Apoio Didático · 2019-02-22 · Material de Apoio Didático – Teoria dos Direitos Fundamentais...

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Material de Apoio Didático Teoria dos Direitos Fundamentais fevereiro de 2019 Professor Jairo Gilberto Schäfer e-mail: [email protected] “GARRA: uma combinação única de paixão e determinação, a capacidade de perseverar e produzir resultados além do puro talento, da sorte ou das eventuais derrotas. A disponibilidade de se comprometer de fato com os objetivos. Esse é o segredo do sucesso” (Angela Duckworth. Garra. O poder da paixão e da perseverança. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2016. TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Apoio Didático Professor Jairo Gilberto Schäfer

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Material de Apoio Didático – Teoria dos Direitos Fundamentais – fevereiro de 2019

Professor Jairo Gilberto Schäfer

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“GARRA: uma combinação única de paixão e

determinação, a capacidade de perseverar e produzir

resultados além do puro talento, da sorte ou das

eventuais derrotas. A disponibilidade de se

comprometer de fato com os objetivos. Esse é o segredo

do sucesso” (Angela Duckworth. Garra. O poder da

paixão e da perseverança. Rio de Janeiro: Intrínseca,

2016.

TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Apoio Didático

Professor

Jairo

Gilberto

Schäfer

Material de Apoio Didático – Teoria dos Direitos Fundamentais – fevereiro de 2019

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ÍNDICE

Introdução.

1. Direitos e garantias fundamentais. 1.1 Conceito de direitos fundamentais. 1.2 A

estrutura das normas de direito fundamental: regras e princípios constitucionais. 1.3

Abertura constitucional dos Direitos Fundamentais. 1.4 Direitos Individuais, direitos

coletivos e direitos difusos: diferenças. 1.5 Classificação dos direitos fundamentais. 1.6 A

distinção entre direitos e garantias. Os remédios constitucionais. 1.7 Restrições a direitos

fundamentais. 1.8 A eficácia das normas definidores dos direitos e garantias

fundamentais. 1.9 Conteúdo essencial dos direitos fundamentais. 1.10. Regime Específico

dos Direitos Fundamentais Prestacionais. 1.10.1 Diferenças estruturais entre o direito de

defesa e o direito a prestação. 1.10.2 Direitos a prestação em sentido estrito. 1.10.3 Regime

jurídico específico dos direitos econômicos, sociais e culturais e o princípio da

universalidade dos direitos fundamentais. 1.10.4 Princípio da Reserva do possível. 1.10.4

Princípio do não retorno da concretização. 1.10.5 Algumas estratégias quanto à eficácia

concreta dos direitos fundamentais prestacionais.

2. Deslocamento de competência em matéria de direitos humanos.

INTRODUÇÃO

A presente apostila tem o objetivo de oferecer um material de trabalho efetivo ao

estudante acerca do tema Teoria dos Direitos Fundamentais. Neste sentido, buscou-se,

junto à bibliografia especializada e à jurisprudência (STF, STJ), elementos que

auxiliassem de forma bastante prática acerca do tema.

I - DIREITOS FUNDAMENTAIS

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1.1 Conceito de direitos fundamentais.

Os direitos fundamentais em sentido formal podem ser identificados como aquelas posições

jurídicas da pessoa humana – em suas diversas dimensões (individual, coletiva ou social) – que, por

decisão expressa do legislador constituinte, foram consagradas no catálogo dos direitos fundamentais.

Direitos fundamentais em sentido material são aqueles que, apesar de se encontrarem fora do catálogo,

por seu conteúdo e por sua importância, podem ser equiparados aos direitos formalmente (e

materialmente) fundamentais.

O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a constitucionalidade da Emenda Constitucional nº

3/93 e da Lei Complementar nº 77/93, no que se refere à criação do IPMF (Imposto Provisório sobre

Movimentação Financeira), reconheceu a possibilidade de existência de um direito fundamental que

não se encontre relacionado no catálogo do Título II da Constituição Federal, adotando um critério

material na sua conceituação:

EMENTA: - Direito Constitucional e Tributário.

Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto

Provisório sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza

Financeira - I.P.M.F. Artigos 5., par. 2., 60, par. 4., incisos I e IV, 150, incisos III, "b", e VI, "a", "b", "c" e

"d", da Constituição Federal.

1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação à

Constituição originária, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função

precípua é de guarda da Constituição (art. 102, I, "a", da C.F.).

2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F.,

incidiu em vicio de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2. desse dispositivo, que, quanto a tal

tributo, não se aplica "o art. 150, III, "b" e VI", da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes

princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros):

1. - o principio da anterioridade, que é garantia individual do contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par.

4., inciso IV e art. 150, III, "b" da Constituição);

2. - o principio da imunidade tributaria reciproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal

e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que e

garantia da Federação (art. 60, par. 4., inciso I, e art. 150, VI, "a", da C.F.);

3. - a norma que, estabelecendo outras imunidades impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre:

"b"): templos de qualquer culto; "c"): patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas

fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social,

sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e "d"): livros, jornais, periódicos e o papel destinado a

sua impressão;

3. Em conseqüência, e inconstitucional, também, a Lei Complementar n. 77, de 13.07.1993, sem redução de

textos, nos pontos em que determinou a incidência do tributo no mesmo ano (art. 28) e deixou de

reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, "a", "b", "c" e "d" da C.F. (arts. 3., 4. e 8. do mesmo

diploma, L.C. n. 77/93).

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4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos termos

do voto do Relator, mantida, com relação a todos os contribuintes, em caráter definitivo, a medida cautelar,

que suspendera a cobrança do tributo no ano de 1993. ADIN-939/DF AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE. Relator Ministro SYDNEY SANCHES. Publicação DJ DATA-18-03-94

P. 05165 EMENT VOL-01737-02 P. 00160. Julgamento 5/12/1993 - TRIBUNAL PLENO.

Em outra oportunidade, este entendimento da Suprema Corte foi reiterado, em acórdão assim

ementado:

Tributo. Relação Jurídica Estado/Contribuinte – Pedra de toque. No

embate diário Estado/Contribuinte, a Carta Política da República exsurge com

insuplantável valia, no que, em prol do segundo, impõe parâmetros a serem

respeitados pelo primeiro. Dentre as garantias constitucionais explícitas, e a

constatação não exclui o reconhecimento de outras decorrentes do próprio

sistema adotado, exsurge a de que somente à lei complementar cabe ‘a

definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos

discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de

cálculo e contribuintes’ – alínea ‘a’ do inciso III do artigo 146 do Diploma

Maior de 1988.” (Recurso Extraordinário nº 172058-1, SC, Relator Ministro

Marco Aurélio, DJ. 13.10.95, Ementário nº 1804-8 – sem grifos no original)

1.2 A estrutura das normas de direito fundamental: regras e princípios constitucionais.

A compreensão da Constituição enquanto sistema pressupõe a existência de um conjunto

interligado e harmônico de disposições que tem por objetivo a efetivação de opções políticas

fundamentais de uma sociedade. Neste diapasão, a Constituição apresenta uma inequívoca dupla

natureza. Por um lado, é um documento político, traduzindo o resultado das contradições democráticas

de um determinado momento histórico; de outro, a Constituição é um instrumento jurídico, uma vez

que suas disposições são veiculadas através de normas jurídicas (: comandos de dever ser).

A Constituição é concebida como conjunto sistêmico de normas jurídicas, as quais, por sua vez,

são subdivididas em princípios e regras. Para DWORKIN1, uma diferença fundamental entre regras e

1 A pesquisa embasou-se em duas traduções da obra Taking rights seriously, de Ronald Dworkin. A primeira, uma tradução

espanhola efetuada por Marta Guastavino (Los derechos em serio. Barcelona: Ariel Derecho, 1999); a segunda, efetivada

por Nelson Boeira, em recente edição brasileira (Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002). O segundo

capítulo da obra, essencial à compreensão do pensamento do autor no que se refere à dicotomia princípios/regras, trilhou

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princípios é a dimensão de peso ou de importância que, existente nos princípios, falta nas regras2.

Assim, as regras são aplicáveis à maneira de tudo ou nada: ou seus pressupostos encontram-se

presentes, situação que determina a obediência à regra, ou seus pressupostos estão ausentes, ensejando

a não aplicação da regra. Na hipótese de haver um conflito entre regras, uma delas deve ser afastada,

pois não pode haver duas normas válidas regulando a mesma situação. A decisão sobre qual norma

deve ser afastada decorre da adoção, pelo sistema, de instrumentos de resolução de conflitos aparentes

de normas, como o princípio da especialidade, por exemplo3.

Em DWORKIN, regra e princípio jurídico têm em comum o caráter de generalidade, decorrendo

que um princípio jurídico não é senão uma regra jurídica particularmente importante, em virtude das

conseqüências práticas que dele decorrem. Porém, entre ambos não há apenas uma diferenciação de

importância; mais do que isso: uma diferença de natureza. E isso porque a generalidade da regra

jurídica é diversa da generalidade de um princípio jurídico. A regra regula uma situação específica e

delimitada em seu corpo; o princípio, ao contrário, é geral por comportar uma série indefinida de

aplicações.

No direito alemão, ALEXY estabelece que tanto as regras como os princípios são normas

jurídicas, porque ambos dizem o que deve ser, ou seja, são razões para juízos concretos de dever ser,

formuladas com a ajuda das expressões deônticas fundamentais, como mandamento, permissão e

proibição4. Podem ser encontrados diversos critérios para a distinção entre regras e princípios, dentre os

quais avulta o da generalidade, segundo o qual os princípios são normas de um grau de generalidade

relativamente alto, enquanto que as regras são normas com baixo grau de generalidade. Assim, a

diferenciação entre princípios e regras deve ser buscada diretamente no comando normativo: os

princípios não têm preocupação ou vinculação com a concretude da relação jurídica, determinando seu

grau de generalidade uma aplicabilidade mais difusa; as regras, ao contrário, possuem uma vocação

ligada à regulamentação concreta e específica das relações jurídicas, afastando a generalidade de seus

comandos.

caminhos distintos nas duas traduções. Na versão espanhola, o título do segundo capítulo foi traduzido para “El modelo de

las normas”. Na edição para o português, o título foi traduzido para “O modelo de regras”. Esta diferenciação foi mantida

pelas respectivas edições no corpo do trabalho. A melhor tradução, coerente com o contexto da obra original do autor,

parece ser aquela escolhida pela edição brasileira, uma vez que não nega Dworkin a juridicidade dos princípios, que,

portanto, também são normas jurídicas, podendo fundamentar um juízo decisório no caso concreto.

2 DWORKIN, Ronald. Los derechos em serio. 2. ed. Barcelona: Ariel, 1989, p. cit., 1989, p. 77.

3 DWORKIN, Ronald. op. cit., 1989, p. 78.

4 ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios constitucionales, 2002, p. 83.

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Para ALEXY, os princípios são mandados de otimização, que estão caracterizados pelo fato de

que podem ser cumpridos em diferentes graus e que a medida devida de seu cumprimento não somente

depende das possibilidades reais senão também das jurídicas: os princípios ordenam que algo deva ser

realizado na maior medida possível, não contendo mandados definitivos senão somente prima facie. As

regras, por seu turno, são normas que somente podem ser cumpridas ou não, pois a aplicabilidade de

uma regra somente pode ser afastada pelo critério da invalidade, pois elas contêm determinações

possíveis de serem cumpridas, no âmbito do fato e no âmbito jurídico, traduzindo uma razão

definitiva5.

Esta distinção proposta, ainda segundo ALEXY, fica evidente quando da solução dos conflitos

de princípios e dos conflitos de regras: os conflitos de regras solucionam-se adequadamente quando

inserida em uma das regras uma cláusula de exceção que elimine o conflito. Se uma semelhante solução

não for possível, pelo menos uma das regras deve ser declarada inválida, com sua conseqüente

eliminação do mundo jurídico, critério que não é graduável, pois ou uma norma vale ou não vale

juridicamente, sendo irrelevantes apreciações quanto a sua validez social ou importância no interior do

ordenamento jurídico6, aplicando-se, nesta hipótese, os preceitos conhecidos para a solução de conflitos

de normas, como a lex posterior derogato legis prior e lex especialis derogato legi generali.

Diferentemente é a solução que se deve atribuir ao conflito de princípios, o qual não se

estabelece no plano da validez (conflito de regras), mas na dimensão do peso. Ou seja, quando dois

princípios jurídicos entram em colisão irreversível, um deles obrigatoriamente tem que ceder diante do

outro, o que, porém, não significa que haja a necessidade de ser declarada a invalidade de um dos

princípios, senão que sob determinadas condições um princípio tem mais peso ou importância do que

outro e em outras circunstâncias poderá suceder o inverso7.

Nesse sistema, embora a estreita vinculação (o cumprimento gradual dos princípios tem o seu

equivalente na realização gradual dos valores), diferenciam-se, ainda, os princípios dos valores. O que

no modelo dos valores é prima facie o melhor é, no modelo dos princípios, prima facie devido; aquilo

que no modelo dos valores é definitivamente o melhor, no modelo dos princípios é o definitivamente

devido. A diferença, pois, entre valores e princípios é, tão-somente, em virtude de seu caráter

deontológico (princípios) e axiológico (valores).

5 ALEXY, Robert. op. cit., 2002, p. 86/87.

6ALEXY, Robert. op. cit., 2002, p. 88.

7 ALEXY, Robert. op. cit., 2002, p. 89.

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Relativamente aos princípios, ao contrário, em virtude da dimensão de peso que lhes é inerente,

a decisão que afastar determinado princípio em uma determinada situação não implica identificá-lo

como ‘inválido’, mas, simplesmente, a conclusão sobre a maior importância de um determinado

princípio naquele caso concreto, situação que poderá não se repetir em situações futuras: a ponderação

entre todos os princípios envolvidos, com a eleição daquele com maior peso na situação específica.

Entre nós, esta estrutura normativa é compartilhada por GOMES CANOTILHO8, para quem é

necessária uma clarificação tipológica da estrutura normativa em virtude da multifuncionalidade das

normas constitucionais, efetuando-se claramente a distinção entre regras e princípios, dentro do

conceito de norma jurídica.

Não obstante a indiscutível utilidade para a teoria constitucional, nomeadamente para os direitos

fundamentais, a concepção principiológica (: sistema de princípios e regras) deve sofrer algumas

adaptações à complexidade crescente da sociedade moderna. Com efeito, em uma sociedade pluralista e

democrática, as relações intersubjetivas caracterizam-se pela elevada complexidade (culminando na

crise do Estado e da Constituição), exigindo soluções criativas e que tenha por objetivo último a

compatibilização entre os diversos interesses litigiosos.

Nesse sentido, a solução de eventuais conflitos entre direitos constitucionais deve ser buscada

cada vez mais na conciliação (: ponderação) dos diversos valores litigiosos, numa visão de inclusão dos

direitos ao sistema constitucional, substituindo-se a solução do “tudo ou nada”, a qual implica

absolutização e exclusão de direitos, pela técnica da ponderação no caso concreto. Mostrando-se

adequada a solução do conflito entre regras jurídicas infraconstitucionais no campo da validade, a

mesma sistemática revelou-se totalmente insuficiente ante as diferentes e complexas funções

desempenhadas pela Constituição.

Supera-se, assim, um importante critério de diferenciação entre princípios e regras

constitucionais apontado pela doutrina: a forma de solução dos conflitos. Não se pode admitir que o

conflito entre duas regras constitucionais seja sempre resolvido no campo da validade, com a necessária

exclusão de uma das regras conflituosas do sistema jurídico constitucional (tudo ou nada). Este tipo de

raciocínio acaba por multiplicar os conflitos sociais. À semelhança do conflito entre princípios, também

a superação de antinomias entre regras constitucionais deve levar em conta a necessária ponderação

concreta entre os valores litigiosos, privilegiando-se a função promocional do direito na sociedade

democrática.

A ponderação, enquanto técnica adequada de superação de conflitos entre normas jurídicas,

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deve presidir a aplicação das normas constitucionais, tendo-se por objetivo a obtenção de uma

concordância prática entre os vários bens e direitos protegidos jurídico-constitucionalmente,

independentemente de serem veiculados através de princípios ou através de regras.

A idéia de ponderação surge sempre que houver a necessidade de escolher-se o direito adequado

à solução de uma situação conflituosa entre bens constitucionalmente protegidos: os direitos

fundamentais, em virtude da característica preponderante de interligação sistêmica, não raras vezes,

entram em rota de colisão inevitável, percebendo-se que a fruição de uma posição jurídica acaba por

invadir outra posição jurídica ou influenciar, negativa ou positivamente, a carga de eficácia de direitos

individuais e/ou coletivos.

A Suprema Corte brasileira, em importante decisão9, enfrentou a delicada questão do conflito

entre direitos constitucionais, decidindo ser a ponderação concreta entre os bens constitucionalmente

protegidos meio adequado à superação da antinomia. Cuidava-se de um rumoroso processo de

extradição de uma nacional mexicana, que engravidou na carceragem da Polícia Federal brasileira

enquanto aguardava o julgamento de seu processo de extradição. Segundo versão apresentada pela

extraditanda, a gravidez teria sido fruto de violência sexual praticada por agentes policiais responsáveis

por sua guarda. Por ordem judicial, quando do nascimento da criança a Polícia Federal apreendeu parte

da placenta da mãe, com o objetivo de efetuar exames de DNA para elucidar a paternidade da criança.

Não se conformando com esta medida, ingressou a extraditanda com recurso ao Supremo Tribunal

Federal, argumentando prevalência de seu direito à intimidade.

No julgamento, o Tribunal efetuou a ponderação dos valores constitucionais contrapostos, quais

sejam, o direito à intimidade e à vida privada da extraditanda, e o direito à honra e à imagem dos

servidores e da Polícia Federal como instituição, afirmando a prevalência do esclarecimento da verdade

quanto à participação dos policiais federais na alegada violência sexual.

Esta decisão paradigmática da jurisprudência constitucional brasileira manejou adequadamente

o caráter principiológico dos direitos fundamentais. Assentou, primeiro, a) que os conflitos entre

direitos fundamentais devem ser resolvidos no campo do peso, no caso concreto. Isso significa adotar

uma visão sistemática da Constituição. Em segundo lugar, b) utilizou a ponderação como método de

superação de antinomias constitucionais, fazendo prevalecer, no caso em julgamento, o direito que,

sopesadas as circunstâncias elementares, melhor resolveu a questão constitucional. Com isso, atribui-se

uma solução racionalmente justificada, sem sacrificar-se o direito fundamental preterido, o qual,

8 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 6 ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 1033. 9 RCL 2.040-DF, Rel. Min. Néri da Silveira, julgado em 21.2.2002.

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permanecendo no sistema jurídico, poderá ser utilizado para o enfrentamento (: solução) de futuras

querelas constitucionais.

Importa ressaltar que a solução de conflito entre normas constitucionais, adotando-se a técnica

da ponderação dos valores, implica solução presidida pelas circunstâncias do caso concreto, não se

podendo, em conseqüência, estabelecer uma hierarquia abstrata entre os diversos direitos

constitucionalmente elencados, a qual, se aceita, conduziria à absolutização de alguns direitos em

detrimento de outros. Um princípio que teve sua prevalência determinada em um caso julgado pode

ceder esta posição frente a outras circunstâncias, em outro processo10.

Diante disso, pode-se chegar à primeira conclusão: os conflitos entre direitos fundamentais

serão resolvidos no caso concreto, no campo do peso, mediante a ponderação entre os valores

constitucionais contrapostos, devendo prevalecer aquele que, naquelas circunstâncias, melhor resolver a

questão constitucional. Este método aplica-se tanto na solução de conflito entre princípios

constitucionais (P1 x P2) como na solução de conflito entre regras constitucionais (R1 x R2).

Essa idéia de solução das antinomias entre normas constitucionais pode tomar a seguinte forma:

N1 X N2 VN1 + VN2 + C

Po P Nx.

Onde:

10 Veja-se que os conflitos entre direitos constitucionais são frequentes na sociedade moderna. Como exemplo que se

encontra na comunicação social, pode ser citada a questão do sigilo da investigação policial, que se contrapõe, no caso

concreto, aos direitos dos arguidos (ampla defesa). De modo semelhante, a questão da prisão preventiva, em conflito

concreto com o direito à liberdade. A razoabilidade de tais medidas somente pode ser apurada no caso concreto, mediante a

ponderação dos direitos litigiosos, ponderação esta que necessariamente é presidida pelas circunstâncias que somente podem

se as do fato. A solução destes (e outros) conflitos mediante a aplicação do critério do tudo ou nada (campo da validade)

implicaria o aniquilamento total de alguns direitos frente a outros, o que não traduz solução democraticamente admissível.

Questões

envolvidas

Técnica de

resolução

Conflito

constitu-

cional

solução

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N1: primeira Norma Constitucional conflituosa (princípio ou regra);

N2: segunda Norma Constitucional conflituosa (princípio ou regra);

VN1: valor sistêmico da primeira Norma Constitucional conflituosa;

VN2: valor sistêmico da segunda Norma Constitucional conflituosa;

C: circunstâncias elementares do caso concreto;

Po: ponderação entre VN1, VN2 e C;

PNx: prevalência de uma das normas constitucionais, tendo-se em vista o resultado da

operação anterior (Po).

1.3 Abertura constitucional dos Direitos Fundamentais.

O art. 5, parágrafo 2º da Constituição Brasileira, exterioriza o entendimento segundo o qual,

além do conceito formal de direitos fundamentais, há um conceito material, no sentido de que existem

direitos que, por seu conteúdo, pertencem ao corpo fundamental da Constituição de um Estado,

mesmo não constando expressamente do catálogo. A textura aberta dos direitos fundamentais permite à

Constituição incorporar ao seu rol de direitos novos direitos fundamentais decorrentes da evolução da

consciência política e jurídica da sociedade.

Desta opção constitucional, decorre o desdobramento do conceito de direito fundamental. Os

direitos fundamentais em sentido formal podem ser identificados como aquelas posições jurídicas da

pessoa humana – em suas diversas dimensões (individual, coletiva ou social) – que, por decisão

expressa do legislador constituinte, foram consagradas no catálogo dos direitos fundamentais. Direitos

fundamentais em sentido material são aqueles que, apesar de se encontrarem fora do catálogo, por seu

conteúdo e por sua importância, podem ser equiparados aos direitos formalmente (e materialmente)

fundamentais.

Para JORGE MIRANDA11, a enumeração constitucional dos direitos fundamentais é aberta,

encontrando-se apta a ser completada por novos direitos além daqueles definidos ou especificados em

cada momento histórico. Segundo VIEIRA DE ANDRADE12, a idéia da abertura dos direitos

fundamentais resulta, por um lado, do fato de que nenhum catálogo formal de direitos pode ter a

11 A abertura constitucional a novos direitos fundamentais. In: Estudos em homenagem ao Professor Doutor Manuel gomes

da Silva. Edição da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Coimbra: Coimbra, 2001, p. 561. 12 Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 2. ed., Coimbra: Almedina, 2001, p. 66.

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pretensão de esgotar o conteúdo dos direitos fundamentais, sendo adequado supor-se, ainda, a

superveniência de gerações de novos direitos não previstos pelo Constituinte quando da elaboração do

catálogo formal dos direitos fundamentais, fator que confere malhabilidade protetiva ao Texto

Constitucional.

Uma concepção aberta dos direitos fundamentais, típica de um sistema democrático, impede o

engessamento dos métodos de concessão de direitos aos cidadãos, permitindo a incorporação dos

chamados “novos direitos”. Esta, a primeira conseqüência da adoção de um conceito material de direito

fundamental. A outra importante conseqüência repousa na aplicação do regime específico dos direitos,

liberdades e garantias a todos os direitos materialmente fundamentais, independentemente de constarem

do rol formal dos direitos fundamentais (direitos formalmente fundamentais).

Uma semelhante textura aberta dos direitos fundamentais exige adequada definição de seus

pressupostos de incidência, sob pena de se produzir um alargamento em desfavor dos direitos

fundamentais, conforme crítica de REBELO DE SOUSA13. Com efeito, consoante fundamentação que

se fará no momento oportuno, a convivência dos diversos direitos fundamentais implica relação de

respeito e harmonia, não sendo demais se afirmar que a inflação na concessão dos direitos introduz no

sistema, em maior ou menor grau, um conjunto de restrições aos demais direitos já consagrados pelo

Poder Constituinte, devendo ser empregada uma interpretação em favor dos direitos fundamentais.

Calha lembrar que a abertura constitucional dos direitos fundamentais é princípio elaborado para a

maximização da esfera de proteção desses direitos, e não para impor eventuais restrições aos direitos

consagrados no Texto Constitucional.

Uma importante controvérsia que surge refere-se à qualidade hierárquica das normas

internacionais que veiculam direitos fundamentais, incorporados ao catálogo por obra de sua abertura

constitucional. No caso brasileiro, o problema não encontrou a melhor solução por parte do Supremo

Tribunal Federal. O caso concreto refere-se à prisão do depositário infiel (meio coercitivo para obter-se

a restituição do depósito ou coerção processual destinada a obrigar o devedor a cumprir obrigação não

satisfeita), pois dúvidas surgiram quanto à admissibilidade de a Constituição prever essa possibilidade

de prisão14, uma vez que o Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos

Humanos, sendo no Brasil aprovada pelo Decreto Legislativo nº 27, de 1992 - DO de 28.5.1992, e

promulgada pelo Decreto nº 678, de 1992), em seu item nº sete do artigo sétimo - direito à liberdade

pessoal -, determina que ninguém deve ser detido por dívidas, consignando somente uma exceção: esse

13 Constituição da República Portuguesa Comentada, p. 93. 14 Art. 5º, inciso LXVII, Constituição Federal brasileira: “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo

inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;” (sem grifos no original).

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princípio não limita os mandamentos de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de

inadimplemento de obrigação alimentar.

O Supremo Tribunal Federal, ao enfrentar a questão, decidiu pela admissibilidade desse

preceito constitucional, uma vez que os compromissos assumidos pelo Brasil em tratado internacional

de que seja parte não minimizam o conceito de soberania do Estado-povo na elaboração de sua

Constituição, sendo essa a razão invocada pela Suprema Corte para afirmar que o artigo 7º do Pacto de

São José, no que se refere à prisão por dívida, deve ser interpretado com as limitações impostas

pelo artigo 5º, LXVII, da Constituição15; em outra oportunidade16, o Supremo Tribunal Federal, por seu

então Presidente Ministro Celso de Mello, decidiu que a prisão civil do depositário infiel reveste-se de

plena legitimidade constitucional e não agride o Pacto de São José da Costa Rica, pois essa espécie de

prisão possui expressa previsão constitucional, consagrando uma tradição republicana, que, iniciada

pela Constituição de 1934 (art. 113, n. 30), tem sido observada, com a só exceção da Carta de 1937,

pelos sucessivos documentos constitucionais brasileiros, sendo que a autoridade normativa da

Constituição não pode expor-se a mecanismos de limitação fixados em tratados internacionais, como é

o caso do Pacto de São José da Costa Rica. Semelhante pacto, na dicção do Ministro do Supremo

Tribunal Federal, qualifica-se como peça complementar no processo de tutela das liberdades públicas

fundamentais, situando-se dentro do sistema jurídico brasileiro como norma ordinária, ou seja,

legislação infra-constiticional, inexistindo qualquer precedência ou primazia hierárquico-normativa dos

tratados ou convenções internacionais sobre o direito positivo interno, sendo certo, de outro lado, que a

ordem normativa externa não se superpõe, em hipótese alguma, ao que prescreve a Constituição

Federal.

Essa tese, todavia, não parece ser a mais adequada, em virtude do disposto no artigo 5º,

parágrafo 2º, da Constituição Federal, de acordo com o qual são incorporados ao sistema de direitos e

garantias fundamentais os direitos previstos em tratados internacionais em que o Brasil seja parte,

situação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, exteriorizando a existência de um direito

materialmente fundamental com assento formal na Constituição. Em virtude dessa disposição

constitucional, a vedação constante no artigo 7º da mencionada Convenção, uma vez incorporada ao

15 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Rel. Min. Maurício Correa, HC 73044/SP; Publicação 20/09/96, p. 34534,

julgamento em 19/03/96, Segunda Turma.

16 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 252748/SP, Rel. Min. Celso de Mello (decisão

monocrática), julgamento em 02/09/99, publicado no Diário da Justiça de 30/09/99, p. 000035.

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direito interno, foi aglutinada pela própria Constituição, fazendo parte de seu corpo, com “status”

constitucional, derrogando todas as demais disposições da própria constituição em sentido contrário.

O maior equívoco no qual incorre a jurisprudência brasileira é considerar a autorização para

prisão do depositário infiel um direito fundamental. Na verdade, o direito fundamental em discussão é a

liberdade, sendo a possibilidade de prisão uma restrição constitucional a esse direito. O que se deve

discutir, portanto, é a possibilidade da restrição a um direito fundamental previsto em tratado

internacional. Não parece correta a conclusão a que chegou o Supremo Tribunal Federal no sentido de

que a primazia da Constituição, enquanto ato soberano, justifica qualificarem-se os tratados

internacionais enquanto normas dotadas de eficácia infraconstitucional, pelo simples fato de que a

decisão em assumir o compromisso internacional é, ela mesma, reflexo de exercício da soberania.

Somente a interpretação da Constituição, enquanto sistema aberto de princípios e regras, é que pode

solver este aparente conflito constitucional.

Com alteração da Constituição (§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos

humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos

votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda

Constitucional nº 45, de 2004), o Poder Constituinte Derivado claramente buscou superar esta

contraditória interpretação do Supremo Tribunal Federal. A questão que resta a ser enfrentada, ainda,

reporta-se à natureza dos tratados firmados pelo Brasil antes dessa alteração constitucional: são

recepcionados como equivalentes às emendas constitucionais (princípio da recepção constitucional) ou

continuam com a prerrogativa de lei ordinária. Nessa hipótese, todos os tratados nessas condições

deverão passar por esse novo procedimento qualificado perante o Congresso Nacional? Essas são

questões ainda sem uma resposta definitiva.

Uma outra questão, mais delicada, refere-se à admissibilidade dos direitos fundamentais não

escritos, decorrendo grandes questionamentos: qual o padrão de reconhecimento desta espécie de

direito fundamental? Qual a relação que estabelece entre estes direitos fundamentais (não escritos) e os

direitos fundamentais escritos (que podem ser deduzidos, por via de ato interpretativo, com base nos

direitos constantes no ‘catálogo’, bem como no regime e nos princípios fundamentais da Constituição)?

Ainda não se elaboraram respostas satisfatórias a estas questões, mas o caminho a ser trilhado

passa pela compreensão da Constituição enquanto sistema normativo, no qual o “descobrimento” de

novos direitos implícitos deve ter uma função meramente de complementação dos direitos

fundamentais escritos, sempre se tendo por paradigma a proteção da dignidade da pessoa humana.

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Trata-se, sem dúvida, de procedimentos complexos, que exigem a prova da fundamentalidade

desses direitos, através de um tratamento constitucionalmente adequado, na conhecida expressão

utilizada por GOMES CANOTILHO, decorrendo a necessidade de se atribuir uma justificação válida

toda vez que se deduzir do sistema constitucional um direito nele não previsto expressamente17.

Uma última questão deve ainda ser enfrentada. Em se admitindo a existência de direitos

materialmente fundamentais que não constam do catálogo formal dos direitos fundamentais, é possível

verificar a existência de preceitos incluídos no catálogo formal que não sejam materialmente

fundamentais? Não obstante o posicionamento de VIEIRA DE ANDRADE18, para quem há somente

uma presunção de que os direitos formalmente elencados na Constituição sejam também materialmente

fundamentais, não há utilidade prática ou teórica em se questionar a materialidade dos direitos

constantes do catálogo dos direitos fundamentais da Constituição. Os direitos formalmente declarados

decorrem da soberana vontade do Poder Constituinte, não sendo possível proceder a uma

hierarquização interna. Na esteira de JORGE MIRANDA, todos os direitos fundamentais em sentido

formal são também direitos fundamentais em sentido material19, até mesmo porque o objetivo de uma

cláusula aberta dos direitos fundamentais é a ampliação da proteção, e não o contrário20.

Diante do exposto, a cláusula constitucional que permite a abertura a novos direitos

fundamentais deve ser interpretada como tendo função maximizadora da estrutura protetiva

fundamental. A busca de direitos não expressamente elencados no Catálogo dos Direitos Fundamentais

(sejam eles novos ou não, escritos ou não-escritos) deve ser criteriosa, objetivando-se alcançar um

padrão mínimo de reconhecimento, para que esta cláusula não se transforme em inimiga dos direitos

fundamentais. O elemento essencial à prova da fundamentalidade desses direitos deve residir, em

última instância, no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

1.4 Direitos Individuais, direitos coletivos e direitos difusos: diferenças.

Relativamente à espécie de direito, serão consideradas três categorias, assim

precisadas conceitualmente:

17 Um interessante paradigma pode ser buscado no direito americano. Trata-se do caso Roew v. Wade, no qual a Suprema

Corte americana tratou da questão do aborto a partir de uma discussão sobre a existência de um direito à privacidade (não

previsto na Constituição – e respectivas emendas – daquele país).

18 Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 2. ed., Coimbra: Almedina, 2001, p. 85. 19 Manual de Direito Constitucional. Tomo IV. 3.ª ed. Coimbra: Coimbra, 2000, p. 9. 20 Nesse sentido: CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. p. 372.

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I) Direito(s) individual(ais): abrange aquela espécie de direito(s) em que se

estabelece uma determinabilidade absoluta entre o direito e o seu titular. Ou

seja, há perfeita identificação do sujeito, bem como de sua relação com o seu

direito (ex.: direito de propriedade). São os direitos tradicionalmente

conhecidos e trabalhados pela doutrina jurídica, nos quais a proteção

jurisdicional é facilitada justamente por haver uma identificação precisa do

titular do direito, o qual se movimenta juridicamente tão-logo ocorra a lesão às

suas pretensões.

A estrutura dessa espécie de direito pode assumir a seguinte

representação:

T (titular) D (direito)

II) Direitos difusos: são direitos transindividuais, nos quais se constata uma

indeterminação absoluta dos titulares, ou seja, não é possível identificar uma

titularidade individual para esta espécie de direito (ex.: direito ao meio

ambiente equilibrado). São os novos direitos, relacionados estreitamente com

a massificação da sociedade contemporânea, sendo que o exercício concreto

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dessa espécie de direito pressupõe um agir solidário, no momento em que não

permite o seu exercício individual. A estrutura dessa espécie de direito pode

assumir a seguinte representação:

T1 (titular 1)

T2 (titular 2) D (direito)

Tn (titular n)

III) Direitos coletivos: trata-se de uma terceira categoria que se situa entre os

direitos individuais e os direitos difusos. Há uma indeterminabilidade relativa

entre o direito e seu titular, na medida em que, sendo direitos transindividuais,

não possuem uma titularidade individual, mas se reportam a uma relação

jurídica base que une diversos titulares. Ou seja, são os direitos de grupos

sociais determinados e, nesta qualidade, somente podem ser exercidos

coletivamente, sendo possível estabelecer uma relação entre o direito e o

grupo a que pertence (ex.: grupo de profissionais que pertencem a uma

determinada ordem regulatória).

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A estrutura dessa espécie de direito pode assumir a seguinte representação:

T1 (titular 1)

T2 (titular 2) G (Grupo) D (direito)

Tn (titular n)

Didaticamente, teremos o seguinte quadro classificatório, proposto por ALBINO

ZAVASKI21:

DIREITOS DIFUSOS COLETIVOS INDIVIDUAIS

1) Sob o aspecto

subjetivo, são:

Transindividuais, com

indeterminação absoluta

dos titulares (= não têm

titular individual, e a

Transindividuais, com

determinação relativa

dos titulares (= não têm

titular individual, e a

Individuais (= há

perfeita identificação do

sujeito, assim como da

relação dele com o

21 ZAVASCKI, Teori. Defesa de Direitos Coletivos e Defesa Coletiva de Direitos. In Revista da Ajufe, nº 43, Out/dez 1994,

p. 25.

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ligação entre os vários

titulares difusos decorre

de mera circunstância

de fato. Exemplo: morar

na mesma região.

ligação entre os vários

titulares coletivos

decorre de uma relação

jurídica base. Exemplo:

o Estatuto da OAB.

objeto do seu direito).

2) Sob o aspecto

objetivo, são:

Indivisíveis (= não

podem ser satisfeitos

nem lesados senão em

forma que afete a todos

os possíveis titulares).

Indivisíveis (= não

podem ser satisfeitos

nem lesados senão em

forma que afete a todos

os possíveis titulares).

Divisíveis. (= podem ser

satisfeitos ou lesados em

forma diferenciada e

individualizada,

satisfazendo ou lesando

um ou alguns titulares

sem afetar os demais).

3) Em decorrência de

sua natureza, são

Insuscetíveis de

apropriação individual.

Insuscetíveis de

apropriação individual.

Individuais e divisíveis,

fazendo parte do

patrimônio individual

do seu titular.

1.5 Classificação dos direitos fundamentais.

O estudo da evolução histórica dos direitos fundamentais confunde-se com a própria

história do Estado de Direito. Segundo REINHOLD ZIPPELIUS, uma antiga preocupação do Estado de

Direito consiste na criação de instâncias de controle que vigiem os órgãos do Estado, para que estes não

ultrapassem as suas competências22, vinculando o executivo ao ordenamento jurídico. Assim,

conhecida classificação doutrinária dos direitos fundamentais utiliza a evolução histórica enquanto

elemento essencial à própria caracterização e individualização dos direitos fundamentais23.

22 Teoria Geral do Estado, p. 390. 23 Dentro outros: PORRAS NADALES, Antonio J. Derechos e interesses. Problemas de tercera generacion; CRUZ

VILLALON, Pedro. Formacion y evolucion de los derechos fundamentales. PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Las

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Elucidativo o acórdão do Supremo Tribunal Federal proferido no Mandado de

Segurança nº 22164-0/SP, Tribunal Pleno, Relator Ministro Celso de Mello, oportunidade em que se

decidiu sobre a constitucionalidade de decreto presidencial desapropriando imóvel rural situado no

Pantanal Mato-Grossense para fins de reforma agrária, colhendo-se do voto proferido pelo Relator:

“(...). Os preceitos inscritos no art. 225 da Carta Política traduzem a consagração constitucional, em

nosso sistema de direito positivo, de uma das mais expressivas prerrogativas asseguradas às

formações sociais contemporâneas.

“Essa prerrogativa consiste no reconhecimento de que todos têm direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado.

“Trata-se, consoante já o proclamou o Supremo Tribunal Federal (RE 134.297 – SP, Rel. Min. Celso

de Mello), de um típico direito de terceira geração que assiste, de modo subjetivamente

indeterminado, a todo o gênero humano, circunstância essa que justifica a especial obrigação – que

incumbe ao Estado e à própria coletividade – de defendê-lo e de preservá-lo em benefício das

presentes e das futuras gerações, evitando-se, desse modo, que irrompam, no seio da comunhão

social, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na

proteção da integridade desse bem essencial de uso comum de todos quantos compõem o grupo social

(Celso Lafer, “A reconstrução dos Direitos Humanos”, p. 131/132, 1988, Companhia das Letras”).

“Cumpre ter presente, bem por isso, a precisa lição ministrada por Paulo Bonavides (“Curso de

Direito Constitucional”, p. 481, item n. 5, 4[ ed., 1993, Malheiros), verbis:

‘Com efeito, um novo pólo jurídico de alforria do homem se acrescenta historicamente aos da

liberdade e da igualdade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos de

terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam

especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado

Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua

afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já os

enumeram com familiaridade, assinalando-lhes o caráter fascinante de coroamento de uma evolução

de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão

sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio

comum da humanidade’ (grifei).

“Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as

liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de Segunda

geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas,

reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que

materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais,

consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de

desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores

fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade, consoante proclama

autorizado magistério doutrinário (Celso Lafer, “Desafios: ética e política”, p. 239, 1995, Siciliano).

“A preocupação com a preservação do meio ambiente – que hoje transcende o plano das presentes

gerações, para também atuar em favor de gerações futuras – tem constituído objeto de regulações

normativas e de proclamações jurídicas que, ultrapassando a província meramente doméstica do

generaciones de derechos humanos; PIZZORUSSO, Alessandro. Las «generaciones» de derechos; BONAVIDES, Paulo.

Curso de Direito Constituciona,. 1997.

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direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais que

refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse

direito fundamental que assiste a toda a Humanidade.

“A questão do meio ambiente, hoje, especialmente em função da Declaração de Estocolmo sobre o

Meio Ambiente (1972) e das conclusões da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento (Rio de Janeiro/92), passou a compor um dos tópicos mais expressivos da nova

ordem internacional (Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva, “O direito ambiental internacional”, in

Revista Forense 317/127), particularmente no ponto em que se reconheceu ao Homem o direito

fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que lhe

permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e de bem-estar. (...)” 24.

Segundo este critério, os direitos fundamentais podem ser divididos em diferentes

gerações, sempre dependendo do momento histórico no qual foram eles concebidos:

a) Direitos fundamentais da primeira geração: são os direitos da liberdade e têm

por titular o indivíduo e são oponíveis ao Estado. Trata-se de uma relação de

exclusão, em que o Estado não pode interferir na situação jurídica do indivíduo.

Estes direitos, historicamente, caracterizam-se pela forte eficácia negativa,

segunda a qual a pretensão maior do cidadão é a limitação dos poderes do

Soberano (aí a ligação com o Estado de Direito). Um dos documentos históricos

basilares dos direitos individuais é a Magna Carta Libertatum, de 1215. O

princípio da legalidade é o efetivo concretizador desses direitos: o Estado somente

pode agir nos limites traçados pela lei. Vida, liberdade e propriedade são direitos

doravante protegidos;

b) Direitos fundamentais de segunda geração: são os direitos sociais, culturais e

econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, em que o Estado

assume uma indiscutível função promocional, não mais sendo suficiente sua

abstenção relativamente ao indivíduo, caracterizando-se com o advento do Estado

Contemporâneo, este entendido como a formação política surgida na segunda

década do presente século: em 1917, com a Constituição Mexicana, e, em 1919,

com a Constituição de Weimar;

c) Direitos fundamentais de terceira geração: são os direitos da solidariedade

24 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Rel. Min. Celso de Mello, MS nº 22164-0-SP, DJ. 17.11.95, Ementário nº 18.09.05.

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humana, pois não se destinam a pessoas determinadas ou a grupos de pessoas,

mas têm por destinatário toda a coletividade, em sua acepção difusa, como o

direito à paz, ao meio-ambiente, ao patrimônio comum da humanidade

Informativo 430 (RHC-88880)

Título: Art. 50 da Lei 9.605/98 e Princípio da Insignificância (Transcrições)

Artigo

Art. 50 da Lei 9.605/98 e Princípio da Insignificância (Transcrições) RHC 88880 MC/SC*

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES DECISÃO: Trata-se de recurso de habeas corpus, com

pedido de medida liminar, interposto por ADRIANO FONTANA CARVALHO, contra decisão da

Sexta Turma Recursal de Lages-SC, que denegou a ordem no HC n° 27, impetrado em face de ato

do Juízo da Vara Única de Santa Cecília-SC. O recorrente responde a ação penal pela prática da

infração penal descrita no art. 50 da Lei n° 9.605/98, por ter efetuado o corte de duas árvores da

espécie nativa Pinheiro brasileiro (Araucaria angustifolia). Alega que, no caso, a lesão ao bem

jurídico protegido pela norma penal seria insignificante, gerando a atipicidade da conduta e,

conseqüentemente, a ausência de justa causa para a instauração do processo criminal. Em suas

palavras, “a derrubada de duas árvores em nada afetará o equilíbrio ecológico do local onde

estavam plantadas, até porque se encontravam isoladas no meio de uma lavoura, o que se dirá

para o meio ambiente regional, o que não justifica a deflagração da ação penal”. Cita precedentes

desta Corte nos quais se considerou que o princípio da insignificância é fator de descaracterização

da tipicidade penal. A Sexta Turma Recursal de Lages-SC denegou a ordem com o fundamento de

que “o princípio da insignificância não se presta a afastar a tipicidade da infração penal e, sim,

para atribuir exame valorativo do grau de lesividade da conduta” e que “este exame não pode ser

feito no sumaríssimo procedimento de habeas corpus, no qual não se sopesa as provas até então

colhidas” (fl. 57). O recorrente pede a concessão da medida liminar para que o curso da ação penal

seja sobrestado até o julgamento final do recurso. Decido. Em exame sumário da controvérsia,

constato a presença dos requisitos legais para a concessão da medida liminar. O art. 50 da Lei n°

9.605/98 prevê pena de detenção, de três meses a um ano, e multa, para quem “destruir ou

danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues,

objeto de especial preservação”. Como se pode constatar, a norma penal protege o valor

fundamental do meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

essencial à sadia qualidade de vida, assegurado pelo art. 225 da Constituição da República. A

finalidade do Direito Penal é justamente conferir uma proteção reforçada aos valores

fundamentais compartilhados culturalmente pela sociedade. Além dos valores clássicos, como a

vida, liberdade, integridade física, a honra e imagem, o patrimônio etc., o Direito Penal, a partir de

meados do século XX, passou a cuidar também do meio ambiente, que ascendeu paulatinamente

ao posto de valor supremo das sociedades contemporâneas, passando a compor o rol de direitos

fundamentais ditos de 3a geração incorporados nos textos constitucionais dos Estados

Democráticos de Direito. Parece certo, por outro lado, que essa proteção pela via do Direito Penal

justifica-se apenas em face de danos efetivos ou potenciais ao valor fundamental do meio

ambiente; ou seja, a conduta somente pode ser tida como criminosa quando degrade ou no mínimo

traga algum risco de degradação do equilíbrio ecológico das espécies e dos ecossistemas. Fora

dessas hipóteses, o fato não deixa de ser relevante para o Direito. Porém, a responsabilização da

conduta será objeto do Direito Administrativo ou do Direito Civil. O Direito Penal atua,

especialmente no âmbito da proteção do meio ambiente, como ultima ratio, tendo caráter

subsidiário em relação à responsabilização civil e administrativa de condutas ilegais. Esse é o

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sentido de um Direito Penal mínimo, que se preocupa apenas com os fatos que representam graves

e reais lesões a bens e valores fundamentais da comunidade. No caso em questão, o recorrente,

segundo consta do Termo Circunstanciado de Ocorrência Ambiental n° 59/ 5o PEL/CPMPA/2005

(fls. 17-21), “é responsável pelo corte seletivo de 2 (duas) árvores da espécie nativa Pinheiro

brasileiro (Araucária angustifolia), em sua propriedade, sem autorização ou licença dos Órgãos

Licenciadores competentes, federal e estadual, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

Recursos Naturais Renováveis-IBAMA e Fundação do Meio Ambiente - FATMA,

respectivamente; ou seja, desprovido de Plano de Corte Seletivo ou Autorização para Corte de

Vegetação”. Consta também do referido termo que o recorrente “assume total responsabilidade da

execução do corte das árvores nativas, que determinou aos seus funcionários o corte dos pinheiros,

para limpar e dar lugar no terreno para cultivo de milho e soja, conforme o Termo de Declaração

acostado aos autos (...)”. As circunstâncias do caso concreto levam-me a crer, neste primeiro

contato com os autos, que o corte de dois pinheiros, de um conjunto de 7 outras árvores da mesma

espécie, presentes no meio de uma lavoura de soja e milho e que, portanto, que não chegam a

compor uma “floresta” (elemento normativo do tipo), não constitui fato relevante para o Direito

Penal. Não há, em princípio, degradação ou risco de degradação de toda a flora que compõe o

ecossistema local, objeto de especial preservação, o que torna ilegítima a intervenção do Poder

Público por meio do Direito Penal. No caso, portanto, há que se realizar um juízo de ponderação

entre o dano causado pelo agente e a pena que lhe será imposta como conseqüência da intervenção

penal do Estado. A análise da questão, tendo em vista o princípio da proporcionalidade, pode

justificar, dessa forma, a ilegitimidade da intervenção estatal por meio do processo penal. A

jurisprudência desta Corte tem sido no sentido de que a insignificância da infração penal, que

tenha o condão de descaracterizar materialmente o tipo, impõe o trancamento da ação penal por

falta de justa causa (HC n° 84.412, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.11.2004; HC n° 83.526, Rel.

Min. Joaquim Barbosa, DJ 7.5.2004). Ante o exposto, estando presente a plausibilidade jurídica do

pedido e verificada a urgência da pretensão cautelar, ressalvado melhor juízo quando do

julgamento do mérito, defiro o pedido de medida liminar para suspender o curso da ação penal

instaurada contra o recorrente, em trâmite na Vara Única da Comarca de Santa Cecília-SC, até o

julgamento final do presente recurso de habeas corpus. Comunique-se, com urgência. Publique-se.

Dê-se vista dos autos à Procuradoria-Geral da República. Brasília, 05 de junho de 2006. Ministro

GILMAR MENDES Relator * decisão publicada no DJU de 9.6.2006

d) direitos fundamentais de quarta geração: para Paulo Bonavides, globalização

política na esfera da normatividade jurídica, correspondendo à derradeira fase de

institucionalização do Estado social, direitos cuja caracterização teórica ainda não

se encontra adequadamente definida.

Não obstante se reconheça a sua importância, semelhante classificação dos direitos

fundamentais, que se apega exclusivamente ao elemento histórico, não se mostra adequada a explicar o

caráter multifacetado dos direitos fundamentais. A primeira crítica reside na própria nomenclatura

atribuída à teoria. Com efeito, a expressão “gerações dos direitos fundamentais”, em virtude de sua

imprecisão, pode facilmente induzir em erro aos neófitos do constitucionalismo, pois pode levar a crer

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que os direitos fundamentais vão sofrendo uma sucessão no devir histórico, uma geração sendo

substituída por outra. Em verdade, o fenômeno que se percebe é o da acumulação dos direitos. Os

direitos de segunda geração, ao invés de substituírem, agregam-se aos já existentes direitos

fundamentais de primeira geração. A precisão conceitual, em se tratando de direitos do homem, é

indeclinável. Assim, preservando-se os objetivos dessa classificação (dado histórico), poder-se-ia

afirmar que as diversas gerações, em verdade, são diferentes dimensões de um mesmo fenômeno, cuja

magnitude somente é perceptível em seu conjunto.

Os direitos fundamentais, então, são percebidos a partir de diferentes dimensões, de acordo

com o momento histórico no qual são reconhecidos. À primeira geração, corresponde a dimensão

negativa dos direitos fundamentais. Num segundo momento histórico, estes direitos ganham a

companhia dos direitos da segunda geração, os quais correspondem à dimensão prestacional dos

direitos fundamentais. Num terceiro momento, agregam-se os direitos fundamentais de terceira

geração, que se caracterizam pela dimensão difusa. Os direitos fundamentais, então, seriam

classificados, a partir do elemento histórico, em três dimensões: a) dimensão negativa; b) dimensão

prestacional; c) dimensão difusa.

A segunda crítica reporta-se ao próprio método de classificação dos direitos fundamentais. É

discutível a validade dogmática de uma teoria que, ignorando completamente a estrutura própria dos

direitos, utiliza o momento histórico como fator exclusivo de classificação dos direitos fundamentais.

Mais importante do que o momento de reconhecimento é o conteúdo dos direitos. Os direitos

fundamentais devem ser classificados de acordo com as respectivas afinidades, o que somente pode ser

percebido a partir do estudo criterioso dos conteúdos dos diversos direitos. Para VIEIRA DE

ANDRADE25, a distinção poderá ser efetuada entre direitos de defesa, direitos de participação política

e direitos a prestações, em que os direitos são separados conforme o modo de proteção. Os direitos de

defesa são aqueles cujo cumprimento exige um dever de omissão por parte do Estado (não fazer). Os

direitos a prestações, contrariamente, são aqueles que exigem um agir positivo por parte do Estado

(fazer). Os direitos de participação são típicos direitos da democracia, de acordo com os quais devem

ser garantidos aos cidadãos espaços de intervenção na vida política decisória da sociedade.

Semelhante critério também é utilizado por ALEXY26, para quem o conteúdo do direito

determina a seguinte classificação: a) direitos de defesa; b) direitos a prestação em sentido amplo. Os

direitos a ações negativas, por seu turno, dividem-se em: a) direito a não impedimento de ações; b)

25 Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 174. 26 Teoria de los derechos fundamentales, p. 186 e seguintes.

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direito a não afetação de propriedades27 e situações; c) direito a não eliminação de posições jurídicas. Já

os direitos a ações positivas subdividem-se em: a) direitos a ações positivas fáticas; b) direitos a ações

positivas normativas.

A classificação que tem por pressuposto o conteúdo do direito é a que melhor explica o

fenômeno promocional dos direitos fundamentais em uma sociedade complexa contemporânea,

agregando-se uma categoria específica aos direitos políticos em virtude de sua importância na

sociedade democrática. Assim, os direitos fundamentais são classificados em: a) direitos de defesa; b)

direitos promocionais (prestacionais); c) direitos de participação política.

A compreensão unitária dos direitos fundamentais: a indivisibilidade como nota

característica de uma sociedade marcadamente complexa e pluralista.

A incindibilidade dos direitos fundamentais e a inexistência de diferenças estruturais entre os

variados tipos de direitos determinam a superação dos modelos teóricos embasados na separação

estanque entre as esferas dos direitos sociais (positivos ou prestacionais) e dos direitos de liberdade

(negativos), afirmando-se a aplicabilidade imediata de todas as normas constitucionais, a partir da

unidade de sentido dos direitos fundamentais, fenômeno denominado de revolução copernicana da

juspublicística por JORGE MIRANDA28, no momento em que são as normas constitucionais a

vincularem toda a atividade estatal infraconstitucional, e não o contrário. Com efeito, no atual estágio

da evolução dos direitos fundamentais, no qual a inserção dos novos direitos, com marcadas noções

difusas, é nota essencial, todos os direitos apresentam, simultaneamente, características negativas e

positivas, no momento em que exigem, para concretização, de um complexo conjunto de

ações/omissões por parte do Poder Público e dos particulares, exteriorizando uma interligação dialética

constante entre os diversos núcleos protegidos, ficando aberto o caminho para a reconstrução da teoria

dos direitos fundamentais, “tanto em razão do alargamento e do enriquecimento da figura, como em

razão da unificação jurídica do respectivo conceito”29. Dessa forma, a compreensão unitária dos

direitos fundamentais embasa-se nos seguintes postulados:

27 O conceito de propriedade, aí utilizado por Alexy, não se confunde com o conceito tradicional de “propriedade privada”,

possuindo uma acepção mais alargada, aproximando-se mais do conceito de “direitos” do cidadão. Veja-se o exemplo de

“propriedade” que não pode ser afetada citado pelo próprio autor: viver. Ob. cit., p. 192.

28 Prefácio da obra Direitos humanos. FERREIRA DA CUNHA, Paulo (org.). Coimbra: Almedina, 2003, p. 11.

29 PEREIRA DA SILVA, VASCO. Verde cor de Direito – lições de direito do ambiente. Coimbra: Almedina, 2002, p. 89.

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Caráter incindível dos direitos fundamentais, decorrente da

unidade de sentido constitucional;

Inexistência de diferenças estruturais entre os distintos tipos de

direitos fundamentais, dada a presença das diferentes

expectativas (positivas e negativas), em maior ou menor grau,

em todos os direitos fundamentais;

interligação sistêmica e dialética entre todas as espécies de

direitos fundamentais, implicando comprometimento recíproco

dos direitos no que se refere à efetivação;

Caráter principiológico de todos os direitos fundamentais,

implicando entendê-los como mandados de otimização, sendo

que a medida exata do devido, em concreto, vai depender das

possibilidades reais e jurídicas. Com isso, a chamada “reserva

do possível” é um elemento que se integra a todos os direitos

fundamentais, independentemente de suas características

intrínsecas.

1.6 A distinção entre direitos e garantias. Os remédios constitucionais.

Utiliza-se a expressão “garantias dos direitos fundamentais” para significar os mecanismos

jurídicos que dão estabilidade ao ordenamento constitucional e estabelecem preceitos para a integridade

de seu valor normativo. Ou seja, o Texto Constitucional, pretendendo manter sua força normativa,

estabelece institutos jurídicos cujos objetivos centram-se na proteção de seu núcleo essencial, meios

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através dos quais é possível tornar eficaz concretamente os direitos declarados em seu corpo, ou, ainda,

proteção contra ataques à manutenção dos preceitos constitucionais. A estes instrumentos jurídicos é

que se reserva a expressão 'garantias dos direitos fundamentais': de um lado, a declaração dos direitos;

de outro lado, a estes ligados indissociavelmente, os mecanismos de sua proteção. A posição de Ruy

Barbosa.

1.7 Restrições a direitos fundamentais.

Podemos resumir as hipóteses de restrições aos direitos fundamentais da seguinte forma: I)

Restrições não expressas na Constituição: os direitos constitucionais estabelecem entre si uma

relação de convivência e de preservação do núcleo essencial, de modo a possibilitar o exercício

harmônico e perene das diversas posições jurídicas criadas pela Constituição: o exercício absoluto de

um direito não pode levar à anulação do exercício do mesmo ou de outros direitos por outros indivíduos

ou pela coletividade, estabelecendo-se entre eles uma interligação institucional e prática (princípio da

concordância prática) que reforça a característica da indivisibilidade dos direitos fundamentais, por

traduzir a Constituição um vínculo de essencial unidade e coerência interna; II) Restrições direta e

expressamente constitucionais: ocorre essa espécie restritiva toda vez que a Constituição, ao conceder

um direito fundamental, diretamente, consigna restrições ao seu exercício ou efetua delimitações

quanto a sua abrangência normativa; III) Restrição por lei infraconstitucional com autorização

expressa da Constituição: Ao lado dos direitos constitucionais submetidos às restrições diretamente

constitucionais, encontram-se os direitos fundamentais sujeitos às restrições impostas através de lei

infraconstitucional, naquelas situações em que a própria Constituição Federal, ao tratá-los, refere

expressamente sobre a possibilidade de a limitação ocorrer veiculada através de uma norma de grau

hierárquico inferior; IV) Restrição pelo Poder Judiciário com autorização expressa da

Constituição: essa hipótese de autorização expressa constitucional para limitação aos direitos

fundamentais embasa-se no poder conferido ao magistrado diretamente pela Constituição na qualidade

de agente político integrante de um dos poderes da República. Com efeito, a peculiaridade dessa

espécie de autorização reside no fato de que cabe ao Poder Judiciário, no exercício de sua função típica

(jurisdição), preencher, no caso concreto, respeitadas as garantias constitucionais, os elementos fáticos

e jurídicos autorizadores da mitigação dos direitos fundamentais. A Constituição, ao prever a

possibilidade da restrição ao direito, descreve, abstratamente, os pressupostos de sua incidência,

delegando ao magistrado a adequação concreta destes postulados: a restrição somente pode ser

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constatada a partir da junção de dois fenômenos distintos, quais sejam, a previsão constitucional

abstrata e a fundamentação concreta do juiz. A função do princípio da propiorcionalidade.

1.8 A eficácia das normas definidores dos direitos e garantias fundamentais.

A abordagem teórica do tema envolvendo a eficácia dos direitos fundamentais necessariamente

deve se fazer a partir da atenta interpretação do disposto no artigo 5º, parágrafo 1º, da Constituição

Federal Brasileira de 1988, de acordo com o qual “as normas definidoras dos direitos e garantias

fundamentais têm aplicação imediata”. A primeira questão que se coloca ao intérprete diz respeito à

abrangência desta cláusula garantidora de eficácia jurídica, no que se refere aos direitos constitucionais

destinatários. Que este preceito se aplica “tão-somente aos direitos fundamentais (sem exceção), e não

a todas as normas constitucionais, como aparentemente quer fazer crer parte de nossa doutrina,

constitui, por si só, conclusão que assume uma relevância não meramente secundária”, nas palavras de

Ingo Sarlet (A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998).

Classificação proposta por José Afonso da Silva quanto à eficácia das Normas Constitucionais:

NORMA EFICÁCIA PLENA

NORMA EFICÁCIA CONTIDA

NORMA DE EFICÁCIA LIMITADA (DEPENDENTE)

Quando se trata do tema “eficácia dos direitos fundamentais” uma questão relevante, com essa

todavia não se confundindo, diz respeito à denominada eficácia horizontal dos direitos

fundamentais: trata-se da eficácia dos direitos econômicos, sociais e culturais em relação aos

particulares, no momento em que essas normas acabam por impor obrigações aos particulares (eficácia

imediata dos direitos fundamentais) e limitar o exercício de outros direitos constitucionalmente

previstos (convivência dos direitos)30.

Alguns aspectos devem ser considerados:

RELAÇÃO ESTADO X CIDADÃO: relação de um titular de um direito fundamental com um

não-titular de um direito fundamental;

30 MIRANDA, Jorge. Regime específico dos direitos económicos, sociais e culturais, p. 347.

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RELAÇÃO CIDADÃO X CIDADÃO: relação entre titulares de direito fundamental;

EFICÁCIA IRRADIANTE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

TEORIAS APLICÁVEIS: a) TEORIA MEDIATA: as cláusulas gerais do direito privado; b)

TEORIA IMEDIATA. O dever do Estado em proteger os direitos dos cidadãos ao nível do

direito privado (Canaris);

LINHA DE SOLUÇÃO: Consideração de três tipos de situações e relações: a) relações dentro

de grupos, associações, pessoas coletivas, entre seus membros e os poderes constituídos; b)

relações entre particulares e poderes sociais de fato; c) relações entre particulares em igualdade.

Conclusão: TRATAMENTO DIFERENCIADO (QUASE TÓPICO) DOS VÁRIOS DIREITOS

E SITUAÇÕES. PROBLEMAS DE COLISÃO DE DIREITOS. Ponderação entre direitos

fundamentais.

Importante decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a Eficácia Horizontal dos

Direitos Fundamentais:

Informativo 405(RE-201819)

Título: Sociedade Civil de Direito Privado e Ampla Defesa (Transcrições)

Sociedade Civil de Direito Privado e Ampla Defesa (Transcrições) RE 201819/RJ* RELATOR

PARA ACÓRDÃO: MINISTRO GILMAR MENDES VOTO-VISTA: A eminente Relatora, a

Ministra Ellen Gracie, proferiu voto nos seguintes termos: “A recorrente, União Brasileira de

Compositores – UBC, é sociedade civil sem fins lucrativos, dotada de personalidade jurídica de

direito privado. Por motivos irrelevantes para a solução do presente extraordinário, a recorrente

excluiu o recorrido de seu quadro de sócios, em procedimento assim narrado no acórdão da

origem: ‘Embora a sociedade tivesse, de fato, por seu órgão deliberativo, designado uma comissão

especial para apurar as possíveis infrações estatutárias atribuídas ao autor, tal comissão, por mais

ilibada que fosse, deixou de cumprir princípio constitucional, não ensejando ao apelado

oportunidade de defender-se das acusações e de realizar possíveis provas em seu favor. Conforme

se vê de fls. 101/102, a comissão simplesmente reuniu-se e, examinando a documentação fornecida

pelo secretário da sociedade, concluiu pela punição do autor. Nada além. Não se pode, na verdade,

pretender que uma entidade de compositores, em sua vida associativa, adote regras ou formas

processuais rigorosas, mas também não se pode admitir que princípios constitucionais básicos

sejam descumpridos flagrantemente. Caracterizadas as infrações, ao ver da comissão, o autor

tinha de ser, expressa e formalmente, cientificado das mesmas e convocado a apresentar,

querendo, em prazo razoável, a sua defesa, facultando-lhe a produção das provas que entendesse

cabíveis. Só depois disso é que poderia surgir o parecer da comissão, num ou noutro sentido.

Como foi feito, o direito defesa do autor foi mesmo violado, sem que se adentre no mérito, na

justiça ou injustiça da punição.’ (fls. 265 e 266) Como se vê, o Tribunal a quo, com fundamento no

princípio da ampla defesa, anulou a punição aplicada ao recorrido. O estatuto da recorrida, em

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seu art. 16, determina que: “a diretoria nomeará comissão de inquérito composta de três Sócios, a

fim de apurar indícios, atos ou fatos que tornem necessária a aplicação de penalidades aos Sócios

que contrariem os deveres prescritos no Capítulo IV destes Estatutos.” (fl. 48). A leitura do

acórdão da apelação revela que a regra acima transcrita foi integralmente obedecida, porém ela

foi afastada em homenagem ao princípio da ampla defesa. Entendo que as associações privadas

têm liberdade para se organizar e estabelecer normas de funcionamento e de relacionamento entre

os sócios, desde que respeitem a legislação em vigor. Cada indivíduo, ao ingressar numa sociedade,

conhece suas regras e seus objetivos, aderindo a eles. A controvérsia envolvendo a exclusão de um

sócio de entidade privada resolve-se a partir das regras do estatuto social e da legislação civil em

vigor. Não tem, portanto, o aporte constitucional atribuído pela instância de origem, sendo

totalmente descabida a invocação do disposto no art. 5º, LV da Constituição para agasalhar a

pretensão do recorrido de reingressar nos quadros da UBC. Obedecido o procedimento fixado no

estatuto da recorrente para a exclusão do recorrido, não há ofensa ao princípio da ampla defesa,

cuja aplicação à hipótese dos autos revelou-se equivocada, o que justifica o provimento do recurso.

Diante do exposto, conheço do recurso, e lhe dou provimento. Condeno o recorrido ao pagamento

de custas e honorários advocatícios, fixados em 10% do valor atribuído à causa devidamente

atualizada.” Após o voto da eminente Relatora pedi vista dos autos por se tratar de um caso típico

de aplicação de direitos fundamentais às relações privadas – um assunto que, necessariamente,

deve ser apreciado sob a perspectiva de uma jurisdição de perfil constitucional. O tema versado

nos presentes autos tem dado ensejo a uma relevante discussão doutrinária e jurisprudencial na

Europa e nos Estados Unidos. Valho-me aqui de estudo por mim realizado constante da obra

“Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade — Estudos de Direito Constitucional”,

sob o título “Eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas”, desenvolvido com base em

conferências proferidas no curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade

Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, em 20/10/1994, e no 5º Encontro Nacional de Direito

Constitucional (Instituto Pimenta Bueno) — Tema: “Direitos Humanos Fundamentais”, em

20/09/1996, USP/SP. No aludido ensaio, teço as seguintes considerações sobre o tema: “A questão

relativa à eficácia dos direitos fundamentais no âmbito das relações entre particulares marcou o

debate doutrinário dos anos 50 e do início dos anos 60 na Alemanha. Também nos Estados Unidos,

sob o rótulo da ‘state action’, tem-se discutido intensamente a aplicação dos direitos fundamentais

às relações privadas. É fácil ver que a doutrina tradicional dominante do Século XIX e mesmo ao

tempo da República de Weimar sustenta orientação segundo a qual os direitos fundamentais

destinam-se a proteger o indivíduo contra eventuais ações do Estado, não assumindo maior

relevância para as relações de caráter privado. Dos dois direitos fundamentais com notória

eficácia para os entes privados (art. 118, 1, 1. período - liberdade de opinião; art. 159, 2. período -

liberdade de coalizão) extraiu-se um argumentum e contrario. Um entendimento segundo o qual os

direitos fundamentais atuam de forma unilateral na relação entre o cidadão e o Estado acaba por

legitimar a idéia de que haveria para o cidadão sempre um espaço livre de qualquer ingerência

estatal. A adoção dessa orientação suscitaria problemas de difícil solução tanto no plano teórico,

como no plano prático. O próprio campo do Direito Civil está prenhe de conflitos de interesses

com repercussão no âmbito dos direitos fundamentais. O benefício concedido a um cidadão

configura, não raras vezes, a imposição de restrição a outrem. Por essa razão, destaca Rüfner que

quase todos os direitos privados são referenciáveis a um direito fundamental: ‘Os contratos dos

cidadãos e sua interpretação, abstraída a jurisprudência do Tribunal Federal do Trabalho, não

despertavam grande interesse. O problema da colisão de direitos fundamentais coloca-se também

aqui de forma freqüente: a liberdade de contratar integra os direitos fundamentais de

desenvolvimento da personalidade (freie Entfaltung der Persönlichkeit) e de propriedade. Por isso,

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ela deve ser contemplada como elemento constitucional na avaliação jurídica dos contratos. O

estabelecimento de vínculos contratuais com base na autonomia privada relaciona-se, pois, com o

exercício de direitos fundamentais. Exatamente na assunção de obrigações contratuais reside uma

forma de exercício de direitos fundamentais que limita a liberdade para o futuro. A livre escolha

de profissão e o seu livre exercício são concretizados dessa forma. O livre exercício do direito de

propriedade consiste também em empregar a propriedade para fins livremente escolhidos. A livre

manifestação de opinião e a liberdade de imprensa, a liberdade religião e a liberdade artística não

são realizáveis sem a possibilidade de livre assunção de obrigações por parte dos cidadãos. Até

mesmo a liberdade de consciência não está isenta de vinculações contratuais.’ Também o

postulado de igualdade provoca problemas na esfera negocial. O Estado, que, com os direitos

fundamentais, assegura a liberdade do cidadão, não pode retirar essa liberdade com a simples

aplicação do princípio da igualdade. O engajamento político e religioso integra o livre exercício do

direito de propriedade e o livre exercício do direito de desenvolvimento da personalidade. A

liberdade de testar é integrada pela liberdade de diferençar por motivos políticos ou religiosos.

Assim, em face dos negócios jurídicos coloca-se a indagação sobre a sua própria validade como

resultado de eventual afronta ou contrariedade aos direitos fundamentais. É certo, por outro lado,

que na relação entre cidadãos não se pode tentar resolver o conflito com a afirmação - duvidosa já

na relação com o Poder Público - de que ‘in dubio pro libertate’, porque não se cuida do

estabelecimento de uma restrição ou limitação em sentido estrito. Canaris observa que o

reconhecimento de que os direitos fundamentais cumprem uma tarefa importante na ordem

jurídica não apenas como proibição de intervenção (direito de defesa), mas também como

postulados de proteção, contribui para explicitar a influência desses postulados no âmbito do

direito privado. Sob o império da Lei Fundamental de Bonn engajou-se Hans Carl Nipperdey em

favor da aplicação direta dos direitos fundamentais no âmbito das relações privadas, o que acabou

por provocar um claro posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho em favor dessa

orientação (unmittelbare Drittwirkung). O Tribunal do Trabalho assim justificou o seu

entendimento: ‘Em verdade, nem todos, mas uma série de direitos fundamentais destinam-se não

apenas a garantir os direitos de liberdade em face do Estado, mas também a estabelecer as bases

essenciais da vida social. Isso significa que disposições relacionadas com os direitos fundamentais

devem ter aplicação direta nas relações privadas entre os indivíduos. Assim, os acordos de direito

privado, os negócios e atos jurídicos não podem contrariar aquilo que se convencionou chamar

ordem básica ou ordem pública’. Esse entendimento foi criticado sobretudo pela sua deficiente

justificação em face do disposto no art. 1, III, da Lei Fundamental, que previa apenas a expressa

vinculação dos poderes estatais aos direitos fundamentais. Afirmou-se ainda que a eficácia

imediata dos direitos fundamentais sobre as relações privadas acabaria por suprimir o princípio

da autonomia privada, alterando profundamente o próprio significado do Direito Privado como

um todo. Ademais, a aplicação direta dos direitos fundamentais às relações privadas encontraria

óbice insuperável no fato de que, ao contrário da relação Estado-cidadão, os sujeitos dessas

relações merecem e reclamam, em princípio, a mesma proteção. É claro que o tema prepara

algumas dificuldades. Poder-se-ia argumentar com a disposição constante do art. 1, da Lei

Fundamental, segundo a qual ‘os direitos humanos configuram o fundamento de toda a sociedade’

(Grundlage jeder Gemeinschaft). Poder-se-ia aduzir, ainda, que a existência de forças sociais

específicas, como os conglomerados econômicos, sindicatos e associações patronais, enfraquece

sobremaneira o argumento da igualdade entre os entes privados, exigindo que se reconheça, em

determinada medida, a aplicação dos direitos fundamentais também às relações privadas. Esses

dois argumentos carecem, todavia, de força normativa, uma vez que tanto o texto da Lei

Fundamental, quanto a própria história do desenvolvimento desses direitos não autorizam a

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conclusão em favor de uma aplicação direta e imediata dos direitos fundamentais às relações

privadas. Em verdade, até mesmo disposições expressas, como aquela constante do art. 18, n. 1, da

Constituição de Portugal, que determina sejam os direitos fundamentais aplicados às entidades

privadas, ou do Projeto da Comissão Especial para revisão total da Constituição suíça (art. 25) -

Legislação e Jurisdição devem zelar pela aplicação do direitos individuais às relações privadas -

Gesetzgebung und Rechtsprechung sorgen dafür, dass die Grundrechte sinngeimäss auch unter

Privaten wirksam werden [atualmente já incorporado à Constituição suíça, desde 2000, no art. 35

(3), com a seguinte redação: ‘Die Behörden sorgen dafür, dass die Grundrechte, soweit sie sich

dazu eignen, auch unter Privaten wirksam werden.’], não parecem aptas para resolução do

problema. A propósito da fórmula consagrada na Constituição portuguesa, acentua Vieira de

Andrade que ‘se é certo que aí se afirma claramente que os preceitos constitucionais vinculam as

entidades privadas, não se diz em que termos se processa essa vinculação e, designadamente, não

se estabelece que a vinculação seja idêntica àquela que obriga os poderes públicos’. Em verdade,

ensina Dürig que uma aplicação direta dos direitos fundamentais às relações privadas poderia

suprimir ou restringir em demasia o princípio da autonomia privada. Portanto, é o próprio

sistema de direitos fundamentais, ensina o notável constitucionalista tedesco, que autoriza e

legitima que os indivíduos confiram aos negócios de direito privado conformação não coincidente

com tais direitos. Idêntica orientação é adotada por Konrad Hesse, que destaca serem as relações

entre pessoas privadas marcadas, fundamentalmente, pela idéia de igualdade. A vinculação direta

dos entes privados aos direitos fundamentais não poderia jamais ser tão profunda, pois, ao

contrário da relação Estado-cidadão, os direitos fundamentais operariam a favor e contra os dois

partícipes da relação de Direito Privado. Não se pode olvidar, por outro lado, que as controvérsias

entre particulares com base no direito privado hão de ser decididas pelo Judiciário. Estando a

jurisdição vinculada aos direitos fundamentais, parece inevitável que o tema constitucional

assuma relevo tanto na decisão dos tribunais ordinários, como no caso de eventual

pronunciamento da Corte Constitucional. Embora tenha rejeitado expressamente a possibilidade

de aplicação imediata dos direitos fundamentais às relações privadas (unmittelbare Drittwirkung),

entendeu o Bundesverfassungsgericht que a ordem de valores formulada pelos direitos

fundamentais deve ser fortemente considerada na interpretação do Direito Privado. Os direitos

fundamentais não se destinam a solver diretamente conflitos de direito privado, devendo a sua

aplicação realizar-se mediante os meios colocados à disposição pelo próprio sistema jurídico.

Segundo esse entendimento, compete, em primeira linha, ao legislador a tarefa de realizar ou

concretizar os direitos fundamentais no âmbito das relações privadas. Cabe a este garantir as

diversas posições fundamentais relevantes mediante fixação de limitações diversas. Um meio de

irradiação dos direitos fundamentais para as relações privadas seriam as cláusulas gerais

(Generalklausel) que serviriam de ‘porta de entrada’ (Einbruchstelle) dos direitos fundamentais

no âmbito do Direito Privado. A referência a algumas decisões do Bundesverfassungsgericht pode

contribuir para esclarecer adequadamente a orientação perfilhada pela Corte Constitucional

alemã: (1) Em 1950, o Presidente do Clube de Imprensa de Hamburgo, Erich Lüth, defendeu um

boicote contra o filme ‘Unsterbliche Geliebte’, de Veit Harlan, diretor do filme ‘Jud Süs’,

produzido durante o 3. Reich. Harlan logrou decisão do Tribunal estadual de Hamburgo no

sentido de determinar que Lüth se abstivesse de conclamar o boicote contra o referido filme com

base no § 826 do Código Civil (BGB). Contra essa decisão foi interposto recurso constitucional

(Verfassungsbeschwerde) perante o Bundesverfassungsgericht. A Corte Constitucional deu pela

procedência do recurso, enfatizando que decisões de tribunais civis, com base em leis gerais de

natureza privada, podem lesar o direito de livre manifestação de opinião consagrado no art. 5, 1,

da Lei Fundamental. Os tribunais ordinários estariam obrigados a levar em consideração o

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significado dos direitos fundamentais em face dos bens juridicamente tutelados pelas leis gerais

(juízo de ponderação). Na espécie, entendeu a Corte que, ao apreciar a conduta do recorrente, o

Tribunal estadual teria desconsiderado (verkannt) o especial significado que se atribui ao direito

de livre manifestação de opinião também nos casos em que ele se confronta com interesses

privados; (2) O pequeno jornal ‘Blinkfüer’ continuou a publicar a programação das rádios da

República Democrática Alemã mesmo após a construção do muro de Berlim (13.08.1961). A

grande editora Springer dirigiu, por isso, uma circular a todas as bancas e negócios de vendas de

jornais, ameaçando-os com a suspensão de fornecimento de jornais e revistas caso continuassem a

vender o jornal ‘Blinkfüer’. Foram significativos os prejuízos sofridos pela publicação. A

pretensão de caráter indenizatório formulada pelo jornal foi rejeitada pelo Bundesgerichtshof -

BGH (Supremo Tribunal de Justiça). Apreciando o recurso constitucional interposto pelo pequeno

jornal, entendeu o Bundesverfassungsgericht que a editora Springer não poderia valer-se de sua

superioridade econômica para fazer prevalecer a sua opinião. As opiniões contrapostas deveriam

concorrer em pé de igualdade, com recursos de caráter exclusivamente intelectual (geistige

Waffen); (3) No chamado ‘caso Wallraff’, um repórter, adotando uma identidade falsa, obteve um

emprego como jornalista na redação do jornal sensacionalista ‘Bild-Zeitung’. Essa experiência

forneceu-lhe material para um livro. A ação movida pela empresa jornalística contra o repórter e

seu editor foi rejeitada pelo Superior Tribunal de Justiça (Bundesgerichtshof). A Corte

Constitucional acolheu, todavia, o recurso constitucional interposto contra a decisão, entendendo

que ‘entre as condições da função de uma imprensa livre pertence a relação de confiança do

trabalho de redação’, sendo lícita, fundamentalmente, a pretensão manifestada no sentido de

impedir a publicação de informações obtidas mediante utilização de artifícios dolosos. A

orientação esposada pela Corte em todos esses precedentes parece sinalizar que, embora o

Bundesverfassungsgericht extraia a eficácia dos direitos fundamentais sobre as relações privadas

do significado objetivo destes para a ordem jurídica total, acaba ele por reconhecer efeito jurídico-

subjetivo a essas normas. Tal como enfatizado no ‘caso Blinkfüer’, se o juiz não reconhece, no caso

concreto, a influência dos direitos fundamentais sobre a relações privadas, então ele não apenas

lesa o direito constitucional objetivo, como também afronta direito fundamental considerado como

pretensão em face do Estado, ao qual, enquanto órgão estatal, está obrigado a observar. Assim,

ainda que se não possa cogitar de vinculação direta do cidadão aos direitos fundamentais, podem

esses direitos legitimar limitações à autonomia privada seja no plano da legislação, seja no plano

da Interpretação. É preciso acentuar que, diferentemente do que ocorre na relação direta entre o

Estado e o cidadão, na qual a pretensão outorgada ao indivíduo limita a ação do Poder Público, a

eficácia mediata dos direitos fundamentais refere-se primariamente a uma relação privada entre

cidadãos, de modo que o reconhecimento do direito de alguém implica o sacrifício de faculdades

reconhecidas a outrem. Em outros termos, a eficácia mediata dos direitos está freqüentemente

relacionada com um caso de colisão de direitos. A posição jurídica de um indivíduo em face de

outro somente pode prevalecer na medida em que se reconhece a prevalência de determinados

interesses sobre outros. Como enunciado, a teoria da ‘eficácia mediata’ (mittelbare Drittwirkung)

revela também a preocupação do Bundesverfassungsgericht com a aplicação/concretização dos

direitos fundamentais pelos Tribunais ordinários. A discussão sobre a eficácia indireta ganha

relevo na medida em que as valorações estabelecidas pela Constituição não coincidem com a

valoração do direito privado. Tal como sintetizado por Hesse, a orientação da Corte

Constitucional revela que a função dos direitos fundamentais enquanto elementos de uma ordem

objetiva impõe tão-somente a preservação de um standard mínimo de liberdade individual. Não se

impõe, porém, uma redução generalizada da liberdade individual a esse padrão mínimo. ‘Se o

Direito Privado deixa maior liberdade do que os direitos fundamentais, não deve a liberdade ser

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restringida mediante uma vinculação a esses direitos’. Hesse sustenta que os Direitos

Fundamentais não obstam a que os titulares assumam obrigações em face de outros entes

privados, uma vez que também a possibilidade de se vincular mediante atos livremente celebrados

integra a liberdade individual. Assim, seriam válidos, em princípio, contratos celebrados entre

pessoas privadas que limitassem a liberdade opinião e legítimas as decisões de um empregador que

selecionasse seus empregados com utilização de referenciais relacionados com a confissão religiosa

ou a convicção política. Não se pode perder de vista, porém, — adverte Hesse — que a liberdade

individual pode restar ameaçada pela utilização de mecanismos de poder econômico ou social, o

que acabaria por permitir a supressão daquele standard mínimo de liberdade pelo uso (abusivo)

de posições dominantes no plano econômico-social. Assim, entende Hesse que cabe ao legislador e,

se este se revelar omisso ou indiferente, ao próprio juiz, interpretar o direito privado à luz dos

direitos fundamentais (ïm Licht der Gründrechte), exercendo o dever de proteção (Schutzplicht)

que se impõe ao Estado. A crítica ao entendimento da Corte Constitucional alemã sobre a eficácia

mediata dos direitos fundamentais assenta-se tanto na sua débil fundamentação dogmática,

quanto na sua eventual desnecessidade. Quanto à fundamentação dogmática, afirma-se que a

doutrina da eficácia mediata dos direitos fundamentais no âmbito das relações privadas padece

dos mesmos problemas da jurisprudência sobre Constituição enquanto ordem valorativa

(Wertordnungsrechtprechung). A ausência de uma ordem objetiva de valores dificulta senão

impossibilita uma decisão clara sobre os valores que hão de prevalecer em uma dada situação de

conflito. A incerteza quanto aos critérios de ponderação e a existência de múltiplos critérios quase

permitiriam afirmar que uma orientação pelos valores básicos poderia fundamentar qualquer

decisão. O argumento relativo à desnecessidade da jurisprudência sobre a eficácia mediata

enfatiza que o recurso a essa teoria seria dispensável em caso de adequada aplicação do direito

ordinário. A teoria da aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas decorreria, assim,

de necessidade de correção de julgados dos Tribunais ordinários. A discussão que se trava aqui

refere-se exatamente à possibilidade de que o ganho obtido com a realização de justiça no caso

concreto acabe por comprometer a clareza dogmática nos planos constitucional e legal. Jürgen

Schwabe rejeita tanto a doutrina da aplicação imediata, quanto a aplicação mediata dos direitos

fundamentais, entendendo que a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas

decorre do próprio caráter estatal do direito privado. No âmbito do direito privado, as pretensões

não representariam mais do que o poder estatal sob a forma de proibição ou de prescrição. Essa

orientação, que muito se assemelha à doutrina americana da ‘state action’, tem algo em comum

com a doutrina da aplicação imediata dos direitos fundamentais às relações privadas: ambas

admitem uma aplicação direta dos direitos fundamentais no âmbito das relações privadas. A

diferença básica entre elas reside no fato de que para Schwabe não há que se cogitar de uma

eficácia horizontal (Drittwirkung), porquanto os direitos fundamentais devem ser aplicados até

mesmo contra uma decisão estatal (decisão legislativa; decisão judicial; execução judicial).

Qualquer que seja a orientação adotada, importa acentuar que a discussão sobre aplicação dos

direitos fundamentais às relações privadas está muito longe de assumir contornos dogmáticos

claros . É certo, por outro lado, que, a despeito do esforço desenvolvido pela doutrina, não se logra

divisar, com clareza, uma distinção precisa entre a questão material da Drittwirkung (eficácia dos

direitos fundamentais nas relações privadas) e a questão processual, que alça a Corte

Constitucional a um papel de um Supertribunal de Revisão.” (MENDES, Gilmar Ferreira.

Direitos Fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 2ª Ed.

rev. e ampliada. Celso Bastos Ed. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999.,

pp. 218-229). A propósito da state action, o tema tem sido objeto de instigantes estudos e

julgamentos nos Estados Unidos, os quais tem reconhecido a aplicação de direitos fundamentais

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para os casos em que estão envolvidos diretos civis (The Civil Right Cases), acordos privados

(Private Agreements), ou ainda sob a alegação de que a questão decidida demanda um conceito de

função pública (The Public Function Concept) (NOWAK, John; ROTUNDA, Ronald.

Constitutional Law. 5th Ed. St. Paul, Minn: West Publishing Co., 1995). No Brasil, a doutrina

recente tem se dedicado com afinco ao desenvolvimento do tema. Mencionam-se a propósito os

estudos de Daniel Sarmento, Ingo Sarlet, Paulo Gustavo Gonet Branco, Rodrigo de Oliveira

Kaufmann, André Rufino Valle, e Thiago Sombra, os quais também enfatizam o amadurecimento

dessa questão no Tribunal. Com base nas raras ocasiões em que a Corte se debruçou sobre o tema,

é possível delinear os contornos que a aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre

privadas pode assumir. (cf. SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio

de Janeiro: Lumen Iuris, 2004; SOMBRA, Thiago. A eficácia dos direitos fundamentais nas

relações jurídico-privadas: A identificação do contrato como ponto de encontro dos direitos

fundamentais. Sérgio Antônio Fabris Ed. Porto Alegre: 2004; VALLE, André Rufino. Eficácia dos

direitos fundamentais nas relações privadas. Sérgio Antônio Fabris Ed. Porto Alegre: 2004;

KAUFMANN, Rodrigo. Dimensões e Perspectivas da Eficácia Horizontal dos Direitos

Fundamentais. Possibilidades e limites de aplicação no Direito Constitucional Brasileiro. Tese para

a obtenção do título de Mestre em Direito apresentada em 2004 e orientada pelo Professor José

Carlos Moreira Alves; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Associações, Expulsão de Sócios e

Direitos Fundamentais, Direito Público v. 1, nº 2 (out. /dez. 2003) Porto Alegre: Síntese; Brasília:

Instituto Brasiliense de Direito Público, 2003, pp. 170-174; e SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia

dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998). Muitos desses estudos

desenvolveram-se também a partir dos positivos impulsos decorrentes das decisões proferidas por

esta Corte. No RE n° 160.222-RJ (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 01/09/1995), discutiu-se se

cometeria o crime de constrangimento ilegal, o gerente que exige das empregadas de certa

indústria de lingeries o cumprimento de cláusula constante nos contratos individuais de trabalho,

segundo a qual, elas deveriam se submeter a revistas íntimas, sob ameaça de dispensa. Elucidou a

ementa: “E M E N T A - I. Recurso extraordinário: legitimação da ofendida - ainda que

equivocadamente arrolada como testemunha -, não habilitada anteriormente, o que, porém, não a

inibe de interpor o recurso, nos quinze dias seguintes ao término do prazo do Ministério Público,

(STF, Sums. 210 e 448). II. Constrangimento ilegal: submissão das operárias de indústria de

vestuário a revista íntima, sob ameaça de dispensa; sentença condenatória de primeiro grau

fundada na garantia constitucional da intimidade e acórdão absolutório do Tribunal de Justiça,

porque o constrangimento questionado a intimidade das trabalhadoras, embora existente, fora

admitido por sua adesão ao contrato de trabalho: questão que, malgrado a sua relevância

constitucional, já não pode ser solvida neste processo, dada a prescrição superveniente, contada

desde a sentença de primeira instância e jamais interrompida, desde então.” (RE n° 160.222-RJ,

Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 01/09/1995) Em outro caso, o RE n° 158.215-RS (Rel. Min.

Marco Aurélio, DJ de 07/06/1996), esta Segunda Turma preconizou a incidência direta dos direitos

fundamentais sobre relações entre particulares. Tratava-se da hipótese de um membro expulso de

cooperativa sem o atendimento da garantia do contraditório e da ampla defesa no âmago do

devido processo legal. A ementa explicita tal raciocínio nos seguintes termos: “DEFESA -

DEVIDO PROCESSO LEGAL - INCISO LV DO ROL DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS

- EXAME - LEGISLAÇÃO COMUM. A intangibilidade do preceito constitucional assegurador do

devido processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da óptica

segundo a qual a violência à Carta Política da República, suficiente a ensejar o conhecimento de

extraordinário, há de ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal

exercer crivo sobre a matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada,

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com procedência, a transgressão a texto constitucional, muito embora torne-se necessário, até

mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à

inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de Direito - o da legalidade e do

devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de

normas estritamente legais. COOPERATIVA - EXCLUSÃO DE ASSOCIADO - CARÁTER

PUNITIVO - DEVIDO PROCESSO LEGAL. Na hipótese de exclusão de associado decorrente de

conduta contrária aos estatutos, impõe-se a observância ao devido processo legal, viabilizado o

exercício amplo da defesa. Simples desafio do associado à assembléia geral, no que toca à exclusão,

não é de molde a atrair adoção de processo sumário. Observância obrigatória do próprio estatuto

da cooperativa.” (RE n° 158.215-RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 07/06/1996) Paulo Gustavo

Gonet Branco analisa as tendências jurisprudenciais do Tribunal a partir desse julgamento: “A

segunda turma do Supremo Tribunal enxergou controvérsia constitucional apta a ensejar o

conhecimento e provimento de recurso extraordinário em causa em que se discutia a legitimidade

formal da expulsão de sócios de uma cooperativa, sem a observância dos preceitos estatutários

relativos à defesa dos excluídos. O relator, Ministro Marco Aurélio, dirigiu toda a apreciação do

caso para o ângulo da garantia constitucional da ampla defesa. Argumentou que ‘a exaltação de

ânimos não é de molde a afastar a incidência do preceito constitucional assegurador da plenitude

da defesa nos processos em geral. (…) Incumbia à Cooperativa, uma vez instaurado o processo,

dar aos acusados a oportunidade de defenderem-se e não excluí-los sumariamente do quadro de

associados(…), sem a abertura de prazo para produção de defesa e feitura de prova’. O acórdão

não se deteve em considerações acadêmicas sobre a eficácia dos direitos fundamentais nas relações

entre particulares, o que o torna ainda mais sugestivo. A decisão tomou como indiscutível que há

normas de direitos fundamentais que incidem diretamente sobre relações entre pessoas privadas.

Deixou para os comentadores os adornos doutrinários.” (BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.

Associações, Expulsão de Sócios e Direitos Fundamentais, Direito Público v. 1, nº 2 (out. /dez.

2003). Porto Alegre: Síntese; Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Público, 2003, pp. 170-174).

Por fim, no RE nº 161.243-DF (Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 19/12/1997), o Tribunal não

admitiu que a invocação do princípio da autonomia fosse argumento legítimo para discriminar,

nacionais de estrangeiros, no que concerne à percepção de benefícios constantes no estatuto

pessoal de determinada empresa. Consignou-se na ementa: “CONSTITUCIONAL. TRABALHO.

PRINCÍPIO DA IGUALDADE. TRABALHADOR BRASILEIRO EMPREGADO DE EMPRESA

ESTRANGEIRA: ESTATUTOS DO PESSOAL DESTA: APLICABILIDADE AO

TRABALHADOR ESTRANGEIRO E AO TRABALHADOR BRASILEIRO. C.F., 1967, art. 153,

§ 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput. I. - Ao recorrente, por não ser francês, não obstante trabalhar para

a empresa francesa, no Brasil, não foi aplicado o Estatuto do Pessoal da Empresa, que concede

vantagens aos empregados, cuja aplicabilidade seria restrita ao empregado de nacionalidade

francesa. Ofensa ao princípio da igualdade: C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput). II.

- A discriminação que se baseia em atributo, qualidade, nota intrínseca ou extrínseca do indivíduo,

como o sexo, a raça, a nacionalidade, o credo religioso, etc., é inconstitucional. Precedente do STF:

Ag 110.846 (AgRg)-PR, Célio Borja, RTJ 119/465. III. - Fatores que autorizariam a desigualização

não ocorrentes no caso. IV. - R.E. conhecido e provido.” (RE n° 161.243-DF, Rel. Min. Carlos

Velloso, DJ de 19/12/1997) Daniel Sarmento, após analisar detalhadamente a jurisprudência do

STF e dos demais tribunais pátrios sobre o assunto, observa: “..., é possível concluir que, mesmo

sem entrar na discussão das teses jurídicas sobre a forma de vinculação dos particulares aos

direitos fundamentais, a jurisprudência brasileira vem aplicando diretamente os direitos

individuais consagrados na Constituição na resolução de litígios privados.” (SARMENTO, Daniel.

Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2004, p.297). Não estou

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preocupado em discutir no atual momento qual a forma geral de aplicabilidade dos direitos

fundamentais que a jurisprudência desta Corte professa para regular as relações entre

particulares. Tenho a preocupação de, tão-somente, ressaltar que o Supremo Tribunal Federal já

possui histórico identificável de uma jurisdição constitucional voltada para a aplicação desses

direitos às relações privadas. O caso em exame apresenta singularidades. Conforme elucida o

parecer da Procuradoria-Geral da República, a Recorrente é “repassadora do numerário

arrecadado pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD)” (fls. 307). Destarte, a

exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do

contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual

fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. De outro

lado, diante da iminência de expulsão disciplinar, ainda que o recorrido tivesse optado por

ingressar em outras entidades congêneres, nacionais ou estrangeiras, o ônus subsistiria em razão

da eliminação automática do associado, nos termos do art. 18 do Estatuto Social da recorrente (fls.

48). Nesse particular, lembro que no julgamento de tema relativo à constitucionalidade do perfil

institucional do ECAD (ADI n° 2.054-DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 17.10.2003), o voto

condutor do Ministro Sepúlveda Pertence abriu a divergência no sentido de que a entidade

representa relevante papel no âmbito do sistema brasileiro de proteção aos direitos autorais,

podendo atuar até mesmo como “prestador de serviço público por delegação legislativa”. E tal

como anotara Pertence naquela oportunidade, a associação que se recusa a filiar-se ao ECAD

arcaria com a conseqüência grave de não participar da gestão coletiva de arrecadação e

distribuição de direitos autorais e, por conseguinte, não poder fazê-los isoladamente. Na

oportunidade do julgamento da referida ADIn, acompanhei a tese vencedora, nos seguintes

termos: “... não é necessário entrar na discussão sobre a contrariedade ao direito de associação

também, como já demonstrou o Ministro Sepúlveda Pertence, o fato de a Constituição de 88

explicitar essa liberdade negativa de associação não significa que ela não fosse existente entre nós

nas versões anteriores. Na espécie, disse que está em jogo não apenas a aplicação da liberdade de

associação, mas também a própria proteção do direito autoral. Por isso afigura-se-me legítima a

decisão legislativa que, ao fixar as normas de organização e procedimento, viabiliza a cobrança de

direitos autorais por uma entidade central. É evidente que o legislador considerou que esse seria o

modelo mais adequado para proteger um valor constitucional que estava previsto.” Destarte,

considerando que a União Brasileira de Compositores (UBC) integra a estrutura do ECAD, é

incontroverso que, no caso, ao restringir as possibilidades de defesa do recorrido, ela assume

posição privilegiada para determinar, preponderantemente, a extensão do gozo e fruição dos

direitos autorais de seu associado. Em outras palavras, trata-se de entidade que se caracteriza por

integrar aquilo que poderíamos denominar como espaço público ainda que não-estatal. Essa

realidade deve ser enfatizada principalmente porque, para os casos em que o único meio de

subsistência dos associados seja a percepção dos valores pecuniários relativos aos direitos autorais

que derivem de suas composições, a vedação das garantias constitucionais de defesa pode acabar

por lhes restringir a própria liberdade de exercício profissional. Logo, as penalidades impostas

pela recorrente ao recorrido, extrapolam, em muito, a liberdade do direito de associação e,

sobretudo, o de defesa. Conclusivamente, é imperiosa a observância das garantias constitucionais

do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (art. 5°, LIV e LV, da CF). Tem-se,

pois, caso singular, que transcende a simples liberdade de associar ou de permanecer associado.

Em certa medida, a integração a essas entidades configura, para um número elevado de pessoas,

quase que um imperativo decorrente do exercício de atividade profissional. Cabe assinalar, ainda,

as considerações de Paulo Branco relativamente ao caso específico de aplicação do direito de

ampla defesa nas hipóteses de exclusão de sócio ou de membro de associação particular: “É

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interessante notar, que também na esfera do direito internacional, vem-se firmando o princípio de

que os direitos humanos não somente vinculam os Estados negativamente, impedindo-os de afetar

os bens protegidos, como, por igual, criam para eles obrigações de agir, em defesa desses bens.

Serve de exemplo o caso X e Y v. Holanda, de 1985, em que a Corte Européia de Direitos Humanos

não hesitou em proclamar que os Estados convenentes estavam obrigados à ‘adoção de medidas

destinadas a assegurar o respeito à vida privada, mesmo na esfera das relações dos indivíduos

entre si’. Um dos direitos fundamentais que se apontam como de incidência no âmbito dos

relacionamentos privados é o direito de ampla defesa. Esse direito é tido como de observância

obrigatória, em se tratando de exclusão de sócio ou de membro de associação particular. É certo

que a associação tem autonomia para gerir a sua vida e a sua organização. É certo, ainda, que, no

direito de se associar, está incluída a faculdade de escolher com quem se associar, o que implica

poder de exclusão. O direito de associação, entretanto, não é absoluto e comporta restrições,

orientadas para o prestígio de outros direitos também fundamentais. A legitimidade dessas

interferências dependerá da ponderação a ser estabelecida entre os interesses constitucionais

confrontantes. A apreciação do fundamento dessas interferências, ainda, não pode prescindir de

variantes diversas, como o propósito que anima a existência da sociedade. Na jurisprudência da

Suprema Corte americana, há precedente distinguindo as sociedades voltadas para expressar um

ponto de vista — religioso ou ideológico — e outras, de cunho comercial, nonexpressive. Naquelas,

a interferência de outros interesses sobre a sua estrutura e gestão teria admissibilidade

consideravelmente mais restrita. Não somente nos Estados Unidos, mas também em outras

latitudes é conferida importância ao tipo de sociedade, com vistas a aferir o grau de controle do

Estado sobre as decisões da entidade, como a de expulsão de membro. Ferrer i Riba e Salvador

Coderch, com suporte na jurisprudência espanhola e na doutrina, produzem uma taxonomia de

associações, conforme o grau de controle possível das causas e procedimentos de exclusão de

sócios. Assim, as associações que detêm posição dominante na vida social ou econômica ou que

exercem funções de representação de interesses gozam de uma liberdade mais restrita na fixação

das causas de sanção e na imposição das mesmas. Para os autores, as entidades ‘que promovem

fins ideológicos integram o núcleo essencial da autonomia privada coletiva: as resoluções das

associações religiosas ou de pessoas que compartilham um certo ideário ou uma ou outra

concepção do mundo não estão, no fundamental, sujeitas a controle judicial’. Nas entidades de fins

associativos predominantemente econômicos, a expulsão seria revisável em consideração ao dano

patrimonial que pode causar ao excluído. É importante notar — assim o advertem a doutrina e a

jurisprudência espanholas — que nem toda pretensão decorrente de relação estatutária, surgida

no interior de uma entidade privada, pode ser alçada à hierarquia de questão constitucional. Nem

toda disputa em torno do estatuto associativo pode ser vista, primariamente, como controvérsia

própria do direito fundamental de associação, o que produz óbvia repercussão sobre a

competência da justiça constitucional. Casos, no entanto, de desprezo à garantia de defesa do

expulso — defesa que há de abranger a notificação das imputações feitas e o direito a ser ouvido

— tendem a ser inseridos na lista dos temas de índole constitucional, em que se admite, ademais, a

eficácia dos direitos fundamentais no âmbito das associações particulares. O direito de defesa

ampla assoma-se como meio indispensável para se prevenir situações de arbítrio, que

subverteriam a própria liberdade de se associar.” (BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Associações,

Expulsão de Sócios e Direitos Fundamentais, Direito Público v. 1, nº 2 (out. /dez. 2003) Porto

Alegre: Síntese; Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Público, 2003, pp. 172-173) Essas

considerações parecem fornecer diretrizes mais ou menos seguras e, até certa parte, amplas, para

a aplicação do direito de defesa no caso de exclusão de associados. Todavia, afigura-se-me decisivo

no caso em apreço, tal como destacado, a singular situação da entidade associativa, integrante do

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sistema ECAD, que, como se viu na ADI n° 2.054-DF, exerce uma atividade essencial na cobrança

de direitos autorais, que poderia até configurar um serviço público por delegação legislativa. Esse

caráter público ou geral da atividade parece decisivo aqui para legitimar a aplicação direta dos

direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa

(art. 5°, LIV e LV, da CF) ao processo de exclusão de sócio de entidade. Estando convencido,

portanto, de que as particularidades do caso concreto legitimam a aplicabilidade dos direitos

fundamentais referidos já pelo caráter público — ainda que não estatal — desempenhado pela

entidade, peço vênia para divergir, parcialmente, da tese apresentada pela Eminente Relatora.

Voto, portanto, pelo conhecimento do recurso e, no mérito, pelo seu desprovimento. * acórdão

pendente de publicação

RE 201819

1.9 CONTEÚDO ESSENCIAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Aproximação do tema: 1) a importância do conceito em algumas Constituições européias

(Portugal, Espanha e Alemanha). Aplicação da teoria na Constituição brasileira; 2) função da

garantia do núcleo essencial (conteúdo essencial): RESTRIÇÃO ÀS RESTRIÇÕES AOS

DIREITOS FUNDAMENTAIS.

TEORIAS APLICÁVEIS:

I ) TEORIA RELATIVA: o conteúdo essencial dos direitos fundamentais é aquilo que resulta

depois da aplicação do princípio da proporcionalidade. PRESSUPOSTOS: 1) inexistência de

algum elemento permanente indentificável como conteúdo essencial; 2) O conteúdo essencial

dos direitos fundamentais não é uma medida preestabeleida e fixa; 3) O conteúdo essencial não

é uma para estável e autônoma do direito fundamental; 4) O conteúdo essencial dos direitos

fundamentais é aquilo que resta da aplicação da máxima da proporcionalidade. RESUMO DA

TEORIA RELATIVA: 1) o conteúdo essencial será respeitado toda vez que a limitação ao

direito fundamental se encontra justificada (ponderação); 2) o limite ao direito fundamental é

constitucionalmente correto quando se justifica adequadamente na necessidade de proteção a

outros direitos protegidos; 3) garantia do conteúdo essencial e princípio (máxima) da

proporcionalidade se identificam.

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II ) TEORIA ABSOLUTA: Sustenta a existência de uma determinada esfera permanente do

direito fundamental que constitui seu núcleo essencial (conteúdo essencial). Elementos da teoria

absoluta: 1) existência, em cada direito, de duas partes distintas, a saber: a) um núcleo

(conteúdo essencial); b) uma parte acessória (não essencial); 2) Assim, somente uma parte do

direito pode ser classificado como conteúdo essencial. DIFERENÇAS ENTRE NÚCLEO E

ACESSÓRIA, SEGUNDO TEORIA ABSOLUTA: a diferença entre ambos radica precisamente

na “essenciabilidade”: somente aquela parte dos elementos integrantes do conteúdo que seja

absolutamente indispensável para o reconhecimento jurídico do direito enquanto tal pode ser

considerada constitutiva do conteúdo essencial. O CONTEÚDO ESSENCIAL SERIA O

ÂMBITO MÍNIMO DE LIVRE AUTODETERMINAÇÃO DO SUJEITO, GRANTIDO POR

CADA DIREITO FUNDAMENTAL, EM QUE SE ENCONTRA COMPLETAMENTE

EXCLUÍDA A AÇÃO ESTATAL – O ESPAÇO IMUNE AO ESTADO. RESUMO DA

TEORIA: 1) Existência de uma descrição espacial do conteúdo essencial dos direitos

fundamentais: a) existe um espaço interior, no qual a ingerência estatal se encontra vedada; b)

anel exterior, no qual a intervenção é possível. FUNÇÃO DO PRINCÍPIO DA

PROPORCIONALIDADE NA TEORIA ABSOLUTA: controlar as restrições quando essa é

possível, ou seja, na parte acessória dos direitos fundamentais.

III CRÍTICAS ÀS TEORIAS. A) RELATIVA: Descaracteriza por completo a garantia

constitucional do conteúdo essencial, ao equipará-la ao princípio da proporcionalidade.

Transforma a garantia do núcleo essencial em mera garantia FORMAL; B) ABSOLUTA:

Relativização do direito, ao criar uma dupla classificação interna aos direitos fundamentais

(núcleo e acessório), abrindo-se, em última instância, à livre disposição do legislador uma parte

importante dos direitos fundamentais. Dificuldade em determinar o núcleo essencial de cada

direito fundamental.

Decisões do Supremo Tribunal Federal envolvendo a teoria do conteúdo essencial dos

direitos fundamentais:

Informativo 432 (AC-1255)

Título: Competência Ambiental Comum (União/Estado-membro) - Projetos Conflitantes -

Critérios de Superação - Desapropriação Federal de Bens Públicos Estaduais (Transcrições)

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Artigo

Competência Ambiental Comum (União/Estado-membro) - Projetos Conflitantes - Critérios de

Superação - Desapropriação Federal de Bens Públicos Estaduais (Transcrições) AC 1255 MC/RR*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO EMENTA: DIREITO AMBIENTAL. CRIAÇÃO DE

RESERVA EXTRATIVISTA. PROCEDIMENTO DE INSTITUIÇÃO DESSA UNIDADE DE

USO SUSTENTÁVEL. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE CONSULTA PÚBLICA (LEI Nº

9.985/2000, ART. 22, §§ 2º E 3º, C/C O DECRETO Nº 4.340/2002, ART. 5º, “CAPUT”).

PRECEDENTE DO STF. INSTITUIÇÃO, PELA UNIÃO FEDERAL, DE RESERVA

EXTRATIVISTA EM ÁREA QUE COMPREENDE TERRAS PÚBLICAS PERTENCENTES A

UM ESTADO-MEMBRO DA FEDERAÇÃO. EXISTÊNCIA DE POTENCIAL CONFLITO

FEDERATIVO. INSTAURAÇÃO DA COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL, COMO TRIBUNAL DA FEDERAÇÃO. PRECEDENTES. A

QUESTÃO DA DESAPROPRIAÇÃO, PELA UNIÃO FEDERAL, DE BENS INTEGRANTES

DO DOMÍNIO PÚBLICO ESTADUAL. POSSIBILIDADE DO ATO EXPROPRIATÓRIO,

SUJEITO, NO ENTANTO, QUANTO À SUA EFETIVAÇÃO, À PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

LEGISLATIVA DO CONGRESSO NACIONAL (DL Nº 3.365/41, ART. 2º, § 2º). CONTROLE

POLÍTICO, PELO PODER LEGISLATIVO DA UNIÃO, DO ATO EXCEPCIONAL DE

EXPROPRIAÇÃO FEDERAL DE BENS INTEGRANTES DO PATRIMÔNIO IMOBILIÁRIO

ESTADUAL. DOUTRINA. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO REGULAR

PROCEDIMENTO EXPROPRIATÓRIO, INCLUSIVE COM O RECONHECIMENTO DO

DEVER DA UNIÃO FEDERAL DE INDENIZAR O ESTADO-MEMBRO. PRECEDENTES DO

STF. CONFLITO ENTRE A UNIÃO FEDERAL E AS DEMAIS UNIDADES FEDERADAS,

QUANDO NO EXERCÍCIO, EM TEMA AMBIENTAL, DE SUA COMPETÊNCIA MATERIAL

COMUM. CRITÉRIOS DE SUPERAÇÃO DESSE CONFLITO: CRITÉRIO DA

PREPONDERÂNCIA DO INTERESSE E CRITÉRIO DA COLABORAÇÃO ENTRE AS

PESSOAS POLÍTICAS. RECONHECIMENTO, NA ESPÉCIE, EM JUÍZO DE DELIBAÇÃO,

DO CARÁTER MAIS ABRANGENTE DO INTERESSE DA UNIÃO FEDERAL.

INOCORRÊNCIA, AINDA, DE SITUAÇÃO DE IRREVERSIBILIDADE DECORRENTE DA

CONSULTA PÚBLICA CONVOCADA PELO IBAMA. MEDIDA LIMINAR INDEFERIDA.

DECISÃO: Trata-se de “ação cautelar inominada”, de caráter preparatório, com pedido de

medida liminar, ajuizada pelo Estado de Roraima em face da União Federal e do IBAMA,

promovida com o objetivo de suspender a realização de consulta pública, cuja convocação, para os

dias 17 e 24 de junho (fls. 19), fundada na Lei nº 9.985/2000 (art. 22, § 2º), destina-se a compor

fase do procedimento estatal de criação de Reserva Extrativista, dentro de cujos limites situam-se

terras públicas pertencentes ao autor, consoante alegação por este deduzida com apoio em

certidão do registro imobiliário (fls. 24). O autor, Estado de Roraima, sustenta que esse

procedimento ofende o pacto federativo (fls. 06/07), desrespeita o direito de propriedade de

Roraima sobre terras públicas estaduais (fls. 08), transgride os limites da competência

administrativa do IBAMA, enquanto entidade executora da política nacional do meio ambiente

(fls. 12/14) e compromete a execução de projetos que essa unidade da Federação instituiu –

“projetos de assentamento, reserva extrativista e programa de manejo florestal em benefício da

população ribeirinha” (fls. 09) – na mesma área sobre a qual incide “a proposta de criação da

Reserva Extrativista Baixo Rio Branco - Jauaperi” (fls. 21), o que – segundo alegado na petição

inicial – vulnera a autonomia estadual (fls. 09/11) e afeta o direito do Estado de Roraima ao seu

próprio desenvolvimento (fls. 08/09). Sendo esse o contexto, passo a examinar, preliminarmente,

considerada a norma inscrita no art. 102, I, “f”, da Constituição da República, se a presente causa

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inclui-se, ou não, na esfera de competência originária do Supremo Tribunal Federal. Sabemos que

essa regra de competência confere, ao Supremo Tribunal Federal, a posição eminente de Tribunal

da Federação, atribuindo, a esta Corte, em tal condição institucional, o poder de dirimir as

controvérsias, que, ao irromperem no seio do Estado Federal, culminam, perigosamente, por

antagonizar as unidades que compõem a Federação. Essa magna função jurídico-institucional da

Suprema Corte impõe-lhe o gravíssimo dever de velar pela intangibilidade do vínculo federativo e

de zelar pelo equilíbrio harmonioso das relações políticas entre as pessoas estatais que integram a

Federação brasileira. Daí a observação constante do magistério doutrinário (MANOEL

GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 2/219-

220, 1992, Saraiva), cuja lição, ao ressaltar essa qualificada competência constitucional do

Supremo Tribunal Federal, acentua: “Reponta aqui o papel do Supremo Tribunal Federal como

órgão de equilíbrio do sistema federativo. Pertencente embora à estrutura da União, o Supremo

tem um caráter nacional que o habilita a decidir, com independência e imparcialidade, as causas e

conflitos de que sejam partes, em campos opostos, a União e qualquer dos Estados federados.” É

por essa razão que o Supremo Tribunal Federal, ao interpretar a norma de competência inscrita

no art. 102, I, “f”, da Carta Política, veio a proclamar que “o dispositivo constitucional invocado

visa a resguardar o equilíbrio federativo” (RTJ 81/330-331, Rel. Min. XAVIER DE

ALBUQUERQUE), advertindo, por isso mesmo, que não é qualquer causa que legitima a

invocação do preceito constitucional referido, mas, exclusivamente, aquelas controvérsias de que

possam derivar situações caracterizadoras de conflito federativo (RTJ 132/109 – RTJ 132/120).

Esse entendimento jurisprudencial evidencia que a aplicabilidade da norma inscrita no art. 102, I,

“f”, da Carta Política restringe-se, tão-somente, àqueles litígios cuja potencialidade ofensiva

revela-se apta a vulnerar os valores que informam o princípio fundamental que rege, em nosso

ordenamento jurídico, o pacto da Federação. Não é por outro motivo que esta Suprema Corte tem

advertido, em sucessivas decisões (RTJ 81/675 – RTJ 95/485, v.g.), que, ausente qualquer situação

que introduza instabilidade no equilíbrio federativo ou que ocasione ruptura da harmonia que

deve prevalecer nas relações entre as entidades integrantes do Estado Federal, deixa de incidir,

ante a inocorrência dos seus pressupostos de atuação, a norma de competência que confere, a esta

Suprema Corte, como acima já enfatizado, o papel eminente de Tribunal da Federação (ACO 597-

AgR/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno). Reconheço, pois, na espécie, na linha dos

precedentes mencionados, a competência originária do Supremo Tribunal Federal para processar

e julgar a presente causa, por nela vislumbrar a potencial ocorrência de conflito federativo, o que

autoriza esta Suprema Corte a examinar o pedido liminar deduzido pelo Estado de Roraima (fls.

02/19). Cumpre examinar, agora, assentada a competência originária desta Suprema Corte para

apreciar o litígio em questão, a postulação cautelar deduzida, pelo Estado de Roraima, na

presente sede processual. A questão central suscitada nesta causa consiste em saber se a União

Federal, agindo por si ou por intermédio do IBAMA, pode, ou não, instituir reservas extrativistas

em áreas que compreendem terras pertencentes a um determinado Estado-membro e nas quais tal

unidade federada esteja a implantar e a desenvolver projetos da mesma natureza. Sabemos que,

no sistema constitucional brasileiro, a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os

Municípios dispõem de competência para adotar medidas tendentes a assegurar a proteção

ambiental (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Direito Ambiental Constitucional”, p. 75, item n. 8, 5ª

ed., 2004, Malheiros), mesmo porque a preservação da integridade do meio ambiente – além de

representar direito fundamental que assiste à generalidade das pessoas – traduz obrigação

político-jurídica indeclinável que se impõe a todas as esferas de poder, como esta Suprema Corte

já teve o ensejo de reconhecer e proclamar: “- Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que

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assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a

especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse

direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento

desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da

coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de

solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas

em geral. Doutrina. ....................................................... - O princípio do desenvolvimento

sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte

legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator

de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no

entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores

constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem

esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à

preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser

resguardado em favor das presentes e futuras gerações.” (ADI 3.540-MC/DF, Rel. Min. CELSO

DE MELLO, Pleno) É certo que os limites de atuação normativa e administrativa das pessoas

políticas que compõem a estrutura institucional da Federação brasileira (CF, art. 18, “caput”)

acham-se predeterminados no próprio texto da Constituição da República, que define, mediante a

técnica dos poderes enumerados e residuais, a esfera de atribuições de cada uma das unidades

integrantes do Estado Federal, como resulta claro do que dispõem os arts. 21 a 24 da Lei

Fundamental. Nesse contexto, cabe, à União Federal, considerada a maior abrangência dos

interesses por cuja defesa deve velar, o desempenho de um papel de alto relevo no plano da

proteção ambiental e da utilização dos mecanismos inerentes ao fiel adimplemento de tal encargo

constitucional. Expressivo, sob tal aspecto, o douto magistério de JOSÉ AFONSO DA SILVA

(“Direito Ambiental Constitucional”, p. 76, item n. 10, 5ª ed., 2004, Malheiros), que bem situa o

exercício, pela União Federal, dos poderes que derivam de sua competência constitucional em

tema de proteção ao meio ambiente: “À União resta uma posição de supremacia no que tange à

proteção ambiental. A ela incumbe a Política geral do Meio Ambiente, o que já foi materializado

pela Lei 6.938, de 1981. Cabe-lhe elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do

território (art. 21, IX). Só nisso já se tem uma base sólida para o estabelecimento de planos

nacionais e regionais de proteção ambiental.” (grifei) Vê-se, portanto, considerada a repartição

constitucional de competências em matéria ambiental, que, na eventualidade de surgir conflito

entre as pessoas políticas no desempenho de atribuições que lhes sejam comuns – como sucederia,

p. ex., no exercício da competência material a que aludem os incisos VI e VII do art. 23 da

Constituição –, tal situação de antagonismo resolver-se-á mediante aplicação do critério da

preponderância do interesse e, quando tal for possível, pela utilização do critério da cooperação

entre as entidades integrantes da Federação, tal como observa, em preciso magistério, CELSO

ANTONIO PACHECO FIORILLO (“Curso de Direito Ambiental Brasileiro”, p. 79, item n. 4.2,

7ª ed., 2006, Saraiva): “Por vezes, o fato de a competência ser comum a todos os entes federados

poderá tornar difícil a tarefa de discernir qual a norma administrativa mais adequada a uma

determinada situação. Os critérios que deverão ser verificados para tal análise são: a) o critério da

preponderância do interesse; e b) o critério da colaboração (cooperação) entre os entes da

Federação, conforme determina o já transcrito parágrafo único do art. 23. Desse modo, deve-se

buscar, como regra, privilegiar a norma que atenda de forma mais efetiva ao interesse comum.”

(grifei) Isso significa que, concorrendo projetos da União Federal e do Estado-membro visando à

instituição, em determinada área, de reserva extrativista, o conflito de atribuições será suscetível

de resolução, caso inviável a colaboração entre tais pessoas políticas, pela aplicação do critério da

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preponderância do interesse, valendo referir – como já assinalado – que, ordinariamente, os

interesses da União revestem-se de maior abrangência. Assentadas tais premissas, examino o

pleito cautelar deduzido pelo Estado de Roraima, assinalando, desde logo, que, dentre as unidades

de conservação que compõem o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza

(SNUC), estão as unidades de uso sustentável (Lei nº 9.985/2000, art. 7º, II), em cujo Grupo se

inclui, como categoria autônoma, a Reserva Extrativista (“lex cit.”, art. 14, IV), definida, pela

legislação ambiental (Lei nº 9.985/2000, art. 18, “caput”), como “uma área utilizada por

populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e,

complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e

tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o

uso sustentável dos recursos naturais da unidade”. O processo de instituição da reserva

extrativista – área que se qualifica como de domínio público, com uso concedido às populações

extrativistas tradicionais mediante contrato de concessão de direito real de uso, além da

formalização de termo de compromisso, ambos necessariamente compatíveis com o Plano de

Manejo da unidade de conservação (Lei nº 9.985/2000, arts. 18, § 1º, e 23, c/c o Decreto nº

4.340/2002, art. 13) – compõe-se de diversas fases, dentre as quais destacam-se, como estágios

prévios, a efetivação de estudos técnicos e a realização de consulta pública (“lex cit.”, art. 22, §§ 2º

e 3º), sendo que esta tem por finalidade “subsidiar a definição da localização, da dimensão e dos

limites mais adequados para a unidade” (Decreto nº 4.340/2002, art. 5º, “caput”). Uma vez

formalmente instituída a reserva extrativista, o ato de sua criação – além de indicar as atividades

econômicas, de segurança e de defesa nacional nela compreendidas (Decreto nº 4.340/2002, art. 2º,

IV) – legitimará a imposição de proibições e a adoção de restrições e limitações administrativas

previstas na legislação ambiental (Lei nº 9.985/2000, art. 18, §§ 3º a 7º), em ordem a preservar,

recuperar, defender e manter tal unidade de conservação. As áreas públicas pertencentes aos

Estados-membros (como sucede na espécie) e aos Municípios, de um lado, e as áreas sob domínio

privado, de outro, quando incluídas nos limites da reserva extrativista criada por ato federal,

deverão ser objeto de regular processo expropriatório por parte da União Federal, considerada a

garantia a todos assegurada pela Constituição da República (CF, art. 5º, incisos XXII e XXIV),

notadamente aquela consistente na obrigação estatal de efetivar a justa indenização, ainda que o

expropriado – atingido, em seu patrimônio, por ato da própria União Federal – seja uma entidade

integrante da Federação (RTJ 50/686 – RTJ 62/465 – RTJ 93/788, v.g.). Tratando-se de áreas

públicas pertencentes aos Estados- membros, e devendo estas ser incluídas nos limites da reserva

extrativista projetada pela União Federal, a esta impor-se-á, para efeito de formalização da

declaração expropriatória, a prévia obtenção de autorização legislativa a ser concedida pelo

Congresso Nacional, em face do que dispõe a Lei Geral das Desapropriações (Decreto-lei nº

3.365/41, art. 2º, § 2º). Não obstante a União Federal detenha primazia expropriatória sobre os

bens dos Estados-membros (CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito

Administrativo”, p. 745, item n. 19, 15ª ed., 2003, Malheiros), torna-se essencial – considerada a

necessidade de preservação da harmonia nas relações institucionais entre as pessoas políticas

integrantes da Federação – que a desapropriação, presente tal contexto, seja precedida de

autorização legislativa, o que permitirá, ao Congresso Nacional (notadamente ao Senado Federal,

que é o garante do equilíbrio da organização federativa), o exercício do controle político sobre ato

que se reveste de tão grave repercussão no plano do domínio patrimonial dos entes que compõem

o Estado Federal brasileiro. A razão de ser dessa primazia expropriatória – que confere

precedência à União Federal em face dos bens pertencentes às demais unidades federadas –

justifica a legitimidade do ato excepcional da desapropriação que incide sobre o patrimônio

imobiliário dos Estados-membros, sem que tal procedimento represente ofensa ao estatuto

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constitucional da Federação (JOSÉ CARLOS DE MORAES SALLES, “A Desapropriação à Luz

da Doutrina e da Jurisprudência”, p. 135/140, itens ns. 3.5 e 3.6, 4ª ed., 2000, RT; HELY LOPES

MEIRELLES, “Direito Administrativo Brasileiro”, p. 598, item n. 2.1.2, 31ª ed., atualizada por

Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, 2005,

Malheiros; DIOGENES GASPARINI, “Direito Administrativo”, p. 657/658, item n. 2, 8ª ed., 2003,

Saraiva, v.g.), cabendo referir, neste ponto, ante a extrema pertinência de suas observações, o

douto magistério de LUCIA VALLE FIGUEIREDO (“Curso de Direito Administrativo”, p.

311/312, item n. 4.5, 4ª ed., 2000, Malheiros): “Pergunta que se põe: se estamos diante de uma

Federação e não há hierarquia entre os entes políticos, qual a explicação para essa ordem

hierárquica? A explicação, consoante se nos afigura, diz respeito à hierarquia de interesses. Na

verdade, os interesses da União, de espectro mais amplo, devem preferir aos interesses do Estado,

e assim sucessivamente.” (grifei) Isso tudo evidencia, em princípio, notadamente em face da norma

de competência exclusiva inscrita no art. 21, IX, da Constituição da República, o caráter

preponderante (porque mais abrangente) do interesse da União Federal em tema ambiental, em

ordem a reconhecer-se-lhe, ordinariamente, precedência, se e quando concorrerem, relativamente

à mesma área, projetos federais e estaduais eventualmente conflitantes, ressalvada, no entanto, a

possibilidade constitucional – sempre desejável – de cooperação entre a União, os Estados, o

Distrito Federal e os Municípios, nos termos de lei complementar da própria União, cujas normas

considerarão, para efeito da referida colaboração, o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar

em âmbito nacional (CF, art. 23, parágrafo único). Presentes as razões expostas, não vejo como

acolher a pretendida suspensão cautelar da consulta pública em questão, cuja realização –

tratando-se de criação de unidade de conservação (como a Reserva Extrativista) –, além de

constituir exigência imposta pelo ordenamento positivo (Lei nº 9.985/2000, art. 22, § 2º), que dela

unicamente exclui a instituição de Estação Ecológica ou de Reserva Biológica, foi considerada

imprescindível pelo Supremo Tribunal Federal: “(...) O processo de criação e ampliação das

unidades de conservação deve ser precedido da regulamentação da lei, de estudos técnicos e de

consulta pública. O parecer emitido pelo Conselho Consultivo do Parque não pode substituir a

consulta exigida na lei. O Conselho não tem poderes para representar a população local.” (MS

24.184/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Pleno - grifei) Observo, por necessário, em face da

alegada ocorrência de “periculum in mora”, que a realização da consulta pública não faz

instaurar situação de irreversibilidade, seja porque dela poderá resultar resposta negativa da

população interessada, seja, ainda, em caso de resposta afirmativa, porque o ato de criação da

mencionada Reserva Extrativista Baixo Rio Branco - Jauaperi dependerá de expropriação das

terras públicas estaduais nela compreendidas (o que apenas se viabilizará mediante prévia

autorização legislativa do Congresso Nacional), cabendo referir também que o ato de instituição

de tal unidade de conservação será passível, em tese, de invalidação por esta Suprema Corte, se e

quando julgada eventualmente procedente a ação principal a ser ajuizada pelo Estado de Roraima

(fls. 18). Cumpre relembrar, finalmente, por oportuno, que o deferimento de medida liminar,

resultante do concreto exercício do poder cautelar geral outorgado aos juízes e Tribunais, somente

se justificará em face de situações que se ajustem aos pressupostos da plausibilidade jurídica

(“fumus boni juris”), de um lado, e da possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação

(“periculum in mora”), de outro. Sem que concorram esses dois requisitos – que são necessários,

essenciais e cumulativos –, não se legitima a concessão da medida liminar. Sendo assim, e em face

das razões expostas, indefiro o pedido de medida cautelar, mantendo-se, em conseqüência, as

reuniões públicas que o IBAMA realizará nos próximos dias 17 e 24/06/2006 (fls. 21/22). Publique-

se. Brasília, 16 de junho de 2006 (21:50h). Ministro CELSO DE MELLO Relator * decisão

publicada no DJU de 22.6.2006

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AC 1255

Informativo 393 (Inq-1957)

Título: Persecução Penal e Delação Anônima (Transcrições)

Artigo

Persecução Penal e Delação Anônima (Transcrições) (v. Informativo 387) Inq 1957/PR*

RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO VOTO DO MIN. CELSO DE MELLO: Sabemos,

Senhor Presidente, que o veto constitucional ao anonimato, nos termos em que enunciado (CF, art.

5º, IV, “in fine”), busca impedir a consumação de abusos no exercício da liberdade de

manifestação do pensamento e na formulação de denúncias apócrifas, pois, ao exigir-se a

identificação de seu autor, visa-se, em última análise, com tal medida, a possibilitar que eventuais

excessos derivados de tal prática sejam tornados passíveis de responsabilização, “a posteriori”,

tanto na esfera civil quanto no âmbito penal, em ordem a submeter aquele que os cometeu às

conseqüências jurídicas de seu comportamento. Essa cláusula de vedação - que jamais deverá ser

interpretada como forma de nulificação das liberdades do pensamento - surgiu, no sistema de

direito constitucional positivo brasileiro, com a primeira Constituição republicana, promulgada

em 1891 (art. 72, § 12). Com tal proibição, o legislador constituinte, ao não permitir o anonimato,

objetivava inibir os abusos cometidos no exercício concreto da liberdade de manifestação do

pensamento, para, desse modo, viabilizar a adoção de medidas de responsabilização daqueles que,

no contexto da publicação de livros, jornais, panfletos ou denúncias apócrifas, viessem a ofender o

patrimônio moral das pessoas agravadas pelos excessos praticados, consoante assinalado por

eminentes intérpretes daquele Estatuto Fundamental (JOÃO BARBALHO, “Constituição Federal

Brasileira - Comentários”, p. 423, 2ª ed., 1924, F. Briguiet; CARLOS MAXIMILIANO,

“Comentários à Constituição Brasileira”, p. 713, item n. 440, 1918, Jacinto Ribeiro dos Santos

Editor, “inter alia”). Vê-se, portanto, tal como observa DARCY ARRUDA MIRANDA

(“Comentários à Lei de Imprensa”, p. 128, item n. 79, 3ª ed., 1995, RT), que a proibição do

anonimato tem um só propósito, qual seja, o de permitir que o autor do escrito ou da publicação

possa expor-se às conseqüências jurídicas derivadas de seu comportamento abusivo. Nisso

consiste, portanto, a “ratio” subjacente à norma, que, inscrita no inciso IV do art. 5º, da

Constituição da República, proclama ser “livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o

anonimato” (grifei). Torna-se evidente, pois, Senhor Presidente, que a cláusula que proíbe o

anonimato - ao viabilizar, “a posteriori”, a responsabilização penal e/ou civil do ofensor - traduz

medida constitucional destinada a desestimular manifestações abusivas do pensamento, de que

possa decorrer gravame ao patrimônio moral das pessoas injustamente desrespeitadas em sua

esfera de dignidade, qualquer que seja o meio utilizado na veiculação das imputações

contumeliosas. Esse entendimento é perfilhado por ALEXANDRE DE MORAES (“Constituição

do Brasil Interpretada”, p. 207, item n. 5.17, 2002, Atlas), UADI LAMMÊGO BULOS

(“Constituição Federal Anotada”, p. 91, 4ª ed., 2002, Saraiva) e CELSO RIBEIRO BASTOS/IVES

GANDRA MARTINS (“Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 2/43-44, 1989, Saraiva),

dentre outros eminentes autores, cujas lições enfatizam, a propósito do tema, que a proibição do

anonimato - por tornar necessário o conhecimento da autoria da comunicação feita - visa a fazer

efetiva, “a posteriori”, a responsabilidade penal e/ou civil daquele que abusivamente exerceu a

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liberdade de expressão. Lapidar, sob tal perspectiva, o magistério de JOSÉ AFONSO DA SILVA

(“Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 244, item n. 15.2, 20ª ed., 2002, Malheiros), que, ao

interpretar a razão de ser da cláusula constitucional consubstanciada no art. 5º, IV, “in fine”, da

Lei Fundamental, assim se manifesta: “A liberdade de manifestação do pensamento tem seu ônus,

tal como o de o manifestante identificar-se, assumir claramente a autoria do produto do

pensamento manifestado, para, em sendo o caso, responder por eventuais danos a terceiros. Daí

porque a Constituição veda o anonimato. A manifestação do pensamento não raro atinge situações

jurídicas de outras pessoas a que corre o direito, também fundamental individual, de resposta.

(...).” (grifei) É inquestionável, Senhor Presidente, que a delação anônima, notadamente quando

veicular a imputação de supostas práticas delituosas, pode fazer instaurar situações de tensão

dialética entre valores essenciais - igualmente protegidos pelo ordenamento constitucional -, dando

causa ao surgimento de verdadeiro estado de colisão de direitos, caracterizado pelo confronto de

liberdades revestidas de idêntica estatura jurídica, a reclamar solução que, tal seja o contexto em

que se delineie, torne possível conferir primazia a uma das prerrogativas básicas em relação de

antagonismo com determinado interesse fundado em cláusula inscrita na própria Constituição. O

caso veiculado na presente questão de ordem suscitada pelo eminente Ministro MARCO

AURÉLIO pode traduzir, eventualmente, a ocorrência, na espécie, de situação de conflituosidade

entre direitos básicos titularizados por sujeitos diversos. Com efeito, há, de um lado, a norma

constitucional, que, ao vedar o anonimato (CF, art. 5º, IV), objetiva fazer preservar, no processo

de livre expressão do pensamento, a incolumidade dos direitos da personalidade (como a honra, a

vida privada, a imagem e a intimidade), buscando inibir, desse modo, delações de origem anônima

e de conteúdo abusivo. E existem, de outro, certos postulados básicos, igualmente consagrados

pelo texto da Constituição, vocacionados a conferir real efetividade à exigência de que os

comportamentos individuais, registrados no âmbito da coletividade, ajustem-se à lei e mostrem-se

compatíveis com padrões ético-jurídicos decorrentes do próprio sistema de valores que a nossa Lei

Fundamental consagra. Assentadas tais premissas, Senhor Presidente, entendo que a superação

dos antagonismos existentes entre princípios constitucionais há de resultar da utilização, pelo

Supremo Tribunal Federal, de critérios que lhe permitam ponderar e avaliar, “hic et nunc”, em

função de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica concreta, qual deva ser o direito

a preponderar no caso, considerada a situação de conflito ocorrente, desde que, no entanto, a

utilização do método da ponderação de bens e interesses não importe em esvaziamento do

conteúdo essencial dos direitos fundamentais, tal como adverte o magistério da doutrina

(DANIEL SARMENTO, “A Ponderação de Interesses na Constituição Federal” p. 193/203,

“Conclusão”, itens ns. 1 e 2, 2000, Lumen Juris; LUÍS ROBERTO BARROSO, “Temas de Direito

Constitucional”, p. 363/366, 2001, Renovar; JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Os

Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, p. 220/224, item n. 2, 1987,

Almedina; FÁBIO HENRIQUE PODESTÁ, “Direito à Intimidade. Liberdade de Imprensa.

Danos por Publicação de Notícias”, in “Constituição Federal de 1988 - Dez Anos (1988-1998)”, p.

230/231, item n. 5, 1999, Editora Juarez de Oliveira; J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito

Constitucional”, p. 661, item n. 3, 5ª ed., 1991, Almedina; EDILSOM PEREIRA DE FARIAS,

“Colisão de Direitos”, p. 94/101, item n. 8.3, 1996, Fabris Editor; WILSON ANTÔNIO

STEINMETZ, “Colisão de Direitos Fundamentais e Princípio da Proporcionalidade”, p. 139/172,

2001, Livraria do Advogado Editora; SUZANA DE TOLEDO BARROS, “O Princípio da

Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos

Fundamentais”, p. 216, “Conclusão”, 2ª ed., 2000, Brasília Jurídica). Tenho para mim, portanto,

Senhor Presidente, em face do contexto referido nesta questão de ordem, que nada impedia, na

espécie em exame, que o Poder Público, provocado por denúncia anônima, adotasse medidas

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informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária, “com prudência e

discrição” (JOSÉ FREDERICO MARQUES, “Elementos de Direito Processual Penal”, vol. I/147,

item n. 71, 2ª ed., atualizada por Eduardo Reale Ferrari, 2000, Millennium), a possível ocorrência

de eventual situação de ilicitude penal, com o objetivo de viabilizar a ulterior instauração de

procedimento penal em torno da autoria e da materialidade dos fatos reputados criminosos,

desvinculando-se a investigação estatal (“informatio delicti”), desse modo, da delação formulada

por autor desconhecido, considerada a relevante circunstância de que os escritos anônimos – aos

quais não se pode atribuir caráter oficial - não se qualificam, por isso mesmo, como atos de

natureza processual. Disso resulta, pois, a impossibilidade de o Estado, tendo por único

fundamento causal a existência de tais peças apócrifas, dar início, somente com apoio nelas, à

“persecutio criminis”. Daí a advertência consubstanciada em julgamento emanado da E. Corte

Especial do Superior Tribunal de Justiça, em que esse Alto Tribunal, ao pronunciar-se sobre o

tema em exame, deixou consignado, com absoluta correção, que o procedimento investigatório não

pode ser instaurado com base, unicamente, em escrito anônimo, que venha a constituir, ele

próprio, a peça inaugural da investigação promovida pela Polícia Judiciária ou pelo Ministério

Público: “INQUÉRITO POLICIAL. CARTA ANÔNIMA. O Superior Tribunal de Justiça não

pode ordenar a instauração de inquérito policial, a respeito de autoridades sujeitas à sua

jurisdição penal, com base em carta anônima. Agravo regimental não provido.” (Inq 355-AgR/RJ,

Rel. Min. ARI PARGENDLER - grifei) Vale referir, no ponto, o douto voto que o eminente

Ministro ARI PARGENDLER, Relator, proferiu no mencionado julgamento: “O artigo 5º, item

IV, da Constituição Federal garante a livre manifestação do pensamento, mas veda o anonimato.

A carta anônima de fls. 3 e verso não pode, portanto, movimentar polícia e justiça sem afrontar a

aludida norma constitucional.” (grifei) É interessante observar que, na Itália, quer sob a égide do

antigo Código de Processo Penal de 1930, editado em pleno regime fascista (art. 141), quer sob o

novo estatuto processual penal promulgado em 1988 (arts. 240 e 333, nº 3), a legislação processual

peninsular contém disposições restritivas no que concerne aos “documenti anonimi”, às “denunce

anonime” ou aos “scritti anonime”, estabelecendo que os documentos e escritos anônimos não

podem ser formalmente incorporados ao processo, não se qualificam como atos processuais e deles

não se pode fazer qualquer uso processual, salvo quando constituírem o próprio corpo de delito ou

quando provierem do acusado. Revela-se expressivo, sob tal aspecto, o que hoje dispõe o vigente

Código de Processo Penal italiano (1988), em seu art. 240, que tem o seguinte teor: “240.

Documenti anonimi. – 1. I documenti che contengono dichiarazioni anonime non possono essere

acquisiti né in alcun modo utilizzati salvo che costituiscano corpo del reato o provengano

comunque dall’imputato.” Como já assinalado, o velho Código de Processo Penal fascista (1930)

continha dispositivo que também vedava a formal recepção, em sede de “persecutio criminis”, de

escritos anônimos, determinando, quando se tratasse “di delazioni anonime” (art. 8º), a aplicação

da cláusula limitativa inscrita no art. 141 daquele antigo estatuto processual penal: “141.

Eliminazione degli scritti anonimi – Gli scritti anonimi non possono essere uniti agli atti del

procedimento, né può farsene alcun uso processuale, salvo che costituiscano corpo del reato,

ovvero provengano comunque dall’imputato.” Cumpre referir, neste ponto, o valioso magistério

expendido por GIOVANNI LEONE (“Il Codice di Procedura Penale Illustrato Articolo per

Articolo”, sob a coordenação de UGO CONTI, vol. I/562-564, itens ns. 154-155, 1937, Società

Editrice Libraria, Milano), cujo entendimento, no tema, após reconhecer o desvalor e a ineficácia

probante dos escritos anônimos, desde que isoladamente considerados, admite, no entanto, quanto

a eles, a possibilidade de a autoridade pública, a partir de tais documentos e mediante atos

investigatórios destinados a conferir a verossimilhança de seu conteúdo, promover, então, em caso

positivo, a formal instauração da pertinente “persecutio criminis”, mantendo-se, desse modo,

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completa desvinculação desse procedimento estatal em relação às peças apócrifas que forem

encaminhadas aos agentes do Estado, salvo – como anteriormente enfatizado – se os escritos

anônimos constituírem o próprio corpo de delito ou provierem do acusado. Impende rememorar,

bem por isso, na linha do que vem de ser exposto, a precisa lição de JOSÉ FREDERICO

MARQUES (“Elementos de Direito Processual Penal”, vol. I/147, item n. 71, 2ª ed., atualizada por

Eduardo Reale Ferrari, 2000, Millennium): “No direito pátrio, a lei penal considera crime a

denunciação caluniosa ou a comunicação falsa de crime (Código Penal, arts. 339 e 340), o que

implica a exclusão do anonimato na notitia criminis, uma vez que é corolário dos preceitos legais

citados a perfeita individualização de quem faz a comunicação de crime, a fim de que possa ser

punido, no caso de atuar abusiva e ilicitamente. Parece-nos, porém, que nada impede a prática de

atos iniciais de investigação da autoridade policial, quando delação anônima lhe chega às mãos,

uma vez que a comunicação apresente informes de certa gravidade e contenha dados capazes de

possibilitar diligências específicas para a descoberta de alguma infração ou seu autor. Se, no dizer

de G. Leone, não se deve incluir o escrito anônimo entre os atos processuais, não servindo ele de

base à ação penal, e tampouco como fonte de conhecimento do juiz, nada impede que, em

determinadas hipóteses, a autoridade policial, com prudência e discrição, dele se sirva para

pesquisas prévias. Cumpre-lhe, porém, assumir a responsabilidade da abertura das investigações,

como se o escrito anônimo não existisse, tudo se passando como se tivesse havido notitia criminis

inqualificada.” (grifei) Essa orientação – perfilhada por JORGE ULISSES JACOBY

FERNANDES (“Tomada de Contas Especial”, p. 51, item n. 4.1.1.1.2, 2ª ed., 1998, Brasília

Jurídica) - é também admitida, em sede de persecução penal, por FERNANDO CAPEZ (“Curso

de Processo Penal”, p. 77, item n. 10.13, 7ª ed., 2001, Saraiva): “A delação anônima (notitia

criminis inqualificada) não deve ser repelida de plano, sendo incorreto considerá-la sempre

inválida; contudo, requer cautela redobrada, por parte da autoridade policial, a qual deverá,

antes de tudo, investigar a verossimilhança das informações.” (grifei) Com idêntica percepção da

matéria em exame, orienta-se o magistério de JULIO FABBRINI MIRABETE (“Código de

Processo Penal Interpretado”, p. 95, item n. 5.4, 7ª ed., 2000, Atlas): “(...) Não obstante o art. 5º,

IV, da CF, que proíbe o anonimato na manifestação do pensamento, e de opiniões diversas, nada

impede a notícia anônima do crime (notitia criminis inqualificada), mas, nessa hipótese, constitui

dever funcional da autoridade pública destinatária, preliminarmente, proceder com a máxima

cautela e discrição a investigações preliminares no sentido de apurar a verossimilhança das

informações recebidas. Somente com a certeza da existência de indícios da ocorrência do ilícito é

que deve instaurar o procedimento regular.” (grifei) Esse entendimento é também acolhido por

NELSON HUNGRIA (“Comentários ao Código Penal”, vol. IX/466, item n. 178, 1958, Forense),

cuja análise do tema - realizada sob a égide da Constituição republicana de 1946, que

expressamente não permitia o anonimato (art. 141, § 5º), à semelhança do que se registra,

presentemente, com a vigente Lei Fundamental (art. 5º, IV, “in fine”) - enfatiza a

imprescindibilidade da investigação, ainda que motivada por delação anônima, desde que

fundada em fatos verossímeis: “Segundo o § 1.º do art. 339, ‘A pena é aumentada de sexta parte,

se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto’. Explica-se: o indivíduo que se resguarda

sob o anonimato ou nome suposto é mais perverso do que aquêle que age sem dissimulação. Êle

sabe que a autoridade pública não pode deixar de investigar qualquer possível pista (salvo quando

evidentemente inverossímil), ainda quando indicada por uma carta anônima ou assinada com

pseudônimo; e, por isso mesmo, trata de esconder-se na sombra para dar o bote viperino. Assim,

quando descoberto, deve estar sujeito a um plus de pena.” (grifei) Essa mesma posição, Senhor

Presidente, é igualmente perfilhada, dentre outros, por GUILHERME DE SOUZA NUCCI

(“Código de Processo Penal Comentado”, p. 68, item n. 29, 2002, RT), DAMÁSIO E. DE JESUS

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(“Código de Processo Penal Anotado”, p. 9, 18ª ed., 2002, Saraiva), GIOVANNI LEONE,

(“Trattato di Diritto Processuale Penale”, vol. II/12-13, item n. 1, 1961, Casa Editrice Dott.

Eugenio Jovene, Napoli), FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO (“Código de Processo

Penal Comentado”, vol. 1/34-35, 4ª ed., 1999, Saraiva) e ROMEU DE ALMEIDA SALLES

JUNIOR (“Inquérito Policial e Ação Penal”, item n. 17, p. 19-20, 7ª ed., 1998, Saraiva), cumprindo

rememorar, ainda, por valiosa, a lição de ROGÉRIO LAURIA TUCCI (“Persecução Penal, Prisão

e Liberdade”, p. 34/35, item n. 6, 1980, Saraiva): “Não deve haver qualquer dúvida, de resto,

sobre que a notícia do crime possa ser transmitida anonimamente à autoridade pública (...). (...)

constitui dever funcional da autoridade pública destinatária da notícia do crime, especialmente a

policial, proceder, com máxima cautela e discrição, a uma investigação preambular no sentido de

apurar a verossimilhança da informação, instaurando o inquérito somente em caso de verificação

positiva. E isto, como se a sua cognição fosse espontânea, ou seja, como quando se trate de notitia

criminis direta ou inqualificada (...).” (grifei) Esse entendimento também fundamentou

julgamento que proferi, em sede monocrática, a propósito da questão pertinente aos escritos

anônimos. Ao assim julgar, proferi decisão que restou consubstanciada na seguinte ementa:

“DELAÇÃO ANÔNIMA. COMUNICAÇÃO DE FATOS GRAVES QUE TERIAM SIDO

PRATICADOS NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. SITUAÇÕES QUE SE

REVESTEM, EM TESE, DE ILICITUDE (PROCEDIMENTOS LICITATÓRIOS

SUPOSTAMENTE DIRECIONADOS E ALEGADO PAGAMENTO DE DIÁRIAS

EXORBITANTES). A QUESTÃO DA VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DO ANONIMATO (CF,

ART. 5º, IV, ‘IN FINE’), EM FACE DA NECESSIDADE ÉTICO-JURÍDICA DE

INVESTIGAÇÃO DE CONDUTAS FUNCIONAIS DESVIANTES. OBRIGAÇÃO ESTATAL,

QUE, IMPOSTA PELO DEVER DE OBSERVÂNCIA DOS POSTULADOS DA LEGALIDADE,

DA IMPESSOALIDADE E DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA (CF, ART. 37, ‘CAPUT’),

TORNA INDERROGÁVEL O ENCARGO DE APURAR COMPORTAMENTOS

EVENTUALMENTE LESIVOS AO INTERESSE PÚBLICO. RAZÕES DE INTERESSE

SOCIAL EM POSSÍVEL CONFLITO COM A EXIGÊNCIA DE PROTEÇÃO À

INCOLUMIDADE MORAL DAS PESSOAS (CF, ART. 5º, X). O DIREITO PÚBLICO

SUBJETIVO DO CIDADÃO AO FIEL DESEMPENHO, PELOS AGENTES ESTATAIS, DO

DEVER DE PROBIDADE CONSTITUIRIA UMA LIMITAÇÃO EXTERNA AOS DIREITOS

DA PERSONALIDADE? LIBERDADES EM ANTAGONISMO. SITUAÇÃO DE TENSÃO

DIALÉTICA ENTRE PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES DA ORDEM CONSTITUCIONAL.

COLISÃO DE DIREITOS QUE SE RESOLVE, EM CADA CASO OCORRENTE, MEDIANTE

PONDERAÇÃO DOS VALORES E INTERESSES EM CONFLITO. CONSIDERAÇÕES

DOUTRINÁRIAS. LIMINAR INDEFERIDA.” (MS 24.369-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE

MELLO, “in” Informativo/STF nº 286/2002) Cabe referir, ainda, que o E. Superior Tribunal de

Justiça, ao apreciar a questão da delação anônima, analisada em face do art. 5º, IV, “in fine”, da

Constituição da República, já se pronunciou no sentido de considerá-la juridicamente possível,

desde que o Estado, ao agir em função de comunicações revestidas de caráter apócrifo, atue com

cautela, em ordem a evitar a consumação de situações que possam ferir, injustamente, direitos de

terceiros: “CRIMINAL. RHC. NOTITIA CRIMINIS ANÔNIMA. INQUÉRITO POLICIAL.

VALIDADE. 1. A delatio criminis anônima não constitui causa da ação penal que surgirá, em

sendo o caso, da investigação policial decorrente. Se colhidos elementos suficientes, haverá, então,

ensejo para a denúncia. É bem verdade que a Constituição Federal (art. 5º, IV) veda o anonimato

na manifestação do pensamento, nada impedindo, entretanto, mas, pelo contrário, sendo dever da

autoridade policial proceder à investigação, cercando-se, naturalmente, de cautela. 2. Recurso

ordinário improvido.” (RHC 7.329/GO, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES - grifei)

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“CONSTITUCIONAL, PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE

SEGURANÇA. (...). PROCESSO ADMINISTRATIVO DESENCADEADO ATRAVÉS DE

‘DENÚNCIA ANÔNIMA’. VALIDADE. INTELIGÊNCIA DA CLÁUSULA FINAL DO INCISO

IV DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (VEDAÇÃO DO ANONIMATO). (...).

RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.” (RMS 4.435/MT, Rel. Min. ADHEMAR MACIEL -

grifei) “(...) Carta anônima, sequer referida na denúncia e que, quando muito, propiciou

investigações por parte do organismo policial, não se pode reputar de ilícita. E certo que,

isoladamente, não terá qualquer valor, mas também não se pode tê-la como prejudicial a todas as

outras validamente obtidas.” (RHC 7.363/RJ, Rel. Min. ANSELMO SANTIAGO - grifei) Vê-se,

portanto, não obstante o caráter apócrifo da delação ora questionada, que, tratando-se de

revelação de fatos revestidos de aparente ilicitude penal, existia, efetivamente, a possibilidade de o

Estado adotar medidas destinadas a esclarecer, em sumária e prévia apuração, a idoneidade das

alegações que lhe foram transmitidas, desde que verossímeis, em atendimento ao dever estatal de

fazer prevalecer - consideradas razões de interesse público - a observância do postulado jurídico

da legalidade, que impõe, à autoridade pública, a obrigação de apurar a verdade real em torno da

materialidade e autoria de eventos supostamente delituosos. Tal como asseverado pelo eminente

Relator, o Ministério Público adotou, na espécie em análise, e no que concerne à carta anônima em

questão, todas as cautelas ora mencionadas neste voto, procedendo, em conseqüência, de acordo

com a orientação doutrinária e jurisprudencial que venho de expor. Demais disso, cumpre

acentuar que o Ministério Público, para formar a sua “opinio delicti”, valeu-se, como referido

pelo eminente Relator, de outros meios de informação, de origem conhecida, que viabilizaram o

ajuizamento, na espécie, da ação penal pública. Não constitui demasia assinalar que o Ministério

Público não depende, para deduzir a pretensão punitiva do Estado, da prévia instauração de

inquérito policial, eis que o representante do “Parquet” pode formar a sua convicção com

fundamento em elementos obtidos “aliunde”. Como se sabe, o magistério jurisprudencial do

Supremo Tribunal Federal, confirmando esse entendimento, tem acentuado ser dispensável, ao

oferecimento da denúncia, a prévia instauração de inquérito policial, desde que seja evidente a

materialidade do fato alegadamente delituoso e estejam presentes indícios de sua autoria

(AI 266.214-AgR/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - HC 63.213/SP, Rel. Min. NÉRI DA

SILVEIRA - HC 77.770/SC, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - RHC 62.300/RJ, Rel. Min. ALDIR

PASSARINHO, v.g.): “O oferecimento da denúncia não depende, necessariamente, de prévio

inquérito policial. A defesa do acusado se faz em juízo, e não no inquérito policial, que é

meramente informativo (...).” (RTJ 101/571, Rel. Min. MOREIRA ALVES - grifei) “Denúncia –

Oferecimento sem a instauração de inquérito policial – Admissibilidade, se a Promotoria dispõe de

elementos suficientes para a formalização de ação penal (...).” (RT 756/481, Rel. Min. MOREIRA

ALVES - grifei) “‘HABEAS CORPUS’ – MINISTÉRIO PÚBLICO – OFERECIMENTO DE

DENÚNCIA – DESNECESSIDADE DE PRÉVIA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL

– EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS MÍNIMOS DE INFORMAÇÃO QUE POSSIBILITAM O

IMEDIATO AJUIZAMENTO DA AÇÃO PENAL – INOCORRÊNCIA DE SITUAÇÃO DE

INJUSTO CONSTRANGIMENTO – PEDIDO INDEFERIDO. - O inquérito policial não constitui

pressuposto legitimador da válida instauração, pelo Ministério Público, da ‘persecutio criminis in

judicio’. Precedentes. O Ministério Público, por isso mesmo, para oferecer denúncia, não depende

de prévias investigações penais promovidas pela Polícia Judiciária, desde que disponha, para

tanto, de elementos mínimos de informação, fundados em base empírica idônea, sob pena de o

desempenho da gravíssima prerrogativa de acusar transformar-se em exercício irresponsável de

poder, convertendo, o processo penal, em inaceitável instrumento de arbítrio estatal.

Precedentes.” (HC 80.405/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO) A “ratio” subjacente a essa

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orientação – que também traduz a posição dominante na jurisprudência dos Tribunais em geral

(RT 664/336 – RT 716/502 – RT 738/557 – RSTJ 65/157 - RSTJ 106/426, v.g.) – encontra apoio no

próprio magistério da doutrina (DAMÁSIO E. DE JESUS, “Código de Processo Penal Anotado”,

p. 07, 17ª ed., 2000, Saraiva; FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, “Código de Processo

Penal Comentado”, vol. I, p. 111, 4ª ed., 1999, Saraiva; JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código

de Processo Penal Interpretado”, p. 111, item n. 12.1, 7ª ed., 2000, Atlas), cuja percepção do tema

põe em destaque que, “se está a parte privada ou o Ministério Público na posse de todos os

elementos, pode, sem necessidade de requerer a abertura do inquérito, oferecer, desde logo, a sua

queixa ou denúncia” (EDUARDO ESPÍNOLA FILHO, “Código de Processo Penal Brasileiro

Anotado”, vol. I, p. 288, 2000, Bookseller - grifei). É por essa razão que o Supremo Tribunal

Federal, por mais de uma vez (RTJ 64/342), já decidiu que “Não é essencial ao oferecimento da

denúncia a instauração de inquérito policial, desde que a peça acusatória esteja sustentada por

documentos suficientes à caracterização da materialidade do crime e de indícios suficientes da

autoria” (RTJ 76/741, Rel. Min. CUNHA PEIXOTO). Encerro o meu voto, Senhor Presidente. E,

ao fazê-lo, deixo assentadas as seguintes conclusões: (a) os escritos anônimos não podem justificar,

só por si, desde que isoladamente considerados, a imediata instauração da “persecutio criminis”,

eis que peças apócrifas não podem ser incorporadas, formalmente, ao processo, salvo quando tais

documentos forem produzidos pelo acusado, ou, ainda, quando constituírem, eles próprios, o

corpo de delito (como sucede com bilhetes de resgate no delito de extorsão mediante seqüestro, ou

como ocorre com cartas que evidenciem a prática de crimes contra a honra, ou que corporifiquem

o delito de ameaça ou que materializem o “crimen falsi”, p. ex.); (b) nada impede, contudo, que o

Poder Público, provocado por delação anônima (“disque-denúncia”, p. ex.), adote medidas

informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária, “com prudência e

discrição”, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude penal, desde que o faça com o

objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados, em ordem a promover, então,

em caso positivo, a formal instauração da “persecutio criminis”, mantendo-se, assim, completa

desvinculação desse procedimento estatal em relação às peças apócrifas; e (c) o Ministério Público,

de outro lado, independentemente da prévia instauração de inquérito policial, também pode

formar a sua “opinio delicti” com apoio em outros elementos de convicção que evidenciem a

materialidade do fato delituoso e a existência de indícios suficientes de sua autoria, desde que os

dados informativos que dão suporte à acusação penal não tenham, como único fundamento causal,

documentos ou escritos anônimos. Sendo assim, e consideradas as razões expostas, peço vênia,

Senhor Presidente, para acompanhar o douto voto proferido pelo eminente Relator, rejeitando,

em conseqüência, a questão de ordem ora sob exame desta Suprema Corte. É o meu voto. *

acórdão pendente de publicação

Inq 1957

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. CABIMENTO. CLÁUSULAS PÉTREAS.

CONCEITO. NÚCLEO ESSENCIAL.

ADI-MC 2024 / DF - DISTRITO FEDERAL

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE

Julgamento: 27/10/1999 Órgão Julgador: Tribunal Pleno

Publicação

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DJ 01-12-2000 PP-00070 EMENT VOL-02014-01 PP-00073

Ementa

EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: seu cabimento - afirmado no STF desde 1926 - para

questionar a compatibilidade de emenda constitucional com os limites formais ou materiais impostos

pela Constituição ao poder constituinte derivado: precedente. II. Previdência social (CF, art. 40, § 13,

cf. EC 20/98): submissão dos ocupantes exclusivamente de cargos em comissão, assim como os de

outro cargo temporário ou de emprego público ao regime geral da previdência social: argüição de

inconstitucionalidade do preceito por tendente a abolir a "forma federativa do Estado" (CF, art. 60, § 4º,

I): implausibilidade da alegação: medida cautelar indeferida. 1. A "forma federativa de Estado" -

elevado a princípio intangível por todas as Constituições da República - não pode ser conceituada a

partir de um modelo ideal e apriorístico de Federação, mas, sim, daquele que o constituinte originário

concretamente adotou e, como o adotou, erigiu em limite material imposto às futuras emendas à

Constituição; de resto as limitações materiais ao poder constituinte de reforma, que o art. 60, § 4º, da

Lei Fundamental enumera, não significam a intangibilidade literal da respectiva disciplina na

Constituição originária, mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja

preservação nelas se protege. 2. À vista do modelo ainda acentuadamente centralizado do federalismo

adotado pela versão originária da Constituição de 1988, o preceito questionado da EC 20/98 nem tende

a aboli-lo, nem sequer a afetá-lo. 3. Já assentou o Tribunal (MS 23047 - ML, Pertence), que no novo

art. 40 e seus parágrafos da Constituição (cf. EC 20/98), nela, pouco inovou "sob a perspectiva da

Federação, a explicitação de que aos servidores efetivos dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios, "é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que

preservem o equilíbrio financeiro e atuarial", assim como as normas relativas às respectivas

aposentadorias e pensões, objeto dos seus numerosos parágrafos: afinal, toda a disciplina constitucional

originária do regime dos servidores públicos " inclusive a do seu regime previdenciário - já abrangia os

três níveis da organização federativa, impondo-se à observância de todas as unidades federadas, ainda

quando - com base no art. 149, parág. único - que a proposta não altera - organizem sistema

previdenciário próprio para os seus servidores": análise da evolução do tema, do texto constitucional de

1988, passando pela EC 3/93, até a recente reforma previdenciária. 4. A matéria da disposição discutida

é previdenciária e, por sua natureza, comporta norma geral de âmbito nacional de validade, que à União

se facultava editar, sem prejuízo da legislação estadual suplementar ou plena, na falta de lei federal (CF

88, arts. 24, XII, e 40, § 2º): se já o podia ter feito a lei federal, com base nos preceitos recordados do

texto constitucional originário, obviamente não afeta ou, menos ainda, tende a abolir a autonomia dos

Estados-membros que assim agora tenha prescrito diretamente a norma constitucional sobrevinda. 5.

Parece não ter pertinência o princípio da imunidade tributária recíproca - ainda que se discuta a sua

aplicabilidade a outros tributos, que não os impostos - à contribuição estatal para o custeio da

previdência social dos servidores ou empregados públicos. 6. A auto-aplicabilidade do novo art. 40, §

13 é questão estranha à constitucionalidade do preceito e, portanto, ao âmbito próprio da ação direta.

Informativo 372 (HC-82959)

Título: Lei 8.072/90: Art. 2º, § 1º - 3

Artigo

O Tribunal retomou julgamento de habeas corpus no qual se discute a constitucionalidade do § 1º

do art. 2º da Lei 8.072/90, que veda a possibilidade de progressão do regime de cumprimento da

pena nos crimes hediondos definidos no art. 1º da mesma Lei, em face dos princípios da

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individualização da pena e da isonomia, bem como se os crimes de estupro e atentado violento ao

pudor, dos quais não resulta lesão corporal grave ou morte, caracterizam-se como hediondos - v.

Informativos 315 e 334. O Min. Gilmar Mendes, em voto-vista, declarou a inconstitucionalidade

do §1º do art. 2º da Lei 8.072/90, com eficácia ex nunc, e deferiu a ordem para que se devolva ao

juízo de origem o exame sobre o preenchimento pelo paciente das condições para a progressão de

regime. Entendeu que a vedação de progressão de regime prevista na Lei 8.072/90 afronta o

direito fundamental à individualização da pena (CF, art. 5º, LXVI), já que, ao não permitir que se

considerem as particularidades de cada pessoa, a sua capacidade de reintegração social e os

esforços aplicados com vistas à ressocialização, acaba por afetar o núcleo essencial desse direito -

limite ao qual a atuação do legislador estaria submetida -, tornando inócua a garantia

constitucional. Afirmou que o dispositivo impugnado também ofende o princípio da

proporcionalidade, em face da desnecessidade da medida como instrumento de combate à

criminalidade, haja vista a existência de outros meios eficazes menos lesivos aos direitos

fundamentais, e, ainda, apresenta incoerência, porquanto impede a progressividade, mas admite o

livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena (CP, art. 83, V). Salientou,

ainda, a incidência do disposto no art. 27 da Lei 9.868/99 também no controle incidental, e,

considerando o reiterado posicionamento do Tribunal quanto ao reconhecimento da

constitucionalidade da vedação da progressão de regime nos crimes hediondos e as possíveis

conseqüências decorrentes da referida declaração nos âmbitos civil, processual e penal, ressaltou

que o efeito ex nunc conferido deve ser entendido como aplicável às condenações que envolvam

situações passíveis de serem submetidas ao regime de progressão. Quanto às demais questões

levantadas, manteve a orientação da Corte no sentido de que o atentado violento ao pudor, tanto

na forma simples quanto qualificada, é considerado crime hediondo, e de que incide a causa de

aumento prevista no inciso III do art. 226 do CP. O julgamento foi suspenso com o pedido de vista

da Min. Ellen Gracie. HC 82959/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 2.12.2004. (HC-82959)

HC 82959

10. Regime Específico dos Direitos Fundamentais Prestacionais

A partir da interpretação sistêmica da Constituição é possível a formulação de um regime

jurídico específico aos direitos econômicos, sociais e culturais. Uma das primeiras regras desse regime

reporta-se à obrigação que se impõe ao Estado de promover a concretização desses direitos (tarefa

fundamental), traduzindo-se nas incumbências, que são ações que devem ser praticadas pelo Estado

para incorporar os direitos constitucionalmente previstos ao patrimônio concreto do cidadão, sendo,

portanto, verdadeiras “imposições constitucionais” (correções das desigualdades na distribuição da

riqueza, por exemplo). Outra característica dos direitos econômicos, sociais e culturais refere-se à

vinculação dessa espécie de norma: há uma responsabilização do Estado e da sociedade civil para que

desenvolvam atividades direcionadas à efetivação dos direitos31.

31 MIRANDA, Jorge. Regime específico dos direitos económicos, sociais e culturais, p. 352.

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Segundo lição do Prof. Jorge Miranda32, não “se encontra na Constituição portuguesa (como na

generalidade ou, mesmo, na totalidade das Constituições) um regime sistemático explícito dos direitos

económicos, sociais e culturais simétrico do regime dos direitos, liberdades e garantias, tanto no plano

substantivo como nos demais planos” (p. 345). Todavia, os direitos económicos, sociais e culturais

“são, em parte, susceptíveis de beneficiar de regras homólogas das regras formuladas para os direitos,

liberdade e garantias, por modelação de princípios gerais do ordenamento jurídico” (p. 347). Esse

fenômeno ocorre em virtude da relativa novidade constitucional dos direitos sociais e de sua intensa

dependência econômica. Não obstante, é possível estabelecer um conjunto mínimo de princípios

aplicáveis aos direitos sociais, principalmente no que se refere ao seu conteúdo essencial, agregando-

lhe eficácia jurídica vinculante, não somente através do legislador, mas, também, através dos Tribunais.

1.10.1 Diferenças estruturais entre o direito de defesa e o direito a prestação

Para Robert Alexy33, os direitos a ações positivas comportam problemas que não pesam ou não

pesam com a mesma intensidade demonstrada pelos direitos a ações negativas. Os direitos a ações

negativas impõem limites ao Estado na persecução de seus fins. Não dizem nada acerca dos fins que

tem que perseguir (p. 429). De certo modo, os direitos a ações positivas impõem ao Estado a

persecução de determinados objetivos. Os direitos a prestações fáticas, isto é, a prestações que também

poderiam ser proporcionadas pelos particulares, constituem, pois, somente um setor dos direitos a

prestação (p. 430).

Prossegue o autor: os direitos de defesa são para os destinatários proibições de destruir, de afetar

negativamente etc. Os direitos a prestações são para os destinatários mandatos de proteger ou promover

etc algo. Se estiver proibido destruir ou afetar algo, então está proibida toda ação que constitua ou

provoque uma destruição ou afetação. Ao contrário, se está ordenado proteger ou promover algo, não

está então ordenada toda ação que constitua ou provoque uma proteção ou uma promoção. Assim, a

proibição de matar implica prima facie a proibição de toda ação de matar. Ao contrário, a ordem de

salvamento não implica a ordem de toda ação de salvamento. (...). Isto significa que o destinatário da

ordem de salvamento tem um campo de ação dentro do qual pode eleger como deve cumprir a ordem

(p. 447).

32 Regime específico dos direitos económicos, sociais e culturais. 33 Teoria de los derechos fundamentales

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1.10.2 Direitos a prestação em sentido estrito

Direitos a prestação em sentido estrito: direitos sociais. Conceito. Para Robert Alexy34, os direitos

a prestações em sentido estrito são direitos do indivíduo frente ao Estado a algo que – se o indivíduo

possuir meios financeiros suficientes e se encontrar no mercado uma oferta suficiente – poderia obter

também de particulares (p. 482). Todavia, este conceito gera certas perplexidades, em virtude da

possível eficácia horizontal dos direitos sociais. Assim, melhor o conceito proposto por Jorge

Miranda35: os direitos sociais são direitos de libertação de necessidade e expressão de solidariedade

organizada (p. 355).

1.10.3 Regime jurídico específico dos direitos econômicos, sociais e culturais e o princípio da

universalidade dos direitos fundamentais.

No que se refere à aplicação do princípio da universalidade aos direitos econômicos, sociais e

culturais, salienta JORGE MIRANDA que a medida do gozo desses direitos deve ser trabalhada a partir

do princípio da igualdade material, ou seja, tendo-se por objetivo diminuir as desigualdades econômicas

e sociais, o que determina que as incumbências públicas “correlativas da sua realização admitem

alguma adequação em função das condições concretas dos seus beneficiários”36

1.10.4 Princípio da Reserva do possível

No magistério de Jorge Miranda37, “a doutrina fala no ajustamento do socialmente desejável ao

economicamente possível, na subordinação da efectividade concreta a uma reserva do possível ou na

raridade material do objecto da pretensão como limite real. A apreciação dos factores económicos para

uma tomada de decisão quanto às possibilidades e aos meios de efectivação dos direitos cabe aos

órgãos políticos e legislativos – não aos da Administração. Não corresponde a uma simples operação

hermenêutica, mas a uma ponderação complexa das normas com a realidade circunstante” (p. 352/353).

34 Teoria de los derechos fundamentales 35 Regimes específicos dos direitos económicos, sociais e culturais

36 MIRANDA, Jorge. Regime específico dos direitos económicos, sociais e culturais, p. 354/355.

37 Regimes específicos dos direitos económicos, sociais e culturais

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Reconhece JORGE MIRANDA a incidência do princípio da reserva do possível aos direitos

econômicos, sociais e culturais (ajustamento do socialmente desejável ao economicamente possível),

uma vez que o caráter principiológico dos direitos fundamentais subordina-os às condições econômicas

vigentes quando da aplicação da norma jurídica. Como regra, todavia, o conteúdo essencial de todos os

direitos “deverá sempre ser assegurado, e só o que estiver para além dele poderá deixar ou não de o

ser em função do juízo que o legislador vier a emitir sobre a sua maior ou menor relevância dentro do

sistema constitucional e sobre as suas condições de efectivação”. Trata-se, ao fim, de uma questão de

harmonização e concordância prática entre os diversos direitos constitucionais e os meios concretos

disponíveis para a efetivação, não se reportando à teoria das restrições (aplicável aos direitos, liberdade

e garantias), mas, sim, de avaliação dialética entre direitos e recursos disponíveis38.

Sobre o tema, importante decisão do Supremo Tribunal Federal:

Informativo 345 (ADPF-45)

Título ADPF - Políticas Públicas - Intervenção Judicial - "Reserva do Possível"

(Transcrições)

Artigo

ADPF - Políticas Públicas - Intervenção Judicial - "Reserva do Possível" (Transcrições) ADPF 45

MC/DF* RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO EMENTA: ARGÜIÇÃO DE

DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE

CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM

TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA

HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA

JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS,

ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE

CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA

"RESERVA DO POSSÍVEL". NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS

INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO

CONSUBSTANCIADOR DO "MÍNIMO EXISTENCIAL". VIABILIDADE INSTRUMENTAL

DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS

LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).

DECISÃO: Trata-se de argüição de descumprimento de preceito fundamental promovida contra

veto, que, emanado do Senhor Presidente da República, incidiu sobre o § 2º do art. 55

(posteriormente renumerado para art. 59), de proposição legislativa que se converteu na Lei nº

10.707/2003 (LDO), destinada a fixar as diretrizes pertinentes à elaboração da lei orçamentária

38 MIRANDA, Jorge. Regime específico dos direitos económicos, sociais e culturais, p. 353.

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anual de 2004. O dispositivo vetado possui o seguinte conteúdo material: "§ 2º Para efeito do

inciso II do caput deste artigo, consideram-se ações e serviços públicos de saúde a totalidade das

dotações do Ministério da Saúde, deduzidos os encargos previdenciários da União, os serviços da

dívida e a parcela das despesas do Ministério financiada com recursos do Fundo de Combate à

Erradicação da Pobreza." O autor da presente ação constitucional sustenta que o veto

presidencial importou em desrespeito a preceito fundamental decorrente da EC 29/2000, que foi

promulgada para garantir recursos financeiros mínimos a serem aplicados nas ações e serviços

públicos de saúde. Requisitei, ao Senhor Presidente da República, informações que por ele foram

prestadas a fls. 93/144. Vale referir que o Senhor Presidente da República, logo após o veto parcial

ora questionado nesta sede processual, veio a remeter, ao Congresso Nacional, projeto de lei, que,

transformado na Lei nº 10.777/2003, restaurou, em sua integralidade, o § 2º do art. 59 da Lei nº

10.707/2003 (LDO), dele fazendo constar a mesma norma sobre a qual incidira o veto executivo.

Em virtude da mencionada iniciativa presidencial, que deu causa à instauração do concernente

processo legislativo, sobreveio a edição da já referida Lei nº 10.777, de 24/11/2003, cujo art. 1º -

modificando a própria Lei de Diretrizes Orçamentárias (Lei nº 10.707/2003) - supriu a omissão

motivadora do ajuizamento da presente ação constitucional. Com o advento da mencionada Lei nº

10.777/2003, a Lei de Diretrizes Orçamentárias, editada para reger a elaboração da lei

orçamentária de 2004, passou a ter, no ponto concernente à questionada omissão normativa, o

seguinte conteúdo material: "Art. 1º O art. 59 da lei nº 10.707, de 30 de julho de 2003, passa a

vigorar acrescido dos seguintes parágrafos: 'Art.59............................................ § 3º Para os efeitos

do inciso II do caput deste artigo, consideram-se ações e serviços públicos de saúde a totalidade

das dotações do Ministério da Saúde, deduzidos os encargos previdenciários da União, os serviços

da dívida e a parcela das despesas do Ministério financiada com recursos do Fundo de Combate à

Erradicação da Pobreza. § 4º A demonstração da observância do limite mínimo previsto no § 3º

deste artigo dar-se-á no encerramento do exercício financeiro de 2004.' (NR)." (grifei) Cabe

registrar, por necessário, que a regra legal resultante da edição da Lei nº 10.777/2003, ora em

pleno vigor, reproduz, essencialmente, em seu conteúdo, o preceito, que, constante do § 2º do art.

59 da Lei nº 10.707/2003 (LDO), veio a ser vetado pelo Senhor Presidente da República (fls. 23v.).

Impende assinalar que a regra legal em questão - que culminou por colmatar a própria omissão

normativa alegadamente descumpridora de preceito fundamental - entrou em vigor em 2003, para

orientar, ainda em tempo oportuno, a elaboração da lei orçamentária anual pertinente ao

exercício financeiro de 2004. Conclui-se, desse modo, que o objetivo perseguido na presente sede

processual foi inteiramente alcançado com a edição da Lei nº 10.777, de 24/11/2003, promulgada

com a finalidade específica de conferir efetividade à EC 29/2000, concebida para garantir, em

bases adequadas - e sempre em benefício da população deste País - recursos financeiros mínimos a

serem necessariamente aplicados nas ações e serviços públicos de saúde. Não obstante a

superveniência desse fato juridicamente relevante, capaz de fazer instaurar situação de

prejudicialidade da presente argüição de descumprimento de preceito fundamental, não posso

deixar de reconhecer que a ação constitucional em referência, considerado o contexto em exame,

qualifica-se como instrumento idôneo e apto a viabilizar a concretização de políticas públicas,

quando, previstas no texto da Carta Política, tal como sucede no caso (EC 29/2000), venham a ser

descumpridas, total ou parcialmente, pelas instâncias governamentais destinatárias do comando

inscrito na própria Constituição da República. Essa eminente atribuição conferida ao Supremo

Tribunal Federal põe em evidência, de modo particularmente expressivo, a dimensão política da

jurisdição constitucional conferida a esta Corte, que não pode demitir-se do gravíssimo encargo de

tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais - que se identificam, enquanto direitos de

segunda geração, com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min.

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CELSO DE MELLO) -, sob pena de o Poder Público, por violação positiva ou negativa da

Constituição, comprometer, de modo inaceitável, a integridade da própria ordem constitucional:

"DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO - MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS

INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO. - O desrespeito à Constituição tanto pode

ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de

inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou

edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e

os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere

(atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. - Se o Estado deixar de adotar as

medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los

efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação

que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non

facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando

é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo

Poder Público. ....................................................... - A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em

maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como

comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder

Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também

impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e

princípios da Lei Fundamental." (RTJ 185/794-796, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno) É

certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário -

e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e de implementar políticas

públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, "Os Direitos Fundamentais na Constituição

Portuguesa de 1976", p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo

reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto, embora

em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais

competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a

comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou

coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de

conteúdo programático. Cabe assinalar, presente esse contexto - consoante já proclamou esta

Suprema Corte - que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política "não

pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público,

fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima,

o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade

governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado" (RTJ 175/1212-1213,

Rel. Min. CELSO DE MELLO). Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas,

significativo relevo ao tema pertinente à "reserva do possível" (STEPHEN HOLMES/CASS R.

SUNSTEIN, "The Cost of Rights", 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação

e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e

culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais

positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas. É que a realização dos

direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo

de concretização - depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado

às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a

incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir,

considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da

Carta Política. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese - mediante

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indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa - criar obstáculo

artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de

inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições

materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do

possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada,

pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais,

notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até

mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial

fundamentalidade. Daí a correta ponderação de ANA PAULA DE BARCELLOS ("A Eficácia

Jurídica dos Princípios Constitucionais", p. 245-246, 2002, Renovar): "Em resumo: a limitação de

recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em

conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao

determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade

do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de

serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da

Constituição. A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode

ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está

em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos

individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais

dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários

dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos

recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se

vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver

produtivamente com a reserva do possível." (grifei) Vê-se, pois, que os condicionamentos

impostos, pela cláusula da "reserva do possível", ao processo de concretização dos direitos de

segunda geração - de implantação sempre onerosa -, traduzem-se em um binômio que

compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do

Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar

efetivas as prestações positivas dele reclamadas. Desnecessário acentuar-se, considerado o encargo

governamental de tornar efetiva a aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que os

elementos componentes do mencionado binômio (razoabilidade da pretensão + disponibilidade

financeira do Estado) devem configurar-se de modo afirmativo e em situação de cumulativa

ocorrência, pois, ausente qualquer desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade estatal de

realização prática de tais direitos. Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas

dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura

em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de

conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes do Estado

agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a,

a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma

injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo

intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma

existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como

precedentemente já enfatizado - e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-

jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o

acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado. Extremamente

pertinentes, a tal propósito, as observações de ANDREAS JOACHIM KRELL ("Direitos Sociais e

Controle Judicial no Brasil e na Alemanha", p. 22-23, 2002, Fabris): "A constituição confere ao

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legislador uma margem substancial de autonomia na definição da forma e medida em que o

direito social deve ser assegurado, o chamado 'livre espaço de conformação' (...). Num sistema

político pluralista, as normas constitucionais sobre direitos sociais devem ser abertas para receber

diversas concretizações consoante as alternativas periodicamente escolhidas pelo eleitorado. A

apreciação dos fatores econômicos para uma tomada de decisão quanto às possibilidades e aos

meios de efetivação desses direitos cabe, principalmente, aos governos e parlamentos. Em

princípio, o Poder Judiciário não deve intervir em esfera reservada a outro Poder para substituí-

lo em juízos de conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções legislativas de

organização e prestação, a não ser, excepcionalmente, quando haja uma violação evidente e

arbitrária, pelo legislador, da incumbência constitucional. No entanto, parece-nos cada vez mais

necessária a revisão do vetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos

públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os Poderes Legislativo e

Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos

preceitos constitucionais. A eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais a prestações materiais

depende, naturalmente, dos recursos públicos disponíveis; normalmente, há uma delegação

constitucional para o legislador concretizar o conteúdo desses direitos. Muitos autores entendem

que seria ilegítima a conformação desse conteúdo pelo Poder Judiciário, por atentar contra o

princípio da Separação dos Poderes (...). Muitos autores e juízes não aceitam, até hoje, uma

obrigação do Estado de prover diretamente uma prestação a cada pessoa necessitada de alguma

atividade de atendimento médico, ensino, de moradia ou alimentação. Nem a doutrina nem a

jurisprudência têm percebido o alcance das normas constitucionais programáticas sobre direitos

sociais, nem lhes dado aplicação adequada como princípios-condição da justiça social. A negação

de qualquer tipo de obrigação a ser cumprida na base dos Direitos Fundamentais Sociais tem

como conseqüência a renúncia de reconhecê-los como verdadeiros direitos. (...) Em geral, está

crescendo o grupo daqueles que consideram os princípios constitucionais e as normas sobre

direitos sociais como fonte de direitos e obrigações e admitem a intervenção do Judiciário em caso

de omissões inconstitucionais." (grifei) Todas as considerações que venho de fazer justificam-se,

plenamente, quanto à sua pertinência, em face da própria natureza constitucional da controvérsia

jurídica ora suscitada nesta sede processual, consistente na impugnação a ato emanado do Senhor

Presidente da República, de que poderia resultar grave comprometimento, na área da saúde

pública, da execução de política governamental decorrente de decisão vinculante do Congresso

Nacional, consubstanciada na Emenda Constitucional nº 29/2000. Ocorre, no entanto, como

precedentemente já enfatizado no início desta decisão, que se registrou, na espécie, situação

configuradora de prejudicialidade da presente argüição de descumprimento de preceito

fundamental. A inviabilidade da presente argüição de descumprimento, em decorrência da razão

ora mencionada, impõe uma observação final: no desempenho dos poderes processuais de que

dispõe, assiste, ao Ministro-Relator, competência plena para exercer, monocraticamente, o

controle das ações, pedidos ou recursos dirigidos ao Supremo Tribunal Federal, legitimando-se,

em conseqüência, os atos decisórios que, nessa condição, venha a praticar. Cumpre acentuar, por

oportuno, que o Pleno do Supremo Tribunal Federal reconheceu a inteira validade constitucional

da norma legal que inclui, na esfera de atribuições do Relator, a competência para negar trânsito,

em decisão monocrática, a recursos, pedidos ou ações, quando incabíveis, estranhos à competência

desta Corte, intempestivos, sem objeto ou que veiculem pretensão incompatível com a

jurisprudência predominante do Tribunal (RTJ 139/53 - RTJ 168/174-175). Nem se alegue que

esse preceito legal implicaria transgressão ao princípio da colegialidade, eis que o postulado em

questão sempre restará preservado ante a possibilidade de submissão da decisão singular ao

controle recursal dos órgãos colegiados no âmbito do Supremo Tribunal Federal, consoante esta

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Corte tem reiteradamente proclamado (RTJ 181/1133-1134, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - AI

159.892-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Cabe enfatizar, por necessário, que esse

entendimento jurisprudencial é também aplicável aos processos de controle normativo abstrato de

constitucionalidade, qualquer que seja a sua modalidade (ADI 563/DF, Rel. Min. PAULO

BROSSARD - ADI 593/GO, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - ADI 2.060/RJ, Rel. Min. CELSO DE

MELLO - ADI 2.207/AL, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ADI 2.215/PE, Rel. Min. CELSO DE

MELLO, v.g.), eis que, tal como já assentou o Plenário do Supremo Tribunal Federal, o

ordenamento positivo brasileiro "não subtrai, ao Relator da causa, o poder de efetuar - enquanto

responsável pela ordenação e direção do processo (RISTF, art. 21, I) - o controle prévio dos

requisitos formais da fiscalização normativa abstrata (...)" (RTJ 139/67, Rel. Min. CELSO DE

MELLO). Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, julgo prejudicada a presente

argüição de descumprimento de preceito fundamental, em virtude da perda superveniente de seu

objeto. Arquivem-se os presentes autos. Publique-se. Brasília, 29 de abril de 2004. Ministro

CELSO DE MELLO Relator * decisão pendente de publicação

ADPF 45

1.10.4 Princípio do não retorno da concretização

A relação entre a efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais e a atividade legislativa

infraconstitucional do Estado é estreita, ao contrário do que ocorre com os direitos, liberdades e

garantias, verificando-se “uma integração dinâmica das normas constitucionais e das normas legais”.

Dessa relação que surge o princípio do não-retorno da concretização, nomenclatura atribuída por

JORGE MIRANDA à impossibilidade de revogação não-razoável de normas infraconstitucionais

concretizadoras dos direitos econômicos, sociais e culturais, traduzindo uma importante eficácia

jurídica dessa espécie de direito39. Para Jorge Miranda40, “os direitos económicos, sociais e culturais

carecem, todos ou quase todos, de normas legais concretizadoras ou conformadoras para atingirem as

situações da vida. Verifica-se uma integração dinâmica das normas constitucionais e das normas legais,

de tal sorte que os direitos sociais só se tornam plenamente actuantes através de direitos derivados a

prestações. Logo, não é possível eliminar, pura e simplesmente, as normas legais e concretizadoras,

suprimindo os direitos derivados a prestações, porque eliminá-las significaria retirar eficácia jurídica às

correspondentes normas constitucionais. Nisto consiste a regra do não retorno da concretização ou do

não retrocesso social, fundada também no princípio da confiança inerente ao Estado de Direito. Como

escreve MIGUEL GALVÃO TELES em geral acerca das normas programáticas, quando um comando

39 MIRANDA, Jorge. Regime específico dos direitos económicos, sociais e culturais, p. 357/358.

40 Regimes específicos dos direitos económicos, sociais e culturais

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vise criar uma situação duradoura, uma vez cumprido convola-se em proibição – de destruir essa

situação.” (p. 357).

A questão da aplicabilidade do princípio do não-retorno da concretização foi enfrentada pelo

acórdão nº 509/2002, do Tribunal Constitucional português, quando do julgamento da questão

envolvendo alteração do diploma do rendimento mínimo garantido. Basicamente, esses são os dados

relevantes do processo: a) diploma questionado perante o Tribunal Constitucional: Decreto da

Assembléia da República nº 18/IX, que estabelece como titulares ao mesmo benefício apenas às

pessoas com idade igual ou superior a 25 anos; b) Lei que teve sua revogação pelo mencionado

Diploma legal questionada: Lei nº 19-A/96, a qual reconhece como titulares do direito mínimo

garantido os indivíduos com idade igual ou superior a 18 anos. A linha argumentativa do voto

vencedor enfrentou as seguintes questões constitucionais relevantes: a) incidência, ou não, do princípio

da proibição do retrocesso; b) violação, ou não, do princípio da igualdade; c) por fim, violação do

direito a um mínimo de existência condigna inerente ao princípio do respeito da dignidade humana.

Não obstante, ao final, o fundamento do Tribunal Constitucional para declarar inconstitucional a norma

questionada fosse outro (ofensa ao conteúdo mínimo do direito a um mínimo de existência condigna), a

questão da proibição do retrocesso social foi amplamente debatida no julgamento, constituindo-se o

acórdão em importante paradigma sobre o tema.

1.10.5 Algumas estratégias quanto à eficácia concreta dos direitos fundamentais prestacionais.

a) O legislador promove normas que fortalecem as desigualdades sociais: o juiz constitucional

deve declarar a inconstitucionalidade, em virtude da eficácia imediata dos direitos fundamentais

prestacionais;

b) O legislador promove normas que fortalecem o desenvolvimento e a vigência dos direitos

prestacionais: a intervenção do juiz constitucional deve ser no sentido de manter essas normas

(medidas compensatórias?);

c) O legislador, ao desenvolver normas jurídicas, desmantela direitos prestacionais já

concretizados (princípio do não-retorno da concretização);questão da reserva do possível: os

juízes não podem aceitar esta argumentação de modo absoluto. Devem obrigar a administração

a justificar, fundamentadamente, o esgotamento orçamentário no que se refere à implementação

de direitos prestacionais, uma vez que a “reserva do possível” não pode ser utilizada para

postergar indefinidamente a implementação de políticas sociais

II – DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA EM MATÉRIA DE

DIREITOS HUMANOS.

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Federalização dos crimes contra os direitos humanos. Os Direitos Humanos enquanto

categoria central das democracias modernas. A questão da diferença entre Direitos humanos e

Direitos Fundamentais. A função da Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1) A importância

simbólica da definição da competência federal para proteção dos direitos humanos: colocar na

agenda política o compromisso do Estado Brasileiro com os direitos humanos. A coexistência da

responsabilidade internacional e da responsabilidade Nacional da União. 2) O instituto do

deslocamento da competência e a sistemática internacional de proteção dos direitos

humanos (que admite seja um caso submetido à apreciação de organismos internacionais

quando o Estado mostra-se falho ou omisso no dever de proteger os direitos humanos); 3) O

sistema multinivel de proteção aos direitos humanos. Conceito e aplicabilidade no

deslocamento de competência envolvendo direitos humanos; 4) A recepção constitucional

dos tratados internacionais protetivos aos direitos humanos; 5) Precendete

jurisprudencial do STJ.

- INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA Nº 1 - PA (2005/0029378-4).

CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO DOLOSO

QUALIFICADO. (VÍTIMA IRMÃ DOROTHY STANG). CRIME PRATICADO COM

GRAVE VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS. INCIDENTE DE DESLOCAMENTO

DE COMPETÊNCIA – IDC. INÉPCIA DA PEÇA INAUGURAL. NORMA

CONSTITUCIONAL DE EFICÁCIA CONTIDA. PRELIMINARES REJEITADAS.

VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL E À AUTONOMIA DA UNIDADE DA

FEDERAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. RISCO DE

DESCUMPRIMENTO DE TRATADO INTERNACIONAL FIRMADO PELO BRASIL

SOBRE A MATÉRIA NÃO CONFIGURADO NA HIPÓTESE. INDEFERIMENTO DO

PEDIDO. 1. Todo homicídio doloso, independentemente da condição pessoal da vítima e/ou da repercussão do fato no cenário nacional ou internacional, representa grave violação ao maior e mais importante de todos os direitos do ser humano, que é o direito à vida, previsto no art. 4º, nº 1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário por força do Decreto nº 678, de 6/11/1992, razão por que não há que se falar em inépcia da peça inaugural. 2. Dada a amplitude e a magnitude da expressão "direitos humanos", é verossímil que o constituinte derivado tenha optado por não definir o rol dos crimes que passariam para a competência da Justiça Federal, sob pena de restringir os casos de incidência do dispositivo (CF, art. 109, § 5º), afastando-o de sua finalidade precípua, que é assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil sobre a matéria, examinando-se cada situação de fato, suas circunstâncias e peculiaridades detidamente, motivo pelo qual não há que se falar em norma de eficácia limitada. Ademais, não é próprio de texto constitucional tais definições. 3. Aparente incompatibilidade do IDC, criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, com qualquer outro princípio constitucional ou com a sistemática processual em vigor deve ser resolvida aplicando-se os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 4. Na espécie, as autoridades estaduais encontram-se empenhadas na apuração dos fatos que resultaram na morte da missionária norte-americana Dorothy Stang, com o objetivo de punir os responsáveis, refletindo a intenção do Estado do Pará em dar resposta eficiente à violação do maior e

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mais importante dos direitos humanos, o que afasta a necessidade de deslocamento da competência originária para a Justiça Federal, de forma subsidiária, sob pena, inclusive, de dificultar o andamento do processo criminal e atrasar o seu desfecho, utilizando-se o instrumento criado pela aludida norma em desfavor de seu fim, que é combater a impunidade dos crimes praticados com grave violação de direitos humanos. 5. O deslocamento de competência – em que a existência de crime praticado com grave violação dos direitos humanos é pressuposto de admissibilidade do pedido – deve atender ao princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), compreendido na demonstração concreta de risco de descumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil, resultante da inércia, negligência, falta de vontade política ou de condições reais do Estado-membro, por suas instituições, em proceder à devida persecução penal. No caso, não há a cumulatividade de tais requisitos, a justificar que se acolha o incidente. 6. Pedido indeferido, sem prejuízo do disposto no art. 1º, inc. III, da Lei nº 10.446, de 8/5/2002.

ÍNTEGRA DO VOTO DO MINISTRO RELATOR:. INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA Nº 1 - PA (2005/0029378-4) RELATÓRIO MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA:Trata-se de incidente de deslocamento de competência – IDC, suscitado pelo il. Procurador-Geral da República Dr. CLAUDIO LEMOS FONTELES, em 4/3/2005 (fl. 2), com base no § 5º do art. 109 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004, publicada no dia 31/12/2004, para que a investigação, o processamento e o julgamento dos mandantes, intermediários e executores do assassinato da irmã DOROTHY STANG, ocorrido em Anapu/PA, município situado a 68 Km da sede da Comarca de Pacajá/PA, sejam deslocados para o âmbito da Polícia e da Justiça Federal naquele Estado. Em suas razões, alega o suscitante que se encontram presentes, na hipótese, os dois requisitos que autorizam o deslocamento pretendido, que são: (a) a grave violação de direitos humanos, tendo em vista que o trabalho da vítima destacava-se internacionalmente pela defesa intransigente dos direitos dos colonos envolvidos em conflitos com grileiros de terras naquela localidade, e (b) a necessidade de garantir que o Brasil cumpra com as obrigações decorrentes de pactos internacionais firmados sobre direitos humanos, apontando, para tanto, evidências referentes ao quadro de omissões das autoridades estaduais constituídas, diversas vezes alertadas da prática das mais variadas atrocidades e violências envolvendo disputa pela posse e propriedade de terras no Município de Anapu/PA. As informações requisitadas – na mesma data do pedido (fl. 255) – foram prestadas pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Des. MILTON AUGUSTO DE BRITO NOBRE, no dia 22/3/2005, que se insurgiu contra a pretensão (fls. 339/371), trazendo aos autos farta documentação para demonstrar o empenho do Governo Estadual no combate à criminalidade e violência resultantes de conflitos agrários (fls. 372/505). Por sua vez, a Procuradoria-Geral de Justiça da referida Unidade da Federação, por seu titular, Dr. FRANCISCO BARBOSA DE OLIVEIRA, espontaneamente, também ofereceu informações – trazendo cópia de vários documentos – acerca do andamento das investigações e do processo criminal, já instaurado, que à época (21/3/2005) se encontrava na fase de tomada dos depoimentos das testemunhas de acusação (fls. 259/267). Considerando o posterior recebimento da denúncia ofertada pelo Ministério Público estadual em desfavor dos então indiciados, noticiado pelas referidas informações, determinei a intimação dos réus para manifestação sobre o presente pedido do deslocamento de competência, em observância aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (fl. 507). O Sr. DAVID JOSEPH STANG, irmão da vítima, na qualidade de assistente do Ministério Público

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Estadual, manifestou-se pelo deferimento do pedido de deslocamento da competência. Sustentou, em síntese, a necessidade da federalização em virtude da ineficácia das instituições locais no que tange à "... prevenção das violações de direitos humanos; a parcialidade das investigações; e a não aplicação das punições quando há responsabilização" (fl. 530). Consigne-se, ainda, que inúmeras manifestações de pessoas, inclusive estrangeiras, e entidades dedicadas a tais direitos chegaram a nosso conhecimento, demonstrando a justa indignação com o ocorrido. Expedida a competente carta de ordem (fl. 510), a mesma foi cumprida, mas não se manifestaram os acusados, embora regularmente intimados (fls. 608/613). O Ministério Público Federal, por seu chefe, il. Dr. CLAUDIO FONTELES, emitiu o bem-fundamentado parecer, às fls. 615/621, pela procedência do pleito. É o relatório. VOTO MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA (Relator): 1 - A Constituição de 1988 preocupou-se, como não poderia deixar de ser, com os direitos básicos do homem (Título II – arts. 5º a 17), tanto que, de início, ao tratar dos princípios fundamentais, o constituinte originário deixou consignado que, verbis: "A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito" (Título I – art. 1º), tendo entre os seus 5 (cinco) principais fundamentos "a dignidade da pessoa humana" (art. 1º, inc. III). 1.1 - Não há dúvida quanto à importância dada pelo constituinte à questão dos direitos humanos, ao prescrever, como cláusula pétrea que: "Não será objeto de deliberação a proposta de emenda constitucional tendente a abolir os direitos e garantias individuais" (art. 60, § 4º, inc. IV). 1.2 - Não fora isso, o constituinte incluiu a prevalência de tais direitos dentre os princípios que devem reger as relações internacionais da República Federativa do Brasil (art. 4º, inc. II). Esta foi, certamente, forte razão que levou o saudoso Dr. ULYSSES GUIMARÃES, então Presidente da Assembléia Nacional Constituinte, a batizar nossa Carta de "Constituição Cidadã". 2 - Nessa linha, a EC nº 45/2004, aprovada e promulgada pelo Congresso Nacional, publicada no dia 31/12/2004, decorrente da PEC nº 96-A, de 1992, à qual foram apensadas as PECs nºs 112-A/95, 127-A/95, 215-A/95, 368-A/96 e 500-A/97, todas tratando da reforma do Poder Judiciário –, inseriu no nosso ordenamento jurídico a possibilidade de deslocamento da competência originária para a investigação, processamento e julgamento dos crimes praticados com grave violação de direitos humanos, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil, da esfera estadual para a federal, acrescentando ao art. 109 da Constituição o inciso V-A e o § 5º, com a seguinte redação, verbis: Art. 109 – Aos juízes federais compete processar e julgar: ................................................................................................................................ V-A – as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo; ................................................................................................................................ § 5º – Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal. 3 - A criação desse instituto decorreu, dentre outros motivos, da percepção de que, em vários casos, os mecanismos até então disponíveis para a apuração e punição desses delitos demonstraram-se insuficientes e, até mesmo, ineficientes, expondo de forma negativa a imagem do Brasil no exterior, que, freqüentemente, por meio de diversos organismos internacionais, além da mídia, tem sofrido severas críticas quanto à negligência na apuração desse tipo de crime, que resulta quase sempre em impunidade, não obstante os diversos compromissos por ele firmados,

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com relação à proteção desses direitos, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) e a Declaração de Reconhecimento da Competência Obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que podem colocar o Estado brasileiro como sujeito passivo nos casos impunes a ela comunicados. 4 - Por outro lado, não há como negar a grande dificuldade do Governo Federal, no que tange às reiteradas omissões na apuração e punição dos crimes praticados internamente com grave violação aos direitos humanos, uma vez que a competência originária para a investigação, processamento e julgamento encontra-se no âmbito dos Estados, que, muitas vezes, por questões histórico-culturais e sócio-econômicas, mostram-se insensíveis às violações desses direitos, os quais o Brasil comprometeu-se, inclusive no plano internacional, a respeitar e proteger e é, de resto, dever elementar, essencial, do Estado, como um todo, coibir e punir severamente os seus infratores, sem maltrato, jamais, à legalidade estrita. 4.1 - Essas conclusões decorrem da edição da Medida Provisória nº 27, de 24/2/2002, convertida na Lei nº 10.446, de 8/5/2002, que, sem retirar a responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da CF, em especial das Polícias Militares e Civis dos Estados, em grande e essencial avanço, autorizou a Polícia Federal a proceder à investigação acerca de infrações penais "relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte" (art. 1º, inc. III), bem como da Exposição de Motivos nº 231/A-MJ, de 13/5/1996, oriunda do Ministério da Justiça, que, para justificar a referida possibilidade de deslocamento da competência para o processamento e julgamento dos crimes praticados com grave violação de direitos humanos, objeto da PEC 386-A/96, apresentada pelo Poder Executivo, consignou expressamente que, verbis: A questão dos Direitos Humanos, a partir do segundo conflito mundial, vem obtendo crescente atenção dos governos, espelhando a preocupação das suas populações com a preservação desses direitos. No Brasil, a Constituinte de 1988 procurou resguardar os Direitos Humanos através do disposto no art. 5º da Constituição, além de dedicar especial atenção às crianças, ao idoso e aos índios (arts. 226 a 232). Entretanto, a despeito do cuidado da Constituição em assegurar os Direitos Humanos, a realidade é que a violação desses direitos em nosso País tornou-se prática comum, criando um clima de revolta e de insegurança na população, além de provocar indignação internacional. É que o Estado brasileiro, ao cuidar de bem definir os ordenamentos que asseguram tais direitos, descurou em relação a instrumentos capazes de assegurar o seu pleno exercício. De fato, nenhuma mudança substancial foi estabelecida na competência e na organização das polícias pela Constituição de 1988, mantendo-se às Polícias Civis a atribuição de polícia judiciária estadual. A par disso, as Polícias Militares também foram mantidas com a atribuição do policiamento ostensivo e de preservação da ordem pública nos Estados. De outra parte, na Constituição, à Polícia Federal reservou-se tão-somente a apuração das infrações penais relacionadas no seu art. 144, § 1º, nelas não incluídas as matérias relativas a preservação dos Direitos Humanos. Com isso, constitucionalmente, as lesões aos Direitos Humanos ficaram sob a égide do aparelhamento policial e judicial dos Estados Federados que, em face de razões históricas, culturais, econômicas e sociais, têm marcado sua atuação significativamente distanciada dessa temática. Esse distanciamento apresenta-se ainda mais concreto e evidente nas áreas periféricas das cidades e do campo, em que fatores econômicos e sociais preponderam indevidamente na ação do

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aparelhamento estatal. Essa fragilidade institucional criou clima propício para cada vez mais freqüentes violações dos Direitos Humanos em nosso País, que ficam imunes à atuação fiscalizadora e repressora do Estado. Esse quadro de impunidade que ora impera está a exigir medidas destinadas a revertê-lo, sob pena dos conflitos sociais se agravarem de tal forma que venham fugir ao controle do próprio Estado. Por estas razões e visando a realização, em concreto, dos Direitos Humanos em nosso País, julgamos necessário incluir na competência da justiça federal os crimes praticados em detrimento de bens ou interesses sob a tutela de órgão federal de proteção dos Direitos Humanos, bem assim as causas civis ou criminais nas quais o mesmo órgão ou o Procurador-Geral da República manifeste interesse. A fórmula consiste na inserção de dois novos incisos no art. 109 da Constituição. Sem dúvida, a Justiça Federal e o Ministério Público da União, no âmbito das suas atribuições constitucionais, vêm se destacando no cenário nacional como exemplos de isenção e de dedicação no cumprimento dos seus deveres institucionais. Por outro lado, cumpre destacar que a própria natureza dessas duas Instituições, com atuação de abrangência nacional, as tornam mais imunes aos fatores locais de ordem política, social e econômica, que, até agora, têm afetado um eficaz resguardo dos Direitos Humanos. 4.2 - Embora a proposta do Executivo não tenha encontrado amparo na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, da Câmara dos Deputados, como originalmente formulada, que acrescentava dois incisos (XII e XIII) ao art. 109 da CF – por meio dos quais pretendia-se atribuir à Justiça Federal o julgamento dos crimes praticados em detrimento de bens ou interesses sob a tutela de órgão federal de proteção dos direitos humanos e as causas civis ou criminais nas quais órgão federal de proteção dos direitos humanos ou o Procurador-Geral da República manifestassem interesse –, certo é que parte da pretensão vingou e, a partir da publicação da referida EC nº 45/2004, inseriu-se no nosso ordenamento jurídico tal inovação. 4.3 - É imprescindível, todavia, verificar o real significado da expressão "grave violação de direitos humanos", tendo em vista que todo homicídio doloso, independentemente da condição pessoal da vítima e/ou da repercussão do fato no cenário nacional ou internacional, representa grave violação ao maior e mais importante de todos os direitos do ser humano, que é o direito à vida. Esta é uma das dificuldades. 4.4 - Destarte, não é razoável admitir – sob pena, inclusive, de esvaziar a competência da Justiça Estadual e inviabilizar o funcionamento da Justiça Federal – que todos os processos judiciais que impliquem grave violação a um desses direitos possam ensejar o deslocamento da competência para o processamento e julgamento do feito para o Judiciário Federal, banalizando esse novo instituto, que foi criado com a finalidade de disponibilizar instrumento capaz de conferir eficiente resposta estatal às violações aos direitos humanos, evitando que o Brasil venha a ser responsabilizado por não cumprir os tratados internacionais, por ele firmados, que versem sobre esses direitos internacionalmente protegidos. 4.5 - Nesse ponto, muito se discutiu acerca da necessidade de norma legal definindo expressamente quais seriam os crimes praticados com grave violação aos direitos humanos, inclusive com sugestão apresentada por comissão formada por Procuradores de Estados da Federação e da República, segundo nos informa a il. Procuradora do Estado de São Paulo, Dra. FLÁVIA PIOVESAN, em seu estudo "Direitos Humanos Internacionais e Jurisdição Supra-Nacional: A exigência da Federalização" (in "Boletim dos Procuradores da República" nº 16, Agosto/1999). As conclusões foram no sentido de que seria da Justiça Federal a competência para processar e julgar os crimes de tortura; os homicídios dolosos qualificados praticados por agente funcional de quaisquer dos entes federados; os cometidos contra as comunidades indígenas ou seus integrantes; os homicídios dolosos quando motivados por preconceito de origem, raça, sexo, opção sexual, cor, religião, opinião política ou idade ou quando decorrente de conflitos fundiários de natureza coletiva; e os crimes de uso, intermediação e exploração de trabalho escravo ou de

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criança e adolescente em quaisquer das formas previstas em tratados internacionais. 4.6 - Entretanto, dada a amplitude e a magnitude da expressão "direitos humanos", é verossímil que o constituinte derivado tenha preferido não definir o rol desses crimes que passariam para a competência da Justiça Federal, sob pena de restringir os casos de incidência do dispositivo (CF, art. 109, § 5º), afastando-o de sua finalidade precípua, que é a de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil sobre a matéria. Além disso, não é comum definição dessa natureza no próprio texto constitucional. Pelo menos, momentaneamente, persiste em aberto tal aspecto, podendo o Congresso Nacional, por lei, especificar os tipos penais susceptíveis de ensejar o deslocamento de competência. 5 - Logo, não há base jurídica para atribuir ao referido preceito eficácia limitada (sem o condão de produzir todos os seus efeitos, precisando de uma lei integrativa), ou que o processamento desse incidente dependa de regulamentação própria, até porque as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais – em cujo elenco, indiscutivelmente, se encontram inseridos os "direitos humanos" – têm aplicação imediata, por força do disposto no § 1º do art. 5º da Carta da República. É suficiente, portanto, para o deslocamento da competência, a demonstração inequívoca, no caso concreto, de ameaça efetiva, real, ao cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos firmados pelo Brasil, respeitando-se, obviamente, o direito de manifestação das partes interessadas sobre o pedido formulado pelo Procurador-Geral da República, aliado a terceiro pressuposto, que será abordado mais adiante. 5.1 - Por outro lado, não há, também, incompatibilidade do IDC com qualquer outro princípio constitucional ou com a sistemática processual em vigor. 5.2 - Com efeito, não se discute que o novo instituto é instrumento a ser utilizado em situações especialíssimas, quando devidamente demonstrada a sua necessidade, a sua imprescindibilidade, tal como acontece, semelhantemente, com o pedido de desaforamento (CPP, art. 424) ou com a intervenção federal (CF, art. 34), observadas, é claro, as peculiaridades e finalidades de cada instituto. 5.3 - De fato, o IDC, principalmente na hipótese de homicídio doloso qualificado, de competência do Tribunal do Júri, guarda muita semelhança com o desaforamento, no qual o direito de o réu ser julgado pelos seus pares da comunidade, no chamado "distrito da culpa", cede lugar ao objetivo maior, que é a realização da justiça em sua plenitude, finalidade última do processo, sem que isso represente violação ao princípio do juiz e/ou do promotor natural, nem se constitua em juízo ou tribunal de exceção, desde que presentes os pressupostos legais que a tanto o autorizem. 5.4 - Aliás, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que o juiz natural de processo por crimes dolosos contra a vida é o Tribunal do Júri, mas o local do julgamento pode variar, conforme as normas processuais, que não são incompatíveis com a Constituição Federal e também não ensejam a formação de tribunais de exceção (HC 67.851/GO, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, DJ 18/5/1990). 6 - Como se sabe, não é incomum, sobretudo em face de constituição analítica, como a nossa, ocorrerem conflitos entre seus preceitos. A Profª. LILIANE RORIZ, em sua dissertação intitulada "Conflito entre Normas Constitucionais", América Jurídica, 1ª ed., pág. 13, leciona: Segundo conceito de José Carlos Vieira de Andrade, "haverá colisão ou conflito sempre que se deve entender que a Constituição protege simultaneamente dois valores ou bens em contradição concreta. A esfera de protecção (sic) de um certo direito é constitucionalmente protegida em termos de intersectar a esfera de outro direito ou de colidir com uma norma ou princípio constitucional. O problema agora é outro: é o de saber como vai resolver-se esta contradição no caso concreto, como é que se vai dar solução ao conflito entre bens, quando ambos (todos) se apresentam efectivamente (sic) protegidos como fundamentais". (Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 220.) Precedente importante, o voto vencedor proferido pelo Ministro GILMAR MENDES, do Supremo

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Tribunal Federal, quando do julgamento da Intervenção Federal nº 2.915-5/SP, nos seguintes termos, verbis: O princípio da proporcionalidade, também denominado princípio do devido processo legal em sentido substantivo, ou ainda, princípio da proibição do excesso, constitui uma exigência positiva e material relacionada ao conteúdo de atos restritivos de direitos fundamentais, de modo a estabelecer um 'limite do limite' ou uma 'proibição de excesso' na restrição de tais direitos. A máxima da proporcionalidade, na expressão de Alexy, coincide igualmente com o chamado núcleo essencial dos direitos fundamentais concebidos de modo relativo – tal como o defende o próprio Alexy. Nesse sentido, o princípio ou máxima da proporcionalidade determina o limite último da possibilidade de restrição legítima de determinado direito fundamental. A par dessa vinculação aos direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade alcança as denominadas colisões de bens, valores ou princípios constitucionais. Nesse contexto, as exigências do princípio da proporcionalidade representam um método geral para a solução de conflitos entre princípios, isto é, um conflito entre normas que, ao contrário do conflito entre regras, é resolvido não pela revogação ou redução teleológica de uma das normas conflitantes nem pela explicitação de distinto campo de aplicação entre as normas, mas antes e tão-somente pela ponderação do peso relativo de cada uma das normas em tese aplicáveis e aptas a fundamentar decisões em sentidos opostos. Nessa última hipótese, aplica-se o princípio da proporcionalidade para estabelecer ponderações entre distintos bens constitucionais. Em síntese, a aplicação do princípio da proporcionalidade se dá quando verificada restrição a determinado direito fundamental ou um conflito entre distintos princípios constitucionais de modo a exigir que se estabeleça o peso relativo de cada um dos direitos por meio da aplicação das máximas que integram o mencionado princípio da proporcionalidade. São três as máximas parciais do princípio da proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Tal como já sustentei em estudo sobre a proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (...), há de perquirir-se, na aplicação do princípio da proporcionalidade, se em face do conflito entre dois bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigura-se adequado (isto é, apto para produzir o resultado desejado), necessário (isto é, insubstituível por outro meio menos gravoso e igualmente eficaz) e proporcional em sentido estrito (ou seja, se estabelece uma relação ponderada entre o grau de restrição de um princípio e o grau de realização do princípio contraposto). Registre-se, por oportuno, que o princípio da proporcionalidade aplica-se a todas as espécies de atos dos poderes públicos, de modo que vincula o legislador, a administração e o judiciário. (DJ 28/11/2003, p. 11.) 6.1 - Vetores basilares para se saber, concretamente, qual a regra ou garantia constitucional deva prevalecer resulta, assim, da observância dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 6.2 - Portanto, considerando que o assassinato da missionária norte-americana DOROTHY STANG – cuja atuação destacava-se internacionalmente pela defesa intransigente dos direitos dos colonos envolvidos em conflitos com grileiros de terras no Município de Anapu/PA – constitui-se em grave, lamentável e brutal violação ao maior e mais importante de todos os direitos humanos, que é o direito à vida, previsto no art. 4º, nº 1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário por força do Decreto nº 678, de 6/11/1992, aliado às alegações do suscitante quanto à necessidade de garantir que o Brasil cumpra com as obrigações decorrentes de pactos internacionais firmados sobre a matéria, indicando, com base na documentação que acompanhou a inicial, que o IDC merece, em tese, ser conhecido. 7 - Pelas razões expostas, no entanto, as preliminares argüidas pela autoridade suscitada devem ser afastadas. Com efeito, não procede a alegada inépcia da petição inicial, por ser desnecessária, supérflua até, a menção expressa do dispositivo específico do tratado ou convenção que foi violado, fiel ao princípio iura novit curia, aqui também aplicável, sabendo-se que tais pactos internacionais, subscritos pelo Brasil, uma vez internalizados, com a aprovação do Congresso Nacional, têm a natureza ou hierarquia das emendas constitucionais, ou a elas são equivalentes, ut

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§ 3º do art. 5º/CF (EC 45). Por sua vez, a ausência de norma legal ou constitucional descrevendo os crimes praticados com grave violação a tais direitos parece ter sido a opção do constituinte derivado, visando não restringir ou limitar os casos de incidência do dispositivo (CF, art. 109, § 5º), que não afronta o princípio do juiz natural, nem se constitui em tribunal de exceção. Além disso, a sua não-regulamentação não impede, uma vez presentes os pressupostos, a sua aplicação, concretamente, sabendo-se que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, por força do disposto no § 1º do art. 5º da Constituição Federal. 8 - No mérito, cumpre verificar a necessidade da adoção dessa medida extrema, para a finalidade à qual se destina, sendo, para tanto, conveniente destacar as informações prestadas pela autoridade suscitada, em 21/3/2005, nos seguintes termos, verbis (fls. 366/368): Em Pacajá, o Poder Judiciário estadual conta com uma vara única. O Dr. Lucas do Carmo de Jesus é o juiz titular da comarca, com residência fixada na localidade, onde impulsiona os serviços forenses e, segundo as informações do qual (cópia anexa), as polícias Civil e Federal instauraram seus inquéritos, respectivamente, em 12/02/2005 e 13/02/2005, tendo concluído as investigações, antes do prazo legal de 30 dias, sendo que os procedimentos iniciais da fase de instrução foram realizados em tempo recorde. Ainda nessa fase, cerca de dezesseis medidas cautelares penais foram requeridas pelo Ministério Público e pelas Polícias Judiciárias que conduziam as investigações ao Juízo de Pacajá, tais como, prisões temporárias, preventivas, pedidos de interceptações telefônicas, que foram registradas e autuadas em apartado e, apreciadas no menor tempo possível. Foram indiciados Rayfran das Neves Sales, Clodoaldo Carlos Batista, Amair Feijoli da Cunha e Vitalmiro Bastos de Moura, que tiveram suas prisões preventivas decretadas, e foram presos, à exceção do último acusado, em 20/02/2005, 22/02/2005 e 19/02/2005, respectivamente. O oferecimento da denúncia pelo membro do Ministério Público Estadual foi feito de forma célere, tendo sido apresentada essa peça também antes do prazo legal, em 07/03/2005 em face dos 4 (quatro) indiciados, por homicídio duplamente qualificado, na qual são apontados como incursos nas sanções punitivas previstas no art. 121, § 2°, incisos I e IV, do Código Penal Brasileiro. Clodoaldo Carlos Batista e Rayfran das Neves Sales são apontados como executores do assassinato, Amair Feijoli da Cunha foi denunciado como intermediário do crime. O quarto denunciado, Vitalmiro Barros de Moura, que continua foragido, foi denunciado como o mandante do crime. A denúncia foi recebida e no mesmo dia, em despacho, o magistrado definiu o dia 15, às 9h, para o interrogatório dos réus que estão recolhidos no Complexo Penitenciário de Americano, localizado no município de Santa Izabel do Pará, 38 km de Belém, determinando, também, o desmembramento do processo em relação ao réu solto, para que não haja demora na instrução processual relacionada aos outros três que estão recolhidos. No dia aprazado o juiz antes referido se deslocou da comarca e interrogou os denunciados no próprio presídio, entre às 10h e 22h30m, sendo que, ao final, foi concedido aos defensores dos acusados o prazo de 3 (três) dias para a apresentação de defesa prévia e designados os dias 21/03/2005 e 23/03/2005 para a oitiva das testemunhas arroladas pela acusação. Esclareceu, ainda, aquele magistrado que a testemunha Cícero Pinto da Cruz está incluída no Programa de Proteção de Vítimas e Testemunhas e está residindo em Belém, razão pela qual, e por questões de segurança, foi determinada a realização da audiência para sua oitiva nesta Capital, no dia 21/03/2003, às 09h00m, sendo que as demais testemunhas arroladas pela acusação (seis), serão ouvidas no Fórum da Comarca de Pacajá, no dia 23/03/2005, a partir das 09h00m. As partes foram intimadas das deliberações do Juízo na própria audiência. Informou, por fim, o Dr. Lucas de Jesus que aos acusados Rayfran e Clodoaldo foram nomeadas defensoras públicas, eis que não tinham advogados constituídos para promover suas defesas, bem como que todas as diligências requeridas pelo Ministério Público local foram deferidas, consistentes na juntada de peças periciais, de levantamento do local do crime e reprodução simulada do crime,

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restando a apresentação do laudo de exames correlatos à necropsia, da perícia de danos no veículo queimado próximo ao local do crime, da reprodução simulada da cena do crime e laudo da perícia de recenticidade e eficiência da arma do crime. Tudo isso, deve-se frisar, sustenta a forte convicção de que todos os procedimentos legais foram observados, inclusive quanto aos prazos previstos em lei, sendo todos esses atos praticados por autoridades estaduais, embora seja devido reconhecer a prestimosa e competente colaboração da Polícia Federal e de contingentes do Exército Nacional. 8.1 - Supervenientemente, como é notório, o réu VITALMIRO BARROS DE MOURA, denunciado como mandante do crime, foi custodiado, o que facilitará a instrução processual, sem falar na prisão do madeireiro REGIVALDO GALVÃO, sobre quem, da mesma forma, recaem suspeitas de envolvimento na morte da missionária DOROTHY STANG, também como possível mandante, conforme noticiou o jornal "Correio Braziliense", que circulou no dia 8/4/2005. 9 - Por sua vez, a Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Pará prestou espontânea informação sobre os fatos e providências adotadas pelo Ministério Público Estadual, da qual cumpre-me destacar, verbis (fls. 260/264): Em 12.02.2005, a missionária americana, naturalizada brasileira, Dorothy Mae Stang, é assassinada com seis tiros de revólver, calibre 38, na área do assentamento do PDS Esperança (Projeto de Desenvolvimento Sustentável), por volta das 07:30 horas da manhã. Nesse dia, a Polícia Civil do Município de Anapu, compareceu à área do assentamento realizando o levantamento e o isolamento do local do crime, bem como a remoção do cadáver e iniciando a coleta de provas no sentido de identificar a autoria do delito. Em 15.02.2005, o Promotor de Justiça, Lauro Francisco da Silva Freitas Júnior, acompanhado do Juiz de Direito da Comarca de Anapu, Dr. Lucas do Carmo Jesus, deslocaram-se ao local das investigações tomando conhecimento da apuração policial. Ressaltando que o Promotor de Justiça e o Juiz de Direito providenciaram as medidas judiciais cabíveis despachadas diretamente do local das investigações, tais como, interceptações telefônicas, quebra de dados telefônicos, busca apreensão, quebra de sigilo bancário, decretação de prisões. Em 16.02.2005, os Promotores de Justiça, Drs. Sávio Rui Brabo de Araújo e Edmilson Barbosa Leray, designados pela Procuradoria-Geral de Justiça, para acompanhar as referidas investigações, deslocaram-se à cidade de Altamira. Em 17.02.2005, os Promotores de Justiça, Sávio Brabo e Edmilson Leray, integraram-se à força-tarefa formada pelo Delegado-Geral da Polícia Civil do Estado do Pará, Polícia Federal e Exército Brasileiro, participando de reuniões de estratégias para a condução dos trabalhos investigatórios. Acionou-se o GEPROC do Ministério Público do Estado do Pará (Grupo Especial de Prevenção e Repressão às Organizações Criminosas) para auxiliar as investigações, principalmente na área de inteligência. Em 18.02.2005, os Promotores de Justiça, Sávio Brabo e Edmilson Leray, deslocaram-se ao Município de Anapu para acompanhar o reconhecimento por fotografia realizado pela única testemunha ocular do crime, que reconheceu o pistoleiro Rayfran das Neves Sales como sendo o executor dos tiros desferidos na vítima. Após reuniões com os coordenadores da força-tarefa, iniciou-se intensivas negociações para apresentação do intermediário Amair Feijoli da Cunha, vulgo 'Tato'. Em 19.02.2005, os Promotores de Justiça, Sávio Brabo e Edmilson Leray, presenciaram a apresentação de 'Tato', na Delegacia de Polícia Civil, por volta das 15:00 horas, sob acompanhamento da imprensa. No mesmo dia, os Promotores de Justiça, Sávio Brabo e Edmilson Leray, por volta das 20:00 horas, nas dependências da Superintendência Regional do Xingu, convocaram uma reunião com todos os

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Delegados da Polícia Civil envolvidos nas investigações, sendo decidido: a) a linha de interrogatório do acusado Amair Feijoli da Cunha, vulgo 'Tato'; b) a necessidade de reconstituição do crime; c) a oitiva de pessoas supostamente interessadas na morte da vítima, cujos nomes foram levantados pela inteligência do Ministério Público do Estado do Pará; d) quebra do sigilo bancário dos acusados e das pessoas supostamente interessadas na grilagem de terra na região; e) o levantamento dos antecedentes criminais dos acusados, bem como a rede de relacionamento com os latifundiários da região. Em 20.02.2005, o interrogatório do acusado Amair Feijoli da Cunha, vulgo 'Tato', com a participação ativa dos Promotores de Justiça, Sávio Brabo e Edmilson Leray, na Polícia Civil e Federal, os quais formularam perguntas explorando as contradições do interrogando, ressaltando que as declarações foram gravadas em fita VHS pela Polícia Civil. Nesse dia, por volta das 20:00 horas, a equipe do GEPROC, comandada pelo Cap. Apelloni, Subtenente Ênio, Tenente Ranieri, localizaram o acusado Rayfran das Neves Sales, cabendo ao Subtenente Ênio dar-lhe 'voz de prisão', às margens da Transamazônica, no Município de Anapu, sendo toda a prisão filmada em VHS pela equipe do GEPROC, cujas imagens foram exibidas em cadeia nacional pela Rede Globo, na edição do Jornal Nacional, de 23.02.2005. Em 21.02.2005, os Promotores de Justiça, Sávio Brabo, Edmilson Leray e Lauro Freitas Júnior, participaram ativamente do interrogatório do acusado Rayfran prestado perante a Polícia Civil e Federal, confessando a autoria do crime, bem como delatando a rota de fuga do segundo partícipe Clodoaldo Carlos Batista, vulgo 'Eduardo', e a indicação da localização da arma do crime. Em razão da relevância das informações, o Ministério Público requereu o sigilo judicial do inquérito policial civil, sendo acusado, de plano, pela autoridade judiciária competente. Em 22.02.2005, em decorrência do sigilo judicial, tornou-se possível a captura do acusado Clodoaldo Carlos Batista, vulgo 'Eduardo', partícipe da morte da vítima, bem como a apreensão da arma do crime encontrada na Fazenda Bacajá, de propriedade do acusado Vitalmiro Bastos de Moura, vulgo 'Bida', localizada na área do assentamento do PDS Esperança. Nessa ocasião, o interrogado confessou sua participação na morte da vítima sendo responsável pela entrega da arma ao pistoleiro Rayfran, bem como auxiliou na execução do crime, imputando ainda a encomenda do crime ao acusado Vitalmiro, vulgo 'Bida', pela importância de R$ 50.000,00, que seria dividida entre 'Tato', Rayfran e Eduardo. No mesmo dia, os acusados foram acareados na presença dos Promotores de Justiça signatários, revelando detalhes do planejamento da ação criminosa, da execução e fuga. Em 23.02.2005, as imagens da captura do acusado Rayfran, captadas pelo Ministério Público Estadual, foram cedidas à Rede Globo de Televisão e exibidas no Jornal Nacional. No mesmo dia, o Juiz de Direito da Comarca de Pacajá, Dr. Lucas do Carmo Jesus, deslocou-se à cidade de Altamira, com a finalidade de reunir-se com os Promotores de Justiça signatários para tratar de medidas judiciais necessárias no andamento regular do inquérito policial civil. Em seguida, os Promotores de Justiça, Sávio Brabo e Lauro Freitas Júnior, participaram da estratégia para a realização da reconstituição do crime no Município de Anapu. Em 24.02.2005, os Promotores de Justiça, Sávio Brabo e Lauro Freitas Júnior, participaram efetivamente da reconstituição do crime no Município de Anapu. Enquanto, o Promotor de Justiça, Edmilson Leray, participou de reunião no Município de Altamira, requerendo a inclusão de testemunhas no programa de proteção do governo estadual (PROVITA). Em 04.03.2005, concluídos os inquéritos policiais tanto da polícia civil como da polícia federal. Em 08.03.2005, o Ministério Público Estadual, através do Promotor de Justiça Lauro Francisco da Silva Freitas Júnior, Promotor de Justiça de Pacajá, ofereceu denúncia contra os indiciados por homicídio qualificado mediante promessa de recompensa e recurso que torne impossível a defesa da vítima combinado com concurso de pessoas. (CÓPIA ANEXA 1).

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Em 07.03.2005, a peça inaugural da ação penal condenatória foi recebida pela autoridade judiciária de Pacajá, sendo designado o dia 15.03.2005 para interrogatório dos réus presos e 29.03.2005 para interrogatório do réu foragido, Vitalmiro Bastos de Moura (CÓPIA ANEXA 2). Em 15.03.2005, no interior da Penitenciária de Americano, Rayfran das Neves Sales, Clodoaldo Carlos Batista e Amair Feijoli da Cunha foram interrogados. (CÓPIAS ANEXAS – 3, 4, 5, 6, 7). Após prazo de defesa prévia, foi designado o dia 21.03.2005 o início da oitiva das testemunhas arroladas na denúncia. Essa, a suma da instrução criminal. 10 - É importante relembrar que, no âmbito das instituições policiais, atua, não só o Estado, por seus agentes, mas, igualmente, a União, esta, pela Polícia Federal, forte no art. 144 da CF e na Lei nº 10.446/2002, como é notório. Na seara judicante, seja perante a Justiça Estadual ou a Federal, a competência para o julgamento é do Júri popular (CF, 5º, XXXVIII), cujo devido processo legal a ser, cogentemente, observado será o mesmo, seja o Tribunal popular presidido por magistrado estadual ou federal. Aquele, é importante dizer, além de sua natural competência, tem, em princípio, maior vivência na condução de processos de tal conteúdo, sabendo-se que só excepcionalmente existem júris federais. 10.1 - Logo, até aí não se vislumbra relevância no eventual deslocamento da competência, pois o órgão judicante será o mesmo – o Júri Popular. Doravante, os recursos para o segundo grau se destinariam ao TJ/PA ou ao TRF-1ª Região, conforme a origem da sentença recorrida. A seguir, não haverá diversidade das instâncias chamadas de transordinárias, para eventuais ações ou recursos, dirigidos ao STJ e/ou STF. Tais aspectos, cediços, é certo, não são desprezíveis, no contexto, pois a rigor mesclam-se instituições do Estado-membro e da União Federal, a colimarem igual desiderato, qual seja, o devido processamento e julgamento dos acusados. 11 - A confiabilidade nas instituições públicas, constitucional e legalmente investidas de competência originária para atuar em casos como o presente – Polícia, Ministério Público, Judiciário – deve, como regra, prevalecer, ser apoiada e prestigiada, só afastando a sua atuação, a sua competência, excepcionalmente, ante provas induvidosas que revelem descaso, desinteresse, ausência de vontade política, falta de condições pessoais ou materiais etc. em levar a cabo a apuração e julgamento dos envolvidos na repugnante atuação criminosa, assegurando-se-lhes, no entanto, as garantias constitucionais específicas do devido processo legal. 11.1 - Do que se contém, todavia, neste IDC, não se conclui pela exceção mas, sim, pela regra, ou seja, tais instituições estaduais vêm cumprindo o seu dever funcional e, certamente, continuarão a fazê-lo, até o fim, com a importante e resoluta participação da operosa Polícia Federal, de forma legítima, nos momentos adequados. 11.2 - É oportuno registrar, ainda, a manifestação da Comissão Externa, constituída pelo Ato nº 8/2005, do Presidente do Senado Federal, para acompanhar tais investigações, a qual, após concluídos os trabalhos, oficiou a este Relator, por sua Presidente, Senadora ANA JÚLIA CAREPA (Of. 081-GSAJC, de 5/4/2005), no qual consta conclusão pela "... permissividade do poder público local, no caso, da Polícia Civil do Pará, corroborando, assim, os argumentos e o posicionamento manifestado pelo Procurador-Geral em favor da federalização". O mesmo, no entanto, não se concluiu quanto ao MP e ao Judiciário locais. Admitindo a premissa em relação à Polícia Estadual, para argumentar, tal, se procedente, não seria decisivo porque a Polícia Federal, como já assinalado, atua, decididamente, desde o início, na elucidação dos fatos. 12 - Em síntese: Além dos dois requisitos prescritos no § 5º do art. 109 da CF: a) grave violação a direitos humanos e b) assegurar o cumprimento, pelo Brasil, de obrigações decorrentes de tratados internacionais, é necessário, ainda, a presença de terceiro requisito, qual seja, c) a incapacidade (oriunda de inércia, negligência, falta de vontade política, de condições pessoais, materiais etc.) de o Estado-membro, por suas instituições e autoridades, levar a cabo, em toda a sua extensão, a persecução penal. Tais requisitos – os três – hão de ser cumulativos, o que parece ser de senso

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comum, pois do contrário haveria indevida, inconstitucional, abusiva invasão de competência estadual por parte da União Federal, ferindo o Estado de Direito e a própria federação, o que certamente ninguém deseja, sabendo-se, outrossim, que o fortalecimento das instituições públicas – todas, em todas as esferas – deve ser a tônica, fiel àquela asserção segundo a qual, figuradamente, "nenhuma corrente é mais forte do que o seu elo mais fraco". Para que o Brasil seja pujante, interna e externamente, é necessário que as suas unidades federadas – Estados, DF e Municípios –, internamente, sejam, proporcionalmente, também fortes e pujantes. 13 - Destarte, mesmo se fazendo presentes os dois requisitos previstos no § 5º do art. 109 da CF, a ausência do terceiro elemento que lhe é naturalmente implícito, para nós, afasta a sua concreta aplicação e, a par disso, coloca o Brasil ao abrigo da eventual submissão a julgamentos por Cortes Internacionais, porque ele não poderá ser acusado de se ter omitido na investigação, julgamento e punição dos culpados, sempre fiel ao princípio da legalidade, pois um seu Estado-membro, com seu apoio, atua adequadamente em tal sentido. O feito, aliás, já se encontra em fase adiantada (art. 406 e segs. do CPP) estando os denunciados presos e prestes a serem submetidos a seu juízo natural, qual seja, o Tribunal do Júri estadual, consoante recente informação, do MM. Juiz de Direito da Comarca de Pacajá, Dr. LUCAS DO CARMO DE JESUS, datada de 1º/6/2005, dizendo que os autos encontravam-se com vista para a acusação desde 31/5/2005, para alegações finais, cujo prazo se encerrará em 6/6/2005 (fl. 654). 13.1 - Ressalte-se, ademais, que nosso Poder Judiciário, conforme antiga e constante doutrina, é nacional. No ponto, peço licença para transcrever excerto do voto ("SEM REVISÃO") proferido pelo em. Ministro CEZAR PELUSO, como Relator da ADIN 3.337-1, a saber: Na verdade, desde JOÃO MENDES JÚNIOR, cuja opinião foi recordada por CASTRO NUNES,59 sabe-se que: "O Poder Judiciário, delegação da soberania nacional, implica a idéia de unidade e totalidade da força, que são as notas características da idéia de soberania. O Poder Judiciário, em suma, quer pelos juízes da União, quer pelos juízes dos Estados, aplica leis nacionais para garantir os direitos individuais; o Poder Judiciário não é federal, nem estadual, é eminentemente nacional, quer se manifestando nas jurisdições estaduais, quer se aplicando ao cível, quer se aplicando ao crime, quer decidindo em superior, quer decidindo em inferior instância.60 (grifos no original) Desenvolvendo a idéia, asseveram ANTONIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO: "O Poder Judiciário é uno, assim como una é a sua função precípua – a jurisdição – por apresentar sempre o mesmo conteúdo e a mesma finalidade. Por outro lado, a eficácia espacial da lei a ser aplicada pelo Judiciário deve coincidir em princípio com os limites espaciais da competência deste, em obediência ao princípio una lex, una jurisdictio. Daí decorre a unidade funcional do Poder Judiciário. É tradicional a assertiva, na doutrina pátria, de que o Poder Judiciário não é federal nem estadual, mas nacional. É um único e mesmo poder que se positiva através de vários órgãos estatais – estes, sim, federais e estaduais. (...) (...) fala a Constituição das diversas Justiças, através das quais se exercerá a função jurisdicional. A jurisdição é uma só, ela não é nem federal nem estadual: como expressão do poder estatal, que é uno, ela é eminentemente nacional e não comporta divisões. No entanto, para a divisão racional do trabalho é conveniente que se instituam organismos distintos, outorgando-se a cada um deles um setor da grande 'massa de causas' que precisam ser processadas no país. Atende-se, para essa distribuição de competência, a critérios de diversas ordens: às vezes, é a natureza da relação jurídica material controvertida que irá determinar a atribuição de dados processos a dada Justiça; outra, é a qualidade das pessoas figurantes como partes; mas é invariavelmente o interesse público que inspira tudo isso (o Estado faz a divisão das Justiças, com vistas à melhor atuação da função

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jurisdicional)".61 59 Teoria e prática do poder judiciário. Rio de Janeiro: Forense, 1943, p. 77. 60 ALMEIDA JÚNIOR, JOÃO MENDES DE. Direito judiciário brasileiro, 5ª ed.. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960, p. 47. 61 Ob. cit., pp. 166 e 184. Grifos do original. 13.2 - Tal característica do Judiciário permite conclusão lógica no sentido de que, salvo melhor juízo, perante os demais Países também subscritores de pactos internacionais sobre direitos humanos, ocorrendo grave violação a eles, como no caso, o Brasil terá cumprido sua obrigação, com a apuração, processo e julgamento dos infratores, pelo Judiciário Estadual, desde que, como na espécie, o Estado-membro, por seus órgãos competentes, cumpra à risca as normas legais de regência, dando a adequada e segura resposta jurídico-penal aos infratores, contando, ainda, com o devido respaldo da Polícia Federal. Parece claro que a cobrança – internacional ou nacional – é no sentido da pronta, adequada e eficaz atuação estatal, sendo irrelevante que o seja por órgão do Judiciário, do Estado-membro ou da União Federal. Esta (UF), aliás, não sendo a matéria, em termos de divisão de competência, de sua alçada, deve respeitar a competência daquele (Estado), não só em atenção ao pacto federativo, mas até mesmo levando-se em conta a própria divisão de trabalho. Tal não obsta, naturalmente, que a União dê apoio ao primeiro, como faz, através da Polícia Federal, reservando-se, no entanto, a assumir, diretamente aquela competência Estadual, somente quando se fizerem presentes aqueles três requisitos anteriormente mencionados. Aí, sim, é imperiosa a sua presença direta, deslocando-se a competência por absoluta inoperância do Estado-membro, agregado aos demais pressupostos ínsitos ao § 5º do art. 109 da CF. 13.3 - O trágico e covarde assassinato da missionária DOROTHY STANG merece a mais absoluta repulsa de toda a sociedade. A apuração e a responsabilização penal dos culpados devem ser, dentro da lei, rigorosas. Trata-se, aliás, de crime hediondo. Nem por isso, entretanto, as circunstâncias que o envolvem recomendam se afaste o procedimento criminal de seu curso regular, perante a Justiça Estadual, a qual, com certeza, cumprirá, como vem fazendo, o seu indeclinável dever funcional, não só perante a sociedade local, estadual, nacional, mas, igualmente, internacional. Não é demais lembrar que violações de direitos humanos, tristemente, ocorrem no Brasil e, porque não dizer, em vários outros Países. O importante é seu combate, sem cansaço, pela Nação Brasileira, pois, mais hoje mais amanhã, o bem há de prevalecer. Para tanto, as instituições estatais destinadas a essa finalidade devem ser fortalecidas, prestigiadas, valorizadas, evitando-se afastar a sua atuação quando o conjunto dos fatos a tanto não recomendam, como já assinalado, pois isso seria inconstitucional, ilegal, e, como se sabe, não se combate eficazmente uma ilegalidade praticando-se outra. 14 - Em suma, as autoridades estaduais encontram-se empenhadas na apuração de tais fatos, visando punir os eventuais responsáveis, refletindo a intenção e o dever do Estado do Pará em dar resposta eficiente à violação do maior e mais importante dos direitos humanos, o que afasta a necessidade do deslocamento da competência originária para a Justiça Federal de forma subsidiária, sob pena, inclusive, no caso, de tumultuar o andamento do processo criminal e procrastinar a solução da lide, utilizando-se o instrumento criado pela norma constitucional (art. 109, § 5º) em desfavor da sua própria finalidade, que é combater a impunidade dos crimes praticados com grave violação aos direitos humanos. 15 - Portanto, o incidente de deslocamento da competência – em que a existência de crime praticado com grave violação a tais direitos é pressuposto de sua admissibilidade – deve atender ao princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), o que deve estar compreendido na demonstração concreta de risco a descumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil, ante inoperante, inadequada, atuação de ramo da Justiça Nacional originariamente competente, tanto quanto dos demais órgãos estaduais responsáveis pela investigação (Polícia Judiciária) e persecução penal

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(Ministério Público), o que não restou evidenciado na espécie. Ademais, a observância do princípio da razoabilidade, de índole constitucional, também se opõe ao pleito ante o contexto retratado neste IDC. 16 - Conclusão: Pelo exposto, enaltecendo a atuação do il. Procurador-Geral da República, indefiro o presente pedido de deslocamento de competência, sem prejuízo do disposto na Lei nº 10.446, de 8/5/2002, que, sem retirar a responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da Constituição, em especial das Polícias Militares e Civis dos Estados, autorizou a Polícia Federal a proceder à investigação acerca de infrações penais "relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte" (art. 1º, inc. III). É como voto"

INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA. ART. 109, § 5º, DA CARTA

POLÍTICA. MEDIDA CONSTITUCIONAL EXCEPCIONALÍSSIMA. REQUISITOS

CUMULATIVOS. GRAVE VIOLAÇÃO A DIREITOS HUMANOS. RISCO DE

DESCUMPRIMENTO DO AVENÇADO COM ESTADOS-MEMBROS QUANDO DA

SUBSCRIÇÃO DE TRATADO INTERNACIONAL. DEMONSTRAÇÃO DA TOTAL

INCAPACIDADE DAS AUTORIDADES LOCAIS EM PROPICIAREM A

PERSECUÇÃO PENAL. EXAME DOS PRESSUPOSTOS À LUZ DOS PRINCÍPIOS DA

PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. INCAPACIDADE, INEFICÁCIA E

INEFICIÊNCIA. DISTINÇÃO IMPRESCINDÍVEL.

1. A Emenda Constitucional n. 45/2004 introduziu no ordenamento jurídico a possibilidade

de deslocamento da competência originária, em regra da Justiça Estadual, à esfera da

Justiça Federal, no que toca à investigação, processamento e julgamento dos delitos

praticados com grave violação de direitos humanos (art. 109, § 5º, da Constituição da

República Federativa do Brasil).

2. A Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o mérito de casos

distintos - IDCs n. 1/PA; 2/DF; 5/PE -, fixou como principal característica do incidente

constitucional a excepcionalidade. À sua procedência não só é exigível a existência de

grave violação a direitos humanos, mas também a necessidade de assegurar o cumprimento

de obrigações internacionais avençadas, em decorrência de omissão ou incapacidade das

autoridades responsáveis pela apuração dos ilícitos.

3. A expressão grave violação a direitos humanos coaduna-se com o cenário da prática dos

crimes de tortura e homicídio, ainda mais quando levados a efeito por agentes estatais da

segurança pública.

4. A República Federativa do Brasil experimenta a preocupação internacional com a efetiva

proteção dos direitos e garantias individuais, tanto que com essa finalidade subscreveu

acordo entre os povos conhecido como Pacto de San José da Costa Rica. O desmazelo aos

compromissos ajustados traz prejudiciais consequências ao Estado-membro, pois ofende o

respeito mútuo, global e genuíno entre os entes federados para com os direitos humanos.

5. Para o acolhimento do Incidente de Deslocamento de Competência é obrigatória a

demonstração inequívoca da total incapacidade das instâncias e autoridades locais em

oferecer respostas às ocorrências de grave violação aos direitos humanos. No momento do

exame dessa condição devem incidir os princípios da proporcionalidade e razoabilidade,

estes que, embora não estejam expressamente positivados, já foram sacramentados na

jurisprudência pátria.

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6. Não se pode confundir incapacidade ou ineficácia das instâncias e autoridades locais com

ineficiência. Enquanto a incapacidade ou ineficácia derivam de completa ignorância no

exercício das atividades estatais tendentes à responsabilização dos autores dos delitos

apontados, a ineficiência constitui a ausência de obtenção de resultados úteis e capazes de

gerar consequências jurídicas, não obstante o conjunto de providências adotadas.

7. Ainda que seja evidente que a ineficiência dos órgãos encarregados de investigação,

persecução e julgamento de crimes contra os direitos humanos, é situação grave e deve

desencadear no seio dos Conselhos Nacionais e dos órgãos correicionais a tomada de

providências aptas à sua resolução, não é ela, substancialmente, o propulsor da necessidade

de deslocamento da competência. Ao contrário, é a ineficácia do Estado, revelada pela total

ausência de capacidade de mover-se e, assim, de cumprir papel estruturante de sua própria

existência organizacional, o fator desencadeante da federalização.

DESNECESSIDADE DO DESLOCAMENTO EM INÚMEROS CASOS ATESTADA

PELO PRÓPRIO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA EM SUA DERRADEIRA

MANIFESTAÇÃO. DELITOS QUE FORAM OBJETO DE INVESTIGAÇÃO,

DENÚNCIA E PRONUNCIAMENTO JUDICIAL PELAS AUTORIDADES DO

ESTADO DE GOIÁS.

PLEITO DE REJEIÇÃO ACOLHIDO.

1. Não persistindo mais o desejo de alteração da competência da Justiça Estadual à Justiça

Federal, consoante derradeira manifestação do Procurador-Geral da República, merece ser

adotada parte de sua conclusão para rejeição do pedido: Como se extrai da verificação

individualizada dos diversos feitos mencionados na petição inicial, é inegável reconhecer

que, quanto a alguns deles, não se tem elementos suficientes para afirmar a incapacidade

das autoridades estaduais de fornecerem resposta ainda tempestiva, afastando o risco, neste

momento, de se ter como caracterizada a hipótese de deslocamento de competência

(pág.1868).

DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA. MOROSIDADE JUDICIÁRIA QUE, POR SI

SÓ, NÃO JUSTIFICA A PRETENSÃO. ADOÇÃO DE PROVIDÊNCIAS DIVERSAS

MAIS EFICAZES. CRIMES TAMBÉM ALVO DE INVESTIGAÇÃO POLICIAL E

DEFLAGRAÇÃO DE AÇÕES PENAIS EM TRÂMITE NA PRIMEIRA INSTÂNCIA.

CAUSAS COMPLEXAS.

LENTIDÃO PROCESSUAL QUE NÃO TEM O CONDÃO DE DETERMINAR A

TRANSFERÊNCIA DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL À JUSTIÇA

FEDERAL.

PROPORCIONALIDADE QUE RECOMENDA OUTRAS MEDIDAS. REJEIÇÃO DO

PEDIDO PRINCIPAL NESTE PONTO.

1. Existindo, mesmo diante de duas (02) ações penais complexas, pela natureza da causa,

pelo envolvimento de agentes estatais e o próprio número de denunciados e vítimas, a

investigação policial que permitiu a oferta de denúncia e resposta pelo Poder Judiciário de

1º Grau, inviável e desproporcional mostra-se a procedência do pleito de deslocamento.

Mesmo sendo perceptível que os atos não transcorrem em prazo desejável, nessas situações

específicas não se encontra caracterizada a incapacidade, ineficácia, omissão ou mesmo

inércia das autoridades constituídas do Estado de Goiás, valendo anotar-se que a

morosidade judiciária não é aludida, neste incidente constitucional, como fundamento

direto da pretensão.

2. A excepcionalidade do deslocamento de competência implica que à sua acolhida não é

suficiente a mera confirmação de atraso na prestação jurisdicional, recomendando-se a

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adoção de medidas diversas, menos drásticas e, quiçá, mais eficazes, como solução do

quadro apontado.

3. Em cinco (05) ações penais referidas pelo Procurador-Geral da República, consoante

demonstram os autos, ocorreu, a priori, a regular investigação por parte das autoridades

policiais, desencadeadora da oferta de denúncia pelo Ministério Público Estadual, após o

que, diante da complexidade dos crimes, iniciou-se um processo ainda não concluído.

4. Apesar de estarmos diante de preocupante atraso na prestação jurisdicional, tal cenário

não revela a incapacidade, ineficácia, omissão ou inércia por parte das autoridades goianas,

requisito indispensável à procedência deste incidente, pois o fator primordial para o

deslocamento da competência é a ineficácia dos órgãos estatais encarregados da

investigação, persecução e julgamento dos crimes.

5. Invocando-se novamente o princípio da proporcionalidade, mostra-se viável e adequada a

implementação de medidas distintas por este Superior Tribunal de Justiça, que poderão

trazer celeridade e eficácia à resposta penal.

INQUÉRITOS POLICIAIS REFERENTES A CRIMES DE TORTURA E SUPOSTOS

HOMICÍDIOS, ATRIBUÍDOS A AGENTES ESTATAIS, AINDA NÃO CONCLUÍDOS.

AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO PLAUSÍVEL PARA O GRAVE ATRASO NA

PERSECUÇÃO PENAL. DILIGÊNCIAS RECENTES, APÓS A PROPOSITURA DESTE

INCIDENTE CONSTITUCIONAL, QUE NÃO INDICAM SOLUÇÃO ÀS

INVESTIGAÇÕES. QUADRO A DEMONSTRAR INEFICÁCIA DA ATUAÇÃO DAS

AUTORIDADES. FATOS CARACTERÍSTICOS DE GRAVE VIOLAÇÃO A DIREITOS

HUMANOS. PROCEDÊNCIA, NESTE PARTICULAR, DO PLEITO DE

DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA.

1. Somente após 06 (seis) anos da data do episódio, com a instauração deste incidente e a

realização de uma diligência in loco, os órgãos estatais perceberam o desparecimento de

uma pessoa em circunstâncias que supõem a ocorrência de um homicídio e, então,

determinaram a instauração do competente inquérito policial. Este cenário indica a total

ineficácia da atuação das autoridades locais no caso específico, desnudando situação de

grave omissão dos deveres do Estado, ainda mais quando os órgãos competentes, mesmo

formalmente cientes de que um cidadão havia desaparecido, fato indicador de um delito

contra a vida, nada fizeram a respeito de imediato.

2. D'outra parte, é perceptível, e justifica o deslocamento de competência da Justiça

Estadual para a Federal, a desarmonia nas atividades destinadas à persecução penal quando,

embora se tenha como reconhecida na fase indiciária a responsabilidade disciplinar dos

investigados, não há a imediata tomada de providências para oferta da imputação penal. No

particular, observa-se que, a despeito da existência de sindicância com o indiciamento de

diversos policiais e de inquérito policial instaurado, passados quatro (04) anos da suposta

prática delitiva, as autoridades ainda se batem pela obtenção de informações a respeito da

conclusão ou não do procedimento indiciário.

3. Restando demonstrado, por fim, que somente a deflagração do IDC determinou o

impulso à investigação do desparecimento de dois (02) indivíduos na Comarca de Alvorada

do Norte, ao que tudo indica fruto de atuação ilícita de policiais militares, necessário aqui

também o deslocamento de competência requerido pelo Procurador-Geral da República,

mormente quando evidente que decorridos quase cinco (05) anos do fato e

aproximadamente seis (06) meses da diligência in loco, não se tem notícias de progressão

na persecução penal.

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4. Incidente de Deslocamento de Competência julgado procedente, em parte, nos termos do

voto do Relator.

(IDC 3/GO, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/12/2014,

DJe 02/02/2015)

INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA. HOMICÍDIO INSERIDO EM

CONTEXTO DE GRUPOS DE EXTERMÍNIO. GRAVE VIOLAÇÃO DE DIREITOS

HUMANOS. CONFIGURAÇÃO. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES

DECORRENTES DE TRATADO INTERNACIONAL. ESTADO-MEMBRO.

AUSÊNCIA DE CONDIÇÕES DE APURAR VIOLAÇÕES E RESPONSABILIZAR O(S)

CULPADO(S).

EXCEPCIONALIDADE DEMONSTRADA. DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA

QUE SE MOSTRA DEVIDO.

1. A Emenda Constitucional n. 45, de 31.12.2004, relativa à reforma do Poder Judiciário,

inseriu no ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade de deslocamento da competência

originária para a investigação, o processamento e o julgamento dos crimes praticados com

grave violação de direitos humanos, com a finalidade de assegurar o cumprimento de

obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil

seja parte.

2. A Terceira Seção deste Superior Tribunal explicitou que os requisitos do incidente de

deslocamento de competência são três: a) grave violação de direitos humanos; b)

necessidade de assegurar o cumprimento, pelo Brasil, de obrigações decorrentes de tratados

internacionais; c) incapacidade - oriunda de inércia, omissão, ineficácia, negligência, falta

de vontade política, de condições pessoais e/ou materiais etc. - de o Estado-membro, por

suas instituições e autoridades, levar a cabo, em toda a sua extensão, a persecução penal

(IDC n. 1/PA, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 8.6.2005, DJ

10.10.2005).

3. A violação de direitos humanos que enseja o deslocamento de competência, além de

grave, deve ser relacionada a obrigações decorrentes de tratados internacionais dos quais o

Brasil seja parte.

4. Para o deslocamento da competência, deve haver demonstração inequívoca de que, no

caso concreto, existe ameaça efetiva e real ao cumprimento de obrigações assumidas por

meio de tratados internacionais de direitos humanos firmados pelo Brasil, resultante de

inércia, negligência, falta de vontade política ou de condições reais de o Estado-membro,

por suas instituições e autoridades, proceder à devida persecução penal.

5. A confiabilidade das instituições públicas envolvidas na persecução penal - Polícia,

Ministério Público, Poder Judiciário -, constitucional e legalmente investidas de

competência originária para atuar em casos como o presente, deve, como regra, prevalecer,

ser apoiada e prestigiada.

6. O incidente de deslocamento de competência não pode ter o caráter de prima ratio, de

primeira providência a ser tomada em relação a um fato (por mais grave que seja). Deve ser

utilizado em situações excepcionalíssimas, em que efetivamente demonstrada a sua

necessidade e a sua imprescindibilidade, ante provas que revelem descaso, desinteresse,

ausência de vontade política, falta de condições pessoais e/ou materiais das instituições - ou

de uma ou outra delas - responsáveis por investigar, processar e punir os responsáveis pela

grave violação a direito humano, em levar a cabo a responsabilização dos envolvidos na

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conduta criminosa, até para não se esvaziar a competência da Justiça Estadual e inviabilizar

o funcionamento da Justiça Federal.

7. A ideia de excepcionalidade do incidente não pode, contudo, ser de de grandeza tal a

ponto de criar requisitos por demais estritos que acabem por inviabilizar a própria utilização

do instituto de deslocamento.

8. O caso dos autos aponta fatores relacionados à região onde ocorreu a morte do Promotor

de Justiça estadual Thiago Faria Soares, com indicativos de que o assassinato

provavelmente resultou da ação de grupos de extermínio que atuam no interior do Estado de

Pernambuco (como tantos outros que ocorreram na região conhecida como "Triângulo da

Pistolagem", situada no agreste pernambucano), bem como ao certo e notório conflito

institucional que se instalou, inarredavelmente, entre os órgãos envolvidos com a

investigação e a persecução penal dos ainda não identificados autores do crime noticiado.

9. A falta de entendimento operacional entre a Polícia Civil e o Ministério Público estadual

ensejou um conjunto de falhas na investigação criminal que arrisca comprometer o

resultado final da persecução penal, com possibilidade, inclusive, de gerar a impunidade

dos mandantes e dos executores do citado crime de homicídio.

10. O pedido de deslocamento de competência encontra-se fundamentado em afronta a

tratado internacional de proteção a direitos humanos.

O direito à vida, previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San

Jose da Costa Rica), é a pedra basilar para o exercício dos demais direitos humanos. O

julgamento justo, imparcial e em prazo razoável é, por seu turno, garantia fundamental do

ser humano, previsto, entre outros, na referida Convenção, e dele é titular não somente o

acusado em processo penal, mas também as vítimas do crime (e a sociedade em geral)

objeto da persecução penal, dada a redação ampliativa dada ao inciso LXXVIII do artigo 5º

da CF: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do

processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação". Ademais, a Corte

Interamericana de Direitos Humanos tem, reiteradamente, asseverado que a obrigação

estatal de investigar e punir as violações de direitos humanos deve ser empreendida pelos

Estados de maneira séria e efetiva, dentro de um prazo razoável.

11. No caso vertente, encontram-se devidamente preenchidos todos os requisitos

constitucionais que autorizam e justificam o pretendido deslocamento de competência,

porquanto evidenciada a incontornável dificuldade do Estado de Pernambuco de reprimir e

apurar crime praticado com grave violação de direitos humanos, em descumprimento a

obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é

parte.

12. Incidente de deslocamento de competência julgado procedente, para que seja

determinada a imediata transferência do Inquérito Policial n. 07.019.0160.00158/2013-1.1

para a Polícia Federal, sob o acompanhamento e controle do Ministério Público Federal, e

sob a jurisdição, no que depender de sua intervenção, da Justiça Federal, Seção Judiciária

de Pernambuco. Ainda, determinação para que a tramitação do feito corra sob o regime de

segredo de justiça, observada a Súmula Vinculante n. 14, do Supremo Tribunal Federal.

(IDC 5/PE, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em

13/08/2014, DJe 01/09/2014)

INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇAS ESTADUAIS

DOS ESTADOS DA PARAÍBA E DE PERNAMBUCO. HOMICÍDIO DE VEREADOR,

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NOTÓRIO DEFENSOR DOS DIREITOS HUMANOS, AUTOR DE DIVERSAS

DENÚNCIAS CONTRA A ATUAÇÃO DE GRUPOS DE EXTERMÍNIO NA

FRONTEIRA DOS DOIS ESTADOS.

AMEAÇAS, ATENTADOS E ASSASSINATOS CONTRA TESTEMUNHAS E

DENUNCIANTES.

ATENDIDOS OS PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS PARA A EXCEPCIONAL

MEDIDA.

1. A teor do § 5.º do art. 109 da Constituição Federal, introduzido pela Emenda

Constitucional n.º 45/2004, o incidente de deslocamento de competência para a Justiça

Federal fundamenta-se, essencialmente, em três pressupostos: a existência de grave

violação a direitos humanos; o risco de responsabilização internacional decorrente do

descumprimento de obrigações jurídicas assumidas em tratados internacionais; e a

incapacidade das instâncias e autoridades locais em oferecer respostas efetivas.

2. Fatos que motivaram o pedido de deslocamento deduzido pelo Procurador-Geral da

República: o advogado e vereador pernambucano MANOEL BEZERRA DE MATTOS

NETO foi assassinado em 24/01/2009, no Município de Pitimbu/PB, depois de sofrer

diversas ameaças e vários atentados, em decorrência, ao que tudo leva a crer, de sua

persistente e conhecida atuação contra grupos de extermínio que agem impunes há mais de

uma década na divisa dos Estados da Paraíba e de Pernambuco, entre os Municípios de

Pedras de Fogo e Itambé.

3. A existência de grave violação a direitos humanos, primeiro pressuposto, está

sobejamente demonstrado: esse tipo de assassinato, pelas circunstâncias e motivação até

aqui reveladas, sem dúvida, expõe uma lesão que extrapola os limites de um crime de

homicídio ordinário, na medida em que fere, além do precioso bem da vida, a própria base

do Estado, que é desafiado por grupos de criminosos que chamam para si as prerrogativas

exclusivas dos órgãos e entes públicos, abalando sobremaneira a ordem social.

4. O risco de responsabilização internacional pelo descumprimento de obrigações derivadas

de tratados internacionais aos quais o Brasil anuiu (dentre eles, vale destacar, a Convenção

Americana de Direitos Humanos, mais conhecido como "Pacto de San Jose da Costa Rica")

é bastante considerável, mormente pelo fato de já ter havido pronunciamentos da Comissão

Interamericana de Direitos Humanos, com expressa recomendação ao Brasil para adoção de

medidas cautelares de proteção a pessoas ameaçadas pelo tão propalado grupo de

extermínio atuante na divisa dos Estados da Paraíba e Pernambuco, as quais, no entanto, ou

deixaram de ser cumpridas ou não foram efetivas. Além do homicídio de MANOEL

MATTOS, outras três testemunhas da CPI da Câmara dos Deputados foram mortos, dentre

eles LUIZ TOMÉ DA SILVA FILHO, ex-pistoleiro, que decidiu denunciar e testemunhar

contra os outros delinquentes. Também FLÁVIO MANOEL DA SILVA, testemunha da

CPI da Pistolagem e do Narcotráfico da Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba, foi

assassinado a tiros em Pedra de Fogo, Paraíba, quatro dias após ter prestado depoimento à

Relatora Especial da ONU sobre Execuções Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais. E,

mais recentemente, uma das testemunhas do caso Manoel Mattos, o Maximiano Rodrigues

Alves, sofreu um atentado a bala no município de Itambé, Pernambuco, e escapou por

pouco. Há conhecidas ameaças de morte contra Promotores e Juízes do Estado da Paraíba,

que exercem suas funções no local do crime, bem assim contra a família da vítima Manoel

Mattos e contra dois Deputados Federais.

5. É notória a incapacidade das instâncias e autoridades locais em oferecer respostas

efetivas, reconhecida a limitação e precariedade dos meios por elas próprias. Há quase um

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pronunciamento uníssono em favor do deslocamento da competência para a Justiça Federal,

dentre eles, com especial relevo: o Ministro da Justiça; o Governador do Estado da Paraíba;

o Governador de Pernambuco; a Secretaria Executiva de Justiça de Direitos Humanos; a

Ordem dos Advogados do Brasil; a Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público do

Estado da Paraíba.

6. As circunstâncias apontam para a necessidade de ações estatais firmes e eficientes, as

quais, por muito tempo, as autoridades locais não foram capazes de adotar, até porque a

zona limítrofe potencializa as dificuldades de coordenação entre os órgãos dos dois

Estados. Mostra-se, portanto, oportuno e conveniente a imediata entrega das investigações e

do processamento da ação penal em tela aos órgãos federais.

7. Pedido ministerial parcialmente acolhido para deferir o deslocamento de competência

para a Justiça Federal no Estado da Paraíba da ação penal n.º 022.2009.000.127-8, a ser

distribuída para o Juízo Federal Criminal com jurisdição no local do fato principal;

bem como da investigação de fatos diretamente relacionados ao crime em tela. Outras

medidas determinadas, nos termos do voto da Relatora.

(IDC 2/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/10/2010,

DJe 22/11/2010)

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