APEGO POSITIVO EM CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE ...ter me blindado de tantas situações desagradáveis...

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UniSALESIANO Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium Curso de Psicologia Caroline Pereira da Silva Mariana Pivato da Rocha Galenti APEGO POSITIVO EM CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE ACOLHIMENTO: PERSPECTIVA A PARTIR DO VÍNCULO AFETIVO COM OS CUIDADORES LINS SP 2018

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UniSALESIANO

Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium

Curso de Psicologia

Caroline Pereira da Silva

Mariana Pivato da Rocha Galenti

APEGO POSITIVO EM CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE

ACOLHIMENTO: PERSPECTIVA A PARTIR DO

VÍNCULO AFETIVO COM OS CUIDADORES

LINS – SP 2018

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CAROLINE PEREIRA DA SILVA

MARIANA PIVATO DA ROCHA GALENTI

APEGO POSITIVO EM CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE ACOLHIMENTO:

perspectiva a partir do vínculo afetivo com os cuidadores

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium, graduação em Psicologia, sob a orientação da Prof.ª Esp. Melissa Fernanda Fontana e orientação técnica da Profª Ma. Jovira Maria Sarraceni.

LINS – SP 2018

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Silva, Caroline Pereira da. Galenti, Mariana Pivato da Rocha. Apego positivo em crianças em situação de acolhimento: perspectiva a partir do vínculo afetivo com os cuidadores / Caroline Pereira da Silva; Mariana Pivato da Rocha Galenti. – Lins-SP, 2018.

107p. il. 31cm. Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico

Salesiano Auxilium – UniSALESIANO, Lins-SP, para graduação em Psicologia, 2018.

Orientadores: Jovira Maria Sarraceni; Melissa Fernanda Fontana

1. Institucionalização. 2.Casa Lar 3.Instituição de Acolhimento 4.Apego Positivo. 5. Cuidadores. I Título.

CDU 159.9

S579a

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Nenhuma forma de comportamento é

acompanhada por sentimento mais forte do que o

comportamento apego. As figuras para os quais

ele é dirigido são amadas, e a chegada delas é

saudada com alegria.

Johh Bowlby in Apego: A natureza do vínculo

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que de alguma forma estiveram presentes nesta etapa de grande

importância em minha vida. A começar por Deus, que em todo esse tempo de

graduação me deu discernimento e sabedoria para enfrentar todos os desafios. À

minha família, que esteve sempre presente em todos momentos da graduação,

agradeço também por me fortalecerem quando eu queria desistir e por me dar todo

apoio em tudo que realizei até aqui. Agradeço a todos os professores que com

sabedoria partilharam os seus conhecimentos, a fim de nos transformarem em

profissionais excelentes. Com um sentimento de gratidão, à minha orientadora

Melissa que com toda a sua experiência na área escolhida para realização do nosso

trabalho contribui de forma grandiosa em nossa pesquisa e execução desse projeto.

Agradeço também aos responsáveis da Instituição Casa Lar de Lins que nos deu total

abertura e apoio para a realização deste trabalho.

Caroline Pereira da Silva

Agradeço às pessoas queridas que estiveram presentes e deram muito de si para que

esse meu sonho pudesse ser realizado. A começar por Deus que colocou essas

pessoas maravilhosas em meu caminho, por ter me fortalecido a cada dia, por ter me

dado saúde, força e direcionamento para concluir mais esta etapa de minha vida. Na

sequência agradeço de coração ao meu querido marido Walter por todo apoio e por

ter me blindado de tantas situações desagradáveis para eu pudesse dar continuidade

ao meu curso. Ao meu filho Waltinho, pela compreensão da minha tão frequente

ausência nesses 5 anos. Agradeço também aos meus pais, Regina e Sidnei, a minha

sogra Ana Maria e ao meu sogro Benedito, por toda a dedicação para cuidarem do

meu filho enquanto eu estava ausente durante incontáveis noites, a minha cunhada

Camila e ao meu cunhado Wagner por terem me socorrido por vários sábados nos

primeiros anos de curso e a minha ajudante Sirleide, por ter cuidado tão bem da minha

casa enquanto eu me dedicava ao curso de Psicologia. Envio um agradecimento

carinhoso à minha orientadora Melissa pelo seu empenho, aos responsáveis pela

Casa Lar Abrigo de Lins por me atenderam prontamente sempre que precisei e a todos

aqueles que de alguma forma me ajudaram para que fosse possível trilhar essa

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caminhada. Quero agradecer, também, a todos os meus professores do curso que

direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste projeto.

Mariana Pivato da Rocha Galenti

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RESUMO

O presente trabalho buscou verificar as possibilidades do estabelecimento de apego positivo em crianças institucionalizadas, tendo como respaldo uma pesquisa sob a perspectiva da vinculação entre as crianças e seus cuidadores. Participaram do estudo, 4 crianças (duas duplas de irmãos), com idades compreendidas entre 5 e 10 anos. Foram entrevistados três cuidadores, um assistente social e uma psicóloga. O trabalho foi dividido em três etapas: inicialmente, explorou-se a história da institucionalização no Brasil, mostrando como as mudanças que aconteceram ao longo dos tempos são atravessadas por processos históricos, sociais e políticos, apontando, para tanto, os efeitos da implementação da medida de proteção de abrigo pós-ECA e o seu impacto no modo de acolhimento atualmente conhecido por Casa Lar Abrigo. Na sequência, foi abordada a teoria do apego de acordo com John Bowlby, Donald Woods Winnicott e Mary Ainsworth entre outros autores, e foi apresentada, no final do trabalho, uma pesquisa de campo realizada na Casa Lar Abrigo de Lins. Essa pesquisa de campo consistiu em entrevista semi-estruturada com a psicóloga e assistente social responsáveis pela instituição, com os cuidadores, análise dos prontuários e observação das crianças com os cuidadores e demais moradores. A pesquisa possui caráter qualitativo. Utilizaram-se como meios para fundamentar o estudo, os modelos de pesquisas, bibliográfica, que utiliza estudos já realizados, exploratória, visando maior conhecimento sobre o assunto abordado e a descritiva, levando a observação da análise, estabelecendo os fatos sem manipulá-los. Os dados coletados foram, analisados através do método de Bardin (1977) e contou com o referencial teórico psicanalítico. A partir desse trabalho de pesquisa foi possível compreender melhor os efeitos das mais variadas privações vivenciadas pelas crianças institucionalizadas bem como averiguar a importância do abrigamento e dos cuidadores na vida de cada um dos moradores da Casa Lar Abrigo de Lins.

Palavras chave: Institucionalização. Casa Lar. Instituição de acolhimento. Apego positivo. Cuidadores.

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ABSTRACT

The present study sought to verify the possibilities of establishing positive attachment in institutionalized children, with the support of a research from the perspective of the relationship between children and their caregivers. Four children (two sibling pairs) aged between 5 and 10 years participated in the study. Three caregivers, a social worker and a psychologist were interviewed. The project was divided into three stages: initially, the history of institutionalization in Brazil was explored, showing how the changes that have occurred over the time are crossed by historical, social and political processes, pointing to the effects of the implementation of the post-ECA shelter protection measure and its impact on the shelter mode currently known as Casa Lar Abrigo. Next, the attachment theory was approached according to John Bowlby, Donald Woods Winnicott and Mary Ainsworth among other authors, and at the end of the study, a field survey that took place at Lins Casa Lar Abrigo was presented. This part of the project consisted of a semi-structured interview with the psychologist and the social worker, both responsible for the institution, and with the caregivers; an analysis on the files of the 4 children who were observed in this project and also an observation of the relationship among those four children, their caregivers and the other residents. The research has a qualitative nature. The means used to support this study consisted in the following research models: bibliographical, that uses studies already carried out; exploratory, aiming a greater knowledge of the subject addressed; and descriptive, leading to an observation of the analysis, establishing facts without manipulating them. The collected data were analyzed using the Bardin method (1977) and counted on the theoretical psychoanalytic reference. From this research work on, a better understanding of the most varied deprivations experienced by institutionalized children was possible, as well as to ascertain the importance of shelter and caregivers in the life of each of the residents of Lins Casa Lar Abrigo Keywords: Institutionalization. Casa Lar. Host institution. Positive attachment. Caregivers.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: tipos de instituições no Brasil....................................................................20

Quadro 2: Motivos do abrigamento de crianças e adolescentes.................................21

Quadro 3: Identificação dos cuidadores......................................................................55

LISTA DE SIGLAS

ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente

PNBEM: Política Nacional de Bem-Estar do Menor

FUNABEM: Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor

SEDH: Secretaria Especial dos Direitos Humanos

SPDCA: Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente

CONANDA: Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente

CNAS: Conselho Nacional de Assistência Social

CRAS: Centro de Referência de Assistência Social

CAPS: Centro de Atenção Psicossocial

TA: Teoria do Apego

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11

CAPÍTULO I - INSTITUCIONALIZAÇÃO.................................................................. 16

1 A HISTÓRIA DA INSTITUCIONALIZAÇÃO NO BRASIL...................................... 16

1.1 A institucionalização a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ... 22

1.2 Serviço de acolhimento Casa Lar ........................................................................ 26

CAPÍTULO II - A TEORIA DO APEGO .................................................................... 29

1 AS ORIGENS DA TEORIA DO APEGO ................................................................ 29

1.1 Conceitos básicos e desenvolvimento do apego ................................................. 31

1.2 Crianças em situação de abrigo e o vínculo afetivo com seus cuidadores.......... 40

CAPÍTULO III - A PESQUISA REALIZADA NA CASA LAR DE LINS .................... 44

1 METODOLOGIA DE PESQUISA ........................................................................... 44

2 PROCEDIMENTO .................................................................................................. 44

3 RESULTADOS, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ......................... 46

4 PARECER FINAL .................................................................................................. 64

PROPOSTA DE INTERVENÇÃO.............................................................................. 61

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 69

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 72

APÊNDICES ............................................................................................................. 77

ANEXOS ................................................................................................................. 104

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INTRODUÇÃO

O tema desta pesquisa, apego positivo em crianças institucionalizadas, surgiu

como relevante e motivador para as autoras deste trabalho depois de terem atuado

como estagiárias em escolas e instituições públicas. Nesses estágios, notou-se que

grande parte das crianças haviam sido afastadas do convívio familiar total ou

parcialmente ou sofriam de privação, em níveis variados, dos cuidados de mãe ou

mesmo da mãe substituta. Percebeu-se, nessas crianças, uma grande dificuldade de

criação de vínculo e de apego, bem como grande prejuízo sócio emocional, uns em

grau mais acentuado, outros, mais leves. Buscou-se, então, com esse trabalho,

averiguar se as crianças institucionalizadas conseguem ou não desenvolver apego

positivo pelos seus cuidadores.

Para tanto, as autoras viram-se interessadas em aprofundar os estudos sobre

apego positivo, e relacioná-lo com as informações obtidas na Casa Lar de Lins, cujo

serviço é direcionado a crianças e adolescentes do Município de Lins na faixa etária

de 0 a 18 anos incompletos, afastados do convívio familiar por meio de medida

protetiva, vítimas de violação de direitos ocasionados em grande parte por: violência,

negligência, abandono, falta de cumprimento do dever de sustentação, guarda e

educação dos filhos, conforme preconizado pelo artigo 22 do Estatuto da Criança e

do Adolescente (ECA).

A história das crianças em situação de abrigo tem algo em comum: todas

sofreram violação de seus direitos e, por terem sido afastadas do convívio familiar,

passaram a ter na instituição abrigo sua casa, e os cuidadores passaram a

desempenhar a função de pais.

Siqueira e Dell’Aglio (2006) ressaltam que a instituição de abrigo para as

crianças e adolescentes passa a ser a fonte de apoio social mais próxima e organizada

e acaba por desempenhar um papel essencial para o seu desenvolvimento, capaz de

proporcionar uma expansão do mundo social das crianças e adolescentes abrigados

a partir da convivência desses com seus cuidadores.

Mas para que o resultado dessa interação entre crianças afastadas do convívio

familiar e abrigo seja satisfatório, é necessário que a instituição forneça recursos para

que essas crianças abrigadas enfrentem os eventos negativos provenientes tanto de

suas famílias quanto do mundo externo, além de proporcionarem modelos

identificatórios positivos, segurança e proteção. (SILVA; GERMANO, 2015)

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Autores como Bowlby, Winnicott e Ainsworth, utilizados nessa pesquisa e

ligados à abordagem psicanalítica, produziram obras de grande importância para a

compreensão de como se consolida o vínculo afetivo na vida do ser humano, bem

como os efeitos perniciosos na vida daqueles que sofreram de privação em seus

variados níveis. Apresentam-se a seguir algumas dessas ideias que serviram de base

para esta pesquisa.

Paiva (2015) explica que quando a relação e o cuidado materno estabelecidos

nos primeiros anos de vida, que são essenciais para assegurar a saúde mental do

bebê, são favoráveis, esse bebê amplia sua habilidade de estabelecer

relacionamentos saudáveis e de desenvolver sentimentos. “A qualidade do contato

com a figura materna influenciará fortemente as imagens e as ideias sobre o mundo

externo que serão criadas e sedimentadas na estrutura psíquica.” (JUSTO;

BUCHINERI, 2010, p. 119).

Mas se o contrário permear na vida do indivíduo e ao invés de cuidados

adequados, ele passar por privação, que pode ser de grau parcial ou total, várias

consequências surgirão ao longo de sua vida. Bowlby (2002), aponta que os efeitos

perniciosos da privação variam de acordo com o seu grau. Caso passe pela privação

parcial, o indivíduo sofrerá de angústia, uma exagerada necessidade de amor, fortes

sentimentos de vingança e, em consequência, culpa e depressão. Na privação total,

os efeitos têm maiores impactos sobre o desenvolvimento da personalidade, podendo

acabar totalmente com a capacidade de estabelecer relações com outras pessoas.

Segundo Justo e Buchineri, (2010, p. 119), “os quadros mais graves, como as

psicoses infantis, estão relacionados com privação”.

Diante dessas informações, esta pesquisa visa ser útil e relevante à instituição

Casa Lar de Lins, ao passo que, depois de finalizada, poderá trazer maior

conhecimento aos cuidadores sobre a importância dessa instituição na vida dessas

crianças, aos administradores da instituição Casa Lar de Lins, que poderão fazer uso

das informações e conclusões aqui contidas para lhes ajudar a fazer mudanças que

sejam relevantes ao bem estar físico e emocional dessas crianças enquanto

moradoras do abrigo, bem como no preparo delas e de suas famílias, para que tenham

a chance de se compreenderem e, caso essas voltem a reaver a guarda de seus filhos,

para que saibam lidar com comportamentos inesperados.

Poderá ser útil, também, a futuros pesquisadores que queiram se aprofundar

no tema aqui abordado, famílias adotantes e à sociedade, que poderá compreender

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melhor a importância de uma casa lar abrigo.

O trabalho está desenvolvido em três capítulos. Depois da introdução, o

capítulo um teve como objetivo abordar a história das instituições no Brasil e mostrar

o que esse percurso proporcionou para o conceito de acolhimento nos dias de hoje.

No capítulo dois expõe-se a teoria do apego, usando como base autores de referência

como John Bowlby, Donald Woods Winnicott e Mary Ainsworth.

No capítulo três apresenta-se a pesquisa de campo realizada na Casa Lar Abrigo de

Lins, feita com o intuito de verificar se essas quatro crianças observadas, cujas idades

variam de 5 a 10 anos conseguem, com base na relação estabelecida com seus

cuidadores, desenvolver o apego positivo por eles. Todas as quatro crianças

apresentam dificuldade de aprendizado, mau comportamento escolar e, em alguns

momentos, fortes explosões de raiva na escola ou no acolhimento. Três delas fazem

uso de medicamento para melhorar a atenção, o aprendizado escolar e diminuir a

agitação. A única criança não medicada tem apenas 5 anos e por esse motivo não

recebe ajuda medicamentosa, segundo a psicóloga e a assistente social. Duas dessas

quatro crianças (uma dupla de irmãos) foram devolvidos 6 vezes por casais adotantes

e apresentam, além das dificuldades já apontadas, também na motricidade e na fala.

Essa pesquisa foi desenvolvida por meio de entrevistas com os cuidadores, a

psicóloga e a assistente social da casa e, ainda, por meio de conhecimento do

prontuário das crianças e observação delas.

Foi possível verificar, a partir das pesquisas realizadas nesse trabalho, que

existem alguns fatores que interferem diretamente na qualidade da relação entre

crianças e seus cuidadores. Esses fatores podem ser tanto internos – vivências,

internalizações e nível de resolução dos conflitos internos – quanto externos, que são

as regras impostas pela institucionalização – horário de trabalho dos cuidadores,

número de moradores da instituição, existência ou não de apoio psicológico para os

cuidadores, rotatividade de cuidadores –, para citar os mais marcantes. Ressalta-se

que um cuidador que tenha condições de dar às crianças e adolescentes abrigados

um acolhimento de forma contínua e intensa proporcionará a eles chances de

cicatrizar parte da ferida causada pelas vivências emocionais de abandono a partir do

desenvolvimento do apego positivo nessa relação criança/adolescente e cuidador.

Considerando a visão do cuidador em relação ao apego positivo em crianças

em situação de acolhimento, usou-se como referencial teórico a abordagem

psicanalítica. Psicanálise é um campo clínico e de investigação teórica

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da psique humana e que tem origem na Medicina. Para Figueiredo (2004, p.81), a

psicanálise é “o feliz encontro entre as ferramentas conceituais do analista – pulsão e

objeto, por exemplo – e as contingências de uma história, produzindo um caso e, no

melhor dos casos, um novo sujeito”. Buscou-se, neste trabalho, verificar a

possibilidade de formação de vínculos das crianças acolhidas com os seus

cuidadores. Para tanto, foi feito um levantamento da história da institucionalização no

Brasil, análise da teoria do apego na visão dos autores Bowlby (1989, 2002, 2004),

Winnicott (1996), Ainsworth (1962, 1978), entre outros, e por fim, buscou-se conhecer

a história de vida das crianças institucionalizadas citadas nesse projeto.

Para o levantamento desses dados, utilizou-se a pesquisa qualitativa, que é

aquela capaz de incorporar a questão do significado e da intencionalidade como

inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais (BARDIN, 1977). Buscou-se

através deste método de pesquisa, captar por meio do estudo o fenômeno a

perspectiva dos indivíduos nele envolvidos, considerando-se todos os pontos como

relevantes.

A pesquisa teve cunho bibliográfico, elaborada por materiais já publicados,

como livros, jornais, teses, dissertações e anais de eventos científicos. Como

proposito geral para pesquisa utilizou-se o método descritivo que, segundo Gil (2017),

tem como objetivo descrever as características de determinada população. Tem

também caráter exploratório, por buscar conhecer o assunto com maior profundidade,

tornando-o mais claro e construindo questões importantes para o desenvolvimento da

pesquisa.

A Teoria do Apego evidencia a importância da ligação emocional que se

desenvolve entre o bebê e a figura materna (mãe ou mãe substituta), entendida como

aquela pessoa que desempenha regular e constantemente o cuidado com o bebê e

na qual ambos encontrem satisfação e prazer. A criança passa a desenvolver apego

em relação a essa figura, sente-se segura e protegida. Essa ligação é importante para

orientar o desenvolvimento afetivo, cognitivo e social dessa criança e o apego torna-

se a base para a identificação e a determinação de relações posteriores duradouras

e mútuas.

Conforme a criança cresce, ela começa a passar por experiências que

desenvolverão seu lado emocional e que a constituirão como indivíduo saudável,

porém, concomitantemente a esse crescimento, essas mesmas crianças passarão por

experiências como as rupturas de vínculos, que são inevitáveis, embora haja a

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possibilidade de crescimento, ainda que a formação de novos laços afetivos dependa

de como essas experiências de ruptura forem vivenciadas e elaboradas (LEWIS,

2000, apud DALBEM, DELL’AGLIO, 2005).

No caso de crianças observadas, que foram vítimas de privações das mais

variadas formas e tiveram, portanto, seus direitos violados, poderão ser levadas à

Casa Lar, que é uma instituição de abrigo. Lá, terão os cuidados de pais/mães sociais

que estarão numa posição de quem representa uma figura de referência que

favorecerão a construção do vínculo afetivo dessas crianças.

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CAPÍTULO I

INSTITUCIONALIZAÇÃO

1 A HISTÓRIA DA INSTITUCIONALIZAÇÃO NO BRASIL

A institucionalização tem emergido como uma medida alternativa de prestação

de cuidados em percursos de vida marcados por diversas situações adversas

associadas à orfandade, maus-tratos, negligência e/ou abandono.

Os abrigos ou orfanatos, educandários e casas-lares são locais para onde vão

crianças e adolescentes que correm algum risco por não serem cuidados

adequadamente ou mesmo quando são abandonados por seus responsáveis. Essas

instituições são responsáveis por zelar pela integridade física e emocional dessas

crianças e adolescentes. (SILVA; AQUINO, 2005).

Rizzini e Rizzini (2004) complementam dizendo que ainda hoje vão para os

abrigamentos crianças que, por motivos de descuido ou abandono, perderam ou viram

enfraquecer as relações com suas famílias ou comunidade. São direcionadas a essas

instituições, também, aquelas crianças que ora estão em suas casas, ora estão nas

ruas, ora estão nos próprios abrigos.

Quando estão abrigados, essas crianças e adolescentes ficam sob a guarda do

responsável pelo abrigo e são acompanhados pelas autoridades competentes. Para

que seus direitos sejam assegurados de acordo com a legislação brasileira, é lhes

oferecida uma atenção especial. Estão incluídos nesses direitos a convivência familiar

e comunitária. (SILVA; AQUINO, 2005).

Sabe-se que instituições como estas são procuradas quando crianças ou

adolescentes são negligenciados e têm seus direitos básicos, fundamentais para a

sobrevivência e desenvolvimento, violados. Essas instituições têm o papel de

proporcionar a esses indivíduos o que lhes foi privado.

Estudos realizados sobre a história da institucionalização no Brasil possibilitam

perceber que desde o período colonial já era possível detectar instituições que

possuíam pequenas semelhanças com as atuais, bem como outras que tinham visões

e objetivos bastante diferentes.

Para obtenção da história da institucionalização de crianças e adolescentes no

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Brasil, é possível recorrer a documentos históricos. Algumas das primeiras instituições

que surgiram no Brasil foram direcionadas aos meninos e eram de cunho educativo.

Elas foram criadas no Brasil colonial pelos jesuítas, que implantaram escolas

elementares (de ler, escrever e contar) para crianças pequenas das aldeias indígenas

e vilarejos. Criaram também colégios para a formação de religiosos e instrução

superior de filhos das camadas mais abastadas da população (RIZZINI; RIZZINI,

2004).

Outro acontecimento importante foi o sistema das Rodas dos Expostos, que

prestava atendimento de longa duração a bebês abandonados. Mesgravis (1975),

aponta que a primeira "roda" surgiu em Lisboa em meados do século XVII, porém as

municipalidades já tinham a responsabilidade de amparar os expostos conforme

regiam as Ordenações.

Ainda segundo Mesgravis (1975), a roda dos expostos era por onde frades ou

freiras recebiam cartas, alimentos, remédios e também as crianças que fossem

rejeitadas. Essa roda era um aparelho mecânico formado por um cilindro, fechado por

um dos lados, que girava em torno de um eixo, e ficava embutida nos muros dos

conventos.

A roda dos expostos recebia bebês e crianças rejeitadas por suas mães que

não queriam sofrer as injúrias de gerar um filho ilegítimo ou mesmo os filhos de mães

que não tinham condições de criá-los. Isso evitou que muitos bebês fossem

abandonados nas ruas e nas portas das igrejas (RIZZINI; RIZZINI, 2004).

No Brasil, seu surgimento foi no período colonial (séculos XIV, XV, XVI e início

do XVII), por iniciativa da Santa Casa de Misericórdia e somente extinto na República

(final do sec. XVII e início do XVIII). Posteriormente, no século XVIII, Salvador, Rio de

Janeiro e Recife instalaram as suas Casas de Expostos, que recebiam bebês

deixados na Roda, mantendo no anonimato o autor ou a autora do abandono.

(RIZZINI; RIZZINI, 2004).

Para Mesgravis (1975), as primeiras "rodas" foram instaladas em Salvador e

no Rio de Janeiro por serem, essas duas, as únicas localidades com características

urbanas e que mereciam, por isso, o nome de cidade. Durante o século XVIII, o

número de expostos cresceu bastante e eles passaram, então, a substituir o trabalho

dos índios, quase extintos, e dos negros, muito caros para a capitania que pouco

produzia para exportação.

O número de “rodas” foi aumentando com o passar dos anos. “Até o século

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XIX, outras dez Rodas de Expostos surgiram no país, tendo o sistema persistido até

meados do século XX”. (MARCILIO, 1997, p.52 apud RIZZINI; RIZZINI, 2004, p. 23).

Ainda sobre os séculos XIX e XX, Rizzini e Rizzini (2004) nos trazem que os

documentos históricos sobre a assistência à infância mostram que as famílias em

condição de pobreza ou que por algum outro motivo não tinham condições de criarem

seus filhos, ao buscarem apoio do Estado, tinham seus filhos encaminhados para

instituições, assim como acontecia com as crianças órfãs ou abandonadas.

Com esses estudos, é possível perceber que desde muito cedo existiu uma

preocupação relacionada a crianças abandonadas, ou até mesmo famílias que não

possuíam condições para criar seus filhos e acabavam por entregá-los a instituições

como estas citadas. É possível perceber, também, que essa preocupação tinha um

caráter diferente do atual, e que a mudança na atenção e cuidado com as famílias e

principalmente com as crianças e adolescentes, foi acontecendo de acordo com as

questões históricas, sociais, políticas e econômicas da época bem como as

conquistas e lutas da população.

Figueiró (2012) mostra que, a partir do século XIX, a criança deixou de ser de

interesse apenas de âmbito privado e das instituições religiosas para se tornar uma

questão de cunho social, que deveria ser administrada pelo Estado. Mostra também

que no final do século XIX, tendo o Brasil se tornado uma nação, a infância pobre

passou a ser vista como algo que requeria muito cuidado, e uma atenção especial

deveria ser voltada àqueles que possuíam o “gene da pobreza”, ou seja, crianças que

faziam parte da classe social menos favorecida.

Até o final da década de 1980, essas instituições para crianças ou adolescentes

eram denominadas de “internatos de menores” ou “orfanatos” e funcionavam nos

moldes de asilos, mesmo que a maior parte dessas crianças tivesse família.

Com o tempo, foi sendo enraizada no Brasil a “cultura da institucionalização” e

isso se deu pelo fato de que desde os anos de 1900 a internação de crianças aparece,

principalmente na literatura jurídica, como o “último recurso” a ser adotado. (PILOTTI

e RIZZINI, 1995 apud RIZZINI; RIZZINI, 2004)

Segundo Azevedo (s/d), em 12 de Outubro de 1927 foi criado O ‘Código Mello

Mattos’, pelo Decreto 17.943-A. Ele tinha 231 artigos e foi assim chamado em

homenagem a seu autor, o jurista José Cândido de Albuquerque Mello Mattos, que foi

nomeado 1° juiz de Menores do Brasil em 02 de fevereiro de 1924. Esse código foi

elaborado exclusivamente para o controle da infância abandonada e dos delinquentes

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de ambos os sexos, menores de 18 anos (art.1°). Esse foi o primeiro documento legal

a dar um tratamento mais sistemático e humanizador à criança e ao adolescente,

consolidando normas que anteriormente eram soltas e prevendo, pela primeira vez, a

intervenção do Estado na realidade da classe social menos privilegiada.

Em 1964, no mesmo ano em que ocorreu, no Brasil, o golpe civil-militar foi

estabelecida a Política Nacional de Bem-Estar do Menor (PNBEM), executada pela

Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), que existiu de 1972 a 1986

e tinha como objetivo dar atenção às crianças e aos adolescentes (FIGUEIRÓ, 2012).

Nesse período, houve o estabelecimento de leis para a regulamentação dos direitos

de criança e adolescentes, trazendo uma maior intervenção do Estado nessa questão.

A partir da década de 1980, ocorreram as principais conquistas no campo dos

direitos sociais de crianças e adolescentes no Brasil. A queda do regime militar

proporcionou uma abertura democrática que resultou em uma reforma do contexto

constitucional em 1988. Essas mudanças colocaram o país em sintonia com o que

existia de mais avançado internacionalmente, em termos de legislação de proteção a

crianças e adolescentes, o que resultou no ECA, aprovado em 1990, e que visava

uma doutrina de proteção integral (FIGUEIRÓ, 2012).

Foi a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA (Lei 8.069 de 13 de

julho de 1990), que o atendimento institucional passou por grandes mudanças.

Exemplo disso são os orfanatos que caíram em desuso. No entanto, a “cultura da

institucionalização”, que há muito começou a ser enraizada, ainda resiste.

Rizzini e Rizzini (2004) apontam que essa resistência tem a ver com a longa

tradição de internação de crianças e jovens em instituições asilares no Brasil. Mesmo

filhos de famílias ricas passaram pela experiência de serem educados longe de suas

famílias e comunidades. De acordo com a época, diferentes instituições com caráter

educacional e assistencial foram sendo criadas desde o período colonial. Exemplos

de instituições são: colégios internos, seminários, asilos, escolas de aprendizes

artífices, educandários e reformatórios.

Outro fato importante que corrobora para a difícil mudança dessa cultura, como

trazem Rizzini e Rizzini (2004), foram que as demandas que levaram um número

inestimável de crianças brasileiras aos internatos dos séculos XIX e XX e que não

foram devidamente enfrentadas ao nível das políticas públicas, ou seja, apesar de

alterações terem sido feitas, não foram o suficiente para sanar o problema.

Para melhor ilustrar a realidade das crianças assistidas por algum tipo de

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entidade abrigo, Silva (2005), fez uso de um levantamento realizado pelo Ipea em

2003 e promovido pela então Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) da

Presidência da República, por meio da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da

Criança do Adolescente (SPDCA) e do Conselho Nacional de Direitos da Criança e

do Adolescente (Conanda).

O levantamento incluiu cerca de 20 mil crianças e adolescentes atendidos em

589 diferentes entidades de abrigo brasileiras assim classificadas:

Quadro 1: Tipos de instituições no Brasil

Não governamentais 68,3%

Públicas 30,0%

Tem orientação/vínculo religioso 67,2%

Católicos 62,1%

Evangélicos 22,5%

Espíritas 12,6%

Anteriores a 1990 41,4%

Posteriores a 1990 58,6%

Fonte: IPEA/CONANDA (apud Silva, 2005, p.187)

Os dados levantados mostraram que se tratava, na maioria, de meninos (58,5%) afrodescendentes (63%) e com idade entre 7 e 15 anos (61,3%). Pouco mais da metade dos abrigados vivia nas instituições há mais de dois anos, enquanto 32,9% estavam nos abrigos por um período entre dois e cinco anos, 13,3%, entre seis e dez anos, e 6,4%, por mais de dez anos. Curiosamente, a grande maioria dessas crianças e adolescentes (86,7%) tinha família, sendo que 58,2% mantinham vínculos com os familiares e apenas 5,8% estavam impedidos judicialmente de ter contato com eles. Esses meninos e meninas viviam, portanto, a paradoxal situação de estar juridicamente vinculados a uma família que, na prática, já abrira mão, havia algum tempo, da responsabilidade de cuidar deles, principalmente por causa da pobreza. O resultado desta situação era que apenas 10,7% deles estava judicialmente em condições de serem encaminhados para a adoção. (SILVA, 2005, p. 188)

Nessa mesma pesquisa encontrou-se sobre os principais motivos que levam

crianças e adolescentes a ingressarem no abrigo e a frequência que ocorrem, estes

estão ilustrados no Quadro 2:

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Quadro 2: Motivos do abrigamento de crianças e adolescentes

Motivo do ingresso no abrigo Frequência (em%)

Carência de recursos materiais da

família/responsável 24,1

Abandono pelos pais/responsáveis 18,8

Violência doméstica 11,6

Dependência química dos

pais/responsáveis 11,3

Vivência de rua 7,0

Orfandade 5,2

Outros 22,0

TOTAL 100

Fonte: IPEA/CONANDA (apud Silva, 2005, p. 188)

Rizzini e Rizzini (2004) alegam que a ida dessas crianças e adolescentes aos

abrigos parece ser provocada por fatores ligados ao contexto de violência urbana no

país, principalmente ao narcotráfico e acrescentam que:

[...] no presente lidamos, majoritariamente, com crianças e adolescentes que saíram de suas casas e viveram experiências de vida pelas ruas, e que têm passado por várias instituições [...] e que apesar de valorizarem a ideia de família e idealizarem, sobretudo, as mães, muitas das crianças que entrevistamos afirmaram que não desejam ou não podem voltar para casa – seja por conflitos familiares ou por envolvimento com o universo do tráfico de drogas. (p.16).

Os motivos que levam as crianças e adolescentes aos abrigos são vários, como

apontados acima. É necessário, portanto, que o serviço oferecido pelos abrigos seja

de qualidade e garanta o bem-estar físico-psíquico-social dessas crianças. Valente

(2013) diz que essas instituições precisam de espaço físico adequado para atender

às necessidades de cada uma dessas crianças e adolescentes. Esse espaço físico

refere-se ao espaço físico individual que a criança e adolescente possa chamar de

seu e que irá favorecer seu desenvolvimento e segurança necessários e também ao

espaço coletivo, em que seja possível o reconhecimento do “nós” e que possibilite a

autonomia para a vivência em comunidade.

Ainda como uma necessidade nas instituições para que essas estejam

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devidamente preparadas para receber e atender as diversas necessidades das

crianças e adolescentes, encontra-se a prática cotidiana nos serviços de acolhimento.

É preciso uma gestão humanizada, que leve em consideração os sujeitos envolvidos,

no ato de cuidar e também no oferecimento de espaços de reconhecimento do

necessário encontro de subjetividade. (VALENTE, 2013).

1.1 A institucionalização a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

O fim do século XX, no Brasil, é marcado por um novo conjunto de ações na

proteção aos direitos de crianças e adolescentes. Valente (2013) aponta que na

década de 1990, o acolhimento que antes era realizado informalmente no Brasil,

passa a ser respaldado por uma política pública. Para ela, essa conquista está

relacionada ao compromisso brasileiro com a promoção de desenvolvimento humano

e social, conseguido com a aprovação da Constituição da República Federativa do

Brasil em 1988 e que tornou possível a aprovação do Estatuto da Criança e do

Adolescente.

Segundo o Ministério da Saúde, o referido estatuto iniciou-se com o decreto da

Constituição de 1988 e foi, sem dúvida, um grande avanço na legislação brasileira.

Seu surgimento se deu a partir da luta da própria sociedade e tem como finalidade a

garantia de todos os direitos às crianças e adolescentes. Direitos esses que vão desde

o tratamento com atenção, proteção, até todos os cuidados necessários para se

desenvolverem e se tornarem adultos conscientes e participativos do processo

inclusivo (BRASIL, 2008).

A designação da medida protetiva prevista no artigo 101 do ECA tem sido

alterada ao longo dos anos: de orfanato para abrigo e deste para entidade de

acolhimento. Ao se utilizar o termo abrigo, França ([s/d] p. 2) invoca as definições no

Dicionário Houaiss para que se perceba o termo como algo que enfatiza a dimensão

espacial e que “a primeira acepção do termo é ‘local que serve para abrigar’”. Apenas

por extensão ou figurativamente, o termo assume a acepção de “tudo aquilo que possa

significar amparo ou acolhimento”. França [s/d] ainda complementa trazendo a ideia

de que o termo acolhimento, que é o ato ou efeito de acolher e proteger, prioriza o

reconhecimento da existência de dois sujeitos: um que acolhe e ou outro que é

acolhido, passando a valorizar a dimensão relacional que se estabelece entre os

sujeitos e não mais a espacial.

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A alteração na perspectiva da medida protetiva mencionada, mostra o

reconhecimento de que a maioria das crianças e adolescentes que ali viviam não era

órfã, mas que, ao contrário, tinha família. Esse reconhecimento, por sua vez, permitiu

que se visse com atenção a realidade dessas famílias e a necessidade imperiosa de

promover ações que permitissem o retorno dessas crianças e adolescentes à sua

família de origem.

A partir da aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente muitas

mudanças positivas foram possíveis, trazendo novas possibilidades, como a

brevidade e a excepcionalidade na aplicação da medida de abrigo. O abrigo passa a

ser uma medida de caráter provisório e excepcional de proteção para crianças quando

essas se encontram em situações consideradas de risco pessoal e social. A

internação de adolescentes em instituições, passa a ter um caráter de medida sócio-

educativa de privação de liberdade. Em ambos os casos, a lei buscará a garantia dos

direitos da criança e do adolescente (RIZZINI; RIZZINI, 2004).

O conceito de família se torna mais amplo e elas passam a ser corresponsáveis

por suprir as necessidades das crianças e dos adolescentes e, para isso, passam a

ter o direito de receber orientação socio-familiar e ter acesso a serviços públicos de

apoio. O poder público, por sua vez, reconhece sua responsabilidade em desenvolver

políticas públicas para suprir as necessidades básicas de manutenção das famílias

das crianças e dos adolescentes em medida de proteção.

O Estatuto da Criança e do Adolescente contribuiu efetivamente para as

instituições de assistência e para suas configurações, tornando-as espaço de

socialização e de desenvolvimento. Como aponta Figueiró (2012), o acolhimento tem

como objetivo a reintegração da criança ao convívio social, e não a sua exclusão,

como acontecia com o modelo de abrigamento anterior.

Elage et al. (2011) ressaltam que esse processo fez com que os profissionais

dos abrigos transformassem as antigas práticas dos orfanatos e passassem a investir

no reordenamento e profissionalização desse serviço. Foi dada uma atenção especial

ao atendimento personalizado a cada uma das crianças e adolescentes, na

elaboração de um projeto técnico de atendimento e na efetivação do direito à

convivência familiar e comunitária.

Outros cuidados que Elage et al. (2011) apontam que as entidades que

desenvolvam programas de acolhimento familiar ou institucional passaram a ter após

o ECA são: as crianças e os adolescentes devem ser acolhidos em residências ou

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unidades pequenas, e não em grandes instituições; busca-se a preservação dos

vínculos familiares e promoção da reintegração familiar; integração em família

substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família natural ou

extensa; atendimento personalizado e em pequenos grupos; desenvolvimento de

atividades em regime de coeducação; não desmembramento de grupos de irmãos.

Um olhar diferente passa a ser direcionado às transferências para outras

entidades de crianças e adolescentes abrigados, que agora passam a ser evitadas,

assim como quando há necessidade de encaminhamento para outras unidades, esse

deve ser sempre de caráter excepcional e provisório. Começa a ser vista como

importante a participação dessas crianças e adolescentes na vida da comunidade,

bem como a participação de pessoas da comunidade no processo educativo delas.

Vê-se como necessária uma preparação gradativa para o desligamento dessas

crianças e adolescentes das instituições de abrigo e os irmãos passam a permanecer

juntos.

Em resumo, juntamente com medidas específicas que visam assegurar os

direitos da criança e adolescente nos termos do princípio da proteção integral, o ECA

assegura os direitos fundamentais da criança e do adolescente previstos nos artigos

7º até o artigo 69: direito à vida e à saúde; direito à liberdade, ao respeito e à

dignidade; direito à convivência familiar e comunitária; direito à educação, à cultura,

ao esporte, ao lazer, direito à profissionalização e à proteção no trabalho (MACHADO,

2011).

Silva (2004) acredita que o tempo de permanência de uma criança ou

adolescente em um abrigo deve ser curto e que eles só devem ser retirados do

convívio familiar quando essa for uma medida inevitável. Aponta ainda que mesmo

que as crianças estejam longe de suas famílias, o abrigo deve zelar pela conservação

e pelo fortalecimento desses vínculos.

De acordo com Siqueira e Dell’Aglio (2006), no atendimento a crianças e

adolescentes em situação de abandono o ECA preza pela desinstitucionalização, ou

seja, uma modificação no funcionamento das instituições de abrigo através da

valorização da família, ações locais e parcerias no desenvolvimento de atividades de

atenção.

Rizzini e Rizzini (2004) descrevem que, de modo geral, houve diversos avanços

para a implementação da lei, bem como inúmeros desafios. Um estudo realizado

recentemente avaliou os dez anos do Estatuto e apresenta que:

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A institucionalização do ECA avançou, já tomou conta de quase todo o país em termos de conselhos implementados. É preciso, no entanto, que funcionem adequadamente, que se lhes garantam condições efetivas. Enquanto os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente estão implementados em 80% dos municípios, os Fundos de Direitos da Criança e do Adolescente estão implementados em aproximadamente 34% deles (SILVA; MOTTI, 2001, p.194 apud RIZZINI; RIZZINI, 2004, p.48).

Porém mesmo após anos de aprovação da lei, ainda é possível deparar-se com

crianças sendo encaminhadas para instituições que se aproximam dos antigos

orfanatos, grandes são as dificuldades e tímidas as mudanças encontradas por esse

órgão que preza pelas crianças e adolescentes.

Encontra-se no Estatuto da Criança e do Adolescente (Capítulo II, Seção I,

Artigo 92) que:

As entidades que desenvolvam programas de abrigo deverão adotar os seguintes princípios: I - preservação dos vínculos familiares; II - integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família de origem; III - atendimento personalizado e em pequenos grupos; IV - desenvolvimento de atividades em regime de co-educação; V - não desmembramento de grupos de irmãos; VI - evitar, sempre que possível, a transferência para outras entidades de crianças e adolescentes abrigados; VII - participação na vida da comunidade local; VIII - preparação gradativa para o desligamento; IX - participação de pessoas da comunidade no processo educativo.

De acordo com Silva (2004), através da análise das ferramentas contidas no

estatuto, é possível constatar que a legislação possui princípios que, se cumpridos,

podem evitar a prática de institucionalização de crianças e adolescentes presente na

história do Brasil, mas que é necessário, para isso, que os responsáveis e executores

de sua aplicação tenham um amplo conhecimento do estatuto e também partilhem de

seus objetivos.

Na ausência da família e da comunidade, a instituição de acolhimento torna-se

a única referência afetiva e de apoio para as crianças e adolescentes acolhidos.

Contudo, apesar de terem o dever de desempenhar um papel fundamental na vida

dessas crianças e adolescentes, os serviços de acolhimento institucional apresentam

falhas gritantes, que prejudicam ou mesmo impedem que esse desempenho aconteça

de forma satisfatória.

Figueiró (2012) traz, como uma das grandes dificuldades pelas quais passam

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esses serviços, a falha na estrutura, como o ambiente físico inadequado, o despreparo

dos profissionais que trabalham na instituição, reduzido número de funcionários,

precária socialização oferecida pelo serviço, grande rotatividade de funcionários,

quando o atendimento não preza pelo acolhimento e proteção de fato, dificuldade de

integração com as outras instituições importantes para a reintegração social da

criança e do adolescentes, como escola, serviço de saúde, conselho tutelar, família e

comunidade.

Nessa direção, ressalta-se que todas as pessoas com quem o indivíduo

estabelece relações, como família, amigos, escola, abrigo, entre outros, podem

assumir o papel de fornecer apoio. (SIQUEIRA, BETTS e DELL´AGLIO, 2006).

Um importante cuidado que as instituições devem ter é com relação aos

adolescentes que passaram muitos anos institucionalizados. Se o serviço de

acolhimento se tornar a única rede de apoio social, fica comprometida a desvinculação

desses adolescentes ao abrigo posterior à maioridade. Outro cuidado importante é

com relação ao respeito e fortalecimento da autonomia de crianças e adolescentes,

devendo ser escutados quanto a suas decisões e participações na sociedade,

opiniões, respeito a sua integração familiar ou desligamento do serviço de

acolhimento, promovendo a criatividade delas, oferecendo cuidados e proteção para

que ela possa ressignificar as situações adversas pelas quais estão passando.

(FIGUEIRÓ, 2012).

1.2 Serviço de acolhimento Casa Lar

Os abrigos institucionais na modalidade Casa Lar surgem a partir da

regulamentação da lei 7644 de 18 de dezembro de 1987, com o objetivo de oferecer

um espaço às crianças e adolescentes institucionalizados em medida de proteção,

que se assemelhe ao máximo a um ambiente familiar, proporcionando atitudes de

autonomia juntamente com interações sociais.

Segundo Farias (2012), tendo em vista o cuidado para que a instituição Casa

Lar se assemelhe ao máximo a um ambiente familiar, no ano de 2004 foi criado o

projeto de lei de número 2971, aprovado somente em 2008. Esse projeto visa a

regulamentar a existência de um pai social, que passa a ser tão importante quanto a

mãe social, que só pode ser aceita mediante alguns critérios de aprovação e se define

por uma pessoa que se dedica aos cuidados de crianças e adolescentes na Casa Lar

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Abrigo.

Para um melhor cuidado e preservação da integridade física e psicológica de

crianças e adolescentes, quando afastadas de sua família de origem, essas têm direito

aos serviços de acolhimento. Esses serviços prezam “cuidados e condições

favoráveis ao seu desenvolvimento saudável, devendo-se trabalhar no sentido de

viabilizar a reintegração à família de origem ou, na sua impossibilidade, o

encaminhamento para família substituta” (CONANDA; CNAS, 2009, p. 61).

Antes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os termos utilizados

para definir os serviços de acolhimento eram “orfanato” e “internato”. A partir do ECA,

no ano de 1990, passou-se a utilizar o termo “abrigo”; e, a partir do documento

Orientações Técnicas, a expressão “serviços de acolhimento” passa a se referir às

quatro modalidades propostas: Abrigo Institucional, Casa Lar, República e Família

Acolhedora. (ELAGE et al., 2011).

O serviço de acolhimento Casa Lar, que é o foco principal do presente trabalho,

foi definido como serviço de acolhimento temporário que se caracteriza em unidades

residenciais, que oferecem cuidados a um grupo de crianças e adolescentes

afastados do convívio familiar. As casas lares têm como público alvo crianças e

adolescentes entre 0 a 18 anos incompletos, sob medida protetiva de abrigo e devem

conter pelo menos uma pessoa ou um casal como educador/cuidador residente

(CONANDA; CNAS, 2009). Por serem estruturadas como residências privadas,

devem localizar-se em áreas residenciais, seguir o padrão sócio econômico da região

onde estão implantadas e receber supervisão técnica.

Os serviços oferecidos por estas instituições devem estar de acordo com os

preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente, priorizando um ambiente próximo

ao de uma rotina familiar, proporcionando vinculo estável das crianças e adolescente

com o educador/cuidador, favorecendo o convívio familiar e comunitário (CONANDA;

CNAS, 2009). Outro cuidado é quanto ao sigilo. As casas não são identificadas nem

as crianças são rotuladas como sendo da casa lar. Elas são identificadas por seus

nomes.

A grande diferença das casas lares, comparadas a outras formas de abrigo, é

a sua característica residencial, sua organização e a presença de um

educador/cuidador residente, que tem como objetivo “contribuir para o fortalecimento

dos vínculos familiares, favorecendo o processo de reintegração familiar ou o

encaminhamento para família substituta, quando for o caso” (CONANDA; CNAS,

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2009, p. 71)

Enfim, a modalidade de acolhimento Casa lar, vai em busca de oportunizar às

crianças e adolescentes que necessitem do espaço protetivo a vivência de um modelo

de relações que possibilite o resgate da autoestima, hábitos e atitudes de autonomia

e de interação social com as pessoas da comunidade, e a construção de um projeto

de vida.

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CAPÍTULO II

A TEORIA DO APEGO

1 AS ORIGENS DA TEORIA DO APEGO

Como nos informa John Bowlby (1989), as origens desta teoria vêm desde os

anos 1930 e 40, quando um certo número de clínicos observou efeitos doentios no

desenvolvimento da personalidade devido a cuidados institucionais ou então à

constante troca da figura materna nos primeiros anos de vida. Mesmo com a aceitação

de muitos daqueles que trabalhavam com psiquiatria e psicologia infantil e com

trabalhos sociais e alguns que atuavam na pediatria e enfermaria infantil, havia muitas

controvérsias que surgiam com as primeiras publicações e filmes. Diversos

profissionais envolvidos na área de psiquiatria e psicologia criticavam a falta de provas

e ausência de explicações adequadas de como essas experiências poderiam ter

ligação com os efeitos apontados no desenvolvimento da personalidade, mas, ainda

assim, as pesquisas continuavam. Diversos estudos importantes foram publicados

causando influências consideráveis para este tema, porém ele ainda permanecia

como um assunto incerto e com dúvidas a serem esclarecidas.

Dalbem e Dell’Aglio (2005) apontam que alguns autores ainda muito estudados

atualmente pela psicologia fizeram significantes contribuições para a Teoria do Apego.

É o caso de John Bowlby, especialista em psiquiatria infantil, que teve sua atenção

voltada ao estudo dos efeitos do cuidado materno sobre as crianças em seus primeiros

anos de vida a partir das observações sobre o cuidado inadequado na primeira

infância e o desconforto e a ansiedade de crianças pequenas relativos à separação

dos cuidadores.

Interessado particularmente nas consequências das rupturas do vínculo entre

o bebê e seus pais nos casos de hospitalização prolongada, morte ou

institucionalizações, John Bowlby identificou, em suas obras dedicadas ao apego,

como em sua trilogia “Apego”, “Perda” e “Separação”, a criança como ser social, cuja

necessidade primordial é estar em relação com o outro. Em sua obra escrita no ano

de 1989, “Uma base segura: Aplicações clínicas da teoria do apego” o autor busca

explicar o aparecimento e desaparecimento esporádicos do comportamento de apego,

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bem como os apegos de maior durabilidade, que crianças e outros indivíduos

estabelecem com o outro em especial.

Esses estudos foram de grande importância para a conceitualização da então

Teoria do Apego (TA). “Os conceitos de Bowlby foram construídos com base nos

campos da psicanálise, biologia evolucionária, etologia, psicologia do

desenvolvimento, ciências cognitivas e teoria dos sistemas de controle” (DALBEM e

DELL´AGLIO, 2005, p.14).

Bowlby foi em busca de alternativas que estivessem embasadas

cientificamente para se defender dos reducionismos teóricos. Ele enfatizou, em seus

estudos, os mecanismos de adaptação ao mundo real, assim como às competências

humanas e a ação do indivíduo em seu ambiente (WATERS, HAMILTON &

WEINFIELD, 2000 apud DALBEM E DELL´AGLIO, 2005).

Outra grande influência para a teoria do apego foi uma importante publicação

realizada pela Organização Mundial da Saúde, contendo uma coleção de artigos que

tratavam da “privação dos cuidados maternos”, na qual um dos artigos mais completos

foi o da autora Mary Ainsworth (1962). Ela investigou fatores determinantes da

proximidade-intimidade expressa no comportamento de interação de crianças com

suas mães. Com isso, foram realizados outros estudos com a mesma temática

trazendo diversas questões relacionadas à privação dos cuidados maternos.

(BOWLBY, 1989).

Winnicott, pediatra, psiquiatra infantil e psicanalista, também proporcionou

grandes contribuições para a teoria do apego. No início de sua formação, ainda muito

ligado às formulações freudianas e desconhecendo o pensamento de teóricos como

Melanie Klein e Anna Freud, Winnicott, diante de inúmeras histórias clínicas de

neurose, psicose, distúrbios psicossomáticos e antissociais, encontrava dificuldades

emocionais em seus pacientes que pareciam ter se iniciado nos primeiros dias de vida

e que não conseguiam ser explicadas pela teoria do complexo edipiano, a psicanálise

de Freud. Segundo ele, “algo estava errado em algum lugar.” (WINNICOTT 1965va

[1962], apud ARAÚJO, [s/d]).

Assim, ao definir a sua teoria do amadurecimento pessoal, ou teoria do

desenvolvimento emocional do ser humano, Winnicott enfatizou que “esta inclui a

história total do relacionamento individual da criança até seu meio ambiente

específico.” (WINNICOTT 1990, p. 14). É uma história que compreende o crescimento

emocional do bebê e da pessoa cuidadora desse bebê, daquela que atende às suas

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necessidades específicas, ou seja, da mãe como “ambiente suficientemente bom” – a

pessoa responsável pelas condições facilitadoras para que o crescimento do bebê se

efetive. Desse modo, essa teoria acaba por compreender, também, o que acontece

diante das interferências que dificultam ou impedem a suficiência do ambiente e,

consequentemente, o crescimento do bebê.

No decorrer desse trabalho serão apontados alguns dos principais autores que

fizeram estudos importantes para o desenvolvimento da teoria do apego, bem como

uma melhor compreensão de seus pontos de partida e o desenvolvimento de suas

teorias.

1.1 Conceitos básicos e desenvolvimento do apego

A Teoria do Apego evidencia a importância da ligação emocional que se

desenvolve entre o bebê e a figura materna (mãe ou mãe substituta), entendida como

aquela pessoa que desempenha regular e constantemente o cuidado com o bebê, em

uma relação na qual ambos encontrem satisfação e prazer e por quem a criança passa

a desenvolver apego, com quem se sente segura e protegida. “O comportamento de

apego foi definido como a busca e a manutenção da proximidade de um outro

indivíduo” (BOWLBY, 2002, p. 240). Essa ligação é importante para orientar o

desenvolvimento afetivo, cognitivo e social dessa criança e o apego torna-se a base

para a identificação e a determinação de posteriores relações duradouras e mútuas.

Essa teoria afirma que a construção de vínculos afetivos é natural dos seres humanos

e que ao longo do tempo esses vínculos podem tornar-se insubstituíveis. Explica-se

assim a necessidade que bebês humanos, que nascem e são condicionados a uma

extrema vulnerabilidade fisiológica, têm de alguém que forneça os cuidados

primordiais para a sobrevivência (SABLE, 2008 apud GOMES, 2011)

A relação construída com esse cuidador primeiro, visto que ao longo do

tempo vai adquirindo importância, torna-se um modelo para os vínculos posteriores

que serão desenvolvidos. Assim sendo, uma vez estabelecidos, a qualidade, a

segurança e a estabilidade desses laços associam-se fortemente com o bem-estar e

com a saúde emocional dos indivíduos ao longo do curso de vida (SABLE, 2008 apud

GOMES, 2011).

Bowlby (1979, 1997 apud RAMIRES; SCHNEIDER, 2010) aponta que no

relacionamento com a figura de apego, a segurança e o conforto experimentados na

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sua presença permitem que seja usado como uma “base segura”, a partir da qual

poderá se explorar o resto do mundo e ressalta ainda (BOWLBY, 2002), que a relação

calorosa, íntima e contínua com a mãe ou mãe substituta permanente é essencial à

saúde mental do bebê e da criança pequena.

Uma diferença importante entre “apego” e “comportamento de apego” é que se

o “comportamento de apego pode, em circunstâncias diferentes, ser mostrado a uma

variedade de indivíduos, um apego duradouro ou laço de apego é restrito a muito

poucos” (BOWLBY, 1988, 1989, p. 40 apud RAMIRES e SCHNEIDER, 2010, p. 26).

O papel do apego na vida dos seres humanos envolve o conhecimento de que

uma figura de apego está disponível e oferece respostas, proporcionando um

sentimento de segurança que é fortificador da relação e torna o indivíduo claramente

identificado, tornando-o apto para interagir com o mundo. “O apego tem sua própria

motivação interna, distinta da alimentação e do sexo, como postulado pela teoria

freudiana, e de igual importância para a sobrevivência”. (BOWLBY, 1988/1989 apud

RAMIRES; SCHNEIDER, 2010, p. 26).

Desde a concepção no útero materno até ao momento em que morre, o ser

humano vive num processo caracterizado por constantes mudanças. Esse processo

de mudança, que “resulta da interação entre as características biológicas de cada

indivíduo e os fatores contextuais onde o indivíduo se encontra inserido (sociedade e

cultura), é denominado por desenvolvimento humano” (MATTA, 2001; NÚÑEZ, 2005;

PAPALIA et al., 2001; PORTUGAL, 2009; TAVARES et al., 2007 apud DIAS,

CORREIA, MARCELINO, [s/d], p.10.)

Sendo um processo holístico e contextualizado que ocorre ao longo de toda

vida, o desenvolvimento humano acarreta mudanças progressivas, contínuas e

cumulativas provocando, no indivíduo, reorganizações constantes ao nível das suas

estruturas físicas, psicológicas e sociais que evoluem num contínuo faseado e

integrativo (NÚÑEZ, 2005; TAVARES et al., 2007 apud DIAS, CORREIA,

MARCELINO, [s/d]).

Stern (1992, 1997 apud ABREU, 2003) aponta algumas das mudanças

qualitativas, que são de características organizadoras pelas quais passam os bebês

e crianças durante a sua vida, a começar pelos primeiros meses. Até os 2 meses e

meio é o período em que acontece a primeira percepção do bebê de que ele e sua

mão são fisicamente separados, portanto, distintos. “As tarefas dessa idade que mais

favorecem as trocas emocionais entre mãe e bebê são as atividades de alimentação,

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os ritmos de sono e vigília e os ciclos de atividades diárias” (ABREU, 2003, p.17). Dos

2 meses e meio aos 5 meses e meio, o bebê mostra suas plenas capacidades sociais

e afetivas nas atividades de jogo facial. Dos 5 meses e meio aos 9 meses, “a criança

adquiriu uma coordenação óculo-manual e bimanual adequada e, com ela, uma

grande curiosidade pelo mundo dos objetos inanimados” (p. 18).

Esse vínculo, chamado apego, através do comportamento (sorrir, chorar, sugar

o polegar, olhar em direção à mãe, buscar proximidade, contato físico) tem a finalidade

de atrair a mãe para perto deles, no caso dos bebês recém-nascidos (BOWLBY, 1990

apud ALEXANDRE; VIEIRA, 2004).

Até os 12 meses o bebê percebe que existem outras pessoas além de sua

cuidadora. Inclui intenções e sentimentos, reconhecendo-os como permeados por

relacionamentos e acontecimentos do mundo físico. “Por essa razão é que até o fim

do primeiro ano a criança manifesta de uma forma muito clara as condutas de

vinculação e de separação dos primeiros progenitores, uma vez que já consegue

vincular-se muito bem nas suas interações” (ABREU, 2003, p.18).

Ainda de acordo com Stern (1992, 1997 apud ABREU, 2003), por volta dos 15

aos 18 meses, o bebê é capaz de perceber que o eu e o outro possuem um

conhecimento e um registro das experiências do mundo individuais. E, finalmente dos

18 aos 24 meses a criança percebe a linguagem como uma forma de interação entre

ela e seus pais.

Atualmente, as inúmeras pesquisas disponíveis trazem informações concretas

e comprovadas sobre a importância do desenvolvimento na primeira infância,

“especialmente entre zero e os três anos de idade, pois sabe-se que é na infância que

se lançam as bases do desenvolvimento nos seus diversos aspectos físicos, motores,

sociais, emocionais, cognitivos, linguísticos, comunicacionais, etc. (PORTUGAL,

2009, p.7 apud DIAS, et al. [s/d], p.10)

Desde o nascimento, os processos emocionais do bebê estão ativos e eles

experienciam sentimentos que são utilizados para construir uma noção ou senso

pessoal consciente de si. “Um determinante principal da construção do si mesmo é

sua experiência intersubjetiva com aqueles que dele cuidam e suas próprias reações

emocionais automáticas” (ABREU, 2003, p.19).

O senso de self de um indivíduo é primordialmente organizado ao redor de esquemas emocionais formados em relacionamentos de

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apego primário onde a regulação do afeto desenvolve-se com a maturidade, mas também através da maneira pela qual os que cuidaram da criança reagiram frente a suas emoções. Tais experiências determinam o sentido de self, uma vez que se baseiam na qualidade de afeto recebido. (ABREU, 2003, p. 19).

Uma criança que tem pais afetivos e vive em um lar bem-estruturado, no qual

encontra conforto e proteção, consegue desenvolver um sentimento de segurança e

confiança em si mesma e em relação àqueles que convivem com ela (BOWLBY,

2004).

Valente (2013) aponta que uma criança precisa de sustentação para olhar o

seu mundo e ter coragem de experimentar, de sair e de voltar tantas vezes quantas

necessárias, pois o espaço de proteção a acompanha, livrando-a dos perigos da vida

e encorajando-a a buscar o novo e o aprendizado. A autora ainda reforça que uma

criança, para continuar um desenvolvimento harmonioso após o seu nascimento,

precisa encontrar um ambiente de aconchego, de continência às suas necessidades,

onde ela possa sentir-se o ser mais importante do mundo, e que apesar dos limites

necessários ao seu crescimento, exista disposição e cuidado nas relações cotidianas.

Caso ocorra o contrário, se uma criança cresce afastada do convívio familiar,

pressupõe-se que sua base de segurança tende a desaparecer e isso pode prejudicar

suas relações com os outros, havendo, assim, prejuízos nas demais funções de seu

desenvolvimento (BOWLBY, 2004).

Bowlby distinguiu os fatores que, na visão dele, podem interferir na ativação do

sistema de comportamento do apego: os relacionados às condições físicas e

temperamentais da criança e os relacionados às condições do ambiente. Ambos

dependem, de certa forma, da estimulação do sistema de apego (DALBEM E

DELL´AGLIO, 2005). Para ele, o sistema de comportamento de apego, que é bastante

complexo, influencia diretamente nas respostas afetivas e no desenvolvimento

cognitivo por envolver uma representação mental das experiências da infância

relacionadas às percepções do ambiente, de si mesmo e das figuras de apego

(DALBEM E DELL´AGLIO, 2005).

Bowlby (1989) utilizou o termo working models (modelos de funcionamento)

para “descrever as representações ou expectativas que guiam o comportamento

próprio, e que servem como uma base de predição e interpretação do comportamento

de outras pessoas às quais se é apegado” como nos trazem Dalbem e Dell´Aglio

(2005, p. 15). Eles são relacionados aos sentimentos de disponibilidade das figuras

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de apego, com a probabilidade de recebimento de suporte emocional em momentos

de estresse e, de maneira geral, com a forma de interação com essas figuras

(BOWLBY, 1989 apud DALBEM e DELL´AGLIO, 2005).

Ramires (2003 apud DALBEM e DELL´AGLIO, 2005, p. 16) ressalta a

importância da cognição social na formação do modelo de funcionamento interno. “A

cognição social reconhece a criança como ativa e interativa em seu mundo, atribuindo

a ela um papel construtivo no seu desenvolvimento”. Ainda segundo o autor, estados

de angústia e depressão que se manifestam na idade adulta, assim como condições

psicopáticas, podem ser associados a estados de angústia, desespero e desapego

que facilmente se manifestam sempre que uma criança se separa por largos períodos

de sua figura materna, sempre que espera uma tal separação ou, como as vezes

acontece, quando perde a mãe definitivamente

Bowlby (2002), traz o termo “privação da mãe” para evidenciar uma situação

em que a mãe ou a mãe substitua é incapaz de proporcionar os cuidados amorosos

que a criança pequena precisa, mesmo vivendo em sua casa, ou quando por qualquer

motivo, a criança é afastada dos cuidados de sua mãe. Ele ainda destaca que quando

uma criança é privada dos cuidados maternos, o seu desenvolvimento é quase

sempre retardado – física, intelectual e socialmente. O autor divide a privação em dois

tipos distintos, sendo um a privação parcial e o outro, a privação quase total. A

privação parcial é aquela em que a criança foi, por algum motivo, afastada do convívio

com mãe, mas que passa a ser cuidada por alguém que ela já conhece ou até mesmo

por uma estranha (o que pode acentuar os efeitos da privação), mas ainda assim,

essas situações, de alguma maneira, dão à criança alguma satisfação.

Na privação parcial, os efeitos na criança seriam angústia, uma exagerada

necessidade de amor, fortes sentimentos de vingança e, em consequência, culpa e

depressão.

Uma criança pequena, ainda imatura de mente e corpo, não pode lidar bem com todas essas emoções e impulsos. A forma pela qual ela reage a estas perturbações em sua vida interior poderá resultar em distúrbios nervosos e numa personalidade instável. (BOWLBY, 2002, p. 4)

A privação quase total é considerada como tendo efeitos mais perniciosos para

a criança, definida como aquela em que “a criança não dispõe de uma determinada

pessoa que cuide dela de forma pessoal e com quem ela possa sentir-se segura”

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(BOWLBY, 2002, p. 4.). O autor aponta que esse tipo de privação é bastante comum

nas instituições, creches residenciais e hospitais e que seus efeitos têm um alcance

ainda maior no desenvolvimento da personalidade da criança, podendo mutilar

totalmente a capacidade de estabelecer relações com outras pessoas.

Bowlby (2004) traz uma explicação concisa e clara a respeito do processo pelos

quais passa uma criança que é separada da figura materna. O primeiro sentimento

apresentado pela criança que é separada da figura materna (figura por quem a criança

já desenvolveu apego), sem desejar, é aflição, e esse sentimento tende a se

intensificar ainda mais caso a criança seja colocada em um ambiente estranho e

cuidada por pessoas desconhecidas.

A criança, então, tentará, de todas as formas que lhe sejam possíveis,

recuperar sua mãe e, posteriormente, irá desesperar-se em recuperar essa mãe, mas

ainda espera que ela retorne. Posterior a isso, a criança demonstra desinteresse pela

mãe, tornando-se emocionalmente desapegada. Bowlby (2004, p.14) aponta que “o

desapego é típico no reencontro com a mãe, quando a criança que dela se separou

torna a vê-la, sendo muito menos evidente no reencontro com o pai”.

Caso a separação com a figura materna não aconteça por um período

demasiadamente extenso, esse desapego também não se prolongará

indefinitivamente e quando a criança retorna ao convívio com a mãe, o apego volta a

manifestar-se. Contudo, durante vários dias, semanas ou até mesmo por mais tempo,

dependendo da criança, ela insiste em permanecer ao lado da mãe, demonstrando

muita angústia ao suspeitar que voltará a perder essa mãe.

O autor ainda acrescenta que a criança passa a ter um comportamento

ambivalente, de modo que chore sua ausência mas torne-se hostil, rejeite ou desafie

os pais quando há um reencontro. O determinante quanto à duração desse período

de ambivalência é o tipo de reação da mãe, que depende de vários fatores, entre eles,

ponderar de se deve ser rígida perante o comportamento de hostilidade de seu filho

ou se deve tratá-lo com carinho.

Para que haja, gradativamente, a diminuição da intensidade do sofrimento na

criança, ela deve ser tratada com sabedoria, embora, não se possa deixar de lado a

possibilidade real de ficarem feridas na psique (BOWLBY, 2002). Em um estudo

descrito em seu livro, Bowlby (2004) traz que, além da ausência da figura materna,

outras variáveis como a idade dessas crianças, as condições em que foram separadas

de seus pais, o ambiente em que essas crianças permanecerão, se serão ou não

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cuidadas por pessoas estranhas e os procedimentos dolorosos pelas quais elas terão

que passar, aumentam seu grau de perturbação.

No decorrer do primeiro ano de vida, surge a busca de proximidade física da

mãe e a exploração do ambiente, e permanecem intensas durante a primeira infância.

Aos três ou quatro anos, esses comportamentos vão diminuindo e sua forma de

expressão se modifica (AINSWORTH & COLS., 1978 apud PONTES et al., 2007).

Assim sendo, o risco de dano a ser causado na psique da criança por falta de

cuidados maternos ainda é sério entre os três e cinco anos de idade, embora muito

menos do que antes, já que entre três e cinco anos, a criança já pode falar e

compreender mais facilmente a mãe substituta e já possui maior noção de tempo e,

mesmo que vagamente, consegue compreender que sua mãe voltará em algum

momento (BOLWBY, 2002). No entanto, vale reforçar que a sabedoria e compreensão

do adulto ao lidar com a situação pode reduzir muito os efeitos da separação na

criança.

Entre as variáveis que colaboram para diminuir a intensidade dessa

perturbação sentida por crianças separadas de suas mães, destacam-se a presença

de uma pessoa conhecida e/ou objetos familiares e os cuidados maternos de uma

mãe substituta, que seria qualquer outra pessoa para a qual a criança está disposta,

provisoriamente, a dirigir seu comportamento de apego.

O autor constata, ainda, a partir de seus estudos, que as únicas crianças que

pareceram não perturbar-se nessas situações de separação, foram as que jamais

tiveram uma figura a quem se pudesse afeiçoar ou que já haviam experienciado

repetidas e prolongadas separações, tornando-se, portanto, mais ou menos

permanentemente em desapego e que as condições intrínsecas, que seriam as

condições nas quais a criança recebe cuidados quando afastada de sua mãe e a

qualidade da relação que ela teve com seus pais antes da separação, serão

determinantes para a recuperação, ou não, da criança, após o período de separação

(BOLWBY, 2004).

Além da privação, que ocorre no período de dependência absoluta do ser (do

nascimento aos 6 meses de vida), a deprivação, que também é algo comum em

crianças em situação de acolhimento, ocorre pela “perda de algo bom que havia sido

positivo na experiência da criança e que lhe foi retirado, no período de dependência

relativa” (JUSTO; BUCHINERI, 2010, p.120). Nessa fase de dependência relativa, que

vai dos 6 meses aos 2 anos de vida, já há uma percepção da mãe, da “mãe objeto”,

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uma noção de estar sendo cuidada, uma certa diferenciação entre o “eu e o não-eu”.

Essa perda ou retirada de algo é uma falha ambiental e se estende por um período de

tempo maior do que aquele durante o qual a criança consegue manter viva a

recordação da experiência.

Quando ocorre uma deprivação, acontece uma desorganização mental na

criança. “Suas ideias e seus impulsos agressivos perdem sua espontaneidade e a

ansiedade torna-se tão grande que o ato de experimentar sua agressividade acaba

sendo impossível, entrando num estado de resignação” (JUSTO; BUCHINERI, 2010,

p.124). Assim sendo, por meio da conduta antissocial, a criança passa a sentir alguma

esperança de retorno à segurança, exercendo a sua agressividade.

As crianças e adolescentes privados de afeto e de pertencimento familiar e

social tendem a buscar referências que não puderam ser construídas no seio familiar,

nas ruas ou com pessoas inadequadas, apropriando-se, muitas vezes, de uma

identidade antissocial.

Outros autores também fizeram suas contribuições para a formulação da Teoria

do Apego (TA). Mary Ainsworth, assim como Bowlby, concluiu que um dos

pressupostos básicos da TA é de que as primeiras relações de apego, estabelecidas

na infância, afetam o estilo de apego do indivíduo ao longo da vida do sujeito, ou seja,

o modelo de apego que um indivíduo desenvolve durante a primeira infância é

profundamente influenciado pela maneira como ele foi cuidado por seus cuidadores

primários (pais ou pessoas substitutas) e que depois se generalizará nas expectativas

sobre si mesmo, dos outros e do mundo em geral, com implicações importantes na

personalidade em desenvolvimento. Mary Ainsworth ressaltou, ainda, as influências

ligadas a fatores temperamentais e genéticos (DALBEM E DELL´AGLIO, 2005).

Para melhor investigar e classificar em categorias o apego, Ainsworth (1978)

desenvolveu o método experimental denominado Situação Estranha, em que as

reações da criança na interação com seu cuidador são observadas, em detalhe, em

uma situação de separação. Esse método deu origem ao primeiro sistema de

classificação do apego entre o cuidador e a criança, sendo as categorias organizadas

em: padrão seguro, padrão ambivalente ou resistente, padrão evitativo e padrão

desorganizado ou desorientado (DALBEM E DELL´AGLIO, 2005)

O padrão seguro corresponde ao relacionamento cuidador-criança provido de

uma base segura, na qual a criança pode “explorar seu ambiente de forma

entusiasmada e motivada e, quando estressadas, mostram confiança em obter

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cuidado e proteção das figuras de apego, que agem com responsividade”. As crianças

seguras incomodam-se quando separadas de seus cuidadores, mas não se abatem

de forma exagerada (AINSWORTH, 1978 apud DALBEM E DELL´AGLIO, 2005 p.16)

O padrão resistente ou ambivalente é composto por aquela criança que “antes

de ser separada dos cuidadores, apresenta comportamento imaturo para sua idade e

pouco interesse em explorar o ambiente, voltando sua atenção aos cuidadores de

maneira preocupada” (DALBEM E DELL´AGLIO, 2005, p.17). Essas crianças, quando

separadas de seus cuidadores ficam incomodadas e não se aproximam de pessoas

estranhas. No retorno do cuidador, elas têm seu comportamento dividido entre o

contato e a braveza.

Ainsworth (1978) sugere que, em alguns momentos, essa criança recebeu cuidados de acordo com suas demandas e, em outros, não obteve uma resposta de apoio, o que pode ter provocado falta de confiança nos cuidadores, em relação aos cuidados, à disponibilidade e à responsividade (DALBEM e DELL’AGLIO, 2005, p.17)

O grupo de crianças pertencentes ao padrão evitativo se refere a “crianças

menos propensas a procurar o cuidado e a proteção das figuras de apego quando

vivenciam estresse” (AINSWORTH 1978 apud DALBEM E DELL´AGLIO, 2005, p.17).

Essas crianças deixam de procurar os cuidadores após terem sido rejeitadas, de

alguma maneira, por eles e que quando são reunidas aos cuidadores, elas mantêm

distância e não os procuram para obter conforto. São crianças que brincam de forma

tranquila, interage pouco com os cuidadores, mostra-se pouco inibidas com estranhos

e chegam a se engajar em brincadeiras com pessoas desconhecidas durante a

separação dos cuidadores. “A hipótese sugerida para a compreensão dessas crianças

é de que tenham sido rejeitadas quando revelaram suas necessidades, aprendendo a

ocultá-las em momentos relevantes (CORTINA & MARRONE, 2003 apud DALBEM E

DELL´AGLIO, 2005, p. 17).

Por fim, o grupo categorizado como de padrão desorganizado ou desorientado

é composto por crianças que tiveram experiências negativas para o desenvolvimento

infantil adaptado. São crianças que, durante a Situação Estranha, apresentavam

comportamento contraditório e/ou estratégias de coping incoerentes para lidarem com

a situação de separação. Antes da separação, ainda na presença dos cuidadores

essas crianças “exibem um comportamento constante de impulsividade, que envolve

apreensão durante a interação, expressa por braveza ou confusão facial, ou

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expressões de transe e perturbações”. (DALBEM e DELL´AGLIO, 2005, p.17)

No entendimento de M. Main e E. Hesse (1990, apud DALBEM e DELL´AGLIO,

2005), as crianças que compõem o grupo categorizado como de padrão

desorganizado ou desorientado vivenciam um conflito sem ter condições de manter

uma estratégia adequada para lidar com o que as assusta, como em situações de

abuso, fatores de risco e maus-tratos infantil. Pode-se incluir, também, transtorno

bipolar nos pais ou uso parental de álcool.

Assim, a partir das teorias apontadas, é possível pensar que as relações de

apego têm uma função-chave na transmissão de características transgeneracionais

em relacionamentos entre cuidadores e suas crianças. Nesse sentido, as relações

parentais e rupturas de vínculos primários por perda ou abandono têm um impacto

transcendente ao desenvolvimento individual, pelo fato de que instauram um padrão

internalizado de funcionamento e de interação (FONAGY, 1999 apud DALBEM e

DELL’AGLIO, 2005).

Winnicott (1996) afirma que qualquer criança apresenta dependência marcada

por diversos tipos de experiências significativas que podem ser positivas ou negativas

para o seu desenvolvimento. Uma criança que possui uma assistência satisfatória

possuirá, no futuro, capacidade de reagir às exigências feitas pelo meio em que vive.

Portanto, para encerrar estas reflexões, pode-se pensar que durante o ciclo

vital, as rupturas de vínculos são inevitáveis, mas que a possibilidade de crescimento

e a formação de novos laços afetivos dependerão de como essas experiências de

ruptura foram vivenciadas e elaboradas. (Lewis, 2000 apud DALBEM, DELL’AGLIO,

2005).

1.2 Crianças em situação de abrigo e o vínculo afetivo com seus cuidadores

Para que um ser venha a se constituir como humano é imprescindível que um

outro ser humano dele se ocupe. Todos nascemos “uma massa de impulsos” que seria

fome, frio, sede, necessidade de amparo. O bebê não possui qualquer equipamento

para lidar com esses impulsos, que devem ser, portanto, recebidos e traduzidos pela

mãe (ambiente). Quanto mais bem percebidos, recebidos e filtrados esses impulsos,

maior a chance de se tornarem prazer e satisfação. O contrário disso seria uma fonte

de desconforto para o bebê.

O bebê que encontrou de maneira sadia bons cuidados corporais e emocionais,

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traz a marca de uma criança esperançosa, aberta em relação ao professor, ao

amiguinho, ao novo. Traz, também, uma grande curiosidade. O “outro” é uma fonte de

prazer e ela sabe considerar e amar. Um bebê ou mesmo uma criança necessita de

um outro que cuide dele, e não apenas no que se refere às necessidades básicas para

sobrevivência, como na alimentação, mas de alguém que lhe dê amor, que estabeleça

um forte vínculo. Ao terem seus direitos violados e sofrerem privações das mais

variadas formas que os impeçam de receber esses cuidados corporais e emocionais

tão importantes, os bebês, crianças e mesmo os adolescentes podem ser levados a

uma entidade de acolhimento.

A entidade de acolhimento, em suas várias modalidades (casa de passagem,

casa-lar, abrigo institucional para pequenos grupos), deve operar efetivamente como

um espaço de proteção que dê especial atenção à qualidade do vínculo entre

profissional e criança. “Uma das tarefas fundamentais no âmbito da entidade de

acolhimento, senão a mais fundamental delas, é a de possibilitar o estabelecimento

desse vínculo que permitirá à criança aumentar a sua resiliência” (FRANÇA, [s/d], p.

3).

Dentre as funções profissionais existentes em uma Casa Lar, destaca-se a de

cuidador. Antigamente, em sua maioria, esses cuidadores eram pessoas voluntárias,

com ênfase na formação religiosa, com prioridade no acolhimento e cuidados básicos,

não havendo maiores preocupações com questões psicológicas e educacionais

(TOMÁS; VECTORE, 2012). Contudo, com as mudanças advindas de movimentos

sociais e consolidadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, foi instaurada uma

política de atendimento institucional que prioriza a convivência familiar e comunitária,

bem como os aspectos peculiares de desenvolvimento. Desse modo, os profissionais

que atuam em programas de abrigo “passam a ter o papel de educadores” (SILVA,

2004, p.103 apud TOMÁS; VECTORE, 2012, p. 579), o que exige não apenas

profissionalização na área, mas também seleção adequada e contínua capacitação.

O profissional que tem maior responsabilidade com a educação dos moradores

da casa lar é o cuidador ou pai/mãe social. Esse “é o profissional que reside com um

grupo de crianças e que deve orientá-las, além de administrar a casa, conforme

esclarece Lima (2009 apud TOMÁS; VECTORE, 2012, p. 579).

Como toda pessoa, os cuidadores também trazem consigo, além da

responsabilidade de cuidar das crianças acolhidas, fatores internos que facilitam ou

dificultam esse cuidado a partir da qualidade de sua interação com elas. Os

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cuidadores devem estar atentos para reconhecer as necessidades de cada morador

da casa, bem como estarem disponíveis e terem condições internas para dar a eles

um olhar diferenciado. O cuidador deve também compreender que, além de aspectos

internos, as vivências de cada uma das crianças irão interferir na forma de se

relacionar com ele e com os demais moradores da casa. Estar atento a esses

detalhes, torna o relacionamento mais possível bem como o acolhimento mais efetivo.

Segundo Ainsworth et al. (1978 apud ABREU, 2003) as crianças que

desenvolveram um bom apego em sua infância, conhecido por apego seguro,

conseguem ter relações mais tranquilas e de confiança em seus cuidadores. Essas

crianças também demonstram ter mais facilidade para lidar com o inesperado e

apresentam mais serenidade para lidar com situações de embaraço e desconforto

emocional. Ao contrário disso, um bebê que não encontrou esse básico cuidado

corporal e emocional, traz comportamento de desinteresse ou mesmo interesses

“compulsivos”. Procura se esquivar da relação, quase numa alienação. O contato com

o seu corpo é precário. Seu interesse é em “coisas” que distraem ou que alimentam.

Já o bebê que encontrou cuidados corporais, mas não o amor “tradutor” de suas

necessidades e desejos, tende a ser uma criança arredia, que se amedronta ou se

irrita frente ao novo. Com um baixíssimo limiar de tolerância a frustração, oscila do

arredio ao Rei, da indiferença à disputa desesperada por algum objeto.

Sendo assim, esses dois últimos tipos de situações apontadas, que são as

vividas pelas crianças acolhidas nas Casa Lar ou em alguma outra instituição de

acolhimento, necessitarão de um olhar atento a seu estado de espírito, sua realização,

seu movimento de relacionar-se. Precisará de um adulto que se ocupe dessa criança,

de uma proximidade que narre as ações e que fique íntimo a ponto de traduzir alguns

sentimentos. Esse acolhimento, esse olhar atento e intimidade ajudarão a criança a

reconstruir ou mesmo construir uma presença dentro de seu mundo interno que

contém um grande vazio ao invés da presença materna.

É possível perceber também, através de leituras e dados reais obtidos na Casa

Lar de Lins, que as crianças que passaram por privações intensas, ou seja, não

tiveram o já citado cuidado corporal e emocional, precisam de um aparato psicológico

e medicamentoso, caso contrário, as chances de recuperação são quase nulas. É

necessário levar em consideração, também, além das privações, as questões internas

individuais que cada criança apresenta para lidar com elas, o que justifica o fato de,

entre irmãos, um precisar de medicamento e o outro, não.

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No caso da criança que teve cuidados corporais, mas não o cuidado emocional

obtido a partir da constância de um adulto, no caso da Casa Lar, um cuidador que

realmente esteja com ela de uma forma contínua e intensa, essa criança terá chances

de cicatrizar parte da ferida causada pelas vivências emocionais de abandono. Daí a

importância de se fazer boas escolhas quanto aos profissionais que acompanham

essas crianças, que devem ser pessoas que tenham condições internas para dar a

elas esse olhar atento. É importante, também, que não haja alta rotatividade de

cuidadores, para que as crianças tenham a chance de formar vínculo com eles.

O adulto que irá acompanhar essas crianças deve ter intuição, intimidade com

a criança e capacidade de observar e reconhecer as necessidades essencias que não

foram supridas. Ele deve ser uma nova lente a enxergar essas crianças, que

proporcionará novos registros que poderão fortalecer a potencialidade que habita em

cada uma delas.

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CAPÍTULO III

A PESQUISA REALIZADA NA CASA LAR DE LINS

1 METODOLOGIA DE PESQUISA

No presente trabalho, estudou-se a população de uma instituição de

acolhimento chamada Casa Lar, situada no município de Lins - SP, tendo como

amostra duas unidades de casa, assistente social, psicóloga, três cuidadores (sendo

2 do sexo feminino e 1 do sexo masculino) e quatro crianças de 5 a 10 anos. Os

instrumentos utilizados para a coleta de dados foram entrevistas semiestruturadas que

tiveram por objetivo obter informações “a respeito de determinado assunto, mediante

uma conversação de natureza profissional” (LAKATOS e MARCONI 2010, p. 178). As

entrevistas com os cuidadores foram realizadas individualmente, já com a psicóloga e

assistente social, por questão de pouca disponibilidade de tempo, foi feita em

conjunto. Todas as entrevistas e gravações foram autorizadas pelos participantes e a

gravação do áudio se deu por meio de aparelho celular pertencente às autoras do

trabalho. Como instrumento de coleta de dados também foi realizada uma observação

nas casas que, de acordo com Marconi e Lakatos (2010, p.174) “obriga o investigador

a um contato mais direto com a realidade”.

Para análise dos dados coletados, utilizou-se uma análise temática, que

segundo Bardin (1977), é uma das formas que melhor se adequou a investigações

qualitativas. Como propõe o mesmo autor, três etapas constituem a aplicação dessa

técnica de análise: (1) Pré-análise; (2) Exploração do material; (3) Tratamento dos

resultados obtidos e interpretação.

2 PROCEDIMENTO

A pesquisa foi realizada pelas autoras, alunas do 10º semestre do curso de

Psicologia pelo Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium de Lins como

trabalho de conclusão de curso. O trabalho foi orientado por uma professora do

referido curso. Inicialmente, foi estabelecido o contato com a Instituição responsável

pela Casa Lar de Lins, para apresentação do projeto e possibilidade de autorização

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para sua realização.

Após a autorização da instituição para a realização do projeto que atendeu à

Resolução 466/12 e 510/16, ele foi submetido à Plataforma Brasil do Ministério da

Saúde e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do UniSALESIANO, parecer

consubstanciado nº 2.749.559 de 02/07/2018 e constante no Anexo A, ao final deste

trabalho. Todos os termos solicitados foram providenciados e assinados, tais como

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE A) e Termo de

Assentimento (APÊNDICE B). Com isso, tanto os cuidadores quanto as crianças

observadas aceitaram participar da pesquisa, o que está documentado nesses

termos.

Foram agendadas as primeiras visitas para coleta de dados e, no total, foram

necessários três encontros para a realização das entrevistas. Em dois encontros,

delimitados em 120 minutos, foram feitas as entrevistas com os três cuidadores, e em

um encontro, também delimitado em 120 minutos, foram feitas as entrevistas com a

psicóloga e com a assistente social. Foram realizados mais dois encontros delimitados

em 120 minutos, um para acesso e leitura dos prontuários das crianças, e outro para

observação delas.

Na entrevista com a psicóloga e assistente social enfocaram-se as seguintes

perguntas: Qual a importância da casa lar para as crianças? Os cuidadores são

qualificados? Qual a importância dos cuidadores? Quais são os principais cuidados

tomados pela instituição? Em quais aspectos o serviço de acolhimento poderia ser

melhor? Qual o envolvimento da comunidade? Como nosso projeto pode ser útil? No

intuito de perceber como estas profissionais observam e compreendem a relação dos

acolhidos com os cuidadores, e também como elas auxiliam na instituição.

Já para os cuidadores as perguntas foram as seguintes: Trabalha na instituição

desde quando? Qual horário? Quem trabalha junto com você no seu horário? Qual a

sua formação/nível escolar? Tem filhos? Quantos? Idade? Qual o seu estado civil?

Você percebe que de algum modo o cuidador representa uma figura materna/paterna

para a criança? Emocionalmente, como você se sente para cuidar das crianças?

Como você percebe a aproximação dessas crianças a você? Como é a sua relação

com as crianças na instituição? Como você percebe a relação entre as crianças e

adolescentes moradores dessa instituição? Você consegue relacionar de alguma

maneira o comportamento apresentado pelas crianças com as vivências delas

enquanto estavam com suas famílias? Para através das respostas compreender o

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fenômeno que ali se apresenta e assim analisar os dados coletados para obtermos

um resultado da pesquisa.

Após a coleta de todos os dados, realizou-se a pré-análise que, segundo Bardin

(1977, p. 95) “tem por objetivo tornar operacionais e sistematizar as ideias iniciais, de

maneira a conduzir a um esquema preciso do desenvolvimento das operações

sucessivas, num plano de análise”. Nessa etapa, praticou-se a leitura flutuante, a fim

de estabelecer um contato com os documentos que se buscava analisar e conhecer.

Depois desse processo, executou-se a escolha de documentos procurando, desse

modo, selecionar os documentos susceptíveis de fornecer informações (BARDIN,

1977). Através da pré-análise, buscou-se explorar conteúdos que se identificam com

os objetivos do trabalho, ou seja, relação de apego positivo de crianças em situação

de acolhimento com os cuidadores. Após esse processo, foram estabelecidas

categorias tanto para entrevista da psicóloga e assistente social quanto dos

cuidadores. Já com a categorização, foi realizada a preparação do material no qual as

entrevistas gravadas foram transcritas e as gravações conservadas. A transcrição

das entrevistas está disponível no apêndice D deste trabalho. Com a fase da análise

já percorrida, procedeu-se com a exploração do material e, depois disso, o tratamento

dos resultados obtidos e discussão deles.

3 RESULTADOS, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Realizadas a pré-análise e a exploração do material juntamente com as

categorias já estabelecidas, foi possível analisar os resultados e discuti-los. Essa

etapa consistiu em analisar todo o material coletado, estabelecendo as relações

observadas, tanto nas entrevistas quanto nas observações, no que se refere aos

objetivos do trabalho, ou seja, que fazem alusão ao tema relação de apego positivo

de crianças em situação de acolhimento com os cuidadores e, ao mesmo tempo,

confrontando esses dados analisados com a literatura.

Na entrevista realizada com a psicóloga e com a assistente social responsáveis

pela instituição, foram estabelecidas duas categorias: (a) Importância do serviço e dos

cuidadores para as crianças em situação de acolhimento e (b) Cuidados e melhoras

futuras para a instituição de acolhimento. Já nas entrevistas realizadas com os

cuidadores, as categorias evidenciadas foram: (a) Percepção das crianças quanto à

figura do cuidador, (b) Emoção versus competência técnica e (c) Percepção quanto à

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relação entre os moradores.

As perguntas e respostas dessa entrevista com a psicóloga e assistente social

se encontram, na íntegra, no apêndice D.

Abaixo serão destacadas as principais falas das entrevistadas, de acordo com

a categoria da pergunta. A resposta de cada uma delas está especificada, sendo que

a da psicóloga está referida por um “P”, e a da assistente social por um “AS”.

Na categoria A, elas foram questionadas sobre a Importância do serviço Casa

Lar e dos cuidadores para as crianças em situação de acolhimento. Sobre a

importância do Serviço Casa Lar, que é um tipo de instituição de acolhimento, Siqueira

e Dell’Aglio (2006) afirmam que as instituições ocupam um lugar central na vida das

crianças e adolescentes abrigados, e que, por conta disso, é necessário investir nesse

espaço de socialização para que haja interações mais estáveis e afetuosas nesse

ambiente. Faz-se necessário que a instituição ocupe uma rede de apoio social e

afetivo, que possibilite recursos para o enfretamento de eventos negativos. Somente

assim o ambiente será propicio para o desenvolvimento cognitivo, social e afetivo das

crianças e adolescentes desse contexto.

P: Eu penso que a importância da casa lar, né, que de forma

temporária ela vem substituir uma condição de um lugar tanto

interno quanto externo para permitir com que haja um espaço

tanto físico quanto mental para se desenvolver condições para

essas crianças se sentirem um pouco mais seguras e

protegidas, então a casa lar, ela vai ficar nessa função de uma

casa como se fosse a minha, porém o que prevalece é o coletivo

e não o individual.

AS: O acolhimento é como se fosse um resgate, né? Ele vai

mostrar para a criança situações que eles não conhecem com a

família, o que é o cuidado, o que é a proteção, o que é levar para

escola, o que é dar comida no horário certo porque quando eles

chegam para nós, eles têm uma cultura completamente diferente

do que a gente está adaptado, então para eles também é muito

assustador. Então a importância do acolhimento, não é a

importância da Casa Lar, é a importância do acolher, de receber

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a criança no momento da vitimação, né?

Percebe-se que é de grande importância o serviço de acolhimento para seus

moradores, já que foram, por motivo de direitos violados, afastados de seu convívio

familiar. Uma vez que passam a conviver em uma instituição de acolhimento, essa

passa a fazer a vez da família, se responsabilizando pelo desenvolvimento cognitivo,

social e afetivo das crianças e adolescentes desse contexto e, para isso, é necessário

que o ambiente seja favorável e acolhedor, trazendo condições estruturais, sociais e

afetivas adequadas para que o sofrimento dessas crianças e adolescentes seja

reduzido e para que o serviço de acolhimento passe a, de fato, ocupar o lugar central

na vida deles.

Em relação ao questionamento sobre a importância dos cuidadores, (BOWLBY,

1969; 1984; AINSWORTH et al., 1978 apud PEREIRA, 2008), visam a manutenção

da proximidade, ou seja, a resolução adaptativa do sentimento de segurança e

proteção. “A figura de vinculação constitui-se assim como a base segura do

Desenvolvimento e Relações de Vinculação na Infância, a partir da qual a criança volta

para a exploração do mundo” (AINSWORTH, 1967, apud PEREIRA, 2008, p. 33)

P: Eles vão exercer nessa relação, essa maternagem, essa

paternagem. Então assim, eles vão estar nessa função do pai,

da mãe. Não serão os pais nem as mães, mas vão exercer essa

função, que é tão importante, então assim, ser esse pai, essa

mãe, no contexto do serviço, do acolhimento, dentro da casa, é

o que vai possibilitar também à criança, poder compreender que

ela tem o direito ali de extravasar a raiva, o ódio, chorar, que tem

dias em que ela pode estar mais triste, assim também como ela

vai poder experimentar a alegria na relação com esse cuidador,

com esse educador, né? Ser essa pessoa de referência, como

figura de autoridade e de afeto, realmente é a pessoa que vai

estar ocupando esse lugar. Essa figura precisa ser internalizada

de um jeito bom

AS: Concordou com as respostas da psicóloga e não

acrescentou nada.

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Para os moradores das instituições de acolhimento, esta passa, por um período

indeterminado, a ser seu novo lar e é necessário que essas crianças e adolescentes

tenham a possibilidade de se vincular a alguma figura, que passe a ser seu referencial

e que traga segurança e proteção. É fundamental que possam estabelecer vínculo

com essa pessoa e que ela seja internalizada como algo bom para eles.

Quando se refere à categoria B (cuidados e melhoras futuras para a instituição

de acolhimento), foi perguntado sobre a qualificação dos cuidadores. Fernandes e

Goellner (2015), afirmam que, para exercer a função de pai e mãe social, é necessário

submeter-se a um processo seletivo e treinamentos específicos por um período de até

60 dias, sendo um estudo teórico e prático, sob a forma de estágio, como determinado

por lei. Para a contratação de um pai e uma mãe social é necessário que eles

cumpram alguns critérios: a idade mínima deve ser de 25 anos, ter uma boa sanidade

física e mental, possuir Ensino Fundamental completo, ser aprovado em treinamento

e estágio, ter boa conduta social, ser aprovado nos testes psicológicos específicos.

P: Geralmente os cuidadores não têm uma formação especifica,

não trazem em si essa bagagem, são pessoas com pouca

escolaridade, pessoas que têm uma vivência, que trabalharam

de certa forma com crianças, adolescentes, idosos. Essa pessoa

também tem que estar dentro de um perfil, porque para estar

dentro da casa lar, essa pessoa tem que ter um funcionamento

um pouco mais calmo e tranquilo no sentido de ter um

funcionamento mais continente, conseguir ter uma certa

continência, um autocontrole. A gente precisa saber que ela

consegue tolerar, também, enquanto adulto, frustrações, porque

muitas vezes a criança vai projetar o tempo todo nela muitas

emoções intensas, fortes, como a raiva, o ódio, o movimento

também da ambivalência, então, assim, essa escolha, quando

acontece, na verdade da contratação, as pessoas são

contratadas pelas características, mas não assim porque ela

vem já sendo um cuidador, né? Então assim, quando ela entra,

aí é que o serviço vai poder desenvolver a partir daí uma

capacitação. Essa capacitação até então é desenvolvida pela

equipe técnica. O cuidador precisa, quando entra, sentir-se

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aberto, propenso a construir uma identidade também de

cuidador, assim como nós, que sempre temos que lidar com o

novo.

AS: Isso é interessante porque a gente já fez experiência de

colocar pessoas que já vinham com experiência, com bagagem,

até mesmo de trabalhar em outros acolhimentos, de já ter uma

experiência profissional e não deu certo. A própria pessoa que

veio com toda essa experiência, não deu conta. Aqui a gente

valoriza muito o trabalho dos cuidadores. A gente até prefere

pegar alguém “cru” e ensinar, do que alguém que vem com uma

bagagem e muitas vezes não vai nem aceitar o que a gente está

dizendo, por achar que já sabe.

Os autores citados, Fernandes e Goellner (2015), apontam a necessidade de

que o cuidador passe por um processo seletivo e treinamento específico para que

esteja apto para assumir a função de educador, também conhecido como pai/mãe

social. Diferentemente da colocação dos autores, a psicóloga e assistente social

entrevistadas encontraram uma melhor maneira de formação desses educadores, a

própria vivência na instituição e capacitações mensais com temas específicos que os

auxiliem a lidar com as mais variadas situações que podem ocorrer e apontaram,

ainda, que melhor do que o profissional chegar pronto, é ele estar aberto a construir

sua identidade de cuidador. Ambos, autores e entrevistadas, concordaram sobre a

necessidade de que o candidato à vaga de cuidador tenha um bom funcionamento

psíquico.

Sobre o questionamento relacionado aos cuidados tomados pela instituição, as

orientações técnicas do Conanda (CONANDA; CNAS, 2009) apontam que os serviços

oferecidos por estas instituições devem estar de acordo com os preceitos do Estatuto

da Criança e do Adolescente, priorizando um ambiente próximo ao de uma rotina

familiar, proporcionando vínculo estável das crianças e adolescentes com o

educador/cuidador, favorecendo o convívio familiar e comunitário.

P: A questão do sigilo. As casas, vocês vão perceber quando

forem lá, não têm identificação, começa por aí. A Casa Lar é

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identificada através da sede. As crianças também, quando vão

para a escola, para os atendimentos, também existe esse

cuidado de não ser rotulada como a fulana da Casa Lar, não.

Aquela criança tem nome, tem identidade, está acompanhada

de um cuidador, que está ali como educador, como uma

referência, está na função, naquele momento, como se fosse a

mãe, como se fosse o pai, então é o acompanhante dela naquele

momento. Cuidado com a capacitação. Nos atendimentos de

escuta qualificada, apoio, suporte para os cuidadores e crianças.

AS: Então, além de todos esses cuidados que a psicóloga já

disse e que se aplicam mais à rotina da casa, nós aqui devemos

ter o cuidado de cuidar do processo, de agilizar o processo, de

cuidar dessa criança para que não institucionalize, para que não

fique, dentro dela, concretizado o acolhimento, a

institucionalização, porque uma criança institucionalizada, se

priva de muita coisa, ela se priva da vida, ela se priva da

autonomia, ela acha que tudo vem e nada vai. O cuidado é a

todo momento. Em tudo a gente tem que ter cuidado. Cuidado

de acolher, cuidado na hora que as crianças já estão dentro da

casa, com as crianças, com o cuidador, com o processo, com as

famílias, com as famílias de apoio, com as famílias que entram

para não invadirem o espaço, com o desligamento através de

festa de despedida e preparo das crianças antes e durante sua

saída, bem como o acompanhamento depois de sua saída.

Temos que ter cuidado também, nesse momento, com os que

ficam na casa, porque é muito angustiante para eles.

As informações contidas nas orientações do Conanda (CONANDA; CNAS,

2009), bem como os dados obtidos na entrevista com a psicóloga e assistente social,

mostram a necessidade de que a instituição de acolhimento Casa Lar seja para as

crianças o mais próximo possível do que é encontrado em uma rotina familiar, sendo

que, na entrevista, foi possível verificar ainda que a instituição deve priorizar a

individualidade de seus moradores (algo que é comum em casas de família) e que

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eles devem entender que, a partir do momento que a instituição passa a ser a casa e

a família deles, ali eles terão momentos bons e ruins, como em qualquer outro meio

familiar. O documento de orientações do Conanda (2009) aponta, ainda, a importância

de proporcionar um vínculo estável das crianças e adolescentes com o

educador/cuidador, algo que favoreça o convívio familiar e comunitário. A psicóloga e

assistente social trazem ainda como requisito para o bom funcionamento da casa e,

consequentemente, do convívio dos moradores com os cuidadores, o cuidado com os

cuidadores por meio de capacitações, escuta qualificada e orientações, bem como o

cuidado com os moradores da instituição, não apenas enquanto estiverem residentes

no lugar, mas também no preparo deles para a saída e o acompanhamento após a

saída.

Sobre as melhorias futuras da instituição, a resposta da psicóloga e da

assistente social referiu-se às seguintes mudanças:

AS: Em resumo, seria interessante a melhora na parte física da

casa, um aumento no número de cuidadores, não para virar um

abrigo, mas para poder dar mais atenção às crianças, porque

tendo dois cuidadores, para eles seria o essencial, porque

seriam dois para olhar os 10 acolhidos.

P: O que eu sinto que existe dentro da rede é uma dificuldade

de articulação entre todos os equipamentos, seja da assistência,

seja da saúde mental, do judiciário. A gente sente que ficam

muitas lacunas, muitas brechas, então fica uma falha na

comunicação, então a Casa Lar não trabalha sozinha, o trabalho

da Casa Lar, para poder, desligar uma criança, acolher uma

criança, a manutenção da vivência na permanência dessa

criança, até o seu desligamento, não é só a Casa Lar, e muitas

vezes a sensação que a gente tem é “toma que o filho é seu”.

Foram apontadas como possíveis melhorias para a Casa Lar abrigo de Lins:

adequação estrutural para que pudesse atender às exigências de acordo com o

número de moradores, aumento no número de funcionários para que ao menos dois

cuidadores trabalhassem no mesmo turno, proporcionando maior atenção às crianças

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moradoras da instituição e evitando que esse tipo de acolhimento se assemelhe às

instituições anteriores, que eram abrigos onde o número de abrigados era muito

grande para poucos cuidadores, o que impossibilitava a essas crianças e

adolescentes receberem a atenção devida. Na modalidade abrigo, além desse, outro

fator também se tornava grande dificultador do estabelecimento de vínculo entre essa

criança e/ou adolescente institucionalizado e cuidador. A grande rotatividade desses

cuidadores. Foi apontada, ainda, como pertinente, a contratação de mais um “volante”

permanente, ou seja, uma pessoa que estaria sempre disponível para cobrir férias ou

ausência de um dos cuidadores e melhor comunicação entre a rede, que inclui a área

da saúde mental, conselho tutelar e judiciário.

Quanto à questão relacionada ao envolvimento da comunidade, é possível

notar que esse envolvimento ainda é tímido. Estudos têm apontado diferentes tipos

de apoio percebido. Para Wills, Blechman e McNamara (1996, apud SIQUEIRA et al.

2009, p. 179), os mais relevantes são o emocional, instrumental e informacional. O

apoio emocional está relacionado à disponibilidade de conversar e dividir problemas,

por meio de uma relação de confiança, sendo considerado o mais efetivo para reduzir

os efeitos negativos de uma situação adversa. O instrumental está associado à ajuda

e à assistência em tarefas, tais como oferecer transporte, dinheiro e auxílio nas tarefas

escolares. E, por último, o apoio por meio de informações se refere à disponibilidade

de orientação e informação a respeito dos recursos da comunidade.

P: Existe uma participação da comunidade dentro da “família de

apoio”, que acontece por busca ativa, a gente vai tentar fazer a

captação do maior número de famílias, ou essas famílias

chegam até nós de maneira espontânea, também através do

“apadrinhamento afetivo” que é um projeto que ainda está

engatinhando. Temos também procura por pessoas que têm

interesse em fazer um trabalho voluntário, mas isso acontece

com maior frequência em datas comemorativas como dia das

crianças e natal. O próprio trabalho que vocês estão

desenvolvendo está dentro desse aspecto da comunidade,

vocês vão estar prestando um serviço, né?

AS: Percebe-se, então, uma falta de conhecimento da

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comunidade sobre a responsabilidade que ela tem, o porquê o

próprio ECA trazer que a responsabilidade é do Estado, da

família e da comunidade, portanto, nós, enquanto cidadãos,

temos obrigações dentro do município, e as nossas obrigações,

nossas responsabilidades também é auxiliar as entidades, como

cidadão. As pessoas não conseguem entender a participação

delas porque eles culpam as famílias e o Estado. Então, a gente

percebe que na comunidade ainda falta muito preparo para ela

entender o que é o serviço de acolhimento, para que que serve,

confundem muito com Fundação Casa, que não tem nada a ver,

confundem também com outros tipos de serviços que não têm

nada a ver, pensam que são crianças revoltadas e dizem: - Eu

não quero esse tipo de criança na minha casa! Mas não

conhece, não sabe quem é. Então a gente diz que cria-se um

pré–conceito. Não conhece aqui, e julga.

Tanto na citação dos autores Wills, Blechman e McNamara (1996) apud

SIQUEIRA et al. 2009, p. 179), quanto em dados obtidos a partir da entrevista, foi

possível verificar que ambos concordam em dizer que o apoio emocional/afetivo é o

mais importante para os moradores de uma instituição de acolhimento. Os autores

citam ainda outros dois tipos de apoio existentes que são o instrumental e

informacional e as entrevistadas complementam dizendo que a falta de informação da

comunidade sobre sua responsabilidade para com as crianças acolhidas, no auxílio

as entidades, a impede de ser mais ativa.

E, por fim, quando perguntado sobre a importância deste trabalho no que ele

será útil para a instituição, a resposta da psicóloga e da assistente social foi que:

AS: Dentro do trabalho de vocês, se for possível realmente

explanar tudo isso, o que é o acolhimento, quem são essas

crianças, o porque elas estão ali, qual a importância disso tudo,

qual é o papel de cada um, tanto dos cuidadores, quanto da

equipe técnica, coordenação e comunidade, para fazer com que

as pessoas entendam o que é isso, tenham uma maior clareza

do que é isso e entendam de uma outra forma, de visões de

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outras pessoas, então, assim, eu acho que o trabalho de vocês,

voltado a esse tipo de situação, pode contribuir com que as

pessoas abram a questão da visão para poder conhecer,

ampliar, e poder participar disso, porque o serviço de

acolhimento é aberto, a sede está aberta para a gente receber a

população, a comunidade, mas as pessoas não vem e não

buscam.

P: Concordou com a resposta da assistente social e não fez

colocações.

Os dados obtidos na entrevista trouxeram como principais benefícios desse

trabalho para a instituição Casa Lar de Lins: esclarecimento para a sociedade sobre

o que é de fato esse serviço de acolhimento, sua importância e seu papel, bem como

desmistificar quem são as crianças ali acolhidas que são vítimas de preconceito por

essa sua condição. E, por fim, enfatizar que a instituição está aberta para receber a

comunidade.

Na entrevista com os cuidadores, foi realizado um quadro com a identificação

de cada cuidador:

Quadro 3: Identificação dos cuidadores.

CUIDORES Flor de Liz Girassol Gérbera

Tempo de

atuação 6 meses 1 ano e 3 meses 5 anos

Carga horaria 48 por 48 48 por 48 48 por 48

Formação

Curso técnico e

superior

incompleto

Ensino médio

Ensino médio e

superior

incompleto

Possui filhos Sim (1) Sim (1) Sim (4)

Estado civil Em relação

estável Divorciada Casada

Fonte: elaborado pelas autoras, 2018

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Realizou-se, também, entrevista semiestruturada com cada um dos três

cuidadores da Instituição Casa Lar Abrigo de Lins. Na categoria A (Percepção das

crianças quanto à figura do cuidador), foi perguntado sobre a figura do cuidador, se

eles acham que representam uma figura materna/paterna para as crianças do

acolhimento. De acordo com Pereira (2008, p. 33), a criança passa então a

estabelecer uma relação distinta e privilegiada com essa figura, que é quem lhe

fornece os cuidados básicos e quem assegura a sua sobrevivência. A relação

estabelecida com os monitores desempenha papel central na vida das crianças e dos

adolescentes abrigados, à medida que serão estes adultos que assumirão o papel de

orientá-los e protegê-los, constituindo, neste momento, os seus modelos

identificatórios (SIQUEIRA E DELL’AGLIO, 2006).

Flor Liz: Sim, pois eles se espelham em nós. Eles não têm outro

referencial. (cuidador)

Girassol: Sim, sentem como pai e mãe, é uma coisa muito forte

eles conseguem ficar tão à vontade que eles expõem qualquer

sentimento, eles também xingam a gente, eles respondem mal,

eles têm liberdade assim como se fosse pai e mãe mesmo, eles

choram com a gente, tem momentos que eles querem nosso

colo, nosso carinho. Não me considero uma cuidadora, me

considero uma mãe de verdade, porque você sofre junto, você ri

junto, você brinca junto, na hora dos “pegas” você está junto,

então eu acho que é muito mais uma presença de pai e mãe é o

que eles buscam na gente é isso. (cuidador)

Gérbera: Sim, principalmente quando eu permanecia na casa

com eles de Segunda a Sábado. Hoje, como eu te falei, eles

ainda têm um carinho comigo, mas não mais a mesma afinidade

que tínhamos antes. (cuidador)

Os três cuidadores concordam ao afirmar que eles representam uma figura

materna/paterna para os acolhidos, de modo que Girassol trouxe relatos em sua fala

de que os moradores da instituição têm liberdade com ela, bem como momentos bons

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e ruins, como em uma relação de pai/mãe e filho. Os autores citados, Siqueira e

Dell’Aglio (2006), vão ao encontro da resposta dos cuidadores ao apontar que o

cuidador, ao passo que traz segurança e cuidados básico para a criança, passa a se

tornar a figura identificatória, com quem essa criança constrói uma relação distinta e

privilegiada.

Na categoria B (Emoção versus competência técnica) a pergunta foi sobre

como os cuidadores se sentem emocionalmente para desenvolverem seu trabalho. As

pessoas que cuidam, sejam elas profissionais ou familiares, acabam por sofrer um

grande desgaste emocional, porém passam a ideia de que cuidam também de si

mesmas (FERNANDES et al., 2003 apud DAMAS, MUNARI e SIQUEIRA, 2004, p.

275). Ninguém pode dar ao outro o que não tem, diz um antigo provérbio, é fato, por

conseguinte, que seremos mais eficazes na nobre tarefa de cuidar se nos

dispusermos a promover o bem estar do outro sem esquecermos do nosso próprio

(DAMAS, MUNARI e SIQUEIRA, 2004, p.275).

Flor Liz: Eu me preparei para entrar aqui. Eu fui contratado

como “volante”, pessoa que cobre férias ou a ausência de algum

dos cuidadores, mas quando eu fui chamado, já vim com a

função efetiva de cuidador. Eu li o prontuário de cada uma das

crianças para saber o que eu iria encontrar quando chegasse

aqui. Então eu não me apego, cuido dou carinho, mas eu não

me apego, sei que uma hora eles vão embora, então eu me

preparei dessa forma, acho que é por isso que eu estou aqui até

hoje, porque é bem difícil. (cuidador)

Girassol: Assim, eu tenho uma dificuldade muito grande porque

eu me apego muito, muitas vezes eu não consigo me desligar, e

isso vai desgastando assim, então tem dias que eu estou mais

cansada, tem dias que estou mais tranquila. Tem horas que eu

gosto de conversar e quando eu converso, me sinto aliviada e

os momentos que eu tenho para descansar, eu descanso para

estar bem para eles. Hoje estamos sem atendimento, acho muito

importante ter este atendimento. (cuidador)

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Gérbera: Me sinto bastante cansada, estafada. É muita carga

que eles colocam para cima da gente e, no fundo, você não tem

onde depositar isso. Eu já falei para a psicóloga responsável

pela Casa Lar que nós precisamos de atendimento psicológico,

porque nós temos muitos problemas deles estourando,

explodindo. Toda emoção forte que eles têm de ausência da

mãe ou problemas na escola, no projeto, estoura aqui na casa e

eu ouço antes de qualquer outra pessoa. E onde eu coloco tudo

isso? Tem uma hora que temos que limpar, esvaziar o balde

para as goteiras começarem a cair de novo, senão vai

derramando. Eu sinto dor de cabeça todo dia. Eu sinto uma dor

forte na nuca que tem dia que eu não penteio o cabelo, você

acredita? (cuidador)

Dos três cuidadores, Gérbera foi a que se mostrou mais cansada para o

trabalho de cuidador, mas tanto ela quanto Girassol, apontaram a importância de se

sentirem cuidadas e trazem como sugestão para isso um acompanhamento

psicológico. Essa colocação de Gérbera e de Girassol foi ao encontro da de Damas,

Munari e Siqueira, sobre a necessidade de cuidar de si mesmo, citada no parágrafo

anterior à citação acima. A colocação de Gérbera, de que se sente estafada no seu

papel de cuidador, bem como a fala de Girassol, ao dizer que muitas vezes não

consegue se desligar e isso a desgasta, concordam com a colocação de Fernandes

et al. (2003, apud DAMAS, MUNARI e SIQUEIRA, 2004, p. 275), de que “quem cuida

acaba por sofrer um grande desgaste emocional”. Flor de Liz respondeu que

encontrou como forma para se manter emocionalmente bem não se envolver

emocionalmente com as crianças e adolescentes moradores da instituição.

Acrescentou, ainda, que já assumiu a função conhecendo a história de vida de cada

um dos moradores através de seus prontuários. Essa fala pode ser vista como

reprodução da segunda parte da citação de Fernandes et al. (2003), que coloca que

“quem cuida sofre um grande desgaste emocional, porém passam a ideia de que

cuidam também de si mesmas”

Quanto à pergunta sobre como o cuidador vê a aproximação das

crianças/adolescentes a eles, Bowlby (2002) diz que o apego é uma disposição para

buscar proximidade e contato com uma figura específica, e seu aspecto central é o

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estabelecimento do senso de segurança e os comportamentos de apego, por sua vez,

são observáveis e organizados nas interações das crianças com seus cuidadores,

permitindo que a criança consiga ter e manter a proximidade.

Flor Liz: É gradativa. Elas vão se aproximando aos poucos,

conforme sentem confiança. (cuidador)

Girassol: A gente assim, quando eles chegam aqui chegam

assustados, carentes sabe, casa nova tudo novo eles ficam tudo

meio pelo cantinho, você tem que ir fazendo eles interagirem

com as crianças, você tem que dar apoio, segurança, falar “Não,

aqui agora é o nosso lar a nossa casa!” Como se eles não

estivessem entrando em um abrigo, eles estivessem convivendo

assim em uma família, então a gente tenta assim, não que deixa

os outros de lado, mas focar muito ali neles que chegaram até

você perceber que eles estão mais à vontade. Então como a

gente já sabe se está aqui já está sofrendo né? Deixou a família,

já veio com problemas. A gente tem que dar muito amor, muito

carinho, se dedicar mais ali até ele se enturmar. Se enturmou

um pouquinho, tem criança que sofre mais tempo tipo um mês,

quinze dias e tem criança que chega no outro dia e já está

brincando. (cuidador)

Gérbera: Então, como eu te disse. A aproximação antes era

mais, agora nem tanto, mas tem alguns moradoras daqui, com

quem eu já tive algumas desavenças grandes que ainda assim

quando eu chego abre o portão para mim, me cobram para ir na

formatura deles, e assim vai, mas... são próximos, mas não tanto

mais. Quando eu permanecia na casa a semana toda, a

aproximação das crianças a mim, o vínculo que tínhamos era

muito maior, pois elas sabiam que eu estaria aqui todos os dias.

Eles realmente me viam como mãe. Era eu que resolvia tudo.

Agora não, eu não sinto mais essa afinidade das crianças por

mim que antes era tão forte. Eles têm um carinho por mim, mas

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não como era antes. Atualmente, se eles precisam dar algum

recado, eles anotam na lousa, pois hoje eu estou aqui, mas

passado dois dias será outra cuidadora. (cuidador)

Nas falas de Flor de Liz e de Girassol, fica clara a mesma colocação do autor

Bowlby (2002), que afirma que a aproximação da criança ao cuidador está diretamente

ligada à aquisição de segurança na figura específica, o cuidador. Na fala de Gérbera

é possível perceber a proximidade das crianças a ela, mas fica evidente que essa

proximidade depende da permanência dela na casa e que, ao ser introduzido um

rodízio de turnos para os cuidadores da Casa Lar, isso acabou por enfraquecer o

vínculo de proximidade que havia sido criado entre ela e as crianças moradoras da

instituição.

Sobre a pergunta que envolve a relação dos cuidadores com os moradores da

instituição, a teoria do apego evidencia a importância da ligação emocional que se

desenvolve entre a criança e seu cuidador, para orientar o desenvolvimento afetivo,

cognitivo e social dela. Bowlby (2002, 2004) define o vínculo como uma ligação

composta por uma rede de comportamentos que tem relação com a proteção natural

da espécie. Para o autor, o vínculo afetivo entre a criança e o seu cuidador se

estabelece de forma natural, dadas as devidas condições.

Flor Liz: Nossa relação é boa. Eu procuro não me envolver tanto

emocionalmente, pois sei que a qualquer momento eles podem

sair daqui. Não quero ficar como alguns cuidadores, chorando

por uma semana por sentir falta de alguma criança ou

adolescente. Eu fico feliz por eles quando eles saem daqui.

(cuidador)

Girassol: É como se fosse uma relação de pai e mãe mesmo,

como se fosse uma família, alguns têm mais facilidade de falar

comigo, outros têm mais facilidade de falar com o Flor de Liz e é

assim. (cuidador)

Gérbera: É boa, mas não tão próxima quanto antes, como eu te

disse. Eles dizem que eu sou brava, mas sou como uma mãe

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mesmo, tenho que cobrar e dar bronca quando necessário, mas

quando eles têm algum problema, uma dor de barriga, eles vêm

chamando “ô tia”. Tem uma moradora daqui, por exemplo, que

chegou a me dizer que tem saudade da mãe, mas que muitas

coisas que ela gostaria de falar para a mãe, ela conversa

comigo, mas no fundo no fundo a gente sabe que não é só isso,

ne? Que eles sentem muita falta da mãe. (cuidador)

A teoria do apego evidencia que a ligação emocional que se desenvolve entre

a criança e seu cuidador é importante para orientar o desenvolvimento afetivo,

cognitivo e social da criança. A reposta de Flor de Liz, apesar de apontar que sua

relação com as crianças é boa, enfatiza o contrário, a busca do cuidador pelo não

envolvimento emocional com as crianças para poupar o seu próprio sofrimento

quando essa criança não estiver mais ali na instituição.

Bowlby (1973, 2004) aponta que o vínculo acontece de forma natural dadas as

condições necessárias e a fala de Girassol vai ao encontro dessa colocação, ao dizer

que a relação é de pai e mãe (algo natural) e que são respeitadas as escolhas das

crianças quanto a com qual cuidador eles tem maior proximidade para conversar, o

que também é algo natural de uma família em que os filhos escolhem se querem falar

com o pai ou com a mãe sobre determinado assunto.

A fala de Gérbera também evidencia esse vínculo estabelecido de forma

natural, quando ela diz que ela é como se fosse uma mãe, mas fica também

evidenciado que essa relação era maior quando o tempo de contato dela com as

crianças era mais parecido com o de uma mãe com um filho (diariamente).

Sobre a relação das vivências anteriores que tiveram os moradores do

acolhimento com o comportamento apresentado por eles atualmente, Bowlby (2004)

destaca que a aflição e a angústia que são enormes e provocadas quando filhotes de

animais e crianças são afastadas de uma figura a que se apegam e colocados junto a

estranhos.

Segundo Ramires (2003), estados de angústia e depressão que se manifestam

na idade adulta, assim como condições psicopáticas, podem ser associados a estados

de angústia, desespero e desapego que facilmente se manifestam sempre que uma

criança se separa por largos períodos de sua figura materna, sempre que espera uma

tal separação ou, como às vezes acontece, quando perde a mãe definitivamente.

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Flor Liz: Sim. Eles chegam buscando confiança. Se você

promete alguma coisa aqui, tem que cumprir. Teve uma vez que

eu prometi algo e não consegui cumprir; eles ficaram um mês

dizendo que eu prometo e não cumpro. Outra questão que

interferia muito no comportamento delas era a alta rotatividade

de cuidadores que tinha aqui. (cuidador)

Girassol: Acho que tudo isso tem uma ligação com o que elas

passaram, porque o que eles passaram eles aplicam aqui, a

gente que vai conversando tentando mostrar que não é.

(cuidador)

Gérbera: Tem momentos que sim, você entendeu? Porque aí

fala assim “ah, mas ele viveu muito assim, com briga, isso e

aquilo”, mas tem criança que já está aqui há 2 anos. Então é que

nem eu falo, você está dando amor, está dando atenção, você

está dando carinho, está dando suporte, então quer dizer, o

comportamento já não vem mais nem do que viveu atrás, já vem

assim da formação mesmo de caráter, de opinião, porque já tem

opinião formada sobre isso. Então, assim, não é só pelas

vivências anteriores. Aí vai dizer que não aprendeu nada? Que

você não ensinou nada? Mentira, né? É uma mudança de vida e

às vezes eles têm uma pequena mudança, assim, e já

transtorna, já causa. Por mais que eles tenham de tudo aqui,

geladeira cheia, freezer cheio, almoço, janta, café, não é isso

que eles querem. Eles querem comer arroz e feijão com a mãe,

é isso que eles querem. Eles não querem nada mais do que isso

e aí surge uma revolta e eles dizem que não querem estar ali,

que não gostam daqui. Mas não é que eles não gostam, não é o

lugar que eles querem ficar. (cuidador)

Os autores Bowlby (2004) e Ramires (2003) apontam alguns dos

comportamentos que podem ser evidenciados por crianças que foram afastadas do

convívio com a mãe, como angústia, aflição, depressão e quadros psicopáticos. Os

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cuidadores entrevistados não entraram em detalhes quanto ao tipo de comportamento

apresentado pelas crianças do acolhimento, mas Girassol afirmou que o

comportamento apresentado por elas tem ligação com o que passaram antes de

estarem ali, e que ela vai explicando para essas crianças que a partir daquele

momento seu comportamento não precisa ser mais aquele. Flor de Liz trouxe

informações de que as crianças chegam buscando confiança, o que dá a entender

que é algo que foi perdido nas suas relações anteriores à instituição, o que também

condiz com a colocação de Girassol. Gérbera também concordou que o

comportamento das crianças têm a ver com suas vivências anteriores, mas enfatizou

que, ao passo que elas começaram a receber carinho, amor, atenção e suporte ali na

Casa Lar e o comportamento não mudou, ele não pode mais ser visto como reflexão

do que essa criança viveu atrás, e sim com algo que vem da formação mesmo de

caráter, de opinião, porque essa criança já tem opinião formada sobre isso.

Na categoria C (Percepção quanto à relação entre os moradores) os

entrevistadores foram questionados sobre a relação entre os moradores. Siqueira e

Dell’Aglio (2006) apontam que, na medida em que as relações afetivas são positivas

e recíprocas no início, sendo cada vez mais positivas, é possível que aumente o ritmo

e melhorem os processos de desenvolvimento. Dessa forma, as instituições de abrigo

devem considerar o afeto presente nas relações entre seus integrantes, tanto entre as

crianças e adolescentes quanto entre estes e seus monitores.

Flor Liz: São como “cão e gato”, como uma grande família. Em

um minuto estão bem e no outro já estão se “pegando”.

(cuidador)

Girassol: É assim, cada criança é de um jeito. Tem criança que

tem um desempenho melhor, brinca, aceita mais, tem criança

que tem disputa, esse é meu, esse é seu. Tem crianças mais

abertas que gostam de conversar, tem outras mais fechadas.

Entre eles o relacionamento é bom, é um cuidando do outro. Se

você ficar aqui, conviver aqui, é como se fosse uma família

mesmo. (cuidador)

Gérbera: É boa, mas eu tenho que tomar vários cuidados para

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que a relação seja a melhor possível. O que eu cobro muito deles

é o respeito, para que eles se vejam como uma família, como

irmãos, para que não haja paquera entre eles e para que eles

aprendam que apesar de suas diferenças, um deve proteger o

outro, pois essa é a nova família deles. (cuidador)

Os autores Siqueira e Dell’Aglio (2006), apontam a importância da relação entre

os moradores da instituição, bem como da relação entre moradores e cuidadores, pois

essas boas relações podem até mesmo melhorar os processos de desenvolvimento

das crianças. Os três cuidadores relataram que a relação entre os moradores da

instituição é boa e natural, como a de uma família em que eles brigam mas depois se

entendem, cada integrante com uma personalidade diferente, sendo uns mais

extrovertidos e outros mais introvertidos, uns com maior facilidade de dividir seus

brinquedos e outros, nem tanto. Gérbera relata que a relação entre eles é boa e

apontou cuidados que ela tem para que essa relação seja cada vez mais positiva,

como, por exemplo, o cultivo do respeito entre eles.

4 PARECER FINAL

Por meio do estudo realizado, percebe-se que as quatro crianças

institucionalizadas conseguiram, com base na relação estabelecida com seus

cuidadores, desenvolver o apego positivo por eles. Apesar das dificuldades no

estabelecimento de vínculos afetivos no contexto de acolhimento institucional, eles

são possíveis, desde que haja disponibilidade para o contato afetivo e para lidar com

as incertezas, dificuldades e limitações inerentes a esse contexto.

Como uma das dificuldades para esse estabelecimento de vínculo, pode-se

apontar o grande número de abrigados para apenas um cuidador, bem como as

vivências internalizadas por cada um dos moradores da instituição. Sabe-se que o

número de moradores de uma Casa Lar Abrigo é bem menor do que nas instituições

existentes anteriormente, como as de abrigamento, por exemplo, mas, ainda assim,

quando se trata de crianças acolhidas, fala-se de seres humanos que sofreram os

mais variados tipos e graus de privação, e que precisam, portanto, de atenção

especial, o que não é possível com apenas um cuidador na casa.

Outro limitador é a estrutura física das casas, que por não terem sido projetadas

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para funcionar como uma Casa Lar, levando em conta o número e perfil dos acolhidos

(idade, necessidades físicas) e a rotina diária da casa, não possibilitam maior

individualidade em meio ao coletivo, que é um dos objetivos desse tipo de

acolhimento.

Um terceiro fator é o reduzido número de funcionários no setor administrativo.

Se esse número fosse aumentado, seria possível, por exemplo, que acontecessem

encontros mais constantes dos psicólogos e assistentes social com os cuidadores das

Casa Lar. Dessa forma, seria possível um maior apoio emocional e informativo para

que a relação entre cuidadores e moradores pudesse ser mais efetiva e o vínculo,

estabelecido com maior facilidade e maior enraizamento.

Apesar de todos esses pontos que, se corretamente endereçados, poderiam

contribuir grandemente para a melhora do sistema de abrigo Casa Lar, foi possível

constatar, por meio da entrevista com os cuidadores e da observação da relação das

crianças com eles, que existe aproximação das crianças entre si e dessas com seus

cuidadores.

Foi possível ver que as relações no ambiente Casa Lar se aproximam de um

sistema familiar comum, onde os integrantes brigam, mas também se protegem, têm

suas diferenças, seus gostos particulares, seu funcionamento psíquico único, como

no caso das duas duplas de irmãos observados. Foi possível perceber, também, um

respeito pela característica de cada um pertencente à instituição. Enquanto alguns

gostavam mais de interagir, outros preferiam ficar quietos assistindo seu programa de

TV ou lendo uma revista. Notou-se diferenças de comportamento e também alguma

dificuldade motora e na fala, bastante evidente nos dois irmãos que foram devolvidos

6 vezes por casais adotantes, conforme já apresentado no início do trabalho.

É possível associar esse déficit na fala, bem como de aprendizagem (notado

na observação das crianças e confirmado pelos cuidadores), a questões emocionais,

já que cada pessoa internaliza suas vivências de uma forma. Além das privações

sofridas enquanto em contato com sua família de origem, duas dessas crianças já

foram devolvidas 6 vezes por casais adotantes, como já foi colocado, além, é claro,

da interferência, de medicamento psiquiátricos usado por um desses dois irmãos. Das

quatro crianças observadas, apenas uma não faz uso de medicamento psiquiátrico

devido à sua pouca idade (5 anos), insuficiente para que o psiquiatra faça qualquer

prescrição medicamentosa desse tipo, segundo a psicóloga responsável pela

instituição.

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Os cuidadores tentam dar carinho e atenção ao passo que se dividem com

todos os moradores e afazeres domésticos, e às vezes devem ser mais enérgicos, já

que estão incumbidos da responsabilidade de educar. Foi notado, ainda, que cada

cuidador, assim como as crianças moradoras da instituição, tem sua personalidade e

vivências internalizadas, que o possibilita ter maior ou menor facilidade ao acesso às

crianças

Ficou clara, também, a conquista que foi o modo de institucionalização Casa

Lar, se comparada aos modelos anteriores. Para citar algumas das melhorias, tem-se

a questão do sigilo. Tem-se prezado pelo sigilo do espaço físico das Casas Lar e

também das crianças, para que não sejam estigmatizadas como “um abrigado”, mas

que tenham suas identidades preservadas. O cuidado com o individual, mesmo em

meio ao coletivo, para que esse tipo de acolhimento consiga oferecer espaço para que

as crianças se desenvolvam física, mental e emocionalmente, tendo sempre as suas

individualidades respeitadas e para que essa instituição se assemelhe, o máximo

possível, a uma casa de família. Outro fator importante foi a redução do número de

acolhidos e de rotatividade de cuidadores, que favoreceu uma maior aproximação

entre os moradores e os cuidadores, proporcionando, assim, aumento da

possibilidade de estabelecimento de vínculo entre eles.

Enfim, foi percebido, através de todas as etapas deste trabalho, a importância

e grande conquista que é possível através de um acolhimento efetivo, bem como os

efeitos perniciosos caso ele não seja adequado. Ficou evidente, também, o quanto a

sociedade e as políticas públicas precisam evoluir para se darem conta do poder que

têm para ajudar e transformar vidas sem que para isso seja necessário primeiro que

essas crianças passem por tanto sofrimento.

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PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

Por meio deste projeto, foi possível perceber a necessidade de algumas

mudanças que proporcionem um melhor funcionamento dessa instituição de

fundamental importância social que é a Casa Lar. Uma primeira proposta de

intervenção estaria baseada na necessidade de acompanhamento psicológico para

todos os acolhidos e também para todos os funcionários. É sabido que alguns dos

moradores já recebem atendimento psicológico semanal, mas a partir do

conhecimento da importância de um bom trabalho terapêutico, e também da melhora

significativa no desenvolvimento das crianças que já têm essa oportunidade, seria de

grande valia que todos tivessem esse espaço.

Os cuidadores necessitam de um apoio especializado para receberem um

suporte para escuta de seus anseios, medos e projeções recebidas das crianças e

adolescentes acolhidos, que, também, com frequência descarregam suas emoções

mais intensas como raiva, ódio e indignação nesses cuidadores. Esse espaço

destinado a esses profissionais poderia ser útil, também, para sanarem dúvidas

quanto a sua atividade prática e facilitar a criação de vínculo entre eles e os acolhidos.

Os atendimentos aqui poderiam ser individuais e também através de rodas de

conversa coletiva. Já as crianças necessitam desse apoio psicológico para

aprenderem a lidar com situações novas e a ressignificar grandes sofrimentos

vivenciados.

Outra melhora que propomos diz respeito à parte estrutural das casas. Seria

necessário que a casa fosse grande o suficiente para comportar as crianças e

adolescentes com mais conforto; que possuísse quartos maiores, mas que, ao mesmo

tempo, não fugisse da realidade das crianças e adolescentes que moram na

instituição. O ideal, que poderia facilitar o processo de acolhimento, seria a construção

de casas adaptadas à realidade e necessidade da Casa Lar de Lins.

Melhoras significativas seriam possíveis, também, com a contratação de mais

funcionários para atender à demanda de acordo com o número de acolhidos. Se

aumentado o número de funcionários, o trabalho desses profissionais seria mais bem

desempenhado e as crianças seriam os maiores beneficiados, pois receberiam mais

atenção melhores cuidados. Atualmente, a Casa Lar de Lins conta com dois

cuidadores que se revezam em turnos de 48h por 48h (cada um deles trabalha dois

dias e folga dois) e um auxiliar que trabalha diariamente das 8h às 16h. Os cuidadores

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são responsáveis pelo cuidado com os moradores e o auxiliar, pelos cuidados com a

casa. A instituição está sem alguém para ocupar o cargo de “volante”, que é a pessoa

que cobre férias e ausências de cuidadores bem como aquela que pernoita com

alguma criança no hospital, quando necessário. A sugestão aqui seria de dois volantes

disponíveis e dois cuidadores trabalhando juntos em cada turno.

Outra melhora significativa ocorreria no sistema Casa Lar como um todo se

houvesse uma maior articulação do setor de acolhimento com os diversos outros

setores, tais como o judiciário, assistência, saúde mental, CRAS e CAPS. Essa seria

mais uma boa proposta de intervenção, pois a melhora na comunicação entre esses

órgãos implicaria melhora no acolhimento dos moradores da Casa Lar e rapidez no

processo de adoção ou restituição familiar desses acolhidos.

Projetos que visem desmistificar as instituições de acolhimento, bem como as

crianças acolhidas também se fazem necessários, pois, dessa forma, a comunidade

passaria a ter informações a respeito desse tipo de serviço, o que facilitaria o acesso

das pessoas à instituição de acolhimento Casa Lar e também um maior

comprometimento e compreensão da responsabilidade que todos temos, enquanto

cidadãos.

Um bom início para as divulgações seria partir dos programas já existentes,

como as “famílias de apoio”, que são famílias que acolhem crianças e adolescentes,

de forma temporária, até a reintegração deles com a sua própria família ou seu

encaminhamento para família substituta. Outra sugestão seria a propalação do serviço

de “apadrinhamento afetivo”, ação voluntária desenvolvida por pessoas que

disponibilizam tempo e afeto em prol do desenvolvimento de crianças e adolescentes.

Enfim, todas as propostas de intervenção aqui apontadas têm como objetivo

principal melhor cuidado, atenção e afeto às crianças acolhidas na Casa Lar de Lins,

visando diminuir seu sofrimento e dar a elas condições de terem seus direitos

garantidos e uma vida digna e plena. Além da contribuição para o indivíduo, essa

caracteriza também uma contribuição à sociedade, uma vez que será formada por

cidadãos que estejam em melhores condições de vida.

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CONCLUSÃO

A função de um cuidador substituto na vida das crianças que se encontram

desamparada sem o olhar familiar ou materno é de extrema importância, pois, como

aponta Abreu (2003), as figuras de vinculação desempenharão um papel central e

unificador dos vários aspectos das experiências já vividas” p.10. Responder a tais

expectativas, porém, não é algo fácil de alcançar, pois no contexto institucional

existem questões que alteram o significado dessa relação. Inicialmente, a perspectiva

de um ambiente que acolhe crianças é a proteção da integridade física e a

manutenção de um local acolhedor e isso, a princípio, já influencia a forma como se

recebe a criança, pois antes mesmo dela chegar à instituição, as regras e limitações

da função de cuidadora já estão lá, impostas.

É imprescindível, ainda, que o profissional, além de estar ciente de suas

funções e responsabilidades com as crianças, tenha um conhecimefanto sobre si

mesmo e das angústias que lhe cercam por causa de seu trabalho. É importante que

percebam a necessidade de preservar e manter um vínculo afetivo com as crianças,

proporcionando-lhes a capacidade de se aproximar e de se relacionar com outros

indivíduos, pois o acolhimento dessa criança num ambiente sadio e que facilite a

construção de vínculos afetivos positivos é essencial para estabelecer a sua

capacidade funcional do ego e do senso de self.

Mas para que seja possível esse cuidado adequado e profundo do cuidador

para com a criança, é preciso que esse cuidador também seja cuidado. Lidar com

intensos sentimentos de diversas crianças e adolescentes diariamente faz com que

seus próprios conflitos pessoais não resolvidos venham à tona; se faz necessário,

portanto, um acompanhamento psicológico individualizado ou mesmo um grupo de

apoio psicológico para esses cuidadores. Contar com esse suporte para se sentir

melhor psicologicamente, beneficiaria, não apenas o cuidador, mas sim todos os

moradores da Casa Lar.

Assim, concluímos que, a partir desse trabalho foi possível compreender

melhor os efeitos das mais variadas privações vivenciadas pelas crianças

institucionalizadas. No caso das quatro crianças observadas neste trabalho, foi

possível ver a existência do vínculo estabelecido entre elas e os seus cuidadores, que

ocorreu de forma gradativa, mediante a construção de uma relação de confiança.

Quanto ao comportamento dessas crianças, como já apontado na introdução do

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trabalho, todas as quatro apresentam dificuldade de aprendizado, mau

comportamento escolar e, em alguns momentos, fortes explosões de raiva na escola

ou no acolhimento. Das quatro crianças em questão, três fazem uso de medicamento

para melhorar a atenção, o aprendizado escolar e diminuir a agitação. A única criança

não medicada tem apenas 5 anos e por esse motivo não recebe ajuda

medicamentosa, segundo a psicóloga e a assistente social.

Foi possível perceber, também, o quanto um bom acompanhamento

psicológico pode ser valioso para os acolhidos. Foi trazido pela psicóloga, durante sua

entrevista, a busca da instituição Casa Lar por atendimento psicológico para os

moradores dali. Para isso, se uniram a um grupo de psicólogos da cidade, coordenado

por duas psicanalistas, onde psicólogos voluntários atendem algumas das crianças e

recebem, semanalmente, supervisão de uma dessas psicanalistas. Esses

atendimentos têm trazido melhoras significativas no desenvolvimento das crianças

que estão sendo atendidas.

Ficou bastante clara a importância do abrigamento e dos cuidadores na vida de

cada um dos moradores da Casa Lar Abrigo de Lins. Um cuidador que tenha

condições de dar às crianças e adolescentes abrigados um acolhimento de forma

contínua e intensa proporcionará a eles chances de cicatrizar parte da ferida causada

pelas vivências emocionais de abandono, porém, existem alguns fatores que

interferem diretamente na qualidade da relação entre crianças e seus cuidadores.

Esses fatores podem ser tanto os internos – vivências, internalizações e nível de

resolução dos conflitos internos – quanto externos, que são as regras impostas pela

institucionalização, como horário de trabalho dos cuidadores, número de moradores

da instituição, existência ou não de apoio psicológico para os cuidadores, rotatividade

de cuidadores, para citar os mais marcantes.

A partir das entrevistas com os cuidadores foi possível ver a presença desses

fatores supracitados. A entrevistada Gérbera, por exemplo, deixou bem evidente na

sua entrevista o quanto a mudança de horário de trabalho dos cuidadores, que antes

era de segunda a Sábado e passou a ser 48h por 48h, prejudicou na relação dela com

as crianças, deixando claro que quando ela passava a semana toda na casa, o vínculo

era mais forte. O cuidador Flor de Liz afirmou que não se envolve emocionalmente

com as crianças para se poupar de sofrimentos posteriores, quando algum deles

precisar sair da casa. Outra informação a esse respeito, obtida na entrevista com a

cuidadora Gérbera, foi o quanto ela se sente esgotada para desempenhar seu

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trabalho de cuidadora por não saber o que fazer com tantas emoções fortes que são

lançadas sobre ela, para citar algumas das informações obtidas.

Por fim, a pesquisa realizada, tanto bibliográfica quanto a de campo,

corroboraram sobre a importância do apego positivo para as crianças

institucionalizadas. Me diante isso, e, considerando os apontamentos realizados,

salienta-se que é preciso evitar a rotatividade de cuidadores para que as crianças

tenham a chance de formar vínculo com os mesmos e, ainda, atender, também, as

necessidades emocionais desses cuidadores, olhar para eles de uma forma especial,

colocando-o como sujeito no processo de cuidados, dando-lhe suporte para escuta de

seus anseios e medos e as dúvidas enquanto a sua atividade prática. Esse cuidado

pode se dar através de acompanhamentos individuais constantes com psicólogo, roda

de conversa em grupos e mesmo visitas às casas para que seja possível “sentir” como

está a relação do cuidador com os moradores. Esse olhar é fundamental, porque quem

cuidada também demanda cuidado.

Os profissionais que acompanharão as crianças e adolescentes acolhidos

institucionalmente precisam ter condições internas para lhes proporcionar esse olhar

atento e conseguir contribuir com o suporte necessário para a ressignificação de suas

histórias de vida.

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REFERÊNCIAS

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APÊNDICES

APÊNDICE A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado (a) como voluntário(a) a participar da pesquisa: Apego

positivo em crianças em situação de acolhimento: perspectiva a partir do vínculo

afetivo com os cuidadores.

A JUSTIFICATIVA, OS OBJETIVOS E OS PROCEDIMENTOS: O motivo que nos

leva a propor este estudo é que o apego positivo em crianças em situação de

acolhimento tem se mostrado um tema relevante visto que crianças que são afastadas

do convívio familiar total ou parcialmente ou sofrem de privação, em níveis variados,

dos cuidados amorosos da mãe ou mesmo da mãe substituta, possuem uma grande

dificuldade de criação de vínculo e de apego, bem como grande prejuízo sócio

emocional, uns em grau mais acentuado, outros, mais leves. Através disso surge o

interesse em aprofundar os estudos sobre apego positivo, e relacioná-lo com as

informações obtidas na Casa Lar Abrigo de Lins. A pesquisa se justifica portanto pela

utilidade e relevância que esse projeto pode trazer à instituição Casa Lar Abrigo de

Lins, ao passo que após feita a pesquisa, vinculada à teoria, poderá adicionar

conhecimento aos cuidadores sobre o porquê de alguns comportamentos tido como

problema, importância do papel desses cuidadores na instituição, formas mais

eficazes de tentar conseguir vínculo com crianças que apresentem essa dificuldade e

a importância de se tentar um olhar individualizado à cada uma das crianças

moradoras desse abrigo. O objetivo desse projeto é descobrir se as crianças em

situação de acolhimento desenvolvem o apego positivo pelos seus cuidadores e como

esse vínculo acontece. Os procedimentos de coleta de dados serão da seguinte

forma: através de entrevistas semi estruturadas com os cuidadores da Casa Lar

Abrigo, observação da relação das crianças moradoras da instituição com seus

cuidadores em um dia comum de rotina e entrevista com os responsáveis pela

instituição.

DESCONFORTOS, RISCOS E BENEFÍCIOS: A sua participação neste estudo pode

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gerar algum tipo de desconforto quanto, apreensão por medo de que as informações

possam ser passadas aos seus superiores, timidez ou vergonha para se expressar,

os riscos são: expor a instituição e os participantes em situações indesejáveis; passar

informações errôneas sobre a instituição com receio de que as mesmas sejam

expostas e esquivar-se em responder questões sobre temática apego, vínculo afetivo,

família entre outros. As medidas para minimiza-los são: esclarecer ao máximo que os

dados ali coletados são de extrema importância para a realização da pesquisa, e que

não prejudicarão a instituição; explicar que a função da pesquisa é trazer maiores

benefícios para a instituição e criar uma relação de vínculo para que sintam-se

seguros em compartilhar e falar sobre temas que muitas vezes causa angústia. Os

benefícios esperados são que através desta pesquisa haja uma colaboração aos

administradores, cuidadores, futuros pesquisadores, possíveis adotantes e também

as crianças moradoras dessa instituição, por meio das informações teórica e dados

coletados nesse trabalho.

FORMA DE ACOMPANHAMENTO E ASSISTÊNCIA: Caso você apresente algum

problema em seus exames clínico, preventivos, de rotina, etc. Você será

acompanhado (a) e encaminhado (a) para tratamento adequado ao tipo de doença da

seguinte maneira: para o Serviço de Psicologia do UniSALESIANO.

GARANTIA DE ESCLARECIMENTO, LIBERDADE DE RECUSA E GARANTIA DE

SIGILO: Você poderá solicitar esclarecimento sobre a pesquisa em qualquer etapa do

estudo. Você é livre para recusar-se a participar, retirar seu consentimento ou

interromper a participação na pesquisa a qualquer momento, seja por motivo de

constrangimento e/ou outros motivos. A sua participação é voluntária e a recusa em

participar não irá acarretar qualquer penalidade ou perda de benefícios. Os

pesquisadores irão tratar a sua identidade com padrões profissionais de sigilo. Os

resultados da pesquisa serão enviados para você e permanecerão confidenciais. Seu

nome ou o material que indique a sua participação não será liberado sem a sua

permissão. Você não será identificado (a) em nenhuma publicação que possa resultar

deste estudo. Este consentimento está impresso e deve ser assinado em duas vias,

uma será fornecida a você e a outra ficará com o pesquisador responsável. Se houver

mais de uma página, tanto o pesquisador quanto o participante deve rubricar todas as

páginas.

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CUSTOS DA PARTICIPAÇÃO, RESSARCIMENTO E INDENIZAÇÃO: A participação

no estudo, não acarretará custos para você e será disponibilizado ressarcimento em

caso de haver gastos com transporte, creche, alimentação, etc, tanto para você,

quanto para o seu acompanhante, se for necessário. No caso de você sofrer algum

dano decorrente dessa pesquisa você tem direito à assistência integral e gratuita no

Serviço de Psicologia do UniSALESIANO e deverá procurar os pesquisadores

responsáveis; Melissa Fernanda Fontana, Caroline Pereira da Silva ou Mariana Pivato

da Rocha Galenti.

DECLARAÇÃO DO PARTICIPANTE OU DO RESPONSÁVEL PELO

PARTICIPANTE

Eu,___________________________________________________________

___________fui informado (a) dos objetivos da pesquisa acima de maneira clara e

detalhada e esclareci minhas dúvidas. Sei que em qualquer momento poderei solicitar

novas informações e ou retirar meu consentimento. Os responsáveis pela pesquisa

acima, certificaram-me de que todos os meus dados serão confidenciais. Em caso de

dúvidas poderei chamar o estudante Caroline Pereira da Silva - End. Rua dos

Manacás, 27 - Jardim Bom Viver - Fone: (14)981334485 ou Mariana Pivato da Rocha

Galenti - End. Rua Osni Pinto da Costa, 288 - Residencial Fortaleza - Fone:

(14)982130004 e o pesquisador responsável Melissa Fernanda Fontana - End. Rua

Avanhandava, 207 - Garcia - Fone: (14) 3523-6016 ou ainda entrar em contato com o

Comitê de Ética em Pesquisa do UniSALESIANO, localizado na Rodovia Teotônio

Vilela, Bairro Alvorada – Araçatuba-SP Fone:(18)3636-5252, 08:00 às 14:00. O

Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) é um colegiado composto por pessoas

voluntárias, com o objetivo de defender os interesses dos participantes da pesquisa

em sua integridade e dignidade e para contribuir no desenvolvimento da pesquisa

dentro de padrões éticos. O CEP – UniSALESIANO de Araçatuba é diretamente

vinculado ao Centro Universitário Católico Auxilium de Araçatuba-SP/Missão

Salesiana de Mato Grosso.

Declaro que concordo em participar desse estudo. Recebi uma via deste termo

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de consentimento livre e esclarecido e me foi dada a oportunidade de ler e esclarecer

as minhas dúvidas.

Assinatura do participante de pesquisa ou impressão dactiloscópica (se necessário).

Assinatura:

Nome legível:

Data _______/______/______

................................................................................

Assinatura do (a) pesquisador (a) responsável

Data _______/______/______

Impressão dactiloscópica

Im pr es s ã o

d a c t i l o s c ó pi c a

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APÊNDICE B – Termo de Assentimento

TERMO DE ASSENTIMENTO (TA)

Utilizado quando o participante da pesquisa for maior de cinco anos e menor de 18

anos ou para pessoa com deficiência intelectual ou incapaz

Eu, Melissa Fernanda Fontana, estou convidando você para participar da

pesquisa que tem o nome de APEGO POSITIVO EM CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE

ACOLHIMENTO: PERSPECTIVA A PARTIR DO VINCULO AFETIVO COM OS

CUIDADORES.

Você já participou de alguma pesquisa? Por exemplo pesquisas que as pessoas

fazem para saber quantas pessoas moram naquela casa e qual a idade delas, ou na

escola quando a professora pergunta qual a comida favorita dos alunos. Para

fazermos esta pesquisa precisamos saber como é a rotina de vocês e como é o

relacionamento que você têm com os seus cuidadores. Por isso convidamos crianças

e cuidadores para participarem dessa pesquisa. Eu sou a pessoa responsável pela

pesquisa e já conversei com seu responsável Flávia Golmia e ela nos deu autorização

para que você participe. Seu responsável pode mudar de ideia e não deixar que você

continue a participar da pesquisa a qualquer momento.

Junto comigo teremos outras pessoas que também são pesquisadores. O nome

delas são Caroline Pereira da Silva e Mariana Pivato da Rocha Galenti.

Estamos fazendo essa pesquisa para saber qual é a relação que você tem com

os seus cuidadores.

Outras cinco crianças também irão participar desta pesquisa. Elas têm de 06 a

10 anos de idade. A participação de todas as crianças é voluntária, isto é: não tem

nenhum presente e nem mesmo recebe algum dinheiro para participar.

Eu estou conversando com você para explicar como a pesquisa será realizada.

Nós (Melissa, Caroline e Mariana) vamos nos encontrar aqui na sua casa (Casa Lar

Abrigo), onde realizaremos uma observação das brincadeiras de vocês. Não haverá

interrupções, e ninguém além de nós vai ficar olhando e ouvindo, onde você e as

outras crianças irão brincar e desenvolver as demais atividades do dia a dia como de

costume. Esta pesquisa não haverá custo para ninguém. E caso ocorra algum

problema que possa ser resolvido no Serviço de Psicologia do Unisalesiano, toda a

assistência será dada de forma gratuita.

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A pesquisa é feita de forma que não aconteça nada que possa prejudicar

ninguém, por isso dizemos que é uma pesquisa segura. Caso alguma coisa aconteça

de errado (chamamos de risco) como sentir vergonha ou algum tipo de incomodo

relacionado a nossa presença, seu responsável será avisado imediatamente e

encerraremos a observação naquele dia. Ele também pode nos procurar pelos

telefones (Mariana (14) 98213 0004; Caroline (14) 98133 4485 e Melissa (14)

991355227) e também entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa do

UniSALESIANO Araçatuba-SP, Rodovia Teotônio Vilela, Bairro Alvorada, Araçatuba -

SP, Fone:(18) 3636-5252. O Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) é um grupo de

pessoas que deve existir nas instituições que realizam pesquisas envolvendo seres

humanos, criado para defender os interesses dos participantes da pesquisa e para

contribuir no desenvolvimento da pesquisa de acordo com as normas existentes. O

CEP do UniSALESIANO é diretamente ligado ao Centro Universitário Católico

Auxilium de Araçatuba-SP/Missão Salesiana de Mato Grosso.

Essa pesquisa vai trazer benefícios para pessoas que (cuidam do

funcionamento dessa casa, as pessoas que cuidam de vocês administradores,

cuidadores, outros pesquisadores, famílias que possam voltar a cuidar de seus filhos

que estão morando aqui, pessoas que queiram adotar alguma criança e/ou

adolescente que mora aqui).

Você e todas as outras crianças podem desistir de participar da pesquisa se

não quiser. Não tem nenhum problema, é um direito que você tem e ninguém ficará

chateado ou vai brigar com você.

Ninguém, além de seu responsável saberá que você está participando da

pesquisa; não falaremos a outras pessoas, nem falaremos o que for observado aqui.

É como se fosse um segredo.

Quando acabarem as observações e os outros trabalhos, teremos os resultados

da pesquisa. (Os resultados da pesquisa vão ser divulgados em um trabalho escrivo

que montaremos e quem tem o nome de trabalho de conclusão de curso (TCC) e que

ficará disponível na bliblioteca do Unisalesiano de Lins, mas sem mostrar os nomes e

endereços das crianças e dos cuidadores que participaram).

Eu____________________________________________________________

_____,

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Entendi as coisas boas e as coisas ruins que podem acontecer.

Entendi que posso dizer “sim” e participar e se eu não quiser mais, eu posso dizer “não” e que

ninguém vai ficar chateado ou vai brigar comigo, mesmo que eu já tiver começado.

Melissa Fernanda Fontana me explicou tudo direitinho e respondeu ao que eu perguntei.

Melissa Fernanda Fontana já me disse que meus pais deixaram que eu participe da pesquisa.

Melissa Fernanda Fontana e eu, lemos juntos o documento.

Eu, _________________________________________aceito participar da pesquisa

APEGO POSITIVO EM CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE ACOLHIMENTO:

PERSPECTIVA A PARTIR DO VINCULO AFETIVO COM OS CUIDADORES.

Recebi uma via deste documento que tem o nome de Termo de Assentimento.

Local, ____de _________de __________.

Assinatura do(a) menor ou impressão dactiloscópica.

Assinatura do(a) pesquisador(a) responsável

Data _______/______/______

Impressão dactiloscópica

Im pr es s ã o

d a c t i l o s c ó pi c a

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APÊNDICE C – Roteiro de entrevista Semiestruturada com Psicóloga e

Assistente Social.

1 Qual a importância da casa lar para as crianças?

2 Os cuidadores são qualificados?

3 Qual a importância dos cuidadores?

4 Quais são os principais cuidados tomados pela instituição?

5 Em quais aspectos o serviço de acolhimento poderia ser melhor?

6 Qual o envolvimento da comunidade?

7 Como nosso projeto pode ser útil?

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APÊNDICE D – Transcrição da entrevista com a Psicóloga (P) e com a Assistente

Social (AS).

Pergunta: Qual a importância da Casa Lar para seus moradores?

P:: Eu penso que a importância da casa lar ne que de forma temporária ela vem

substituir uma condição de um lugar tanto interno quanto externo para permitir com

que haja um espaço tanto físico quanto mental para se desenvolver condições para

essas crianças se sentirem um pouco mais seguras e protegidas, então a casa lar, ela

vai ficar nessa função de uma casa como se fosse a minha, porém o que prevalece é

o coletivo e não o individual. Mesmo tendo como referência o cuidador, esse cuidador

ele vai estar podendo desenvolver, lançar um olhar, mas esse olhar ele vai prevalecer

no coletivo, mas fica nessa condição de cuidado, então, é um cuidado, é um lugar,

mas é toda essa dimensão, então assim, é necessário se pensar que seja temporário.

Esse acolher, esse primeiro olhar, é até a questão mesmo da necessidade fisiológica,

básica, que vai desde oferecer um prato de alimento, um banho, um abraço, porque

geralmente eles chegam muito assustados, com medo, porque vão chegar num

ambiente onde já está prevalecendo um número de outras crianças e adolescentes,

então, quando chega, vão se deparar com outros acolhidos, esses acolhidos também

vão estranhar a presença de um novo recém chegado , então isso, tumultua bastante

o ambiente em si, mas assim, esse primeiro acolher, ele precisa também ser sentido

como satisfazer essas necessidades primeiras, que tem a ver mesmo com essa

questão do leite em si, da alimentação, de um banho, de um abraço, de uma

contenção, enfim, de todo esse contorno.

AS: O acolhimento é como se fosse um resgate, né? Ele vai mostrar para criança

situações que eles não conhecem com a família, o que é o cuidado, o que é a

proteção, o que é levar para escola, o que é dar comida no horário certo porque

quando eles chegam para nós eles tem uma cultura completamente diferente do que

a gente está adaptado, então para eles também é muito assustador. Então assim, é

importante, prevalece sempre o coletivo porque o individual nunca vai ser acolhimento

nenhum por mais que seja diferente de abrigo, por ser uma casa, com quantidade

menor, que são até dez para um cuidador, então assim, cria-se vínculo, pois não são

vários cuidadores, não tem tanta rotatividade, não tem nada disso, que é diferente do

abrigo, ne? Aí a gente consegue resgatar algumas situações, algumas coisas das

crianças, né? Então assim, tudo muito temporário, teria que ser, temporário, mas

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quando entra, dificilmente sai, por conta da burocracia do judiciário. É muito

burocrático para a criança sair da casa. Então a importância do acolhimento, não é a

importância da Casa Lar, é a importância do acolher, de receber a criança no momento

da vitimação, ne? Porque ela sofreu alguma coisa para poder estar aqui, ela não está

porque o pai e a mae não quis, a criança, eu digo, não está porque o pai e a mãe

simplesmente abriu mão e não quer mais, é porque alguma coisa está acontecendo.

Ou essa criança sofreu alguma negligência, um abuso, maus tratos, chegou com

algum tipo de violência ou física ou psicológica, então essa criança chega em um nível

que a gente tem realmente que acolher. Então, qual é a importância da acolhida para

essa criança, para esses acolhidos? Tem até um livro que chama “Cada caso é um

caso”, não sei se vocês conhecem, e que fala muito sobre isso, sobre o acolher, como

acolher, e que se você não acolher corretamente, esquece que o resto também não

vai dar certo, entendeu? Então tudo começa ali, na porta de entrada. E esse livro fala

que cada caso é um caso, cada criança é de um jeito, então não tem como ter uma

regra, quando a criança chegar vai ter que fazer isso, isso, isso e isso. Não existe isso,

porque cada criança vai chegar de um jeito, né? Então cada caso sempre vai ser

único.

Pergunta: Os cuidadores que trabalham na Casa Lar são qualificados para o

trabalho?

P: Essa é uma parte que fica mais com a coordenação, a equipe técnica também

corrobora, auxilia quando necessário, por exemplo na questão de entrevista para a

seleção. Geralmente os cuidadores não tem uma formação especifica, não trazem em

si essa bagagem, são pessoas com pouca escolaridade, pessoas que tem uma

vivência que trabalharam de certa forma com crianças, adolescentes, idosos. Fui

cuidador, fala a palavra cuidador, fica até uma forma mais generalizada, né? Então aí

a pessoa vem traz curriculum, e diz não é porque eu adoro criança, e traz aquela

idealização de uma possibilidade de vir a ser um cuidador. Quando a pessoa chega,

então assim, a gente vai pensando que essa pessoa também tem que estar dentro de

um perfil, porque para estar dentro da casa lar, essa pessoa tem que ter um

funcionamento um pouco mais calmo e tranquilo no sentido de ter um funcionamento

mais continente, conseguir ter uma certa continência, um auto controle, a gente

precisa saber que ela consegue tolerar, também, enquanto adulto, frustrações, porque

muitas vezes a criança vai projetar o tempo todo nela, muitas emoções intensas,

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fortes, como a raiva, o ódio, o movimento também da ambivalência, então assim, essa

escolha, quando acontece, na verdade da contratação, as pessoas são contratadas

pelas características, mas não assim porque ela vem já sendo um cuidador, né? Então

assim, quando ela entra, aí é que o serviço vai poder desenvolver a partir daí uma

capacitação. Essa capacitação até então é desenvolvida pela equipe técnica, que tem,

vamos dizer, uma perna curta, pra poder fazer um trabalho que a gente consegue

fazer mensal, onde a gente trabalha com eles, os cuidadores, temas específicos como

a importância do não gritar, enfim, vários temas que a gente vai sentindo dentro da

questão ali da rotina, de ambas as casas porque cada casa tem um perfil, um tipo de

funcionamento, uma dinâmica, tanto das crianças quanto do cuidador, então assim, a

capacitação vai acontecer depois. Num primeiro momento os profissionais não vem

prontos, eles vão precisam ser construídos. A gente consegue proporcionar isso, em

parceria a isso existe também um trabalho encabeçado por uma psicanalista aqui de

Lins, junto com todos os outros psicólogos que atendem várias crianças de forma

voluntária, e essa psicanalista teve sempre, por muitos anos, teve sempre muito

cuidado de também organizar capacitações para os cuidadores, receber esses

cuidadores com outros grupos de psicólogos dentro da clínica dela junto com uma

outra psicanalista, fazer mesmo, estudar o desenvolvimento infantil, as fases

psicossocial de Freud, enfim, vários temas, de elaboração de apostila, então, assim,

o serviço Casa Lar vai buscando, mas não dá para a gente falar para vocês que o

cuidador chega pronto. O cuidador precisa, quando entra, sentir-se aberto, propenso

a construir uma identidade também de cuidador, assim como nós, que sempre temos

que lidar com o novo.

AS: Isso é interessante porque a gente já fez experiência de colocar pessoas que já

vinham com experiência, com bagagem, até mesmo de trabalhar em outros

acolhimentos, de já ter uma experiência profissional e não deu certo. A própria pessoa

que veio com toda essa experiência, não deu conta. Aqui a gente valoriza muito o

trabalho dos cuidadores, eles vem aqui, a gente ouve, a gente chama as crianças, a

gente dá autoridade para os cuidadores, a gente não tira a autoridade de cuidador e

caso a gente perceba que o cuidador está tendo um comportamento errado perante

as crianças, a gente se contém para não tirar a autoridade dele e depois trabalhamos

isso com eles nas capacitações. Mas tudo isso é feito depois que o cuidador é

contratado, depois que ele já teve a vivência das variada demandas que serão

exigidas deles. A gente até prefere pegar alguém “cru” e ensinar, do que alguém que

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vem com uma bagagem e muitas vezes não vai nem aceitar o que a gente está

dizendo, por achar que já sabe, que infelizmente tem pessoas assim, que acha que

sabe tudo e eu sempre falo que a gente não sabe nada, que a gente está sempre

aprendendo. Quanto mais a gente sabe que acha, mas a gente tem que aprender. É

assim que funciona. Damos respaldo diário para os cuidadores. Tem dia que eles

ligam de manhã, de tarde e de noite, tem dia que ligam só para desabafar.

Pergunta: Qual a importância dos cuidadores?

P: Eles vão exercer nessa relação, essa maternagem, essa paternagem. Então assim,

eles vão estar nessa função do pai, da mãe. Não serão os pais nem as mães, mas

vão exercer essa função, que é tão importante, então assim, ser esse pai, essa mãe,

no contexto do serviço, do acolhimento, dentro da casa, é o que vai possibilitar

também à criança, poder compreender que ela tem o direito ali de extravasar a raiva,

o ódio, chorar, que tem dias em que ela pode estar mais triste, assim também como

ela vai poder experimentar a alegria na relação com esse cuidador, com esse

educador, né? Porque, acontece muitas vezes, principalmente com os adolescentes,

aquela coisa da onipotência em que dizem: - Você não é meu pai, você não é minha

mãe, você não manda em mim! Então assim, chega esse momento, e enquanto é

criança, o cuidador vai podendo ajudar, nessa função, a delimitar essa questão de

introjetar as regras, compreender o porque do sim, o porque do não, a importância de

precisar esperar, que aquele não é não naquele momento, mas que pode vir a ser um

sim, mas que vai ter que esperar um pouquinho. É claro que a criança não tem

nenhuma questão cerebral estrutural formada para aguentar esperar, mas muitas

vezes é isso que faz parte do desenvolvimento, então o cuidador está nesse lugar,

está nessa função também, ajudar a se sentir seguro, tranquilo, a ser essa pessoa de

referência, como figura de autoridade e de afeto, realmente é a pessoa que vai estar

ocupando esse lugar. Essa figura precisa ser internalizada de um jeito bom.

AS:

Pergunta: Principais cuidados tomados pela instituição?

P: A questão do sigilo. As casas, vocês vão perceber quando forem lá, não tem

identificação, começa por aí. A Casa Lar é identificada através da sede. As crianças

também quando vão para a escola, para os atendimentos, também existe esse

cuidado de não ser rotulada como a fulana da casa lar, não. Aquela criança tem nome,

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tem identidade, está acompanhada de um cuidador, que está ali como educador,

como uma referência, está na função, naquele momento, como se fosse a mãe, como

se fosse o pai, então é o acompanhante dela naquele momento. Então essa questão

do sigilo, da preservação da identidade, de garantir a ela esse direito que ela tem de

ir e vir como uma pessoa “comum”, como uma pessoa como todas nós, o cuidado de

por mais que prevaleça, como já foi dito, o coletivo, fazer com que eles possam

usufruir, da melhor, maneira, o individual, cada um tendo os seus pertences como

roupas, calçados, produtos de higiene, brinquedos, a sua própria cama, poder, muitas

vezes, escolher aquilo que quer. Muitas vezes os adolescentes, os maiores já são

levados nas lojas para escolher aquilo que tem vontade de usar, como deseja se

vestir, se maquiar, então tudo isso faz parte dessa construção. Cuidado com a

capacitação. Nos atendimentos de escuta qualificada, apoio, suporte para os

cuidadores e crianças. Os atendimentos acontecem aqui na sede. Se o adolescente

tem condições ele vem a pé, se é uma criança mais nova, o motorista busca. Os

atendimentos acontecem aqui, justamente para descaracterizar essa coisa de ele

estar acolhido, então ele vem pra cá para receber um espaço para receber um

atendimento, se for algo mais específico com o atendimento social, o atendimento é

feito com a responsável, se for da psicologia, é comigo. Se a gente sente a demanda,

as duas fazem a intervenção juntas

AS: Tem crianças e adolescentes que criam vínculo, então a gente tem um cuidado

de perceber isso, cuidado de identificar com quem a criança se identificou melhor, se

comigo ou com a psicóloga, então a gente tem que ter o cuidado de observar isso, e

poder manter isso. Então além de todos esses cuidados que a psicóloga já disse e

que se aplicam mais à rotina da casa, nós aqui devemos ter o cuidado de cuidar do

processo, de agilizar o processo, de cuidar dessa criança para que não

institucionalize, para que não fique, dentro dela, concretizado o acolhimento, a

institucionalização, porque uma criança institucionalizada, se priva de muita coisa, ela

se priva da vida, ela se priva da autonomia, ela acha que tudo vem e nada vai. Nós

temos crianças aqui hoje que está cristalizado, que não dá mais para tirar. Cristalizou

a instituicionalização, que são os dois irmãos que está aqui há 11 anos. Eles acham

que tudo eles tem que ganhar, que tudo tem que vim, que tudo tem que ser dado, e

não é isso, família não é passeio, família não é estar alí somente para ter um momento

de lazer, família também tem discussões, momentos ruins, família também tem outras

situações, que não são só coisas boas. Como veio de uma situação de

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institucionalização há muitos anos, e institucionalização, querendo ou não, as pessoas

tratam com dó, com cuidado, querendo dar tudo para suprir aquilo que falta, pelo

menos abrigo era assim, então, quando passam a viver a realidade de uma família,

eles sofrem, porque eu não quero, porque é doloroso, porque eu tenho que esperar e

eu não quero esperar, eu vou ter que trabalhar para ter. E isso não é culpa dele, é

culpa do sistema e isso já foi cristalizado nele. E agora para tirar? É difícil. É com a

gente diz:-Nós trabalhamos aqui com cultura, cada um tem a sua cultura, cada um

tem seu modo de pensar. Eu não posso colocar o meu modo de pensar, o meu jeito

de ser, nos meus atendimentos. Eu venho como técnica que está aqui sentada para

ouvir. Então a gente tem que ter muito cuidado também com isso e o tempo inteiro,

para a gente não colocar nossos conceitos, a nossa moral, o nosso jeito de agir, nas

situações que vem aparecendo. O cuidado é a todo momento. Em tudo a gente tem

que ter cuidado. Cuidado de acolher, cuidado na horas que as crianças já estão dentro

da casa, com as crianças, com o cuidador, com o processo, com as famílias, com as

famílias de apoio, com as famílias que entram para não invadirem o espaço, com o

desligamento através de festa de despedida e preparo das crianças antes e durante

sua saída, bem como o acompanhamento depois de sua saída. Temos que ter cuidado

também, nesse momento, com os que ficam na casa, porque é muito angustiante para

eles.

Pergunta: Em quais aspectos o serviço de acolhimento poderia ser melhor?

AS: A começar pela parte estrutural. Seria importante que as casas de acolhimento

fossem casas construídas, porque não existe em Lins, casas com quartos suficientes

para poder atender as crianças. Seria o ideal, nós estamos pensando aqui no que nós

sonhamos, tá? Como a gente queria que fosse, idealizado. Então teria que ser uma

casa construída com quartos maiores, porque as casas em Lins, infelizmente, são

quartos pequenos e agente não pode fugir da realidade dessas crianças, então a

gente não pode ir lá e alugar uma mansão em Lins, como que a gente muda a

realidade, é um choque, não dá, né? Não é porque eles não mereçam, não é isso, é

que de fato é um choque muito grande, e eles não aceitam e a nossa realidade de

aluguel também tem que ser dentro da realidade que a prefeitura possa pagar, que a

gente está falando de dinheiro nosso, público, é a gente que paga imposto, então é a

gente que paga o aluguel da Casa Lar. Então assim, dentro de Lins não existe um

aspecto estrutural pronto. Então se não for construída, a gente não vai chegar perto

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do ideal. E a questão também de funcionário. A gente acha sempre que precisa de

mais, pelo menos mais um, porque se acontecer de um cuidador adoecer, o que a

gente faz com um “volante”? E no momento estamos ainda sem “volante”, então o que

a gente faz? Por que o “volante” tem a função de cobrir férias, atestado e caso

necessário, estar no hospital acompanhando alguma criança e nós temos duas casas,

como um volante vai dar conta de duas casas? Teoricamente parece que o volante

não vai fazer nada durante um período, mas ele tem uma função muito importante.

Dentro da casa se tivéssemos dois o dia inteiro trabalhando, além do auxiliar que cuida

da limpeza da casa e da comida, nossa, seria ótimo. Então em resumo, seria

interessante a melhor na parte física da casa, um aumento no número de cuidadores,

não para virar um abrigo, mas para poder dar mais atenção às crianças, porque tendo

dois cuidadores, para eles seria o essencial, porque seriam dois para olhar os 10

acolhidos.

P: O que eu sinto que existe dentro da rede é uma dificuldade de articulação entre

todos os equipamentos, seja da assistência, seja da saúde mental, do judiciário. A

gente sente que ficam muitas lacunas, muitas brechas, então fica uma falha na

comunicação, então a Casa Lar não trabalha sozinha, o trabalho da Casa Lar, para

poder, desligar uma criança, acolher uma criança, a manutenção da vivência na

permanência dessa criança, até o seu desligamento, não é só a Casa Lar, e muitas

vezes a sensação que a gente tem é “toma que o filho é seu”. Uma vez que entra na

Casa Lar é isso, “toma que o filho é seu”, some todo mundo, então, se a Casa Lar não

fica em cima, buscando os demais equipamentos, fica difícil. A gente até brinca que

as vezes temos que fazer papel de detetive. Então, quando a criança entra, você tem

que, muitas vezes, o próprio conselho tutelar não nos dá o embasamento necessário

para saber em que escola aquela criança estava estudando, os documentos daquela

criança que não vem, então você tem que providenciar o RG, você tem que descobrir

em qual escola ela está matriculada, se faz uso de medicação, se está fazendo algum

tratamento, como de dentista. Então, você tem que virar detetive.

Pergunta: Qual o envolvimento da comunidade?

P: Existe uma participação da comunidade dentro da “família de apoio”, que acontece

por busca ativa, a gente vai tentar fazer a captação do maior número de famílias, ou

essas famílias chegam até nós de maneira espontânea, também através do

“apadrinhamento afetivo” que é um projeto que ainda está engatinhando. Temos

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também procura por pessoas que tem interesse em fazer um trabalho voluntário, mas

isso acontece com maior frequência em datas comemorativas como dia das crianças

e natal. O próprio trabalho que vocês estão desenvolvendo está dentro desse aspecto

da comunidade, vocês vão estar prestando um serviço, né?

AS: Percebe-se, então, uma falta de conhecimento da comunidade sobre a

responsabilidade que ela tem, porque o porquê o próprio ECA traz que a

responsabilidade é do Estado, da família e da comunidade, portanto, nós, enquanto

cidadãos, temos obrigações dentro do município, e as nossas obrigações, nossas

responsabilidades também é auxiliar as entidades, como cidadão. As pessoas não

conseguem entender a participação delas, porque eles culpam as famílias e o Estado,

e eu? Eu estou aonde nisso tudo? Essa questão do apadrinhamento afetivo é muito

importante, mas as pessoas tem muito preconceito, eles não conhecem, não sabem

o que é e não tem interesse. Então, a gente percebe que na comunidade ainda falta

muito preparo para ela entender o que é o serviço de acolhimento, pra que que serve,

confundem muito com Fundação Casa, que não tem nada a ver, confundem também

com outros tipos de serviços que não tem nada a ver, pensam que são crianças

revoltadas e dizem: - Eu não quero esse tipo de criança na minha casa! Mas não

conhece, não sabe quem é. Então a gente diz que cria-se um pré – conceito. Não

conhece aqui, e julga. O apadrinhamento afetivo, não sei se vocês conhecem, mas

são pessoas que vão dar aquilo que está faltando para a criança, que é o afeto.

Existem outros tipos de apadrinhamento como o financeiro, o voluntário, mas o que a

gente quer mesmo é o afetivo e é esse compromisso que a gente quer da comunidade.

Pergunta: Como o projeto pode ser útil?

P:

AS: Dentro do trabalho de vocês, se for possível realmente explanar tudo isso, o que

é o acolhimento, quem são essas crianças, o porque eles estão ali, qual a importância

disso tudo, qual é o papel de cada um, tanto dos cuidadores, quanto da equipe técnica,

coordenação e comunidade, para fazer com que as pessoas entendam o que é isso,

tenham uma maior clareza do que é isso e entendam de uma outra forma, de visões

de outras pessoas, então, assim, eu acho que o trabalho de vocês, voltado a esse tipo

de situação, pode contribuir com que as pessoas abram a questão da visão para poder

conhecer, ampliar, e poder participar disso, porque o serviço de acolhimento é aberto,

a sede está aberta para a gente receber a população, a comunidade, mas as pessoas

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não vem e não buscam. Buscam somente no momento que precisam aliviar uma

culpa, depois não mais. O ser humano é assim, infelizmente. Então o trabalho de

vocês vai contribuir bastante nesse sentido de mostrar de fato o que é isso aqui

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APÊNDICE E – Roteiro de Entrevista semiestruturada com os cuidadores.

Dados de identificação

Trabalha na instituição desde quando: _______________________________

Qual horário: ___________________________________________________

Quem trabalha junto com você no seu horário: _________________________

Qual a sua formação/nível escolar: __________________________________

Tem filhos, quantos e sua Idade: ___________________________________

Qual o seu estado civil: ___________________________________________

1 Você percebe que de algum modo o cuidador representa uma figura

materna/paterna para a criança?

2 Emocionalmente como você se sente para cuidar das crianças?

3 Como você percebe a aproximação dessas crianças a você?

4 Como é a sua relação com as crianças na instituição?

5 Como você percebe a relação entre as crianças e adolescentes moradores dessa

instituição?

6 Você consegue relacionar de alguma maneira o comportamento apresentado

pelas crianças com as vivências delas enquanto estavam com suas famílias?

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APÊNDICE F – Transcrição das entrevistas individuais com os cuidadores.

Entrevista semiestruturada com o cuidador ficticiamente chamado de Flor de

Lis (FL). Entrevista realizada no dia 26/09/2018

Pergunta: Trabalha na instituição desde quando? Qual horário?

FL: Desde Abril desse ano. Trabalho 2 dias inteiros e folgo 2 dias inteiros. Aqui

dizemos que trabalhamos 48 por 48.

Pergunta: Quem trabalha junto com você no seu horário?

FL: Só a Rosa. Quando ela vai embora eu fico sozinho com as crianças e

adolescentes.

Pergunta: Qual a sua formação/nível escolar?

FL: Curso técnico completo em administração e curso superior incompleto. Fiz 3 anos

de faculdade e tranquei.

Pergunta: Você tem filhos? Quantos? Idade?

FL: Tenho 1 filho de 2 anos e 6 meses de idade.

Pergunta: Qual o seu estado civil?

FL: Amasiado.

Pergunta: Você percebe que de algum modo o cuidador representa uma figura

materna/paterna para a criança?

FL: Sim, porque eles se espelham na gente né, porque eles não têm uma figura para

se espelhar então eles procuram na gente. É complicado porque alguns ainda tem a

presença do pai, alguns ainda tem contato com os pais.

Pergunta: Emocionalmente como você se sente para cuidar das crianças?

FL: Eu me preparei para entrar aqui. Eu era “volante”, eu não trabalhava todos os

dias, não trabalhava em termos porque eu já entrei com a cuidadora machucada,

então no primeiro dia eu já assumi a casa toda, mas antes disso eu li o prontuário de

todos para saber o que eu ia encontrar aqui na casa para lidar com cada um, então

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eu já vim preparado que eles iam sair qualquer hora, porque te cuidador que fica uma

semana chorando, eu não fico até contente que está indo, que vai para uma família.

Então eu não me apego, cuido dou carinho, mas eu não me apego, sei que uma hora

eles vão embora, então eu me preparei dessa forma, acho que é por isso que eu estou

aqui até hoje, porque é bem difícil.

Pergunta: Como você percebe a aproximação dessas crianças a você?

FL: É a gente vai conquistando eles aos poucos, alguns demoram bem mais eu estou

aqui vai fazer sete meses tem alguns que estão se abrindo agora.

Pergunta: Como é a sua relação com as crianças na instituição?

FL: Nossa relação é boa. Eles falam para os outros que gostam muito de mim.

Pergunta: Como você percebe a relação entre as crianças e adolescentes moradores

dessa instituição?

FL: São como “cão e gato”, uma hora está tudo bem de repente começam a brigar, é

como uma família normal, são muitas crianças juntas né muita diferença de idade.

Mas de um modo geral eles mantem uma relação muito boa.

Pergunta: Você consegue relacionar de alguma maneira o comportamento

apresentado pelas crianças com as vivências delas enquanto estavam com suas

famílias?

FL: Sim. Eles chegam buscando confiança. Se você promete alguma coisa aqui, tem

que cumprir. Teve uma vez que eu prometi algo e não consegui cumprir; eles ficaram

um mês dizendo que eu prometo e não cumpro. Outra questão que interferia muito no

comportamento delas, era a alta rotatividade de cuidadores que tinha aqui.

Entrevista semi-estruturada com o cuidador ficticiamente chamado de Girassol

(G). Entrevista realizada no dia 28/09/2018

Pergunta: Trabalha na instituição desde quando? Qual horário?

G: Faz um ano e três meses. Esquema de 48 por 48.

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Pergunta: Quem trabalha junto com você no seu horário?

G: Só a rosa.

Pergunta: Qual a sua formação/nível escolar?

G: Fiz até o terceiro colegial.

Pergunta: Tem filhos? Quantos? Idade?

G: Tenho um de 29 anos.

Pergunta: Qual o seu estado civil?

G: Divorciada.

Pergunta: Você percebe que de algum modo o cuidador representa uma figura

materna/paterna para a criança?

G: Sim, sentem como pai e mãe, é uma coisa muito forte eles conseguem ficar tão à

vontade que eles expõem qualquer sentimento, eles também xingam a gente, eles

respondem mal eles tem liberdade assim como se fosse pai e mãe mesmo eles

choram com a gente, tem momentos que eles querem nosso colo, nosso carinho não

me considero um cuidadora me considero uma mãe de verdade, porque você sofre

junto você ri junto você brinca junto, na hora dos “pegas” você está junto então eu

acho que é muito mais uma presença de pai e mãe é o que eles buscam na gente é

isso.

Pergunta: Emocionalmente como você se sente para cuidar das crianças?

G: Assim, eu tenho uma dificuldade muito grande porque eu me apego muito sabe,

como se fosse mãe, por exemplo, está com febre da o meu horário de ir embora eu

vou mas não consigo me desligar ai meu deus será que melhorou será que dormiu

bem será... e eu tenho que me desligar que eu preciso descansar também se não isso

fica sufocado, então eu tenho isso comigo então vai desgastando sim, tem dias que

eu estou mais cansada tem dias que estou mais tranquila só que a gente se sente

tanto em uma situação de mãe que você busca forças. Tem horas que a gente chora

também, tem horas que a gente cada um tem sua maneira de pôr para fora tem hora

que gosto de conversar e quando eu converso eu me sinto aliviada forte e essa ida

para casa eu volto renovada. E os momentos que eu tenho para descansar eu

descanso para estar bem para eles. Então eu busco uma forma de descarregar é difícil

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é sim mexe muito com o emocional da gente, então a gente tem que estar forte para

eles.

Pergunta: Como você percebe a aproximação dessas crianças a você?

G: A gente assim, quando eles chegam aqui chegam assustados, carentes sabe, casa

nova tudo novo eles ficam tudo meio pelo cantinho você tem que fazendo eles

interagirem com as crianças você tem que dar apoio segurança falar não aqui agora

é o nosso lar a nossa casa, como se eles não estivessem entrando em um abrigo,

eles tivessem convivendo em uma família, então a gente tenta assim, não que deixa

os outros de lado, mas focar muito ali neles que chegaram até você perceber que eles

estão mais à vontade. Então como a gente já sabe se está aqui já está sofrendo ne

deixou a família já veio com problemas a gente tem que dar muito amor, muito carinho,

se dedicar mais ali até ele se enturmar se enturmou um pouquinho tal, tem criança

que sofre mais tempo tipo um mês quinze dias e tem criança que chega no outro dia

seguinte já está brincando conversando.

Pergunta: Como é a sua relação com as crianças na instituição?

G: Cada cuidador fala do seu modo né porque é muito difícil igual a gente procura

trabalhar do mesmo modo, mas é bem diferente é bem difícil, tem hora que até nas

atitudes eu faço de um jeito e Flor de Liz de outro porque é diferente né, eu estou a

mais tempo as vezes eles até brincam em falar que somos mãe e pai. Eu sou mais

paciente, sou mais de diálogo gosto de conversar, conversar e conversar. É como se

fosse uma relação de pai e mãe mesmo, como se fosse uma família, alguns tem mais

facilidade de falar comigo outros tem mais facilidade de falar com o Flor de Liz e é

assim.

Pergunta: Como você percebe a relação entre as crianças e adolescentes moradores

dessa instituição?

G: É assim cada criança é de um jeito tem criança que tem um desempenho melhor

brinca aceita mais, tem criança não que tem disputa esse é meu esse é seu, tem

crianças que é mais aberta que gostam de chegar conversar com a gente contar as

coisas, tem outras mais fechada que fica no quarto você que tem que procurar

tentando tirar devagar porque ela não está bem. Entre eles o relacionamento é bom é

um cuidando do outro, tirando as crianças que brigam por causa de brinquedos essas

coisas, mas entre o relacionamento se você ficar aqui conviver assim é gostoso parece

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uma família é um cuidando do outro.

Pergunta: Você consegue relacionar de alguma maneira o comportamento

apresentado pelas crianças com as vivências delas enquanto estavam com suas

famílias?

G: Acho que tudo isso tem uma ligação com o que elas passaram, porque o que eles

passaram eles aplicam aqui, a gente que vai conversando tentando mostrar que não

é.

Entrevista semi-estruturada com o cuidador ficticiamente chamado de Gérbera

(GB). Entrevista realizada no dia 04/10/2018

Pergunta: Trabalha na instituição desde quando? Qual horário?

GB: Eu sou a única que está aqui desde o começo, desde que virou Casa Lar.

Trabalho aqui há 5 anos. Comecei na instituição com o cargo de “volante” (que cobre

falta ou férias dos cuidadores) depois fui promovida ao cargo de “auxiliar” (responsável

pelos cuidados com a casa) e depois como “mãe social”. Já está indo para três anos

que trabalho aqui como mãe social (cuidador). Quanto ao horário de trabalho, há 2

meses atrás foi estipulado o rodízio de 48h por 48h para cada um dos 2 cuidadores,

ou seja, trabalhamos 2 dias e folgamos 2 dias. Antes dessa mudança no nosso horário

eu entrava para trabalhar na Segunda feira as 8h e saía somente no Sábado por volta

das 10h.

Pergunta: Quem trabalha junto com você no seu horário?

GB: Um auxiliar que é responsável pelos cuidados com a casa. Ele fica das 8h às 16h

todos os dias.

Pergunta: Qual a sua formação/nível escolar?

GB: Concluí o ensino médio e fiz 2 anos de “processamento de dados”.

Pergunta: Você tem filhos? Quantos? Idade?

GB: Tenho 4 filhos. As idades são: 23, 20, 15 e 13.

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Pergunta: Qual o seu estado civil?

GB: Casada

Pergunta: Você percebe que de algum modo o cuidador representa uma figura

materna/paterna para a criança?

GB: Sim, principalmente quando eu permanecia na casa com eles de Segunda a

Sábado. Hoje, como eu te falei, eles ainda tem um carinho comigo, mas não mais a

mesma afinidade que tínhamos antes.

Pergunta: Emocionalmente como você se sente para cuidar das crianças?

GB: Me sinto bastante cansada, estafada. É muita carga que eles colocam para cima

da gente e no fundo você não tem onde depositar isso. Por exemplo, eu tive um dia

difícil, com muita briga aqui na casa, eu tive que apartar dois adolescente que estavam

se pegando e você não tira o seu problema, coloca na gaveta e vai deitar e dormir,

ainda mais quando você se envolve emocionalmente, por ter vínculo, afeto. Aí quando

eu vou para a minha casa são outros problemas que eu tenho que lidar, outras coisas

que eu tenho que resolver e mesmo que eu não tenho conseguido resolver as coisas

da minha casa eu tenho que voltar pra cá, porque já deu meu dia de voltar, aí aquele

problema que houve aqui há três dias atrás volta a tona de novo... não é uma coisa

que vai passando igual água. Nós precisamos de atendimento psicológico, porque nós

temos muitos problemas deles estourando, explodindo. Toda emoção forte que eles

tem de ausência da mãe ou problemas na escola, no projeto, estoura aqui na casa e

eu ouço antes de qualquer outra pessoa. E onde eu coloco tudo isso? Tem uma hora

que temos que limpar, esvaziar o balde para as goteiras começarem a cair de novo,

senão vai derramando. Eu sinto dor de cabeça todo dia. Eu sinto uma dor forte na

nuca que tem dia que eu não penteio o cabelo, você acredita? Então, são coisas muito

forte que nós vamos recolhendo e eu não sou muito de falar. Eu chego em casa, por

exemplo, e vou comentar o que aconteceu. Eu não consigo, porque eles não vão ver

da mesma forma que eu, porque eles não tem vínculo com as crianças. Tem dias que

eles daqui da casa chegam nervosos por problemas que tiveram e me xingam de tudo

quanto é nome, porque a mãe é sempre Santa, então, descarregam em mim. Imagina

se eu for contar um negócio desses da minha casa, eles não vão querer mais que eu

continue trabalhando aqui, dizendo que isso não é serviço para mim, então, tem coisas

que não é bom nem eu ficar falando.

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Pergunta: Como você percebe a aproximação dessas crianças a você?

GB: Então, como eu te disse. A aproximação antes era mais, agora nem tanto, mas

tem alguns moradoras daqui, com quem eu já tive algumas desavenças grandes que

ainda assim quando eu chego abre o portão para mim, me cobram para ir na formatura

deles, e assim vai, mas... são próximos, mas não tanto mais. Quando eu permanecia

na casa a semana toda, a aproximação das crianças a mim, o vínculo que tínhamos

era muito maior, pois elas sabiam que eu estaria aqui todos os dias. Eles realmente

me viam como mãe. Era eu que resolvia tudo. Agora não, eu não sinto mais essa

afinidade das crianças por mim que antes era tão forte. Eles tem um carinho por mim,

mas não como era antes. Atualmente, se eles precisam dar algum recado, eles

anotam na lousa, pois hoje eu estou aqui, mas passado dois dias será outra cuidadora.

Pergunta: Como é a sua relação com as crianças na instituição?

GB: É boa, mas não tão próxima quanto antes, como eu te disse. Eles dizem que eu

sou brava, mas sou como uma mãe mesmo, tenho que cobrar e dar bronca quando

necessário, mas quando eles tem algum problema, uma dor de barriga, eles vem

chamando “ô tia”. Tem uma moradora daqui, por exemplo que chegou a me dizer que

tem saudade da mãe, mas que muitas coisas que ela gostaria de falar para a mão, ela

conversa comigo, mas no fundo no fundo a gente sabe que não é só isso, ne? Que

eles sentem muita falta da mãe.

Pergunta: Como você percebe a relação entre as crianças e adolescentes moradores

dessa instituição?

GB: É boa, mas eu tenho que tomar vários cuidados para que a relação seja a melhor

possível. O que eu cobro muito deles é o respeito, para que eles se vejam como uma

família, como irmãos, para que não haja paquera entre eles e para que eles aprendam

que apesar de suas diferenças, um deve proteger o outro, pois essa é a nova família

deles.

Pergunta: Você consegue relacionar de alguma maneira o comportamento

apresentado pelas crianças com as vivências delas enquanto estavam com suas

famílias?

GB: Tem momentos que sim, você entendeu? Porque aí fala assim “Ah, mas ele viveu

muito assim, com briga, isso e aquilo, mas tem criança que já está aqui há 2 anos.

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Então é que nem eu falo, você está dando amor, está dando atenção, você está dando

carinho, está dando suporte , então quer dizer, o comportamento já não vem mais

nem do que viveu atrás, já vem assim dá formação mesmo de caráter, de opinião,

porque já tem opinião formada sobre isso. Então, assim, não é só pelas vivências

anteriores. Aí vai dizer que não aprendeu nada? Que você não ensinou nada? Mentira,

ne? Por que até mesmo quando você vai para um lugar, uma república, você morou

a vida toda com a sua mãe, que deu a hora está ali com o suquinho para você tomar,

lanchinho para você comer e ir para a faculdade, aí de repente você se vê em uma

outra cidade, dentro de uma república, você tendo que fazer tudo para você, porque

você precisa estudar, não é? Você não vai se adequar àquilo alí? Ou você vai esperar

o seu colega chegar e fazer o suco para você? Não, você mesmo vai ter que se virar,

você fazer, ne? É uma mudança de vida e as vezes eles tem uma pequena mudança,

assim, e já transtorna, já causa, mas eu acredito que conviver num ambiente onde o

outro te respeita, onde você não precisa agredir, eu creio que tem grandes mudanças

sim, mas aqui, na verdade, por mais que você diga assim : - Você não precisa agredir

o seu amigo, porque você precisa do seu amigo que está aqui na casa, porque hoje

você pode não estar precisando, mas amanhã você precisa. Aí eles dizem: - Não, não

vou precisar desse louco aí, que não sei o que, não sei o que. Aí eu explico que as

vezes a gente pensa tanto que precisa da família, que quer conviver com a família,

mas os que estão perto de você e você ainda não percebeu, são os que tem tudo para

te dar, te levantar e pôr para a frente, ne? Então é esse tipo de coisa que vou tentar

fazer eles ver para perceberem que não precisa ser parente, não precisa ser o tio, não

precisa ser o irmão, o pai a mãe, as vezes uma pessoa que eles menos espera está

alí por eles. E por mais que eles tenham de tudo aqui, geladeira cheia, freezer cheio,

almoço, janta, café, não é isso que eles querem. Eles querem comer arroz e feijão

com a mãe, é isso que eles querem. Eles não querem nada mais do que isso e aí

surge uma revolta e eles dizem que não querem estar ali, que não gostam daqui. Mas

não é que eles não gostam, não é o lugar que eles querem ficar.

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APÊNDICE G - Histórico de vida das crianças participantes da pesquisa

História de Vida de dois irmãos, que atualmente tem 5 e 8 anos. Iremos

nomeá-los, ficticiamente, de João (J) e Carlos (C), respectivamente.

A primeira denúncia de maus tratos a essas crianças (J e C) aconteceu no ano

de 2012 e eles dois e uma irmã mais velha, Margarida (M) foram levadas à Casa Lar

no ano de 2014. A mãe é usuária de drogas e sua história com as drogas no período

aqui relatado oscilou entre não aceitar o tratamento e posteriormente, em aceitar mas

não aderir ao mesmo. O pai dos meninos já havia saído de casa e alegava não

aguentar mais a situação da atual esposa que já havia vendido tudo de dentro de casa

para manter seu vício. O pai dizia, ainda, não ter condições de ficar com as crianças.

No ano de 2016, uma tia materna conseguiu a guarda provisória de J, C e M,

mas essa tia alegou, um tempo depois, que não teria mais condições de ficar com as

crianças. No ano de 2017 as três crianças foram acolhidas novamente na Casa Lar

de Lins.

O vício da mãe com as drogas chegou a ponto de ela vender o filho que ela

gerava em seu ventre e que estava com 8 meses, a um traficante em troca da

mercadoria. Ao ficar sabendo, o Conselho tutelar entrou em contato com a Santa Casa

para alertar sobre a situação e um dia após o nascimento desse bebê, ele foi levado

à Casa Lar e posteriormente foi adotado.

Mediante toda a situação conflitiva e de privação sofrida por essas crianças,

nesse ano de 2018, os pais foram destituídos de seu poder familiar e os três aguardam

por uma família adotante. Ao serem destituídos, tanto os pais quanto a tia materna

perderam o direito de visitá-los.

História de Vida de dois irmãos, que atualmente tem 6 e 8 anos. Iremos nomeá-

los, ficticiamente de Isac (I) e Alberto (A), respectivamente.

A data do acolhimento dos irmãos foi em 13 de Fevereiro de 2014, os direitos dos dois

estavam sendo negligenciados por seus responsáveis. E então como previsto pelo

ECA foram acolhidos na instituição Casa Lar do município de Lins. Os responsáveis

pelas crianças faziam uso de substancias químicas tanto na gestação dos irmãos

quanto após ela, então não possuíam mais condições adequadas de cuidados. Os

dois garotos foram recebidos com saúde frágil, comprometimento motor e na fala.

Esses irmãos foram adotados e devolvidos para a instituição cerca de 6 vezes.

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ANEXOS

ANEXO A - APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA

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