APAFUNK: A UTILIZAÇÃO DAS REDES SOCIAIS PARA UMA ... · A primeira abordagem importante a ser...

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III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS) DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE APAFUNK: A UTILIZAÇÃO DAS REDES SOCIAIS PARA UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL. Otacilio Evaristo Monteiro Vaz 1 Introdução Diversos movimentos culturais já sofreram algum tipo de perseguição ou marginalização ao longo do tempo. O punk foi e é considerado um movimento agressivo e que instiga a violência; o reggae é vinculado ao consumo da maconha; o samba do início do século XX era considerado como marginal pela elite branca do Rio de Janeiro. O mesmo pode ser visto com o funk carioca desde sua chegada ao Brasil, durante os anos 1970, até sua assimilação pelas comunidades periféricas durante a década de 1980 e sua conseqüente marginalização durante os anos 1990, principalmente por decorrência de eventos como os arrastões que aconteceram nas praias da Zona Sul carioca. Atualmente o movimento vive uma outra situação, com maior aceitação da sociedade e com a realização de bailes funk permitidos pela lei municipal do Rio de Janeiro. Inserida nesse novo momento, a Associação dos Profissionais e Amigos do Funk – Apafunk, criou em 2008 um blog com o objetivo de divulgar eventos, palestras, bailes etc. Suas postagens possuem alguns assuntos de maior recorrência, como as conquistas do movimento cultural no campo político, conseguindo eliminar leis municipais que inviabilizavam os bailes, ações que buscam popularizar o funk carioca, como a Roda de Funk, informações úteis para os profissionais envolvidos com o movimento e notícias que mostram como o funk carioca ainda é considerado um movimento marginalizado. A Apafunk está inserida em um movimento iniciado por um grupo de profissionais do funk que adotaram o estilo “funk de raiz”. Esse grupo se desvincula do estilo que faz qualquer tipo de apologia ao consumo de drogas ou ao crime, os chamados “proibidões”. Através de uma comunicação mediada por computadores, teremos a possibilidade de um maior número de pessoas tendo acesso a informação, em um alcance planetário. A partir da web 2.0 foi possível a realização de trocas comunicacionais, dando ao receptor a possibilidade de também emitir conteúdo, o que não acontecia em uma comunicação massiva no seu formato mais básico. O presente artigo faz parte de um projeto de mestrado em andamento na Universidade Tuiuti do Paraná, onde pretendemos verificar como ocorre a interação do movimento funk carioca com seus simpatizantes espalhados pelo mundo, não apenas através do seu blog, mas também em mídias sociais como o Facebook. Também é 1 Mestrando em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná / Professor do curso de Comunicação Social da FACINTER. e-mail: [email protected]

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III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS) DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE

APAFUNK: A UTILIZAÇÃO DAS REDES SOCIAIS PARA UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL.

Otacilio Evaristo Monteiro Vaz1

Introdução

Diversos movimentos culturais já sofreram algum tipo de perseguição ou

marginalização ao longo do tempo. O punk foi e é considerado um movimento agressivo

e que instiga a violência; o reggae é vinculado ao consumo da maconha; o samba do

início do século XX era considerado como marginal pela elite branca do Rio de Janeiro. O

mesmo pode ser visto com o funk carioca desde sua chegada ao Brasil, durante os anos

1970, até sua assimilação pelas comunidades periféricas durante a década de 1980 e sua

conseqüente marginalização durante os anos 1990, principalmente por decorrência de

eventos como os arrastões que aconteceram nas praias da Zona Sul carioca.

Atualmente o movimento vive uma outra situação, com maior aceitação da

sociedade e com a realização de bailes funk permitidos pela lei municipal do Rio de

Janeiro. Inserida nesse novo momento, a Associação dos Profissionais e Amigos do Funk

– Apafunk, criou em 2008 um blog com o objetivo de divulgar eventos, palestras, bailes

etc. Suas postagens possuem alguns assuntos de maior recorrência, como as conquistas

do movimento cultural no campo político, conseguindo eliminar leis municipais que

inviabilizavam os bailes, ações que buscam popularizar o funk carioca, como a Roda de

Funk, informações úteis para os profissionais envolvidos com o movimento e notícias que

mostram como o funk carioca ainda é considerado um movimento marginalizado. A

Apafunk está inserida em um movimento iniciado por um grupo de profissionais do funk

que adotaram o estilo “funk de raiz”. Esse grupo se desvincula do estilo que faz qualquer

tipo de apologia ao consumo de drogas ou ao crime, os chamados “proibidões”.

Através de uma comunicação mediada por computadores, teremos a possibilidade

de um maior número de pessoas tendo acesso a informação, em um alcance planetário.

A partir da web 2.0 foi possível a realização de trocas comunicacionais, dando ao

receptor a possibilidade de também emitir conteúdo, o que não acontecia em uma

comunicação massiva no seu formato mais básico.

O presente artigo faz parte de um projeto de mestrado em andamento na

Universidade Tuiuti do Paraná, onde pretendemos verificar como ocorre a interação do

movimento funk carioca com seus simpatizantes espalhados pelo mundo, não apenas

através do seu blog, mas também em mídias sociais como o Facebook. Também é

1 Mestrando em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná / Professor do curso de Comunicação Social da FACINTER. e-mail: [email protected]

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objetivo, perceber qual o papel colaborativo das redes sociais junto ao funk carioca, na

sua busca por um posicionamento integrado à sociedade, e não mais marginalizado.

Funk marginal

A primeira abordagem importante a ser feita diz respeito a raiz sociológica do baile

enquanto festa. Hermano Vianna, em seu estudo sobre os bailes funk cariocas, propõe

três funções básicas para todo tipo de festa: 1) superação das distâncias interindividuais;

2) produção de um estado de efervescência coletiva; 3) transgressão de normas sociais.

“Os bailes seriam uma festa coletiva, onde este mesmo corpo coletivo anula as

individualidades. O indivíduo é anulado, prevalecendo as atitudes da coletividade”

(VIANNA, 1985, p. 15).

Essa coletividade periférica que promove os bailes funk no Rio de Janeiro, sofreu ao

longo do tempo, uma imagem de marginalização, moldada em boa parte pelos meios de

comunicação de massa. “Essa imagem negativa atribuída aos chamados funkeiros2, os

determinam como autores de atividades desviantes3

” (FILHO, HERSHMANN, 2003, p.

60). Surgido no Rio de Janeiro do final dos anos 1970, o funk carioca nasce do estilo

musical afro-americano chamado Miami Bass, som de batida pesada e letras curtas, um

estilo feito para dançar, composto por sons eletrônicos e que, em alguns momentos,

utiliza vozes. A partir dos anos 1990 os bailes ganham uma grande cobertura da mídia

massiva. Como conseqüência da grande exposição, ficam mais evidentes, em alguns

casos, os vínculos dos bailes com a criminalidade e com o forte apelo sexual vistos

nessas festividades. Além disso, muitas gangues freqüentavam os bailes não apenas

para se divertir, mas também para brigar.

Bailes do tipo “Lado A, Lado B”, “Baile do Corredor”, onde as galeras rivalizavam entre si em momentos de forte violência física, forneceram provas para a definição “violência sangrenta” atribuída à essas festas e como conseqüência, um maior controle social sobre os mesmos (ALVIM, PAIM, 2010, p. 3).

Os confrontos entre as galeras4

2 Termo designado para os seguidores do movimento funk carioca, assim como “roqueiro” para os amantes do rock. Nota dos autores.

ocorridos durante os bailes, divulgados pela

mídia, contribuíram para a visão marginalizada sobre o movimento, o que inclui os bailes

e o próprio estilo musical. Como conseqüência, teremos a criação de uma série de

mecanismos de repressão e controle sobre o movimento.

3 As atividades desviantes estão relacionadas à chamada Sociologia do Pânico, associada ao trabalho do sociólogo Howard Becker (2009), e serão abordadas adiante. Nota dos autores. 4 Forma de organização dos grupos rivais pertencentes às comunidades.

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A situação se agrava a partir de outubro de 1992, quando irão ocorrer diversos

arrastões5

João Freire Filho e Micael Herschmann comentam que os favoráveis pelo

fechamento dos bailes utilizavam o argumento de que:

no Rio de Janeiro, amplamente divulgados pela mídia. Essa atividade ficou

associada aos membros das periferias e favelas cariocas. Por serem locais onde vivem

também pessoas envolvidas com o narcotráfico, consequentemente toda a comunidade

ficou vinculada a ações de criminalidade, violência e tráfico de drogas. Ao serem

realizados nessas localidades e pelas notícias das brigas que aconteciam entre alguns de

seus freqüentadores, os bailes funk passaram a sofrer duras críticas, surgindo um vínculo

da festa com o universo criminoso. Essa associação levou, na metade da década de

1990, à criação de uma lei que proibiu a realização dos bailes funk em clubes do Rio de

Janeiro, restringindo as festas à circunscrição das favelas. Em 2008, uma nova lei tornou

ilegal a realização dos bailes funk em qualquer lugar.

o funk, além de incomodar a vizinhança pelo barulho, consiste numa ameaça aos jovens freqüentadores de “boa família” (leia-se de classe média), já que essas festas dão ensejo a brigas entre as galeras e ao convívio promíscuo com “nativos” relacionados com o mundo do narcotráfico. A rivalidade entre as turmas é, no entanto, apenas um dos ingredientes do baile, do qual fazem parte, ainda, a alegria, o humor e o erotismo (FREIRE FILHO; HERSCHMANN, 2003, p. 63).

A partir do momento em que a infração de regras durante os bailes (brigas,

comportamento sexual explícito) chega ao conhecimento da sociedade por meio da

mídia, medidas mais rigorosas são tomadas contra os desviantes. Apesar de os bailes

apresentarem também aspectos positivos, a sociedade dominante (estabelecidos) passa

a ver as comunidades periféricas (desviantes) como uma ameaça em potencial, criando

mecanismos para mantê-los sob controle e, se possível distantes.

A proibição dos bailes não levou em conta que os moradores das comunidades

que não possuem nenhum tipo de envolvimento com ações criminosas, ficaram privados

de sua diversão. Pessoas que levam uma vida normal, dentro da lei, mas que por

morarem nas localidades que ficaram vinculadas ao crime, foram privadas da

oportunidade do encontro social e do lazer. O grupo de profissionais e amantes do funk

carioca que se sentiram prejudicados pelas ações das autoridades, se organizaram a fim

de buscar formas legais para a realização dos bailes funk, e de uma continuidade de suas

produções.

5 Evento em que grupos vindos das periferias e favelas, supostamente atacavam pessoas que se encontravam nas praias da Zona Sul carioca.

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Estudos do desvio

Segundo Howard Becker (2009), é considerado um outsider a pessoa, ou grupo

de pessoas, que não seguem as regras sociais definidas pelo grupo dominante, os

estabelecidos. Essas regras são como padrões de comportamento social, que podem ser

certos ou errados. Os outsiders podem ainda não concordar com o rótulo dado pelos

estabelecidos, não se sentindo como tal. Por sua vez, podem inverter o processo e definir

como outsider o grupo que os rotulou.

Essas regras de padrão de comportamento social podem variar, sendo algumas

informais, e o indivíduo pode ser outsider em maior ou menor grau dependendo do tipo

de infração que foi cometida. Os outsiders podem também criar argumentos que

justifiquem suas atitudes, questionando, dessa forma, os tipos de punição que possam

vir a sofrer, chegando a se sentirem incompreendidos.

As violações das regras são chamadas de atos desviantes. Um ato será desviante

ou não dependendo da forma como as pessoas reagirão a ele. E se for tratado como

desviante, o grau do desvio será ainda definido conforme quem o cometeu e quem se

sentiu prejudicado por ele. As punições aos atos desviantes podem ser aplicadas mais a

uns do que a outros:

Meninos de classe média, quando detidos, não chegam tão longe no processo legal como meninos de bairros miseráveis. O menino de classe média tem menos probabilidade, quando apanhado pela policia, de ser levado à delegacia; menos probabilidade, quando levado à delegacia, de ser autuado; e é extremamente improvável que seja condenado e sentenciado. A lei é aplicada de diferentes formas ao negro e ao branco. O negro que supostamente ataca uma mulher tem chances muito maiores de ser punido, do que o branco que comete o mesmo crime. (BECKER, 1960, p. 25).

O desvio não está no ato em si, mas sim na interação entre quem o comete e

quem reage a ele. O choque resultante das regras que cada grupo define para si

estabelece a forma de comportamento que será dada. Questões políticas e econômicas

definem como alguns grupos irão impor suas regras a outros grupos. “A classe média

traça regras que a classe baixa deve obedecer – nas escolas, nos tribunais e em outros

lugares” (BECKER, 2009, p. 29).

Apafunk e seu blog

Em dezembro de 2008, uma das figuras mais representativas do funk carioca, o

cantor e compositor MC6

6 Termo designado para o Mestre de Cerimônia, aquele que canta as músicas, acompanhado por uma base instrumental, feita pelo DJ (disk jockey).

Leonardo, criou a Apafunk - Associação dos Profissionais e

Amigos do Funk. A organização surge com o objetivo de trabalhar a favor do funk

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carioca, buscando formas legais para a sobrevivência e difusão do movimento. E para

divulgar e discutir suas propostas e atividades, a Apafunk criou um blog (figura 1). Neste

canal, notícias relacionadas ao funk são passadas ao público, possibilitando um maior

contato e mobilização entre os seus participantes. Pablo Laingnier (2010), em seus

estudos sobre o papel de cidadania que a Apafunk oferece aos profissionais envolvidos

com o funk carioca, comenta sobre as atividades desempenhadas pela associação, como

a difusão do gênero musical através das chamadas “Rodas de Funk”; cancelamento de

leis proibitivas ao funk carioca; participação em manifestações que visam melhorias para

moradores das favelas e o desenvolvimento da conscientização da classe dos

profissionais do funk sobre formas corretas de atuação no mercado de entretenimento, o

que envolve tanto shows quanto gravações de CD. O grupo de profissionais envolvidos

com a Apafunk pertencem ao movimento chamado “Funk de Raiz”, que procurou se

separar dos grupos que compõem no estilo proibidão. A Apafunk é bastante politizada e

com forte tendência de esquerda.

Figura 1 – postagem blog Apafunk divulgando a Rio Parada funk. Acesso em: 25/08/11.

www.apafunk.blogspot.com

Essas ações que são divulgadas no blog tornam possível trocas comunicacionais

entre os visitantes que estão envolvidos direta ou indiretamente com o movimento, onde

estes deixam suas opiniões, fazem sugestões e trocam informações entre eles. Segundo

Raquel Recuero:

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A atual sociedade da tecnologia permitiu uma maior mobilidade e difusão das informações, através da comunicação mediada por computadores. Ela mudou as formas de organização, conversação, mobilização e identidades sociais (RECUERO, 2009, p. 16).

Uma forma de mobilização como esta, mediada por computador, permite que se

forme uma rede social onde indivíduos ou grupos, ligados por interesses comuns, possam

trocar informações. A rede social se define pelo conjunto de dois pontos: o ator (as

pessoas ou instituições) e as conexões (interações ou laços sociais). A função dos atores

seria a de moldar as estruturas sociais, através de interação e constituição de laços

sociais (RECUERO, 2009).

Dentro do contexto das redes sociais, o blog se caracteriza como um ambiente

virtual de trocas de informações dentro de um mesmo grupo, que se identifica por laços

comuns. Os blogs são produzidos, consumidos e seu conteúdo retransmitido para outras

pessoas no universo on-line. “Esses leitores muitas vezes têm seus próprios blogs, que

reproduzem ou ampliam a discussão em torno do que leram” (TORRES, 2009, p. 123).

Os membros do funk carioca têm utilizado o blog como ferramenta para promover

a legalização dos bailes funk na cidade do Rio de Janeiro, além das outras ações já

citadas acima. Dentro do ambiente das redes sociais, o blog possibilita fomentar a

mobilização necessária para atingir esses objetivos, reforçando o processo de

reintegração social, e se distanciando cada vez mais da antiga situação de outsider.

A utilização de um blog ao invés de um site parece ser a melhor alternativa para a

Apafunk, já que o primeiro permite uma participação dos seus usuários através dos

comentários, dando suas opiniões, sugestões, relatos e reclamações sobre tudo que se

relaciona ao universo do funk carioca e dos bailes. Esta participação é importante, pois

auxilia no processo de reintegração do movimento. Por meio da análise do blog,

pretende-se verificar como o conteúdo divulgado e seus desdobramentos nas redes

sociais têm sido utilizados para a conquista dos objetivos da associação.

Para além do blog

A partir de observações feitas sobre as postagens do blog da Apafunk, detectamos

que a dinâmica de trocas das mensagens não estavam ali, mas em redes sociais como o

Facebook. Apesar de possuir todas as características que um blog possui, no caso da

Apafunk, ele serve muito mais como uma espécie de “mural digital de avisos”,

comunicando os encontros, shows, acontecimentos políticos e demais eventos

relacionados com a associação. Já no Facebook foi possível detectar trocas

comunicacionais. As postagens da Apafunk são comentadas pelos “amigos”, que

expressam suas opiniões sobre os variados assuntos ali divulgados. Esse grupo,

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conectado em uma rede social, pode ser vistos como nós e conexões, “enquanto os nós

são geralmente representados pelos atores envolvidos e suas representações na internet,

as conexões são mais plurais em seu entendimento” (Fragoso, 2011, p. 116). As

conexões são o resultado da interação entre os atores, que aqui poderiam ser os

comentários trocados pelos seguidores da Apafunk no Facebook. Segundo Recuero

(2008, apud Fragoso, 2011, p. 116) esse tipo de rede, mantida pelas interações entre os

atores, é denominada de redes emergentes. Quando a rede não é mantida por essas

relações, mas pelo mantenedor, chamados de redes de filiação ou associação. Segundo

Fragoso (2011), os estudos sobre as redes sociais são fruto de estudos sociológicos

desenvolvidos no início do século XX, e estão associados com a Sociometria, um

segmento matemático de análise.

Inserido no contexto das redes sociais, o Facebook não surge para revolucionar as

redes sociais, mas para trazer novos recursos e novas possibilidades nas trocas

comunicacionais. Segundo Daniel Miller (2011) o Facebook não inventa a rede social,

mas facilita e expande. Um dos grandes pontos fortes desta plataforma apontada pelo

autor, é a possibilidade de encontrarmos antigas amizades, resgatando assim, antigos

relacionamentos que foram interrompidos pelos mais diversos motivos. E esse resgate

não necessita de uma presença física entre as partes, o que evita certos

constrangimentos. As comunicações mediadas por computador nos protegem do contato

físico, que para muitos implica em viver situações embaraçosas, o que pode ser evitado

através de um contato virtual através de um chat, e-mail ou trocas de mensagens no

Facebook.

Sobre esses constrangimentos, Miller diz que:

Muitas pessoas também pesquisam por antigos amigos, que eles esperam encontrar novamente, a fim de salvar-se do constrangimento de ter esquecido algum evento importante da vida, ou mais detalhes triviais sobre o que eles têm feito nos últimos dias de forma que, quando eles se encontram, eles podem parecer em dia sobre a amizade em si7

(MILLER, 2011, p. 165-166).

Além do Facebook ser esse ambiente do resgate de amizades e de possibilitar a

“proteção” do distanciamento, também pode ser ele um ambiente de trocas e

mobilizações a partir de relações de afinidade entre os seus participantes, criando

comunidades virtuais que dividem um mesmo gosto por algum assunto, estilo,

movimento etc. Esse tipo de estrutura, de uma pequena rede de pessoas que trocam

7 Tradução nossa para: Many people also research long-term friends, whom theyt are about to meet again, in order to save themselves from the embarrassment of having forgotten some important life event or more trivial details about what they have been doing for the last few days so that, when they do meet, they can seem up-to-speed on the friendship itself.

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comentários sobre determinadas postagens, formam o que Fragoso (2011) chama de

cluster.

A partir de algumas observações feitas no perfil da Apafunk no Facebook, foi

possível verificar uma troca de comentários que não ocorrem no blog. As postagens

colocadas na rede social geraram comentários que demonstram participação e afinidade

de algumas pessoas com o movimento e com as ideias propostas pela associação.

Figura 2 – postagem perfil Apafunk divulgando programa sobre funk carioca na

Rádio Nacional. Acesso em: 25/08/11. www.facebook.com/Apafunk Associação

Percebemos nos comentários da postagem (figura 2) o que Fragoso (2011) chama

de comentários recíprocos em uma estrutura de rede funcionando em um processo

dinâmico, onde temos como conseqüência, uma interação direta entre os atores. Ela

também configura, segundo a autora, uma interação de manutenção, onde as interações

tem por objetivo manter um laço social, que neste caso gira em torno de assuntos

relacionados ao funk carioca. Na postagem a Apafunk reforça a participação dos

seguidores do perfil, para ouvirem o programa “Funk Nacional”, que vai ao ar

diariamente pela Rádio Nacional. O programa traz uma série de informações sobre bailes,

lançamentos e outras questões relacionadas ao movimento.

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Figura 3 – postagem perfil Apafunk divulgando show de funk na Rádio Nacional.

Acesso em: 25/08/11. www.facebook.com/Apafunk Associação

Na postagem da figura 3, podemos perceber a dinâmica comunicacional que não

acontece no blog da associação. Vemos aqui comentários de pessoas supostamente de

fora do Rio de Janeiro, mas que participam do movimento cultural. Temos aqui uma

valorização dos eventos relacionados com o funk carioca, no caso um show que irá

acontecer no auditório da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Neste tipo de interação

podemos perceber a manutenção de um capital social relacional (Fragoso, 2011, p. 135),

caracterizado tanto pela interação do comentarista habitual (Apafunk), quanto pelos

comentaristas esporádicos.

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Figura 4 – postagem perfil Apafunk divulgando lançamento do

programa da Apafunk na Rádio Nacional.

Acesso em: 25/08/11. www.facebook.com/Apafunk Associação

Nesta última postagem observada (figura 4), percebemos a criação/reforço de

laços construídos através das postagens que possuem algo em comum. Um mesmo

estímulo vinculado ao funk carioca e às ações que a Apafunk busca em prol do

movimento. Temos aqui novamente os comentários recíprocos em uma rede dinâmica

(Fragoso, 2011). E o capital social está novamente sendo trabalhado e valorizado pelo

comentarista habitual e pelos esporádicos. Podemos pensar nesse núcleo de

participantes e comentaristas das postagens da Apafunk no Facebook como um estrutura

de cluster, por formar um núcleo voltado para um mesmo tipo de assunto e com laços de

afinidade muito claros. Como dito anteriormente, as pesquisas feitas sobre a Apafunk,

nos mostram que suas ações são tentaculares. A associação vem buscando diferentes

canais, digitais ou não, a exemplo do programa de rádio, objetivando um maior número

de simpatizantes do funk carioca, estejam ou não nos limites geográficos do Rio de

Janeiro.

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Considerações finais

A partir das observações feitas no blog da Apafunk, e das discussões

desenvolvidas no mestrado e em congressos, percebemos que a dinâmica das trocas

comunicacionais oferecidas por uma comunicação mediada por computadores (CMC), não

estavam acontecendo naquele ambiente, apesar de, por se tratar de um blog, ofereça a

possibilidade de se postar comentários sobre as notícias ali divulgadas. Ao se perceber

que as trocas de mensagens entre os simpatizantes e envolvidos diretamente com o

movimento funk carioca não estavam ocorrendo no blog da Apafunk. O blog funciona

muito mais como uma espécie de quadro de avisos, onde lá são divulgadas as ações

realizadas pelas pessoas que coordenam a associação: bailes, programa de rádio,

apresentações ao ar livre (roda de funk), entre outras ações.

Percebemos no Facebook, uma participação ativa dos atores deste cluster, com

diversos tipos de notícias postadas pelo perfil chamado “Apafunk Associação”, com

comentários que parecem vir de simpatizantes ou profissionais do movimento. Essas

postagens parecem ter alguns objetivos, como uma construção/manutenção de capital

social relacional além da criação/reforço de laços que se constroem através das trocas de

mensagens postadas (Fragoso, 2011). As relações estabelecidas no Facebook podem

ainda se converter em relações presenciais, mas condicionadas a questões geográficas e

de outras naturezas. A rede social física que ocorre entre os simpatizantes e profissionais

do funk carioca que estão envolvidos com os eventos da Apafunk, será outra etapa da

pesquisa de mestrado que ocorrerá através de estudos de campo, desenvolvidos nas

periferias e favelas do Rio de Janeiro. A partir desses estudos, busca-se perceber como a

associação é vista pelas comunidades periféricas e qual o papel real de colaboração no

sentido de eliminar a imagem marginalizada que o movimento sofre. Há uma curiosidade

em saber se as ações da Apafunk visam realmente uma melhor situação do funk carioca

junto a opinião pública, e também uma melhor situação de trabalho para os profissionais

envolvidos com o estilo, ou se apenas se trata de algum tipo de trampolim político para

seus criadores.

Pelo menos nas observações feitas no seu blog e no perfil do Facebook,

percebemos que a Apafunk exerce um papel de construção social através de uma série

de atividades relacionadas com o funk carioca, visando maior esclarecimento dos

profissionais envolvidos, a realização de bailes e atividades públicas e principalmente

buscando mostrar para o mundo – através do alcance global das redes sociais – que o

funk carioca, apesar de ter sua origem nas comunidades periféricas e favelas do Rio de

Janeiro, e apesar de um convívio com pessoas envolvidas com atividades marginais, não

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se trata de um movimento marginal. O funk carioca já experimentou ao longo do tempo,

diferentes formas de ser visto pela sociedade. Desde seu surgimento no início dos anos

1980, quando foi tratado como uma nova onda vinda das periferias, passando por sua

marginalização no início dos anos 1990 e, ao final da mesma década, vivendo uma nova

fase de moda e aceitação por parte de uma sociedade estabelecida. Muito ainda há para

ser trabalhado por esse movimento cultural. Ainda existem Djs e MC’s que compõem no

estilo chamado proibidão, o que só reforça uma visão marginalizada para o funk. Ainda

veremos se o trabalho da Apafunk irá realmente gerar mudanças significativas no sentido

de uma construção social.

Referências bibliográficas

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