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    a

    ragovelhaO

    DRenta Martins

    Os escolhidos

    e o

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    Renata Martins

    A OVELHA E ODRAGO

    OS ESCOLHIDOS

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    PRLOGOA O N

    Nem nos meus mais criativos sonhos ou pesadelos imaginaria algo assim...

    Nenhuma mente humana e inocente em s conscincia, claro pre-

    meditaria uma situao dessas para si, nem para os outros. Fazer isso seria

    no mnimo maldade. E m uma coisa que eu no sou. Mas o fato que,boa ou m, permiti que essas coisas acontecessem. Simplesmente per-

    miti. Como que eu fui chegar a um ponto desses? verdade: lutei contra,

    tentei ser forte, bloquear a minha vontade, mas no consegui! Deixei que

    acontecesse. Quer dizer, deixamos. Escolhemos. Sofremos. E, o pior:

    depois de tudo isso, ainda no o fim. s o comeo...

    O D C

    Nunca ouvi dizer que drages existissem e muito menos que contassem

    histrias. Mas, verdade. Existem sim e contam as tais histrias. Por isso,

    estou aqui! Alis, quero esclarecer algo: sempre detestei contos (no

    importa o gnero). Mas tenho de admitir: este, bem que vale a pena contar.

    , no mnimo, fantasioso e ridculo. Tem opostos demais para o meu gosto,

    mas a minha histria. E, no sei como, permiti que acontecesse.

    Simplesmente permiti. Quer dizer, permitimos. E, o pior: eu nem lutei

    contra. A princpio, achei que era loucura, mas escolhi ir adiante.

    Escolhemos. E quer saber? Se tiver de sofrer por isso, sofro. Agora, vem a

    melhor parte: dessa histria, isso s o comeo...

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    CAPTULO 1

    O COMEO

    C O

    O MEU COMEO

    As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu conheo-as, e elas me

    seguem; e dou-lhes a vida eterna e nunca ho de perecer, e ningum

    as arrebatar das minhas mos...

    Joo 10:27,28

    Escolhas... O incio de qualquer coisa na vida vem atrelado s escolhas a

    serem feitas. fato! Uma vez, ouvi uma frase que retratava muito bem isso.Dizia assim: Existem duas coisas na vida que jamais deixaremos de fazer:

    uma pagar impostos; a outra fazer escolhas!

    Engraado? Pode at ser, mas a pura verdade! E eu comeo a ver que

    ela bem coerente com a nossa realidade.

    A vida, por exemplo, j comea com uma escolha bem difcil... Uma

    grande deciso a ser tomada, a primeira sobre a nossa existncia. Deciso

    essa que no compete a ns, tampouco nos permitido dar opinio sobreela... Escolher um nome, o meu nome, o que ajudar a definir quem sou.

    Nomes, na sua maioria, so profticos e todo o cuidado poucosobre

    essa escolha. Mas a, por causa dessa deciso sobre o meu nome, que

    literalmente se inicia a minha histria...

    Meus pais, Carlos e Dbora Oliveira, so pastores evanglicos.

    Morando em Joo Ppessoa, na Paraba lugar no Brasil onde o sol nasce

    primeiro, de gente hospitaleira e que possui praias de natureza arreba-tadora , cidade com um alto ndice de igrejas protestantes, isso no era

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    muito dif cil de acontecer... Conheceram-se em um culto para jovens e

    apaixonaram-se verdadeiramente primeira vista. Ou, ao primeiro ver-

    sculo, pode-se assim dizer!Papai sempre foi o melhor partido da igreja: professor da escola bblica,

    instrumentista do louvor. Era o brao direito do pastor Nildo (na poca, o

    pastor da congregao). Se alguma coisa na igreja dava errado ou faltava,

    l estava o Carlos para resolver! Ah, o meu pai! Engraado imagin-lo

    sendo disputado pelas irmzinhas... E ela, a mame? A mais bonita, edu-

    cada e esforada moa da congregao (ele assim sempre contava). Os

    irmos tambm faziam fila! Mame no media esforos para evangelizar,ajudar na parte social da igreja, entre outras tantas atividades... Da, com

    uma dupla dessas, s podia dar nisto mesmo: a unio dos sonhos que

    qualquer pai e me poderiam desejar.

    Alguns meses aps o casamento, para surpresa de todos, o pastor Nildo

    foi convidado a assumir uma igreja em outro estado, que passava por pro-

    blemas, e o meu pai ocupou, com muito mrito, o lugar dele.

    Por meio da graa de Deus e do trabalho dos meus pais, a igreja cresceumuito. Cresceu tanto que se tornou uma das maiores do estado, virando

    referncia como igreja modelo da cidade. Dessa maneira, dava-se incio

    a nossa histria de vida como famlia.

    O casamento dos sonhos comeou a enfrentar dificuldades quando

    meus pais decidiram que aquele era um excelente momento para mame

    engravidar. Gerar filhos, a realizao do complemento familiar. Dois anos

    aps a unio, esse sim era o momento certo para tudo acontecer. Assimeles planejavam... Entretanto, aps um ano de tentativas constantes, nada

    acontecia! Apenas alarmes falsos sustentavam a esperana da minha me

    de que ela poderia ter um beb. Aps muita insistncia dos amigos, eles

    decidiram procurar um especialista; e imensa foi a decepo dos dois

    quando ouviram do mdico que ela jamais poderia ser me por causa de

    um problema uterino.

    A partir desse momento, iniciou-se uma jornada de oraes, jejuns eat de campanhas entre os irmos; tudo isso com o intuito de que o mila-

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    gre da concepo finalmente acontecesse na vida deles. Ter um filho era,

    sem dvida, naquele momento, o maior desejo de seus coraes.

    Aps trs anos de clamores incessantes, uma nova esperana comeoua surgir durante um dos cultos de orao...

    Uma irm, dona Mercs, tomada pelo poder do Esprito Santo, foi

    usada pelo prprio Deus, naquela reunio, para trazer revelaes a res-

    peito de uma nova promessa para os meus pais. Mame foi orientada por

    essa irm a abrir a Bblia, no livro de Gnesis, no captulo 29, versculo 9.

    A irm pediu que ela lesse o texto em voz alta.

    ... estando ele ainda falando com eles, veio Raquel com as ovelhasde seu pai; porque ela era pastora... Mame leu, a princpio meio incr-

    dula, e logo as dvidas inundaram o seu corao. O que exatamente

    isso quer dizer, irm? Eu conheo bem a histria de Raquel e Jac. Esse

    versculo para mim no novidade, e no consigo ver ligao dele com a

    minha situao! A senhora poderia, por favor, me explicar que promessa

    de Deus essa que eu no consigo enxergar?

    E l se foi a paciente irm Mercs tentar explicar o que Deus haviarevelado ela e que estava confundindo totalmente a incrdula da

    mame.

    Minha amada... Voc ainda no entendeu que o Senhor quer te

    abenoar com uma filha? O Senhor hoje comea a cumprir o desejo do

    corao de vocs! Ele vai te dar uma nica filha, a quem voc dar o nome

    de Raquel. E desde o seu ventre ela dever ser totalmente consagrada ao

    Senhor em todas as reas da vida dela. A sua filha vai nascer com um cha-mado para pastorear vidas!

    E foi assim que tudo aconteceu. Nove meses aps o ocorrido, no dia

    7 de maro, tive o prazer de vir ao mundo. Foi assim que nasci, e, dessa

    maneira, o meu nome foi escolhido: Raquel Oliveira Braga, essa sou

    eu!

    Se pararmos para analisar bem, meu nome define exatamente quem eu

    sou. Raquel um nome de origem hebraica e significa: calma como umaovelha.

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    Na realidade, tudo a meu respeito (ou quase tudo), meu tempera-

    mento, o meu modo de agir com as pessoas, a minha maneira de reagir

    praticamente tudo tem a ver com o meu nome. Eu sou muito calmamesmo! o meu jeito fleumtico de ser. E, devido a essas caractersticas

    to marcantes, os outros passaram a me rotular como a mansido em

    pessoa, a doura em forma de gente, a perfeitinha filha do pastor...

    isso o que sempre escuto por todos os lados.

    Ugh! Ovelha, mansa e ainda por cima filha do pastor... muita coinci-

    dncia bblica pro meu gosto!So rtulos demais para uma nica pessoa.

    Isso at que, s vezes, me incomoda um pouco: to rotulada e semprena mira dos comentrios dos irmos. Entretanto, antes que o real aborre-

    cimento chegue at mim, lembro-me de que Deus autor e mentor de

    todas as minhas caractersticas; inclusive a mansido. E, com certeza, Ele

    sabe o que faz; mesmo porque, com um chamado desses para pastorear

    vidas, mansido eu preciso ter de sobra!

    Quando criana, fui criada com toda a dedicao e regalia que os

    meus pais podiam me proporcionar. Pastoreando uma das maiores igre-jas da cidade, graas a Deus, ele tinha um bom salrio e podia dar-se ao

    luxo de viver exclusivamente para a obra do Senhor. Assim, sempre tive-

    mos uma vida tranquila e confortvel. Minha rotina sempre incluiu casa,

    escola e igreja. Os amigos e as diverses que me atraam estavam abso-

    lutamente dentro desse crculo: acampamento nas frias, retiros no

    perodo carnavalesco. Tudo estava sempre pautado dentro dos padres

    cristos em que vivamos. Aprendi, desde cedo, a amar a Deus, a honraros meus pais, e aproveitava a vida da maneira mais saudvel que algum

    possa imaginar.

    Sempre procurei desenvolver bem os talentos que Deus havia me dado

    e os aplicava onde eu pudesse servi-Lo. Esforava-me, ao mximo, para

    compensar a boa vida que tinha. Era a melhor aluna da turma de escola

    bblica (durante todos os anos), cantora do coral da igreja, ajudante do

    ministrio infantil. Ah, tambm era uma excelente aluna no colgio secu-lar! Meus pais nunca, ou quase nunca, precisavam se preocupar comigo.

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    As coisas s se complicavam para o meu lado quando uma pequena por-

    o sangunea em meu temperamento resolvia aparecer: o meu grande

    defeito, e que, s vezes, me causava problemas, era falar demais!Comecei a perceber que, com absoluta certeza, essa era a minha pior

    caracterstica. Falar sem pensar, no por maldade, mas de forma inconse-

    quente. E falar o que no devo, numa hora totalmente inapropriada... J fiz

    isso demais! Coitado do meu pai! S faltava enfartar com os meus comen-

    trios desvairados... Revelar, sem querer, um segredinho de algum irmo

    que eu ouvia l em casa... Isso j me custou muita disciplina! Mas, afinal

    de contas, algum defeito eu tinha de ter.E foi ento que, diante de muito amor, cuidado e alguns deslizes orat-

    rios, passei a tomar meu curso natural na vida.

    Fiz faculdade de Comunicao ( claro!), entrei no seminrio e hoje

    estou aqui: aos vinte e trs anos, trabalhando como reprter no maior

    jornal da cidade e aguardando o momento apropriado para cumprir a

    minha misso, o chamado de Deus para mim: o de pastorear vidas!

    Essa misso, a minha misso, s dependeria de um novo passo que euestava prestes a tomar. No poderia assumir uma igreja e suas vidas sem

    antes tomar esse outro passo crucial na vida. Um passo que, graas a Deus,

    poderia escolher... O passo da aliana!

    C D

    O TAL COMEO

    ... E foi precipitado o grande drago, a antiga serpente, chamada o

    Diabo e satans, que engana todo o mundo; ele foi precipitado na

    terra, e os seus anjos foram lanados com ele...

    Apocalipse 12:9

    Nunca tive a chance de fazer uma escolha... Quer dizer, mentira, tive sim!

    Na realidade, no tive a oportunidade de fazer uma escolha decente at omomento. Durante toda a vida, as minhas opes j surgiam meio defini-

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    das pelas circunstncias. As minhas escolhas apenas terminavam por se

    encaixar no rumo que a vida j havia tomado.

    Nasci com o destino aparentemente traado. Diria at que determi-nado. Uma coisa meio sinistra! Alis, tudo em mim sempre foi muito

    pesado, macabro, um negcio bem diablico mesmo. E eu nunca recla-

    mei; sempre convivi com tudo isso. Realmente, sempre achei esse nosso

    estilo de vida o mximo; s oferecia vantagens... Mas, diante desse

    nosso estilo macabro de viver, apenas uma coisa no se encaixava nesse

    contexto todo. Havia algo em mim que era totalmente fora da minha rea-

    lidade. Algo que eu no pude escolher, nem mudar. Se pudesse, caso tives-sem me dado a chance, com certeza eu teria feito diferente...

    Meu nome. Qualquer coisa em mim podia me definir: minhas roupas,

    o lugar onde morava, meu comportamento. Mas o meu nome... No sei de

    onde o tiraram! Um nome nada a ver comigo. Maldita a hora dessa esco-

    lha. Definitivamente, isso s podia ser coisa da minha me! V se tem

    cabimento: Cristiano! Ah, no notou nada de anormal, no? Nome at

    bonito, alguns dizem... Mas o significado o pior. para rir de to contra-ditrio, ridculo mesmo:seguidor de Cristo! exatamente isso o que sig-

    nifica. E eu poderia ser tudo, qualquer coisa, menos isso! Mas no tem

    jeito; s contando a histria toda, tudo desde o incio, para poder entender

    o nvel dessa contradio.

    Meus pais, Alberto Cavalcanti e Vnia Mello, so de famlias muito

    tradicionais aqui em Joo Pessoa. Ele, de uma famlia de polticos; ela, de

    conhecidos advogados. Juntos, fizeram, na poca, a grande unio dasociedade pessoense.

    A famlia da minha me sempre teve posses. Advogados famosos,

    eram os mais requisitados da cidade. Mas a famlia do meu pai, os

    Cavalcanti, nem sempre esteve por cima. Vov Ronaldo, pai do meu pai,

    constantemente procurou fazer carreira na poltica, mas aps alguns anos

    tentando carreira, no havia conseguido se eleger nem para vereador.

    Somente aps conhecer uma me de santo famosa do candombl, meRegina, que as coisas comearam a melhorar.

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    Os trabalhos feitos por me Regina eram muito poderosos, e diante do

    desejo de ascenso poltica do vov, ela consagrou a vida dele a um orix:

    Xang. Os filhos de Xang possuem muita influncia poltica, tm umdom de convencimento muito grande, e era disso que o vov precisava.

    Aps a consagrao realizada, as coisas comearam a se encaixar...

    Primeiro, foi a eleio para vereador, que finalmente deu certo. Depois,

    prefeito; e da ento, s sucesso! O lado financeiro deslanchou, e assim

    comeou a trajetria bem-sucedida da famlia Cavalcanti na poltica.

    Contudo, essa histria do meu av com me Regina era bem camu-

    flada. Ningum sabia de pacto algum entre eles devido sociedade daquelapoca ainda ser muito conservadora com esse lado espiritual da coisa.

    Para todos os efeitos, ele era um catlico bem devoto, de ir missa no

    domingo e tudo mais! Me Regina, s s sextas-feiras, l no terreiro dela.

    J estando muito bem financeiramente e sendo um poltico bastante

    reconhecido, foi fcil para seu Ronaldo e toda a famlia comearem a ser

    bem aceitos pela sociedade paraibana. Papai passou a ser o partido da

    cidade e a viver no meio dos poderosos locais. Filho de poltico, um rapazbonito... Desse jeito, no foi dif cil encontrar Vnia Mello e com ela for-

    mar um belo par. Mame era uma das moas mais bonitas e requintadas

    da cidade e, desse modo, a unio estava concretizada! Se houve amor entre

    os dois, eu no sei. Mas que havia vantagens para ambos os lados, isso

    havia.

    Algum tempo depois, vov sentiu necessidade de fazer um sucessor

    poltico e, como os outros filhos viviam apenas de farra e diverso, meupai foi o eleito para, juntamente com ele, dar sequncia carreira pol-

    tica da famlia. Papai logo foi encaminhado pelo vov at me Regina, e

    assim como havia sido feito com ele, meu pai tambm foi consagrado a

    um orix. Seu guia passou a ser Ogum. Os filhos desse orix cons-

    troem coisas slidas, que perduram, e ele tinha exatamente essas carac-

    tersticas. Ele era um homem forte, que corria atrs do que queria, sem

    depender de ningum. s vezes, no esperava nem pela palavra de seuRonaldo.

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    Quando meu av foi eleito deputado estadual e comeou a apoiar

    papai para vereador, foi firmada de vez uma das maiores dobradinhas

    locais. As futuras eleies j pareciam garantidas e sempre giravam emtorno dos dois: Ronaldo para federal, Alberto para estadual... Era sempre

    assim: eles levavam todas!

    No entanto, a histria imbatvel da dupla dinmica comeou a mudar

    quando meu pai decidiu andar com as prprias pernas, espiritualmente

    falando.

    Papai, eleito deputado estadual (e o vov para federal, claro!), comeou

    a se incomodar com a interferncia de me Regina. At ento, ela no seenvolvia muito nos negcios e geralmente ficava apenas nos bastidores. O

    problema que me Regina comeou a querer aparecer com mais frequ-

    ncia na vida dos Cavalcanti. Dizia que eles deviam tudo ajuda dela.

    Comeou a exigir estar sempre presente s cerimnias de posse, s sole-

    nidades, s festas... E o pior que as pessoas j estavam comentando, e isso

    no era nada bom para eles. Pegava muito mal andar com uma me de

    santo para todos os lados!O ponto culminante para o rompimento dessa relao se deu diante de

    uma negativa do papai em receber me Regina durante uma festa na casa

    que ele ocupava com mame. A coisa desandou de vez! Ela ameaou con-

    tar da ligao deles para os jornais, ele a ameaou de morte, e o relaciona-

    mento foi totalmente desfeito.

    Coincidncia ou no, vov morreu dois meses depois, com um der-

    rame cerebral. J me Regina apareceu logo depois, morta dentro de umcarro, com um tiro no corao. At hoje as pessoas falam que foi durante

    um assalto malsucedido...

    Entretanto, isso tudo so histrias que me contaram. Na realidade, at

    que se chegasse a esses acontecimentos, eu no havia nem nascido! Eu s

    comeo a fazer parte desse enredo um pouquinho mais para a frente.

    Aps as mortes de vov e de me Regina, papai ficou descoberto

    espiritualmente. O doutor Alberto Cavalcanti no podia se arriscar aficar muito tempo naquela situao, mas tambm no queria voltar para

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    o candombl; depois do problema com me Regina, ele ficou malvisto

    diante deles. Papai estava procura de algo mais discreto, elitizado; um

    lugar onde se sentisse acolhido e seguro. Foi quando um amigo advo-gado, muito prximo a ele, contou que estava participando de um grupo

    de controle da mente, misturado com uns trabalhos para ficar com o

    corpo fechado. Era uma mistura de magia, mesa branca... Meu pai no

    entendeu direito, mas achou tudo muito interessante e aceitou o con-

    vite. Chegando l, para sua surpresa, encontrou vrias pessoas conheci-

    das. S gente da alta! A nata da sociedade pessoense estava no local, e

    papai tambm se encaixou direitinho. Mame no sabia absolutamentenada sobre esse assunto.

    O seu Alberto comeou a participar do tal grupo e foi se adaptando

    bem quele pessoal. O mestre orientador de l era um sujeito que havia

    morado durante muito tempo nos Estados Unidos e gostou do meu pai

    logo de cara! Esse mestre comeou a separar o pessoal do grupo, de acordo

    com alguns nveis:

    O nvel de iniciados era para os principiantes. Aquele pessoal curiosoque estava chegando, conhecendo as atividades naquele momento.

    O nvel intermedirioera para aqueles que participavam do grupo

    h, no mnimo, dois anos e que j demonstravam certo nvel de confiana

    e de conhecimento acerca das prticas do grupo.

    O nvel avanadoera para aqueles que desejavam tornar-se mestres/

    magos dentro desse grupo. Era um nvel altamente sigiloso e elitista, do

    ponto de vista sobrenatural do negcio.Esse mestre, de nome Waldeck, passou a desenvolver um forte relacio-

    namento com meu pai. Observou que ele j possua experincia na rea

    espiritual e, apenas um ms aps sua frequncia no lugar, colocou-o no

    nvel intermedirio. O amigo do papai, aquele que o levou para conhecer

    o lugar, continuou no nvel de iniciado, apesar de frequentar h seis meses

    aquele ambiente. Deve ter ficado chateado...

    Entretanto, o que vale a pena contar era qual interesse esse grupo tinhae o que eles ofereciam aos membros. O ensino de controle da mente na

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    realidade era s uma camuflagem para o que eles realmente ensinavam.

    Esse grupo se denominava, para os mais ntimos, A Igreja dos Escolhidos.

    Eles no tinham templo, nem placa. Os encontros aconteciam na resi-dncia do prprio Waldeck, em um escritrio imenso e bem isolado do

    restante da casa, assim me contou meu pai. Esse Waldeck era diretor de

    uma multinacional e viera abrir uma filial na cidade de Joo Pessoa. Foi

    dessa maneira que ele se instalou e trouxe essa igreja junto.

    Quando comeou a fazer parte do grupo intermedirio, papai passou

    a conhecer melhor o nvel do assunto. Muito sutilmente, Waldeck que

    as pessoas chamavam de mestre, mas na realidade era mago foi indu-zindo o grupo intermedirio em um estudo sobre Anton LaVey e seus

    ensinamentos. LaVey foi o criador da Igreja de Sat, iniciada nos Estados

    Unidos.1Como Waldeck j haviam orado em So Francisco, na Califrnia,

    frequentou o lugar e aprendeu com os prprios discpulos de LaVey toda

    a filosofia de vida deles. E a filosofia era exatamente essa: aproveitar ao

    mximo a vida e o prazer pessoal, na totalidade. Nada dessa conversa de

    renunciar a si mesmo, tomar a sua cruz ou oferecer a outra face. Isso eraconversa de cristo idiota!

    Para os membros dessa seita satanista, o Diabo era muito bom para os

    seus filhos. Ele, sim, importava-se com seus seguidores a ponto de realizar

    qualquer um dos seus desejos; e tudo o que ele exigia em troca era apenas

    a alma dos seus seguidores... Contudo, o que realmente importava para

    aquele pessoal eram as vantagens daquele estilo de vida e, sobre isso,

    Waldeck sabia muito: As nossas exigncias naturais no devem ser reprimidas dizia ele.

    A nossa satisfao pessoal meta para o nosso pai Sat e vocs vo

    1Anton Szandor LaVey nasceu em Chicago, em 11 de abril de 1930. Esta uma das poucas infor-

    maes coerentes sobre a sua vida e h um grande conflito em sua biografia. LaVey teria recebido

    ensinamentos ocultistas de sua av cigana. Ainda teria viajado para a Alemanha ao lado de um tio

    e trabalhado em circos, cabars e at mesmo na polcia de So Francisco. LaVey tambm teria, su-

    postamente, vivido romances com as atrizes Marilyn Monroe e Jayne Mansfield. Em 30 de abril de1966 fundou a Igreja de Sat (Church of Satan). Faleceu em outubro de 1997 devido a um edema

    pulmonar. Atualmente, a igreja ainda existe e presidida por Peter Gilmore.

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    descobrir que ele tem prazer em satisfazer cada uma das suas vontades...

    falava sempre o mestre Waldeck.

    Maravilha! Satisfao pessoal, sucesso e proteo dos demniosbonzinhos era tudo de que papai precisava naquele momento conturbado!

    E aliado a um pessoal to bacana e influente daqueles... Ele estava na

    igreja certa!

    A reunio semanal tinha a ver com o crescimento pessoal junto s

    entidades demonacas para alcanar os seus desejos; ter um guia de

    proteo espiritual , e tambm tinha a ver com a implantao da Igreja

    dos Escolhidos aqui no Brasil, em Joo Pessoa, mais especificamente. Osmembros poderiam dependendo do grau de fidelidade e do tamanho

    do pacto ter o que quisessem e da maneira que desejassem; s precisa-

    vam ser fiis ao chamado do lder. S um alienado, e com tendncias

    autocomiserao, perderia uma oportunidade dessas. Acho que por isso

    que a maioria dos cristos pobre e sofre tanto... Burrice faz parte da

    gentica desse povo!

    E j deu pra perceber que burro papai no era! Tornou-se discpulopessoal de Waldeck e uma das bases para a implantao da Igreja dos

    Escolhidos aqui na cidade.

    Aps seis meses frequentando as reunies uma vez por semana, meu

    pai, o deputado estadual Alberto Cavalcanti, fez o seu primeiro pacto de

    sangue. Esse pacto tinha como propsito obter a cobertura dos demnios

    sobre a vida dele. Doenas, acidentes, problemas financeiros nada

    aconteceria ao meu pai, devido proteo do seu guia. A entidade escolhidapara acompanhar sua vida foi Agatodemon um demnio podeross-

    simo, que acompanha a pessoa durante toda a sua vida, trazendo direcio-

    namento e proteo. Ele nunca comentou a respeito de como o pacto foi

    feito, mas isso apenas um pequeno detalhe. Para ter proteo nesse meio

    poltico, vale qualquer negcio!

    Oito meses aps o primeiro pacto, houve eleio para deputado federal

    e papai foi eleito com a maior votao do estado. Na poca, aos trinta e qua-tro anos de idade, foi um fenmeno nas urnas. Por causa do mandato, ele

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    e mame tiveram de se mudar para Braslia, a fim de que ele assumisse a

    cadeira de deputado federal. Devido distncia, o doutor Alberto

    Cavalcanti no podia mais aparecer nas reunies da igreja, mas no seafastou de Waldeck e da turma dele. Constantemente, entravam em con-

    tato um com o outro por telefone. Waldeck ficou sendo uma espcie de

    guru distncia, ajudando papai a tomar decises importantes. Enquanto

    isso, meu pai ajudava a igreja paraibana com recursos financeiros. Durante

    esses acontecimentos, dona Vnia, minha me, achava que papai ia a uma

    igreja normal. s vezes, at pedia para acompanh-lo coisa que ele

    nunca permitia, lgico!Assim, a aliana deles continuou. Papai estava mais do que satisfeito

    com a sua vida pblica e espiritual. Apenas uma coisa faltava para comple-

    tar a totalidade da sua alma: eu mesmo! , um filho.

    Apesar de tanto sucesso na carreira, ele ainda no havia conseguido

    gerar um herdeiro. Minha me nunca havia pensado em engravidar devido

    falta de tempo de meu pai. Mas, com a ida deles para Braslia, afastan-

    do-se da famlia, ela comeou a sentir-se muito s e pensou melhor noassunto. Decidiu que era a hora de tentar... E foi ento que, seis meses aps

    a mudana, dona Vnia engravidou e c estou eu.

    Cristiano Mello Cavalcanti, natural de Braslia, nascido em 9 de maio.

    Minha histria s comea agora... Ah! E o nome, como eu falei no incio,

    foi coisa da minha me mesmo! Falou que tinha sonhado com ele, que era

    bonito e era proibido a papai opinar. E agora, eu que o aguente! Acho que

    foi apenas uma fatalidade do destino.Quando criana, conta mame, eu era uma criana impossvel de se

    lidar: o demnio em forma de gente. Eu adorava quando ela me chamava

    assim! Deixava um rastro de destruio por onde passava. Cheguei a

    colocar uma ninhada de cachorrinhos no vaso do banheiro (no queira

    saber o resultado...), gato no freezer e por a vai... Machucava-me quase

    que diariamente. No conto quantas vezes fraturei perna, brao e outras

    partes do corpo. Eu realmente possua um tipo de esprito destruidorcomigo.

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    Entretanto, apesar de ser bem encapetado, o curioso que tambm

    conseguia ser uma criana extremamente cativante. Convencia fcil

    minha me, professoras e sempre me safava das coisas erradas que apron-tava! No sei o que acontecia, mas desde cedo tive a impresso de que eu

    tinha um orientador, algum que me direcionava a fazer as coisas de modo

    que eu no seria pego. Sempre ouvia uma voz me ensinando, passo a passo,

    como elaborar minhas peraltices, tudo direitinho... No falei que era

    sinistro? Eu nunca entendi direito que sensao e que voz eram essas...

    Ainda durante a minha infncia, papai foi eleito senador, mas aos pou-

    cos foi cansando da vida pblica e comeou a investir em algumas empre-

    sas. Como j possua muito prestgio e bens acumulados, sentiu necessi-

    dade de mudar o rumo da sua vida. Afinal, eram mais de vinte anos dedi-

    cados poltica.

    Durante dezesseis anos vivemos em Braslia, mas a mudana de rumopara a rea empresarial despertou no meu pai o desejo de retornar

    Paraba. Possuidor de tantos bens e prestgio, fomos recebidos com festa

    no retorno a Joo Pessoa.

    E assim fui crescendo... Filho nico de ex-senador (mame ficou

    traumatizada com meu comportamento e nunca mais desejou outro

    filho), estudando nas melhores escolas, frequentando os ambientes

    mais seletos (e ainda aprontando muito), passei a ser bem assediado pelasociedade local. Entretanto, mesmo diante de todo o entrosamento,

    nunca tive amigos verdadeiros. Companheiros? Poucos, para os momen-

    tos de farra. Era um drago solitrio. Na realidade, o trato com pessoas

    me cansava... Adorava conviver comigo e com o meu eu se que me

    entendem!

    No campo profissional, optei por cursar Administrao e passei a

    assessorar meu pai nas empresas dele. Mas nunca deixei de seguir a orien-tao daquela voz interior que me perseguia desde a infncia. Sentia seu

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    direcionamento em tudo que fazia. O que eu no sabia que essa voz ainda

    me acompanharia durante muito tempo.

    A respeito da minha vida amorosa, sabe como ... Nunca me liguei demodo srio a ningum. Se uma mulher bonita chamava minha ateno,

    eu ficava... Simples assim! Mulher para mim sempre foi um bicho muito

    complicado e grudento. No tinha muita pacincia. Meus namoros dura-

    vam no mximo um ms e no mnimo uma noite... Isso que simplici-

    dade!

    Hoje, aos vinte e cinco anos, e controlando mais o temperamento, fui

    convidado por papai para assumir um empreendimento turstico queestava sendo negociado. O doutor Alberto Cavalcanti pretendia assumir

    o trmino da construo de um resort de padro internacional, com inves-

    timento de milhes de reais. Isso tudo em terras paraibanas. Algumas

    outras empresas j estavam interessadas no investimento, mas samos na

    frente, em termos de prioridade para a negociao. Para fecharmos o con-

    trato, precisaramos investir todo o nosso capital para adquirir a sua

    concesso e, consequentemente, o trmino da obra. Um investimentoaltamente arriscado, mas que, se bem-sucedido, seria a nossa galinha dos

    ovos de ouro... No poderamos vacilar a respeito desse empreendimento.

    Se demorssemos a decidir, outro grupo compraria. Se investssemos e o

    retorno no fosse o esperado, estaramos arruinados financeiramente.

    Qualquer deslize administrativo nosso, e todo o negcio seria perdido!

    Sem muito tempo para decidir, e totalmente na dvida a respeito do

    que fazer, papai lembrou-se de algum que poderia nos ajudar muitonessa situao: seu velho amigo e conselheiro Waldeck, o qual seria a

    pea-chave desse negcio. Uma aliana com mestre Waldeck teria de ser

    feita para que o sucesso do resort estivesse garantido.

    Uma aliana que determinaria nosso futuro financeiro. Uma aliana

    que precisaria ser firmada entre ns, sendo totalmente decisiva para nos-

    sas vidas. E eu estava totalmente disposto a fazer parte dela!