Apostila 01

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1 Material de Apoio – Leitura Necessária e Obrigatória KIMBANDA E QUIMBANDA I Curso Online Desenvolvido e Ministrado por Ed. Pellizari Direitos Autorais deste material Centro Candeia da Anunciação As opiniões reunidas nesta apostila são de responsabilidade dos autores citados. O objetivo da apostila é apenas informar. KIMBANDA E QUIMBANDA: DEFINIÇÕES POR ED PELLIZZARI Kimbanda significa algo como “curandeiro” em kimbundu, um idioma bantu falado em Angola. O kimbanda é uma espécie de xamã africano. O ofício do kimbanda é chamado de “umbanda”… Todos já ouvimos essa palavra por aqui. Quimbanda é um culto afro-brasileiro com forte influência bantu e muito influenciado pela magia negra européia. Kimbanda e Quimbanda se confundem, mas são cultos distintos e com objetivos dife- rentes. O kimbandeiro é um membro ativo de sua comunidade, um doutor dos pobres e intérprete dos espíritos da Natureza. Ético, ele sempre trabalha para o bem, a paz e a har- monia. O quimbandeiro é um feiticeiro. Normalmente vive afastado, não se envolve social- mente. Na África, o kimbandeiro faz a ponte entre os Makungu (ancestrais divinizados), os Minkizes (espíritos sagrados da Natureza) e os seres humanos. Ele entra em transe profundo, incorpora os seres invisíveis que consultam os necessitados e os aconselham na resolução dos problemas. Os espíritos no corpo do kimbanda falam, fumam e bebem. Como autêntico xamã, ele sabe que a mata é um ser vivo que respira, come e sente. Ela é densamente habitada por diversos tipos de entidades, que transmitem seu conhecimento aos sacerdotes eleitos. Alguns destes seres se parecem a “duendes”. Eles tem uma perna só, um olhos só ou falta algum braço. Moram dentro da mata e podem cruzar o caminho de algum caçador. Um Ponto Cantado para os exus na Umbanda, diz: “Eu fui no mato, oh ganga! Cortar cipó, oh ganga! Eu vi um bicho, oh ganga! De um olho só, oh ganga!” Ganga vem de Nganga, um dos nomes pelo qual o kimbanda é conhecido. Nosso querido Saci Pererê é um deles. Ele usa o filá (gorro) vermelho dos kimbandas, o cachimbo dos pretos velhos e o tabaco dos caboclos!

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Umbanda

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Material de Apoio – Leitura Necessária e Obrigatória KIMBANDA E QUIMBANDA I Curso Online

Desenvolvido e Ministrado por Ed. Pellizari Direitos Autorais deste material Centro Candeia da Anunciação

As opiniões reunidas nesta apostila são de responsabilidade dos autores citados. O

objetivo da apostila é apenas informar.  

KIMBANDA E QUIMBANDA: DEFINIÇÕES POR ED PELLIZZARI

Kimbanda significa algo como “curandeiro” em kimbundu, um idioma bantu falado em Angola. O kimbanda é uma espécie de xamã africano. O ofício do kimbanda é chamado de “umbanda”… Todos já ouvimos essa palavra por aqui.

Quimbanda é um culto afro-brasileiro com forte influência bantu e muito influenciado pela magia negra européia.

Kimbanda e Quimbanda se confundem, mas são cultos distintos e com objetivos dife-rentes.

O kimbandeiro é um membro ativo de sua comunidade, um doutor dos pobres e intérprete dos espíritos da Natureza. Ético, ele sempre trabalha para o bem, a paz e a har-monia.

O quimbandeiro é um feiticeiro. Normalmente vive afastado, não se envolve social-mente. Na África, o kimbandeiro faz a ponte entre os Makungu (ancestrais divinizados), os Minkizes (espíritos sagrados da Natureza) e os seres humanos.

Ele entra em transe profundo, incorpora os seres invisíveis que consultam os necessitados e os aconselham na resolução dos problemas. Os espíritos no corpo do kimbanda falam, fumam e bebem.

Como autêntico xamã, ele sabe que a mata é um ser vivo que respira, come e sente. Ela é densamente habitada por diversos tipos de entidades, que transmitem seu conhecimento aos sacerdotes eleitos.

Alguns destes seres se parecem a “duendes”. Eles tem uma perna só, um olhos só ou falta algum braço. Moram dentro da mata e podem cruzar o caminho de algum caçador. Um Ponto Cantado para os exus na Umbanda, diz:

“Eu fui no mato, oh ganga! Cortar cipó, oh ganga! Eu vi um bicho, oh ganga! De um olho só, oh ganga!”

Ganga vem de Nganga, um dos nomes pelo qual o kimbanda é conhecido. Nosso querido Saci Pererê é um deles.

Ele usa o filá (gorro) vermelho dos kimbandas, o cachimbo dos pretos velhos e o tabaco dos caboclos!

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O quimbandeiro centra seu trabalho na figura de Exu, que é um Orixá yoruba e não um Nkizi bantu.

A entidade que se assemelha a Exu entre os bantu é chamada de Aluvaiá, Nkuvu-Unana, Jini, Chiruwi, Mangabagabana e Kitunusi dependendo do dialeto e da região.

Aluvaiá pode ser “homem” ou “mulher” e sua energia permeia tudo e todas as coisas. Ele se adapta muito bem à noção umbandista de exu (entidade masculina) e pomba gira (entidade masculina).

O quimbandeiro também invoca e incorpora as entidades associadas ao culto do magnífico Orixá Exu, os exus e pombas giras. Pode haver sincretismo com nomes como Lúcifer, Asmodeus, Behemoth, Belzebu e Astaroth da Cultura Européia.

A visão das entidades também pode mudar… O kimbandeiro invoca as almas dos antigos Tatas (pais espirituais ou sacerdotes curandeiros) e Yayas (mães espirituais ou sacerdotisas curandeiras).

Estas almas transcenderam o limite da materialidade e da ignorância. Elas possuem bondade, conhecimento e luminosidade. Algumas não precisam mais encarnar, pois, já evoluíram o suficiente neste mundo.

O quimbandeiro invoca almas de entidades que em vida foram feiticeiros, malandros, mercadores, homens ou mulheres comuns, etc…

Na África o sangue é um elemento sacrificial. O kimbandeiro oferece um animal a uma entidade, prepara a carne e entrega a primeira porção ao espírito. O resto do animal, que se tornou agora alimento, é compartilhado com a comunidade se isto acontece em data festiva.

O quimbandeiro, não está interessado em “sacrificar” (tornar sagrado), ele está preocupado com os poderes mágicos do sangue, vísceras e couro do animal. Portanto, teologicamente falando, ele não sacrifica.

As imagens utilizadas no culto do kimbandeiro são feitas de pedra, madeira e barro. Os artesãos procuram modelar as entidades da Natureza de forma natural e simples. A imagem é consagrada cerimonialmente e uma porção do espírito da entidade passa a habitar a efígie.

Na Quimbanda, na maioria das vezes, são utilizadas imagens de gesso que representam os espíritos aliados. Comumente estas imagens tem aspecto avermelhado, podendo ter chifres ou não.

O kimbandeiro é um agente social. Ele depende da comunidade e a comunidade depende dele. Quando aceita um pagamento para seu trabalho, ele retira do mesmo a sua sustentabilidade. Todo mundo sabe e pactua com isso. Não existe abuso. Trocas de mercadorias e favores podem substituir o dinheiro como pagamento. As pessoas empobrecidas são atendidas sem nada precisar dar em troca.

As vestes do xamã bantu são normais e naturais. Quando está trabalhando usa filá, guias de sementes, cinturão com amuletos e roupas sóbrias. Três são os pilares do kimbandeiro: amor, honra e caridade.

O universo da Kimbanda é composto por tês mundos que se interpenetram: – o mundo celeste onde moram os espíritos celestiais e originais (alguns Minkizis e

ancestrais divinizados), – o mundo natural habitado pelos homens e pelos espíritos da natureza (elementais) – e o mundo subterrâneo da morte e dos ancestrais.

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O médium na Kimbanda é um canal entre os espíritos e os que precisam dos espíritos. Ele é um instrumento mágico, um servidor da humanidade que pratica um transe profundo, pois, somente adormecendo o ego o divino pode fluir.

Os espíritos utilizam o médium com gentileza e cuidado, sem esgotar suas reservas de energia psíquica.

A Umbanda, certamente, bebeu das águas tradicionais da Kimbanda. Os negros bantus trouxeram sua herança espiritual, legítima, luminosa, ecológica e

antiqüíssima. Oramos para que as antigas almas dos Tatas e Yayas nos ajudem a separar o trigo do joio.

Nzambi primeiro! Nsala Malekun!

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O REINO DA KIMBANDA por Tata Omotobatala.

NA ÁFRICA Em terras bantas, muito antes de chegada do branco, já existia o culto aos

ancestrais. Também era conhecida a palavra "mbanda" (umbanda) significando "a arte de curar" ou "o culto pelo qual o sacerdote curava", sendo que mbanda quer dizer "O Além - onde moram os espíritos". Os sacerdotes da umbanda eram conhecidos como "kimbandas" (ki-mbanda = comunicador com o Além).

REINOS DE EXU NA KIMBANDA A Kimbanda tem sete reinos, sendo sua organização remanescente das

organizações tribais em reinos da África dos bantos. Cada Reino é composto por nove povos de Exu, sendo que cada povo é comandado por um Exu-Chefe.

1) Reino das Encruzilhadas - Que sendo chefiado por Exu Rei das Sete

Encruzilhadas e Pombagira Rainha das Sete Encruzilhadas, governa todas as passagens dos Exus que ali trabalham. Sua função principal é abrir os caminhos para os outros Guias chegarem e também para os filhos e fregueses.

2) Reino dos Cruzeiros - Chefiado pelo Exu Rei dos Sete Cruzeiros e Pombagira

Rainha dos Sete Cruzeiros, governa todas as passagens dos Exus que trabalham nos cruzeiros (não confundir com encruzilhada).

3) Reino das Matas – Chefiado pelo Exu Rei das Matas e Pombagira Rainha das

Matas. Governa todos os Exus que trabalham nas matas ou locais que tenham árvores a exceção do Cemitério, que pertence a outro reino.

4) Reino da Kalunga Pequena (Cemitério) Governado pelo Exu Rei das Sete

Calungas ou Kalungas e Pombagira Rainha das Sete Kalungas. Esses Exus também são chamados pelo nome de Rei e Rainha dos Cemitérios. Geralmente quando se diz "calunga" nas giras de Kimbanda é para nomear ao cemitério. Trabalham neste reino todos os Exus que moram dentro dos cemitérios exclusivamente.

5) Reino das Almas - Chefiado por Exu Rei das Almas Omulu e Pombagira Rainha

das Almas. Eles também são conhecidos por Rei e Rainha da Lomba, porque governam todos os Exús que trabalham em locais altos. Porém, os Exus deste reino também trabalham em hospitais, morgues, etc.

6) Reino da Lira - Os chefes deste reino são muito mais conhecidos por seus

nomes sincréticos: Exu Lúcifer e Maria Padilha, sendo na verdade seus nomes kimbandeiros Exu Rei das Sete Liras e Rainha do Candomblé (ou Rainha das Marias). Seus apelidos kimbandeiros mostram justamente sua afinidade pela dança, a música e a arte (lira e candomblé). Dentro do reino da Lira, que também às vezes é chamado "reino do candomblé" não pelo culto africanista aos orixás, senão por ser essa palavra

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o sinônimo de dança e música ritual. Trabalham aqui todos os Exus que tem que ver com a arte, a música, poesia, boemia, artes ciganas, malandragem, etc.

7) Reino da Praia - Governado por Exu Rei da Praia e Rainha da Praia. Dentro

dele encontram-se todos os Exus que trabalham nas praias, perto d'agua o ainda dentro dela, podendo ser salgada ou doce.

POVOS DE EXU NA KIMBANDA Em cada reino existem 9 povos, sendo um total de 63 povos de Exu. A seguir

oferecemos uma lista com os povos que pertencem a cada reino: REINO DAS ENCRUZILHADAS. 1) Povo da Encruzilhada da Rua - Chefe Exu Tranca-Ruas 2) Povo da Encruzilhada da Lira - Chefe Exu Sete Encruzilhadas 3) Povo da Encruzilhada da Lomba - Chefe Exu das Almas 4) Povo da Encruzilhada dos Trilhos- Chefe Exu Marabô 5) Povo da Encruzilhada da Mata - Chefe Exu Tiriri. 6) Povo da Encruzilhada da Kalunga - Chefe Exu Veludo 7) Povo da Encruzilhada da Praça - Chefe Exu Morcego 8) Povo da Encruzilhada do Espaço - Chefe Exu Sete Gargalhadas 9) Povo da Encruzilhada da Praia - Chefe Exu Mirim. REINO DOS CRUZEIROS 1) Povo do Cruzeiro da Rua - Chefe Exu Tranca Tudo 2) Povo do Cruzeiro da Praza - Chefe Exu Kirombó 3) Povo do Cruzeiro da Lira - Chefe Exu Sete Cruzeiros 4) Povo do Cruzeiro da Mata - Chefe Exu Mangueira 5) Povo do Cruzeiro da Kalunga - Chefe Exu Kaminaloá 6) Povo do Cruzeiro das Almas - Chefe Exu Sete Cruzes 7) Povo do Cruzeiro do Espaço - Chefe Exu 7 Portas 8) Povo do Cruzeiro da Praia - Chefe Exu Meia Noite 9) Povo do Cruzeiro do Mar - Chefe Exu Kalunga (Kalunga grande) REINO DAS MATAS 1) Povo das Árvores - Chefe Exu Quebra Galho 2) Povo dos Parques - Chefe Exu das Sombras 3) Povo da Mata da Praia - Chefe Exu das Matas 4) Povo das Campinas - Chefe Exu das Campinas 5) Povo das Serranias - Chefe Exu da Serra Negra 6) Povo das Minas - Chefe Exu Sete Pedras 7) Povo das Cobras - Chefe Exu Sete Cobras 8) Povo das Flores - Chefe Exu do Cheiro 9) Povo da Sementeira - Chefe Exu Arranca Tôco

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REINO DA KALUNGA. 1) Povo das Portas da Kalunga.- Chefe Exu Porteira 2) Povo das Tumbas.- Chefe Exu Sete Tumbas 3) Povo das Catacumbas.- Chefe Exu Sete Catacumbas 4) Povo dos Fornos.- Chefe Exu da Brasa 5) Povo das Caveiras.- Chefe Exu Caveira 6) Povo da Mata da Kalunga.- Chefe Exu Kalunga (conhecido também como

Exu dos Cemitérios) 7) Povo da Lomba da Kalunga.- Chefe Exu Corcunda 8) Povo das Covas - Chefe Exu Sete Covas 9) Povo das Mirongas e Trevas - Chefe Exu Capa Preta (conhecido também

como Exu Mironga) REINO DAS ALMAS 1) Povo das Almas da Lomba - Chefe Exu 7 Lombas. 2) Povo das Almas do Cativeiro- Chefe Exu Pemba. 3) Povo das Almas do Velório- Chefe Exu Marabá. 4) Povo das Almas dos Hospitais - Chefe Exu Curadô 5) Povo das Almas da Praia - Chefe Exu Giramundo. 6) Povo das Almas das Igrejas e Templos .- Chefe Exu Nove Luzes . 7) Povo das Almas do Mato - Chefe Exu 7 Montanhas. 8) Povo das Almas da Kalunga - Chefe Exu Tatá Caveira. 9) Povo das Almas do Oriente - Chefe Exu 7 Poeiras. REINO DA LIRA 1) Povo dos Infernos - Chefiado por Exu dos Infernos 2) Povo dos Cabarés - Chefiado por Exu do Cabaré 3) Povo da Lira - Chefiado por Exu Sete Liras 4) Povo dos Ciganos - Chefiado por Exu Cigano 5) Povo do Oriente - Chefiado por Exu Pagão 6) Povo dos Malandros - Chefiado por Exu Zé Pelintra 7) Povo do Lixo - Chefiado por Exu Ganga 8) Povo do Luar - Chefiado por Exu Malé 9) Povo do Comércio - Chefiado por Exu Chama Dinheiro. REINO DA PRAIA. 1) Povo dos Rios - Chefiado por Exu dos Rios. 2) Povo das Cachoeiras - Chefiado por Exu das Cachoeiras. 3) Povo da Pedreira - Chefiado por Exu da Pedra Preta. 4) Povo do Marinheiros - Chefiado por Exu Marinheiro. 5) Povo do Mar - Chefiado por Exu Maré. 6) Povo do Lodo - Chefiado por Exu do Lodo. 7) Povo dos Bahianos - Chefiado por Exu Bahiano. 8) Povo dos Ventos - Chefiado por Exu dos Ventos 9) Povo da Ilha.- Chefiado por Exu do Côco.

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O PRIMEIRO PRETO VELHO Por  Ed  Pellizzari    

Uma antiga lenda contada por velhos juremeiros do Nordeste, diz que o primeiro mestre negro que chegou ao Brasil se chamava Joaquim. Este era seu nome de batismo cristão. Seu nome africano, provavelmente em língua kimbundu, se perdeu.

Mestre Joaquim era sábio de nascença. Na Mãe África, em terras de Angola, desde cedo ele observava os kimbandas ou curandeiros locais. Joaquim aprendia tudo o que via. Levado por um tio materno, um grande kimbanda, ele recebeu cedinho a sua iniciação no culto.

Joaquim foi ensinado a observar a Natureza e a descobrir o mistério atrás de cada folha, raiz e árvore. Mãe Ntoto, o grande Nkizi (espírito natural e transcendente) da Terra, acolheu o jovenzinho e transmitiu sua bênção regeneradora a ele.

Crescido, o rapaz não teve tempo de formar família. Guerras tribais o levaram longe da aldeia, onde foi aprisionado e embarcado para a distante nação brasileira. Desembarcando em porto nordestino, foi vendido. Trabalhou na lavoura dia após dia. Quieto, mas não passivo, observou o sofrimento de seu povo. Nas poucas horas de tranquilidade atendia aos doentes. Com o auxílio dos espíritos de Mãe Ntoto, descobriu as funções das ervas que aqui cresciam. Preparava breves, poções e mezinhas.

Quando tinha chance, amoitava-se e penetrava no mato, onde falava com os espíritos locais, invocava os ancestrais e rezava aos Minkizi (o conjunto dos Nkizi).

Certo dia foi procurado por um índio velho, que administrava uma pequena propriedade de capataz branco. O índio tinha observado as atividades de Joaquim no mato e ficou muito curioso... Uma amizade forte e espiritual nasceu deste encontro. Foi com este índio que Joaquim conheceu os poderes da Jurema.

Numa noite ele bebeu da cuia de Jurema do velho tuxaua, sentiu seu corpo frio como a morte, percebeu a mente crescer e ganhar asas... A alma de Joaquim voou pelos céus e viu as casas ficarem pequeninas, a Lua ficar mais perto e as estrelas parecerem mais brilhantes. Lá no firmamento parecia existir uma luz desconhecida e ele seguiu até lá. O luzeiro foi ficando mais perto e Joaquim encontrou uma aldeia, com gente, casa e tudo. Um cacique desconhecido chegou perto dele e o recebeu com alegria e dignidade. Joaquim entrara misteriosa na Cidade dos Mestres, na Aldeia do Juremal!

O que ele realmente viu e aprendeu lá, nunca contou a ninguém. Mas quando voltou à terra dos encarnados, ele não era mais um Joaquim, era o Mestre Joaquim!

O tempo corria e nosso mestre, ainda escravo, foi consumindo seu corpo no serviço desumano imposto a sua raça. Um tarde ele se aconchegou depois do trabalho, fechou os olhos e morreu. Sua alma foi levada novamente para a Cidade Santa e entrou triunfalmente no santuário da Mãe Jurema, louvado pelos mestres e mestras, profetas e guerreiros.

Certa madrugada uns caboclos montaram uma mesa (sessão espiritual de jurema), cantaram e abriram as portas reais. Os mestres do Outro Mundo foram baixando um após o outro. Tudo era harmonia e beleza! Um caboclo maduro e mais escuro cantou:

“Mestre Joaquim, é kimbanda! Veio trabalhar, é kimbanda! Mestre Joaquim é de Angola, é kimbanda! É kimbanda!”

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(nos Pontos ou Linhos mais modernos e populares, a palavra “é kimbanda”, ou seja “é curandeiro”, transformou-se em “esquimbanda”. Daí perdemos o sentido tradicional africano)

Esta foi a primeira vez que Mestre Joaquim acostou (baixou ou incorporou na linguagem dos juremeiros) e desde então começou seu eterno exercício de caridade, fruto do amor maior e da ciência sublime. Mestre Joaquim de Angola, de cachimbo na mão e chapéu na cabeça: o Rei negro da Jurema Sagrada!

O tempo passou depressa... A Umbanda ainda não tinha nascido, mas Mestre Joaquim já procurava outros agrupamentos para levar a sua missão. O negro bantu nunca temeu seus ancestrais e sempre colocou suas almas benditas no coração quente que batia de saudades. Lá nas praias do Nordeste, nas montanhas de Minas Gerais ou no sopé dos morros cariocas, nosso mestre juremeiro africano batia sua bengala e dava seu nome: Pai Joaquim de Angola! Imagem da bondade, da sabedoria e da humildade.

Quando a Umbanda veio a este mundo, gestada na luz de Cristo, no Axé dos Orixás e Minkizis e abençoada pela energia dos pajés, Pai Joaquim foi um dos primeiros guias a se apresentar.

Afinal já era preto velho diplomado! Pai Joaquim baixou e nunca parou de trabalhar.

“Pai Joaquim, ê, ê, Pai Joaquim, ê á, Pai Joaquim veio de Angola, Pai Joaquim é de Angola, Angola á!” (Usamos neste artigo a palavra Kimbanda em seu sentido tradicional: curandeiro

ou xamã bantu. Não é, portanto, uma referência ao quimbandeiro ou praticante da Quimbanda, culto sincrético com poucos elementos bantus).