Após o Quinze de Novembro - A Partida Para Exílio e o Banimento Da Família Imperial (Luciana...
-
Upload
nilton-soares -
Category
Documents
-
view
35 -
download
30
description
Transcript of Após o Quinze de Novembro - A Partida Para Exílio e o Banimento Da Família Imperial (Luciana...
-
180
APS O QUINZE DE NOVEMBRO: A PARTIDA PARA EXLIO E O BANIMENTO DA FAMLIA IMPERIAL
Luciana Pessanha Fagundes1
Resumo
A presente comunicao tem como objetivo analisar o cenrio poltico da repblica recm-instaurada em 1889, com foco especial voltado para o exlio e banimento da famlia imperial. Considerando que esses atos do Governo Provisrio so apenas o incio de todo um trabalho de estruturao e legitimao da repblica brasileira, que incluir uma batalha em torno do passado, procuramos compreender a dinmica que permeia a construo de um olhar republicano sobre o passado monrquico, recuando at os momentos finais do Imprio, com o foco voltado para o movimento republicano. Por fim, este trabalho compreende uma anlise resumida do primeiro captulo de minha tese de doutorado, que tem como foco analisar o dilogo da Primeira Repblica brasileira com seu passado monrquico, atravs de eventos especficos. Considerando a variedade de eventos abarcados por este estudo, tomamos como base os Dirios do Congresso do Nacional, as Revistas do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, e a imprensa da poca.
Palavras-chave
Monarquia, Repblica, Passado.
Assim, como em 16 de novembro de 1889 o Brasil acordou sem ter qualquer resposta
institucional a respeito de si mesmo (LESSA, 1998, p. 46), tambm se deparou com outras
questes. Que passado seria celebrado a partir de ento? Que olhar(es) seria(m) lanado(s) sobre
ele? Para a compreenso de toda a dinmica, que permeia a construo de um olhar republicano
sobre o passado monrquico, recuamos at os momentos finais do Imprio, com o foco voltado para
o movimento republicano, procurando perceber como construdo esse olhar em oposio ao
presente monrquico.
Para a compreenso do olhar republicano sobre o presente monrquico, tomamos como
ponto de partida, alm da crise do Segundo Reinado, as vrias concepes de republicanismo que
dominaram as ltimas dcadas do Imprio, expressas pela chamada gerao de 1870. Um grupo de
intelectuais e polticos que, apesar da heterogeneidade de seus pontos de vista e origem social,
compartilhavam uma situao de marginalidade tanto poltica, como social, ante a chamada
dominao saquarema.2 Tal situao contribuiu e alimentou tipos diversos de contestao ordem
-
181
vigente, que tomaram forma atravs de um dilogo intenso no apenas com o pensamento europeu,
mas tambm com a prpria tradio poltica imperial.
A gerao de 1870, ao contrrio da elite formada nas dcadas anteriores, realizou sua
formao no Brasil, inclusive o ensino superior. Por no ter compartilhado uma vivncia marcada
pelo temor do constante separatismo e desordem, caracterstico do Perodo Regencial, mas sim
pela experincia de viver em um Brasil pacificado, foi marcada pelo desejo de mudana e pela
busca de um emprego pblico, ou seja, pela ambio de se tornar elite poltica. Mas um excesso de
bacharis dificultava sua incluso, reforando sua presso por maior representao dentro do
Estado (CARVALHO, 2003, p. 59; pp. 86-87). Neste sentido, como o Estado era o maior
empregador, tal presso fez-se sentir nas crticas ao regime de privilgios e de indicao, que no
valorizava o mrito e o talento. Crticas construdas por uma nova gerao, j sob a influncia de
uma mentalidade cientificista, que concebia o republicanismo como o regime poltico da igualdade e
da cincia (MELLO, 2007, pp. 38-39).
Desta forma, tanto a campanha abolicionista como a campanha republicana foram
ocupando progressivamente esse novo espao pblico, especialmente a partir de 1884,
construindo-se a associao do abolicionismo com o republicanismo. Na propaganda republicana,
portanto, a abolio da escravido no seria o fim do caminho, pois, haveria ainda mais um passo a
dar: a Repblica. A proclamao da Repblica indicava o sentido da evoluo rumo ao progresso e
civilizao, uma noo compreendida dentro de uma teoria evolucionista da histria, que
caracterizava aquele presente vivido como um momento de mudana em escala mundial. Tal
concepo integra um amplo conjunto de esquemas interpretativos, utilizados pelos identificados
por ngela Alonso - federalistas cientficos; positivistas abolicionistas; liberais republicanos e
novos liberais e que faziam parte da gerao de 1870 (ALONSO, 2002).
No discutiremos aqui a construo dessas categorias, para ns cabe ressaltar algumas
concluses apresentadas por Alonso. Como por exemplo, os diferentes projetos de futuro
apresentados por essa gerao, no se faziam sem a inveno de um passado para legitim-los.
nesse sentido que procuram construir uma histria brasileira, resgatando o mundo poltico e
cultural anterior dominao saquarema (ALONSO, 2002, p. 243), reelaborando a identidade
nacional e deslegitimando assim, a tradio inventada pela elite imperial. Exemplos de tal exerccio
so as releituras do levante pernambucano de 1817 e do Perodo Regencial, tomados como
autnticas manifestaes da nao e de Tiradentes, como o precursor da idia que hoje oferece
-
182
embate s instituies caducas do passado, sendo os republicanos herdeiros e sucessores do
legado tradicional que aquela nobre figura representa (ALONSO, 2002, p. 135).
No exerccio de releitura do passado e na construo de novas narrativas sobre o mesmo,
podemos identificar um claro esforo de inventar um passado, uma tradio para as ideias
contestatrias formuladas. Dessa forma, era possvel manter um dilogo com a tradio imperial,
quer atravs de uma crtica mais ou menos radical a alguns de seus traos, quer com a preservao
de outros, como o elitismo do Imprio, pois, todos os grupos se colocavam contra uma reforma via
revoluo (ALONSO, 2002, p. 333). Assim, inscrita nas leis inexorveis da histria, como o regime
poltico da cincia e da democracia, a vitria da repblica era certa, porque ancorada na razo e no
futuro (MELLO, 2007, p. 148).
Outro componente deste agitado cenrio de contestao ao regime so os ataques ao
imperador, retratado, frequentemente, como uma figura sonolenta e at demente. nesse perodo
de crise, que surgem as primeiras caricaturas que o descreviam como o Pedro Banana, resultado
da indiferena com que encarava os negcios do Estado. A representao mais sbria, na figura do
monarca-cidado, adotada aps a Guerra do Paraguai, associada a um afastamento dos bailes da
corte, das festas populares e do ritual majesttico (SCHWARCZ, 1999, pp. 326, 415), tambm
contribuiu para a construo de uma imagem mais secularizada e mais frgil do imperador,
suscetvel a ataques e galhofas.
A este processo de dessacralizao da figura do Imperador, levado a cabo na dcada de 80
do sculo XIX, Maria Tereza Mello associa tambm uma progressiva desafeio ao regime
monrquico, pois, como o Imperador era a Coroa, o que se atirava sua face respingava na
Monarquia (MELLO, 2007, p. 186). Assim, caracterizao da monarquia como o regime da
desordem, do atraso e dos privilgios, soma-se a descrio de seu personagem central como um
banana, ridicularizado por sua sonolncia e inaptido poltica.
Mas h nessa associao, certas observaes que devem ser feitas, pois elas vo permear
toda a construo de uma memria em torno do Imprio e de seu segundo imperador. Mesmo com
a enxurrada de crticas que recebia, D. Pedro II continuava a ser bem visto era criticado pelo
pouco apreo ao exerccio do governo, mas no pelo amor ao pas especialmente aps a
abolio, que trouxe grande prestgio Coroa.
Ou seja, as ligaes entre a imagem do imperador e do Imprio, apesar de se aproximarem
no campo das crticas, se separam no mbito de certas qualidades ainda percebidas em D. Pedro II,
-
183
e que no poderiam ser negadas. Da as propostas de se aguardar sua morte e tambm o veto a
um Terceiro Reinado. Esta ser uma questo fundamental com a qual o regime republicano
instaurado em 1889 ter que lidar, alm da tarefa de conciliar diferentes projetos de nao,
vinculados a diferentes interesses de vrios grupos envolvidos no movimento. Quanto ao Imprio e
ao Imperador, tornam-se passado, um passado muito desgastado, mas muito presente e que
assusta a Repblica recm-instaurada.
Sobre esse ponto, perceptvel que, apesar da mudana do regime ter ocorrido em um
clima de aparente tranquilidade, havia sim temores quanto segurana e estabilidade do mesmo.
A permanncia do imperador no pas era percebida como uma ameaa significativa Repblica
recm-proclamada, e a soluo para que ocorresse realmente uma ruptura com Monarquia, era
tratar de retir-lo logo do pas, o que foi feito, na madrugada do dia 17 de novembro, longe dos
olhares da populao e a salvo de qualquer manifestao.
A deciso de que a famlia imperial deveria deixar o pas o quanto antes foi rpida. Veio na
mesma mensagem que confirmava a queda da monarquia, entregue pelo Major Solon ao imperador,
na tarde do dia 16 de novembro. Logo em seguida, foi redigida a resposta do imperador, que
cedendo ao imprio das circunstncias (O Paiz, 18 de nov. de 1889), confirmava a partida da
famlia imperial, fixada para as 2 horas da tarde do dia seguinte (LYRA, 1977, p. 112). Todavia, tal
horrio foi antecipado pelo Governo Provisrio, que encarregou o coronel Mallet de despertar a
famlia imperial, detida no Pao, na madrugada do dia 17, para proceder ao embarque o mais rpido
possvel (CARVALHO, 2007,p. 219; LYRA, 1977, p. 112).
Poucos so os relatos deste episdio to significativo na histria brasileira, o que se
compreende. Foi realizado dessa forma, justamente porque tinha como objetivo no ter
testemunhas, como uma comemorao s avessas, cujo sucesso depende justamente da ausncia
de pblico. Assim, sobre o embarque dos exilados temos o texto do republicano Raul Pompia,3 as
descries dos prprios membros da famlia imperial,4 e uma matria publicada no jornal O Paiz,5 o
nico a dar mais detalhes sobre o evento.
A narrativa de Pompia, intitulada Uma noite histrica, inicia-se descrevendo o ambiente
de grande sossego, mas com uma nota acentuada de pnico que envolvia o Pao Imperial
naquela madrugada, transformado em uma verdadeira praa de guerra (BRITO, s/d, p. 74). O local
era rondado e guardado por uma fora de carabineiros do 1o Regimento de Cavalaria, sendo que, a
partir das 20 horas do dia 16, devido s aglomeraes que comearam a se formar na regio, o
-
184
Exrcito foi obrigado a desviar a populao para outras reas da cidade, at a hora do embarque de
D. Pedro (O Paiz, 18 de nov. de 1889).
Sobre essa disperso forada, Pompia coloca:
Apesar da brandura de modos com que os militares convidavam as
pessoas do povo a se retirarem, (...) sentia-se ali como uma atmosfera de
vago terror, como se a calada da noite, a escurido do lugar, a amplitude
insondvel da praa evacuada, respirassem a presena de uma realidade
formidvel. Sentia-se todo aquele ermo ocupado pela vontade poderosa da
revoluo (BRITO, S/D: 75-76).
O terror e a escurido do Pao so parte essencial do cenrio que completa essa
comemorao s avessas, sem o aspecto coletivo inerente a esses eventos, mas com toda a
simbologia necessria para marc-lo como um momento de trmino, de fim de uma era. A descrio
de Pompia constri cuidadosamente esse cenrio e o espetculo que se seguiria para uma plateia,
a princpio, ausente:
Apesar disso, que se acreditaria indicar a completa ausncia de
espectadores para a cena que ia se passar, muitas janelas abertas
apareciam como retbulos negros, nas mais altas sacadas, e percebia-se
uma agitao fcil de reconhecer nos peitoris escuros... Pobre D. Pedro!
Em homenagem severidade da determinao do Governo
Revolucionrio, ningum queria ter sido testemunha da misteriosa
eliminao de um soberano (BRITO, s/d: 77)
Na narrativa de Pompia encontramos algumas pistas para pensar as aes desse governo
recm-institudo, cujo objetivo principal nesse momento era assegurar a eliminao do regime
anterior, do qual o smbolo maior era o velho imperador, que mesmo com a imagem desgastada,
representava um srio obstculo para a concretizao da jovem repblica. A antecipao da partida
para o exlio pode ser compreendida neste contexto de insegurana e instabilidade, que, na noite do
dia 16, levou os membros do Governo Provisrio a essa mudana nos planos para o embarque da
famlia imperial. Um dos nicos momentos, desde os acontecimentos do dia 15, em que descrita
certa alterao no comportamento de D. Pedro. Sua calma foi substituda por uma indignao
-
185
latente. Afinal, no fazia sentido para ele partir no meio da noite como um fugido (CARVALHO,
2007, p. 219; LYRA, 1977, p. 113). As justificativas apresentadas ao imperador pelo Almirante
Jaceguai apontavam o receio do Governo Provisrio de que ocorressem manifestaes
desagradveis no momento do embarque, e o imperador acabou consentindo para evitar conflitos
inteis (LYRA, 1977, p. 114).
Sobre a alterao no horrio do embarque no foram feitas menes nos jornais, sendo
apenas colocado o local e o horrio em que o mesmo ocorreu. Na notcia do jornal O Paiz:
() sr D.Pedro e sua famlia saram do pao da cidade as 3 1/4 horas da
madrugada, para embarcar no cais da Pharoux. O Sr. D. Pedro de
Alcntara, a imperatriz, a Sra D. Isabel, seu esposo e D. Pedro Augusto
transportaram-se n'um carro at o cais, guardando as portinholas do
veiculo, o Srs coronel Mallot e tenente general Mirando Reis. O Sr. Dr.
Motta Maia, almirante Tamandar, dama Fonseca Costa, aias ao servio da
imperatriz, D. Lidia Espozel e Joanna Moura seguiram a p at o lugar do
desembarque. Precediam o prstito os alunos da escola superior de guerra
2 tenentes Antonio Jose Vieria Leal e Jose Raphael Alves Azanbuja e Joo
Baptista da Motta e Affonso Deligorio Doria todos em primeiro uniforme.
Logo depois seguia uma escolta de quatro artfices do arsenal de guerra.
() Por ocasio do embarque, o largo do pao mantinha-se isolado, ali
vendo-se apenas as praas do servio de policiamento (O Paiz, 18 de nov.
de 1889).
Na descrio do jornal, observamos a referncia aos poucos atores presentes no momento
do embarque, alm de membros do Exrcito, atuando como escolta, e da famlia imperial. H
referncias tambm aos que resolveram se exilar junto com ela, como o Conde de Mota Maia,
mdico do imperador, e a Viscondessa Fonseca Costa.6 As aias da princesa Isabel, que seguiram a
p, na frente do carro que levava a famlia imperial, podem ser identificadas no texto de Pompia,
onde a mesma cena, atravs de uma escrita dramtica, ganha o aspecto de um funeral.
s trs horas da madrugada, (...) entrou na praa um rumor de carruagem.
Para as bandas do pao houve um ruidoso tumulto de armas e cavalos. As
patrulhas que passeavam de ronda reiteravam-se todas a ocupar as
-
186
entradas do largo, pelo meio do qual, atravs das rvores, iluminando
sinistramente a solido, perfilavam-se os postes melanclicos dos lampies
de gs. Apareceu ento o prstito dos exilados. Nada mais triste. Um coche
negro, puxado a passo por dois cavalos que se adiantavam de cabea
baixo, como se dormissem andando. frente duas senhoras de negro, a
p, cobertas de vus, como a buscar caminho para o triste veculo.
Fechando a marcha um grupo de cavaleiros, que a perspectiva noturna
detalhava em negro perfil (...). Quase na extremidade do molhe, o carro
parou e o Sr. D. Pedro de Alcntara apeou-se um vulto indistinto entre
outros vultos para pisar pela ltima vez a terra ptria. (BRITO, S/D: 77-
78).
A narrativa do cronista, com seus postes melanclicos, coche negro, senhoras de negro e o
negro perfil dos cavalheiros que acompanhavam o prstito, conduz ao que poderamos chamar de
um enterramento simblico do imperador e da monarquia, ou assim pretendia-se. Ao final do relato,
tal impresso fica mais ntida, quando o cortejo se aproxima do cais, onde militares a cavalo
formavam alas indicando o caminho do embarque, e D. Pedro de Alcntara sai da carruagem, um
vulto indistinto, entre outros vultos distantes, para pisar pela ltima vez a terra da Ptria (BRITO,
s/d, p. 78).
Grandiosa em seu sentido, mas minimizada nas poucas descries que vieram a pblico, o
embarque da famlia imperial conferiu poder ao Governo Provisrio, conseguido em grande parte
pelas condies nas quais se realizou, sem reaes, a no ser a do prprio imperador,
demonstrando-se que a partir daquele instante havia uma nova ordem no pas.
O cruzador Paraba, no qual embarcaram, ainda ficaria algum tempo ancorado na baa de
Guanabara, esperando os filhos do casal do dEu, que vinham de Petrpolis, para se juntar
famlia, momento em que foi entregue a ltima mensagem do Governo Provisrio a D. Pedro, e que
consistia no decreto concedendo ao imperador um subsdio de 5 mil contos. Ao meio-dia, ele zarpou
em direo baa da Ilha Grande, onde seria feito o transporte da famlia imperial para o paquete
Alagoas, que na madrugada do dia 18 de novembro partiu para a Europa, comboiado pelo
couraado Riachuelo (CARVALHO, 2007, p. 220; LIRA, 1977, p. 138).
-
187
Antes de chegar a Lisboa, quando a paquete aportou na ilha de So Vicente, no Cabo
Verde, o imperador respondeu mensagem enviada pelo Governo Provisrio, colocando que
recusava os 5 mil contos e que receberia apenas, assim como sua famlia, as dotaes e vantagens
que tivessem direito por leis. A recusa do imperador, na mensagem datada de fim novembro de
1889, seria publicada pela imprensa apenas no incio de dezembro, atravs de telegramas que
vinham de Lisboa afirmando tal fato, e que tambm descreviam a chegada da famlia imperial na
Europa (Gazeta de Notcias, 09 de dez. de 1889; Jornal do Commercio, 09 de dez. de 1889).
As referncias recusa do subsdio so importantes, porque apareceriam nas justificativas
do decreto que baniu a famlia imperial do territrio brasileiro. Neste caso, vale ressaltar que a
resposta de D.Pedro II torna-se pblica j no incio de dezembro de 1889, enquanto o decreto
expedido no dia 21 do mesmo ms. A distncia entre datas nos leva imediatamente a investigar o
que afinal estava acontecendo naquele ms.
Apesar do clima de tranquilidade propalado por algumas folhas da capital aps a
proclamao, os estados do Maranho, Bahia e Santa Catarina haviam sido palco de conflitos entre
batalhes do Exrcito e praas da polcia, esses ltimos recrutados especialmente para defender os
clubes e jornais republicanos. Outros conflitos ocorreram tambm no Rio de Janeiro, onde, em 18
de dezembro, soldados do 2 Regimento de Artilharia se revoltaram em nome do Imperador. A
imprensa foi proibida de publicar tais notcias e polticos monarquistas foram responsabilizados
como seus mentores intelectuais (CASTRO, 1995, p. 193; JANOTTI, 1986, p. 21).
Segundo Maria de Lourdes Janotti, a represso a tais movimentos veio na forma dos
decretos de banimento no apenas da famlia imperial, mas tambm de figuras proeminentes da
Monarquia , na censura imprensa e na criao, em 23 de dezembro, de um Tribunal Excepcional
Militar encarregado de julgar as questes politicamente lesivas ao governo. Ou seja, qualquer
escrito ou ato de cunho sedicioso acarretariam para seus autores as penas imputadas a uma
sedio militar (JANOTTI, 1986, p. 22). Concordamos com Janotti na relao que ela faz entre o
clima tenso e instvel, promovido pelos conflitos, que envolviam militares, e a expedio dos
decretos de banimento e dos demais, como uma forma de proteo da jovem Repblica. Todavia,
cabe ressaltar as diferenas entre as justificativas expostas nos mesmos.
O decreto que bania do territrio brasileiro D. Pedro de Alcntara e sua famlia apresentava
como justificavas, primeiramente, o fato de D. Pedro, aps ter aceitado e agradecido o subsdio 5
mil contos, mudar de opinio, declarando recusar o mesmo. Contudo, aps ter repelido tal ato do
-
188
governo, pretendia continuar a receber a dotao anual, sua e de sua famlia, prescritas por lei. Tais
atitudes foram apontadas como provas evidentes da recusa por parte do imperador em reconhecer
a legitimidade do movimento nacional, formando tambm um conjunto de reivindicaes
incompatveis hoje com a vontade do pas, expressa em todas as suas antigas provncias, hoje
estados, e com todos os interesses do povo brasileiro, agora indissoluvelmente ligados
estabilidade do regime republicano. A manuteno, pelo Governo Provisrio, dessas vantagens a
D. Pedro era simplesmente uma providncia de begnidade republicana, destinada a atestar os
intuitos pacficos e conciliadores do novo regime, ao mesmo tempo em que uma homenagem
retrospectiva dignidade que o ex-imperador ocupara como chefe de Estado. As atitudes de D.
Pedro so assim interpretadas como uma desonra ao regime, animando veleidades inconciliveis
com a situao republicana (Jornal do Commercio, 22 de dez. de 1889). Segue ento o decreto:
Art. 1 banido do territrio nacional o Sr. D.Pedro de Alcntara e com ele
sua famlia.
Art.2 Fica-lhes velado possuir imveis no Brasil, devendo liquidar no prazo
de dois anos os bens dessa espcie, que aqui possuem.
Art.3 revogado o decreto de 16 de Novembro de 1889, que concedeu ao
Sr. D.Pedro de Alcntara 5.000.000 de ajuda de custo para o seu
estabelecimento no estrangeiro.
Art. 4 Consideram-se extintas, a contar de 15 desse ms, as dotaes do
Sr. Pedro de Alcntara e sua famlia
Art. 5. Revogam-se as disposies em contrrio.
Manoel Deodoro da Fonseca- Quintino Bocayuva- Manoel Ferraz de
Campos Salles- Ruy Barbosa - Aristides da Silveira Lobo - Demtrio Nunes
Ribeiro - Eduardo Wandenkolk - Benjamim Constant Botelho de Magalhes
(Jornal do Commercio, 22 de dez. de 1889).
Junto com tal decreto, vem publicado outro, banindo outros personagens, como o Visconde
Ouro Preto, apontando como justificativas a manuteno da ordem e da paz interna da Republica,
ameaada por esses cidados que procuram fomentar, dentro e fora do Brasil, o descrdito da
ptria por agitaes que podem trazer a perturbao da paz pblica, lanando o pas s
-
189
contingncias perigosas de uma guerra civil (Jornal do Commercio, 22 de dez. de 1889). Alm de
Ouro Preto, foi banido Carlos Affonso de Assis Figueiredo7 e Gaspar de Silveira Martins,8 este
sendo desterrado do territrio nacional.9
Percebe-se que a justificava central para ambos assegurar a estabilidade da Repblica.
Todavia, ao contrrio de Ouro Preto, que havia publicado recentemente manifesto atacando alguns
membros do Governo Provisrio e a imprensa da capital,10 o comportamento D. Pedro no exlio
estava, a princpio, longe de qualquer inclinao conspiratria ou crtica em relao ao novo regime.
A recusa do subsdio apresentou-se ento como a justificativa ideal para que fosse completado o
movimento iniciado com o exlio da famlia imperial, eliminando-se ou dificultando-se muito, a
ameaa de uma restaurao.
Enfim, a construo do(s) olhar(es) republicano(s) sobre o passado monrquico e seu
segundo imperador pode ser percebida j durante o movimento contestatrio ao regime de Pedro II,
nas dcadas finais do Imprio, onde a repblica era representada como o regime da razo, do
progresso, e a monarquia representava o passado, o atraso, a decadncia. Nesse sentido, o exlio
e o banimento do imperador foram aes do novo regime com o intuito no apenas de manter
afastado o ex-imperador, que consistia em uma ameaa para a jovem Repblica, mas tambm
como uma forma de marcar a ruptura, de fabricar um marco, que separasse o novo do velho. Trata-
se de um momento em que o passado exilado e banido, mas que ir, aos poucos, retornar, com
diferentes reconfiguraes ao longo da Primeira Repblica.
Referncias
I- Fontes Peridicos:
Cidade do Rio
Gazeta da Tarde
Gazeta de Notcias
Jornal do Brasil
Jornal do Commercio
O Paiz
-
190
A revogao do banimento e a transladao dos restos mortais dos ex-imperadores. In:
Revista do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro. Rio de Janeiro: IHGB. V.152, Tomo 98, 1925.
Livros e artigos:
CONSTITUIO DA REPBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 24 DE FEVEREIRO
DE 1891). Disponvel em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao91.htm Acesso em:
30 de outubro de 2008.
BRITO, Broca. Raul Pompia. So Paulo: Edies Melhoramentos. s/d.
PESSOA, Reynaldo Xavier Carneiro. A idia republicana no Brasil atravs dos documentos. So
Paulo: Alfa-mega,1973.
II Artigos e livros consultados
ABRANCHES, Dunshee. Actas e actos do governo provisrio. Ed. Fac-sim. Braslia: Senado
Federal, 1998.
ALMEIDA, Luiz Alberto Scotto. Desiluso Republicana percursos e rupturas no pensamento de
Slvio Romero, Euclides da Cunha e Lima Barreto. Tese (Doutorado em Literatura). Universidade
Federal de Santa Catarina. Florianpolis: 2008.
ALONSO, Angela. Idias em movimento: a gerao 1870 na crise do Brasil-Imprio. So Paulo: Paz
e Terra, 2002.
BARBOSA, Luisa Maria Gonalves Teixeira. O iderio republicano nas relaes Brasil/Portugal,
1880-1891. Universidade de Lisboa. Faculdade. De Letras. 2002. Disponvel em:
http://assisbrasil.org/luisa.html. Acesso em: 30 de out. de 2008.
CALMON, Pedro. Histria de D. Pedro II. Rio de Janeiro: J.Olimpio; Braslia: INL, 1975.5v.
CARVALHO, Jos Murilo de. A formao das almas. 7a reimpresso. So Paulo: Companhia das
Letras, 1998.
______________Os bestializados. 3. ed. So Paulo: Companhia das Letras, 1999.
-
191
______________A construo da ordem: a elite poltica imperial. Teatro das sombras: a poltica
imperial. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003.
______________D.Pedro II. Ser ou no ser. So Paulo: Companhia das Letras, 2007.
CASTRO, Castro. Os militares e a Repblica: um estudo sobre cultura e ao poltica. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995.
CATROGA, Fernando. O Republicanismo em Portugal. Da formao ao 5 de outubro de 1910.
Volume II. Coimbra: Faculdade de Letras, 1991.
FLORES, Elio Chaves. A consolidao da Repblica: rebelies de ordem e progresso. In:
FERREIRA, J; DELGADO, L.A.N (org.). O tempo do liberalismo excludente: da Proclamao da
Repblica Revoluo de 1930. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003. (O Brasil republicano;
v.1).
FLORES, Moacyr. Dicionrio de Histria do Brasil. Rio Grande do Sul: EDIPUR, 1996. Disponvel
em: http://books.google.com.br/books. Acesso em: 30 de junho de 2009. P. 254.
JANOTTI, Maria de Lourdes. Os subversivos da repblica. So Paulo: Editora Brasiliense, 1986.
LESSA, Renato. A inveno republicana: Campos Sales, as bases e a decadncia da Primeira
Repblica brasileira. So Paulo: Vrtice, Editora Revista dos Tribunais; Rio de Janeiro: Instituto
Universitrio de Pesquisas do Rio de Janeiro, 1998.
LYRA, Heitor. Histria de Dom Pedro II, 1825-1891. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; So Paulo: Ed. da
Universidade de So Paulo, 1977.(v.3. Declnio: 1880-1889.p.112).
MATTOS, Ilmar Rohloff. Do Imprio Repblica. Estudos Histricos. Rio de Janeiro, vol. 2, n. 4.
1989, p.163-171. Disponvel em: http://www.cpdoc.fgv.br/comum/htm/
_____________O tempo saquarema. So Paulo: Hucitec, 2004.
MELLO, Maria Tereza Chaves de. A repblica consentida: cultura democrtica e cientifica do final
do Imprio. Rio de Janeiro: Editora FGV; Editora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(Edur), 2007.
MONTEIRO, Fernanda Fonseca; SANTOS, Gisele Cunha. Celebrando a fundao do Brasil: a
inaugurao da esttua eqestre de D. Pedro I. Revista Eletrnica de Histria do Brasil 4:1
(January-June 2000), 47-61. Disponvel em: www.rehb.ufjf.br Acesso em: 25 de setembro de
2008.
-
192
OLIVEIRA, Lucia Lippi. As festas que a Repblica manda guardar. Estudos Histricos, Rio de
Janeiro, vol.2, n.4, 1989, p.172-189. Disponvel em http://www.cpdoc.fgv.br/revista Acesso em:
30 de maio de 2005.
PIRES, Maria da Conceio Francisca. O eclipse do Imprio sob a pena da galhofa: a crtica
poltica de ngelo Agostini em A Revista Illustrada e em O Mosquito. SOIHET, R. (Org.). Mitos,
projetos e prticas polticas: memria e historiografia. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2009.
RICOEUR, Paul. A memria, a histria, o esquecimento. Campinas: Editora da UNICAMP, 2007.
ROUSSO, Henry. Mmoire et histoire: La confusion. La hantisse Du passe. Entretien avec Philippe
Petit. Paris: ditions Textuel, 1998.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador: D.Pedro II, um monarca nos trpicos. 2 ed. So
Paulo: Companhia das Letras, 1999.
SERRO, Jos Verrismo. Histria de Portugal. Vol. XI. A Primeira Repblica (1910-1926). Histria
Poltica, Religiosa, Militar e Ultramarina. Lisboa: Editorial Verbo, 1980.
SILVA, Eduardo (Org.). Idias polticas de Quintino Bocaiva. Braslia: Senado Federal; Rio de
Janeiro: Fundao Casa de Rui Barbosa, 1986.v.1
SIQUEIRA, Carla. A imprensa comemora a repblica: memrias em luta no 15 de novembro de
1890. Estudos Histricos, v. 7, n. 14, p. 161-81, 1994.p.12. Disponvel em
http://www.cpdoc.fgv.br/revista Acesso em: 30 de maio de 2005.
VIANA, Helio. Recusas do imperador a auxlios pecunirios da repblica. Revista do IHGB. Vol. 278.
Janeiro-Maro. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1968.
Notas
1 Mestre em Histria Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ/PPGHIS). Doutoranda no Programa de Ps-Graduao em Histria, Poltica e Bens Culturais do CPDOC/FGV. Bolsista da FAPERJ. 2 Para um entendimento da dominao saquarema, utilizamos o trabalho de Ilmar Rohrloff. Segundo Rohrloff, a construo do Estado Imperial implicou na constituio de uma classe senhorial, fator que possibilitou uma interveno consciente e deliberada de uma determinada fora social os Saquaremas. MATTOS, I.R. Do Imprio Repblica. Estudos Histricos. Rio de Janeiro, vol. 2, n. 4. 1989, p.163-171. Disponvel em: http://www.cpdoc.fgv.br/comum/htm/; O tempo saquarema. So Paulo: Hucitec, 2004. 3 Na biografia sobre Raul Pompia, Brito Broca coloca que ele conseguiu registrar o evento ocultando-se numa das casas vizinhas ao Pao. O texto reproduzido integralmente, como apndice biografia, mas no apontada nenhuma referncia ao local e data de publicao do mesmo. Tais referncias foram encontradas no livro de Lilia Schwarcz. Segundo a autora, o texto teria sido publicado na Revista Sul-Americana, datada de 15 de novembro de 1889, ano I, no
-
193
21. Para este trabalho utilizaremos como referncia o texto completo publicado no livro de Brito S/D. p.48; SCHWARCZ, 1999, pp. 465- 466;600. 4 Fao referncia ao relato da princesa Isabel sobre os acontecimentos de 15 de novembro de 1889, redigido a bordo do Alagoas e mais em tarde em Cannes. Mao 207 Doc. 94913. Arquivo do Museu Imperial. 5 Foram pesquisados, alm do O Paiz, os jornais Gazeta de Notcias, Jornal do Commercio, Cidade do Rio e Gazeta da Tarde. 6 Juntaram-se posteriormente comitiva dos exilados: os Bares e Baronesa de Loreto e Muritiba, o Conde de Aljezur, como mordomo do Imperador, conde de Nioac e Andr Rebouas. CARVALHO, 2007, p. 220. 7 Carlos Afonso de Assis Figueiredo era presidente da provncia do Rio de Janeiro, e aps a proclamao da Repblica, fugiu para a sua fazenda em Paraba do Sul, onde foi preso e deportado. Retornando em 1891, foi residir no Rio de Janeiro, onde abriu uma tipografia e fundou o jornal monarquista O Farol. FLORES, 1996. P. 254. 8 Indicado para substituir o Visconde de Ouro Preto no ministrio quando dos eventos de 15 de novembro, Silveira Martins, na poca presidente da provncia do Rio Grande do Sul, tambm seria preso e deportado. Ao retornar ao Brasil em 1892, ir liderar uma grande revolta no sul: A Revolta Federalista, em oposio ao governo de Jlio de Castilhos. FLORES, 1996, p. 384. 9 Em 19 de novembro 1890 so revogados o banimento de Ouro Preto, Carlos Afonso de Assis e Silveira Martins, continuando, porm, o da famlia imperial. JANOTTI, 1986, p. 22. 10 Segundo a Gazeta de Notcias , o manifesto foi publicado no dia 20 de dezembro nas folhas de Lisboa, e no dia seguinte na folha carioca. Gazeta de Notcias, 21 de dez. de 1889.