Aparecida Vilaça - o que significa tornar-se outro - xamanismo e contato interétnico na amazonia

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O QUE SIGNIFICA TORNAR-SE OUTRO? Xamanismo e contato interétnico na Amazônia * Aparecida Vilaça RBCS Vol. 15 n o 44 outubro/2000 As relações entre o xamanismo e o contato com a sociedade nacional são tema constante na literatura etnológica. De um modo geral, o que se enfatiza é uma relação de determinação em sentido único: a inserção no mundo ocidental provocaria ora o fim do xamanismo, ora a sua efervescência. É o caso, por exemplo, dos grupos Tupi-Mondé da Amazônia Meridional. De acordo com Brunelli (1996, pp. 256-260), o xamanismo desapareceu em alguns desses grupos logo após o contato, para ser retomado alguns anos depois, como marca de identidade étnica. Entre os Bororo, segundo Cro- cker (1985, pp. 329-331), o impacto do encontro com a sociedade brasileira foi responsável pelo desaparecimento do “xamanismo vertical”. Em contraposição, entre os Yagua, o número de xamãs vem aumentando com o contato (Chaumeil, 1983, p. 261). Há também relatos da apropriação dos sím- bolos cristãos por xamãs nativos, sendo os mais famosos os referentes aos Tupinambá seiscentistas. Do mesmo modo que os missionários usavam algumas premissas do discurso dos xamãs-profe- tas, prometendo o fim dos males com a conversão, esses xamãs apropriavam-se do discurso dos pa- dres e afirmavam estar em contato direto com Deus (Viveiros de Castro, 1992, pp. 33-34). Essa incorpo- ração de símbolos e práticas cristãs pelos xamãs nativos é freqüente em movimentos messiânicos, como aqueles que ocorreram no alto rio Negro, descritos por Hugh-Jones (1996, pp. 47-49) e Wri- ght (1996, pp. 110-114). É bem documentado também o movimento no sentido inverso, ou seja, da apropriação de práticas xamânicas nativas pela população cabocla (Gow, 1996, pp. 105-111; Taus- sig, 1993). 1 O meu objetivo neste artigo é analisar, com base na etnografia wari’, grupo de língua Txa- pakura da Amazônia Meridional, a relação entre xamanismo e contato interétnico por uma outra perspectiva. Pretendo mostrar que, no lugar de uma determinação direta entre a intensidade da prática xamânica e o grau de contato (ora positi- va, ora negativa) e de apropriação de práticas * Publicado originalmente, sob o título “Devenir autre: chamanisme et contact interethnique en Amazonie Bré- silienne”, no Journal de la Société des Américanistes, n o 85, 1999, pp. 239-260. Agradeço a Eduardo Viveiros de Castro e a Peter Gow pela leitura crítica de uma primeira versão deste artigo. A pesquisa de campo entre os Wari’ foi financiada pela Wenner-Gren Foundation for An- thropological Research, pela Finep e pela Fundação Ford.

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O QUE SIGNIFICATORNAR-SE OUTRO?Xamanismo e contatointerétnico na Amazônia*

Aparecida Vilaça

RBCS Vol. 15 no 44 outubro/2000

As relações entre o xamanismo e o contatocom a sociedade nacional são tema constante naliteratura etnológica. De um modo geral, o que seenfatiza é uma relação de determinação em sentidoúnico: a inserção no mundo ocidental provocariaora o fim do xamanismo, ora a sua efervescência.É o caso, por exemplo, dos grupos Tupi-Mondé daAmazônia Meridional. De acordo com Brunelli(1996, pp. 256-260), o xamanismo desapareceu emalguns desses grupos logo após o contato, para serretomado alguns anos depois, como marca deidentidade étnica. Entre os Bororo, segundo Cro-cker (1985, pp. 329-331), o impacto do encontrocom a sociedade brasileira foi responsável pelodesaparecimento do “xamanismo vertical”. Emcontraposição, entre os Yagua, o número de xamãsvem aumentando com o contato (Chaumeil, 1983,p. 261).

Há também relatos da apropriação dos sím-bolos cristãos por xamãs nativos, sendo os maisfamosos os referentes aos Tupinambá seiscentistas.Do mesmo modo que os missionários usavamalgumas premissas do discurso dos xamãs-profe-tas, prometendo o fim dos males com a conversão,esses xamãs apropriavam-se do discurso dos pa-dres e afirmavam estar em contato direto com Deus(Viveiros de Castro, 1992, pp. 33-34). Essa incorpo-ração de símbolos e práticas cristãs pelos xamãsnativos é freqüente em movimentos messiânicos,como aqueles que ocorreram no alto rio Negro,descritos por Hugh-Jones (1996, pp. 47-49) e Wri-ght (1996, pp. 110-114). É bem documentadotambém o movimento no sentido inverso, ou seja,da apropriação de práticas xamânicas nativas pelapopulação cabocla (Gow, 1996, pp. 105-111; Taus-sig, 1993).1

O meu objetivo neste artigo é analisar, combase na etnografia wari’, grupo de língua Txa-pakura da Amazônia Meridional, a relação entrexamanismo e contato interétnico por uma outraperspectiva. Pretendo mostrar que, no lugar deuma determinação direta entre a intensidade daprática xamânica e o grau de contato (ora positi-va, ora negativa) e de apropriação de práticas

* Publicado originalmente, sob o título “Devenir autre:chamanisme et contact interethnique en Amazonie Bré-silienne”, no Journal de la Société des Américanistes, no

85, 1999, pp. 239-260. Agradeço a Eduardo Viveiros deCastro e a Peter Gow pela leitura crítica de uma primeiraversão deste artigo. A pesquisa de campo entre os Wari’foi financiada pela Wenner-Gren Foundation for An-thropological Research, pela Finep e pela FundaçãoFord.

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ocidentais, religiosas ou seculares, pelos xamãs, oque chama a atenção entre os Wari’ é que oprocesso de contato com os Brancos é pensadopela ótica do xamanismo. Assim como os xamãs,simultaneamente humanos e animais, os Wari’hoje possuem uma dupla identidade: são Brancose Wari’.

Um desenho realizado em 1987 por MaxünHat, a quem eu solicitei que representasse umhomem wari’, é revelador. Nele, a figura de umhomem é construída por traços duplos, de modoque a roupa em estilo ocidental, como aquela coma qual os Wari’ se vestem hoje, se sobrepõe aocorpo sem, no entanto, escondê-lo. O que se vê, naverdade, são dois corpos simultâneos: o do Bran-co, por cima, e o do Wari’, por baixo. Esse desenhonos remete a diversos outros contextos etnográfi-cos, e tomo como exemplo os Kayapó do BrasilCentral, tão evidentes na mídia nos últimos anos:as vestimentas ocidentais não cobrem totalmenteas pinturas corporais, ou estas são explicitamenteexibidas nas partes descobertas dos corpos, convi-vendo com shorts e calças compridas. O ex-depu-tado federal brasileiro, o xavante Mario Juruna, atéhoje o único índio a ser eleito para um cargopolítico importante no Brasil, era conhecido porcompatibilizar cocares de penas com ternos ecamisas sociais.

Conklin (1997, pp. 716-717) observa que, atéos anos 1980, os índios amazônicos costumavamusar roupas ocidentais completas, conseqüênciada percepção do impacto negativo de seus corposnus, lábios e orelhas perfurados, entre os represen-tantes da sociedade nacional, desde a populaçãorural vizinha aos habitantes das grandes cidades.Passar a usar roupas foi um modo não só de seremaceitos, mas de serem deixados em paz, e decontinuarem a viver como antes, quando longe dosolhos dos Brancos. Turner (1991, p. 289) fazcomentários análogos para os Kayapó, que, em1962, andavam quase todos vestidos ao modoocidental, sendo que os homens retiraram os bato-ques labiais e cortaram os cabelos. Para Conklin(1997, p. 712), as mudancas ocorridas a partir dosanos 1980 tiveram relação com a imposição aosíndios de uma visão ocidental específica sobreestética e autenticidade (ver também Weiner, 1997,

para uma discussão sobre a relação entre estética erepresentação). Em suas palavras:

Procuro mostrar que a natureza da eco-política

contemporânea — especialmente a dependência

em relação à mídia global e organizações não-

governamentais — intensifica a pressão para que

os ativistas indígenas se adequem a determinadas

imagens […] O simbolismo visual está no centro

dessa história porque a política da aliança indíge-

no-ambientalista é primariamente uma política de

símbolos […] Símbolos são importantes em todas

as políticas, mas eles são centrais no ativismo da

Amazônia nativa; sem força eleitoral ou influência

econômica, o “capital simbólico” (Bourdieu 1977)

da identidade cultural é um dos principais recur-

sos políticos dos índios brasileiros. (Conklin, 1997,

p. 712)

Há, entretanto, uma questão que a autoranão coloca, e que diz respeito não aos adereçosindígenas, mas ao seu complemento: as roupasocidentais. Se os índios resolveram mudar a suaapresentação, misturando roupas manufaturadascom pinturas e adereços nativos, mesmo que não“tradicionais”, por terem tomado consciência deum modelo de indianidade criado no Ocidentemoderno, por que não abriram mão por completodas vestimentas ocidentais?

O caso do ritual dos Nambikwara citado porela é bastante ilustrativo. Um cineasta havia filma-do em vídeo o rito de iniciação feminino, e emseguida exibiu-o aos índios. Estes ficaram insatis-feitos com as imagens, por estarem demasiada-mente vestidos. Decidiram reencenar o rito paraque fosse novamente filmado. Os homens retira-ram as camisetas e usaram shorts menores, e asmulheres usaram pedaços de pano enrolados emvolta da cintura como saias (Conklin, 1997, p. 719).Sabe-se, pelas belas fotos exibidas por Lévi-Strauss(1955) em Tristes trópicos, que os Nambikwaraandavam nus. Teriam eles, juntamente com omodelo de indianidade, introjetado tão profunda-mente a nossa noção de pudor que, mesmo saben-do que seriam ainda mais autênticos se completa-mente nus, não puderam se despir? Talvez, sequestionados sobre isso, os Nambikwara ofereces-

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sem uma resposta análoga à dos Wari’ quando eulhes perguntava por que, se as lembranças da vidana floresta, antes do contato, eram tão positivas,não voltavam para lá de vez, abandonando osBrancos e todas as suas coisas. “Porque somosBrancos”, diziam eles. O que significa esse “serBranco” sem abrir mão de ser Wari’, e como essadupla identidade se inscreve no corpo?

Turner (1991) nos oferece um caminho deresposta. A duplicidade visível nos corpos kayapóseria a expressão de um compromisso entre ointeresse por uma vida integrada ao mundo dosBrancos, com acesso fácil aos cobiçados objetosmanufaturados, e a luta pela autonomia. Se, nosanos 1960, os Kayapó procuravam uma espécie deinvisibilidade nos contextos de relação com asociedade nacional, vestindo-se exatamente comoBrancos, com calças compridas, camisas, sapatos eóculos escuros, hoje revelam com orgulho a suaidentidade indígena. Trata-se, segundo o autor, deuma nova forma de consciência, resultante não detransformações cognitivas ao modo estruturalista,mas do processo histórico de confronto interétni-co. Em suas palavras: “A casa e o indivíduo torna-ram-se, da mesma forma, duplos, diametralmentedivididos entre um cerne indígena Kayapó e umafachada externa composta totalmente ou em partepor bens e formas brasileiras.” (Turner, 1991, p.298).

Se a ambigüidade ou duplicidade do vestuá-rio é certamente uma opção política, refletindo nãosó uma valorização endógena da tradição, comotambém a consciência do impacto de símbolosvisuais para os Brancos que valorizam índios au-tênticos, não penso que uma reflexão sobre osprocessos de confronto esgote as questões suscita-das por tal comportamento. No caso ameríndio, aescolha do corpo como lugar de expressão dessadupla identidade não é casual. A hipótese queprocurarei desenvolver aqui é que, para os Wari’ao menos, a face externa, ocidental, não é umafachada que cobre um interior mais verdadeiro oumais autêntico, como sugere Turner (1991, p. 298)para os Kayapó.2 Ela é igualmente verdadeira eexiste simultaneamente ao corpo wari’ nu.3 Aoserem Wari’ e Brancos simultaneamente, os Wari’vivenciam, como veremos adiante, uma experiên-

cia análoga à de seus xamãs, que têm um corpohumano e outro animal. Uma análise do significa-do do corpo no mundo ameríndio é essencial paracompreendermos o papel das roupas ocidentais naconstituição desse corpo duplo.

O corpo ameríndio

Há 20 anos atrás, em um artigo hoje antológi-co sobre a noção de pessoa, Seeger, Da Matta eViveiros de Castro concluíram que o corpo e osprocessos a ele relacionados são centrais para osameríndios:

a originalidade das sociedades tribais brasileiras

(de modo mais amplo, sul-americanas) reside

numa elaboração particularmente rica da noção

de pessoa, com referência especial à corporalida-

de enquanto idioma simbólico focal. Ou, dito de

outra forma, sugerimos que a noção de pessoa e

uma consideração do lugar do corpo humano na

visão que as sociedades indígenas fazem de si

mesmas são caminhos básicos para uma compre-

ensão adequada da organização social e cosmolo-

gia destas sociedades. (Seeger, Da Matta e Viveiros

de Castro, 1979, p. 3)

Como já havia observado Joanna OveringKaplan (1977, pp. 9-10), a estrutura das sociedadesameríndias não se encontrava onde os etnólogos aprocuravam, já que se tomava como referênciamodelos importados de outras regiões etnográfi-cas, como a Ásia, a África e a Melanésia. Diante daausência de clãs, linhagens e grupos corporados,postulava-se a fluidez e a falta de princípios inte-gradores nessas sociedades. Examinando algumasetnografias da época, tais como a de Crocker sobreos Bororo, a de Reichel-Dolmatoff sobre os Desanado noroeste amazônico, e a de Overing Kaplansobre os Piaroa da Venezuela, Seeger, Da Matta eViveiros de Castro (1979, p. 3) observaram quetodas elas davam muito espaço às ideologias nati-vas sobre a corporalidade: “teorias de concepção,teorias de doenças, papel dos fluidos corporais nosimbolismo geral da sociedade, proibições alimen-tares, ornamentação corporal”. Isso não lhes pare-ceu acidental, ou “fruto de um bias teórico” (idem,

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ibidem), mas resultado da centralidade das ques-tões relacionadas à corporalidade na definição daestrutura dessas sociedades. A problemática dasqualidades sensíveis evidenciada por Lévi-Strauss,a partir dos mitos americanos, na monumentalMythologiques (Lévi-Strauss, 1964, 1967, 1968 e1971) aplicava-se perfeitamente ao nível da organi-zação social (Seeger, Da Matta e Viveiros de Castro,1979, p. 3).

Recentemente, Viveiros de Castro retomou aquestão da corporalidade ameríndia à procura deuma nova síntese, e desenvolveu a sua teoria doperspectivismo ou multinaturalismo. De acordocom esse autor, para diversos povos ameríndios “omundo é habitado por diferentes espécies desujeitos ou pessoas, humanas e não-humanas, queo apreendem segundo pontos de vista distintos”,relacionados aos seus corpos (Viveiros de Castro,1996, p. 115). Não se trata daquilo que conhece-mos como relativismo multicultural, que supõe

[...] uma diversidade de representações subjetivas

e parciais, incidentes sobre uma natureza externa,

una e total, indiferente à representação; os amerín-

dios propõem o oposto: uma unidade representa-

tiva ou fenomenológica [...] aplicada indiferente-

mente sobre uma radical diversidade objetiva.

Uma só “cultura”, múltiplas “naturezas” [...] Uma

perspectiva não é uma representação porque as

representações são propriedades do espírito, mas

o ponto de vista está no corpo. Ser capaz de

ocupar o ponto de vista é certamente uma potên-

cia da alma [...] mas a diferença entre os pontos de

vista [...] não está na alma, pois esta, formalmente

idêntica através das espécies, só enxerga a mesma

coisa em toda parte — a diferença é dada pela

especificidade dos corpos. (Viveiros de Castro,

1996, p. 128)

No lugar de um multiculturalismo teríamos,portanto, um multinaturalismo (idem, p. 127).

Se passamos ao caso específico dos Wari’,vemos que o corpo (kwere-, sempre seguido desufixo indicador de posse) é o lugar da personali-dade, é o que define a pessoa, animal, planta oucoisa. Tudo o que existe tem um corpo, umasubstância, que é o que lhe dá características

próprias. Os Wari’ costumam dizer: “Je kwere”(“meu corpo é assim”), que significa: “esse é meujeito”, “eu sou assim mesmo”. E também quando sereferem a animais ou coisas. Se perguntamos a elespor que os queixadas andam em bando, eles dirão:“Je kwerein mijak” (“o corpo do queixada é as-sim”); ou por que a água é fria: “Je kwerein kom” (“ocorpo da água é assim”).

Se tudo tem um corpo, só os humanos — oque inclui os Wari’, os inimigos e diversos animais— possuem uma alma, que os Wari’ chamam dejam-. Enquanto o corpo diferencia as espécies, aalma as assemelha como humanas. Nesse sentido,os Wari’ são um caso exemplar do pensamentoperspectivista ameríndio. Todos os humanos parti-lham práticas culturais análogas: vivem em família,caçam, cozinham seus alimentos, ingerem bebidasfermentadas, fazem festas etc. Os diferentes cor-pos, entretanto, implicam formas diferentes deperceber as mesmas coisas. Assim, tanto os Wari’como o jaguar bebem chicha de milho, mas o queo jaguar vê como chicha é o sangue, do mesmomodo que o barro é chicha para a anta. Tanto ojaguar como a anta se concebem como humanos,wari’, termo que significa “gente”, “nós”, e perce-bem os Wari’ como não-humanos, podendo predá-los como se fossem caça, ferindo-os com suasflechas.

O caso dos Makuna, grupo de língua Tukanodo rio Vaupés, ilustra bem essa questão da huma-nidade dos animais:

Os peixes são gente […] As árvores frutíferas que

crescem nas margens dos rios são suas roças, as

frutas são seus cultígenos […] Como os homens, os

peixes formam comunidades […] Em suas casas

subaquáticas (invisíveis ao olho humano comum)

os peixes guardam todos os seus bens, ferramen-

tas e instrumentos como os que as pessoas têm em

suas casas […] Quando os peixes desovam, estão

dançando em suas casas subaquáticas […] Os

animais de caça são gente. Eles têm sua própria

mente […] e seus próprios pensamentos […],

como os homens […] Eles têm malocas e comuni-

dades, têm suas próprias danças e sua própria

parafernália ritual e instrumentos […] É por isso

que os animais têm alma; eles têm sua própria

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mente e pensamentos. (Arhem, 1993, pp. 112-113

e 116-117)

A noção do corpo como lugar da diferençanão se limita às relações interespecíficas. A socie-dade wari’ é concebida como sendo constituídapor agregados corporais de diversos níveis, sendosuas fronteiras tão variáveis que se torna difícil falarem sociedade (ver Gow, 1991, p. 264, para concep-ção análoga entre os Piro; Seeger, 1980, pp. 128-129, para os Suyá; Da Matta, 1976, pp. 80-81, paraos Apinayé). Assim, os parentes próximos podemse afastar e, rompendo o contato, se transformarem inimigos, seres ontologicamente idênticos aosWari’, do mesmo modo que os inimigos podemser, através do casamento, incorporados comoparentes.

É importante ressaltar que o corpo ameríndionão é um dado genético, mas é construído aolongo da vida por meio das relações sociais (Gow,1991; Da Matta, 1976, p. 88). Entre os Wari’, após onascimento, o corpo da criança, constituído poruma mistura de sêmen e sangue menstrual, vaisendo constantemente fabricado através da ali-mentação e da troca de fluidos corporais com seuspais, irmãos e parentes próximos. Os filhos adoti-vos, por exemplo, são considerados consubstanci-ais de seus pais de adoção e, de maneira análoga,marido e mulher tornam-se consubstanciais com aproximidade física decorrente do casamento (verOvering Kaplan, 1977, p. 390, para comentárioanálogo sobre os Canela, apud Crocker). A comidaé central na constituição da identidade física tantodos Wari’ como das espécies animais, como vere-mos no caso dos xamãs.

Na primeira fase de meu trabalho de campo,ouvia constantemente exclamações do tipo: “Elanão é Wari’, não come gongos”. Quando finalmen-te ingeri diante deles algumas dessas larvas, anotícia que se espalhou na aldeia é que eu haviame tornado completamente Wari’. Essa consubs-tancialidade produzida pelas relações físicas e pelacomensalidade (remeto aos Piro analisados porGow, 1991, pp. 7-8, 114 e 123-124, para a impor-tância da comida na constituição da identidade; eaos Matsinguenga analisados por Baer, 1994, p. 88)é tão efetiva quanto aquela dada pelo nascimento,

de modo que aqueles que vivem juntos, comemjuntos ou partilham a mesma dieta alimentar vão setornando consubstanciais, especialmente se passa-rem a se casar entre si. Mais do que simplessubstância física, o corpo ameríndio é, como jáobservou Viveiros de Castro (1996, p. 128), “umconjunto de afecções ou modos de ser que consti-tuem um habitus”.

Voltando às observações iniciais sobre odesenho wari’ e as vestimentas kayapó, devemosressaltar que o corpo não é meramente lugar deexpressão da identidade social, mas o substratoonde ela é fabricada, de modo que os adereços eroupas constituem menos uma “pele social” quesocializaria externamente um substrato natural in-terno, como propõe Turner (1971, p. 104) para osKayapó, do que o motor de um processo corporal.A minha hipótese é que não há uma diferençasubstantiva entre as roupas animais usadas pelosxamãs e pelos próprios animais (quando se mos-tram aos índios), os adereços corporais propria-mente indígenas, e as roupas manufaturadas traja-das por índios em contato com Brancos. São todosigualmente recursos de diferenciação e de transfor-mação do corpo, que não podem ser isolados derecursos análogos tais como as práticas alimentarese a troca de substâncias através da proximidadefísica. Em um certo sentido poderíamos mesmodizer que as roupas ocidentais usadas pelos índiosseriam mais tradicionais ou autênticas do que osenfeites plumários a elas justapostos, já que aroupa seria o modo indígena de ser Branco, umdevir previsto por seu sistema conceitual. Os enfei-tes plumários, por sua vez, seriam o modo Brancode ser índio.

Viveiros de Castro, nesse mesmo artigo sobreo perspectivismo, chamou a atenção para o fato deas roupas, máscaras e adereços serem instrumen-tos e não fantasias. Comentando a parafernáliaritual, ele observa: “Estamos diante de sociedadesque inscrevem na pele significados eficazes, e queutilizam máscaras animais [...] dotadas de poder detransformar metafisicamente a identidade de seusportadores, quando usadas em contexto ritualapropriado.” (Viveiros de Castro, 1996, p. 133).Dentre os diversos exemplos temos os Yagua daVenezuela, cujos xamãs utilizam “vestimentas má-

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gicas” que os possibilitam ver sob a água (Chau-meil, 1983, p. 51); os Kogi da Colômbia, para osquais um personagem mítico transforma-se emjaguar ao ingerir substância alucinógena (na formade uma bola azul que ele coloca na boca) e vestiruma máscara de jaguar, passando a “perceber ascoisas de um modo diferente, o modo como ojaguar as vê” (Reichel-Dolmatoff, 1975, pp. 55 e58); os Baniwa do noroeste amazônico, que ex-pressam a transformação do pajé em jaguar como“vestir a camisa do jaguar” (Wright, 1996, p. 79); eos Desana, entre os quais o uso de peles, máscarase outros “disfarces” é o que caracteriza os animaiscomo tais, possibilitando também a transformaçãodos xamãs em animais (Reichel-Dolmatoff, 1975,pp. 99, 115, 120, 124 e 125). Nesse sentido, econtrariamente ao que diz Turner (1971, p. 104), asroupas, pinturas e máscaras seriam antes um meiode naturalizar substratos culturais indiferenciados(ver Viveiros de Castro, 1996, p. 130) do que deculturalizar um corpo excessivamente natural. Adiferenciação é dada pela naturalização e não pelaculturalização, visto que a cultura é comum aosdiversos seres, sendo justamente o que os identifi-ca como humanos. A “permutabilidade objetivados corpos está fundada na equivalência subjetivados espíritos” (idem, 133). Os Makuna oferecemum ótimo exemplo dessa permutabilidade doscorpos:

Apesar de os peixes viverem no mundo do rio,

facilmente se transformam em pássaros, micos,

roedores, porcos-do-mato, e outros animais de

caça que comem frutas. Quando a comida do rio

está escassa, os peixes se convertem em pássaros

e animais terrestres para procurar comida na flo-

resta. (Arhem, 1993, p. 115)

Retomo aqui a anedota antilhana citada porLévi-Strauss (1952) em Raça e história e retomadapor Viveiros de Castro (1996, p. 123) para ilustrar operspectivismo: enquanto os espanhóis investiga-vam se os índios tinham ou não alma, estes sededicavam a afogar os Brancos para observar seseus cadáveres eram sujeitos à putrefação. Enten-da-se: os índios queriam saber que tipo de huma-nos seriam esses Brancos, e isso só lhes parecia

possível mediante o estudo das peculiaridades deseus corpos.

Ora, é possível estabecermos uma relação decontinuidade entre este episódio ocorrido há 500anos e alguns eventos recentes do cenário eco-indigenista brasileiro reportados por Conklin(1997, p. 727), e que remetem diretamente àquestão da apresentação corporal que vimos ana-lisando aqui. Em 1984, os índios Pataxó, habitantesda costa da Bahia, ameaçados por fazendeiros quereinvidicavam suas terras, alegando não serem elesíndios autênticos, foram visitados por uma comiti-va chefiada pelo xavante Mário Juruna, entãodeputado federal, que propôs a eles que abando-nassem as terras. Juruna retornou à cidade, após tersido expulso pelos Pataxó, afirmando que a reser-va era “ocupada por uma maioria de caboclos eapenas meia dúzia de índios” (CEDI, 1984, p. 293).A matéria publicada na Folha da Tarde (4/9/1984)sobre o episódio, que escandalizou os defensoresdos direitos indígenas, termina da seguinte forma:“Indagado sobre os indícios que o levaram a pôrem dúvida a autenticidade dos índios da reserva,[Juruna] respondeu: ‘Índio não tem barba, nembigode, nem cabelo no peito’.” (cf. CEDI, 1984, p.293; ver também Conklin, 1997, p. 727).

Mais recentemente, em 1992, durante umencontro ecológico internacional no Rio de Janei-ro, o Earth Summit, os povos nativos organizarameventos paralelos, parte deles no interior de umareprodução de aldeia indígena, especialmenteconstruída para este fim. Os Kayapó, tomandopara si o papel de anfitriões, passaram a atuarcomo porteiros, decidindo quem poderia ou nãoentrar nas casas: além de jornalistas e organizado-res credenciados, somente foram admitidos indiví-duos usando roupas exóticas e adereços indígenas.De acordo com o antropólogo que relatou oepisódio para Conklin, dois índios norte-america-nos foram barrados quando trajando roupas co-muns, sendo admitidos ao retornarem no dia se-guinte com enfeites plumários.

Conklin (1997, p. 727) interpreta esses episó-dios como resultantes da imposição sobre os índi-os de um modelo de indianidade construído peloOcidente e focalizado na estética corporal. Queroaqui chamar a atenção justamente para a “autenti-

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cidade” desse modelo, e sugerir que é precisamen-te por isso que foi tão prontamente aceito eincorporado pelos índios. Trata-se, como propus arespeito da relação entre os Wari’ e o cristianismoda Missão Novas Tribos do Brasil (Vilaça, 1996a,1996b e 1997), de um encontro de ideologias. Épreciso, portanto, relativizar a observação de Tur-ner (1991) sobre a impossibilidade de se compre-ender essa adoção de um duplo vestuário comouma transformação cognitiva ao modo estruturalis-ta. Se estas transformações são fruto de uma cons-cientização política, só foram possíveis ou aconte-ceram dessa forma porque são compatíveis comaspectos estruturantes do pensamento, tais como alógica dualista, que, segundo Lévi-Strauss (1991)teria relação com a abertura estrutural dos amerín-dios ao Outro, e a noção de corporalidade comocentral na constituição da pessoa. Em relação aoprimeiro ponto — a abertura ao Outro —, devemosobservar que a noção exclusivista de tradiçãoparece ser estranha a diversas culturas não ociden-tais, como fica evidente nessas misturas de vesti-mentas que expressam misturas de identidades.Voltaremos a isso.

Passemos agora aos xamãs, para quem apossibilidade de transformação de corpos constituia essência da sua atividade. No caso wari’, aaproximação entre as transmutações xamânicas,que fazem a conexão entre o mundo dos Wari’ e odos animais, e aquelas relativas ao contato inte-rétnico tem como fundamento primeiro a equiva-lência entre animais (karawa) e inimigos (wijam),categoria na qual os Wari’ classificam os Brancos.Tanto os inimigos como os animais mantêm comos Wari’ uma relação que se caracteriza pela guerrae pela predação. Por meio dessas atividades pro-duz-se uma ruptura no continuum de humanida-de, sendo os predadores definidos como humanos,wari’, e as presas como não-humanas, karawa,posições estas essencialmente reversíveis.

Os xamãs

O xamã wari’ (ko tuku ninim) é “aquele quevê”, um ser especial, parte humano, parte animal.Tudo começa com uma doença grave, em que umanimal agride o espírito do futuro xamã, interessa-

do em torná-lo seu companheiro, membro da suaespécie. O espírito do doente chega à casa dosanimais daquela espécie determinada, e já podevê-los como humanos, ou seja, adota o ponto devista do animal. É banhado com água morna e, aomodo dos sogros wari’, eles lhe oferecem umamenina, que será sua esposa no futuro, quando, aomorrer, virar definitivamente animal.4 Quando umxamã está velho, costuma-se dizer que a suaesposa animal já virou moça, e que ele irá em brevejuntar-se a ela, consumando o casamento e atransformação em animal. Como no contexto darelação entre agregados corporais no interior dasociedade, o casamento é também aqui essencialna completude da mudança.

O futuro xamã recebe ainda o urucum e oóleo de babaçu mágicos, revestimentos corporaispor excelência, que vão caracterizá-lo como mem-bro da espécie agressora, dotando-o do ponto devista do animal e de poder de cura. A partir deentão esse homem (são raros os registros demulheres xamãs) tem um espírito atuante, presentetodo o tempo como um duplo animal, que vivejunto aos seus iguais. Sobre o espírito dos xamãs,os Wari’ dizem, dependendo do animal que ele“acompanha” (necessariamente um animal de umaespécie com espírito): “Ele é queixada completa-mente” (Mijak pin na), “Ele foi para os queixadas”(Mao na jami mijak), ou “Ele está com as antas”(Peho non min). Repito aqui as palavras de Oro-wam, xamã wari’:

Eu sou jaguar. Sou um jaguar de verdade. Eu como

animais. Quando tem gente doente, eu vou ver e

ele fica bom. Ela tem coisas em seu coração, a

pessoa doente. Ele esfria (fica bom, sem febre). Eu

tenho óleo de babaçu e urucum. Eu vou ao mato.

Vou longe, ver outras pessoas. Vejo Brancos, vejo

todo mundo. Eu sou um jaguar verdadeiro, não

sou um jaguar de mentira. (Orowam em 1995)

Ou, como afirmou o mesmo xamã algunsanos antes, em 1987: “O jaguar é meu parenteverdadeiro. Meu corpo verdadeiro é jaguar. Hápêlos em meu corpo verdadeiro”. A identidade éexplicitamente concebida como situada no corpo erelacionada ao parentesco.

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Assim como na constituição das relações deconsubstancialidade, a comensalidade é funda-mental na definição do xamã como membro dedeterminada espécie, de modo que um xamã pode“trocar” de espécie se passar a acompanhar outrosanimais, o que significa que, além de andar ao ladodesses animais, vai comer como eles e junto comeles. Os xamãs wari’ costumam dizer que visual-mente não há qualquer diferença entre as espéciesanimais dotadas de espírito, visto que percebem,todas, com a forma humana: o que as diferenciamesmo são seus hábitos. A freqüente incapacidadede diferenciar visualmente as espécies animais, depercebê-las na forma animal, torna o xamã um maucaçador. Maxün Hat, para o desespero de suaesposa, não consegue atirar nos animais que en-contra porque os vê como humanos. Partilhar amesma identidade torna a predação e a devoraçãoinfactíveis (Vilaça, 1998), não por causa de prová-veis doenças advindas do consumo de um con-substancial, mas devido à percepção da identidade(remeto a Vilaça, 1992, para a descrição de algumasexperiências de iniciação xamânica).

O xamã caracteriza-se por possuir dois cor-pos simultâneos: um corpo humano visível pelosWari’, que se relaciona com eles normalmente,como membro de sua sociedade, e um corpoanimal que ele percebe como humano, e que serelaciona com os demais animais daquela espécietambém como membro da sua sociedade, que écomo a sociedade wari’. Como disse Maxün Hat, sóo corpo dele está na aldeia; o seu espírito está comos queixadas, dia e noite. O que acontece algumasvezes é uma espécie de curto-circuito: de acordocom sua esposa, ele não dorme bem de noite,batendo os dentes como se estivesse comendofrutos. O mesmo acontece com o xamã-jaguarOrowam, que assusta os seus vizinhos rugindoenquanto dorme.

A presença do xamã no seio do grupo temduas faces. A primeira é positiva, atuando naprofilaxia e na cura de doenças. Como homens emexpedição guerreira, os espíritos animais podemchegar até os Wari’ em grupo, trazidos pelo vento,gritando: “Vamos flechar inimigo!”. Dentre essesanimais podem estar também alguns xamãs, geral-mente estrangeiros, membros de outros subgrupos

wari’.5 Os xamãs locais conseguem vê-los e tentamlogo estabelecer um diálogo, evitando que os Wari’tenham seus espíritos atingidos por essas flechas ecaiam doentes. Começam por forçar-lhes umaadequação da visão: “Vejam bem, não são animais,são wari’! São seus parentes!”. Os animais entãoreconhecem os Wari’ como iguais e se retiram.Caso alguém adoeça, o xamã atua evitando que avítima se transforme em animal, retirando de seucorpo todos os traços deixados pelo animal agres-sor, e tentando resgatar, junto aos animais, oespírito que já está em vias de se transformar emanimal. Essa transformação pode ser completa econduzir à morte do corpo, ou a vítima não curadapode continuar viva, quando se torna xamã. Nocaso de morte, o espírito agredido vai fazer parteda espécie agressora, passando a estar associado aum novo corpo. É interessante acrescentar aquique, nas mortes causadas por inimigos em guerra,o espírito do Wari’ morto torna-se membro dogrupo inimigo, ganhando um corpo de inimigo,tornando-se irreconhecível aos parentes que por-ventura se defrontem com ele.

A face negativa da atuação do xamã dizrespeito à sua capacidade de se tornar inimigo aqualquer momento, atacando os seus concida-dãos, podendo causar mortes. Ele age assim demaneira não intencional, quase que por “falhatécnica” (expressão minha): sua visão torna-sedeficiente e ele passa a ver os seus parentes comoinimigos ou presas animais. Tudo se passa como seos seus diferentes corpos se confundissem, demodo que ele, como Wari’, adotasse o ponto devista do animal. E não só xamãs estrangeiros,provenientes de outros subgrupos wari’; os xamãslocais, classificados por termos de parentesco,como é o costume entre conterrâneos, tambémestão sujeitos a esses surtos, que lembram os dosmatadores de alguns grupos Tupi no período dereclusão (Viveiros de Castro, 1995). Pude certa vezobservar o xamã Orowam, cujo espírito é jaguar,preparar-se para atacar as pessoas que o circunda-vam, dentre elas eu e o seu neto classificatório. Elecoçava os olhos e rugia. Seu neto, que percebeu oque acontecia, conversou com ele, lembrando-lheque eram parentes os que estavam ali (incluindo-me, por gentileza, nesse grupo).

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A impressão final é a de um jogo de espelhos,em que as imagens são refletidas ao infinito: oxamã se torna animal, e é como animal que adotaa perspectiva dos seres humanos, wari’, passandoa ver os Wari’ como karawa, não-humanos. Nessesentido, o xamã propicia aos Wari’, à sociedadecomo um todo, a experiência, indireta, de umoutro ponto de vista, o ponto de vista do inimigo:de wari’ passam a se ver como presas, karawa,porque sabem que é assim que o xamã os estávendo naquele momento. O que ocorre é umadupla inversão: um homem destaca-se do grupotornando-se animal e adotando um ponto de vistahumano (wari’ ) para que o resto do grupo, perma-necendo humano (Wari’), possa adotar o ponto devista animal.

Se os animais são potencialmente humanos,os Wari’ são potencialmente presas, de modo quea humanidade não é algo inerente, mas umaposição pela qual se deve lutar todo o tempo. Tudose passa como se essa lógica sofisticada de preda-ção em mão-dupla tivesse como finalidade princi-pal uma reflexão profunda sobre a humanidade.Os Wari’ experimentam uma situação constante-mente instável, arriscando-se a viver sempre nafronteira entre o humano e o não-humano, comose de outro modo, se não soubessem o que é serkarawa, não pudessem experimentar o que érealmente ser humano.

Por uma fisiologia do contatointerétnico

A concepção do xamã como sendo “aqueleque vê” a partir de perspectivas diversas, relaciona-das à duplicidade de seu corpo, nos remete devolta às observações iniciais sobre o desenho wari’,que retrata justamente um homem com dois cor-pos, embora um deles não seja um corpo animal,mas um corpo de Branco.

O que chama a atenção na representaçãowari’ do Branco é que ele foi, desde o início,classificado como inimigo, wijam, categoria emque os Wari’ situavam os outros índios com quemfaziam guerra. No início, dizem os Wari’, os Bran-cos eram inimigos pacíficos, e acabaram por setornar belicosos devido aos ataques constantes

que os Wari’ lhes faziam. Historicamente, o primei-ro período corresponde aos encontros fortuitosentre os Wari’ e alguns regionais, no início denosso século. O segundo momento está relaciona-do às perseguições que os Wari’ sofreram por partede seringueiros e outros exploradores, desde adécada de 1930 até o final dos anos 1950, quandoocorreu a pacificação.

Alguns anos depois da pacificação, os Wari’já não circulavam mais pelas áreas nominadas deseu território. Construíram suas casas nas proximi-dades de postos indígenas, situados em locais queos Brancos consideravam como sendo de acessomais fácil, nas imediações do território que costu-mavam ocupar. Nessas novas aldeias, tornaram-seconterrâneos não só dos Brancos e dos índios deoutras etnias, como também dos Wari’ de outrossubgrupos, os estrangeiros, que antes ocupavamoutras áreas nominadas, outros territórios. No en-tanto, os Brancos são, ainda hoje, chamados wi-j a m .

Retomando a questão do convívio com pes-soas estranhas, em relação aos índios de outrasetnias os Wari’ vêm realizando um processo deincorporação, procurando torná-los afins e consa-güíneos. Constituindo sempre uma minoria emcada aldeia, esses índios casam-se com os Wari’,comem a sua comida e falam a sua língua. Se anteseram chamados wijam, inimigos, os índios sãohoje, em vários contextos, classificados comowari’, especialmente quando se quer diferenciá-los dos Brancos. Em que pese a atuação do órgãogovernamental de proteção ao índio, a Funai (Fun-dação Nacional do Indio), e dos missionários doConselho Indigenista Missionário (Cimi) no senti-do da construção de uma identidade pan-indígena,em que todos os índios seriam igualmente Wari’em contraposição aos Brancos, a incorporação deinimigos, por meio de casamentos, da proximidadefísica e da partilha de alimentos, é inerente àcultura wari’. Wari’ e wijam são antes de tudoposições ocupadas por seres que não são ontolo-gicamente distintos. Essa ontologia única temcomo conseqüência lógica a concepção de quetodo inimigo é originariamente um Wari’ quesofreu um processo de “inimização”, determinadopor um deslocamento espacial e a ruptura das

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trocas de festas e de mulheres. Desta perspectiva,esse processo de “inimização” é reversível, bastan-do que haja uma reaproximação geográfica e orestabelecimento de casamentos.

Há um bom exemplo desse processo deincorporação de inimigos. Os OroWin — grupoTxapakura de inimigos tradicionais — que sobrevi-veram ao contato foram sediados pela Funai noposto Negro-Ocaia, antes habitado exclusivamentepelos Wari’. Depois de algum tempo começaram aocorrer casamentos mistos, que produziram crian-ças por meio das quais os Wari’ puderam estabele-cer laços de parentesco com os OroWin. Umamulher wari’ contou-me que, por ocasião da mortede um homem OroWin, os Wari’, um pouco cons-trangidos no início, sentiram-se impelidos a chorarno funeral, usando tecnônimos para se referiremao morto, tratando-o assim como um consangüí-neo (que é o modo de se tratar um morto do grupono canto fúnebre). Os OroWin estavam em proces-so de incorporação ou de “warinização” quando aFunai os transferiu para um outro posto, longe doNegro-Ocaia. A distância geográfica certamente vaidiminuir o volume das trocas matrimoniais, mas osOroWin partiram levando filhos, filhas e netos dosWari’, o que estimula o contato entre eles.

Nos dias de hoje, os Brancos são os únicos aserem chamados insistentemente de wijam, inimi-go, de modo que hoje wijam é sinônimo dehomem branco. Quando os Wari’ dizem que oswijam estão chegando, não estão prevendo umaguerra, mas apenas a chegada de alguns Brancospara visitá-los ou venderem seus produtos. Sãoinimigos aos quais falta a relação de guerra, o quepossibilita a formulação de frases outrora impensá-veis, como “eu vou na casa do wijam pediranzóis”. Tornaram-se conterrâneos, mas não afinse consubstanciais como os demais inimigos.

Vimos que, para os Wari’, a identidade entreduas pessoas ou dois grupos é concebida comouma relação de consubstancialidade, determinadapela proximidade física, que tem como conse-qüência direta a troca de substâncias corporais e acomensalidade. O casamento é tão marcado comoparte essencial do processo de transformação que,como já mencionei, os Wari’ dizem que o xamã sóvira completamente animal, tornando-se membro

efetivo da espécie que o seu espírito costumavaacompanhar, quando se casa com a sua noiva-animal, que lhe foi prometida no momento dainiciação. É quando o xamã morre e deixa de serWari’. Quando Wan e’, xamã queixada, estavavelhinho, os Wari’ costumavam dizer que seusafins-animais o estavam chamando, porque haviachegado a hora dele efetivar a aliança. Quandocheguei ao Negro-Ocaia, já ciente da morte de Wane’, que eu chamava de pai, as pessoas tentavamamenizar a minha tristeza dizendo que ele estavabem, que havia sido visto por um outro xamã já emsua nova casa, que tinha constituído uma novafamília com a esposa animal. A mudança de iden-tidade caracteriza-se antes de tudo como umamudança de natureza.

A ampla difusão ameríndia da noção derelação e de transformação como troca de substân-cias foi afirmada por Seeger, Da Matta e Viveiros deCastro (1979, p. 14):

A visão da estrutura social que a Antropologia

tradicional nos legou é a de um sistema de relação

entre grupos. Esta visão é inadequada para a

América do Sul. As sociedades indígenas deste

continente estruturaram-se em termos de categori-

as lógicas que definem relações e posições sociais

a partir de um idioma de substância.

É paradoxal, portanto, que os chamadosestudos do contato interétnico relativos aos gruposameríndios focalizem, de um modo geral, a aten-ção na relação entre entidades socioculturais (gru-pos, instituições, indivíduos como “atores sociais”ou “sujeitos históricos”) e não entre agregadoscorporais. Dos estudos pioneiros na linha dosacculturation studies da escola culturalista ameri-cana6 até aqueles inspirados na noção de situaçãocolonial de Balandier (1951 e 1971),7 passandopelos trabalhos de Darcy Ribeiro (1957 e 1996[1970]), o que se enfatiza é o encontro entreentidades definidas a priori nos termos da ontolo-gia ocidental, com forte ênfase nos aspectos “re-presentacionais” da ação e da sociedade. Sendoassim, traços culturais passam de uma sociedade àoutra, como nos “estudos de aculturação”, ouinstituições e atores concretos (mas concebidos em

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termos de “papéis sociais”) atuam como mediado-res de complexas relações de confronto entregrupos humanos que se concebem como cultural-mente distintos (sem que lhes ocorra indagar o quesignifica esse “culturalmente”), como nos estudosde fricção interétnica iniciados por Cardoso deOliveira em 1962 e continuados, após reelabora-ções sucessivas, por seus alunos (ver OliveiraFilho, 1988, pp. 54-59). Mais do que um descasopelas ricas etnografias dos grupos ameríndios dis-poníveis a partir dos anos 1960, há um descasopelo que pensam os índios.8 De que modo elesconcebem a distinção entre os grupos? Como elesentendem o modo como esse contato acontece? Oque essas etnografias nos mostram é que a socio-logia indígena é antes de tudo uma “fisiologia”, demodo que, no lugar de “aculturação” ou “fricção”,o que se tem é transubstanciação, metamorfose.

Como caso exemplar do contato entre índiose Brancos pensado como troca de substânciascorporais, cito os Piro peruanos estudados porPeter Gow (1991), que se concebem hoje como“gente de sangue misturado”. Como exemplo decontraste entre aculturação e transubstanciação,retomemos o caso dos Pataxó citado acima. Gal-vão, em um artigo sobre áreas culturais do Brasilrealizado nos anos 1950, ao afirmar que os índiosdo Nordeste, dentre os quais estão os Pataxó daBahia, seriam “mesclados”, aponta a “perda deelementos culturais tradicionais, inclusive a língua”(Galvão, 1979, p. 225). Para o índio xavante MarioJuruna, como vimos, a evidência da não-indianida-de dos Pataxó situava-se em outro lugar: em seuscorpos.

A “abertura ao Outro”, que, segundo Lévi-Strauss (1991, p. 16), define o pensamento amerín-dio, é aqui uma abertura “fisiológica”. É curiosoque, embora a concepção nativa de sociedade nãoseja orgânica no sentido que o funcionalismo dá aessa palavra, existe uma relação entre corpo esociedade que, no afã de “desorganicizar” a socie-dade, os modernos estudos processualistas docontato têm deixado de perceber (ver OliveiraFilho, 1988, pp. 35 e 54). Se a sociedade não é umorganismo, no sentido de um conjunto de partesfuncionalmente diferenciadas, ela é um ente somá-tico, um corpo coletivo formado de corpos, e não

de mentes. As fronteiras, que se situam em diversosníveis, separando os parentes dos não-parentes, eestes dos inimigos, são fronteiras corporais, e o queo grupo consubstancial, uma espécie de coletivo“biológico”, troca com outras unidades, igualmen-te concebidas, são substâncias: alimentos, sêmen,suor, sangue e carne humana (ver Gow, 1991, p.261, para os Piro; Seeger, 1980, pp. 127-31, para adiferenciação entre corporação e corporalidade).

A partir daí é interessante pensar o significa-do, para os ameríndios, daquilo que costumamoschamar de tradição. Em um artigo sobre o conceitode tradição entre os Akha (Birmânia/Mianmar),Tooker (1992) observa que para eles o termo zán,que significa “modo de vida”, “modo de fazer ascoisas”, “costumes”, “tradição”, caracteriza-se comoum conjunto de práticas, e é concebido como umacarga que se leva em um cesto. O idioma datradição é, portanto, “exteriorizante”, e se opõe ànossa idéia de tradição como um conjunto devalores internalizados, aos quais se adere, comodisse Viveiros de Castro (1992, p. 25), como a umsistema de crenças, e que tem relação com umaconcepção “teológica” da cultura que nos é própria.

Tooker começa o artigo relatando o caso deuma família chinesa que decidiu tornar-se Akha:“Eles se mudaram para uma aldeia Akha, constru-íram uma casa no estilo Akha, com um altarancestral Akha, adotaram uma genealogia Akha,passaram a falar a língua Akha, a vestir roupasAkha e tornaram-se Akha.” (Tooker, 1992, p. 800;grifo meu). Se quisessem se tornar novamentechineses, bastaria fazerem o caminho inverso,como fez um casal que, após passar uns dias nacidade e se tornar cristão, voltou à aldeia, “recon-vertendo-se” aos costumes Akha (idem, p. 799).

Eu diria que, para os ameríndios, o idioma datradição também é exteriorizante, mas não se trataaqui de uma carga, como um conjunto de práticasque se carrega, porque, como vimos, os sereshumanos têm, todos, as mesmas práticas: bebemcerveja de mandioca ou milho, vivem em família,fazem guerra. A diferença entre eles é dada peloponto de vista, que é determinado pela constitui-ção física. Desse modo, tradição é corpo, substân-cia. Poderíamos mesmo dizer que, em um certosentido, a tradição é internalizada, mas não como

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crença, como um atributo do espírito, e sim comocomida, como líquidos corporais e roupas, subs-tâncias que constituem o corpo. Se para os Akhamudar de tradição é trocar de carga, para osameríndios é trocar de corpo.

Em um artigo sobre as transformações danoção de cultura no noroeste amazônico (Tuka-no), Jackson (1995, p. 18) desvencilha-se de umanoção “biológica” de cultura, que, em suas pala-vras, associaria ter uma cultura ao modo como osanimais teriam pêlos e garras, a favor de umanoção mais dinâmica, na qual a cultura seria comoo repertório de um músico de jazz, ou seja, comoalgo que acontece como um improviso. Mesmo seconsiderarmos a propriedade da observação, queteve como intenção criticar, ao modo de Conklin(1997), a imposição aos índios de uma noção deautenticidade que lhes é estranha, chama a atençãoque algo essencial lhe tenha escapado no exemploque escolheu para representar o modelo ao qualviria se contrapor, do mesmo modo que a relaçãoentre corpo e sociedade escapou aos críticos domodelo “naturalizado” de sociedade, como obser-vei antes. A concepção de pêlo animal, se conside-rada do ponto de vista dos índios, é ela mesmoessencialmente dinâmica, e distante de uma con-cepção genética, sendo pouco apropriada comometáfora para fixidez. Como Arhem mostrou paraum grupo também Tukano, e como vimos anali-sando aqui, sabe-se que os animais podem trocarde pêlo, transformando-se assim em seres de ou-tras espécies. Se a “cultura” torna-se “natureza”, elatorna-se intrinsecamente mutante, como queremos processualistas. Não basta, portanto, adicionaruma dimensão histórica à velha noção de cultura,sendo necessário um deslocamento radical deperspectiva, só possível se adotamos a perspectivados índios.

Retomando o caso dos índios americanosbarrados pelos Kayapó na entrada da reunião doEarth Summit, é compreensível que aqueles queforam considerados índios um dia depois pelosporteiros kayapó não o tivessem sido um dia antes.Não foi um equívoco, como parece aos nossosolhos, resultante de um processo de opressãoideológica: é provável que, aos olhos dos Kayapó,no dia anterior, quando usavam trajes ocidentais

completos, eles não fossem índios, apesar de oserem no dia seguinte. Tal tipo de afirmação teria,para os Kayapó, um significado absolutamentediferente daquele que lhe atribuiríamos, e quepoderia ser aproximado do caso dos chinesestornados Akha descrito por Tooker. A seguinteafirmação do líder indígena Marcos Terena (1981),ativista do movimento pró-índio no Brasil, vai aoencontro desta idéia: “A sociedade envolvente,seus costumes, seriam apenas uma capa. Por umaquestão de sobrevivência, o índio usaria essa capa,assim como você usa uma capa para se proteger dachuva [...]”. Assim como a observação de Chaumeil(1983, p. 157, nota 11) referente à resistência àadoção de vestimentas ocidentais pelos Yagua:“[...] porque adotar as roupas dos Brancos é tam-bém, de uma certa maneira, tornar-se Branco”.

É importante marcar que, embora possa fun-cionar como um equipamento, a roupa não podeser dissociada de todo um contexto de transforma-ção. Assim, quando os Wari’ dizem que estãovirando Brancos, explicam que hoje comem arroze macarrão, usam shorts e se lavam com sabão, domesmo modo que um xamã-jaguar se sabe jaguarquando tem pêlos em seu corpo, come animaiscrus e anda em companhia de outros jaguares. Aroupa é parte constitutiva de um conjunto dehábitos que formam o corpo.

Uma observação de Carneiro da Cunha(1998, p. 12) sobre a importância das viagens paraa formação do xamã no ocidente amazônico éinteressante para ilustrarmos o argumento. Deacordo com a autora, nos dias de hoje as viagens aomodo ocidental, que se caracterizam por desloca-mentos espaciais e implicam estadias em diferentescidades, são tidas como equivalentes às viagens daalma, substituindo com vantagens a aprendizagemtradicional em alguns contextos, como entre certosgrupos Pano. Carneiro da Cunha cita como exem-plo o caso de Crispim, um Jaminaua considerado,durante décadas, o mais reputado xamã do altoJuruá e que esteve no Ceará e em Belém, onde teriaestudado. Considera que o significado maior des-sas viagens estaria em propiciar aos xamãs aoportunidade de aprender sobre o mundo dosBrancos. Ao unir o global (o ponto de vista dascidades e dos Brancos) com o local, Crispim

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tornou-se um tradutor, mediador da relação entremundos diferentes, atributo constitutivo central daatividade xamânica. Mas em que consistiriam exa-tamente essas viagens, e de que forma se dá o“aprendizado” sobre o mundo dos Brancos? Adescrição da autora nos dá uma pista:9 “De suavida, conta-se que foi criado por um padrinhobranco que o teria levado para o Ceará e, após umassassinato em que teria sujado as mãos, paraBelém, onde teria estudado, ele teria voltado parao Juruá” (Carneiro da Cunha, 1998, p. 12).

O que essa descrição sugere é que as via-gens, longe de constituírem percursos essencial-mente visuais, como para nós (visitas a museus eoutros lugares típicos), envolvem, antes de tudo, oestabelecimento de relações sociais intensas, aconvivência (pacífica ou não) com pessoas dessesoutros mundos. É exatamente o que dizem algunsWari’ ao descreverem as suas viagens por cidades:falam da comida que partilharam com esses Bran-cos, das agressões físicas e do estreito convívio nasmesmas habitações. Conclui-se, assim, que oaprendizado aqui vem da experiência ligada aocorpo, e arrisco-me a dizer que é justamente porconstituírem “percursos corporais” que essas via-gens às cidades são equivalentes às viagens xamâ-nicas para os Pano.

Retomemos a questão da tradição. Ao dize-rem que são “Brancos completamente”, os Wari’não entendem que estão perdendo a sua tradição,ou a sua cultura, como poderíamos pensar ao vê-los beber chicha de macaxeira ou álcool, comerfarinha, usar a espingarda, dançar forró. Aconteceque têm agora a experiência de um outro ponto devista. Como o xamã-onça pode ver o sangue comochicha, os Wari’ sabem que a farinha de macaxeiraé a pamonha dos Brancos, ou que o forró é o seutamara.

Como me ensinou Paletó no Rio de Janeiro,é preciso saber o que é a chicha dos Brancos, o queé a guerra para eles, ou o mundo subaquático dosmortos. Se dentro da perspectiva relativista o idio-ma da tradução é o da cultura, no “multinaturalis-mo” (Viveiros de Castro, 1996) wari’ o idioma é oda natureza. Nos primeiros dias de Paletó no Rio,um amigo nos convidou para a sua festa deaniversário. Logo que chegamos, ofereceu-nos

bebidas, e Paletó aceitou um copo de Coca-Cola.Verteu-o de uma só vez, e nosso anfitrião, enten-dendo que ele estava com sede ou que haviaapreciado muito o refrigerante, imediatamente ofe-receu-lhe outro copo cheio, que ele bebeu de umsó gole. Somente depois do terceiro ou quartocopo, quando Paletó começou a arrotar, é queentendi que ele estava tomando a Coca-Cola porchicha. Como essas coincidências que ocorreramno Havaí, e que cada vez mais confirmavam aidentidade entre Cook e Lono (Sahlins, 1981, 1985e 1995), o meu amigo portou-se como um típicoanfitrião de uma festa wari’: oferecia cada vez maisbebida ao seu convidado. Paletó, na posição deconvidado, não só devia verter os copos de uma sóvez, como não podia recusar cada novo copo quelhe era oferecido. Foi o que fez, e continuariafazendo até vomitar (para aguentar mais), se eunão interferisse, perguntando: “Você quer parar debeber?” Ele respondeu: “E pode?” A festa de chichados Brancos é com Coca-Cola, mas o importante éque não pode ser outra coisa que uma festa dechicha.

Reichel-Dolmatoff (1975, p. 74) observa oque parece ser uma incoerência no discurso dosDesana, grupo Tukano do Vaupés colombiano.Segundo ele, quando perguntados sobre a existên-cia de espíritos animais, os índios algumas vezesrespondem que eles não existem mais, que eramcrença dos antepassados. Tudo teria sido esqueci-do desde a chegada dos missionários. No entanto,essas mesmas pessoas, no dia seguinte, agemcomo se os espíritos fossem uma realidade incon-testável: contam relatos de encontros na floresta,preparam poções mágicas etc. Não se trata deaculturação, afirma o autor, nem tampouco de umainterpretação realista do mundo. O que acontece éque os espíritos fariam parte de uma outra dimen-são, tão real quanto aquela da vida diária, mas quenormalmente só pode ser acessada por meiosespeciais, tais como abstinência, concentração etranse, mas mais freqüentemente através do uso dedrogas alucinógenas.

A etnografia wari’, lida à luz do perspectivis-mo, sugere a possibilidade de uma interpretaçãodiferente para esse tipo de contradição, que parecemuitas vezes relacionada a um desejo explícito de

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mostrar ao etnógrafo a repulsa a crenças que, elessabem, vemos como irracionais. No caso dos Wari’,ao menos, arrisco-me a afirmar que para eles ora osespíritos existem, ora não existem. Não porque nãopossam vê-los em alguns momentos (só os xamãspodem vê-los), mas porque esses espíritos nãofazem parte de seu mundo enquanto Brancos, massomente de seu mundo wari’. Do mesmo modoque o xamã, quando atuando como uma pessoacomum (em seu corpo wari’, poderíamos dizer),vê, de um modo geral, os animais como animais, oWari’, quando em seu corpo de Branco, podeperfeitamente negar a existência de espíritos ani-mais, visto que esses não fazem parte do mundovisto pela perspectiva dos Brancos.

O corpo e o seu duplo

Se parece simples entender por que os Wari’dizem que estão virando Brancos, é estranho queeles não queiram “completar” o processo, mesmoconcebendo a possibilidade de reversão, queaconteceria se eles se afastassem dos Brancos evoltassem para o mato e para as suas comidas.Digo que não querem completá-lo porque os Wari’insistem em não se casar com Brancos — apesar dese casarem com índios de outras etnias —, e édesse modo, sabemos, que se finaliza um processode “mudança de identidade”.10 No caso dos índiosde outras etnias, entretanto, o que acabou aconte-cendo foi a sua incorporação à sociedade wari’. Noque diz respeito aos Brancos, os Wari’ também nãoestão interessados em incorporá-los plenamente,porque se recusam a doar suas mulheres para eles.São raras as mulheres wari’ casadas com Brancos,e seus parentes são criticados abertamente porterem permitido tais casamentos.

Seria de se esperar justamente o contrário,que os Wari’ quisessem doar as suas mulheres paraos Brancos, justamente para tê-los como cunhadose genros verdadeiros, para incorporá-los comoWari’. Entretanto, preferem mantê-los como inimi-gos, como revelam ao continuarem chamando-osassim. Ao mesmo tempo, não abrem mão daconterraneidade com eles: os Wari’ não queremvoltar para “o mato” e explicitam que estar juntodos Brancos é uma opção deles.

Esclareço mais uma vez que não estou suge-rindo que questões de ordem material não sejamfundamentais nessa opção; é claro que desejamestar perto dos bens dos Brancos, dos machados,dos remédios para as doenças que agora sabemfazer parte das suas vidas, e também dos gravado-res, teclados eletrônicos, e dos jogos de futebol e“filmes de porrada” da televisão, hoje presente(uma) em cada aldeia. Se gostam tanto disso, porque então não se casam com os Brancos e semisturam com eles de vez? Por que insistem emevitar o único meio realmente eficaz, além dapredação (hoje só simbólica), de se consumar umatransformação?

Eu diria que os Wari’ querem continuar a serWari’ sendo Brancos. Em primeiro lugar porquedesejam as duas coisas ao mesmo tempo, os doispontos de vista. Os outros inimigos, aqueles quetrouxeram para junto de si, como os OroWin,tornaram-se logo Wari’. É isso o que acontece coma proximidade completada pelo casamento: a iden-tidade. Os Wari’, pelo que entendo, não queremser iguais aos Brancos, mas mantê-los como inimi-gos, preservar a diferença sem no entanto deixarde experimentá-la. Nesse sentido, vivem hoje umaexperiência análoga à de seus xamãs: têm doiscorpos simultâneos, que muitas vezes se confun-dem. São Wari’ e Brancos, às vezes os dois aomesmo tempo, como nos surtos dos xamãs. Seantes aos Wari’ cabia a experiência indireta de umaoutra posição, a posição do inimigo, hoje experi-mentam-na em seus corpos.

NOTAS

1 Gow revela, entretanto, uma surpreendente complexi-dade desse circuito de apropriações ao mostrar que oxamanismo da ayahuasca da Amazônia ocidental, em-bora considerado pelos etnólogos como “autêntico”,teve origem provavelmente entre grupos indígenas queviviam em missões católicas do século XVII.

2 Devo deixar claro que, no que diz respeito à noção deautenticidade, Turner não se refere especificamente àsroupas e adereços, mas às casas no estilo regional, queseriam “irreais” (“unreal”), e à “dupla” aldeia de Goro-tire, com casas em círculo, ao modo tradicional, e casasem linha, formando uma rua. De acordo com Turner(1991, p. 298), a parte constituída pelo círculo de casasé chamada de “autêntica”.

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3 Não há, no vocabulário wari’, um nome específico paradesignar roupa, provavelmente porque antes do contatoeles andavam completamente nus. Hoje usam a palavraawom (“algodão”, que eles cultivavam e usavam para adecoração corporal) para designar as vestimentas oci-dentais.

4 Perrin (1995, p. 39) comenta sobre a difusão, nasAméricas e na Ásia setentrional, do tema da relação doxamã com os espíritos animais como uma relação dealiança.

5 Os Wari’ dividem-se em seis subgrupos, unidades comforte conotação territorial e que mantêm entre si rela-ções de aliança.

6 Ver Baldus (1937) e Wagley e Galvão (1961 [1949]) sobreos Tenetehara; Silva (1949) sobre os Terena; Oberg(1949) sobre os Terena e Caduveo, e Galvão (1954 e1957) sobre a área do rio Negro.

7 Cito em particular aqueles realizados por Cardoso deOliveira (1963, 1964 e 1967), Melatti (1967), Laraia e DaMatta (1967) e, mais recentemente, por Oliveira Filho(1988).

8 Para uma excelente crítica a esses estudos, remeto aViveiros de Castro (1999).

9 Embora Carneiro da Cunha esforce-se, neste artigo, pordesvincular a posição de mediador do xamã da suaconstituição corporal múltipla ou “mestiça”. Remetoespecificamente à parte em que marca a sua diferençaem relação a Gow (1996), referente à atribuição dosaber xamânico aos chamados mestiços. De acordo comela: “Não é tanto a mestiçagem [...] que justifica oprestígio xamânico, mas a posição relativa na redefluvial — metáfora de uma posição relativa quanto aograu generalizador do ponto de vista particular.” (Car-neiro da Cunha, 1998, p. 11).

10 Contra o argumento de que são provavelmente osBrancos que não querem se casar com eles, digo que osWari’ afirmam que são eles que não querem se casarcom os Brancos.

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