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ACR 9208 CE M9456 APELAÇÃO CRIMINAL Nº 9208 CE (0004032-70.2010.4.05.8100) APTE : MARCILIO TELES DE QUEIROZ ADV/PROC : ANTONIO AZEVEDO VIEIRA FILHO E OUTROS APDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ORIGEM : 11ª VARA FEDERAL DO CEARá (PRIVATIVA EM MATéRIA PENAL) - CE RELATOR : JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI - Primeira Turma RELATÓRIO O JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI (Relator): O Ministério Público Federal MPF ofereceu denúncia (fls. 03/31) contra: MARCÍLIO TELES DE QUEIROZ: pela prática, em concurso a) material, nos termos do art. 69 do Código Penal Brasileiro CP, das condutas delitivas tipificadas nos arts. 321, caput, por cinco vezes, 321, parágrafo único, por uma vez e 325, caput, por três vezes, todos do CP; TARCÍSIO VIEIRA MOTA: pela prática da conduta delitiva prevista b) no art. 325, caput, por três vezes, em concurso material, nos termos do art. 69 do CP, e em concurso de pessoas, na modalidade de adesão à conduta do réu acima citado. Narrou o Órgão Ministerial que foi instaurado inquérito policial para apurar a ocorrência de supostos vazamentos de informações sigilosas referentes a operações desempenhadas pela Polícia Federal (Operação Gárgulae Operação Fumaça) com o objetivo de investigar uma série de supostas fraudes a procedimentos licitatórios e desvio de recursos federais em vários municípios do estado do Ceará. Consoante o MPF, o policial federal MARCÍLIO TELES DE QUEIROZ era amigo íntimo de TARCÍSIO VIEIRA MOTA, Secretário Municipal de Eusébio/CE e um dos aspectos de tal relação, segundo a narrativa da exordial acusatória, era a troca de favores mútuos, decorrentes da violação de uma série de determinações legais e funcionais. A título de exemplo, o Parquet Federal destacou o fato de que o policial, em troca de vantagens e facilidades, teria violado o sigilo funcional com o objeto de impossibilitar o êxito das aludidas operações da Polícia Federal referentes à prática de desvios de verbas públicas nas prefeituras cearenses, dentre as quais estava incluída a do Município de Eusébio/CE. Aduziu a denúncia, ainda, que o policial MARCÍLIO TELES DE QUEIROZ, consoante o apurado nas interceptações telefônicas realizadas com PODER JUDICIáRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI 1

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 9208 CE (0004032-70.2010.4.05.8100)APTE : MARCILIO TELES DE QUEIROZADV/PROC : ANTONIO AZEVEDO VIEIRA FILHO E OUTROSAPDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALORIGEM : 11ª VARA FEDERAL DO CEARá (PRIVATIVA EM MATéRIAPENAL) - CERELATOR : JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI - Primeira Turma

RELATÓRIO

O JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI (Relator): O Ministério PúblicoFederal – MPF ofereceu denúncia (fls. 03/31) contra:

MARCÍLIO TELES DE QUEIROZ: pela prática, em concursoa)material, nos termos do art. 69 do Código Penal Brasileiro – CP, dascondutas delitivas tipificadas nos arts. 321, caput, por cinco vezes,321, parágrafo único, por uma vez e 325, caput, por três vezes, todosdo CP;

TARCÍSIO VIEIRA MOTA: pela prática da conduta delitiva previstab)no art. 325, caput, por três vezes, em concurso material, nos termosdo art. 69 do CP, e em concurso de pessoas, na modalidade de adesãoà conduta do réu acima citado.

Narrou o Órgão Ministerial que foi instaurado inquérito policial paraapurar a ocorrência de supostos vazamentos de informações sigilosas referentes aoperações desempenhadas pela Polícia Federal (“Operação Gárgula” e “OperaçãoFumaça”) com o objetivo de investigar uma série de supostas fraudes a procedimentoslicitatórios e desvio de recursos federais em vários municípios do estado do Ceará.

Consoante o MPF, o policial federal MARCÍLIO TELES DE QUEIROZera amigo íntimo de TARCÍSIO VIEIRA MOTA, Secretário Municipal de Eusébio/CE eum dos aspectos de tal relação, segundo a narrativa da exordial acusatória, era a troca defavores mútuos, decorrentes da violação de uma série de determinações legais efuncionais.

A título de exemplo, o Parquet Federal destacou o fato de que o policial,em troca de vantagens e facilidades, teria violado o sigilo funcional com o objeto deimpossibilitar o êxito das aludidas operações da Polícia Federal referentes à prática dedesvios de verbas públicas nas prefeituras cearenses, dentre as quais estava incluída a doMunicípio de Eusébio/CE.

Aduziu a denúncia, ainda, que o policial MARCÍLIO TELES DEQUEIROZ, consoante o apurado nas interceptações telefônicas realizadas com

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autorização judicial, teria praticado advocacia administrativa em uma série de situações.Foram arroladas sete testemunhas.

A denúncia foi recebida em 28/05/2010 (fls. 32/33).

Por meio da decisão de fls. 36, foi revogado o recebimento da denúncia,em face das exigências previstas no art. 514 do Código de Processo Penal – CPP, edeterminou-se a intimação dos réus para apresentar defesa prévia na forma dos arts.514/515 do CPP.

Defesa preliminar do réu MARCÍLIO TELES DE QUEIROZ apresentadaàs fls. 42/112 e do réu TARCÍSIO VIEIRA MOTA FILHO às fls. 123/130.

O Ministério Público Federal, às fls. 139/144, manifestou-se acerca dasdefesas preliminares apresentadas.

Recebimento da denúncia em 09/09/2010 (fls. 146/147).

Por não vislumbrar quaisquer das hipóteses de absolvição sumáriaprevistas no art. 397 do CPP, o Juízo Sentenciante ratificou o recebimento da denúncia edeflagrou a instrução criminal (fls. 225/226).

Em audiência realizada em 08/02/2011, as testemunhas de acusação,Cláudio Barros Joventino, Renato Jevson Nunes Maciel, João Miceno Marques de Lima,Maurício César Proença Bezerra e Antônio José de Freitas Mello, foram ouvidas etiveram seus depoimentos reduzidos a termos (fls. 300/309).

Na audiência de 14/02/2011, foram ouvidas a testemunha de defesaAníbal Ferreira Gomes e de acusação, Nelson Teles Júnior, João Bezerra Filho, JoséFábio de Girão Lima, Antonio Barroso Nogueira, Fares Andrade Said e ValdemarRodrigues da Silva. Na mesma oportunidade, os réus MARCÍLIO TELES DEQUEIROZ e TARCÍSIO VIEIRA MOTA FILHO foram interrogados. (fls. 337/361)

Decorrido o prazo para o cumprimento das cartas precatórias expedidasàs fls. 224, foi determinada a intimação das partes para se manifestarem acerca dorequerimento de diligências complementares à audiência, nos termos do art. 402 do CPP.

Intimado, o MPF nada requereu (fls. 407). Quanto aos réus, a defesa deTARCÍSIO VIEIRA MOTA FILHO deixou transcorrer o prazo sem apresentar qualquermanifestação. Já a de MARCÍLIO TELES DE QUEIROZ solicitou a reinquirição dodelegado Wellington Clay Porcino Silva (fls. 422). No entanto, como tal testemunha nãohavia, até o momento, sido inquirida, restou inócuo o requerimento formulado.

Às fls. 429/458, foi juntada Carta Precatória com a inquirição dastestemunhas de defesa Wellington Clay Porcino Silva e Elmiz Antônio Rocha Júnior.

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O MPF apresentou alegações finais, na forma de memoriais, às fls.460/470 e os réus às fls. 480/495 e 499/523, nos termos do art. 403, § 3º, do CPP.

Às fls. 571/586, foi juntada Carta Precatória com a oitiva da testemunhade defesa Francisco Edvan de Oliveira, a respeito da qual não houve qualquermanifestação quer da parte acusadora, quer da parte ré.

Às fls. 596/715, foi juntada, pela defesa de MARCÍLIO TELES DEQUEIROZ, a cópia do Processo Administrativo Disciplinar nº 15/2010 e os autos foramdevolvidos em diligência para que as outras partes se manifestassem acerca dadocumentação apresentadas (fl. 716).

O MPF não se manifestou acerca dos novos documentos apresentados(fls. 717).

O réu TARCÍSIO VIEIRA MOTA FILHO manifestou-se, às fls. 844/847,acerca da referida documentação.

A sentença (fls. 880/937) julgou parcialmente procedente a pretensãopunitiva estatal, consoante os critérios abaixo destacados:

ABSOLVEU o réu TARCÍSIO VIEIRA MOTA da acusação de havera)praticado o delito previsto no art. 325, caput, do CP, nos termos doinciso VII do art. 386 do CPP;

ABSOLVEU o réu MARCÍLIO TELES DE QUEIROZ da acusaçãob)de haver praticado o crime previsto no art. 321, caput, do CP(advocacia administrativa que teria sido praticada em favor doDeputado Federal Aníbal Ferreira Gomes), nos termos do inciso VIIdo art. 386 do CPP;

CONDENOU o réu MARCÍLIO TELES DE QUEIROZ pela prática,c)em concurso material (art. 69 do CP) das condutas delitivas previstasno art. 321, caput, do CP, por quatro vezes, art. 321, parágrafo únicodo CP, por uma vez e art. 325, § 2º, por três vezes.

A pena cominada ao réu MARCÍLIO TELES DE QUEIROS foi fixadanos seguintes termos:

4 meses de detenção pelos quatro delitos tipificados no art. 321,a)caput, do CP;

3 meses de detenção pelo delito previsto no art. 321, parágrafo únicob)do CP e pagamento de 30 dias-multa, cada um no valor de 1/3 do

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salário mínimo vigente à época dos fatos, com atualização monetáriaquando da execução do julgado (§ 2º do art. 49 do CP);

6 anos de reclusão pela prática, por três vezes, do delito previsto no §c)2º do art. 325 do CP e pagamento de 50 dias-multa, por cada um dostrês crimes (total de 150 dias-multa), no valor unitário de 1/3 dosalário mínimo vigente à época dos fatos, com atualização monetáriaquando da execução do julgado (§ 2º do art. 49 do CP).

Pelo concurso material (art. 69 do CP), a soma das penas privativas deliberdade ao réu cominadas atingiu o patamar de 7 meses de detenção e 6 anos dereclusão, a serem cumpridas em regime inicial semiaberto, nos termos da alínea “b”, do §2º do art. 33 do CP.

A pena de multa chegou ao quantum definitivo de 180 dias-multa, cadafixado, em razão das boas condições econômicas do réu, no valor de 1/3 do saláriomínimo vigente à época dos fatos delituosos, com atualização monetária quando daexecução do julgado (§ 2º do art. 49 do CP).

O quantum da pena fixada impediu a substituição da pena privativa deliberdade por sanções restritivas de direitos, nos termos do art. 44 do CP. Incabíveltambém, a suspensão condicional da pena nos moldes do art. 77 do CP.

Como efeito da condenação, com base nos elementos probatórios trazidosaos autos e nas determinações das alíneas “a” e “b” do art. 92 do CP, foi decretada aperda do cargo de Agente da Polícia Federal, Matrícula 2669, exercido pelo réuMARCÍLIO TELES DE QUEIROZ.

TARCÍSIO VIEIRA MOTA FILHO apresentou embargos de declaração(fls. 949/950), aos quais foi negado provimento (fls. 954).

MARCÍLIO TELES DE QUEIROZ apresentou apelação (fls. 982/1044),no escopo de ver reformada a sentença em Primeira Instância proferida, alegando:

Preliminarmente, a nulidade das interceptações telefônicas, diante daa)não fundamentação acerca da efetiva necessidade desse meio de provae do excessivo número de prorrogações, também por meio dedecisões carentes de fundamentação robusta;

No mérito, alegou a não configuração do crime de violação de sigilob)funcional (art. 325, § 2º, do CP), a ausência de provas suficientes paraembasar a condenação, de maneira que deve ser aplicado o princípiodo in dubio pro reo, a ausência de prejuízos para a administração,devendo ser operada a desclassificação do delito previsto no § 2º doart. 325 do CP, para o art. 325, caput. No caso dos crimes de

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violação de sigilo funcional, requereu, caso mantida a condenação,que fosse aplicada, ao invés do concurso material, a causa de aumentode pena referente à continuidade delitiva. Aduziu, também, anecessidade de ser absolvido pela prática do crime de advocaciaadministrativa diante da atipicidade das condutas por ele praticadas, asquais, segundo o seu entendimento, não passariam de merastransgressões disciplinares a serem investigadas em ProcessoAdministrativo Disciplinar, no bojo do qual já foi absolvido. Mantida acondenação, requereu que, cessado o decreto condenatório,procedesse o Juízo Sentenciante à motivação idônea das razões quelevaram à decretação da perda do cargo público.

Contrarrazões ao recurso de apelação apresentadas pelo MPF às fls.1046/1067;

Ao se pronunciar sobre o feito, a Procuradoria Regional da República daQuinta Região opinou, em parecer (fls. 1070/1079), pelo não provimento do apelo.

É o relatório.

Ao eminente revisor.

JUIZ FRANCISCO CAVALCANTIRelator

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 9208 CE (0004032-70.2010.4.05.8100)APTE : MARCILIO TELES DE QUEIROZADV/PROC : ANTONIO AZEVEDO VIEIRA FILHO E OUTROSAPDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALORIGEM : 11ª VARA FEDERAL DO CEARá (PRIVATIVA EM MATéRIAPENAL) - CERELATOR : JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI - Primeira Turma

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA AADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. VIOLAÇÃO DE SIGILOFUNCIONAL (ART. 325, CAPUT, DO CP). ADVOCACIAADMINISTRATIVA (ART. 321, CAPUT, E PARÁGRAFO ÚNICO DOCP). PRELIMINAR. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS.PRORROGAÇÕES NECESSÁRIAS À INSTRUÇÃO CRIMINAL.FUNDAMENTAÇÃO. REQUISITO PREENCHIDO. AUSÊNCIA DENULIDADE.1. A interceptação telefônica foi autorizada para que melhor pudesse serapurada a responsabilidade das pessoas envolvidas na empreitadacriminosa narrada na denúncia. O pedido de quebra do sigilo telefônico doréu, atendeu a todos os requisitos legais pertinentes a matéria.2. Os pedidos de prorrogação da referida diligência foram deferidos emdecisões devidamente fundamentadas. É pacífica a jurisprudência pátria aoafirmar que o lapso temporal previsto no art. 5º da Lei Nº 9.296/96 não étaxativo, podendo, assim, ser prorrogado quando estritamente necessárioà realização das investigações policiais, desde que em decisãofundamentada. Preliminar rejeitada.MÉRITO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS.DOSIMETERIA DA PENA. CONTINUIDADE DELITIVA. PERDADO CARGO PÚBLICO (ART. 92, I, “a” do CP)3. Apesar de ter sido condenado pela prática do crime de violação desigilo funcional em sua forma qualificada (§2º do art. 325 do CP), não háprova de que a conduta do réu ocasionou prejuízo para a AdministraçãoPública. A ocorrência de dano não pode ser presumida, como no caso,razão pela qual a condenação pela prática do crime de violação de sigilofuncional deve se dar na forma do art. 325, caput, do CP.5. Há provas suficientes da autoria e da materialidade delitiva dascondutas de violação de sigilo funcional (art. 325, caput, do CP) e deadvocacia administrativa (art. 321, caput, e parágrafo único do CP).6. O conjunto probatório da presente ação penal demonstra de formacristalina que o apelante, na condição de Agente da Polícia Federal, valia-se do cargo para a prática de delitos funcionais para a satisfação deinteresses de particulares, em detrimento do interesse público.7. Os delitos de violação de sigilo funcional (art. 325 do CP) e deadvocacia administrativa (art. 321, caput, e parágrafo único do CP) não

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foram cometidos em concurso material (art. 69 do CP), mas sim, emcontinuidade delitiva, diante da presença dos requisitos elencados no art.71 do CP.8. Atendidos os requisitos previstos na alínea “a”, do inciso I, do art. 92do CP, deve ser mantida a decretação da perda do cargo público ocupadopelo apelante.9. Apelação parcialmente provida, para, mantida a condenação,determinar a desclassificação do delito previsto no § 2º do art. 325 do CPpara o art. 325, caput do mesmo diploma legal e a substituição doconcurso material (art. 69) pela continuidade delitiva (art. 71 do CP) noque se refere à prática dos delitos de violação de sigilo funcional (art. 325,caput, do CP) e advocacia administrativa (art. 321, caput, do CP).

VOTO

O JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI (Relator): Conheço do recurso,porque estão presentes seus pressupostos de admissibilidade intrínsecos (cabimento,legitimidade, interesse e ausência de fato extintivo e impeditivo do direito de recorrer) eextrínsecos (tempestividade e regularidade formal).

A sentença merece ser parcialmente reformada.

Inicialmente, é válido salientar que não merece acolhida a preliminarsuscitada pelo apelante em seu recurso apelatório no sentido de que seriam nulas asinterceptações telefônicas realizadas no decorrer da fase inquisitiva.

O fundamento de tal nulidade seria, no entendimento do apelante, o fatode que as decisões que autorizaram as referidas interceptações, e suas sucessivasprorrogações, não estariam devidamente fundamentadas, nos termos do inciso IX do art.93 da Constituição Federal e do art. 5º da Lei nº 9.296/96.

Ocorre que não é este o quadro da presente demanda, uma vez que,consoante se depreende dos autos, o Juiz Federal Substituto da 11ª Vara Federal daSeção Judiciária do Ceará, ao deferir o pedido de quebra do sigilo telefônico do réu,atendeu a todos os requisitos legais pertinentes a matéria, consoante se depreende dadecisão às fls. 52/53 do Anexo I.

Na espécie, a interceptação telefônica foi autorizada para que melhorpudesse ser apurada a responsabilidade das pessoas envolvidas na empreitada criminosanarrada na exordial acusatória, tendo, inclusive, o referido magistrado determinado,explicitamente, o modo de execução daquela diligência (fls. 53, item-9), o que faz cairpor terra os argumentos trazidos pelo réu em seu recurso de apelação.

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No que pertine aos pedidos de prorrogação, também formulados pelaautoridade policial, o Juízo a quo, ao deferi-los, agiu em total conformidade com a Lei nº9.296/96, consoante atestam as decisões de fls. 78/80; 141/143; 213/215; 281/283;332/335 (do Anexo 1) e 491/493; 597/599 e 645/647 (do Anexo II).[

Quanto ao prazo de realização das interceptações, sabe-se que é pacífica ajurisprudência pátria ao afirmar que o lapso temporal previsto no art. 5º da Lei nº9.296/96 não é taxativo, podendo, assim, ser prorrogado quando estritamente necessárioà realização das investigações policiais, desde que em decisão devidamentefundamentada, como é caso das acima destacadas.

No sentido do texto, os seguintes precedentes (sem grifos no original):

EMENTA: RECURSO EM HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA.PRAZO DE VALIDADE. PRORROGAÇÃO. POSSIBILIDADE. Persistindo ospressupostos que conduziram à decretação da interceptação telefônica, não háobstáculos para sucessivas prorrogações, desde que devidamente fundamentadas,nem ficam maculadas como ilícitas as provas derivadas da interceptação.Precedente. Recurso a que se nega provimento.(STF, RCH 85575, Rel. Ministro JOAQUIM BARBOSA, Julgado em: 28/03/2006,Dje: 16/03/2007)

PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES.INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DEFERIMENTO DA MEDIDA EPRORROGAÇÕES DEVIDAMENTE FUNDAMENTADAS. LEGALIDADE DAMEDIDA. INDISPENSABILIDADE DA MEDIDA DEMONSTRADA.DEGRAVAÇÃO INTEGRAL. DESNECESSIDADE. NULIDADE. NÃOOCORRÊNCIA. ESCUTA REALIZADA FORA DO PERÍODO DEMONITORAMENTO. OCORRÊNCIA. DESENTRANHAMENTO.DESCONSIDERAÇÃO COMO MEIO DE PROVA. NULIDADE DAS PROVASSEGUINTES. NÃO VERIFICAÇÃO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. I.Hipótese em que as decisões de deferimento de interceptação telefônica e deprorrogação da medida encontram-se adequadamente fundamentadas, eis queproferidas em acolhimento às postulações da autoridade policial necessáriaspara a continuidade das investigações em curso voltadas para a apuração daprática do delito de tráfico de entorpecentes. II. "A jurisprudência do SupremoTribunal Federal consolidou o entendimento segundo o qual as interceptaçõestelefônicas podem ser prorrogadas desde que devidamente fundamentadas pelojuízo competente quanto à necessidade para o prosseguimento das investigações"(STF, RHC 88371/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU de 02/02/07). III.In casu, o monitoramento foi deferido nos exatos termos da Lei 9.296/2006, umavez que, havendo indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penalem delito punível com pena de reclusão , foi determinado pela Juíza arequerimento da autoridade policial, na investigação criminal , que representouno sentido da necessidade da medida. IV. Entendimento jurisprudencial no sentidode que a averiguação da indispensabilidade da medida como meio de prova nãopode ser apreciada na via do habeas corpus, diante da necessidade de dilaçãoprobatória que se faria necessária. V. Desnecessidade de transcrição integral dosdiálogos gravados durante a quebra do sigilo telefônico. Precedentes. VI. Dada aregularidade da medida, tem-se como legítimas as diligências advindas dasinterceptações telefônicas realizadas, quais sejam, a prisão em flagrante e a buscae apreensão, bem como de todo o procedimento criminal, a sentença condenatória

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e a prisão do réu, eis que embasados em elementos de prova idôneos. VII.Verificada a realização de escuta em data não incluída no período demonitoramento autorizado, a mesma deve ser excluída e desconsiderada comomeio de prova, o que não representa a nulidade das provas seguintes que nãoderivaram desta escuta em particular, mas do primeiro deferimento, proferido emconsonância com as disposições legais. VIII. Ordem parcialmente concedida.(STJ, HC126231, Rel.: Ministro GILSON DIPP, Órgão Julgador: QUINTATURMA, Julgado em: 09/11/2010, DJe: 22/11/2010)

HC LIBERATÓRIO. NARCOTRAFICÂNCIA E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO.CERCEAMENTO DE DEFESA PELO INDEFERIMENTO DE VISTA DOSAUTOS. MATÉRIA NÃO ANALISADA PELO ACÓRDÃO RECORRIDO.SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NULIDADE DO AUTO DE PRISÃO EMFLAGRANTE INEXISTENTE. VALIDADE DOS DEPOIMENTOS DOSMILICIANOS. FLAGRANTE PREPARADO NÃO CONFIGURADO. INÉPCIA DAPEÇA ACUSATÓRIA NÃO CARACTERIZADA. DESNECESSIDADE DE AMPLAFUNDAMENTAÇÃO DO DESPACHO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA.PRECEDENTES DO STJ. EXCESSO DE PRAZO (1 ANO E 4 MESES)JUSTIFICADO EM RAZÃO DA COMPLEXIDADE DO FEITO, DO ELEVADONÚMERO DE RÉUS (35 NO TOTAL), DA NECESSIDADE DE EXPEDIÇÃO DECARTAS PRECATÓRIAS PARA A OITIVA DE TESTEMUNHAS E DOREQUERIMENTO, PELA DEFESA, DE REALIZAÇÃO DO EXAME DEDEPENDÊNCIA TOXICOLÓGICA. PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO EM19.11.08. LIBERDADE PROVISÓRIA. VEDAÇÃO LEGAL. NORMA ESPECIAL.LEI 11.343/06. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. GARANTIA DA ORDEMPÚBLICA. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA (34 PORÇÕES DECOCAÍNA EM FORMA DE CRACK, TOTALIZANDO 10 GRAMAS). MANDADODE BUSCA E APREENSÃO E DECISÃO DE AUTORIZAÇÃO DEINTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADOS.PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. HABEAS CORPUSPARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DENEGADA A ORDEM. 1.Em relação ao alegado cerceamento da defesa do paciente por ter sido indeferidoseu pedido de vista dos autos, cumpre reconhecer que a matéria sequer foisubmetida à análise do Tribunal de origem, o que impede seu exame por estaCorte, sob pena de indevida supressão de instância. Precedentes. 2. Não é nulo oauto de prisão em flagrante ainda que fundamentado nos testemunhos apenas dospoliciais encarregados da captura e condução do paciente à Delegacia, os quaissão idôneos e estarão sujeitos a confirmação no curso da instrução processual.Precedentes. 3. Ademais, a atuação da polícia não colocou o paciente no estadode flagrância em que foi surpreendido, de modo que os fatos não se encaixam nasituação contida no enunciado 145 da Súmula de Jurisprudência do STF, bemcomo as circunstâncias em que a droga foi apreendida revelam seu destinocomercial (34 porções de cocaína em forma de crack, totalizando 10 gramas),além do que a quantidade de entorpecente, em si mesma, não constitui elementodos tipos penais pelos quais o paciente se encontra denunciado. 4. Da narrativacontida na denúncia pode-se obter a descrição sobre como teriam ocorrido e emque circunstâncias se deram os fatos em apuração, o que possibilita a ampladefesa e o contraditório. 5. Esta Corte entende que o despacho de recebimento dadenúncia, por sua natureza interlocutória simples, prescinde de amplafundamentação, até porque o Juiz, ao deflagrar a Ação Penal, não deve incidir empré-julgamento da matéria criminal objeto da inicial acusatória (HC 119.226/PR, ,Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe de 08.09.2009 e HC 138.089/SC, Rel.Min. FELIX FISCHER, DJe 22.02.2010). 6. No caso em exame, eventual delongapara o término da instrução probatória como um todo (1 ano e 4 meses) pode ser

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atribuída à complexidade do feito, em razão do elevado número de réus (35 nototal), à necessidade de expedição de cartas precatórias para a oitiva detestemunhas e ao requerimento, pela defesa, de realização do exame dedependência toxicológica. 7. A vedação de concessão de liberdade provisória aosacusados de tráfico de drogas é razão idônea e suficiente para o indeferimento dabenesse, de sorte que prescinde de maiores digressões a decisão que indefere opedido de liberdade provisória, nesses casos; ademais, no caso concreto, havendofortes indícios de autoria e materialidade do delito, a manutenção da prisãocautelar encontra-se plenamente justificada na garantia da ordem pública, tendoem vista a extensão e articulação da quadrilha supostamente integrada pelopaciente, a quantidade e a natureza do entorpecente apreendido (34 porções decocaína em forma de crack, totalizando 10 gramas), a indicar a periculosidade doacusado. 8. Encontram-se devidamente fundamentadas as decisões queautorizaram a busca e apreensão domiciliar e a interceptação telefônica, bemcomo suas sucessivas prorrogações, porquanto ancoradas em elementosconcretos que apontam para a imprescindibilidade das medidas como forma deidentificação de todos os envolvidos na prática delituosa em diversas cidades doEstado de Goiás, tudo devidamente registrado pelo Magistrado supervisor dasmedidas, não se vislumbrando qualquer irregularidade apta a fulminar denulidade a prova colhida durante o Inquérito Policial. 9. A ausência daassinatura do Magistrado em uma das folhas de uma das decisões que prorrogou ainterceptação telefônica constitui mera irregularidade, já devidamente sanadapelas decisões que a sucederam e mantiveram a prorrogação da escuta, não sendorazoável a pretensão do impetrante em ver declarada a nulidade de toda ainvestigação realizada. 10. Habeas Corpus parcialmente conhecido e, nessa parte,denegada a ordem, em conformidade com o parecer ministerial.(STJ, HC144303, Rel.: Ministro NAPOLEAO NUNES MAIA FILHO, ÓrgãoJulgador: QUINTA TURMA, Julgado em: 06/05/2010, DJe: 07/06/2010)

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DEIMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RECEBIMENTO DA INICIAL. INDÍCIOSDA PRÁTICA DE ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.RECEBIMENTO DA INICIAL. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE PROVAEMPRESTADA DE PROCEDIMENTO CRIMINAL. INTERCEPTAÇÃOTELEFÔNICA. SUCESSIVAS PRORROGAÇÕES. LEGALIDADE. PEDIDO DESUSPENSÃO DO FEITO ORIGINÁRIO ATÉ QUE SE ULTIMEM ASDILIGÊNCIAS REQUERIDAS PELO MPF. DESCABIMENTO. DILIGÊNCIASCABÍVEIS NA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. AGTR IMPROVIDO. 1. A decisãoagravada recebeu a inicial da Ação Civil Pública por Ato de ImprobidadeAdministrativa originária, rejeitando as prejudiciais de suspensão do feito, deilegalidade das interceptações telefônicas e de impossibilidade de utilização deprova emprestada, reconhecendo a presença de justa causa para o manejo dareferida ação (fls. 196/199). 2. Analisando-se as alegações postas pelo agravante,verifica-se que não merece prosperar o argumento de que deve ser determinada asuspensão do feito originário até que se ultimem as diligências requisitadas, naexordial, pelo MPF, nos termos do art. 265, IV, b, do CPC; isso porque orequerimento de diligências efetuado pelo MPF e deferido pelo douto Magistradoa quo se insere na fase de instrução processual, em que o autor deve apresentar asprovas dos fatos constitutivos de seu direito. 3. Sabe-se que para o recebimento dainicial da Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa não é necessária aexistência de prova cabal dos fatos reputados ímprobos, sendo suficiente apresença de indícios da prática do ato, bem como de sua autoria, podendo acomprovação dos mesmos se dar na referida fase instrutória. 4. No que se refere àalegada nulidade da interceptação telefônica por excesso de prazo, há

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posicionamento consolidado nos Tribunais Superiores, no sentido de que asinterceptações telefônicas podem ser prorrogadas desde que devidamentefundamentadas as prorrogações pelo juízo competente quanto à necessidade parao prosseguimento das investigações (RHC 88371, GILMAR MENDES, STF;RHC 85575, JOAQUIM BARBOSA, STF; e STJ, HC 200802308598, JORGEMUSSI, - QUINTA TURMA, 13/12/2010). 5. Não merece melhor sorte aalegação de nulidade da interceptação procedida, sob o argumento de ausênciade notificação do Ministério Público, vez que referida nulidade igualmente já seencontra afastada pelo Supremo Tribunal Federal (HC 83515, NELSONJOBIM, STF). 6. Considere-se, ainda, que não há qualquer restrição à utilizaçãoda prova emprestada de ação penal para a Ação de Improbidade, à luz doentendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça(Inq-QO 2725, CARLOS BRITTO, STF; e RESP 200902128645, MAUROCAMPBELL MARQUES, STJ - SEGUNDA TURMA, 08/10/2010). 7. Afastadas asalegações apresentadas pelo ora agravante, a petição inicial da Ação CivilPública de Improbidade Administrativa originária deve mesmo ser recebida, dadoque presentes os indícios de cometimento de atos enquadrados na Lei deImprobidade Administrativa e que o agravante não logrou afastar tais indícios,sendo certo que, nesta fase inicial, deve ser observado o princípio do in dubio prosocietate, a fim de possibilitar o maior resguardo do interesse público. 8. AGTRimprovido.(TRF 5, AG 112004, Rel.: Desembargador Federal MANOEL ERHARDT, ÓrgãoJulgador: PRIMEIRA TURMA, Julgado em:17/05/2012, 24/05/2012)

Diante do exposto, não há que se falar, no caso, em violação de quaisquerdeterminações constitucionais ou legais acerca da quebra do sigilo telefônico, razão pelaqual se rejeita a preliminar de nulidade na produção de provas.

Feitas essas considerações, passa-se ao mérito.

I - DA PRÁTICA DO CRIME DE VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL (art.325 do Código Penal)

Compulsando os autos, entendo ser correta a condenação do réu pelaprática da conduta criminosa narrada na denúncia, vez que há, nos autos, elementosprobatórios que atestam, cabalmente, a autoria e materialidade da conduta criminosatipificada no art. 325, caput, do Código Penal.

No caso, consoante se depreende dos elementos de prova trazidos aoprocesso, o réu concorreu, com vontade livre e consciente, em três momentos distintos,para a prática do delito acima destacado.

Por meio da interceptação telefônica determinada na “Operação Gárgula”,foi constatada a estreita relação de amizade entre o apelante e o Secretário Municipal dacidade de Eusébio/CE, vínculo por meio do qual aquele repassava a este uma série deinformações relativas a operações sigilosas desenvolvidas pela Polícia Federal.

A primeira prática da conduta delitiva supracitada data das ligaçõesrealizadas entre 07/04/2009 e 10/04/2009, ocasiões em que o apelante repassou ao

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Secretário Municipal uma série de informações acerca da “Operação Fumaça”,consoante se depreende do Relatório Parcial 001/2009 (fls. 170/173 do Apenso III), doqual se transcreve, abaixo, alguns trechos que corroboram a prática da condutacriminosa pelo apelante (sem grifos no original):

“DIA 07/04/2009 – ‘TELES pergunta se vão almoçar. TARCISIO diz que algo (?)já está com ele (TARCISIO) e aceita o convite para almoçarem. TELES diz que vaicom o PAULINHO, PAULO SIDNEY, e para irem almoçar no Zé do Peixe ao meiodia.

DIA 09/04/2009 (14:38:01) – TELES diz estar no Campestre. TARCISIO diz quevai dar um pulo lá bem rápido. TELES diz estar com a namorada e não queria queela visse TARCISIO, pois ela já o conhece, e pede para TARCISIO lhe chamar.TARCISIO diz estar com sua esposa. TELES diz que pode chegar com sua esposa,mas que pare do outro lado, que vai lá falar com TARCISIO.

DIA 09/04/2009 (aproximadamente 20:15) – TARCISIO, em conversa com seufilho, TARCÍSIO NETO, entre um assunto e outro, comenta que havia seencontrado com aquele “AMIGO”, e que uma confusão grande estaria por vir.

DIA 10/04/2009 – TARCISIO mantém contato com ACILON GONÇALVES. Nestaoportunidade, TARCÍSIO comenta que havia recebido uma importante informaçãodos ‘MENINOS’, ‘SEUS AMIGOS’, e que precisaria se reunir com ele para tratarda questão. TARCISIO explica que há 10 inquéritos sobre a campanha eleitoral,relativos à compra “DAQUILO/”, e que envolveriam também EDSON SÁ, prefeitode Aquiraz/CE;”

A linguagem codificada e cifrada dos diálogos acima transcritos já denota,de plano, o fato de que os interlocutores estão tratando de um assunto que, em razão desua provável ilicitude, não pode ser conversado abertamente. Enfatiza-se, ainda mais, ocaráter ilícito das tratativas acima o pedido feito pelo apelante (TELES) para queTARCÍSIO o encontrasse em um local em que não estivessem presentes suascompanheiras.

Tais encontros foram realizados com o intuito de se repassar informaçõessigilosas acerca da “Operação Fumaça”, acima mascarada sob a alcunha de “confusãogrande” que estava em vias de acontecer.

A segunda prática do crime previsto no art. 325, caput, do CP restoucomprovada por meio das interceptações telefônicas realizadas nos dias 08, 16 e 17 dejunho de 2009, nas quais demonstrou-se que TARCISIO tinha sido anteriormenteavisado acerca de uma operação que seria realizada pela Polícia Federal no dia 17 dejunho.

Nesse sentido, as transcrições abaixo (fls. 24-25 do Anexo 1 - sem grifosno original):

“DIA 08/06/2009 – TARCISIO pede para RENATO lhe ajudar. TARCISIO querque CRISTIANO RESOLVA um problema do superior deles. TARCISIO pergunta

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se RENATO lembra daquele amigo, aquele moreno que TARCISIO apresentouem seu escritório. RENATO fala que não está lembrado. TARICIO argumentaque é aquele amigo seu. RENATO lembra. TARCÍSIO diz que esse amigo falouque aquele assunto seria entre o dia 16 e 18 deste mês.

DATA 16/06/2009 (11:29:47) – TELES pergunta onde TARCISIO está. TARCISIOdiz no escritório. TELES diz que está precisando falar com TARCÍSIO agora.TARCISIO pergunta se é coisa boa. TELES diz que é o negócio de umas meninasmuito importante e pergunta como fazem para pegar seu carro no departamento, ese podem encontrar-se no Zé do Peixe. TARCISIO diz que vai só falar comTELES, pois tem outras coisas para fazer e pergunta se TELES acha melhor noCampestre, Teles diz que irá demorar pouco, pois tem outras coisas para fazer.

DATA 16/06/2009 (12:30:03) – TELES fala que vai almoçar no Parque Recreio.TARCISIO pergunta qual. TELES diz que é o seis bocas. TARCISIO pergunta seTELES acha melhor lá, TELES diz que sim e que o MONTE (policial federalaposentado) está esperando lá. TARCÍSIO pergunta se é coisa boa. TELESrepete não várias vezes, demonstrado que não quer falar ao telefone. TARCÍSIOentende e se despede.”

Novamente, a linguagem em código denota que os interlocutoresconversam sobre algo que, provavelmente, reveste-se de ilegalidade. Da mesma forma,fica evidenciado o repasse de informações acerca das operações sigilosas da PolíciaFederal, vez que o “amigo moreno” (TELES – fls. 36 do Anexo 1) avisou a TARCISIOque “aquele assunto” (Operação Fumaça) seria entre o dia 16 e 18 do mês de junho de2009.

Após o encontro marcado na gravação datada de 16/09/2009, às11:29:47, TARCÍSIO informou uma série de pessoas acerca da realização, no diaseguinte, da “Operação Fumaça”, consoante se depreende do que abaixo se transcreve(fls. 26 do Anexo 1 - sem grifos no original):

“DIA 16/06/09 (13:44:09) – TARCISIO diz para HNI (homem não identificado)que aquele negócio que ele havia falado anteriormente com HNI estáconfirmado e vai ser amanhã. HNI demora a compreender a que assuntoTARCÍSIO se refere. TARCISIO fala que é aquele assunto que HNI havia ficadode confirmar. HNI diz que ele está limpo. TARCISIO pergunta se HNI gostou. HNIdiz que sim. TARCISIO fala que depois dá os detalhes.

DIA 16/06/2009 (15:24:51) – TARCISIO fala que deu três datas para HNI sobrea possibilidade de acontecer um evento (Operação da Polícia Federal) HNI nãoentende a que evento TARCISIO se refere. TARCISIO insiste, dizendo que seriaalgo que eles temem bastante. HNI acha que entende e pensa que TARCISIOestaria fazendo referência ao sorteio. TARCISIO fala que não, mas diz que esseevento estria certo para ocorrer amanhã.

DATA 16/06/2009 (15:27:38) – TARCISIO fala com HNI sobre aquilo que eleHaia pedido para HNI ver com seus amigos (Operação da Polícia Federal), sobrea confirmação da possibilidade de vir a ocorrer. HNI entende que não podeconfirmar. TARCISIO fala que está certo para amanhã. HNI diz que só fizeram 27mil. TARCISIO pergunta porque. HNI pergunta se é melhor marcar para amanhã.TARCISIO concorda.

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Consoante se depreende dos diálogos acima destacados, a informaçãoacerca da realização da “Operação Fumaça” foi repassada pro TARCISIO a váriaspessoas em um curto espaço de tempo, o que, consequentemente, acabou por prejudicaro sigilo das investigações e dos procedimentos conduzidos pela Polícia Federal.

Além do mais, as gravações supracitadas estão em total conformidadecom a linguagem cifrada dos outros diálogos já analisados, vez que fazem menção“àquele negócio” (“Operação Fumaça”), que ele havia anteriormente falado com HNI(TELES), e que seria realizado no outro dia pela manhã (17 de junho de 2009).

Saliente-se, ainda, que a realização da referida operação, pelo menos apartir do que se extrai das interceptações em comento, seria extremamente prejudicialaos interlocutores, vez que TARCISIO deixa claro que estava para acontecer “algo queeles temiam bastante” (“Operação Fumaça”).

O temor em face de tal operação só pode ser justificado diante daprobabilidade de estarem alguns dos interlocutores dos diálogos acima mencionadosenvolvidos no suposto esquema de fraudes a procedimentos licitatórios e desvio derecursos federais, investigados, de maneira sigilosa, pela Polícia Federal, em váriosmunicípios do estado de Ceará.

Os diálogos em análise deixam claro que foi em decorrência da condutado apelante que foram divulgadas uma série de informações que, em razão do seuconteúdo, deveriam ser restritas aos agentes da Polícia Federal, contexto que se amoldaperfeitamente às elementares do tipo penal previsto no art. 325, caput, do CP.

A terceira violação de sigilo veio à tona por meio das interceptaçõestelefônicas realizadas entre os dias 04 e 07 de dezembro, em que o apelante divulgou aTARCISIO várias informações sigilosas acerca da “Operação Gárgula”.

Dos elementos probatórios carreados aos autos depreende-se que oapelante, no dia 04/12/2009, ao tomar ciência da referida operação, marcou, novamente,um encontro com seu comparsa TARCISIO, para informá-lo acerca do procedimentoque seria realizado pela Polícia Federal, consoante se extrai dos diálogos abaixotranscritos (fls. 834/839 do Anexo II, fls. 44/52 do Apenso 02 – sem grifos no original):

“DIA 04/12/2009 (14: 20: 28) – DIÁLOGO TELES X JOSABETH:JO: Teles, eu queria saber se você estar (sic) aqui hoje a tarde que tem um, umdocumento aqui para dar ciência de uma... serviço que vai ter na madrugada deterça-feira; Dr. Casarine pediu para eu pegar a assinatura pessoal.TE: Eu to (sic) aqui na Secretaria de Segurança.JO: Hum... você só vem.TE: Eu já to (sic) ciente. O que é, que hora é na terça-feira?JO: É de madrugada, cedinho.

DIA 07/12/2009 (10:40:06 – horário de Brasília) DIÁLOGO TELES X TARCÍSIO

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TE: E aíTA: O que há meu príncipe!TE: To (sic) precisando falar contigo urgente, eu, eu teve uma reunião lá...Pacajus... Ta (sic) entendendo?[...]TA: É o que?TE: Quando mais tarde, eu aviso, que eu vou pro (sic) aeroporto meio dia, aoquando eu voltar do aeroporto eu ligo pra ti pra gente se encontrar.TA: Mas não é problema não é?TE: É da, da polícia, lá. Entendeu?TA: Certo.

Da mesma forma que nas interceptações telefônicas anteriormenteanalisadas, a linguagem em código denota que os interlocutores conversam sobre algoque, provavelmente, reveste-se de ilegalidade. Além do mais, fica, novamente,evidenciado o repasse de informações acerca das operações sigilosas da Polícia Federal,vez que TELES, após a realização da “reunião lá em Pacajus” logo procurouTARCISIO para avisá-lo acerca do “problema lá da polícia”, isto é, dos procedimentosrelativos à “Operação Gárgula”.

O conjunto de diálogos analisados revela, por parte do apelante, o dolonecessário à prática da conduta delitiva prevista no art. 325, caput, do CP, representadopela vontade livre e consciente de revelar segredo de que tem conhecimento emdecorrência direta do exercício de cargo ou função pública, tendo ciência de que se tratade fato protegido por sigilo funcional e que o dever funcional lhe impede que o divulgue.

Ora, os elementos probatórios trazidos ao processo revelam a ocorrênciado suporte fático acima descrito, pois foi exaustivamente comprovado que o apelante,com vontade livre e consciente, revelou, por três vezes, a amigos informações sigilosasacerca de operações da Polícia Federal, conduta que se amolda como luva às elementaresdo tipo penal acima referido, que estabelece:

Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que devapermanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação:Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crimemais grave.

Ocorre que o apelante foi condenado pela prática da referida conduta emsua modalidade qualificada, nos termos do § 2º do art. 325 do Código Penal, que dispõe:

§ 2o Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem:(Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

No entanto, com base nos elementos de prova trazidos ao processo,entendo não ser possível a condenação do apelante pela prática do crime de violação desigilo funcional em sua forma qualificada, vez que não restou efetivamente comprovadoque da prática daquela conduta resultou dano efetivo para a Administração Pública.

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A mera presunção de ocorrência de dano, ao contrário do que entendeu oJuízo Originário, impossibilita a configuração da hipótese normativa prevista no § 2º doart. 325 do CP.

Dessa forma, como não foi possível chegar à conclusão de que, emdecorrência da conduta do apelante, houve dano concreto à Administração Pública ou aterceiro, a condenação deve ser mantida, mas na forma das elementares do caput do art.325 do CP.

Saliente-se, ainda, que a própria denúncia apresentada pelo ParquetFederal admite (fls. 45) que não houve comprovação do dano necessário à configuraçãodo crime de violação de sigilo funcional nos termos do § 2º do art. 325 do CP.

Destarte, a condenação do apelante pela prática do crime acima citado,em sua forma qualificada, sem que a denúncia tenha descrito os elementos necessários àsua configuração, no caso, a ocorrência de dano efetivo à Administração, violaria oprincípio da correlação entre acusação e sentença.

"O princípio da correlação entre a denúncia e a sentença condenatóriarepresenta no sistema processual penal uma das mais importantes garantias aoacusado, porquanto descreve balizas para a prolação do édito repressivo ao dispor quedeve haver precisa correspondência entre o fato imputado ao réu e a suaresponsabilidade penal reconhecida na sentença" (STJ, HC no 145.385/RS, rel. Min.Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 13 set. 2011, DJe 26 set. 2011).

Dito isto, entendo que deve ser reformada a sentença em PrimeiraInstância proferida para, diante da comprovação da autoria e da materialidade delitiva,manter a condenação do apelante pela prática do delito de violação de sigilo funcional,mas na forma prevista no caput do art. 325 do CP.

Da mesma maneira, deve ser reformado o decreto condenatório no que serefere à aplicação, no caso, do art. 69 do CP, vez que entendeu o Juízo Originário que aprática dos três delitos de violação de sigilo funcional pelos quais foi condenado oapelante ocorreu em concurso material.

Contudo, tal raciocínio, no meu sentir, não é aplicável à situação aopresente processo, vez que, pela análise dos autos e dos contextos neles delineados,chega-se à conclusão de que o apelante, na verdade, praticou o delito tipificado no art.325, caput, do CP em continuidade delitiva, vez que presentes todos os elementosprevistos no art. 71 do CP, que estabelece:

Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica doisou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira deexecução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos comocontinuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas,

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ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a doisterços.

A figura jurídica do crime continuado refere-se, portanto, a um contextofático que, embora constituído por diversas ações, cada uma em si mesma criminosa,recebe, por uma questão de política criminal, um tratamento jurídico que as consideracomo se um único crime fossem.

Nas palavras do mestre Nelson Hungria (sem grifos no original):

"O que decide para a existência do crime continuado é tão-somente ahomogeneidade objetiva das ações, abstraído qualquer nexo psicológico, sejavolitivo, seja meramente intelectivo. A unidade do dolo, de resolução ou dedesígnio, quando efetivamente apurada, longe de funcionar como causa debenigno tratamento penal, deve ser, como índice de maior intensidade do dolo doagente ou de sua capacidade de delinqüir, uma circunstância judicial deelevação da pena-base.1"

Partindo desse pressuposto, é válido, agora, fazer uma análise minuciosa,a partir do contexto descrito nos autos, com o objetivo de comprovar a existência dosrequisitos caracterizadores do crime do crime continuado de maneira a justificar aincidência da causa de aumento de pena prevista no art. 71 do CP, reformando-se, assim,a sentença em primeira instância proferida.

A partir dos autos, resta claro que houve, efetivamente, pluralidade euniformidade de condutas criminosas da mesma espécie, consubstanciadas nas váriasligações por meio das quais o apelante repassou para o Secretário TARCISIO, conformeo acima narrado, uma série de informações sigilosas acerca de operações de investigaçãorealizadas pela Polícia Federal.

Quanto à periodicidade, comprova-se tal requisito quando se atenta parao fato de que as a primeira violação de sigilo funcional ocorreu por meio das ligaçõesrealizadas entre 07/04/2009 e 10/04/2009, a segunda mediante as interceptaçõestelefônicas realizadas nos dias 08, 16 e 17 de junho de 2009 e a terceira por meio dasinterceptações telefônicas realizadas entre os dias 04 e 07 de dezembro daquele mesmoano.

Ainda na seara do nexo de causalidade do crime continuado, restam,também, comprovados, os requisitos de condições de lugar, maneira e contexto deexecução, vez que o modus operandi e as circunstâncias de ocorrência foram, no caso,praticamente idênticos para todas as três violações de sigilo funcional praticadas peloapelante.

Diante disso, deve ser reformada a sentença objeto do presente recursopara, excluindo a aplicação do art. 69 do CP (concurso material de crimes), manter a

1 HUNGRIA, Nélson, Comentários Código Penal, Rio de Janeiro, Forense.

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condenação do réu pela prática do delito previsto no art. 325, caput, do CP, aplicando-se, na terceira fase da dosimetria da pena, a causa de aumento referente à continuidadedelitiva, vez que as circunstâncias fáticas narradas nos autos possibilitam a perfeitaincidência das disposições normativas constantes do art. 71 do Diploma Penal Pátrio.

II – DA PRÁTICA DO CRIME DE ADVOCACIA ADMINISTRATIVA (Art. 321,caput, do Código Penal)

Compulsando os autos, entendo, como a sentença, ser correta acondenação do réu pela prática da conduta criminosa narrada na denúncia, vez que há,nos autos, elementos probatórios que atestam, cabalmente, a autoria e materialidade daconduta criminosa tipificada nos arts. 321, caput, e 321, parágrafo único, ambos doCódigo Penal.

No caso, a prática de advocacia administrativa, nos termos do caput doart. 321 do CP verificou-se nos vários momentos em que o apelante, valendo-se da suacondição de servidor público, patrocinou uma série de interesses privados perante aAdministração Pública.

A primeira prática ocorreu no dia 07/09/2012, ocasião em que o apelante,atendendo a pedido de seu íntimo amigo TARCISIO, entrou em contato com o delegadoNELSON TELES, com o objetivo de adiar a oitiva do prefeito de Eusébio/CE, um dosvários municípios investigados pelas operações desenvolvidas pela Polícia Federal.

Prova o fato acima narrado o diálogo abaixo transcrito, obtido medianteinterceptação telefônica realizada com a devida autorização judicial (sem grifos nooriginal):

“DIA 07/12/2009 (12:20:06) – DIÁLOGO TARCÍSIO TELES X NELSONTE: Nelsão... NelsãoNE: Oi?TE: É Teles.NE: Opa Teles, o que é que há cara?[...]TE: Deixa eu te falar. Eu to (sic) com Acilon aqui, conversando com ele, ele temuma audiência contigo no dia quinze.NE: Certo, e...TE: Às quatorze horas... e no dia quinze.NE: Rapaz, é... ô, ô, viu TELES, é porque o seguinte, TELES, eu, eu não consigodesmarcar porque eu tô (sic) de férias, ta (sic) cara.TE: Pronto, sim.NE: Eu to (sic) de férias, ai só vou tar (sic) de volta a partir do dia dezessete viu.TE: Não, então marca, marca pra janeiro.NE: Tá (sic) certo, tudo bem, tem problema não.[...]NE: Tá (sic) certo, tranqüilo, PNE (palavra não entendida) fale com João Filho,viu.TE: Tá jóia, PNE, valeu, obrigado viu meu irmão.

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DIA 07/12/2009 (12:21:39) DIÁLOGO TARCISIO/TELES X ACILONTA: É o MARCÍLIO TELES, ele quer... falar com você.AC: Certo, beleza.TE: Diga aí meu querido...AC: Oi amigo, tudo bem?[...]TE:...Oh! Resolvi seu negócio aqui, passei pra janeiro viu.AC: Ok, ta (sic) bom demais, o meu e o outro NE?TE: É! Todos os dois... ontem eu liguei pra ele... o celular dele, ele num tava, no,no prédio, ele disse ‘Teles faz o seguinte passa lá com meu escrivão... diz que jáfalou comigo, pode marcar o dia que você quiser[...]AC: Pois obrigado por tudo, viu, ta (sic)TE: Você manda”

É válido, ainda, salientar que o próprio delegado da Polícia Federal,NELSON TELES, afirmou, em Juízo (fls. 341), que se recordava da referida conversa,consoante se depreende do que abaixo se destaca (sem grifos no original):

“QUE se recordava de ter conversado ao telefone com o APF Teles, que aconversa girava em torno de uma oitiva do Prefeito de Eusébio/CE, AcilonGonçalves, designada ou para o dia 14 ou para o dia 15; (...); QUE a solicitaçãofeita por Teles era no sentido de saber se era possível adiar a audiência parajaneiro; que ele não declinou o motivo do adiamento;

Além do mais, o próprio apelante, em seu depoimento em Juízo (fls. 359),confirmou a razão pela qual entrou em contato com o delegado NELSON TELES,conforme se extrai da leitura do abaixo destacado (sem grifos no original):

“QUE atendendo a um pedido de Tarcísio, portanto, ligou para o DPF NelsonTeles e lhe indagou se seria possível marcar uma outra data para essa oitiva, jáque o prefeito estaria viajando.”

A partir da leitura dos diálogos acima em destaque, não resta dúvidas deque o apelante, na condição de servidor público, patrocinou interesse eminentementeprivado perante a Administração, tratando esta como se fosse uma extensão das suasrelações pessoais, desrespeitando, assim, as diretrizes principiológicas mais elementaresdo Direito Administrativo.

Ao agir de tal maneira, concorreu, com vontade livre e consciente, para aprática da conduta delituosa prevista no art. 321, caput, do CP, a qual se consuma “coma realização do primeiro ato que caracteriza o patrocínio, ou seja, a prática de um atoinequívoco de patrocinar interesse privado perante a Administração Pública, sendoirrelevante o sucesso ou insucesso do patrocínio.”2

A segunda prática do crime de advocacia administrativa, na forma do art.321, caput, do CP, teve lugar em 15/09/2009, quando o apelante patrocinou, junto aAdministração Pública, interesse do Deputado Federal ANÍBAL FERREIRA GOMES

2 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. 7. ed. Saraiva, São Paulo: 2012.

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com o objetivo de agilizar a realização de uma perícia no âmbito da Polícia Federal,consoante se depreende dos diálogos abaixo destacados (fls. 164/165 – do Apenso 3 –sem grifos no original):

DIA 15/09/2009 (10: 41: 35) – DIÁLOGO ANA/ANIBAL X TELES

A: Oi doutor TELES tudo bem?TE: Tudo bom. É a ANA?A: É a ANA tudo bem com o senhor?TE: Tudo bom. Como é que você estar?[...]A: Eu vou passar o deputado ANIBAL ta (sic)?TE: Tá (sic) certo.[...]ANI: TELES, alô TELES!TE: Diga aí deputadoANI: Meu amigo tudo bem?TE: Tudo Jóia.ANI: TELES era só para você dá uma forcinha no nosso perito... negócio de... ládo município que eu te falei. Era só para agilizar.TE: Eu falei com ele. Lá naquela hora eu tava lá.ANI: É Umirim, o município de UmirimTE: Eu estava com o chefe da custódia... do chefe da perícia lá.ANI: Certo!TE: É o dr. MAURÍCIO aí eu falei com ele, inclusive na hora que eu estavaconversando contigo ele estava na dúvida em dois que tinha lá, entendeu, porquetem dois. Agora a dúvida você me dissipou naquela hora.ANI: Certo.TE: Quando eu voltar, quando eu voltar. Que eu estou indo lá no presídio,quando eu voltar com ele para ver qual o andamento. Aí eu te dou umaligadinha.ANI: Tá bom meu irão. É só para agilizar.TE: Não eu sei. Eu falei para ele e ele entendeu.

Confirmando o teor do diálogo acima, trazem-se à baila trechos dosdepoimentos prestados em Juízo pelo apelante (fls. 359) e pelo deputado ANÍBALFERREIRA GOMES (fls. 339/340), que corroboram a prática da conduta delitiva pelaqual foi denunciado o apelante (sem grifos no original):

“QUE quanto ao evento envolvendo o deputado Aníbal Gomes, tem a dizer querecebeu deste uma ligação pedindo que o interrogando intermediasse o encontroentre um perito da Polícia Federal e uma advogada; que o interrogando, ‘parafazer uma média’, disse que era amigo do perito Maurício, e que o deputadopoderia mandar a advogada que concretizaria o referido encontro.” (MARCÍLIOTELES DE QUEIROZ – em Juízo – fls. 359)

“QUE conhece o denunciado Marcilio Teles de Queiroz há mais de dez anos, quese recorda de, certa vez, haver telefonado para o APF Teles, indagando aomesmo se conhecia o perito da Polícia Federal responsável pela elaboração deuma perícia envolvendo fatos ocorridos em Umirim/CE, que o telefonema foi nosentido de agilizar a elaboração dessa perícia...” (ANÍBAL FERREIRA GOMES– em Juízo – fls. 339)

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A partir do cotejo dos elementos probatórios em análise chega-se àinequívoca conclusão de que o apelante, novamente, concorreu, com vontade livre econsciente, para a prática da conduta delituosa prevista no art. 321, caput, do CP.

Consta dos autos, ainda, provas de que o apelante, por uma terceira vez,praticou aquela conduta criminosa, quando, em 01/09/2009 contatou o delegado daPolícia Federal CLÁUDIO JOVENTINO com o objetivo de saber o porquê de ter sidoexpedido mandado de intimação em face ANTÔNIO JOSÉ DE FREITAS MELLO,conhecido do apelante.

Tal fato foi confessado em Juízo (fls. 359) pelo próprio apelante,consoante se depreende do que abaixo se transcreve (sem grifos no original):

“QUE quanto ao episódio envolvendo a pessoa de Antonio José, esclarece queefetivamente, atendendo a um pedido deste, se dirigiu ao gabinete do DPFCláudio Joventino apenas para saber se aquele precisava comparecer para serouvido com um advogado;”

Ressalte-se, ainda, que o próprio delegado CLÁUDIO JOVENTINOconfirmou, perante a autoridade policial (fls. 27/28, do apenso 2) e em Juízo (fls.300/301), o teor integral das escutas telefônicas, afirmando que foi procurado peloapelante para saber do que se tratava a intimação emitida em face de ANTONIO JOSÉDE FREITAS MELLO.

Nesse sentido, destacam-se, abaixo, trechos das declarações prestadas, emJuízo, por CLÁUDIO JOVENTINO e dos diálogos telefônicos interceptados comautorização judicial (sem grifos no original):

“... o depoente foi procurado pelo APF Marcilio Teles, após ter expedido umaintimação para a oitiva do Sr. Antônio José de Freitas Melo, no âmbito da‘Operação Marambaia’, para apurar supostas concessões irregulares de licençasambientais em Guaramiringa/CE; que o APF Teles o procurou para saber doque se tratava a intimação e perguntou se precisava levar algum documento”(CLÁUDIO JOVENTINO – em Juízo – fls. 300/301)

DIA 01/09/2009 (14:40:54) – DIÁLOGO ANTONIO JOSÉ X TELES

AJ:... IPL que diabo é isso hein (sic)?TE: É inquérito policial.AJ: Risos... Agora estou fudido. (sic)TE: Não é daquela porra (sic) lá do coisa das tuas construções lá deGuaramiringa.AJ: É 244 barra 07 barra 4 delegacia de repreensão (sic) a crimes fazendários.TE: É! Iche (sic) é negócio de contrabando. Contrabandeou o quê?[...]TE: Não 24407 pronto. Zero sete quatro. Quem é o delegado?AJ: Pelo ao menos é gente boa.TE: Quem é?AJ: CLAUDIO BARROS.

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TE: Ah, é o Doutor CLÁDIO!AJ: É... jovem.TE: Pronto é seu amigo. Deixa eu te falar uma coisa. Eu vou perguntar aoescrivão dele e ai eu te aviso. Que eu estou Aquino aeroporto num negócio doBanco Central.[...]TE: Ai eu vou falar com o doutor CLÁUDIO quando eu voltar, eu falo com oCLÁUDIO e aí te dou um toque, viu.AJ: Tranqüilo, sem problema nenhum beleza.TE: Valeu, tchau.AJ: Obrigado, príncipe.

Em harmonia com os elementos de prova acima elencados, tem-se odepoimento prestado em Juízo por ANTONIO JOSÉ DE FREITAS MELO (fls.308/309), o qual confirmou ter procurado o apelante para que este diligenciasse junto àAdministração Pública com o escopo de descobrir o motivo de ter sido expedido o jámencionado mandado de intimação.

Ora, sabe-se que o inquérito policial é um procedimento administrativo denatureza inquisitiva, conduzido pela autoridade policial e protegido pela garantia dosigilo dos procedimentos a ele referentes, vez que se trata de um instrumento mediante oqual se garante a inviolabilidade do segredo com o escopo de garantir a melhorelucidação possível dos fatos objeto da investigação.

Diante de tal pressuposto, não poderia o apelante ter diligenciado junto aodelegado da Polícia Federal CLÁUDIO JOVENTINO para saber o motivo de ter sidoexpedido mandado de intimação em face de ANTONIO JOSÉ DE FREITAS MELO,para que este prestasse informações no Inquérito Policial referente à “OperaçãoMarambaia”, que investigava supostas concessões irregulares de licenças ambientais emGuaramiringa/CE.

Conclui-se, portanto, que, ao agir dessa maneira, o apelante, mais umavez, patrocinou interesse eminentemente privado perante a Administração Pública,concorrendo, assim, com vontade livre e consciente, para a prática da conduta delituosaprevista no art. 321, caput, do CP.

Em outro contexto semelhante, consoante de depreende dos autos, oapelante foi contatado pelo policial rodoviário federal JOÃO MICENO MARQUES DELIMA, o qual solicitou que fosse marcado um encontro com o delegado da PolíciaFederal RENATO JEVSON para tratar acerca de um Inquérito Policial em que osolicitante estaria sendo investigado pela prática dos delitos de formação de quadrilha,concussão e corrupção.

Tal fato foi confirmado, em Juízo, pelo apelante (fls. 357/361), pelodelegado RENATO JEVSON (fls. 302/303) e pelo policial rodoviário federal JOÃOMICENO MARQUES DE LIMA, nos termos dos trechos abaixo destacados (sem grifosno original):

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“QUE quanto ao fato referente ao PRF Miceno, tem a dizer que, conforme foipor ele solicitado, o conduziu à presença do DPF Renato Jevson; que o PRFMiceno se dizia injustiçado; que o interrogando apenas conduziu o PRF Miceno àsala do DPF Renato e os deixou a sós” (MARCÍLIO TELES DE QUEIROZ – EmJuízo – fls. 359)

“... QUE o depoente presidiu e relatou o IPL 204/2007; que conforme relatou emtermo de declarações, foi procurado pelo APF Teles, na companhia do PolicialRodoviário Miceno, o qual fora indiciado no mencionado IPL; que estavam embusca de obter cópias do referido IPL.” (RENATO JEVSON NUNES MACIEL –Em Juízo – fls. 302/303)

“... QUE conhece o APF Teles há nove anos; [...] que foi com o APF Teles àpresença do delegado Renato Jevson, para obter cópias de um inquérito policialem que fora indiciado.” ( JOÃO MICENO MARQUES DE LIMA – Em Juízo – fls.304/305)

Consoante o anteriormente exposto, o sigilo é uma das características doInquérito Policial, razão pela qual não poderia o apelante providenciar meios para queum terceiro tivesse acesso ao procedimento inquisitivo sigiloso conduzido pela PolíciaFederal.

Dessa forma, com base nos elementos de prova acima elencados, restaevidente que o apelante, mais uma vez, patrocinou eminentemente privado junto àAdministração Pública, concorrendo, assim, com vontade livre e consciente, para aprática do delito previsto no art. 321, caput, do CP.

Há nos autos, ainda, prova de que o apelante, por uma quinta vez,praticou a mesma conduta criminosa quando, em 03/08/2009, patrocinou, perante aPolícia Federal, o interesse de FRANCISCO EDVAN DE OLIVEIRA para que fosseliberada uma quantia em dinheiro que se encontrava em um carro de sua propriedadeapreendido pela PF.

Corroborando o fato acima narrado, destacam-se, abaixo, trechos dasinterceptações telefônicas (fls. 45/47, Apenso III) obtidas com a devida autorizaçãojudicial (sem grifos no original):

“DIA 03/08/2009 (08:46:10) DIÁLOGO TELES X FRANCISCO EDVAN (AINDANAÕ IDENTIFICADO NESTA LIGAÇÃO)

TE: Diga rapaz!HNI: Custe a falar com você mais (sic) estou conseguindo agora.[...]HNI: Me diga uma coisa. Ontem a tardezinha (sic) para a noite houve umabatida no meu carro com outro.TE: Sei![...]HNI: ME parece que a polícia federal levou o carro para Fortaleza.TE: Hum!

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HNI: E eu queria ver se tu tinha. Que a militar já ligou ali para o posto dotriângulo e não foi para lá o carro. Disseram que foi para Fortaleza e eu queriaver se tinha como tu descobrir aonde estava o carro para a gente pegar o carro.[...]TE: Não na hora que você ligar eu dou um pulo lá. Você pode para direto lá noDER e aí eu dou um pulo lá e falo com o pessoal para saber aonde estar o seucarro.HNI: Sei!TE: Para saber o que é preciso para sair. Se for coisa pouca a gente dar um jeitolá Falo com AGIDENOR, UBIRATAN com qualquer pessoa lá. Agora vocêtem...PNE... com a documentação. Os papéis que você tem aí.”

DIA 03/08/2009 (14:48:59) DIÁLOGO TELES X FRANCISCO EDVAN (AINDANÃO IDENTIFICADO NESTA LIGAÇÃO)

HNI: Macho velho o rapaz não apareceu e eu falei com o outro aqui, certo?TE: Hum!HNI: Eu falei com o outro e disse que já tinha falado com aquele senhor lá etudo mais. Mais (sic) ele não liberou o carro, certo.[...]HNI: E aí que estou indo embora.TE: Não rapaz. Vai lá para o coisa que eu vou para lá agora. Tu estar (sic) decarro.HNI: Eu vim de reboque para levar o carro. Eu estou no reboque de PEDRINHOlá do JOSÉ CAMELO.TE: Pois vá para lá...PNE... que eu vou falar com o UBIRATAN agora. Vai lápara polícia rodoviária.

A partir da leitura dos diálogos acima em destaque, não resta dúvidas deque o apelante, na condição de servidor público, patrocinou interesse eminentementeprivado perante a Administração, novamente, tratando esta como se fosse uma extensãodas suas relações pessoais, desrespeitando, assim, as diretrizes principiológicas maiselementares do Direito Administrativo.

Em conformidade com o teor das interceptações telefônicas destacadas,tem-se o depoimento, prestado em Juízo e, pelo próprio FRANSCISCO EDVAN DEOLIVEIRA (fls. 583/584), o qual confirma o teor integral dos fatos acima narrados.

Dessa forma, com base nos referidos elementos de prova, resta evidenteque o apelante, mais uma vez, patrocinou eminentemente privado junto à AdministraçãoPública, concorrendo, assim, com vontade livre e consciente, para a prática do delitoprevisto no art. 321, caput, do CP.

Ressalto, no entanto, que deve ser reformado o decreto condenatório noque se refere à aplicação, no caso, do art. 69 do CP, pois entendeu o Juízo Originárioque a prática dos delitos de advocacia administrativa pelos quais foi condenado oapelante ocorreu em concurso material.

Contudo, tal raciocínio, no meu sentir, não é aplicável à situação aopresente processo, vez que, pela análise dos autos e dos contextos neles delineados,

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chega-se à conclusão de que o apelante, na verdade, praticou o delito tipificado no art.321, caput, do CP em continuidade delitiva, diante da presença de todos os elementosprevistos no art. 71 do CP, que estabelece:

Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica doisou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira deexecução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos comocontinuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas,ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a doisterços.

A figura jurídica do crime continuado refere-se, portanto, a um contextofático que, embora constituído por diversas ações, cada uma em si mesma criminosa,recebe, por uma questão de política criminal, um tratamento jurídico que as consideracomo se um único crime fossem.

Nas palavras do mestre Nelson Hungria (sem grifos no original):

"O que decide para a existência do crime continuado é tão-somente ahomogeneidade objetiva das ações, abstraído qualquer nexo psicológico, sejavolitivo, seja meramente intelectivo. A unidade do dolo, de resolução ou dedesígnio, quando efetivamente apurada, longe de funcionar como causa debenigno tratamento penal, deve ser, como índice de maior intensidade do dolo doagente ou de sua capacidade de delinqüir, uma circunstância judicial deelevação da pena-base.3"

Partindo desse pressuposto, é válido, agora, fazer uma análise minuciosa,a partir do contexto descrito nos autos, com o objetivo de comprovar a existência dosrequisitos caracterizadores do crime do crime continuado de maneira a justificar aincidência da causa de aumento de pena prevista no art. 71 do CP, reformando-se, assim,a sentença em primeira instância proferida.

A partir do exame dos autos, resta claro que houve, efetivamente,pluralidade e uniformidade de condutas criminosas da mesma espécie, consubstanciadasnos vários patrocínios, por parte do apelante, de interesses eminentemente privadosperante a Administração Pública.

Quanto à periodicidade, comprova-se tal requisito quando se atenta parao fato de que os patrocínios se deram a intervalos periódicos e relativamente constanres.

Ainda na seara do nexo de causalidade do crime continuado, restam,também, comprovados, os requisitos de condições de lugar, maneira e contexto deexecução, vez que o modus operandi e as circunstâncias de ocorrência foram, no caso,praticamente idênticos.

3 HUNGRIA, Nélson Comentários Código Penal. Rio de Janeiro, Forense.

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Diante disso, deve ser reformada a sentença objeto do presente recursopara, excluindo a aplicação do art. 69 do CP (concurso material de crimes), manter acondenação do réu pela prática do delito previsto no art. 321, caput, do CP, aplicando-se, na terceira fase da dosimetria da pena, a causa de aumento referente à continuidadedelitiva, vez que as circunstâncias fáticas narradas nos autos possibilitam a perfeitaincidência das disposições normativas constantes do art. 71 do Diploma Penal Pátrio.

III – DA PRÁTICA DO CRIME DE ADVOCACIA ADMINISTRATIVA NAFORMA QUALIFICADA (art. 321, parágrafo único, do Código Penal)

Por fim, é necessário salientar que há, também, nos autos, provassuficientemente robustas para manter a condenação do réu, nos termos da sentença, pelaprática do crime de advocacia administrativa em sua forma qualificada, nos termos doparágrafo único do art. 321 do CP, que estabelece (sem grifos no original):

Art. 321 - Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante aadministração pública, valendo-se da qualidade de funcionário:Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.Parágrafo único - Se o interesse é ilegítimo:Pena - detenção, de três meses a um ano, além da multa.

A forma qualificada do crime de advocacia administrativa evidencia apreocupação do legislador em punir com um maior grau de severidade o patrocínio,perante a Administração Pública, de interesses contrários à ordem jurídica.

Trata-se, na verdade, de uma decorrência lógica da forma prevista nocaput do art. 321, vez que, se já constitui crime o patrocínio, junto à Administração, deinteresse eminentemente privado, seja este legítimo ou não, é evidente que o patrocíniode interesse que, além de privado, exala ilegitimidade, merecerá, por parte do Direito,uma maior reprimenda.

No caso, verificou-se o interesse ilegítimo quando, em 28/07/2009, oapelante patrocinou, perante a Policia Federal, a liberação do caminhão de IVONILDO,que, em razão de traficar com uma série de irregularidades, havia recebeu seis multas efoi apreendido pela autoridade policial.

O apelante entrou em contato com o policial JOAO MICENO, com quemtinha relação de amizade, e articulou a liberação do referido veículo, consoante sedepreende dos trechos de diálogos abaixo transcritos (fls. 31/34 – Apenso 3 - sem grifosno original):

“DIA 28/07/2009 (10:36:55) – DIÁLOGO TELEX X IVONILDO

IVO: Teles!TE: Oi.IVO: Ivonildo, macho.TE: Diz aí Ivonildo Macho.

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[...]IVO: Rapaz, meu TIM ta (sic) no prego macho e eu tô (sic) precisando falarcontigo urgente, prenderam meu caminhão acolá, a porra (sic) da 020TE: HumIVO: Tá lá. No POSTO DA RODOVIÁRIA oh!TE: Da onde é (sic)?IVO: Ta lá no POSTO DE RODOVIÁRIA, lá na 020 pro acolá.TE: Sim, mas o que foi?IVO: Rapaz, um bocado de coisa, o motorista não tem carteira, tacógrafo, numsei o quê, num sei o quê, o cara tirou seis multa (sic)[...]TE: Ele vai buscar pra te (sic) lá porra (sic)... e eu ligo pro pessoal liberar.IVO: Rapaz é foda viu, eu perdi um temop medonho macho...

DIA 28/07/2009 (10:55:18) DIÁLOGO TELES X IVONILDOTE: Sou eu macho.IVO: Diga meu filho.TE: Manda a pessoa procurar, manda motorista procurar LUCIANO... láIVO: Foi ele que prendeu foi?[...]TE: Por que... é! Disse que manda-se (sic) com certeza que ele entregava... eu jápedi uma pessoa pra ligar pra ele, que eu num conheço ele... aí, o, o, o, porcoincidência veio uma pessoa aqui falar comigo hoje, que é da POLÍCIARODOVIÁRIA, aí ele falou, liguei pra ele, aí ele ligou pra lá falou com esseLUCIANO COUTINHO e ele, disse aí pediu que você manda-se um motoristaque libera o carro.

DIA 28/07/2009 (11:05:45) DIÁLOGO TELES X IVONILDOIVO: Vou deixar pra pegar o caminhão bem cedinho láTE: Tá certo, ta bom...IVO: Sabe porque...TE: Agora tem um detalhe preste atenção... o cara deve sair hoje do plantão deleme, e bom você dá uma ligadinha pra ele, dizer oh rapaz, eu sou o rapaz dono docaminhão, que MICENO falou pra você, eu queria dizer pra você que tô semcondições de ir agora... por causa da minha empresa é, é to muito ocupado aqui.IVO: Não, eu vou arrumar um motorista com carteira...TE: Pois é, aí você fala com ele, pra, pra quem que você vai procurar amanhã eaté que horas, ligue logo pra ele lá!”

É válido, ainda, salientar que o apelante, ao prestar declarações perante aautoridade policial (fls. 11/23 – Apenso 2), forneceu alguns detalhes acerca das infraçõesque deram causa à apreensão do carro de IVONILDO, consoante se depreende do queabaixo se transcreve (sem grifos no original):

“... QUE inclusive se recorda que IVANILDO disse ao declarante que odocumento somente poderia ser retirado com a apresentação do caminhão aoPosto da Polícia Rodoviária da Caucaia, uma vez que o referido caminhão estavacom o vidro quebrado antes mesmo da apreensão pela PRF; QUE o responsávelpelo posto de CAUCAIA disse que somente devolveria o documento do caminhãose IVANILDO consertasse o vidro do caminhão.”

O Código de Trânsito Brasileiro, em seu art. 162, estabelece que constituiinfração de trânsito:

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Art. 162. Dirigir veículo:I - sem possuir Carteira Nacional de Habilitação ou Permissão para Dirigir:

Infração - gravíssima;Penalidade - multa (três vezes) e apreensão do veículo.

Já o art. 230 do mesmo diploma legal preceitua que (sem grifos nooriginal):

Art. 230. Conduzir o veículo:XVIII - em mau estado de conservação, comprometendo a segurança, oureprovado na avaliação de inspeção de segurança e de emissão de poluentes eruído, prevista no art. 104Infração - grave;Penalidade - multa;Medida administrativa - retenção do veículo para regularização;

Do exame dos autos, vê-se que o veículo apreendido recebeu seis multas,dentre as quais se destacam uma em razão de estar o então condutor dirigindo semcarteira de habilitação e outra pelo do fato de que o referido veículo estava trafegandoem estado de conservação incompatível com as determinações da legislação pertinentes àmatéria.

Veja-se que, consoante a legislação de trânsito, o aludido veículo nãopoderia ser liberado até que fossem sanadas as irregularidades que deram causa àapreensão, sobretudo aquelas referentes ao mau estado de conservação, o qual acarretasituação de perigo não só para o próprio condutor, mas também para os demaismotoristas e pedestres.

Diligenciar no sentido de obter a liberação de tal veículo, portanto,macula de ilegitimidade o interesse eminentemente privado patrocinado pelo apelanteperante a Administração Pública, razão pela qual resta devidamente configurado osuporte fático referente à prática do crime de advocacia administrativa em sua formaqualificada, nos termos do parágrafo único do art. 321 do CP.

IV – DA DOSIMETERIA DA PENA

IV.1 – VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL (art. 325 do Código Penal)

O art. 325 do Código Penal comina pena de detenção de seis meses adois anos, ou multa, quando constatada a prática da conduta de violação de sigilofuncional. Em atendimento ao sistema trifásico, e diante da ausência de recurso deapelação por parte do Ministério Público, fixo, na primeira fase da dosimetria da pena, apena-base no mínimo legal, ou seja, em seis meses de detenção.

Ausentes circunstâncias agravantes e atenuantes.

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Na terceira fase da dosimetria, deve ser aplicada a causa de aumento depena referente à continuidade delitiva, nos termos do art. 71 do CP, pelo que aumento apena em 1/2, tornando-a definitiva em nove meses de detenção.

IV.2 – ADVOCACIA ADMINISTRATIVA (art. 321 do Código Penal)

O art. 321 do Código Penal comina pena de detenção de um a três meses,ou multa, quando constatada a prática da conduta advocacia administrativa. Ematendimento ao sistema trifásico, e diante da ausência de recurso de apelação por partedo Ministério Público, fixo, na primeira fase da dosimetria da pena, a pena-base nomínimo legal, ou seja, em um mês de detenção

Ausentes circunstâncias agravantes e atenuantes.

Na terceira fase da dosimetria, deve ser aplicada a causa de aumento depena referente à continuidade delitiva, nos termos do art. 71 do CP, pelo que aumento apena em 1/2, tornando-a definitiva em um mês e quinze dias de detenção.

IV.3 – ADVOCACIA ADMINISTRATIVA NA FORMA QUALIFICADA(art. 321, Parágrafo único, do Código Penal)

O parágrafo único do art. 321 do Código Penal comina pena de detençãode três meses a um ano, além de multa, quando constatada a prática da condutaadvocacia administrativa em sua modalidade qualificada. Em atendimento ao sistematrifásico, e diante da ausência de recurso de apelação por parte do Ministério Público,fixo, na primeira fase da dosimetria da pena, a pena-base no mínimo legal, ou seja, emtrês meses de detenção mês de detenção e ao pagamento de 10 dias-multa.

As condições econômicas do apelante, consideradas boas com base noselementos probatórios trazidos aos autos, justificam a imposição de um patamar maiselevado a título de dia-multa, razão pela qual o valor de cada um será equivalente, nostermos da sentença, a 1/3 (um terço) do salário mínimo vigente à época dos fatosgeradores da condenação.

Ausentes circunstâncias agravantes e atenuantes.

Não verifico a presença de causas de aumento ou de diminuição da pena,pelo que torno definitiva a sanção penal a ser ao apelante cominada em três meses dedetenção mês de detenção e ao pagamento de 10 dias-multa.

Pelo concurso material (art. 69 do CP), a soma das penas privativas deliberdade atinge o patamar de um ano, um mês e quinze dias de detenção, a sercumprida em regime inicial aberto (art. 36 do CP), além do pagamento de 10 dias-

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multa no valor unitário de 1/3 (um terço) do salário mínimo vigente à época dosfatos geradores da condenação.

Presentes os requisitos do art. 44 do CP, determino a substituição da penaprivativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes na prestaçãode serviços à comunidade ou entidades públicas (inciso IV do art. 43 do CP) e nopagamento de prestação pecuniária (inciso I, do art. 43 do CP) no valorcorrespondente a quatro vezes o salário mínimo vigente à época dos fatos geradores dacondenação.

Como efeito da condenação, mantenho a decretação da perda do cargopúblico, nos termos da alínea “a”, do inciso I, do art. 92 do CP, que estabelece (semgrifos no original):

Art. 92 - São também efeitos da condenação:(Redação dada pela Lei nº 7.209, de11.7.1984)I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: (Redação dada pela Leinº 9.268, de 1º.4.1996)a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a umano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com aAdministração Pública;

Como razões complementares à decisão, adoto o acertado e idôneoposicionamento do Juízo sentenciante, nos termos do que abaixo se transcreve:

“O conjunto probatório da presente ação penal, associado às circunstâncias emque se deram os fatos, demonstra de forma cristalina que Marcílio Teles,possuidor de um cargo público de alta relevância À sociedade (Polícia Federal),utiliza-o de forma contumaz para cometer delitos, promover ‘favores’ em busca devotos, conforme ele mesmo afirmou (que costuma fazer favores, ‘e os faz porque épolítico em sua cidade’). Ressalte-se que esses favores são prestados a ‘amigos’,políticos famosos (Deputado Estadual Fernando Hugo, Deputado Federal AníbalFerreira Gomes, Eugênio Rabelo, Prefeito do Eusébio/CE, de Pacajú/CE etc.),grandes empresários (Francisco Claudio Saraiva Leão Dias Branco, Antônio Joséde Freitas Melo – Normatel etc.), servidores de outros órgãos, como, por exemplo,da Polícia Rodoviária Federal, enfim, Marcílio Teles usa seu cargo de PolicialFederal de forma desvirtuada, para a satisfação de seus interesses particulares,em detrimento do interesse público. Utiliza-se do cargo, inclusive, para ‘arranjar’empregos para os filhos, quer na Prefeitura do Eusébio/CE, quer em grandesempresas (em troca de favores com empresários)(...)O mais grave, porém, diz respeito à traição do réu em relação à instituição que otem como servidor há anos e que durante todo esse tempo pagou seu salário ecolaborou para forma sua identidade, circunstâncias estas desprezadas pelo réu. Arevelação dos segredos profissionais que detinha indica não apenas o cometimentodo fato típico em si e de gerar prejuízos evidentes às investigações, mas revelapouco caso com os demais colegas de profissão, não sendo demais esclarecer quedivulgações de diligências de busca e apreensão e prisões tem o poder de exporpoliciais federais a verdadeiros riscos de vida”

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Destarte, deve ser mantida, nos termos da sentença proferida pelo Juízooriginário, a perda do cargo de Agente de Polícia Federal, matrícula 2669, exercido peloapelante MARCÍLIO TELES DE QUEIROZ.

Ressalto, por fim, que a incidência do efeito extrapenal específicodisposto no artigo 92, I, “a”, do CP, nada tem a ver com a efetiva execução de penaprivativa de liberdade, mas com sua "aplicação" por tempo igual ou superior a um ano,nos crimes ali definidos, subsistindo, assim, a perda do cargo, ainda que tenha havidosubstituição da pena corporal.

Isto posto, dou parcial provimento à apelação do réu para, mantida acondenação, determinar:

a desclassificação do delito previsto no § 2º do art. 325 do CP para oa)art. 325, caput do mesmo diploma legal;

a substituição do concurso material (art. 69) pela continuidade delitivab)(art. 71 do CP) no que se refere à prática dos delitos de violação desigilo funcional (art. 325, caput, do CP) e advocacia administrativa(art. 321, caput, do CP).

Mantidos os demais termos da sentença.

É como voto.

JUIZ FRANCISCO CAVALCANTIRelator

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 9208 CE (0004032-70.2010.4.05.8100)APTE : MARCILIO TELES DE QUEIROZADV/PROC : ANTONIO AZEVEDO VIEIRA FILHO E OUTROSAPDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALORIGEM : 11ª VARA FEDERAL DO CEARá (PRIVATIVA EM MATéRIAPENAL) - CERELATOR : JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI - Primeira Turma

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA AADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL (ART.325, CAPUT, DO CP). ADVOCACIA ADMINISTRATIVA (ART. 321,CAPUT, E PARÁGRAFO ÚNICO DO CP). PRELIMINAR.INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. PRORROGAÇÕES NECESSÁRIAS ÀINSTRUÇÃO CRIMINAL. FUNDAMENTAÇÃO. REQUISITOPREENCHIDO. AUSÊNCIA DE NULIDADE.1. A interceptação telefônica foi autorizada para que melhor pudesse ser apuradaa responsabilidade das pessoas envolvidas na empreitada criminosa narrada nadenúncia. O pedido de quebra do sigilo telefônico do réu, atendeu a todos osrequisitos legais pertinentes a matéria.2. Os pedidos de prorrogação da referida diligência foram deferidos em decisõesdevidamente fundamentadas. É pacífica a jurisprudência pátria ao afirmar que olapso temporal previsto no art. 5º da Lei Nº 9.296/96 não é taxativo, podendo,assim, ser prorrogado quando estritamente necessário à realização dasinvestigações policiais, desde que em decisão fundamentada. Preliminarrejeitada.MÉRITO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS.DOSIMETERIA DA PENA. CONTINUIDADE DELITIVA. PERDA DOCARGO PÚBLICO (ART. 92, I, “a” do CP)3. Apesar de ter sido condenado pela prática do crime de violação de sigilofuncional em sua forma qualificada (§2º do art. 325 do CP), não há prova de quea conduta do réu ocasionou prejuízo para a Administração Pública. A ocorrênciade dano não pode ser presumida, como no caso, razão pela qual a condenaçãopela prática do crime de violação de sigilo funcional deve se dar na forma do art.325, caput, do CP.5. Há provas suficientes da autoria e da materialidade delitiva das condutas deviolação de sigilo funcional (art. 325, caput, do CP) e de advocacia administrativa(art. 321, caput, e parágrafo único do CP).6. O conjunto probatório da presente ação penal demonstra de forma cristalinaque o apelante, na condição de Agente da Polícia Federal, valia-se do cargo paraa prática de delitos funcionais para a satisfação de interesses de particulares, emdetrimento do interesse público.7. Os delitos de violação de sigilo funcional (art. 325 do CP) e de advocaciaadministrativa (art. 321, caput, e parágrafo único do CP) não foram cometidos

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em concurso material (art. 69 do CP), mas sim, em continuidade delitiva, dianteda presença dos requisitos elencados no art. 71 do CP.8. Atendidos os requisitos previstos na alínea “a”, do inciso I, do art. 92 do CP,deve ser mantida a decretação da perda do cargo público ocupado pelo apelante.9. Apelação parcialmente provida, para, mantida a condenação, determinar adesclassificação do delito previsto no § 2º do art. 325 do CP para o art. 325,caput do mesmo diploma legal e a substituição do concurso material (art. 69) pelacontinuidade delitiva (art. 71 do CP) no que se refere à prática dos delitos deviolação de sigilo funcional (art. 325, caput, do CP) e advocacia administrativa(art. 321, caput, do CP).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os presentes autos, DECIDE a Primeira Turma do TribunalRegional Federal da 5ª Região, por maioria, dar parcial provimento à apelação, nos termos dorelatório e voto anexos, que passam a integrar o presente julgamento.

Recife, 08 de maio de 2014.

JUIZ FRANCISCO CAVALCANTIRelator

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