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APLICAÇÃO DA LEI 10.639/2003 NO ENSINO DE GEOGRAFIA
DO DON NÍVEL FUNDAMENTAL II
João Paulo Bernardo Ramos1
Adriany de Ávila Melo Sampaio2
RESUMO
Diante de uma educação escolar que perpetua a cultura dominante, que somente
apresenta uma visão eurocêntrica do mundo, em que se encontram traços de preconceito
racial sobre a população negra brasileira, a criação da Lei 10.693/03, que obriga o
ensino da história e cultura dos afro-brasileiros e africanos dentro das escolas, é um
mecanismo de combate ao racismo através da educação que possibilita demonstrar a
importância da África para formação da sociedade brasileira. Assim, como a História, o
ensino de Geografia sobre o continente africano e seus descendentes permite a
valorização afro-brasileiros. A Geografia sendo uma ciência que estuda o espaço
humanizado é de real importância no contexto escolar para discutir em sala de aula
questões étnico-raciais. Utilizando-se das categorias de análise geográficas, como
território e lugar, a Geografia permite entender a participação do negro dentro do
contexto de formação do Brasil, sendo assim um mecanismo que pode contribuir do 6º
ao 9º anos do ensino fundamental, para enfocar a questão do preconceito racial do negro
no Brasil e sua dissimulação ao longo dos anos. Para esse (re) entendimento é
necessária uma releitura do processo de formação histórica brasileira, evidenciando
como o povo negro teve grande importância em vários aspectos dentro da sociedade
brasileira, desde a produção científica, a formação cultural e para o desenvolvimento
econômico do Brasil. E também sejam apresentados para os estudantes dessa faixa
escolar as heroínas e heróis que lutaram contra a escravidão e o racismo, para criação de
ícones negros que valorizem esses indivíduos e toda essa população, coletivamente.
Nesse sentido, o ensino de Geografia pode vir a ter um papel de construção que valorize
o negro dentro da sociedade brasileira desde a diáspora africana.
Palavras-chave: Relações étnico-raciais, categorias de análise da Geografia, Geografia
da África
1 Licenciado e Bacharel em Geografia pelo Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia. Pesquisador do Laboratório de Geografia e Educação Popular- LAGEPOP. Membro do Terno de Congado Moçambique de Belém, atuando como Capitão, em Uberlândia-MG. Email:[email protected]. 2 Professora Doutora em Geografia. Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia. Pesquisadora do Laboratório de Geografia e Educação Popular- LAGEPOP. Email:[email protected]
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INTRODUÇÃO
A aplicação da Lei 10.639/2003, que traz a obrigatoriedade do ensino da história
e da cultura afro-brasileira e africana no meio escolar desde a Educação Infantil até o
Ensino Médio, vem como mecanismo de desconstrução do racismo que existe e é
propagado pela escola através de um ensino que somente institucionaliza e perpetua o
preconceito racial sobre a população negra. Contudo junto a esse processo de
desconstrução do racismo é preciso realizar um ensino que tenha como objetivo uma
construção de valorização do ser negro no processo de formação do Brasil.
A Geografia como uma ciência que estuda principalmente o espaço humanizado
produzido historicamente e sendo utilizado no ensino principalmente para formação de
uma identidade cultural e para a compreensão da formação territorial brasileira, tem
como dever ético apresentar a contribuição dos africanos e afrodescendentes.
Empregando as categorias de análise Território e Lugar nos 6º, 7º, 8º e 9º anos
do ensino fundamental, a Geografia pode realizar a discussão da Lei 10.639/2003 dentro
da sala de aula, enfocando como a questão do preconceito racial do negro no Brasil está
dissimulada, para que se possa apresentar, através de uma releitura do processo de
formação histórico brasileiro, como o negro teve grande importância na produção
científica, na formação cultural do brasileiro e no desenvolvimento econômico do
Brasil.
Necessário também que sejam apresentados para os estudantes as heroínas e
heróis que lutaram contra a escravidão e o racismo, para a criação de ícones negros que
valorizem a herança africana. Nesse sentido, o ensino de Geografia pode vir a ter um
papel de construção que valorize o negro dentro da sociedade brasileira desde a diáspora
africana.
Esperamos que este trabalho possa vir a colaborar com os docentes de Geografia
para trabalhar a Lei 10.639/2003 no Ensino Fundamental do 6º ao 9º ano e a melhor
compreensão do processo de formação do Brasil numa perspectiva étnico-racial que
valorize a participação do negro.
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A IMPORTÂNCIA DA LEI 10.639/2003 PARA O COMBATE AO RACISMO
A escola3 é uma das instituições sociais que perpetuam e propagam o
preconceito racial, mas também nessa instituição é possível realizar outro tipo de
ensino, aquele que contribua para combater o racismo, enfatizando características
positivas que valorizem a África, apresentando aspectos culturais, sociais, científicos,
tecnológicos e econômicos que possibilitem a valorização dos afro-brasileiros a partir
da sua ancestralidade e demonstre a importância das várias etnias africanas, como os
banto, nagôs, jejes, haussás e iorubas.
O processo migratório escravagista do século XVI a meados do XIX trouxe ao
Brasil cerca de 4 milhões de homens, mulheres e crianças, o equivalente a mais de um
terço de todo o comércio negreiro, segundo dados disponibilizados pelo IBGE
(BRASIL, 2000).
Cabe à escola apresentar a forma como essa população escravizada se organizou
para perpetuar a sua cultura e religião, e os movimentos de lutas e revoltas contra a
escravidão em busca de direitos.
A partir de vários embates políticos do Movimento Negro pressionando o Estado
por medidas políticas de combate ao racismo, o Governo Federal, em 2003, através do
então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a Lei Federal
10.639/2003, que estipulou em suas normas:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e Médio, oficiais e
particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-
Brasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o
estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e
política pertinentes à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão
ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de
Educação Artística e de Literatura e História Brasileira. (BRASIL, 2003).
Assim, a Lei Federal 10.639/2003 acrescentou à Lei 9.394/1996 (que
estabeleceu as diretrizes e bases da educação nacional) a obrigatoriedade da inclusão do
ensino de história e cultura afro-brasileira e africana desde o Ensino Básico ao Ensino
3 A escola passou a ser a forma usual, econômica e prática de possibilitar o controle social dos espíritos arredios e delituosos, constituindo, portanto, um espaço físico privilegiado do sistema capitalista de produção de controle social que acompanha e determina as vicissitudes da sociedade burguesa constituída de poder (FOUCAULT, 1999).
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Superior, em todos os estabelecimentos de educação públicos ou privados, para que,
através da inclusão, o ensino nas relações étnico-raciais possa demonstrar que as várias
etnias africanas contribuíram com grande relevância para a produção de conhecimento
científico e cultural mundialmente.
Explicar a participação dos africanos desde o momento em que foram incluídos
na sociedade brasileira a partir de um processo escravocrata da diáspora africana é
importante para a desconstrução de estereótipos4 em relação à população negra.
Através da diáspora Africana é possível demonstrar a existência de outro tipo de
organização de sociedade, diferente da sociedade europeia tanto no meio político,
cultural, religioso, tecnológico, e que a população africana, em suas múltiplas etnias, já
era detentora de um grande conhecimento milenar em várias áreas das ciências naturais
e humanas, como astrologia, matemática, mineração, filosofia e medicina, e que tiveram
grande papel para impulsionar o desenvolvimento técnico, científico e humano dentro
do continente africano e também numa escala global.
Para que a lei federal fosse implantada, para combater dentro dos meios
escolares aspectos preconceituosos sobre a população negra, que infelizmente é a base
da estrutura de um racismo institucionalizado na sociedade brasileira, é preciso
compreender que a Lei 10.369/2003 foi e ainda é fruto da organização da população
negra brasileira através da criação do Movimento Negro.
Desde o século XX há a busca por uma maior discussão sobre a valorização do
negro e da sua cultura dentro da escola, para combater o racismo no meio escolar, que
apresentava, e ainda apresenta, o negro a partir de aspectos que somente desumanizam,
com conceitos e práticas que serviram para dominação e perpetuação ideológica de
padrões eurocêntricos.
Ainda é possível identificar outras pretensões do movimento negro organizado
em relação à educação posteriormente a década de 1970, com a abertura política no
processo de ditadura civil-militar, que, segundo Nádia Cardoso (2005), tinha pretensão
4 Estereótipos: crenças compartilhadas sobre os atributos pessoais, especialmente traços de personalidade, como também sobre os comportamentos de um grupo de pessoas, enquanto definiram a estereotipização como processo de aplicar um julgamento estereotipado a um indivíduo de forma a representá-lo como portador de traços intercambiáveis com outros membros de uma mesma categoria (PEREIRA, 2002, p. 46).
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de realizar intervenções na educação com a inclusão do debate sobre a questão étnico-
racial no meio escolar.
A intervenção no campo da educação marca o ativismo negro-brasileiro pós-
70. Os Movimentos Negros constatam a falência do projeto da modernidade
onde a escola, como espaço democrático de socialização para inclusão social,
não tem efetivamente garantido inclusão com dignidade para uma parcela
significativa da população brasileira. Diante do baixo desempenho da criança
e do jovem negro no sistema público de ensino no Brasil e da
responsabilização dos próprios negros na explicação hegemônica para esse
crítico desempenho, o Movimento Negro constata ser a educação um campo
privilegiado de enfrentamento do racismo. (CARDOSO, 2005, p. 62).
A Lei 10.639/2003 é consequência da luta do Movimento Negro através de um
ativismo social, que pretende uma inclusão digna para a população negra no sistema
educacional, e principalmente a valorização da história do Brasil, fazendo jus a todos os
sujeitos históricos.
A educação é um palco em que ocorre o embate das relações de poder, em que
se constata a opressão que vem da ideologia eurocêntrica branca em relação ao negro,
que sempre é apresentado em uma situação inferior a partir de um processo
preconceituoso e racista; em que esse ser negro é desumanizado, sendo possível
observar que o negro é sempre encontrado na sociedade como um ser oprimido.
A Lei 10.639/2003 é resultado de ações organizadas pelo Movimento Negro
para combater o racismo estruturado na sociedade, institucionalizado por um ensino que
reproduz esta sociedade racista, através de uma educação disponibilizada por uma
estrutura social que pretende preservar somente uma ideologia eurocêntrica branca, que
não contempla o negro e seus descendentes com real importância dentro de vários
setores da sociedade brasileira e mundial.
Deste modo o Movimento Negro organizado há décadas desenvolve e apresenta
argumentos teóricos para que o Estado possa criar mecanismos que combatam o
racismo no Brasil, por meio de políticas públicas que ajudem diretamente em vários
aspectos a população negra brasileira.
A criação da Lei 10.639/2003 pretende combater esse preconceito racial a partir
de uma educação que desconstrua estereótipos que desvalorizam a população negra
brasileira.
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Deve-se fazer uma releitura crítica do processo histórico de formação da Brasil,
para demonstrar a importância do negro a partir da diáspora africana, valorizando-o em
vários períodos históricos do Brasil, como o ciclo da cana de açúcar e o da mineração.
Podem-se apresentar, a partir da diáspora africana, os aspectos que essas várias
etnias deixaram na formação do Brasil na cultura, na religião, na economia e na
tecnologia. Pode-se expor o movimento histórico de luta, como a Revolta do Malês, a
Balaiada e a insurreição dos escravizados no Maranhão, que a população e seus
descentes realizaram dentro do território brasileiro contra o processo de escravidão.
Esses movimentos propunham a libertação daquela população através de lutas e revoltas
durante os séculos de escravidão e pós-escravidão e exploração física e mental. Essa
população escravizada construiu quilombos com o intuito de resistir à escravidão, como
os quilombos de Palmares e Jabaquara, para que nesses lugares ela pudesse ter a sua
liberdade e preservar sua cultura, sem sofrer com as torturas e o trabalho forçado.
Com a aplicação dessa legislação na educação, obriga-se a realização de um
ensino que apresente a forma como se deu historicamente a vida da população
escravizada e seus descendentes após a dita “abolição da escravidão”. É possível a
realização de um ensino que venha a explicar as consequências observadas em
pesquisas sobre a situação da população negra atual, como os documentos: “Situação
Social da População Negra por Estado” (BRASIL, 2014) e “Dossiê Mulheres Negras:
Retrato das Condições de Vida das Mulheres Negras no Brasil” (BRASIL, 2013),
ambas realizadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, que
demonstram, por meio de pesquisas quantitativas, os resquícios da escravização e
também pós-escravização no Brasil em relação à população negra brasileira atual.
Segundo os dados do IPEA (BRASIL, 2014) as taxas de escolarização no Brasil
no período de 2001 a 2012, feitas por comparações de cor/raças, demonstram que o
nível escolar atingido pela população negra é significativamente inferior à branca,
principalmente no ensino médio e especialmente na educação superior, revelando a
desigualdade entre negros e brancos no período pesquisado, o que se reflete,
posteriormente, negativamente nas oportunidades de inserção do negro no mercado de
trabalho e no rendimento per capita médio, por sexo e cor/raça dos chefes de família,
conforme os dados dos Ipea (BRASIL, 2013).
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Os dados apresentados pelo Ipea (BRASIL, 2013, 2014) demonstram que ocorre
no Brasil uma desigualdade socioeconômica por meio da cor/raça entre negros e
brancos que impossibilita a existência de uma igualdade racial na sociedade brasileira,
em que o processo escravagista e a pós-escravidão se refletem na realidade atual dos
afro-brasileiros, que sofrem por meio do preconceito racial, o que reflete na exclusão
social.
Assim a Lei Federal 10.639/2003 pode ser entendida como uma medida urgente,
depois de séculos de exploração e exclusão da população negra brasileira, desvalorizada
a partir de um processo de preconceito racial, historicamente enraizado e perpetuado
dentro da sociedade brasileira por várias instituições que a formam. A aplicação dessa
lei ensina a toda a população mecanismos que promovam a igualdade racial,
possibilitando cada vez mais políticas que visem ao combate do racismo e uma maior
articulação das políticas voltadas para a promoção da igualdade racial.
Assim também ocorreu com a Lei 7.716, de 5 janeiro de 1989, que definiu os
crimes por causa de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional; a Lei 12.711, de 29 de agosto de 2012, que criou reservas de
vagas para negros sendo preto ou pardo e também indígenas nas universidades federais
e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio; e também a Lei 12.990, de
9 de junho de 2014, reservou 20% das vagas em concursos públicos no âmbito da
administração pública federal a candidatos que se autodeclararem negros no ato da
inscrição no concurso público, numa perspectiva de construção de igualdade racial no
Brasil e consolidação dos direitos humanos.
Enfim, a Lei 10.693/03 deverá contribuir para o fortalecimento da identidade,
juntamente com a valorização da diversidade étnico-racial e cultural, para que seja uma
medida que combata efetivamente o racismo e a discriminação racial na sociedade.
Segundo Munanga Kabengele é preciso realizar uma “pedagogia reversiva”:
O conceito é simples, a princípio, porque envolve basicamente ensinar coisas
que revertam a imagem pejorativa que se construiu dos afros decentes ao longo
dos anos. Envolve “incluir o negro na educação, não simplesmente na ciência e
tecnologia, mas na formação do cidadão, de forma que ele possa se ver
positivamente, ler sua cultura e enxergar seus antepassados de maneira
positiva”. (SANTOS apud BAZAN, 2013, p 37).
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O ensino da cultura e da história afro-brasileira e africana permite combater
primeiramente a mistificação negativa de conceitos enraizados na sociedade brasileira
que estão vinculados ao negro e à sua cultura com a finalidade de inferiorizar os
mesmos, sempre colocando palavras e termos pejorativos em relação à cultura afro-
brasileira e também ao negro em si.
A Lei 10.639/2003 vem para a desconstrução do preconceito racial e ao mesmo
tempo para construção da valorização do negro partindo da apresentação de pontos
positivos de seus ancestrais desde a sua existência e vivência no continente africano e
posteriormente a partir da diáspora africana no Brasil.
Trata-se assim de um mecanismo que combate o racismo perpetuado na escola
através do ensino. A lei foi pensada para que seja realizada dentro do meio educacional,
pois segundo Nilma Lino Gomes:
A escola, enquanto instituição social responsável pela organização,
transmissão e socialização do conhecimento e da cultura, revela-se como um
dos espaços em que as representações negativas sobre o negro são difundidas.
E por isso mesmo ela também é importante local onde estas podem ser
superadas. (GOMES, 2003, p 77.)
A partir da importância que a escola possui dentro da sociedade como uma
instituição que transmite e preserva determinada cultura e conhecimento, nesse caso
sendo uma educação com padrões eurocêntricos brancos. Historicamente a escola
retrata negativamente o ser negro e sua cultura, somente apresentando uma imagem que
inferioriza o negro desde uma exposição da África até os afro-brasileiros, perante uma
valorização única da cultura eurocêntrica branca. Dessa forma, a Lei 10.639/2003 inclui
o ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana nas escolas, para que se realize
a discussão da matriz africana na formação do Brasil.
A Lei Federal 10.639/2003 é de real importância contra o preconceito racial na
sociedade brasileira, que cria grande desigualdade entre negros e brancos, e proporciona
a valorização da população negra a partir de vários aspectos culturais, sociais,
científicos, políticos, entre outros, desde o continente africano, passando à diáspora
africana realizada no Brasil. Assim, essa é uma lei que contribui para a construção de
uma sociedade mais igualitária, em que sejam valorizadas as diferenças, e o negro seja
respeitado e reconhecido como sujeito histórico.
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GEOGRAFIA TRABALHADA NO ENSINO FUNDAMENTAL DO 6º AOS 9
A Geografia trabalhada no Ensino Fundamental do 6º aos 9 º anos possibilita que
os estudantes tenham uma formação que os torne cidadãos, levando-os a compreender a
pluralidade do ambiente em que estão inseridos e também de outros lugares, podendo
assim realizar comparações que lhes permitam apreender o espaço pelas suas múltiplas
relações em distintas sociedades e em diferentes épocas e espaços, podendo
compreender melhor o mundo em que vivem.
A obtenção dos conhecimentos que a Geografia permite sobre o espaço
possibilita que o indivíduo tenha a percepção das relações que ocorrem na sociedade
desde o local onde ele vive até em nível global, contemplando as questões sociais de
forma a ser construída nesse indivíduo uma concepção de respeito às diferenças.
Segundo o embasamento teórico, metodológico e político dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) do Ensino Fundamental:
O estudo de Geografia permite que os alunos desenvolvam hábitos e
construam valores significativos para a vida em sociedade. Os conteúdos
selecionados devem permitir o pleno desenvolvimento do papel de cada um
na construção de uma identidade com o lugar onde vive e, em sentido mais
abrangente, com a nação brasileira e mesmo com o mundo, valorizando os
aspectos socioambientais que caracterizam seu patrimônio cultural e
ambiental. Devem permitir, também, o desenvolvimento da consciência de
que o território nacional é constituído por múltiplas e variadas culturas, povos
e etnias, distintos em suas percepções e relações com o espaço,
desenvolvendo atitudes de respeito às diferenças socioculturais que marcam a
sociedade brasileira. (BRASIL, 1998, p. 39).
No Ensino Fundamental os conteúdos de Geografia permitem aos alunos a
construção de valores perante a sociedade, com discussões das questões étnico-raciais,
para que se possam criar novas reflexões que combatam o preconceito racial.
A Geografia possui um papel muito importante no debate das relações étnicos-
raciais no Brasil para que ocorra a aplicação da Lei 10.639/2003 e se realize o ensino e a
aprendizagem sobre a África de modo que demonstre o legado desse continente através
de uma ancestralidade a partir da cultura negra africana numa perspectiva de criação de
uma identidade negra.
A cultura negra possibilita aos negros a construção de uma “nós”, de uma
história e de uma identidade. Diz respeito à consciência cultural, à estética, à
corporeidade, à musicalidade, à religiosidade, à vivência da negritude,
marcada por um processo de africanidade a recriação cultural, esse “nós”
possibilita o posicionamento de negro diante do outro e destaca aspectos
relevantes da sua história e da sua ancestralidade. (GOMES, 2003, p. 79).
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Outro ponto importante no aspecto cultural é a musicalidade, que, a partir de um
processo oral permitiu transmitir conhecimento e a vivência que o negro possuía na
África também sendo uma ferramenta que possibilitou evidenciar a vida dessa
população historicamente no território brasileiro.
Igualmente, analisar a religiosidade como cultura pode demonstrar que
diferentes formas de religião eram praticadas no continente africano e, quando trazidas
para o Brasil pelas várias etnias africanas escravizadas, ocorreu um processo de
ressignificação em relação a essa religiosidade, o que lançou as bases para a criação das
religiões afro-brasileiras que possuem em si uma matriz africana na sua prática e
vivência.
Uma imagem pejorativa é apresentada no meio escolar por meio dos livros
didáticos e pela mídia, que principalmente versam mais sobre os recursos naturais desse
continente do que sobre a grande diversidade étnico-cultural, deixando de lado
conhecimentos culturais e científicos que contribuíram para o desenvolvimento humano
no mundo. Assim, o que foi ensinado e apresentado sobre a África contribuiu para a
criação de estereótipos que desvalorizaram e colaboraram para a perpetuação de um
preconceito racial contra os africanos e seus descendentes afro-brasileiros.
Ocorre que o ensino sobre África é, hoje, marcado pela influência das
narrativas eurocentradas. Os marcos estruturantes do que se fala sobre África
(a colonização, a “partilha”, a descolonização, os conflitos pós-independência
como expressão da disputa entre blocos capitalista e socialista, entre outros)
são quase todos remetidos ao contato com a Europa – o mesmo se aplica às
Américas e Ásia, quando a recíproca não é verdadeira: a colonização só é
definidora do que são os continentes periféricos, mas o papel dela para as
revoluções industriais, econômicas, sociais e políticas na Europa não é
abordada. Esta narrativa é, na verdade, fruto de um conjunto de
“generalizações e simplificações que pretendem ‘encaixar’ África no
esquema desenvolvido para explicar linearmente o progresso civilizacional
do Ocidente.” (MENESES, 2008, p.7-8).
Para que não ocorra essa continuação do ensino de uma visão estereotipada do
que são a África e os africanos, a Geografia deve realizar uma desconstrução de
estereótipos criados. A África ao longo dos anos foi apresentada numa posição de
submissão e subalternização a outros continentes e outras nações, criando-se assim, uma
visão de pobreza extrema, de uma sociedade marcada por conflitos e guerras sangrentas,
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por uma vasta epidemia de doenças e também por uma alusão a um primitivismo
cultural.
Quando se trabalha a África na Geografia do 6º ao 9º ano do Ensino
Fundamental, deve-se combater a transmissão dessa imagem de subalternidade, a partir
pesquisas historiográficas e antropológicas que forneçam ferramentas para desenvolver
um ensino que apresente a real história africana e assim enalteça os verdadeiros
aspectos culturais, sociais, políticos, e científicos que possam ser utilizados para
proporcionar uma educação antirracista.
Para uma compreensão da África não somente da parte de seus recursos naturais,
o ensino de Geografia pode utilizar suas categorias de análises, entre elas a categoria
território como método de análise.
O território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de
sistemas de coisas superpostas. O território tem que ser entendido
como o território usado, não o território em si. O território usado é o
chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer
àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o
lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da
vida. (SANTOS, 1999, p. 8).
O território deve ser compreendido não somente por características físicas que
descrevem fenômenos naturais, como fauna, flora, relevo, clima e hidrografia, nem
tanto somente a relação que o homem realiza com a natureza num aspecto material, mas
deve compreender também o espaço em que se realizam trocas e práticas imateriais do
ser humano, em que se manifesta o não visível das relações humanas, em que o ser se
identifica com o outro, por meio de prática cultural, religiosa, política, filosófica e
outras, criando, assim, um senso de identidade entre os seres em determinado lugar do
território. Todos estes aspectos precisam ser discutidos quando se fala em Geografia da
África.
A Geografia deve contribuir para apresentar a pluralidade que o mundo possui
entre as distintas etnias e povos, evidenciando as diferenças existentes desde o lugar em
que o indivíduo está inserido até o global. Deve demonstrar a importância econômica,
cultural, religiosa, tecnológica e intelectual que as várias etnias africanas produziram
historicamente no continente africano e no Brasil através de seus descendentes.
Pedagogias de combate ao racismo e a discriminações elaboradas com o
objetivo de educação das relações étnico/raciais positivas têm como objetivo
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fortalecer entre os negros e despertar entre os brancos a consciência negra.
Entre os negros poderão oferecer conhecimentos e segurança para
orgulharem-se da sua origem africana; para os brancos poderão permitir que
identifiquem as influências, a contribuição, a participação e a importância da
história e da cultura dos negros no seu jeito de ser, viver, de se relacionar
com as outras pessoas, notadamente as negras. Também farão parte de um
processo de reconhecimento, por parte do Estado, da sociedade e da escola,
da dívida social que têm em relação ao segmento negro da população,
possibilitando uma tomada de posição explícita contra o racismo e a
discriminação racial e a construção de ações afirmativas nos diferentes níveis
de ensino da educação brasileira. (BRASIL, 2006, p. 238).
A Geografia do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental, sendo empregada para a
aplicação e efetivação da Lei 10.639/2003 possibilita a apresentação da África e dos
africanos empregando-se a categoria território na perspectiva e no pensamento de
Milton Santos, que possibilita entender e analisar o continente africano não somente
pelo um viés físico e eurocêntrico, mais de ponto de vista de um processo histórico que
apresente a importância desse continente e de todas suas etnias na formação civilizatória
humana.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O principal objetivo deste trabalho foi expor as possibilidades da aplicação da
Lei 10.639/2003 do 6º ao 9º ano no Ensino Fundamental em Geografia a partir de uma
proposta de desconstruir a imagem negativa e preconceituosa de África que,
consequentemente, reflete de forma pejorativa toda a população negra brasileira que
descende daquele continente, o que serve somente para reforçar o racismo dentro da
sociedade brasileira por meio de uma desvalorização e desumanização do negro no
Brasil. Lembrando que ao mesmo tempo em que ocorra essa desconstrução, deve-se
realizar uma construção positiva da imagem do continente africano a partir da
apresentação da pluralidade étnica e cultural.
Diante dos argumentos expostos, primeiramente, sobre importância da Lei
10.639/2003 para combate ao racismo, a partir do ensino da história e da cultura afro-
brasileira e africana no meio escolar, é preciso entender que essa lei é fruto de luta
principalmente do Movimento Negro Brasileiro perante o Estado Brasileiro, o que é
uma das reivindicações que buscam combater o preconceito racial sofrido pela
população negra.
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Posteriormente, foi apresentada no decorrer deste trabalho uma proposta para
que discuta e aplique a Lei 10.639/2003 no ensino do 6º ao 9º anos do Nível
Fundamental em Geografia, partindo-se da África para compreender a importância
histórica desse continente através de suas diversas etnias para o desenvolvimento da
humanidade, o que consequentemente refletiria uma imagem positiva dos afro-
brasileiros.
Assim, este trabalho cumpriu como seu objetivo geral de demonstrar que é
possível que a Geografia do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental aplique efetivamente a
Lei 10.639/2003 a partir da apresentação positiva de África, que possibilitará à
população negra brasileira uma melhora da autoestima por meio do conhecimento da
sua ancestralidade e um posicionamento político, de valorizar a real Geohistória da
humanidade, reconhecendo todos os sujeitos e não apenas um povo específico.
Eu, João Paulo, principal autor deste texto, reconheço que este trabalho foi muito
importante para minha formação como um cidadão negro brasileiro e também para
minha formação acadêmica, pois me possibilitou ter um aprofundamento sobre a
temática racial no Brasil e, principalmente, um posicionamento político ativo para
combate do preconceito racial, além de entender como é importante conhecer as raízes
por meio da minha ancestralidade africana.
REFERÊNCIAS
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BAZAN, Renato. Presença do negro na educação. Revista Raça Brasil, São Paulo, v.
182 p. 13-82, 2013.
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