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C.D.U: 394.2(812.11=96) APONTAMENTOS ACERCA DA EVOLUCÂO DA MINA NO MARANHÂO Da Mina 1 à Urnbanqa Maria do Rosário Carvalho-Santos(l) Manoel dos Santos Neto(2) RESUMO visão da evolução das casas de culto de são Luís, onde se chama atençao para a hostilidade da classe dominante e a forte repressão policial sofridas p~ los terreiros de Tambor de Mina em um determinado momento histórico. Enfocou-se a proliferação e o domínio da Umbanda sobre o espaço até há pouco tempo OCUp2ctO pelo Tambor de Mina. INTRODUCÂO Durante longos anos, os terreiros de Tambor de Mina, in fluenciados sobretudo pela Casa de Nag5,desenvolveram-se em S~o Luís ao lado de numerosas "Casas de Cura", dedicadas ~ pajelança que,por esta época, enfrentavam a perseguição policial e a hos t i. lidade da classe dominante mara nhense. Sem sossego e mu i to m~ nos liberdade, as "Casas de Cura"2 viam-se impossibilitadas de fu~ cionar. Mas, ainda assim, os cura dores, com seus penachos, metidos em impecáveis calças brancas, insistiam em fazer às escondidas, em sítios distantes, suas curas, ao som do pandeiro e maracá. Condenada pelos médicos, (1) Professora licenciada em História Funcionária das Secretarias de Cultura e Educa~ão - Técnica em Assuntos Culturais. 1 (2) Jornalista - Kedator do Jornal do Movimento Negro AKOMABU. o termo "mina", muito difundido entre os pais e mães-de-santo maranhenses, é a forma simplificada da expressão TAMBOR DE HINA -- culto de raízes a::ri canas característico do Maranhão, cuja estrutura equivale, em outros Estados brasileiros,ao Candomblé (Bah í.a ), Xangô (Pernambuc o), Macumba (Rio de Jar.eiro)etc 2 Cura, Haracá e Tambor da Hata são expressões corriqueiras nos terreiros mara nhenses, que servern de alusão à PAJELANÇA -- culto de origem indígena, cujas características, embora mescladas a elementos de origem diversa, ainda são muito fortes nos terreiros considerados de Mina. Cad. Pesq. são Luís, 4 (1) 135 - 143, ja:1. /jun. 1988 135

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C.D.U: 394.2(812.11=96)

APONTAMENTOS ACERCA DA EVOLUCÂO DA MINA NO MARANHÂODa Mina1 à UrnbanqaMaria do Rosário Carvalho-Santos(l)Manoel dos Santos Neto(2)

RESUMOvisão da evolução das casas de culto de são Luís, onde se chama atençao

para a hostilidade da classe dominante e a forte repressão policial sofridas p~los terreiros de Tambor de Mina em um determinado momento histórico.

Enfocou-se a proliferação e o domínio da Umbanda sobre o espaço até hápouco tempo OCUp2ctO pelo Tambor de Mina.

INTRODUCÂODurante longos anos, os

terreiros de Tambor de Mina, in

fluenciados sobretudo pela Casa

de Nag5,desenvolveram-se em S~o

Luís ao lado de numerosas "Casas

de Cura", dedicadas ~ pajelança

que,por esta época, enfrentavam

a perseguição policial e a ho s t i.

lidade da classe dominante mara

nhense.

Sem sossego e mui to m~

nos liberdade, as "Casas de Cura"2

viam-se impossibilitadas de fu~cionar. Mas, ainda assim, os cura

dores, com seus penachos, metidos

em impecáveis calças brancas,

insistiam em fazer às escondidas,

em sítios distantes, suas curas,

ao som do pandeiro e maracá.

Condenada pelos médicos,

(1) Professora licenciada em História Funcionária das Secretarias de Cultura eEduca~ão - Técnica em Assuntos Culturais.

1

(2) Jornalista - Kedator do Jornal do Movimento Negro AKOMABU.

o termo "mina", muito difundido entre os pais e mães-de-santo maranhenses, éa forma simplificada da expressão TAMBOR DE HINA -- culto de raízes a::ricanas característico do Maranhão, cuja estrutura equivale, em outros Estadosbrasileiros,ao Candomblé (Bah í.a ), Xangô (Pernambuc o), Macumba (Rio de Jar.eiro)etc

2 Cura, Haracá e Tambor da Hata são expressões corriqueiras nos terreiros maranhenses, que servern de alusão à PAJELANÇA -- culto de origem indígena, cujascaracterísticas, embora mescladas a elementos de origem diversa, ainda sãomuito fortes nos terreiros considerados de Mina.

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repudiada pela burguesia e esco!.raçada pela polícia, a cura (pr~curada pelas classes desfavorecidas da sociedade como medicinaalternativa) não resistiu à inevitável opressão, cujo arrefecimento só ocorreu à proporção emque os curadores adotaram um estratagema.

Eles projetaram sobre amina o sonho de uma relativa vida à luz do sol. E, numa terraque já se acostumava a "dormirao som dos tambores", as "Casasde Cura" (ansiosas por um poucode paz e liberdade) resolverammascarar-se de Tambor de Mina,para ludibriar as forças da repressao.

Com efeito, acelerou-seo processo de fusão da mina coma pajelança. E notórios curadores --.- ou pajés --- a partirdaí, passaram a comportar-se comoautênticos "mineiros". Na verdade, eles só queriam uma coisa:ver-se livres, ainda que parcialmente, dos assédios da polícia.E, por conta da perseguição PQlicial, os curadores foram obrigados a substituir o pandeiro eo maracá inicialmente por palmas(menos ruidosas, poderiam difi

cul tar o faro da pO.L-,-~~a)e d~pois, como disfarce, adotaram omesmo ritua] dos chamados "mineiros".

Naqueles tempos ,enquantoa Igreja Católica associava asreligiões de possessão (a minae a pajelança)à demonolatria, amedicina convencional acusava acura de charlatanismo --- um p~sado estigma que sobrevive atéhoje.

Graves eram os problemasacarretados pela repressão aosterreiros, a ponto de se criarum clima de apreensão na comunidade. Entretanto, logo após a PrQclamação da República 3,apareceu,a nível de governo, alguém quese sensibilizou diante da v í.o Lên

cia desfechada contra os "mirreiros" e, principalmente, os cur~dores. O primeiro governador prQvisório do Maranhão, Pedro Augu~to Tavares Júnior ,baixou, em 23de dezembro de 1889, um decretoque proclamava a liberdade de culto e suspendia todos e quaisquerpagamentos à Igreja Católica.

Este decreto, ainda quese coadunasse com a atmosferacriada pelo positivismo, não m~receu a acolhida do Governo Cen

3 Mário Meireles. História do Maranhão. são Luís, Ed. Dasp, 1960, pág.298.

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tral,dadas as pressões da Igreja,e Tavares Júnior,ressentido coma revogação do referido ato, r~nunciou ao cargo, permanecendoos terreiros sob as regras da r~pressao.

A memória dos pais emães-de-santo de são Luís regi~tra até hoje, com riqueza de detalhes,toda a perseguição a queas casas de culto estavam submetidas. Lembra-se sempre, com i~sistência e constrangimento, oepisódio do terreiro de Nhá Rosa,no Codozinho. Ela estava realizando um trabalho de cura quandoa pOlícia, comandada por FlávioBezerra, invadiu sua residência,aos pontapés, levando preso o m~rido da religiosa. Ao despertarna cadeia, o esposo da curadeira,que também era médium, sofreu umataque cardíaco e morreu -- NháRosa, angustiada, fechou o seuterreiro para sempre.

Não obstante os vexamese decepções,ainda hoje há muitashistórias de terreiros que conseguiam,por meio de seus poderes,neutralizar a açao da polícia.são histórias de tropas de miLi.ci.aque passavam a noite a pr~cura de casas de cura e 1 ao se

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aproximarem destas, acabavam seperdendo nas espessas matas. Nemmesmo Flávio Bezerra, o chefe depolícia que mais importunou teEreiros em são Luís, isto no g~verno Paulo Ramos, escapou dasmirongas dos espertos pais -de-santo,que faziam com que muitosde seus soldados dormissem a noite inteira no salão, quando naochegavam até mesmo a dançar.

Em contrapartida, numa.época em que já se evidenciava aconjugação da mina com a paj~lança no Maranhão, a "mesa branca" (espiritismo) ainda mantinha-se distante dos terreiros. E,concebida como integrante de um"plano superior",usufruía de umcerto privilégio e até mesmo dacondescendência da classe dominante.

o historiador Carlos deLima4revela, por exemplo, que o"Dr. Tarquínio Lopes Filho, cirurgião de fama e moço de esmerada educação, kardecista convicto, não operava sem consul taro espírito do pai, também cirurgião" .

Até então, entendia-secomo incompatível a aproximaçãoentre o tambor de mina e a "mesa

Carlos de Lima. História do Haranhão. S2.0 LuI s , 1981, pág.197.

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branca", uma vez que estavam emplanos diferentes. Aliás, curí.osa

,mente, a concepção predominanteentre os chefes de terreiros,ainda hoje, indica que a cura e

a "linha de baixo" com seuscaboclos bravos; a mina, a "linha do meio" -- com seus vodunsimponentes; e o espiritismo (ouastral), a "linha de cima" comseus espíritos de luz.

Urna caixeira antiga, de78 anos de idade, que desde criança participa das festas do Divino nos terreiros de são Luís,informou que "antigamente eratudo separado: mina era mina,cura era cura e astral era astral".

Mas, com o decorrer dotempo, as "linhas" dos cultos depossessao começaram a se cruzar,constituindo hoje um quadro co~plexo em que fica difícil analisar separadamente elementos, outrora nítidos,que hoje quase seconfundem entre si.

A esta altura, e impo~tante frisar que os terreiros demina não estavam, de maneira alguma, isentos do cerco da polícia.Ocorre porém, que a cura cometiadois graves pecados: acolhia a

possessao (como a mina), recaindosobre si a ira da Igreja, e t~bém arvorava-se a capacidade deextirpar doenças, numa "a frorrt.ana medicina convencional.

Daí, o preço que a curapagava: uma desenfreada perseguição policial,que só se moderavaum pouco ao voltar-se para as c~sas de mina. Portanto, ainda quea repressão se abatesse pr i.ncí

palmente sobre as casas de cura,não se pode negar, de maneiraalguma, a perseguição sobre ostambores de mina em seu inevitável choque com os demais segme~tos da sociedade.

A intolerãncia da classedominante da epoca, orgulhosados valores que lhe asseguravamo prêmio de "Atenas Brasileira",refreava-se um tanto somentediante das Casas das Minas e deNagô, que haviam se implantadoonde até hoje estão: em plenocentro da cidade de são Luís. Mesmo assim,a Casa das Minas 5, considerada o terreiro mais antigodo Maranhão, defrontou-se com aofensiva de Flávio Bezerra, quequisera obrigá-la a transferir-se para longe do centro urbanode são Luís -- mas a arbitrariedade não vingou, graças à inter

-5 Sérgio Figueiredo Ferretti. Querebentam de Zomadonu. Natal, 1983, pago 55-56.

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venção do governante da época.

Austera e fechada, a Casa das Minas colecionara, aolongo do tempo, uma sucessão dedirigentes, fervorosamente cons~gradas ao culto jêje. Velhas r~traídas e ciosas de seus mistérios, elas guard~ram, por muitotempo, o Querebentam longe dacuriosidade pública, até a decisiva ascensão de Mãe Andresa,hoje símbolo da religião africanano Maranhão.

Durante aproximadamentequarenta anos, Mãe Andresa imprimiu a chefia da Casa das Minas uma marcante atuação, que aelevaria ao conceito de ser amãe-de-sant.o mais famosa do Maranhão. E, em vista do valor de

.sua figura histórica, Mãe Andresa -- celebrizada pelo livrode Nunes Pereira "A Casa das Minas", e por outras obras de estudiosos nacionais e estranqe í

ros -- converteu-se em um referencial de todo o culto afro-maranhense.

Efetivamente, aludir aouniverso afro-religioso do Maranhão remete à figura da afamadaMãe Andresa, cuja morte deu-seem abril de 1954. Por Lssc . euma personagem de relevo do romance "Os Tambores de são Luis" r

de Josué Montello, e uma musa de

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composi tores populares, que aimortalizaram em sambas-enredode agremiações carnavalescas eoutras cançoes que fazem referência ao culto de raízes africanas praticado em nosso Estado.

Tamanha é a formalidadedo culto da Casa das Minas que,no levantamento de campo efetivado em cerca de cem casas deculto, ainda não se identificounenhum terreiro oriundo de pe~soas egressas da tradicional C~sa de Jêje. Em contrapartida, sãovários os terreiros cujos dirigentes,de alguma forma, pa ssarampela Casa de Nagõ, que ainda hoje exercem uma influência considerável sobre as demais casas deculto.

No curso de sua história,a Casa de Nagõ enfrentou gravescrises, provocadas por desente~dimentos entre as dançantes, dasquais algumas afastaram-se da C~sa definitivamente. Nhá MariaCristina, do Terreiro do Justino,assim como Vó Severa, da CasaGrande, por exemplo, egressas daCasa de Nagõ,partiram para abrirseu próprio espaço, respectiv~mente no Bacanga e Monte Castelo,por volta do início do século.

Mãe Alta, uma conhecidafilha da Casa de Nagõ, começouentão a organizar em sua própria

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.residência, no Turu, festas dedevoção à Santa Bárbara e SantaRosa de Lima, passando depois atambém orientar pessoas que e~travam em transe --- como foi ocaso de Francisco de Oliveira ,preparado para depois fundar a"Tenda do Caboclo Roxo", na Brasília do Anil.

D. Noêmia Fragoso, pr~parada por Cota do Barão,tambémera da linha Nagô, segundo assegurou a sua própria filha, D.Joana Batista,que assumira a direçao do terreiro com a mortede sua mãe, em 1941. ClarindaSantos, depois de cair (entrarem transe pela primeira vez) naCasa de Nagô, em 1911, na gestãode Mãe Joaninha, estruturou seupróprio terreiro (denominado"Viva Rei de Nagô"), seguindo oritual que já comportava, a estaaitura, a maioria dos tamboresde mina no Maranhão.

Com efeito, verifica-sena maioria dos terreiros conSlderados de mina, espalhados porsão Luís, traços mui to fortes daCasa de Nagô,quer nas doutrinas,nas entidades, nas obrigaçôes,enfim, a Casa hoje dirigida porMãe Dudu e preponderantementeinfluenciadora no universo reli

gioso afro-maranhense enquanto nenhum chefe de terreirodeclara-se vinculado ao cultojêje da Casa das Minas.

Mesmo no século XIX, acapital maranhense,turbulenta epreconceituosa,já abrigava (alémdas Casas Matrizes) outros eminentes terreiros de mina, cujoscaracteres rituais deferiam umpouco entre si. Entre estes, sobressaíam o Terreiro do Egito,de Mãe Maria Pia; do Justino, deMãe Cristina e da Turquia (f~dado por Mãe Anastácia logo noano seguinte à Abolição da Escravatura), dos quais somente esteúltimo sobrevive até hoje,emboraprecariamente.

Em sua caminhada histórica,o movimento afro-religiosodo Maranhão experimentava, jános anos 50, fortes influênciasque lhe conduziam a uma propre~siva mudança de configuração. Osterreiros multiplicavam-se e novos pais e mães-de-santo criavamo seu próprio espaço num cultoque, a esta altura, acolhia as maisdiversas influências.

Efetivamente,a Mina,poresta época, já não era ma i s amesma. zé Negreiros e MundicaTainha --- duas figuras temidas

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e respeitadas --- atingiram oauge de suas façanhas. Repentinamente,morria o líder da Oposição COligada,vice-governador s~turnino Belo 6, em meio a umaacirrada disputa pelo Governo doEstado.E,pela cidade, difundiam-se os rumores de que "o Tamborde Mina estaria sendo utilizadopelos governantes contra seusadversários".

Exótica, Mundica Tainhapopularizou-se como uma mãe-de-santo singularmente vaidosa (ex~gerava em requintados trajes ejóias abundantes), que seduzia atodos por sua maneira simpáticae envolvente de tratar as pessoas.E, ao lado disto, ela exerceu,até o dia de sua morte, uma incrível capacidade de contornaros problemas daqueles que a pr~curavam. Da mesma forma, zé Negreiros, falecido em outubro de1983, transformou-se num famosopai-de-santo que, por seus numerosos amigos e filhos de santo,usufruía de muito prestígio nacomunidade.

A esta altura, os cultosde possessão entrelaçavam-se deforma considerável, criando ascondições para que a Umbanda,surgida no Sul do País, fosse im

plantada também no Maranhão.

Inspirado por pais-de-santo do Rio de Janeiro, JoséCupertino, considerado o introdutor da Umbanda no territóriomaranhense, partiu para estrut~rar, em 1962,a primeira entidaderepresentativa dos terreiros: aFederação de Umbanda e CultosAfro-Brasileiros do Maranhão.

Atuando como um catalizador neste processo evolutivo,Cupertino adquiriu uma fama e PQpularidade extraordinária. Cons~guiu eleger-se vereador por qu~tro mandatos consecutivos e, v~lendo-se de sua fama como pai-de-santo e de seu prestígio como homem público, tentou organizar a Umbanda no Maranhão e, noinício dos anos 60,começou a levar os terreiros para as praiasde são Luís,rendendo homenagensa Iemanjá, por ocasião da pa~sagem do ano.

Desastrosamente, ao trocar de partido político, saindoda Oposição para a legenda gove!.nista r Cupertino perdeu a eleiçãode 1982. Já gravemente adoentado, veio a falecer no dia 24 dejulho de 1984, encerrando-se, assim, a trajetória da figura quemais se notabilizou no entremeio

6 História do Maranhão.Mário Meireles.Ed.Dasp.1960, pág.358.

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de dois distintos momentos históricos, assinalado pelo avançoda Umbanda emergente sobre o T~bor de Mina tradicional. Ou, então, pe la pa ssagem da dura repressao para uma relativa tranqUilidade.

À medida que a Umbandase impunha, e principiava a seconsolidar nos terreiros de sãoLuis, uma série de apreensoeseram feitas em torno de seusefeitos numa terra até então caracterizada pelo Tambor de Mina,em termos de religião popular.Receiosos e constrangidos ,os te!.reiros de mina começaram a rep~lir as inovações introduzidas p~los chefes de terreiros "feitosatravés de livros,sem que tive~sem sequer pai ou mãe-de-santo".Por isso recusavam-se a ir paraas praias, na festa dedicada àIemanjá, como também criticavama crescente absorção de elementosalheios ao culto.

Na verdade, a Umbanda pr~vocou uma expressiva reviravoltano quadro dos valores do cultooriginal,acelerando todo um prQcesso de mudanças na estruturae no comportamento das "linhas"existentes (o Tambor de Mina, aCura e a "Mesa Branca") no esforço de torná-las uma coisa SOe

E"o lento processo de con

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jugação entre si de elementos especificos da Mina, Pajelança eEspiri tismo encontrou-se com adifusão da Umbanda,rompendo, a~sim, as formalidades do cultotradicional. A isto, acrescentou-se o delineamento das divergê!!.cias entre os terreiros da nova"linha" e as casas de maior vinculo com a tradição.

De fato, o confronto entre o,Tambor de Mina e a Umbanda --- fenômeno da história recente da religiosidade populardo Maranhão --- evidencia-se,sem muito esforço de pesquisa, apartir da costumeira troca decriticas e acusações entre "mineiros" e umbandistas, de certomodo intensificando as velhas rivalidades havidas entre os terreiros.

Enquanto os "mineiros"atacam a "falta de fundamentos"dos umbandistas,estes acusam os"mineiros" de utilizarem e~0mentos de fachada para mascara:r:suaidentidade.

Convencido de que a U!!!banda é a religião efetivamentebrasileira, o pai-de-santo JoséRibamar Castro fundou, em 1976,o TOUEM:~ --- Tribunal de OgumUmbandista do Estado do Maranhão,para, segundo afirma, favorecera organização dos umb and i stas ,

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uma vez que o projeto da Federaçao de Cultos estaria fadado aoLnsuce s sc .

poy'meio do processo dedifusão da Umbanda, paralelo aremoçao de barreiras impostaspela classe dominante, os terreiros de são Luís passaram aser cortejados pelo poder. Gove~nadures, prefeitos e outros membros do esquema de poder politico começaram a ver nas casasde culto a perspectiva de transformá-las em redutos eleitorais.

Mediante sua aproximaçãocom o poder,provavelmente a pa~tir do governo de Newton Bello(1961 - 1965), os terreiros viam-se diante de uma nova situação:o Governo e a sociedade em geral,embora ainda preconceituosos, a~sumiam uma postura mais transigente.

Com esta nova atmosfera,alguns chefes de terreiros decidiam-se então a exibir-se comseus filhos-de-santo em praça p~blica e até mesmo em espetáculospara turistas em hotéis de categoria. A Administração PúblicaMunicipal, por sua vez, construiua "Praça de Iemanjá" na praia daPonta D'Areia, para os festejosdo fim do ano, e, muito recentemente',pfomoveu a "Procissão dosOrixás" (reunindo num concorrido,

desfile diversos pais e mães-de-santo) por ocasião do an iversàr;ode fundação da cidade de sãoLuís.

Tentados a usufruir doespaço que lhes foi aberto, te~reiros de são Luís, ainda hojeobrigados a pedir licença ou a!vará na Delegacia de Costumes,mantêm-se sob o influxo da vertiginosa expansão da Umbanda, e,!!volvendo até mesmo as Casas tradicionais.

REFERENCIAS BIBLIOGRÂFICASBARRETO,Maria Amália Pereira.Os

Voduns do Maranhão - FUNC. doMaranhão. Gráfica Olímpio Ed.Ltda. 1977.

FERRETTI,Sérgio Figueiredo. Querebentam de Zomadonu. Natal~1983. pág. 55 - 56.

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MEIRELES,Mário Martins.Históriado Maranhão.São Luís,Ed.Dasp.1960, pág. 298.

MONTELLO, Josué. Os Tambores desão Luís. Rio de Janeiro. Ed.José Olímpio. 1976.

NUNES PEREIRA, Manoel. Casa dasMinas. Ed. Petrópolis.1947.

ENDERECO DO AUTORMARIA DO ROSÁRIO CARVALHO SANTOSAvenida 3, Casa 61, Coheb do SacavemTel: 223-431765.000 - SÃO LuíS-MA.

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