sintomas e a busca por tratamento. Já entre
o início dos sintomas e a obtenção de tratamento adequado, alguns estudos apontavam para
cerca de 17 anos e outros para 23,6 anos. A justificativa pela demora foi atribuída pelo sentimento
de vergonha e humilhação dos pacientes perante os sintomas, associado à culpa, medo,
acreditar ser falha de caráter e necessidade de esconder os comportamentos sem sentido
inclusive para eles.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, o TOC é considerado uma doença mental
grave, estando entre as 10 maiores causas de incapacitação e a quinta principal causa de
doenças em mulheres de 15 a 44 anos. Em geral, seu início se dá no final da adolescência, e
casos iniciados após os 40 anos são raros. Os sintomas são graves em 10% dos casos, podendo
gerar incapacidades para o trabalho, limitar a socialização e convivência inclusive com a família,
alterar a estrutura da rotina (que geralmente inclui uma série de restrições), e provocar sofrimento
e conflito entre o indivíduo acometido e pessoas que o cercam. Além disso, quando um membro
da família tem TOC, a chance de outro membro também ter é de 4 a 5 vezes maior, sendo
comum casos em que vários membros de uma mesma família desenvolverem a doença.
- 82 -
2.7.1 Critérios Diagnósticos
De acordo com o DSM-IV, os critérios diagnósticos do TOC são:
A. Tanto para obsessões quanto para compulsões
As obsessões são definidas por:
1. Pensamentos, impulsos ou imagens recorrentes e persistentes que, em algum
momento durante a perturbação, são experimentados como intrusivos e
inadequados e causam acentuada ansiedade ou sofrimento.
2. Os pensamentos, impulsos ou imagens não são meras preocupações
excessivas com problemas da vida real.
3. A pessoa tenta ignorar ou suprimir tais pensamentos, impulsos e imagens ou
neutralizá-los com algum outro pensamento ou ação.
4. A pessoa reconhece que os pensamentos, impulsos e imagens são produtos
de sua própria mente. (não impulsos a partir de fora, como na inserção de
pensamentos).
As compulsões são definidas por:
1. Comportamentos repetitivos (por ex. lavar as mãos, organizar, verificar) ou
atos mentais (por ex. orar, contar ou repetir palavras em silêncio) que a pessoa
se sente compelida a executar em resposta a uma obsessão ou de acordo
com regras que devem ser rigidamente aplicadas.
2. Os comportamentos ou atos mentais visam prevenir ou reduzir o sofrimento ou
evitar algum evento ou situação temida. Entretanto, esses comportamentos
ou atos mentais não têm uma conexão realista com o que visam a neutralizar
ou evitar, ou são claramente excessivos.
B. Em algum ponto durante o curso do transtorno, o indivíduo reconheceu que
as obsessões ou compulsões são excessivas ou irracionais. (nota: Isso não se
aplica á crianças).
C. As obsessões ou compulsões causam acentuado sofrimento, consomem
tempo (tomam mais de uma hora por dia) ou interferem significativamente na
rotina, funcionamento ocupacional (ou acadêmico) atividades ou
relacionamentos sociais habituais do indivíduo.
D. Se um outro transtorno do eixo 1 está presente, o conteúdo das obsessões ou
compulsões não está restrito a ele (por ex: preocupações com elementos na
presença de um transtorno alimentar, puxar os cabelos na presença de
tricotilomania; preocupação com a aparência na presença de um transtorno
dismórfico corporal. Preocupação com drogas na presença de um transtorno
por uso de substâncias; preocupação com ter uma doença grave na
presença de hipocondria; preocupação com anseios ou fantasias sexuais na
presença de uma parafilia; ruminação de culpa na presença de um
transtorno depressivo maior).
E. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância
(por ex: droga de abuso, medicamentos ou de uma condição médica
geral). Deve-se especificar com “insight pobre” se, na maior parte do tempo,
durante o episódio atual, o indivíduo não reconhece que as obsessões ou
compulsões são excessivas ou irracionais.
Já segundo o CID-10, o TOC (F.42) é um transtorno caracterizado essencialmente por
idéias obsessivas ou por comportamentos compulsivos recorrentes. As idéias obsessivas são
pensamentos, representações ou impulsos, que se intrometem na consciência do sujeito de modo
repetitivo e estereotipado. Em regra geral, elas perturbam muito o sujeito, o qual tenta,
freqüentemente resistir-lhes, mas sem sucesso. O sujeito reconhece, entretanto, que se trata de
- 83 -
seus próprios pensamentos, mas estranhos à sua vontade e em geral desprazeirosos. Os
comportamentos e os rituais compulsivos são atividades estereotipadas repetitivas. O sujeito não
tira prazer direto algum da realização destes atos os quais, por outro lado, não levam à realização
de tarefas úteis por si mesmas. O comportamento compulsivo tem por finalidade prevenir algum
evento objetivamente improvável, freqüentemente implicando dano ao sujeito ou causado por
ele, que ele(a) teme que possa ocorrer. O sujeito reconhece habitualmente o absurdo e a
inutilidade de seu comportamento e faz esforços repetidos para resistir-lhes. O transtorno se
acompanha quase sempre de ansiedade. Esta ansiedade se agrava quando o sujeito tenta resistir
à sua atividade compulsiva.
Inclui neurose anancástica e obsessivo-compulsiva, e exclui personalidade (transtorno da)
obsessivo-compulsiva (F60.5).
Classifica o TOC da seguinte maneira:
F42.0 Transtorno obsessivo-compulsivo com predominância de ideias ou ruminações
obsessivas
Pode-se tratar de pensamentos, imagens mentais ou impulsos para agir, quase
sempre angustiantes para o sujeito. Às vezes trata-se de hesitações intermináveis entre
várias opções, que se acompanham frequentemente de uma incapacidade de
tomar decisões banais mas necessárias à vida cotidiana. Existe uma relação
particularmente estreita entre as ruminações obsessivas e a depressão, e deve-se
somente preferir um diagnóstico de transtorno obsessivo-compulsivo quando as
ruminações surgem ou persistem na ausência de uma síndrome depressiva.
F42.1 Transtorno obsessivo-compulsivo com predominância de comportamentos
compulsivos [rituais obsessivos
A maioria dos atos compulsivos está ligada à limpeza (particularmente lavar as mãos),
verificações repetidas para evitar a ocorrência de uma situação que poderia se
tornar perigosa, ou um desejo excessivo de ordem. Sob este comportamento
manifesto, existe o medo, usualmente de perigo ao ou causado pelo sujeito e a
atividade ritual constitui um meio ineficaz ou simbólico de evitar este perigo.
F42.2 Transtorno obsessivo-compulsivo, forma mista, com idéias obsessivas e
comportamentos compulsivos
F42.8 Outros transtornos obsessivo-compulsivos
F42.9 Transtorno obsessivo-compulsivo não especificado
Diagnóstico Diferencial
Algumas condições médicas como Síndrome de Tourette ou outros transtornos de tiques,
epilepsia do lobo temporal e complicações pós-traumáticas; condições psiquiátricas como
esquizofrenia, transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva, fobias e transtornos depressivos.
- 84 -
2.7.2 Quadro Clínico
Dentre os sintomas de TOC estão alterações de comportamento (caracterizadas
principalmente por compulsões), de pensamento (caracterizadas principalmente por obsessões) e
das emoções (como medo, culpa e aflição).
As obsessões mais frequentemente encontradas são: dúvidas, preocupação excessiva
com sujeira, germens, contaminação (presente em 55% dos casos), doença (presente em 35% dos
casos) simetria (presente em 37% dos casos), sequencia, alinhamento; armazenar/poupar coisas
inúteis, pensamentos imagens ou impulsos indesejáveis ou impróprios de ferir, insultar, agredir
outras pessoas, associados ao comportamento sexual (presente em 32% dos casos); pensamentos
de ordem religiosa associados à culpa, pecado ou sacrilégio; pensamentos supersticiosos;
presença repetitiva e indesejável de palavras, nomes ou música. As obsessões múltiplas não são
raras, estando presentes em 60% dos casos.
Dentre as compulsões mais comuns estão: lavagem/limpeza, verificações, repetições,
contagens, confirmações, ordem, simetria, armazenar, colecionar ou poupar, repetir palavras,
rezar, tocar, olhar, bater, e estalar os dedos.
As compulsões e as obsessões são fortemente associadas pois, na medida que o
pensamento é invadido pela obsessão, o indivíduo passa a sentir aflição e ansiedade em maior
ou menor intensidade e as compulsões parecem aliviar momentaneamente essa sensação. Assim,
o indivíduo repete o comportamento da compulsão toda vez que existe a obsessão, sendo que
na maioria das vezes existe uma relação lógica entre elas (como por exemplo verificar 5 vezes se
as bocas de um fogão não estão abertas com a preocupação de um incêndio), mas algumas
vezes não (como por exemplo não pisar em faixas na rua para evitar que algo ruim aconteça).
Neste sentido, é possível estabelecer relações entre as obsessões e tipos de rituais, como as
obsessões de agressividade ou sexuais que parecem levar aos rituais de verificação, as obsessões
de simetria levar aos rituais de organização e ordenação, e obsessões de contaminação aos
rituais de limpeza.
Estes comportamentos provocam comprometimentos na vida diária, ocasionando
limitações que podem inclusive se tornar incapacitantes. Seja pelo tempo despendido com a
execução dos rituais ou seja pelas evitações das situações temidas, a maneira com que estes
comportamentos interferem no cotidiano do indivíduo (e da família, já que muitas vezes o
indivíduo procura impô-los à família) é determinante para entender o grau de severidade da
doença.
- 85 -
2.7.3 Etiologia
Fatores Biológicos
Ensaios clínicos com medicamentos sustentaram a hipótese de que a desregulação da
serotonina está envolvida com a origem das obsessões e compulsões, embora ainda não esteja
clara a relação causal entre eles ou de que maneira ocorre essa alteração neuroquímica. Estudos
de neuroimagem indicaram alteração de função nos circuitos neurais entre córtex orbitofrontal, o
caudado e o tálamo, além de aumento de atividade nos lobos frontais, gânlgios basais
(principalmente caudado) e no cíngulo. O envolvimento dessas áreas na patologia do TOC
parece estar mais associado às vias corticoestriadas do que às vias para a amígdala (foco de
pesquisas dos transtornos de ansiedade). A influência de fatores genéticos ainda é controvérsia,
pois embora pareçam existir fatores hereditários, ainda não se distinguem de fatores ambientais e
culturais.
Fatores Comportamentais
Algumas teorias afirmam que obsessões são estímulos condicionados, em que um estímulo
aparentemente neutro passa a se associar com medo ou ansiedade. Isso se dá por um processo
de resposta condicionada a um evento nocivo eliciador destas emoções. Assim também surgem
as compulsões, com o objetivo de aliviar estes sintomas.
Fatores psicossociais
Embora exista associação, não é comprovado que os sintomas sejam decorrentes de
rigidez na educação, de conflitos inconscientes no início da vida, ou em decorrência da
observação do comportamento dos pais, nem tampouco devido eventos estressores como
falecimento de familiar. Sabe-se que alguns traços da personalidade (como dificuldade no
relacionamento interpessoal) estão associados à predisposição do indivíduo em desenvolver os
sintomas, e que estes podem ser herdados. Existe ainda a contribuição de eventos estressores que
intensifiquem a ansiedade, podendo iniciar ou exacerbar o TOC.
2.7.4 Tratamento
Farmacológico
Inicia-se o tratamento farmacológico com Inibidores Seletivos da Recaptação da
Serotonina (ISRS) - Citalopram, Escitalopram, Fluoxetina, Fluvoxamina, Paroxetina e Sertralina – ou
Inibidor Seletivo de Recaptação de Serotonina e Noradrenalina (ISRNS) - Venlafaxina . Existe a
- 86 -
opção do uso da clomipramina, antidepressivo tricíclico mais seletivo para a recaptação da
serotonina e sendo o primeiro medicamento aprovado para o tratamento de TOC, que ainda se
mantém como padrão ouro para tratamento do TOC. Estudos comprovam que tanto ISRS quanto
clomipramina beneficiam mais de 60% dos pacientes, mas, se estes não forem eficazes, modifica-
se a estratégia farmacológica, podendo-se potencializar os efeitos dos medicamentos
serotonérgicos incluindo a prescrição de valproato (Depakene), lítio (Carbolitium) ou
carbamazepina (Tegretol). Outras alternativas incluem a buspirona (BuSpar), 5 hidroxitriptamina (5-
HT), L-triptofano e clonazepam (Rivotril).
Não Farmacológico
Dentre as terapias não medicamentosas destaca-se a Terapia Cognitivo Comportamental
como a mais efetiva, e, mais especificamente a Terapia Comportamental de Exposição e
Prevenção de Rituais (EPR). Este método terapêutico é embasado nos modelos de aprendizagem
e habituação, e tem por finalidade modificar comportamentos inadequados e patológicos. O
paciente é exposto de maneira gradual e sistemática aos pensamentos ou situações temidas e os
rituais são prevenidos ativamente. Outras abordagens podem ser associadas de maneira a
complementar a EPR, tal como a terapia familiar.
3. ESQUIZOFRENIA
A esquizofrenia (do grego schizo: divisão, phrenos: mente), em conjunto com o transtorno
delirante persistente (paranóia) e os transtornos de humor, compõe o grupo das Psicoses –
condição de um transtorno mental caracterizada pela perda do julgamento da realidade e
ampla desorganização da personalidade. Esse transtorno é hoje encarado não como doença no
sentido clássico do termo, mas sim como um transtorno mental, podendo atingir diversos tipos de
pessoas, sem exclusão de grupos ou classes sociais.
3.1 ASPECTOS GERAIS
A esquizofrenia é caracterizada essencialmente por uma fragmentação da estrutura
básica dos processos cognitivos e emocionais que acometem a percepção, o pensamento
inferencial, a linguagem e a comunicação, o monitoramento comportamental, o afeto, a fluência
e produtividade do pensamento e do discurso, a capacidade hedônica, a volição, o impulso e a
atenção. Esse qudro resulta na dficuladade do individuo acometido em estabelecer a distinção
entre experiências internas e externas.
- 87 -
De acordo com alguns autores (Mari e Leitão, 2000), essa doença atinge 1% da população
mundial e sua incidência é semelhante entre homens e mulheres. Manisfesta-se habitualmente
entre os 15 e os 25 anos por meio de um episódio agudo, sendo que um quarto dos pacientes
acometidos recuperam-se integralmente. Outros 25% ficam permanentemente perturbados.
Destes últimos, 50% requerem hospitalização. Metade dos pacientes esquizofrênicos apresenta
uma sucessão de episódios agudos ao longo de vários anos, intercalados com fases de relativa
normalidade. Quando não tratados, muitos pacientes ficam progressivamente mais deteriorados
após cada episódio agudo e podem terminar a presentando quadro de demência grave (Graeff
e Guimarães, 2005).
Nesse sentido, a esquizofrenia é reconhecida como possivelmente o transtorno psiquiátrico
crônico de maior comprometimento e incapacitação ao longo da vida.
3.2 CRITÉRIOS DE DIAGNÓSTICO
Apesar de apresentar manifestações múltiplas e quadros variados, os sintomas da
esquizofrenia podem ser divididos em duas categorias: sintomas positivos e negativos.
Os sintomas positivos parecem refletir um excesso ou distorção de funções normais e
incluem distorções ou exageros do pensamento inferencial (delírios); da percepção (alucinações);
da linguagem e comunicação (discurso desorganizado) e do monitoramento comportamental
(comportamento amplamente desorganizado, podendo apresentar ansiedade, impulsos ou
agressividade; ou catatônico). Já os sintomas negativos parecem refletir uma diminuição ou
perda de funções normais e incluem um estado deficitário na amplitude e intensidade das
emoções (embotamento do afeto); na fluência e produtividade do discurso e pensamento
(alogia) e na iniciação de comportamentos dirigidos a um objetivo (avolição). Tais sintomas
podem ser exemplificados pela falta de vontade ou de iniciativa; isolamento social; apatia;
indiferença emocional e pobreza do pensamento.
De acordo com o DSM-IV, os critérios de diagnóstico para esquizofrenia devem incluir pelo
menos um sintoma claro (e em geral dois ou mais se são menos claros) pertencente a qualquer
um dos grupos listados como A e D; ou preencher os critérios estabelecidos por qualquer um dos
grupos referidos como E ou F. Os sintomas devem estar presentes na maior parte do tempo
durante um período de 1 mês ou mais. Além disso, deve-se considerar a ausência de sintomas
depressivos ou maníacos nítidos, a menos que os sintomas esquizofrênicos tenham precedidos o
transtorno afetivo. A esquizofrenia não deve ser diagnosticada na presença de doença cerebral
clara ou durante estados de intoxicação ou de abstinência de drogas.
A – Sintomas Claros: delírios; alucinações; fala desorganizada (como descarrilhamento
freqüente ou incoerência); comportamento totalmente desorganizado ou catatônico e sintomas
- 88 -
negativos, ou seja, embotamento afetivo, alogia ou avolição. Cabe ressaltar que apenas um
sintoma é necessário se os delírios são bizarros ou as alucinações consistem de uma voz mantendo
um comentário sobre o comportamento ou pensamentos da pessoa ou duas ou mais vozes
conversando entre si.
B – Disfunção Social/ocupacional: por uma porção significativa do tempo desde o início
da perturbação, uma ou mais áreas importantes do funcionamento social estão
acentuadamente abaixo do nível alcançado antes do início dos sintomas. Quando o início dá-se
na infância ou adolescência, fracasso em atingir o nível esperado de aquisição interpessoal,
acadêmica ou ocupacional.
C – Sinais contínuos da perturbação por pelo menos 6 meses: este período de 6 meses
deve incluir pelo menos 1 mês de sintomas (ou menos, se tratados com sucesso) que satisfazem o
critério A.
D – Exclusão de Transtorno Esquizoafetivo e Transtorno de Humor: são descartados se:
nenhum episódio Depressivo Maior, Maníaco ou Misto ocorreu concomitantemente aos sintomas
da fase ativa; ou se os episódios de humor ocorreram da fase ativa, sua duração total foi breve
relativamente à duração dos períodos ativos e residual.
E – Exclusão de substância/condição médica geral: a perturbação não se deve aos efeitos
fisiológicos diretos de uma substância (por exemplo, uma droga de abuso, um medicamento) ou
de uma condição médica geral.
F – Relação com um Transtorno Invasivo de Desenvolvimento: se existe uma história de
Transtorno Autista ou outro Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, o diagnóstico de Esquizofrenia
é feito apenas se delírios ou alucinações proeminentes estão presentes por pelo menos 1 mês.
Diagnóstico Diferencial
O diagnóstico de esquizofrenia deve ser considerado como um diagnóstico de exclusão,
sendo muito importante afastar causas orgânicas como: abuso de substâncias como
alucinógenos, anfetaminas, cocaína, álcool; intoxicações por medicações prescritas comumente
como, corticosteróides, levodopa, anticolinérgicos; doenças infecciosas, metabólicas e
endócrinas; processos expansivos cerebrais ou epilepsia do lobo temporal.
3.3 BASES NEUROBIOLÓGICAS
O substrato neurobiológico envolvido na Esquizofrenia ainda não está completamente
elucidado, sendo que atualmente parece haver um consenso sobre o caráter multifatorial que
envolve a doença. Assim, a desorganização da personalidade é atribuída à interação de
variáveis culturais, psicológicas e biológicas, e algumas teorias destacam-se na explanação de
tais vertentes
- 89 -
Teoria familiar: apesar do interesse histórico, as teorias familiares apresentam pouco
fundamento científico. Surgiram na década de 1950 baseadas em aspectos da relação mãe-
criança principalmente, em que a ambivalência ou rejeição intensa da “mãe esquizofrênica”,
“possessiva” ou “dominadora” com seus filhos geraria personalidades esquizofrênicas. No entanto,
estudos posteriores abalaram esta hipótese, relacionando aquele comportamento mais com
etiologias neuróticas e não com a psicose em si.
Teoria psicanalítica (ou de relação precoce): tem como base a teoria freudiana da
psicanálise, remetendo para a fase oral do desenvolvimento psicológico em que "a ausência de
gratificação verbal ou da relação inicial entre mãe e bebê conduz igualmente a personalidades
"frias" ou desinteressadas (ou indiferentes) no estabelecimento das relações" (Neeb & Kathy, 1997).
Com isto, a origem da esquizofrenia estaria na ausência de relações interpessoais satisfatórias.
Teoria neurobiológica: o uso de técnicas não-invasoras que permitem obter imagens
morfológicas e funcionais de pacientes acometidos pela esquizofrenia gerou um grande avanço
na compreensão de sua fisiopatologia. Assim, esta teroria defende que esta doença é
essencialmente causada por alterações bioquímicas e estruturais do cérebro. Pacientes
acometidos pela esquizofrenia parecem ter dificuldade na "coordenação" das atividades entre
diferentes áreas cerebrais. Por exemplo, ao se pensar ou falar, a maioria das pessoas mostra
aumento da atividade nos lobos frontais, juntamente com a diminuição da atividade de áreas
não relacionadas a este foco, como a da audição. Nos pacientes esquizofrênicos observa-se
anomalias dessas ativações, como a ativação da área auditiva quando não há sons
(possivelmente devido a alucinações auditivas), ausência de inibição da atividade de áreas fora
do foco principal, incapacidade de ativar como a maioria das pessoas, certas áreas cerebrais.
Ainda, a tomografia por emissão de pósitrons (TEP) revelou um aporte anormal em regiões
cerebrais específicas do fluxo sanguíneo em indivíduos que apresentam este transtorno. No
entanto, não há como identificar se tal déficit do fluxo sangüíneo são a causa ou a conseqüência
da doença.
Teoria dos neurotransmissores: baseia-se em especial na disfunção dopaminérgica, com
um excesso de dopamina na via mesolímbica e falta dopamina na via mesocortical. Esta vertente
é parcialmente comprovada pelo fato de a maioria dos fármacos utilizados no tratamento da
esquizofrenia (neurolépticos) atuarem através do bloqueio dos receptores D2 da dopamina.
Teoria genética: propõe que a esquizofrenia tem caráter familiar. Quando um dos pais é
portador da doença, o filho tem cerca de 10% de probabildiade de manifestá-la. Essa taxa sobre
para 40 a 60% em gêmeos monozigóticos comparada com 10% em gêmeos fraternos. No entanto,
o fato da concordância mais alta estar longe de 100% sugere a participação de fatores
ambientais na esquizofrenia, como uma nutrição inadequada ou o uso de substâncias lícitas e
ilícitas.
- 90 -
Apesar de existirem todas estas hipóteses para a explicação da origem deste transtorno,
nenhuma delas individualmente consegue dar uma resposta satisfatória às muitas dúvidas que
existem em torno das causas da doença, reforçando assim a ideia de uma provável etiologia
multifatorial.
3.4 TRATAMENTOS
O tratamento da esquizofrenia visa ao controle dos sintomas e à reintegração do
paciente, e requer duas abordagens: psicossocial e medicamentosa.
Os tratamentos psicossociais complementam a ação dos medicamentos, uma vez que
mesmo quando os pacientes estão livres dos sintomas psicóticos, eles podem apresentar sintomas
como apatia, desinteresse, isolamento social entre outros. Com isto, torna-se necessário um
planejamento individualizado de reabilitação do paciente. Assim, o principal objetivo da terapia
psicossocial é promover a reintegração do paciente à família e à sociedade, bem como
aumentar sua capacidade de trabalho. Para tanto, numerosas formas de terapia têm sido
empregadas. A reabilitação social compreende aconselhamento vocacional, treinamento
profissional, ensino de como lidar com problemas comuns tais como utilizar o transporte público,
lidar com dinheiro, etc. A psicoterapia pode ser individual ou de grupo. Quando individual,
estudos comparativos têm mostrado superioridade de formas orientadas para a realidade em
relação a psicoterapias de caráter analítico, pois permitem que o paciente aprenda a distinguir o
que é tido como real, pelo sendo comum, das experiências pessoais de natureza psicótica. A
terapia familiar é de grande importância para facilitar o ajustamento do paciente após a
hospitalização. Ambientes familiares muito críticos com alto nível da “emoção expressa” são
prejudiciais. Com isto, é fundamental que os membros da família sejam instruídos para tratar
adequadamente o paciente. Outras formas de tratamento são o hospital-dia, o tratamento
residencial e os grupos de auto-ajuda (Graeff e Guimarães, 2005).
3.4.1 Farmacoterapia
O tratamento medicamentoso é realizado por meio de remédios chamados antipsicóticos
ou neurolépticos. Eles são utilizados na fase aguda da doença para aliviar os sintomas psicóticos,
assim como nos períodos entre as crises a fim de prevenir novas recaídas; e são eficazes em 70%
dos casos no alívio dos sintomas da esquizofrenia. Grande parte dos pacientes precisa utilizar a
medicação ininterruptamente para não ter novas crises. Portanto, o paciente deve submeter-se a
- 91 -
avaliações médicas periódicas nas quais o médico procura manter a medicação na menor dose
possível para evitar recaídas e evitar eventuais efeitos colaterais.
Alguns deles, conhecidos como antipsicóticos típicos, inibem fortemente os receptores D2
das vias dopaminérgicas do Sistema límbico do cérebro, e o seu sucesso constitui uma forte
evidência da importância das alterações bioquímicas na patogenia da doença conhecida como
hipótese dopamínica (que talvez sejam uma resposta secundária a eventos causadores da
doença como o são as alterações comportamentais). Outra evidência do papel da dopamina na
esquizofrenia relaciona-se com o fato de que alguns sintomas característicos da doença podem
ser desencadeados por fármacos que aumentam a atividade dopaminérgica (como as
anfetaminas).
Assim, no decorrer do tratamento com antipsicótico a melhora inicial decorre da
diminuição da ansiedade e agitação. As alterações do pensamento cedem lentamente, após
quatro a seis semanas de tratamento. Embora úteis para aliviar sintomas positivos, esse
medicamentos são pouco eficazes no alívio de sintomas negativos da esquizofrenia. Dentre os
diversos fármacos que compõem a classe, os exemplos mais usuais de antipsicóticos típicos são o
haloperidol e a clorpromazina, sendo que estudos indicam que não há maior eficácia de um em
relação aos demais. Diferem, contudo, quanto à potência, farmacocinética e perfil de efeitos
adversos
De fato, os efeitos adversos dos antipsicóticos típicos merecem devem ser levados em
consideração no manejo terapêutico por sua relevância e gravidade, sendo os mais usuais
diminuição da libido, amenorréia e galactorréia, além dos efeitos extrapiramidais como o
aparecimento da síndrome de Parkinson, reações distônicas agudas, acatisia, acinesia e síndrome
neuroléptica maligna.
Em conjunto, a alta frequência de efeitos colaterais motores, a eficácia reduzida ou
inexistente sobre os sintomas negativos e o fato de alguns pacientes não responderem ao
tratamento com antipsicóticos típicos, levou à procura de novas drogas que superassem esses
limites. Neste contexto, emerge a classe de drogas denominada antipsicóticos atípicos (também
conhecidos como antipsicóticos de 2ª geração) os quais inibem fracamente os receptores D2
dopaminérgicos, tendo ação inibidora serotoninérgica simultânea. Estes têm um sucesso maior
sobre os casos refratários ao tratamento com antipsicóticos típicos, nos casos de intolerância aos
efeitos colaterais extra piramidais ou sobre os casos com sintomatologia negativa predominante.
No entanto, cabe resaltar que a escolha por uma das diferentes classes de antipsicóticos
disponíveis deve ser individualizada, considerando riscos e benefícios ao paciente. Os maiores
representantes desta classe são a clozapina, a risperidona, a olanzapina, o aripiprazol, a
ziprasidona e a quetiapina.
- 92 -
ALGORITMOS
- 93 -
- 94 -
- 95 -
- 96 -
- 97 -
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Akiskal, H. S. (1996). The prevalent clinical spectrumof bipolar disorder: Beyound DSM IV. Journal
of Clinical Psychopharmacology, v. 16, p. 2, p. 117-122.
ALMEIDA-FILHO, N. et al. (1992). Estudo multicêntrico de morbidade psiquiátrica em áreas
urbanas brasileiras. Revista da Associação Brasileira de Psiquiatria e Associação Psiquiátrica da
América Latina, v. 14, n. 3, p. 93-104.
AMERICAN MEDICAL ASSOCIATION (1994) - Diagnostic And Statistical Manual Of Mental
Disorders: DSM-IV, 4 Ed. American Psychiatric Association, Washington, DC.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (2002). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM-IV). Porto Alegre: Artmed.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (1993). Practice of guideline for major depressive
disorders in adults. American Journal of Psychiatry, v.150, n. 4, p. 1-26.
ANDERSON, C. M., et al. (2000). Private events: Do they belong in a science of human behavior?
The Behavior Analyst, v. 23, p. 1-10.
BARLOW & CERNY (1997). Tratamento Psicológico do Pânico, Artmed.
BARLOW, D.(org) (1999). Manual Clínico dos Transtornos Psicológicos. Artmed, 1999.
BARLOW, D.; DURAND, V. (2008). Psicopatologia: Uma Abordagem Integrada. São Paulo:
Cengage Learning.
BEIDEL DC, MORRIS TL, TURNER MW (2004). Social Phobia. In: Morris TL, March JS. Anxiety disorders
in children and adolescents. 2nd ed. New York: Guilford; . p. 141-63.
BOER, JA (2000). Social Anxiety Disorder/Social Phobia: Epidemiology, Diagnosis, Neurobiology,
and Treatment. Comprehensive Psychiatry, Vol. 41, No. 6, 405-415.
CABALLO, V. (2003) Manual para o Tratamento Cognitivo Comportamental dos Transtornos
Psicológicos Transtornos de Ansiedade, Sexuais, Afetivos e Psicóticos. Ed. Santos.
CARRILLO, J. M.; ROJO, N.; STAATS, A. W. (2004). Women and vulnerability to depression: some
personality and clinical factors. The Spanish Journal of Psychology, v. 7, n. 1, p. 29-39.
CASTILLOA ARGL, RECONDOB R, ASBAHRC FR E MANFROD GG (2000). Transtornos de ansiedade
Revista Brasileira Psiquiatria; 22(Supl II):20-3.
CASTRO, A. P. W.; NETO, F. L. (2004). Continuação do antipsicótico em depressão psicótica.
Revista de Psiquiatria Clínica, v. 31, n. 6, p. 300-305.
CORDIOLI, A. (2007). TOC: Manual de Terapia Cognitivo-Comportamental para o Transtorno
Obsessivo-Compulsivo. Porto Alegre: Artmed.
D'EL REY GJF; PACINI CA (2006). Terapia cognitivo-comportamental da fobia social: modelos e
técnicas Psicol. estud. vol.11 no.2 Maringá May/Aug.
DEVILLY, G. J. (2002). Eye Movement Desensitisation and Reprocessing. A Chronology of Its
Development and Scientific Standing. The scientific review of mental helth practice, v. 1, n. 2, p.
113-138.
DZIEDZICKA-WASYLEWSKA, M.; WILLNER, P.; PAPP, M. (1997) Changes in dopamine receptor
mRNA expression following chronic mild stress and chronic antidepressant treatment.
Behavioural Pharmacology, v. 8, n. 6-7, p. 607-618.
ELKIS, H.; FRIEDMAN, L.; MELTZER, H. Y. (1995) Meta-analyses of studies of ventricular enlargement
and cortical sulcal prominence in mood disorders. Comparisons with controls or patients with
- 98 -
schizophrenia. Archives of General Psychiatry, v. 52, n. 9, p.735-746.
FALCONE E, FIGUEIRA I (2001). Trasntorno de Ansiedade Social. In.: Rangé, B. (Org.) Psicoterapias
Comportamentais e Cognitivas: um diálogo com a psiquiatria, Artmed.
FESTER, C. B. (1973) A functional analysis of depression. American psychologist, v. 28, n. 10, p.
857-870.
FITZGERALD, P. B. et al. (2003). Transcranial Magnetic Stimulation in the Treatment of Depression:
A Double-blind, Placebo-Controlled Trial. Archives of General Psychiatry, v. 60, n. 10, p. 1002-
1008.
FUCHS, E.; SIMON, M.; SCHMELTING, B. (2006). Pharmacology of a new antidepressant: benefit of
the implication of the melatonergic system. International Clinical Psychopharmacology, v. 21, n.
1, p. 17-20.
GOODWIN, G. M. (1997). Neuropsychological and neuroimaging evidence for the involvement
of the frontal lobes in depression. Journal of Psychopharmacology, v. 11, n. 2, p. 115-122.
GOULD, T.D. et al. (2007). Animal models of bipolar disorder and mood stabilizer efficacy: a
critical need for improvement. Neurosci Biobehav Rev31:825–831.
GRAEFF, F. G.; GUIMARÃES, F. S (2005). Fundamentos de psicofarmacologia. 1º Ed. Atheneu: São
Paulo.
HARRISON, P. J. (2002). The neuropathology of primary mood disorder. Brain, v. 125, n.7, p. 1428-
1449.
HAWTON, K. E COLS (1997). Terapia Cognitiva-Comportamental dos Transtornos Psiquiátrico um
guia prático , Martins Fontes.
HETEM, L.; GRAEFF, F. G. (2004). Transtornos de Ansiedade. São Paulo: Editora Atheneu.
ITO LM, ROSO MC, TIWARI S, KENDALL PC, ASBAHR FR (2008). Terapia cognitivo-comportamental
da ansiedade social. Revista Brasileira de Psiquiatria. 30(Supl II):S96-101.
JUDD L.L. e AKISKAL H.S. (2003). The prevalence and disability of bipolar spectrum disorders in
the US population: re-analysis of the ECA database taking into account subthreshold cases. J
Affect Disord 73: 123-131.
KECK, P.E (2003). The management of acute mania. BMJ. 327(7422):1002-3.
KESSLER RC, SANG P, WITTCHEN HU, STEIN M, WALTERS EE. (1999) Lifetime co-morbidities between
social phobia and mood disorders in the US National Comorbidity Survey. Psychol Med. 29(3):
555-67.
KESSLER, R. C. (2003). Epidemiology of women and depression. Journal of Affective Disorders, v.
74, n. 1, p. 5-13, 2003.
LENT, R. (2005). Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de neurociência. São Paulo:
Editora Atheneu.
LIMA, M.S. et al. (2005) Epidemiologia do transtorno bipolar. Rev Psiquiatr Clín. 32 (suppl.1): 15
LIPP, M. E. N. & MALAGRIS, L. E. N. (2001) O stress emocional e seu tratamento. In.: Rangé, B.
(Org.) Psicoterapias Comportamentais e Cognitivas: um diálogo com a psiquiatria, Artmed.
LIPP, M. (org) (2000) O Stress está dentro de você Editora Contexto.
MACHADO, A. (2003) Neuroanatomia Funcional. São Paulo: Editora Atheneu.
MACHADO-VIEIRA, R. (2004). Perspectives for the development of animal models of bipolar
disorder. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 28(2):209-224.
- 99 -
MARI JJ, LEITÃO RJ. (2000). A epidemiologia da esquizofrenia. Rev Bras Psiquiatr; 22(Supl I):15-7
MARTIN, EI; RESSLER, KJ; BINDER, E; NEMEROFF, CB. (2009). The Neurobiology of Anxiety Disorders:
Brain Imaging, Genetics, and Psychoneuroendocrinology. Psychiatr Clin N Am 32, 549–575.
MONTGOMERY, S. A. (2006). Why do we need and better antidepressants? International Clinical
Psychopharmacology, v. 21, n. 1, p. 1-10.
MORENO, R. A.; SOARES, M. B. M. (2003). Diagnóstico e tratamento: elementos de apoio-
Depressão. 1º Ed. Lemos: São Paulo.
MORENO, R.A. (2005) Diagnóstico, tratamento e prevenção da mania e da hipomania no
transtorno bipolar. Rev Psiquiatr Clín. 32 (suppl.1): 39-48.
MURRAY, C. L. J.; LOPEZ, A. D. (1997). Alternative projections of mortality and disability by cause
1990–2020: Global Burden of Disease Study. The Lancet, v. 349, n. 9064, p.1498-1504.
NARDI, AE. (2006). Some notes on a historical perspective of panic disorder. J Bras Psiquiatr,
55(2): 154-160.
NEEB, KATHY (1997). Fundamentos de Enfermagem de Saúde Mental, Loures, Lusociência.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. (1993). CID-10: Descrições Clínicas e Diretrizes
Diagnósticas. 1º Ed. Porto Alegre: Artmed.
ÖST LG. (1987). Age of onset in different phobias. J Abnorm Psychol. 96:223-9.
PICHOT P. (1996). Panic: attack and disorder. History of the word and concepts. Encephale.
Dec;22 Spec No 5:3-8.
RANGÉ B, ASBAHR F, MORITZ K, ITO L (2001) Transtorno Obsessivo Compulsivo. In.: Rangé, B.
(Org.) Psicoterapias Comportamentais e Cognitivas: um diálogo com a psiquiatria, Artmed.
RANGÉ B, BERNIK MA (2001) Transtorno de Pânico e Agorafobia. In.: Rangé, B. (Org.)
Psicoterapias Comportamentais e Cognitivas: um diálogo com a psiquiatria, Artmed.
Rangé, B. (2001). Psicoterapias cognitivo-comportamentais: um diálogo com a psiquiatria. Porto
Alegre: Artmed.
REICH J, GOLDENBERG I, VASILE R, GOISMAN RM, KELLER MB. (1994). A prospective follow-along
study of the course of social phobia. Psychiatry Res. 54:249-58.
RODGERS RJ, CAO, BJ; DALVI, A; HOLMES. A. (1997). Animal models of anxiety: an ethological
perspective. Brasilian journal of Medical and Biological Research, 30: 289-304.
ROSA, M. A. (2003). Estimulação magnética transcraniana de repetição: comparação da
eficácia com a eletroconvulsoterapia. Tese (Doutorado). Instituto de Psiquiatria, Universidade
de São Paulo: São Paulo.
SADOCK, B.; SADOCK, V. (2007). Compêndio de Psiquiatria: Ciências do Comportamento e
Psiquiatria Clínica. 9ed. Porto Alegre: Artmed.
SAVOIA, MARIANGELA G. (1999). Transtorno do Pânico Desencadeantes Psicossociais. Esetec
editores.
SCALCO, M. Z. (2002). Tratamento de idosos com depressão utilizando tricíclicos, IMAO, ISRS e
outros antidepressivos. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 24, n. 1, p. 55-63.
SCHESTATSKY, S.; FLECK, M. (1999). Psicoterapia das depressões Rev. Bras. Psiquiatr. vol.21 s.1, p.
41-44.
SCHILDKRAUT, J. J. (1965). The catecholamine hypotesis of affective disorders: a review of
supporting evidence. The American Journal of Psychiatry, v. 122, n. 5, p. 509-522.
- 100 -
SCHNEIER FR, JOHNSON J, HORING CD, LIEBOWITZ MR, WEISSMAN MM (1992). Social phobia.
Comorbidity and morbidity in an epidemiologic sample. Arch Gen Psychiatry. 49(4):282-8.
SCIPPA, A. M. A. M (1998). Ressonância magnética da hipófise em pacientes com depressão
de inverno e voluntários sadios: efeitos da fototerapia e da variação sazonal. Tese (Doutorado).
Instituto de Psiquiatria, Universidade Federal de São Paulo: São Paulo.
SHINOHARA H, NARDI AE (2001) Transtorno de Ansiedade Generalizada. In.: Rangé, B. (Org.)
Psicoterapias Comportamentais e Cognitivas: um diálogo com a psiquiatria, Artmed.
STAHL, SM. (2002). Psicofarmacologia: Base Neurocientífica e Aplicações Práticas. 2 ed. Medsi.
STAHL, SM. (2008). Stahl’s Essential Psychopharmacology: Neuroscientific Basis and Practical
Applications. 3 ed. Cambridge University press.
STEIN MB, KEAN YM. (2000). Disability and quality of life in social phobia: epidemiologic findings.
Am J Psychiatry. 157:1606-13.
THASE, M. E. (1999). Redefining antidepressant efficacy toward long-term recovery. The Journal
of Clinical Psychiatry, v. 60, n. 6, p. 15-19.
TOHEN M., et al. (2003). The McLean-Harvard First-Episode Mania Study: prediction of recovery
and first recurrence. Am J Psychiatry 160: 2099-2107.
UK ECT REVIEW GROUP (2003). Efficacy and safety of electroconvulsive therapy in depressive
disorders: a systematic review and meta-analysis. Lancet, v. 361, n.9360, p. 799-808.
WEISSMAN, M. M. et al. (1996). Cross-national epidemiology of major depression and bipolar
disorder. The Journal of the American Medical Association, v. 276, n. 4, p.293-299.
WIELENSKA, R. C. (Org.) (2001). Sobre comportamento e cognição. 1º Ed. Volume 6, Campinas:
Esetec.
FLEISCHHACKER, W. W. (2005). Tratamento farmacológico da esquizofrenia: uma revisão. In M.
Maj, & N. Sartorius (Org.), Esquizofrenia (pp. 71-132). Porto Alegre: Artmed.
WRIGHT, J. H. BASCO, M. R. THASE, M. E. (2008). Aprendendo a Terapia Cognitivo-
Comportamental: um guia ilustrado. Porto Alegre: Artmed.
- 101 -
1. HISTÓRICO
A primeira descrição do uso de plantas medicinais pelo homem data de aproximadamente
3.000 anos a.C. Trata-se do Papiro de Ebers, decifrado pelo egiptólogo alemão George Ebers,
contendo cerca de 800 receitas e mais de 700 substâncias medicinais. Mas foram os gregos e
romanos que primeiramente desenvolveram uma terapêutica baseada nas plantas.
Hipócrates (400 a.C.) foi quem retirou a medicina do reinado místico-religioso,
transformando-a em ciência e arte. É de Aristóteles, seu seguidor, uma das primeiras tentativas de
catalogar as propriedades das plantas medicinais. Posteriormente, também se destacaram
Teofrasto, pelo tratado de botânica “Investigação das plantas” e Dioscórides, com a obra “De
Materia Medica” que trata de centenas de plantas medicinais do mediterrâneo.
Entre os romanos, merece destaque Mitrídates Eupator, o Rei do Ponto (século dois a.C.),
que pode ser considerado o primeiro farmacologista experimental. Após ter matado muitos
homens e adquirido inimigos por toda a parte, receava ser vítima de envenenamento e tomava
doses crescentes de sangue de patos tratados com veneno, visando adquirir imunidade.
Já no século um d.C., Plínio, outro romano, publica “História Natural”, uma compilação de
milhares de tratados gregos e romanos, que prega a idéia de que as plantas foram feitas para o
homem. Sua obra ajudou na formulação da conhecida “Doutrina das Assinaturas”, muito
divulgada por Paracelso durante o Renascimento, que teoriza que cada planta possui uma
propriedade medicinal que é “revelada” em suas características (aparência, cor, etc.).
No Brasil o primeiro registro escrito do uso de plantas medicinais data do período do
descobrimento. Já na carta de Pero Vaz de Caminha, escrita em 1500 e considerada o primeiro
registro oficial do País, existem 118 menções, diretas ou indiretas, a plantas ou associações
vegetais com uso medicinal.
Após essa época, colonos, padres, viajantes e naturalistas realizaram diversos registros em
diferentes épocas e regiões, retratando usos medicinais e populares de plantas medicinais pelas
diferentes populações brasileiras. Isso foi muito importante, pois nos permite conhecer o uso das
plantas medicinais pelos povos mais antigos. Esse estudo do uso das plantas sofreu modificações,
e ainda hoje é desenvolvido com as populações brasileiras (índios, negros, caboclos, caipiras,
etc.).
- 102 -
A utilização de plantas medicinais no Brasil possui influências indígenas, africanas e
européias. Os índios possuem uma visão mística da fitoterapia, uma vez que, na maioria dos
povos, os pajés utilizam plantas entorpecentes para sonhar com o espírito que lhes revela a erva
ou o procedimento para curar os enfermos. Observam também o comportamento animal na
busca por plantas, quando doentes. A influência africana é tão relevante quanto as demais,
embora menos conhecida. Para os negros a doença era um espírito mau que possuía a pessoa e
um curandeiro o expulsava com utilização de drogas de origens vegetais e animais e exorcismo.
Já a influência européia teve início em 1519 com a chegada da Companhia de Jesus que
formulava receitas, “Boticas dos Colégios”, a base de plantas, para o tratamento de doenças.
Estas influências não deixaram apenas marcas profundas na nossa cultura, mas constituem a base
da nossa medicina natural.
A utilização de plantas medicinais superou barreiras como o passar dos tempos, e chegou
aos dias de hoje sendo amplamente utilizada por grande parte da população mundial, como
fonte de recurso terapêutico eficaz.
2. ESTRATÉGIAS PARA O ESTUDO DE PLANTAS MEDICINAIS
A escolha de uma planta para estudo, com finalidade de obtenção de um
fitomedicamento, pode seguir pelo menos quatro estratégias:
2.1 Coleta aleatória: é a escolha “ao acaso” de uma planta para estudo. É feita por sorteio
ou pela simples facilidade em estudar uma planta por ser de fácil acesso. É feita
preferencialmente em locais com alto grau de biodiversidade e endemismo (espécies que são
exclusivas de um lugar ou região).
2.2. Coletas biorracionais: são guiadas pela ecologia, baseiam-se na observação de
relações entre vegetais e animais na natureza. A utilização de uma planta por determinado
animal quando em situação de estresse (picadas de cobra ou problemas gastrointestinais, por
exemplo) nos leva a crer que essa planta possua algum princípio ativo.
2.3. Coletas guiadas por quimiotaxonomia: consiste na seleção de espécies pertencentes a
famílias ou gêneros botânicos cujos compostos secundários e/ou efeitos farmacológicos são
conhecidos.
2.4. Coletas baseadas na Etnofarmacologia: baseia-se no conhecimento de populações
tradicionais, em especial, sobre o uso de cada planta, animal ou mineral, tais como: como
ribeirinhos, caiçaras, descendentes africanos, comunidades isoladas e povos indígenas, entre
- 103 -
outras. O conhecimento tradicional é o mais adequado para a seleção de novas drogas, pois
apresenta alta porcentagem de acerto nos testes de investigações farmacológicas.
3. CONCEITOS
Planta Medicinal: é a matéria prima que contém os princípios ativos, de origem natural,
usada no tratamento de enfermidades e utilizada no preparo de drogas vegetais e
medicamentos fitoterápicos.
Droga Vegetal: chama-se droga, em farmacognosia, todo vegetal, parte deste ou
produtos derivados diretamente do mesmo que, após processos de coleta, preparo e
conservação, possuam composição e propriedades que possibilitem o seu uso como forma bruta
de medicamento ou como insumo farmacêutico.
Compostos Secundários: são sintetizados por outras vias e variam de planta para planta;
variam também quantitativamente no mesmo vegetal, de acordo com a origem, época do ano,
horário da colheita e condição de conservação. São substâncias essenciais para o organismo
produtor, pois garantem vantagens para a sobrevivência e perpetuação da espécie, como:
evitar predação por serem amargos, mostrar ação inseticida e alelopática entre outras. As
principais classes químicas são: terpenos, flavonóides, fenilpropanóides, floroglucinóis, xantonas,
antraquinonas, alcalóides, taninos e glicosídeos.
Princípio Ativo: substância ou grupo delas, quimicamente caracterizada, cuja ação
farmacológica é conhecida e responsável total ou parcialmente, pelos efeitos terapêuticos do
material fitoterápico.
Medicamento fitoterápico: medicamento farmacêutico obtido por processos
tecnologicamente adequados, empregando-se exclusivamente matérias-primas vegetais, com
finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico. É caracterizado pelo
conhecimento da eficácia e dos riscos de seu uso, assim como pela reprodutibilidade e
constância de sua qualidade. Não se considera medicamento fitoterápico aquele que, na sua
composição, inclua substâncias ativas isoladas, de qualquer origem, nem as associações destas
com extratos vegetais.
Reação Adversa ao Medicamento (RAM): Qualquer efeito nocivo, não intencional e
indesejado de uma droga observado com doses terapêuticas habituais em seres humanos para
fins de tratamento, profilaxia ou diagnósticos.
Efeito colateral: efeito diferente daquele considerado como principal por um fármaco.
- 104 -
4. ETNOFARMACOLOGIA
A etnofarmacologia foi definida por Holmstedt & Bruhn, em 1983, como a observação,
identificação, descrição e investigação experimental dos ingredientes e dos efeitos de drogas
indígenas (quer sejam plantas, animais ou minerais). Atualmente ela é definida pela Associação
Internacional de Etnofarmacologia como o estudo interdisciplinar das ações fisiológicas de
plantas, animais e outras substâncias usadas na medicina tradicional de culturas do passado e do
presente.
Os estudos etnofarmacológicos podem utilizar, pelo menos, duas fontes para a seleção de
plantas a serem submetidas a estudos farmacológicos e fitoquímicos. A primeira baseia-se na
realização de levantamentos etnofarmacológicos. Durante o trabalho de campo, o pesquisador
registra os usos que indivíduos de uma determinada cultura fazem dos recursos genéticos
disponíveis para fins medicinais ou tóxicos.
A segunda fonte de seleção de plantas a serem investigadas em um estudo
etnofarmacológico é aquela que parte do conhecimento popular publicado na literatura, sendo
esta utilizada por 80% dos laboratórios que utilizam pesquisas etnofarmacológicas para o
desenvolvimento de seus produtos.
O Brasil é um país muito rico em biodiversidade, endemismo e diversidade cultural, sendo
habitado por diversos tipos de comunidades tradicionais e etnias, que são representadas por
cerca de 220 etnias indígenas, cerca de 2.200 comunidades quilombolas e outras populações
tradicionais, conhecidas como caboclos/ribeirinhos, caiçaras, jangadeiros, babaçueiros e
seringueiros, que são conhecidamente grande fonte do reconhecimento tradicional brasileiro.
O conhecimento tradicional é a ferramenta mais adequada para a seleção de novas
drogas, pois apresenta alta porcentagem de acerto nos testes de investigações farmacológicas,
chegando a 25%. Já as amostras colhidas ao acaso cerca de 6% possuem alguma ação
farmacológica.
5. PREPARO DE EXTRATOS VEGETAIS
Popularmente, as plantas são empregadas nas mais variadas formas: chás, infusões,
decocções, xaropes, banhos, ungüentos, inalações, azeites, entre outras. Apesar de serem
preparações populares, estas podem ser empregadas também na investigação científica.
- 105 -
O procedimento clássico de química para obtenção de constituintes orgânicos a partir de
plantas secas é pela extração contínua do material em pó na presença do solvente. A regra
normal é que uma substância polar dissolve outra polar e uma substância apolar dissolve outra
apolar. A extração de princípios ativos é influenciada não só pelo solvente, como também pela
temperatura, tamanho das partículas, tempo e método de extração.
5.1. Formas De Preparação Comuns Na Medicina Popular
Infusão: é preparada jogando-se água fervente sobre as partes ativas do vegetal,
geralmente folhas e flores, que são deixadas em imersão por alguns minutos. É o modo tradicional
de preparo do chá;
Decocção: coloca-se a erva ou parte dela em água fria, que se aquece até a ebulição
num recipiente fechado, deixando ferver por alguns minutos. Utilizada normalmente para raízes,
cascas e sementes.
Maceração: é obtida simplesmente deixando as ervas de molho em água fria durante 10 a
20 horas, variando o tempo conforme a parte do vegetal utilizada.
5.2. Formas Farmacêuticas
Alcoolaturas: são obtidas pela maceração de drogas vegetais frescas que não podem
passar por processo de estabilização e secagem, pois perdem a sua atividade. São empregadas
partes iguais em peso de planta fresca e de álcool a um título elevado para evitar uma diluição
elevada pela água liberada pela planta.
Hidróleos: são derivados obtidos pela dissolução em água de uma substância
medicamentosa. Popularmente são conhecidos por tisanas, são obtidos por infusão, decocção
ou maceração.
Tinturas vegetais: são formas farmacêuticas líquidas preparadas pela ação do líquido
extrator (solvente) sobre uma erva seca (tintura simples) ou sobre uma mistura de ervas (tintura
composta), preparadas por maceração ou percolação (operação de passar um líquido através
de um meio para filtrá-lo ou para extrair substâncias). A tintura corresponde a 1/5 do seu peso em
erva seca, ou seja, 200g de erva para 800g de solvente (normalmente o álcool).
Extratos fluídos: são preparações oficinais, obtidas de drogas vegetais secas, de forma que
1000g de extrato contenham o equivalente a 1000g de erva seca. São obtidos por maceração ou
percolação.
- 106 -
Extratos moles: são soluções que apresentam consistência de mel.
Extratos secos: apresentam-se sob a forma de pó, sendo os mais utilizados para a
preparação de medicamentos em escala comercial (cápsulas, comprimidos).
6. METODOLOGIA PSICOFARMACOLÓGICA
De uma forma geral, os modelos animais de psicofarmacologia utilizados para as drogas
sintéticas podem ser aplicados ao estudo de extratos de plantas, sem maiores ressalvas. No
entanto, por tratar-se de preparação cuja atividade comumente é desconhecida, é costumeiro
realizar uma triagem farmacológica inicial, antes dos testes específicos, para evidenciar seu perfil
de ação, bem como uma eventual toxicidade. Para tanto, basta administrar pela via escolhida,
doses crescentes do extrato a camundongos, observando-os em gaiolas de arame, quanto a
uma série de parâmetros, dos quais constam alguns na Tabela 1 (“screening” farmacológico):
Tabela 1: Possíveis interpretações para os principais sinais observados durante a triagem farmacológica.
SINAL OBSERVADO POSSÍVEL SIGNIFICADO
Atividade locomotora aumentada Indicativo de ação estimulante
Atividade locomotora diminuída Indicativo de ação depressora
Tremores / convulsões Estimulação excessiva sobre o SNC
Ptose palpebral Ação depressora (comum para neurolépticos)
Sedação Grau de depressão do SNC sem perda de
consciência
Catatonia Indicativo de ação neuroléptica (bloqueio das
vias dopaminérgicas centrais: nigroestriatal)
Contorções abdominais Ação irritante do extrato sobre o peritôneo
Estereotipia Provocada por uma estimulação
dopaminérgica central elevada
Outros sinais que comumente são observados nessa triagem inicial são defecação,
micção, auto-limpeza, agressividade, piloereção, ataxia, tonus muscular,
comportamento de escalar ou levantar-se, entre outros.
Após a realização desse “screening” inicial, tendo em vista o padrão de comportamento
exibido pelos animais controle (que receberam só água ou salina) quando comparado a cada
- 107 -
grupo de animais tratados, é feita uma avaliação, e determina-se as doses a serem empregadas
nos testes subsequentes. Alguns outros testes gerais, simples, são realizados, então, para a
obtenção de um perfil mais amplo do extrato, os mais comuns são:
Atividade motora: camundongos (ou ratos) são avaliados em caixas de movimentação,
com células fotossensíveis invisíveis nas laterais, para a captação de todo movimento do animal.
Com este teste, torna-se possível verificar se a planta possui uma ação estimulante ou depressora
(aumento de ambulação/movimentação vertical ou diminuição, respectivamente). É um teste
inespecífico, pois outros fatores podem influenciar a resposta do animal. Por exemplo, uma
substância ácida administrada por via intraperitoneal (i.p.) diminui a atividade do animal por
provocar dor.
Coordenação motora: camundongos são administrados com as doses do extrato, e
então colocados, individualmente, sobre uma barra giratória elevada da bancada, que gira a
velocidade constante (geralmente 12rpm). Este aparelho é denominado rota-rod, e avalia o
equilíbrio e a coordenação de cada animal. Pode revelar tanto atividade neurotóxica de um
extrato, como ação relaxante sobre a musculatura do animal (que ocasionalmente aparece em
substancias com característica ansiolítica).
Potencialização do tempo de 'sono' induzido por barbitúricos: avalia o efeito da pré-
administração das diferentes doses do extrato sobre o tempo total de sono induzido por drogas
tipo barbitúrico, em camundongos. Quando o tempo de sono é prolongado, o efeito pode ser
decorrente de uma ação depressora central ou sedativa do extrato, somando-se à ação normal
do barbitúrico; enquanto que a redução do tempo de sono apareceria em decorrência de um
efeito estimulante do extrato. Assim como os testes anteriores, é inespecífico, uma vez que outros
fatores podem interferir com a resposta observada. Um exemplo seria uma droga hepatotóxica
que, por diminuir a metabolização da droga, levaria ao aumento do tempo de sono.
6.1 Modelos Animais Específicos Para Determinadas Ações
Após essa triagem inicial, diferentes modelos animais específicos podem ser aplicados, de
acordo com a tendência observada nos experimentos gerais, ou para averiguação da indicação
popular da planta. Diversos modelos para avaliação de ação de drogas no sistema nervoso
central foram desenvolvidos com base nos aspectos bioquímicos e comportamentais. Pode-se,
com sucesso, recorrer ao uso de agonistas e antagonistas para verificar o mecanismo de ação da
planta testada, desde que se conheça a farmacologia das drogas e da patologia em questão.
Também são usadas questões inatas dos animais experimentais, permitindo fazer uma analogia
- 108 -
bem restrita a condições humanas ou de outros animais, e testá-las (por exemplo, usar o medo
inato de roedores a locais abertos para avaliar nível de ansiedade).
São exemplos de testes específicos clássicos envolvendo estudo ao nível central:
Modelos ansiolíticos: open field (antigo), labirinto em cruz elevado, neofobia, caixa claro-
escuro, condicionamento operante, placa perfurada;
Antidepressivos: natação forçada, antagonismo à reserpina, exploração de ambiente
estranho, suspensão pela cauda;
Modelos para memória: labirinto em T, labirinto radial, labirinto aquático e esquiva
passiva;
Analgesia: placa quente, tail-flick, ácido acético, formalina (inclui ação anti-
inflamatória);
Outros modelos: estresse (ulcerogênese); testes de resistência física, sedação, entre
outros.
Os modelos animais tornam-se uma necessidade para a avaliação de novas drogas ou
plantas, facilitando assim as pesquisas na área, mas há sempre um protocolo a ser seguido, a ser
aceito por um Comitê de Ética.
Obs.: A maioria destes modelos é explicada em outros módulos deste curso, e podem ser
facilmente localizados na literatura.
7. TESTES PARA INCLUSÃO DE UMA PLANTA NO MERCADO
A legislação brasileira atual exige que um fitoterápico novo tenha sua eficácia, segurança
e qualidade comprovadas cientificamente junto ao órgão federal competente (não há esta
exigência para os fitoterápicos tradicionais), de acordo com as exigências estipuladas pelo
Conselho Nacional de Saúde – CNS e pela Secretaria de Vigilância Sanitária – atual ANVISA
(Resoluções 196/96, 48/04 e 90/04). Portanto, deve passar pelos seguintes testes antes de ser
disponibilizado para venda:
- 109 -
7.1. Farmacologia Pré-Clínica
Nesta fase, o efeito da droga em animais de laboratório é avaliado, usando para tal
modelos animais “in vivo” e “in vitro” em farmacologia, por exemplo: modelos de ansiedade,
depressão, anticonvulsivantes.
7.2. Toxicologia Pré-Clínica
Uma série de estudos em animais são necessários antes de iniciar os testes em seres
humanos. A legislação regulamenta que, nesta fase, devam ser utilizadas pelo menos duas
espécies de animais, de ambos os sexos, sendo uma obrigatoriamente não roedora. Entre os testes
previstos na toxicologia pré-clínica, encontram-se os seguintes:
Teste de toxicologia aguda e DL5O (dose letal mediana) do extrato: deve ser realizado
em uma espécie animal, mamífero, sem nenhuma alteração genética e com no mínimo 6
machos e 6 fêmeas. A forma de administração deve ser igual a que o extrato se destina
(geralmente via oral) e os animais devem estar em idade adulta. Os animais devem ser mantidos
em observação por até 14 dias após a administração e os parâmetros a serem observados,
principalmente no período inicial de 24 horas, são: alteração da locomoção, frequência
respiratória, piloereção, diarréia, sialorréia (salivação excessiva), alteração do tônus muscular,
hipnose, convulsões, hiperexcitabilidade do sistema nervoso central, contorções abdominais,
número de animais mortos com possível causa de morte e respectivos exames histopatológicos.
Teste de toxicologia sub-crônica e crônica: Permite observar eventuais sinais tóxicos
provocados pela administração repetitiva e cumulativa da substância. Deve ser realizado com
doses baixas, mas acima da dose terapêutica, durante um período de um a 3 meses
(dependendo da recomendação do tempo de uso do produto no ser humano). São necessárias
duas espécies mamíferas sendo uma delas não-roedora. Parâmetros a serem observados:
mudança de comportamento e variação de peso, consumo de alimento e água, hemograma
completo, análises bioquímicas de sangue e urina, exames histopatológicos.
Estudos sobre a fertilidade e desempenho reprodutivo: são utilizados para avaliar os efeitos
adversos de drogas administradas durante a gametogênese e fecundação.
Estudos teratogênicos da substância: Necessários para verificar se o extrato em estudo não
causa efeitos adversos ou induz má-formação em fetos, quando administrado durante a
gestação (em fêmeas prenhes). Para tanto, a administração do extrato deve começar dias antes
do cruzamento da fêmea (normalmente utilizam-se ratas) e continuar durante todo o período de
- 110 -
prenhez, até o nascimento da prole. Os filhotes devem ser avaliados não só quanto à má-
formação, mas também quanto ao desenvolvimento normal (tempo de abertura de olhos e
andar adulto, reações de reflexo, entre outros).
Na fase pré-clínica, os estudos de toxicidade deverão abranger também a análise dos
efeitos sobre a atividade mutagênica, potencial carcinogênico e ainda outros estudos, de acordo
com a proposta terapêutica.
7.3. Farmacologia Clínica
Fase 1 – Com um número reduzido de voluntários, sadios, para obtenção de dados
relativos à segurança, farmacodinâmica, farmacocinética e biodisponibilidade.
Fase 2 – Com um número reduzido de pacientes, em tratamento de curta duração, para
testar a efetividade do medicamento na patologia para a qual ele é proposto.
Fase 3 – Com um número maior de pacientes e tratamentos mais prolongados, visando à
comprovação da segurança e efetividade do tratamento, sua menor dose ativa e comparação
ao placebo e uma droga de referência.
Fase 4 – Utiliza-se um grande número de pacientes para comprovação clínica da
indicação terapêutica do novo fármaco e das doses definidas anteriormente. Este estudo deve
ser realizado simultaneamente com um grupo placebo e um grupo tratado com substância de
referência. A Fase 4 em muitos países, trata-se na verdade do monitoramento do uso do
medicamento quando ele está liberado para venda.
Paralelamente aos ensaios clínicos, deverão ser realizados estudos de controle de qualidade
da formulação, fabricação, embalagem e rotulagem. Exige-se ainda, que o fitoterápico
comercializado possua um padrão químico, e todo novo lote deve passar por um controle de
qualidade, em que a composição química será comparada ao padrão.
8. FITOTERÁPICOS COM AÇÃO CENTRAL
A seguir alguns dos fitoterápicos que apresentam uma ação central:
Ginkgo biloba
A Ginkgo biloba é uma árvore milenar, considerada um fóssil vivo, existindo há pelo menos
200 milhões de anos. Possui uma incrível capacidade de resistir às interpéries e ataques de
- 111 -
parasitas. Extratos de Ginkgo biloba induzem melhora da memória e aprendizagem em animais
de laboratório, assim como benefícios sobre vários aspectos cognitivos em pacientes idosos.
Erva de São João (Hypericum perforatum)
Esta planta vem sendo utilizada popularmente há séculos para diversas finalidades,
destacando-se nos últimos anos seu emprego como antidepressivo. Tal atividade foi demonstrada
em modelos animais de depressão, bem como em uma série de estudos clínicos. Vários
mecanismos foram propostos para explicar sua ação antidepressiva, tais como inibição da
recaptação de uma série de neurotransmissores (noradrenalina, dopamina e serotonina) e
inibição da monoamina oxidase (MAO) e catecol O-metiltransferase (COMT), entre outros. Parece
que seu efeito se dá pela ação sinérgica de vários princípios ativos sobre estes mecanismos.
Ginseng coreano (Panax ginseng)
Utilizado na medicina tradicional chinesa há milênios, o ginseng foi por muitos anos
desprezado pela medicina ocidental e nos últimos anos seu uso vem crescendo
consideravelmente. As raízes do ginseng são utilizadas por sua ação adaptógena, para manter o
bom funcionamento do corpo e mente. Seu efeito parece ser devido, pelo menos em parte, à
presença de uma série de saponinas denominadas ginsenosídeos, que atuariam
inespecificamente sobre diversos sistemas - central, imunológico, endócrino - entre outros.
Kava kava (Piper methysticum)
Um exemplo de fitoterápico de recente sucesso é a Kava-kava, utilizada para o tratamento
de ansiedade e insônia. Rizomas e raízes são empregados tradicionalmente no tratamento da
neuralgia, inquietude e insônia. Estudos farmacológicos em animais mostram ativação da
transmissão dopaminérgica e serotonérgica na região mesolímbica, e parece haver ainda uma
modulação de receptores GABA. Estudos clínicos vêm sendo realizados sugerindo efeito positivo,
mas ainda são necessárias maiores investigações, uma vez que as pesquisas com esta planta
ainda são muito recentes.
9. FITOFARMACOVIGILÂNCIA
A crença de que medicamentos à base de plantas são isentos de riscos à saúde faz parte
da bagagem cultural da população afeita ao seu uso. No entanto, o caráter “natural” de tais
produtos não é garantia da isenção de reações adversas e outros problemas decorrentes ao seu
uso. Tanto a planta medicinal quanto os produtos de sua biotransformação são agentes
xenobióticos e, portanto, potencialmente tóxicos, não tendo somente efeitos imediatos e
- 112 -
facilmente correlacionáveis com a sua ingestão; mas também efeitos que se instalam a longo
prazo e de forma assintomática.
Sendo assim, a fitofarmacovigilância é a ciência relativa à detecção, avaliação,
compreensão e prevenção dos efeitos adversos ou quaisquer problemas relacionados a
medicamentos à base de plantas, quer seja em seu estado bruto, quer seja sobre a forma de
extratos. Quando uma planta exerce um efeito tóxico ou venenoso que possa colocar em risco a
população, essa informação deve ser disseminada através da população, a fim de que seu uso
seja interrompido, prevenindo-se assim os possíveis males que possam ser causados.
Entre os fatores que “favorecem” a ocorrência de tais eventos, pode-se destacar as
condições de cultivo da planta, os casos em que ocorre o uso concomitante de outros
medicamentos, as dificuldade em identificar ou distinguir uma planta medicinal de outra planta
que pode ser tóxica ou inócua, a falta de informação e divulgação dos efeitos adversos ou
tóxicos, agudos e crônicos, dos fitoterápicos, e, finalmente, o risco inerente à substituição de
terapias consagradas ao longo do tempo, pelo apelo do “natural”. Além disso, características
específicas do usuário, tais como gravidez, presença de síndrome metabólica, hipertensão
arterial, entre outros e a possibilidade de contaminação do material vegetal também podem
favorecer o aparecimento de efeitos indesejados.
Numa revisão à literatura científica, encontram-se relatos de complicações cardíacas,
hepáticas, renais, hematológicas e intestinais por fitoterápicos. Plantas de uso comum como o
alho, o kava-kava e a erva de São João já têm efeitos adversos bem descritos na literatura
científica (Tabela 1). O principal órgão brasileiro que fiscaliza e recebe relatos de reações
adversas é a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
- 113 -
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Abt A, OH JY, Huntington RA, Burkhart KK. Chinese herbal medicine induced acute renal failure.
Arch Inter Med. 1995 155: 211-212.
Alexiades MN. Selected guidelines for ethnobotanical research: a field manual. New York: The New
York Botanical Garden, 1996.
Almeida RN, Falcão AGM, Diniz RST, QUINTANS-JÚNIOR LJ, Polari RM, BARBOSA-FILHO JM, Agra MF,
Duarte JC, Ferreira CD, Antonelli AR, Araújo CC. Metodologia para avaliação de plantas com
atividade no Sistema Nervoso Central e alguns dados experimentais. Rev. Bras. Farm. 1999 80: 72-
76.
Bahrke MS e Morgan WR. Evaluation of ergogenic properties of ginseng: an update. Sports Med.
2000 29: 113-133.
Balick MJ. Ethnobotany and the identification of therapeutic agents from the rainforest. In: CIBA
Foundation Symposium on Bioactive Compounds from Plants. Bangkok,
CIBA, p. 22-39, 1990.
BRASIL, Ministério da Saúde, Secretaria da Vigilância Sanitária – Resolução-RDC nº48/04. Diário
Oficial da União, 2004.
BRASIL, Ministério da Saúde, Secretaria da Vigilância Sanitária – Resolução-RE nº90/04. Diário
Oficial da União, 2004.
BRASIL, Ministério da Saúde, Secretaria da Vigilância Sanitária - Resolução-RDC no 196/96. Diário
Oficial da União,1996.
Butterweck V, Wall A, LIEFLÄNDER-WULF U, Winterhoff H, Nahrstedt A. Effects of the total extract and
fractions of Hypericum perforatum in animal assays for antidepressant activity.
Pharmacopsychiatry. 1997 30 (Suppl 2): 117-124.
Carlini EA. “Screening” farmacológico de plantas brasileiras. Rev. Brasi. Biol. 1972 32: 265-274.
COURT WE. The doutrine of signatures or similitudes. TiPS 1985 6: 225-227.
De Smet Pagm. Health risks of herbal remedies: An update. Clin Pharmacol Ther 2004 76:1-17.
Elisabetsky E. Etnofarmacologia como ferramenta na busca de substâncias ativas. In: Simões
CMO, Schenkel EP, Gosmann G, Mello JCP, Mentz LA, Petrovick PR. Farmacognosia: da planta ao
medicamento. Editora da Universidade UFSC: Porto Alegre; p. 291-320. 1999
ERNEST E. St. John’s Wort, an antidepressant? A systematic, criteria-based review. Phytomedicine
1995 2: 67-71.
Ernst E. Chalenges to phytopharmacovigilance. Postgrad. Med. J 2004 80:249-250.
Etkin NL. Anthropological methods in ethnopharmacology. Journal of Ethnopharmacology 1993
38(2-3): 93-104.
Filgueiras T S, Peixoto A L. Flora e Vegetação do Brasil na Carta de Caminha. Acta Bot. Bras. 2002
16(3): 263-272.
Heinrich M, Barnes J, Gibbons s, Williamson EM. Fundamentals of pharmacognosy and
phytotherapy. UK: Churchill – Livingstone, 2004
Holmstedt B, Bruhn JG. Ethnopharmacology – a challenge. Journal of Ethnopharmacology 1983 8
(3): 251-256.
INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA), 2005. http://www.socioambiental.org.br.
- 114 -
INTERNATIONAL SOCIETY OF ETHNOPHARMACOLOGY, 2005. Ise Constitution.
http://www.ethnopharmacology.org/iseconst.html
Jussofie A, Schmiz A, Hiemke C. Kavapyrone enriched extract from Piper methysticum os
modulator of the GABA binding site in different regions of rat brain. Psychopharmacology 1994
1116: 469-474.
Kate KT, Laird SA. Natural products and the pharmaceutical industry. In: Kate, K.T. & Laird, S.A.
(orgs.). – The commercial use of biodiversity: access to genetic resources and benefit-sharing. Kew:
Royal Botanic Garden, p. 34-77. 1999.
Ko RJ. Adulterants in Asian patent medicines. N Engl Med 1998 339: 847.
Kury L. Viajantes-naturalitas no Brasil oitocentista: experiência, relato e imagem. Hist. cienc. saúde-
Manguinhos. Vol.8 suppl. Rio de Janeiro, 2001.
Lai CK, Chan AYW. Tetrahydropalmatine poisoning: diagnosis of nine adult overdoses based on
toxicology screens by HPLC with diode-array detection and gas chromatography-mass
spectrometry. Clin Che 1999 45: 229-236,.
Oliveira F, Akisue MK, Akisue G. Farmacognosia. 1º ed. São Paulo, Atheneu, 1996 - 412 p.
Rai GS, Shovlin C, Wesnes KA. A double-blind, placebo controlled study of Ginkgo biloba extract
(‘tanakan’) in elderly outpatients with mild to moderate memory impairment. Curr. Med. Res. Opin.
1991 12: 350-355.
Rodrigues E. Plants of restricted use indicated by three cultures in Brazil (caboclo-river dweller,
Indian and Quilombola). J. Ethnopharmacol. 2007 111(2): 295-302.
Rodrigues E, Romanus PC, Giorgetti M, Otsuka RD. A investigação de plantas medicinais a partir da
etnofarmacologia. In Alves, A. G. C.; Lucena, R. F. P.; Albuquerque, U. P. Atualidades em
Etnobiologia e Etnoecologia. Volume 2. NUPEA, Recife, 2005.
Rodrigues E e Carlini ELA. Levantamentos etnofarmacológicos. Sua importância no
desenvolvimento de fitomedicamentos. Racine 2002 70: 30-36.
Schultes RE. Ethnopharmacological conservation: a key to progress in medicine. Acta Amazônica
1988 18 (1): 393-406.
Simões, C.M.O.; Schenkel, E.P.; Gosmann, G.; Mello, J.C.P.; Mentz, L.A.; Petrovick, P.R. -
Farmacognosia: da planta ao medicamento. Porto Alegre, Editora da Universidade / UFSC, p. 291-
320. 1999.
Sossai P, Nasone C, Cantalamessa F. Are Herbs Always Good for You? A Case of paralytic Ileum
Using a Herbal Tisane. Phytother Res 2007 21: 587–588.
Stoll S, Scheuer K, Pohl O, Muller WE. Ginkgo biloba extract (Egb 761) independently improves
changes in passive avoidance learning and brain membrane fluidity in the aging mouse.
Pharmacopsychiatry 1996 29: 144-9.
Wong A, Castro EGR. Aspectos toxicológicos dos fitoterápicos. Arq Brás Fitomed Cient 2003 1: 96-
102.