Apresentação:Lucas Valente de Brito Oliveira Interno –ESCS Coordenação: Márcia Pimentel de Castro
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
ESCOLA DE MÚSICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
MARCO CÉZAR DE OLIVEIRA BRITO
CONTRIBUIÇÃO DA VIVÊNCIA NA RODA DE CHORO
PARA A FORMAÇÃO DO MÚSICO INSTRUMENTISTA
Natal-RN 2019
MARCO CÉZAR DE OLIVEIRA BRITO
CONTRIBUIÇÃO DA VIVÊNCIA NA RODA DE CHORO
PARA A FORMAÇÃO DO MÚSICO INSTRUMENTISTA
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, na Linha de Pesquisa “Processos e Dimensões da Produção Artística”, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Música.
Orientador: Prof. Dr. Ezequias Oliveira Lira
Natal-RN 2019
Catalogação da Publicação na Fonte
Biblioteca Setorial Pe. Jaime Diniz – Escola de Música da UFRN B862c Brito, Marco Cézar de Oliveira.
Contribuição da vivência na roda de choro para a formação do músico instrumentista / Marco Cézar de Oliveira Brito. – Natal, 2020. 113 f. ; 30cm.
Orientador: Ezequias Oliveira Lira. Dissertação (Mestrado) – Escola de Música, Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Programa de Pós-Graduação em Música, 2020. 1. Percepção musical – Dissertação. 2. Roda de Choro – Ensino e
aprendizado musical – Dissertação 3. Músico instrumentista – Formação – Dissertação. I. Lira, Ezequias Oliveira. II. Título.
RN/BS/EMUFRN CDU 781.6
Elaborada por: Elizabeth Sachi Kanzaki CRB-15/Inscr. 293
MARCO CÉZAR DE OLIVEIRA BRITO
CONTRIBUIÇÃO DA VIVÊNCIA NA RODA DE CHORO
PARA A FORMAÇÃO DO MÚSICO INSTRUMENTISTA
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, na Linha de Pesquisa “Processos e Dimensões da Produção Artística”, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Música.
Aprovada em: 02/12/2019
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________ Prof. Dr. Ezequias Oliveira Lira – UFRN
Orientador
_________________________________________________________’ Prof. Dr. Eddy Lincolln Freitas de Souza – IFCE
Membro da Banca
_________________________________________________________ Prof. Dr. Tiago de Quadros Maia Carvalho - UFRN
Membro da Banca
Aos meus pais, Manoel Xavier de Brito (in memoriam) e Edite Batista
de Oliveira; à minha esposa, Valéria Mônica Moraes de Oliveira Brito;
aos meus filhos, Marco Cézar de Oliveira Brito Filho, Marcos Vinicius
Moraes de Oliveira Brito e Mônica Valéria Moraes de Oliveira Brito;
e aos professores Severino Revoredo, do Conservatório Pernambucano
de Música, e Manoel Nascimento, do Centro de Criatividade Musical
de Pernambuco, grandes mestres que, de forma marcante,
contribuíram para a minha formação acadêmica e minha trajetória
artística.
AGRADECIMENTOS
Ao professor doutor Ezequias Oliveira Lira, pela generosidade e competente orientação desta
pesquisa.
À minha esposa, Valéria Mônica, e aos meus filhos, Marco Cézar, Marcos Vinicius e Mônica
Valéria, pela paciência e compreensão nos momentos de dificuldade e pelo desprendimento
durante a realização desta pesquisa.
Aos professores do Programa de Mestrado da Escola de Música da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte (EMUFRN), pelos valiosos ensinamentos.
A todos os colegas do Curso de Mestrado, pelo convívio enriquecedor e pelo compartilhamento
de estudos, ideias e aspirações.
Aos renomados músicos profissionais Alessandro Penezzi, Alexandre Milton, Caio Cézar, Deo
Rian, Fernando César, Hamilton de Holanda, João Paulo Albertim, Jorge Simas, Leonilcio
Deolindo da Silva, Luiz Otávio Braga, Nenéu Liberalquino, Olivier Lob, Rogério Caetano e
Sérgio Prata, pela generosidade de compartilharem comigo seus conhecimentos em entrevistas
que redundaram em contribuição valiosíssima para o êxito deste trabalho.
Ao professor doutor Wilson Guerreiro Pinheiro, pela meticulosa revisão final da Dissertação.
A todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para a concretização desta
importante fase de minha vida acadêmica.
“A Roda de Choro é um local em que a música é tão importante quanto a existência pessoal de músicos e ouvintes, porque não se separa dos demais aspectos da vida, e funciona como ponte comunicativa, que permite o encontro e a relação entre pessoas.” Ivaldo Gadelha de Lara Filho, Gabriela Tunes da Silva e Ricardo Dourado Freire (2011, p. 160).
RESUMO
O objetivo deste trabalho é estudar a contribuição da vivência na Roda de Choro para a
formação do músico instrumentista brasileiro popular em sintonia com a prática profissional
acadêmico-artística do Autor. Foi feita pesquisa qualitativa visando identificar e compreender
aspectos importantes das rodas de choro baseados na transmissão oral para a obtenção de uma
performance significativa. A contextualização com autores, professores e entrevistados
performers de renome nacional permitiu identificar características específicas inerentes às
práticas coletivas das Rodas de Choro e sua contribuição para a formação do músico
profissional. O estudo destaca a importância da atividade do instrumentista colaborador solista
que, ao executar o solo, auxilia os músicos acompanhadores na formação e na ampliação do
repertório. A percepção instrumental, desde a sua prática com aparelhos de mídia até à sua
aplicação na roda de choro, é destaque nesta abordagem contributiva, ao lado da ação de
transcrição nas funções de degravador e de transcritor.
Palavras-Chaves: Percepção Instrumental. Prática de Conjunto. Roda de Choro. Tradição Oral. Transcrição.
ABSTRACT
The objective of this work is to study the contribution of the experience in the Roda de Choro
to the formation of the popular Brazilian musician in line with the author's academic-artistic
professional practice. A qualitative research was conducted to identify and understand
important aspects of Rodas de Choro based on the oral transmission to obtain significant
performance. The contextualization with authors, teachers and interviewed nationally renowned
performers allowed identifying specific characteristics inherent to the collective practices of the
Rodas de Choro, and their contribution to the training of the professional musician. The study
highlights the importance of the activity of the collaborator solo performer who, when
performing the solo, assists accompanying musicians in the formation and expansion of the
repertoire. The instrumental perception, from its practice with media devices to its application
in the Roda de Choro, is highlighted in this contributory approach, alongside the transcription
action as a full audio transcriptionist.
Keywords: Instrumental Perception. Oral Tradition. Set Practice. Roda de Choro.
Transcription.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABEM Associação Brasileira de Educação Musical
AM Estado do Amazonas
ANPPOM Associação de Pesquisa e Pós-Graduação em Música
BS Biblioteca Setorial
CD Abreviação do inglês Compact Disc [= Disco Compacto]
CLA Centro de Letras e Artes
CPM Conservatório Pernambucano de Música
DF Distrito Federal
ECA Escola de Comunicações e Artes
ed. edição; editor(es)
EMBAP Escola de Música e Belas Artes do Paraná
EMUFRN Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
et al. Abreviação da locução latina et alii [ = e outros]
f. Abreviação de folha(s)
FUNARTE Fundação Nacional de Artes
IA Instituto de Artes
ICS Instrumentista Colaborador Solista
IFCE Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
IMANAM Indústria de Manaus da Amazônia
INL Instituto Nacional do Livro
ISBN Sigla do inglês International Standard Book Number [= Número Padrão Internacional de Livro]
ISSN Sigla do inglês International Standard Serial Number [= Número Internacional Normalizado para Publicações Seriadas]
K7 Sigla de cassete
loc. cit. Abreviação da locução latina loco citato [= no lugar citado]
LP Abreviação do inglês Long-Play [= Disco fonográfico de vinil]
MIDI Sigla do inglês Musical Instrument Digital Interface [= Interface Digital para Instrumentos Musicais]
MIS Museu da Imagem e do Som
MPB Música Popular Brasileira
n. número; nascido em
N.A. Nota do Autor
n.º Número
p. página(s)
PB Estado da Paraíba
PE Estado de Pernambuco
pp. Abreviação do inglês pages [= páginas]
RN Estado do Rio Grande do Norte
SACCoM Sigla do espanhol Sociedad Argentina para las Ciencias Cognitivas de la Música [= Sociedade Argentina para as Ciências Cognitivas da Música]
s.d. Abreviação da locução latina sine data [= sem data (de publicação)]
SIMPOM Simpósio Brasileiro de Pós-Graduandos em Música
s.l. Abreviação da locução latina sine loco [= sem local (de publicação)]
s.n. Abreviação da locução latina sine nomine [= sem nome (do editor)]
UDESC Universidade do Estado de Santa Catarina
UFG Universidade Federal de Goiás
UFPE Universidade Federal de Pernambuco
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UnB Universidade de Brasília
UNESP Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
UNIRIO Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
USP Universidade de São Paulo
v. Volume
vol. volume
LISTA DE SÍMBOLOS
Hz hertz [= Unidade de medida de frequência no Sistema Internacional de Unidades]
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 15 1. CHORO ............................................................................................................................ 17
1.1 A Origem do Termo .................................................................................................. 17
1.2 A Forma do Choro Tradicional ................................................................................. 18
2. RODAS DE CHORO ...................................................................................................... 19
2.1 Preparação Prévia para a Roda de Choro .................................................................... 20
2.2 Os Instrumentos Solistas .............................................................................................. 23
2.3 Os Acompanhadores .................................................................................................... 25
2.4 Estudo dos Encadeamentos Harmônicos .................................................................... 26
2.5 A Função do Cavaquinista na Roda de Choro ............................................................. 27
2.6 Os Violões de Acompanhamento na Roda de Choro .................................................. 28
2.7 Frases de Baixo – Baixarias – Linhas de Baixo .......................................................... 29
3. PERCEPÇÃO INSTRUMENTAL NO CHORO ......................................................... 33
3.1 Uso dos Equipamentos de Mídias ............................................................................. 34
3.2 Transcrição no Choro ................................................................................................ 35
3.3 O Processo de Escuta ................................................................................................ 40
4. ASPECTOS INTERPRETATIVOS ORIUNDOS DA RODA DE
CHORO ............................................................................................................................ 42
4.1 Prática de Conjunto ...................................................................................................... 42
4.2 Transmissão Oral ......................................................................................................... 43
4.3 A Interpretação do Choro ............................................................................................ 46
4.3.1 Expressividade .................................................................................................... 46
4.3.2 Emoção ............................................................................................................... 47
4.3.3 Instrumentista Colaborador Solista .................................................................... 49
4.3.4 Improvisação ...................................................................................................... 51
4.4 Performance Perceptivo-Auditiva ............................................................................... 54
4.4.1 “Antena Melódica e Harmônica” ...................................................................... 54
4.5 Comunicação Visual na Interpretação do Choro ......................................................... 56
4.5.1 Gestos Corporais Característicos da Roda de Choro ....................................... 56
4.5.2 Interação Social ................................................................................................ 57
4.5.3 Repertório ........................................................................................................ 59
4.6 Memorização ............................................................................................................ 61
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 64
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 66
APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO DA ENTREVISTA COM PROFISSIONAIS DE MÚSICA ............................................................ 73
APÊNDICE B – ENTREVISTA COM O MÚSICO JOÃO PAULO ALBERTIM EM 24.09.2019 ..................................................................... 74
APÊNDICE C – ENTREVISTA COM O MÚSICO LUIZ OTÁVIO BRAGA EM 12.04.2019 ........................................................................... 77
APÊNDICE D – ENTREVISTA COM O MÚSICO ROGÉRIO CAETANO EM 18.04.2019 ...................................................................... 81
APÊNDICE E – ENTREVISTA COM O MÚSICO CAIO CÉZAR EM 15.04.2019 ........................................................................................... 84
APÊNDICE F – ENTREVISTA COM O MÚSICO FERNANDO CÉSAR EM 06.05.2019 ........................................................................................... 86
APÊNDICE G – ENTREVISTA COM O MÚSICO HAMILTON DE HOLANDA EM 17.04.2018 ..................................................................... 89
APÊNDICE H – ENTREVISTA COM O MÚSICO NENÉU LIBERALQUINO EM 16.04.2019 .......................................................... 94
APÊNDICE I – ENTREVISTA COM O MÚSICO OLIVIER LOB EM 03 /05/2019 .......................................................................................... 96
APÊNDICE J – ENTREVISTA COM O MÚSICO ALEXANDRE MILTON PRAZERES DA COSTA EM 10.10.2019 ............................ 100
APÊNDICE K – ENTREVISTA COM O MÚSICO ALESSANDRO PENEZZI EM 15.04.2019 ...................................................................... 103
APÊNDICE L – ENTREVISTA COM O MÚSICO SÉRGIO PRATA EM 17.04.2019 ......................................................................................... 105
APÊNDICE M – ENTREVISTA COM O MÚSICO DEO RIAN EM 25.04.2019 ........................................................................................ 109
APÊNDICE N – ENTREVISTA COM O MÚSICO LEONILCIO DEOLINDO DA SILVA (PEPÊ) EM 06.05.2019 ................................ 111
APÊNDICE O – ENTREVISTA COM O MÚSICO JORGE SIMAS EM 23.09.2019 ......................................................................................... 112
INTRODUÇÃO
Iniciei o aprendizado da música instrumental brasileira na década de 1970, por
transmissão oral, sob a orientação e o incentivo do meu genitor, Manoel Xavier de Brito,
conhecido como Tozinho, músico amador que solava e também acompanhava, no violão de 7
cordas, numerosos artistas em rádios, tevês e saraus das cidades do Recife e de Olinda. Ao
conviver em vários ambientes artístico-culturais com músicos de referência do choro
pernambucano, entre os quais Rossini Ferreira e Canhoto da Paraíba, despertou-me o interesse
em praticar, no violão de 6 e 7 cordas, o repertório das Rodas de Choro como acompanhador e,
posteriormente, como solista no bandolim e no cavaquinho base. Ao descobrir o bandolim
brasileiro de oito cordas executado pelos pernambucanos Luperce Miranda e Rossini Ferreira,
pelo paraibano Evandro do Bandolim e pelo carioca Jacob do Bandolim, passei a estudar
inicialmente um repertório consagrado de peças de fácil assimilação, sem a exigência de técnica
mais apurada, o que naturalmente contribuiu para uma rápida compreensão da linguagem do
gênero choro e de suas nuanças.
Ao iniciar no Conservatório Pernambucano Música (CPM) o aprendizado de Teoria
Musical nas atividades discentes, observei a ausência das práticas de ensino dos instrumentos
populares de cordas dedilhadas e passei a buscar o conhecimento por autoaprendizagem. Aos
poucos, ampliei o repertório popular e as técnicas de execução do violão de seis cordas, do
violão de sete cordas, do bandolim e do cavaquinho, por transmissão oral e com os contatos
esporádicos com amigos e renomados músicos que visitavam os ambientes culturais e
acadêmicos por mim frequentados. Iniciei, então, uma série de apresentações musicais e
entrevistas em diversos meios de comunicação (imprensa, rádio e televisão), representando o
Conservatório Pernambucano de Música, que se tornaram marcantes para a solicitação a essa
instituição, por parte do público local, pela criação dos cursos de música popular brasileira e a
implantação das aulas dos instrumentos populares. Competiu ao Maestro Henrique Gregori,
então Diretor do CPM, a inserção desses cursos nas grades curriculares do ensino básico. Por
esse motivo, fui convocado para iniciar as aulas nas classes de iniciação ao bandolim,
cavaquinho e violão de 7 cordas no cargo de Professor sem Habilitação Específica, da Secretaria
de Educação do Estado de Pernambuco. Desde então, percebi o quanto de conhecimento e de
experiência era necessário para ministrar aulas de música popular aos instrumentistas de cordas
dedilhadas, objetivando preparar os orientandos solistas e acompanhadores para o mercado de
trabalho. Para desenvolver uma sistematização metodológica para o ensino dos instrumentos de
cordas dedilhadas, busquei a minha capacitação pedagógica nos cursos particulares, de pequena
16
duração, específicos de harmonia funcional e arranjos, e busquei os materiais didáticos
(partituras e métodos) à disposição no mercado para o auxílio ao desenvolvimento do ensino da
música popular brasileira.
Neste trabalho, objetivei apontar aspectos inerentes e contributivos da Prática de
Conjunto nas Rodas de Choro para a formação do músico brasileiro profissional. Procurei, de
forma sucinta, apresentar informações históricas sobre a música do choro e os seus gêneros
afins, delimitando sobre a sua forma tradicional. Identifiquei que as Rodas de Choro são
frequentadas por músicos de diferentes níveis de formação que, em sua maioria, precisam
passar por uma preparação prévia para se inserirem e executarem fluentemente o repertório
desses encontros e reuniões. Foram demonstradas as funções dos instrumentos no contexto das
Rodas de Choro, que são os solistas e os acompanhadores, com destaque para as baixarias dos
violões de sete cordas. A preparação prévia está diretamente ligada ao uso dos equipamentos
de mídia e à transmissão oral. Foram abordados também o processo e as formas de escuta para
a transcrição de peças do repertório consagrado nas figuras do degravador e do transcritor.
Das contribuições que as Rodas de Choro fornecem para a formação do músico
brasileiro, podem-se elencar: (i) a própria prática de conjunto, que é a grande finalidade da
busca por esse ambiente; (ii) a prática direta da transmissão oral; (iii) as performances
interpretativa, perceptivo-auditiva e visual; (v) a interação entre os artistas e seu público; (vi) a
ampliação do repertório consagrado, por meio da memorização; e (vii) a emoção ao sentir as
nuanças de timbres e sonoridades harmônico-melódicas dos instrumentos musicais em
vibração.
1. CHORO
1.1 A Origem do Termo
De acordo com Prata e Pugliese (2002, p. 7), “o nascimento do Choro se deu no final
do século XIX no Rio de Janeiro, mantendo-se vivo até hoje com a influência dos nossos dias”.
Já Cazes (1998, p.18) se refere ao nascimento do Choro “por uma mistura de estilos e sotaques
a partir das danças europeias (principalmente a polca) somadas ao sotaque inerente à música de
cada colonizador e à influência negra”. Existem no Estado da Arte diversos discursos e
correntes a respeito da origem do choro. Segundo o folclorista Luiz da Câmara Cascudo1, o
choro vinha de xolo, um baile nas fazendas feito pelos escravos que, em gradativa mudança,
passou a ser xoro e, finalmente, choro. Para Mário de Andrade2, a palavra choro provém do
verbo “chorar”, empregada metaforicamente em música. O termo choromeleiros foi citado por
Ary Vasconcelos3, que acreditava ser originado das corporações de músicos do Período
Colonial constituídas de instrumentos de sopro da família das palhetas, e que recebe outro
significado pelo encurtamento do termo para choro. Por seu turno, José Ramos Tinhorão4
considera que o termo choro viria da impressão de melancolia gerada pelas baixarias do violão,
e que a palavra chorão seria uma decorrência. A etimologia da palavra choro poderá receber
ainda muitas interpretações. O autor Henrique Cazes considera que a tradução mais próxima e
aceita por muitos praticantes é a que se refere à maneira exagerada, peculiar, sentimental de
tocar o repertório das danças europeias que os músicos populares da época abrasileiravam.
(CAZES, 1998). Vale ressaltar que o maestro Heitor Villa-Lobos afirmava ser o choro a “alma
musical do povo brasileiro” (DINIZ, 2003). O choro é a “música que requer habilidade e
1 Câmara Cascudo (1962) cita o “Negro brasileiro”, de Jacques Raimundo, livro publicado em 1936: Choro é a
denominação de certos bailaricos populares, também conhecidos como assustados ou arrasta-pés. Essa parece ter sido a origem da palavra, como explica Jacques Raimundo, que diz ser originária da contracosta, havendo entre os cafres uma festança, espécie de concerto vocal com danças, chamado xolo. Os nossos negros faziam em certos dias, como em São João, ou por ocasião de festas nas fazendas, os seus bailes, que chamavam de xolo, expressão que, por confusão com a parônima portuguesa, passou a dizer-se de xoro, e, chegando à cidade, foi grafada choro. (TABORDA, 2010, p. 137).
2 Mário de Andrade, por sua vez, no verbete choro, do Dicionário Musical Brasileiro, informa que, numa extensão de sentido, a palavra choro afinal se desenvolveu aplicada ao sentido dum gênero musical, música noturna de caráter popular coreográfico, para pequena orquestra. (TABORDA, loc. cit.).
3 Para Ary Vasconcelos, o termo choro deriva de choromeleiros, “corporação de músicos de atuação importante no período colonial brasileiro”. Como os choromeleiros executavam não exclusivamente a charamela, mas outros tantos instrumentos, o termo passou a ser empregado em sentido geral, dando, por abreviação, o nome de choro ao grupo instrumental. (TABORDA, loc. cit.).
4 José Ramos Tinhorão refere-se a esquemas modulatórios que, partindo do bordão “para descaírem quase sempre rolando pelos sons graves, em tom plangente”, os responsáveis pela impressão de melancolia que acabaria conferindo o nome de choro a tal maneira de tocar. (TABORDA, loc. cit.).
18
balanço dos seus executantes, o choro é a mais rica escola para o músico popular.” (DINIZ,
2003 p. 11). Segundo Costa (2006), o choro é uma das principais expressões e identidades
musicais brasileiras. O tradicional Conjunto de Choro que, posteriormente, foi chamado de
Regional, tem como formação instrumental básica predominante a flauta, o cavaquinho e o
violão de 6 cordas (terno)5, os quais estabeleceram uma sonoridade característica do gênero: O choro acabou por galvanizar uma forma musical urbana brasileira, sintetizando elementos da tradição e das modas musicais da segunda metade do século XIX. Nele estavam presentes o pensamento contrapontístico do barroco, o andamento e as frases musicais típicas da polca, os timbres instrumentais suaves e brejeiros, levemente melancólicos, e a síncopa que deslocava a acentuação rítmica “quadrada”, dando-lhe um toque sensual e até jocoso. (NAPOLITANO, 2002, p. 31).
1.2 A Forma do Choro Tradicional
O choro tradicional como forma musical possui duas ou três partes; ou seções — A, B e/ou C — delimitadas cada uma em sua maioria por dezesseis compassos e apresentadas sempre com repetição. (VALENTE 2014, p. 36). Aprende-se a compor, executar e improvisar baseando-se nas seções ou partes da composição e na harmonia popular. Esse gênero musical se subordina, como outras modalidades da música popular, à forma do rondó6 em cinco seções: A – B – A – C – A (NÓBREGA, 1973, p. 11). Porém, é frequentemente representada por AA’, BB’, A” CC’A”’. (SALEK, 1999, p. 40).
Recordo um momento importante de minha convivência com o compositor e bandolinista Rossini Ferreira7 quando, ao observar que este estava altamente concentrado batendo levemente com a mão à mesa, dele indaguei: “O que você está fazendo batendo com a mão na mesa”? E ele respondeu prontamente: “Estou conferindo se a melodia (forma) do choro que eu acabei de compor possui 16 compassos”. Compreendi, nesse momento, que era necessário observar a estrutura melódico-harmônica da composição como forma musical para poder conceber, executar, arranjar e improvisar no Choro com certa fluência. É importante explanar que a forma musical Rondó, com 16 compassos em cada seção, é bastante utilizada nos choros tradicionais, assim como existem compositores que fogem a essa lógica dos números pares, arvorando-se em linguagens modernas, utilizando a assimetria.
5 Terno é o nome dado ao trio formado por flauta (então fabricada de ébano), cavaquinho e violão, considerados
instrumentos básicos do conjunto de pau e cordas característicos do choro. 6 Rondó é uma forma musical “que consiste de uma série de seções, a primeira das quais (a seção principal ou
refrão) se repete, normalmente na tonalidade original, entre seções subsidiárias (couplets, episódios) antes de finalmente retornar para concluir, ou fechar, a composição (ABAC...A). (SADIE, 1994, p. 797, tradução nossa).
7 Em 1977, Rossini Ferreira venceu tanto o I Festival Nacional do Choro, promovido pela TV Bandeirantes, em São Paulo, com a música Ansiedade, quanto o I Concurso de Conjuntos de Choro, no Rio de Janeiro, com a música Recado.
2. RODAS DE CHORO
As rodas de choro tradicionais se caracterizam, até os nossos dias, pelas reuniões de
músicos instrumentistas de pau e cordas que executam repertório específico para solistas e
acompanhadores da música brasileira. Segundo o músico Maurício Carrilho, em seu
depoimento ao projeto Brasil Toca Choro (2019 p.12-13), nesse ambiente, o instrumentista
passa a conhecer um repertório constituído por diversos gêneros musicais distintos abrigados
pelo manto do choro. Alexandre Gonçalves Pinto (c. 1870 - c. 1940), conhecido como “O
Animal” nos meios musicais da época em que escreveu seu livro “O choro: reminiscências dos
chorões antigos”, relata que muitos desses ambientes simples mexiam com a alma através das
vibrações das músicas daquela época com os chorões ao luar e nos bailes das casas de famílias
onde predominavam a sinceridade, a alegria espontânea, a hospitalidade, a comunhão de ideias
e a uniformidade de vida. (PINTO, 2009, p. 10). Sobre a verdadeira Roda de Choro, o
pesquisador Cazes (1998) atribui a existência de um convívio de frequentadores músicos de
níveis de preparação diferentes. Vários violonistas entrevistados por Sandroni (2000, p. 6-7)
ressaltam “a importância fundamental, em sua formação, da frequência assídua de rodas de
choro — de um aprendizado, portanto, misturado com a prática: desses que somos logo tentados
a classificar de assistemáticos ou informais”.
O compositor Heitor Villa-Lobos participava das Rodas dos Chorões como violonista,
na primeira década do século XX. De violão em punho, buscava adquirir uma vivência na
música popular pesquisando os procedimentos usuais dos companheiros. Desenvolveu a sua
própria linguagem, acrescentando traços pessoais. (NÓBREGA, 1973, p. 16).
Para o cavaquinista João Paulo Albertim (2019), a Roda de Choro é o espaço pelo qual
o músico desenvolve e amplia o seu repertório, exercita a percepção harmônica, rítmica e
melódica — corroborando com Holanda (2019) —, convive com respeito e aprende oralmente
sobre as dinâmicas e interpretações dos companheiros. Já Braga (2019) ressalta sobre a busca
inelutável da prática de conjunto na Roda de Choro. O violonista Caio Cézar (2019) corrobora
com Braga (2019) e César (2019), ressaltando a atividade da prática de conjunto na Roda de
Choro, e acrescenta sobre o exercício pleno das práticas harmônicas, contrapontísticas e as
possibilidades de combinações tímbricas. Fernando César (2019) lembra que, na Roda de
Choro, se faz a música orgânica diferente do estudar sozinho, e realça a ampliação do repertório,
corroborando com Albertim (2019). Hamilton de Holanda (2019) evidencia que, na Roda de
Choro, se amplia o vocabulário do choro. O Maestro Nenéu Liberalquino (2019) destaca a
troca de informação na Roda de Choro pela transmissão oral, ao executar o instrumento vendo
e ouvindo outros músicos. Ao destacar a percepção ampla do todo musical, demonstra
20
concordar com Holanda (2019), Albertim (2019), Simas (2019) e Penezzi (2019), pelo fato de
a atuação, na prática, do “tocar de ouvido” — ou seja, sem partitura — facilitar o
desenvolvimento da percepção harmônica, melódica e rítmica em busca da “educação do
ouvido” nomeada por Prata (2019). O músico e professor Olivier Lob (2019) parece concordar
com Fernando César (2019) quando se refere ao momento de tocar junto com os amigos na
Roda de Choro, onde se oferece a interação com outras pessoas em diálogos importantes da
vivência social e musical. O bandolinista Alexandre Milton (2019) realça a Roda de Choro
como um importante espaço para o conhecimento da linguagem do Violão Brasileiro de
Acompanhamento nesse ambiente inteiramente democrático. Já o violonista e compositor
Alessandro Penezzi (2019) enfatiza a memorização e a percepção visual ao imitar as montagens
dos acordes no instrumento que outros violonistas faziam na Roda de Choro. O cavaquinista
Sérgio Prata (2019), ao citar o chamado “Código dos Olhares”, coloca a sua afirmativa em
concordância com Penezzi (2019) sobre a prática comum às Rodas de Choro da percepção
visual. Para Prata (2019), na Roda de Choro se busca conhecer e formar um repertório
consagrado e não consagrado, enquanto Deo Rian (2019) enfatiza a prática dos diferentes ritmos
da Roda de Choro, tais como o choro, a polca e a valsa, entre outros. O músico Leonilcio
Deolindo da Silva (2019) ressalta que a Roda de Choro é um ambiente propício para a prática
do improviso.
2.1 Preparação Prévia para a Roda de Choro
O músico prático necessita ultrapassar algumas etapas importantes para se inserir no
ambiente das Rodas de Choro. O “tocar de ouvido”8 parece ser um princípio básico que pode
influenciar o acesso às rodas. Sabe-se, porém, que a escrita das melodias registradas nos
cadernos particulares de música contribuiu decisivamente para a participação dos solistas
nesses encontros. Violão, cavaquinho (acompanhadores) e a flauta (solista) foram instrumentos
predominantes entre os chorões no começo, conforme descreve Adhemar Nóbrega sobre o livro
de Alexandre Gonçalves Pinto (NÓBREGA, 1973). Tendo em vista a minha experiência e a
cautelosa observação da atuação performática de músicos consagrados, proponho aos
instrumentistas interessados em ingressar nesses ambientes a adoção de alguns critérios de
preparação que possam facilitar ou encurtar o ingresso nessas práticas de conjunto. Por mais
simples que seja o conhecimento do candidato instrumentista que pretenda frequentar a roda de
8 Tocar de ouvido é tocar sem partituras, praticando a percepção melódico-harmônica.
21
choro, será necessário adquirir certa habilidade técnica. No instrumento de cordas dedilhadas,
por exemplo, o solista necessita pesquisar e definir os dedilhados dos intervalos nas escalas,
arpejos e melodias, e o acompanhador, fixar as sequências de montagens das posições dos
acordes, linhas e frases de baixo (baixarias) constituintes das progressões harmônicas
tradicionais que, em alguns casos, podem ser adquiridas na informalidade desses encontros.
Acrescento ainda a necessidade do estudo individual para a memorização do repertório
consagrado e a busca pelo convívio prático diário do executante nesse meio musical,
favorecendo a qualificação e a rápida inserção do aspirante na prática desse repertório. O uso
constante dos equipamentos de mídia no aprendizado por imitação, trazendo a percepção
instrumental: melódico-harmônica e rítmica e a transcrição de peças consagradas, contribuem
decisivamente para um melhor conhecimento do gênero musical.
O conhecimento básico da técnica do instrumento e um repertório considerado de média
dificuldade de execução foram preceitos adotados por Jacob do Bandolim9 para reproduzir, de
forma clara, em sua trajetória artística, a sua expressividade musical. Segundo o bandolinista
Joel do Nascimento, em depoimento ao pesquisador Almir Côrtes, Jacob “fazia as músicas, os
choros dele muito populares, bem feitos, muito bem feitos, mas eram músicas que qualquer
bandolinista, médio bandolinista toca” (NASCIMENTO, 2006 apud CÔRTES, 2006, p. 11).
As características das melodias criadas por Jacob são de fácil assimilação, soando bem no
bandolim, por se enquadrarem numa tessitura considerada confortável tecnicamente,
abrangendo a primeira posição da escala do instrumento. (CÔRTES, 2006, p. 11). Mesmo se
tratando de músico autodidata, é necessário ao executante trabalhar a técnica específica, até
mesmo nos métodos tradicionais, em busca de recursos necessários a uma performance de
execução clara. Bitar (2010, p. 584) identificou, na entrevista com os alunos de Jayme Florence
(Meira), a adoção e o estudo de métodos consagrados de técnicas específicas da escola do violão
para o desenvolvimento necessário ao bom desempenho do solista e acompanhador dos vários
gêneros que envolvem o choro: “[...] não somente os métodos consagrados de ensino de violão,
mas também os métodos pertencentes à oralidade, muitas vezes chamados de informais.” Em
geral, “a Roda fica sob o comando de um músico, definido tacitamente entre todos; o critério
para tal pode ser a experiência, nível técnico ou de conhecimento musical.” (LARA FILHO;
SILVA; FREIRE, 2011, p. 156). Percebe-se, então, o quanto é necessário se preparar
tecnicamente, até mesmo para assumir uma posição de destaque na roda de choro. O músico,
arranjador e compositor Mário Sève assim declara: “Choro é difícil para uma pessoa que está
9 Jacob Pick Bittencourt (1918-1969) – Bandolinista brasileiro, considerado uma das personalidades mais
influentes no desenvolvimento do choro.
22
iniciando, é uma música tecnicamente complicada.” (SÈVE, 2007). Ainda sobre a roda de
choro, Lara Filho, Silva e Freire (2011, p. 156) afirmam: “A Roda é também aberta, pois, a
princípio, todos podem tocar, desde que tenham certo domínio técnico do instrumento e sejam
aceitos pelos músicos do momento.”
Detalhes importantes devem ser observados para o violonista solista ou acompanhador.
Preparar a mão direita, alternando os dedos indicador e médio para a execução de melodias,
utilizar a técnica característica do violão brasileiro de acompanhamento, que consiste em usar
o polegar para executar os baixos em conjunto com os outros dedos, tocando simultaneamente
ou com alternância as cordas mais agudas. Para determinados trechos, pode-se adotar a técnica
do plaqué10, explicada por Freire, Nézio e Pimenta (2012) num trabalho sobre a utilização
simultânea dos dedos polegar, indicador, médio e anular em um trecho do Estudo n.º 4, de Villa-
Lobos. O acompanhador deve fixar na memória as sequências de montagens das posições dos
acordes, linhas e frases de baixo (baixarias11), baseado nas progressões harmônicas tradicionais
que, em alguns casos, podem ser adquiridas na informalidade desses encontros. Utiliza-se
tradicionalmente para o violão acompanhador uma peça no dedo polegar da mão direita,
confeccionada de plástico ou de aço, chamada de “dedeira”, que serve para acentuar as baixarias
num agrupamento de instrumentistas de choro. Já o solista destro, que toca o instrumento
executando com a palheta (plectro12) na mão direita, como é o caso do bandolim e do
cavaquinho, o estudo deve ser voltado para a alternância do movimento para baixo e para cima
ao tanger as cordas. O cavaquinista Waldir Azevedo, no seu estilo interpretativo, explorou com
bastante frequência, em suas gravações, a técnica do uso da palheta executando o pizzicato
martelato, caracterizado pelo abafamento das cordas com a palma da mão direita e o toque da
palheta na corda com força. Os instrumentos de cordas dedilhadas tradicionalmente apresentam
o recurso do trêmulo, que consiste em executar as notas longas, alternando a palheta o mais
rápido possível para baixo e para cima, com o intuito de provocar a sensação de prolongamento
de uma ou de várias notas longas. Há a possibilidade de fazer notas secas ou curtas soltando,
ou seja, afastando os dedos da corda, no ato do ataque da palheta, provocando o efeito do
staccato. Outra característica marcante dos instrumentos dedilhados são os vibratos provocados
pela mão esquerda em movimentos para baixo e para cima no bandolim e cavaco, e, para os
10 Plaqué é termo francês usado para designar um tipo de dedilhado com que se atacam ao mesmo tempo várias
cordas do violão, puxando-as simultaneamente em seguida. 11 Baixarias são as frases contrapontísticas na região grave dos violões em diálogo com os solistas na roda de choro
ou em apoio a eles. 12 Plectro (Palheta) – “Espécie de unha de marfim, de tartaruga, de osso, de prata ou, modernamente, de plástico,
com que se vibram as cordas de certos instrumentos (bandolim, cavaquinho, guitarra, banjo, etc.)”. (FERREIRA, 1999, p. 1586).
23
lados, no violão. É importante ressaltar que a definição dos dedilhados da mão esquerda para
executar as melodias compostas principalmente por células rítmicas de quatro semicolcheias e
síncopes, que caracterizam o choro, são princípios básicos adotados para uma melhor execução
do repertório. O Conjunto “Época de Ouro”, liderado por Jacob do Bandolim, no auge da Era
Radiofônica, impulsionou o refinamento camerístico para as performances, alcançando um
elevado nível técnico. (RAMOS, 2016, p. 45). O refinamento camerístico consiste no nível de
exigência e esmero por parte de Jacob do Bandolim na preparação e execução do repertório do
Época de Ouro. Paz (1997) evidencia, em sua pesquisa, a personalidade forte e as cartas de
Jacob aos músicos do Época de Ouro em que ele afirmava que era necessário tocar com
perfeição, evitando erros dos companheiros que tocavam os violões e a falta de atenção do
músico da percussão que tocava o pandeiro e não obedecia às convenções estabelecidas nos
ensaios por falta de atenção e estudo.
As funções específicas dos instrumentos de cordas dedilhadas na prática do choro se
apresentam distribuídas na seguinte ordem: solista (melodia), centrista (base rítmico-
-harmônica) e base (baixaria), conforme observaram Livingston-Isenhour e Garcia na descrição
desses papéis instrumentais, acrescentando a percussão rítmica: Os instrumentos preenchem quatro requisitos sônicos básicos: a melodia, o centro, a linha do baixo e a linha rítmica. Cada linha ou função requer diferentes e variados níveis de especialização. Embora cada instrumento do conjunto de choro esteja associado a um papel funcional, há muita flexibilidade e espontaneidade em uma performance real, e os instrumentos muitas vezes mudam temporariamente de papéis durante uma peça. (LIVINGSTON-ISENHOUR; GARCIA, 2005, p. 3, tradução nossa).
2.2 Os Instrumentistas Solistas
O instrumentista solista, na roda de choro, é o responsável por reproduzir as melodias
principais no conjunto regional13, exercendo uma hierarquia sobre o acompanhamento, um
diálogo ou um desafio. Identificaram-se aqui alguns instrumentos de cordas dedilhadas já
tradicionais na Roda e outros poucos conhecidos. O bandolim, o cavaquinho e o violão solista
são mais comuns nesses agrupamentos instrumentais, porém grupos antigos, e até mesmo os
mais recentes, têm utilizado a bandola14 e o violão tenor15. A cítara, registrada em disco pelo
13 Conjunto Regional é a expressão utilizada para designar o conjunto de choro que toca músicas regionais. 14 Bandola é um instrumento similar ao bandolim, em forma de pera, sendo uma espécie de bandolim com a
afinação “Lá, Ré, Sol, Dó”, igual ao violão tenor, porém com 8 cordas em duplas. Esse instrumento foi desenvolvido no Brasil pelo luthier Angelo Del Vecchio com o sistema de caixa de ressonância chamado dinâmico e hoje confeccionado pelo luthier paraibano João Batista.
15 Violão Tenor é um instrumento similar ao violão e ao bandolim surgido nos EUA por volta da década de 1920, sendo uma espécie de banjo tenor com a afinação “Lá, Ré, Sol, Dó”. Esse instrumento foi desenvolvido no Brasil pelo luthier Angelo Del Vecchio com o sistema de caixa de ressonância chamado dinâmico.
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performer Avena de Castro, é mais rara, e o extinto bandolineto, encontrado em registros
fotográficos de “Os Oito Batutas” — grupo de Pixinguinha (1897-1973) surgido no Carnaval
do Rio de Janeiro em 1919 —, e adquirido pelo paraibano Evandro do Bandolim (1932-1994).
Tive a oportunidade única de tocar nesse bandolineto, fabricado pela Del Vecchio, quando de
uma visita à residência de Evandro do Bandolim, na cidade de São Paulo. Podem-se citar dois
dos mais importantes bandolinistas que contribuíram para a tradicionalização solística no choro
brasileiro: Luperce Miranda (1904-1977) e Jacob do Bandolim (1918-1969). O destaque como
cavaquinista solista é para o considerado expoente maior Waldir Azevedo (1923-1980). No
grupo “Os Oito Batutas”, havia, em sua formação, um instrumento pouco conhecido da família
dos bandolins, que é a bandola. Esse instrumento vem ressurgindo nos últimos anos na cultura
do choro do Nordeste do Brasil. Consiste em um instrumento afinado em quintas,
semelhantemente à viola de arco e ao violão tenor. O músico Luís Pinto da Silva, de “Os Oito
Batutas”, executava a bandola e o reco-reco. (CAZES, 1998; DANTAS, 2017). Em
Pernambuco, há alguns trabalhos interessantes em que a bandola aparece como instrumento
solista e acompanhador, como na Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco, na Oficina
de Cordas do Recife, na Orquestra Retratos e no Quinteto de Bandolins do Recife. Alguns
músicos brasileiros, tocando em palcos e em registros fonográficos, tradicionalizaram a
linguagem da bandola solista brasileira por meio do violão tenor, pela semelhança dos timbres
de ambos, pela forma de tocar e igual afinação (uníssona). Cita-se aqui o grande performer
Aníbal Augusto Sardinha (Garoto) (1915-1955), que, ao lado de consagrados compositores e
intérpretes, como Álvaro Brochado Hilsdorf (1923-1997), Claudionor Cruz (1910-1995) e José
Menezes (1921-2014), criaram a história do violão tenor solista. Jacob do Bandolim criou um
instrumento semelhante ao violão tenor, denominado por ele de violinha.
Alguns trabalhos de significativa importância são devidos ao exímio músico Avena de
Castro16, que interpretava peças do choro na cítara.
Um instrumento apresentado a mim pelas mãos do bandolinista paraibano Evandro do
Bandolim foi o bandolineto (mandolinetto, em italiano), instrumento desaparecido das rodas de
choro, que tem duplas cordas com afinação em quintas semelhante ao bandolim e com o corpo
semelhante ao cavaquinho. (ARRAES, 2015).
2.3 Os Acompanhadores
O acompanhador do choro é o músico que exerce um papel fundamental de apoio ao
16 Avena de Castro (1919-1981) foi um citarista e compositor brasileiro, amigo de Jacob do Bandolim, Waldir
Azevedo e Rossini Ferreira, entre outros.
25
solista. Para exercer satisfatoriamente essa tarefa de acompanhar, é necessário estar atento à
intenção que a melodia sugere, bem como àqueles padrões harmônicos estudados previamente,
os considerados clichês tradicionais.
Hamilton de Holanda, em depoimento ao Autor, fala de uma passagem vivenciada pelo
seu genitor, José Américo de Oliveira Mendes (1935), sobre a sua capacidade de acompanhar
músicas em primeira audição sem errar a harmonia. Até mesmo negócio de músico acompanhador me faz lembrar também do meu pai com um amigo meu da universidade, quando eu estudava na UnB. Ele falou com meu pai: “— Ô, seu Américo! Tudo bem, seu Américo? Já me falaram que o senhor acompanha até música que o senhor não conhece, assim de ouvido.” Aí meu pai respondeu “—Você é que pensa que eu não conheço!” Brincou com ele, mas, na verdade, o que ele quis dizer? Quanto mais música você conhece, mais capacidade você vai ter de tocar uma que você não conhece, porque os caminhos vão ficando parecidos, e, no choro, já há uma tradição, já há uma estrutura que todo o mundo já conhece e certas passagens harmônicas que já são clássicas também. Então, eu acho que é fundamental a percepção instrumental. (HOLANDA, 2019).
Ao se habilitar na prática de perceber a harmonia adequada e prováveis modulações não
convencionais, o acompanhador passa a ser desafiado pelo melodista. Tornou-se uma tradição
criar melodias para o solista enganar o acompanhador, como bem relata Marília T. B. da Silva: Em regra, só o flautista sabia ler música, quando sabia. Os violões e os cavaquinhos tocavam de ouvido. Nessas condições, a música ia sendo digerida com o tempero da sincopação nacional, ao sabor das negaças, descaídas e bossas dos executantes, em verdadeiros prélios de virtuosismo, onde o fino da arte era surpreender o acompanhamento com verdadeiras rasteiras harmônicas. Do parceiro que não atinava com determinada modulação inusitada, dizia-se que “caiu”. Isso explica os títulos do tipo: “Caiu, não disse”, “Não caio noutra”, “Cuidado violão” [...]. (SILVA, 1986, p. 26-27 apud LIMA REZENDE, 2015, p. 73).
O desafio entre o solista e o acompanhador fez surgir alguns consagrados títulos de
músicas que marcaram a história do choro e expressaram bem essa prática. Além dos nomes de
música citados por Silva (1986), pode-se mencionar o Apanhei-te Cavaquinho, de Ernesto
Nazareth, entre outros. A relação entre os desafios e os títulos das composições, associados ao solista letrado versus acompanhante “de ouvido” já estava presente na obra referencial de Batista Siqueira (1970, pp. 139-40), e pode ser encontrada também em Tinhorão (1978 [1974], p. 96), Pelegrini (2005, p. 25), Miranda (2009, p. 78), Taborda (2008, p. 51) e Peters (2005, p. 60), entre outros. (LIMA REZENDE, 2015, p. 73).
Em toda a sua prática da música popular, o presente Autor exercitou as atividades de
solista e de acompanhador de ouvido com o auxílio integral dos equipamentos de mídia devido
à dificuldade de acessar partituras de choros oriundos das gravações consagradas. Os detalhes
de frases, harmonias e contrapontos adquiridos nessas audições tornaram-se referências
necessárias para a formação e segurança do Autor ao usá-los em seu trabalho artístico e
acadêmico.
26
2.4 Estudo dos Encadeamentos Harmônicos
Para iniciar o estudo da música popular brasileira, é necessário ao instrumentista solista
e acompanhador conhecer a linguagem tonal, os clichês harmônicos ou padrões que se firmaram
em vários estilos, as conhecidas sequências, encadeamentos ou progressões harmônicas
presentes no universo do repertório tradicional. Ressalta-se que a base para se inserir no estilo
do choro é constituída pelo exercício do reconhecimento e memorização desses clichês, que
servem de orientação para as práticas funcionais dos instrumentos. Lembra-se que, em casos
em que uma melodia é tocada em primeira audição “à primeira vista”, o acompanhador de
ouvido deve sempre esperar a intenção da linha melódica executada pelo solista, para que
possam escolher melhor os acordes para o acompanhamento de apoio ou de base. A observação
de Camila Costa (2006) expressa claramente sobre a frequência de certos clichês harmônicos
na música popular e sobre a necessidade de conhecê-los para acompanhar “de ouvido”: Porém, existe uma certa tendência, ou seja, frequência, de certos encadeamentos harmônicos. Esta frequência é que permite aos violonistas o chamado “acompanhamento de ouvido” (acompanhar um samba sem conhecê-lo previamente). Os violonistas acostumados com a linguagem e conhecedores de vários sambas, ao ouvirem uma “linha melódica”, reconhecem o tipo de encadeamento harmônico. (COSTA, 2006, p. 32).
Hamilton de Holanda refere-se aos procedimentos de aprendizagem pela repetição e
memorização ao limite de familiarização, adquirindo a automatização: “[...] você vai
aprendendo ali os caminhos, e aquilo vai se repetindo dentro do seu ouvido e da percepção
auditiva, e quando você ouve aquilo ali de novo o seu dedo automaticamente já vai pro lugar.”
(HOLANDA, 2019).
Quanto aos clichês, assim esclarece o professor Michael Machado: Clichê é sinônimo de muito usado, repetitivo. Entretanto, não devemos achá-lo vulgar, e sim tirar proveito disso. [...] Quando se fala do sistema tonal, já penso em clichê naturalmente. TODAS as progressões do sistema tonal são clichês, são quase 500 anos de música tonal. [...]. Podemos afirmar que essas linguagens harmônicas se firmaram como padrões na música incidental de Hollywood e que devemos usá-las assim como usam no jazz, bossa, chorinho entre outros estilos. (MACHADO, 2019, grifo do autor).
Os Clichês Harmônicos do Choro são as progressões harmônicas (sequências
harmônicas) frequentemente utilizadas na música popular, que devem ser assimiladas pelos
praticantes do choro (principalmente pelos acompanhadores) e que se repetem em diversas
músicas do repertório da Roda de Choro. Consistem nos padrões harmônicos frequentes nos
quais modulações se caracterizam por pertencerem a um campo harmônico de um tom principal.
As preparações e resoluções, tensões e repousos são princípios básicos da harmonia funcional,
em que os graus das escalas do campo harmônico principal são preparados pelos seus
respectivos dominantes principais e secundários. Podem-se citar padrões de sequências
27
harmônicas baseados nos graus das escalas de Dó Maior (frequentemente, há algumas dessas
sequências que se repetem nas músicas compostas no tom de Dó Maior): preparação do I grau:
C – G7 – C; preparação do II grau: C – A7 – G7 – C; preparação do III grau:
C – B7 – Em – G7 – C; preparação do IV grau: C – C7 – F – G7 - C; preparação do V grau:
C – D7 – G7 – C; e preparação do VI grau: C – E7 – Am – G7 – C. Pode-se acrescentar, antes
dos acordes de sétima de preparação, o seu desdobramento com os respectivos segundos
cadenciais: C – Dm7 – G7 – C.
2.5 A Função do Cavaquinista na Roda de Choro
O cavaquinho é chamado instrumento centrista na formação instrumental do conjunto
de choro porque preenche harmônica e ritmicamente os espaços vazios deixados pelo solista e
pelo violão acompanhador, rico nas frases de baixo. Jacob do Bandolim comentava que o
centrista Jonas Silva (1934-1997), do seu conjunto “Época de Ouro”, era o ideal para o grupo
porque não tocava atravessando o ritmo dos choros e adaptava as palhetadas, adequando-as a
cada composição. O Jacob dizia: “ele é o único cavaquinho que tem uma palhetada para cada música.” Para cada choro ele inventava uma palhetada que dava um apoio bárbaro... ele era muito bom! Ele não adiantava, não atrasava... me dando apoio. (SILVA, 2014).
Outra grande referência do cavaquinho centro foi Waldiro Frederico Tramontano (1908-
1987), o “Canhoto do Cavaquinho”. Segundo a cavaquinista e compositora Luciana Rabello,
“Canhoto criou uma escola de cavaquinho de centro que influenciou muita gente de gerações
posteriores.” (RABELLO apud FINZETTO, 2019, p. 31). É importante salientar que os grupos
de choro que têm o cavaquinho solista geralmente se apresentam com um segundo cavaquinho
fazendo o centro de apoio (base harmônica e rítmica).
28
2.6 Os Violões de Acompanhamento na Roda de Choro
A base violonística dos grupos de choro é geralmente constituída por dois violões, um
de 6 e outro de 7 cordas que desempenham funções especificas de harmonização com frases
contrapontísticas e rítmico-harmônicas em todo o contexto da prática do choro. O violão de 6
cordas tem a função de executar a harmonia, embora realizando frases nos baixos combinados
com o violão de sete cordas em intervalos de terças ou sextas. Já a frase rítmico-harmônica do
violão de 6 cordas se aproxima do cavaco e do pandeiro, dobrando as “levadas” específicas,
realizadas pela mão direita e preenchendo a harmonia entre o cavaco e o violão de sete cordas
(RAMOS, 2016, p. 46). Entre os ícones do violão de 6 cordas, o presente Autor destaca o
pernambucano Jayme Florence “Meira” (1909-1982) que, além de grande influenciador de
numerosas gerações, foi professor de Baden Powell, Raphael Rabello e Maurício Carrilho, entre
outros. Outro grande instrumentista foi César Faria (1919-2007), pai do sambista e chorista17
Paulinho da Viola, considerado o mais importante violonista acompanhador de Jacob por
conhecer todo o seu repertório. Damázio Batista (1932-1990) era profundo conhecedor do braço
do violão, por ser também guitarrista, segundo o bandolinista Deo Rian. Hamilton Costa (1922-
2004) foi uma personalidade ímpar como músico e compositor que participou do regional de
Waldir Azevedo em Brasília, e que
conheceu Waldir Azevedo desde a sua chegada a Brasília, tendo firmado com ele laços musicais e pessoais. Tocou com o grande mestre do cavaquinho durante todo o tempo de suas atividades musicais em Brasília, tendo participado com ele de viagens e gravações. Através desta interação com Waldir Azevedo, Hamilton teve a oportunidade de ver gravadas e editadas algumas de suas composições, tanto aquelas que escreveram em parceria, como as exclusivamente suas. (VASCONCELOS NETO; OLIVEIRA, 1997 apud CLÍMACO, 2008, p. 148).
Márcia Taborda, ao citar a expressão “violão extremamente marcado”, ressalta o que se
chama, na roda, de “violão de marcação”, que consiste no violão de 6 cordas realizador de um
trabalho de acompanhamento de irrestrito apoio harmônico-rítmico, dando total segurança ao
solista. Esse violão de 6 cordas tem sido motivo de preocupação nos conjuntos de choro pelo
fato de muitos músicos estarem adotando o violão de 7 cordas em substituição ao violão de 6. A execução do terno de choro tem por característica recorrente o acompanhamento de violão extremamente marcado e sempre pontuado pela farta execução dos baixos; embora o primeiro registro identificado de um violão de sete cordas esteja por vir, a atuação do seis cordas é exatamente a mesma que reconhecemos hoje como típica do acompanhamento do sete cordas: baixos pontuando a harmonia e desempenhando a função de conduzir as partes principais; como ainda não havia nos grupos da época dois violões atuando juntos, era o violão responsável pelos baixos e o cavaquinho cumpria a função de centro da harmonia. (TABORDA, 2010, p. 141-142).
17 Termo utilizado nas Rodas de Choro para designar o praticante do gênero musical choro. O programa de
televisão “Noite dos Choristas”, na década de 1970, teve um forte impacto nacional. (CÔRTES, 2006, p. 22).
29
Concentrado na execução das frases de baixo (baixarias), o violão de 7 cordas teve
Arthur de Souza Nascimento, conhecido como Tute (1886-1957), como seu pioneiro introdutor
no choro, ao desenvolver essa linguagem contrapontística, até se chegar ao exímio expoente do
violão brasileiro Horondino Silva (1918-2006), o Dino 7 Cordas. Dino se notabilizou ao
transitar por numerosos gêneros musicais brasileiros nos trabalhos de base harmônica,
improvisos e baixos de obrigação, desenvolvendo as suas frases espontâneas que servem até
hoje como fontes de inspiração para muitas gerações de instrumentistas.
2.7 Frases de Baixo - Baixarias – Linhas de Baixo
As baixarias são os fraseados melódicos executados na região médio-grave dos violões
de seis e de sete cordas, característicos da linguagem brasileira de acompanhamento. Essas
frases melódicas, produzidas e tradicionalizadas na música brasileira, são construídas
harmonicamente por notas do acorde, de passagem, cromáticas ou de aproximação. Na
linguagem tonal, os acordes gerados a partir dos graus das escalas modelos constituem o
chamado campo harmônico18. Esses mesmos acordes geram as suas próprias escalas —
“escalas dos acordes” —, que servem de orientação para a escolha das notas que fazem parte
das frases de baixo e de improvisação. Segundo Borges (2008, p. 67): “As ‘baixarias’ do choro
geralmente são improvisadas, mas podem ser preconcebidas e elaboradas sob inúmeras
variações.” Luiz Otávio Braga (2004) sugere o termo polimelódico, em vez de contrapontístico,
para o estilo do Choro. Os chamados contrapontos são melodias simultâneas, sobrepostas e
organizadas por regras rígidas de combinações polifônicas. Apesar da existência da
improvisação na música erudita, a característica marcante do Choro é a espontânea criatividade
de inúmeras frases, que, com o tempo, se tornam modelos. Essa improvisação gerada sem a
rigidez das regras contrapontísticas universais se adapta à linguagem dos instrumentos com
base nas sequências harmônicas. As baixarias são concebidas, em sua maioria, em tempo real,
ou seja, no exato momento da execução.
A criatividade que os músicos violonistas de sete cordas possuem ao executar e gravar
o choro é assim relatada pelo músico Rogério Caetano: Nessas músicas, o Choro, o Samba, a minha parte principalmente, como violonista de 7 cordas, é a da linguagem completamente improvisada, de muita criatividade. Então, quando o músico faz uma gravação como essa, ela é o retrato de um momento que ele fez ali, mas, se você pegar 10 gravações com o mesmo músico, que tem grande qualidade, vai ver que ele fará 10 gravações diferentes. (CAETANO, 2019).
18 Chama-se campo harmônico de uma determinada tonalidade ao conjunto de acordes gerados pela superposição
de terças sobre cada um dos graus da escala dessa tonalidade. (CARRASQUEIRA, 2011, p. 124).
30
As linhas de baixo são linhas melódicas, cantáveis, formadas na passagem entre dois
acordes, conforme define Ian Guest (2006, p. 56-57). Guest ressalta a importância da linha de
baixo, criada, muitas vezes, como ponto de partida, e, quando completada pela sequência dos
acordes, resulta em inversão. A linha de baixo soa bem em alguns casos, mesmo sem o recheio
do acorde. (GUEST, op. cit.).
No caso do Choro, pode-se afirmar que é usual a combinação de duas ou três linhas de
baixo simultâneas, quando se tem a possibilidade de arregimentar um grupo de choro com três
violões. Esse efeito característico é produzido com os três baixos em linhas descendentes, por
graus conjuntos ou cromáticos, dispostos em forma paralela, executados com as notas graves
dos três instrumentos apoiadas com os polegares das mãos direitas e as levadas preenchendo o
ritmo dos compassos com o anular, o médio e o indicador.
Muitos termos foram adotados no meio popular para designar os tipos de baixarias ou
frases que se transformaram em clichês melódicos que são utilizados em diversas músicas
compostas por melodias diferentes e mesma harmonia. Esses termos são definidos de acordo
com a função exercida pelo violão de acompanhamento no contexto do arranjo ou agrupamento
musical.
O violonista e professor Marco Bertaglia define cinco tipos de baixaria: baixo de
preparação, baixo de contraponto, baixo invertido, baixo pedal e baixo de finalização. “O baixo
de preparação é aquele que define (prepara) para onde vai a harmonia do trecho musical.”
(BERTAGLIA, 2010, p. 38). Segundo Bertaglia, “geralmente aparecem nas modulações, [...]
onde não há melodia principal, nas introduções ou finais de música.” (BERTAGLIA, loc. cit.).
Quando definidas pelo próprio autor, as baixarias se denominam de obrigações, significando
que não podem ser excluídas na execução da peça. Já Luiz Otávio Braga (2004) chama de baixo
de obrigação ou chamada o baixo que preenche os espaços vazios da melodia interligando
partes ou trechos musicais. Esse autor afirma ainda que “há baixarias que nascem com a
composição e dela não devem ser sacadas.” (BRAGA, 2004, p. 34), pois poderiam soar
estranhas ou ruins. Segundo Braga (2002), a técnica de pergunta e resposta é encontrada nos
baixos de Dino Sete Cordas.
De acordo com Marco Antônio Bertaglia:
Os “Baixos de Contraponto” permitem ao violonista mostrar toda a sua capacidade de criação. São os contrapontos executados por repetição de frases iguais a ela ou mesmo usando notas de escala do acorde ou contrapondo pequenas melodias simultaneamente às principais.” (BERTAGLIA, 2010, p. 38).
Bertaglia (2010) define que as inversões dos acordes caracterizam o “Baixo Invertido”.
31
Entende-se aqui que os baixos constituídos pelas notas do próprio acorde, em estado
fundamental e em suas respectivas possibilidades de inversão, se apresentam como pilares de
referência ou pontos de apoio para o desenvolvimento das frases ou baixarias.
Já os baixos repetidos, mesmo com a mudança de harmonia (composta por diferentes
acordes), caracterizam o “Baixo Pedal”.
Os “Baixos de Finalização” são constituídos de frases ascendentes, descendentes ou
mistas que, em combinação, devem seguir critérios importantes para a sua escolha, como, por
exemplo, o tom da música para não fugir da tessitura adequada para a realização da frase e
prejudicar o efeito final. (BERTAGLIA, 2010, p. 38).
O pesquisador Fernando Duarte (2002), na introdução do seu trabalho sobre o músico
Valter Silva, descreve o uso dos baixos como contrapontos característicos da linguagem do
instrumento de 7 cordas: Seu uso como instrumento de contracanto, desenvolvendo frases na região grave (as chamadas baixarias) em diálogo com a melodia solista, é encontrado apenas no Brasil – muito embora o sete cordas também tenha aparecido em outros países, ao longo de várias épocas.” (DUARTE, 2002, p. 7).
Todo o violonista que pretende estudar a linguagem do violão brasileiro tradicional se obriga a conhecer as gravações antológicas de Horondino Silva “Dino”. Dino Sete Cordas se apresenta como uma das maiores referências do instrumento em todos os tempos, responsável pelo desenvolvimento da linguagem do acompanhamento e das baixarias criadas a partir dos instrumentos de sopro, contrapondo a uma melodia executada por um solista. O professor e violonista de sete cordas Luiz Otávio Braga expressa os vários aspectos sobre a importância funcional do violão de sete cordas, relacionando as baixarias ao baixo contínuo do barroco que impulsiona a música para a frente:
Pode-se entender a baixaria como uma contrapartida melódica feita nos graves do violão, ou de um instrumento outro qualquer, em relação à melodia principal. O principal caráter da baixaria e do violão de baixaria é manter, por assim dizer, o movimento da peça, que nem o baixo contínuo no barroco. Se você observar bem o papel do violonista de sete cordas num grupo de Choro, sua preocupação consiste em manter sempre certa mobilidade melódica na região grave da tessitura, o que implica [...] impulsionar a música, como um todo, sempre para a frente. O violão de sete cordas ou o de seis, normalmente no conjunto de Choro, [...] preenchem espaços vazios de melodia, fazendo ligacões melódicas, soldaduras, fazendo aquilo que a gente chama de ‘obrigações’ ou as ‘chamadas’, que funcionam para manter esse movimento total da composição. (BRAGA, 2002, p. 7 apud DUARTE, p. 21).
Na prática do choro tradicional, há dois aspectos importantes a observar. Nos casos em
que o violão se apresentar sem o apoio de outros instrumentos da base, tais como o cavaquinho
ou o violão de seis cordas, o instrumentista necessita apoiar o solista pela progressão harmônica,
tocando os acordes por meio do preenchimento rítmico-harmônico, chamado de “levada”, em
paralelo às baixarias. Por outro lado, com a presença de um ou dois violões, as baixarias são
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trabalhadas por intervalos de terças ou sextas a partir de uma ideia de frase. Quando o conjunto
se apresenta constituído por três violões, estabelecem-se as três vozes clássicas distintas por
intervalos de terças, sextas ou até mesmo décimas na voz aguda.
O professor Luiz Otávio Braga, ao orientar a respeito da elaboração de uma boa baixaria,
sugere como referência a observação aos critérios que devem ser adotados a partir das “cópias”
e “obrigações” constantes do repertório tradicional e, de modo geral, acionadas nos momentos
em que se encerra uma parte ou a peça toda; nos pontos de retorno, viradas ou chamadas; nos
momentos em que a melodia principal faz pausa ou se mantém pouco ativa constituindo-se por
notas longas; nas obrigações que são baixarias corriqueiras e consagradas por arranjos ou
inerentes à composição original. (BRAGA, 2002, p. 35).
3. PERCEPÇÃO INSTRUMENTAL NO CHORO
A Percepção Instrumental voltada para o universo do choro é entendida por este Autor
como sendo o ato de ouvir e perceber, por meio das gravações consagradas, os detalhes
específicos inerentes a cada função instrumental básica do solista, harmonista ou ritmista, no
contexto de um arranjo produzido e registrado em mídias particulares e/ou comerciais. Nessa
percepção instrumental, o músico busca identificar e executar o seu instrumento pelo processo
de aprendizagem por imitação, em forma de playback19, desenvolvendo e aguçando a
sensibilidade auditiva. Esse processo de aprendizado, segundo Mário Sève, é bem mais longo
e trabalhoso: “[...] aprendemos o choro ouvindo gravações, ouvindo os mestres tocarem, o que
foi ótimo. Mas eu sinto que é um tipo de aprendizado um pouco demorado.” (SÈVE, 2007, p.
16). Para Sève, as partituras editadas nos álbuns de choro contribuem para encurtar o tempo de
aprendizagem da música. É importante ressaltar que o trabalho de percepção instrumental
enriquece o vocabulário de informações musicais como um todo e facilita a memorização do
repertório que, de forma antagônica, não acontece com o músico que só estuda o instrumento
para executar o choro com o auxílio da partitura. A percepção instrumental contribui para
identificar os detalhes da linguagem específica do instrumento, das ações exercidas por eles no
contexto do arranjo e da Roda de Choro e a compreensão sobre o estilo de cada executante. Em
2006, o Instituto Jacob do Bandolim publicou os playbacks e o livro Tocando com Jacob com
as gravações das bases dos LPs “Chorinhos e Chorões” e “Primas e Bordões”, os quais
revelaram aspectos de considerável importância nos preciosos detalhes e segredos do
acompanhamento que até então não haviam sido percebidos. No processo das gravações desses
álbuns, Jacob do Bandolim recorreu aos seus próprios playbacks para ensaiar os seus
consagrados solos, antes de realizar as gravações definitivas.
Hamilton de Holanda revela a importância de seu início como solista, ao lado do seu
irmão Fernando César acompanhador, sob a orientação de José Américo, seu genitor:
Agora, é fundamental, para tocar, para ter uma participação legal numa Roda de Choro ou o próprio estilo ou a característica do estilo, o músico ter repertório decorado, por exemplo, e, para isso, a percepção instrumental é fundamental. Você tirar as músicas de ouvido imitando as gravações, porque o que ficou clássico foram as gravações, não foram as partituras. [...]. Então, o Choro tem uma particularidade, e eu acho que, para o violonista, é fundamental, e quanto mais música tirar através dessa percepção, mais capacidade ele vai ter de tocar uma música de primeira [...]. Eu mesmo comecei assim. Meu pai tirava o LP ali da caixinha, botava para tocar na vitrola e ia colocando a agulha. Eu tirava a agulha, parava um pedaço a primeira parte. Terminava a primeira parte, levantava a agulha e reiniciava. (HOLANDA, 2019).
19 Playback – Consiste na gravação prévia de um trabalho musical que é usada como base para o estudo ou
apresentação de um solista sem a presença de um grupo ao vivo.
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Outro depoimento importante sobre a percepção instrumental para o autor deste trabalho
é do performer, autor, solista e acompanhador Rogério Caetano (n. 1977). Caetano (2019)
revela a sua dedicação, durante 15 anos da sua vida, ao estudo da linguagem brasileira do violão
de sete cordas, pesquisando e aprendendo a obra de Horondino Silva20, o conhecido Dino Sete
Cordas. A percepção instrumental é fundamental porque todo mundo começa por esse processo de imitação. Eu mesmo passei por esse processo com o Dino. Dediquei uns 15 anos da minha vida, Rafael Rabelo21 também. O processo de imitação ele faz parte do início de qualquer pessoa que quer tocar uma linguagem criativa dessa como o choro e o samba. Dominar mesmo com profundidade essa linguagem, tem que passar por esse processo de imitar e depois criar sua própria forma de tocar, mas inicialmente você tem que ter uma referência, um padrão para seguir. É de importância fundamental. (CAETANO, 2019).
Entende-se a Percepção Instrumental Harmônica como sendo a prática da audição de
músicas com o objetivo de identificar os acordes em sequências harmônicas com a utilização
do instrumento. Busca-se identificar os clichês tradicionais até alcançar o estágio das
concepções modulantes mais avançadas e seus efeitos enriquecedores. O performer Hamilton
de Holanda (2019) denomina de antena harmônica a capacidade do músico de perceber as
modulações ao executar um acompanhamento para uma determinada melodia: “[...] a antena
harmônica, a capacidade de ter um ouvido e saber onde está a música, em que acorde está, em
que parte está.”. É importante para o músico harmonizador conhecer previamente as sequências
harmônicas tradicionais que se apresentam como pilares de orientação para o desenvolvimento
e a formação do acompanhador.
3.1 Uso dos Equipamentos de Mídias
No aprendizado inicial e constante a partir da década de 1970, no acompanhamento do
choro ao violão, e na busca das melodias ao bandolim, vivenciei as diversas formas e recursos
ao meu alcance, para ouvir e trabalhar a percepção instrumental, e me lembro de detalhes
importantes nesse processo, com a utilização da vitrola e da radiola, ambos os aparelhos para
reproduzir os compactos duplos e LPs, quando era necessário colocar as agulhas nas trilhas dos
discos em giro na bandeja, os gravadores reprodutores de fitas de rolo, os gravadores
reprodutores de fitas K7, os gravadores chamados “Três em Um”, os quais ofereciam
20 Horondino José da Silva (1918-2006) – Dino Sete Cordas – consolidou a linguagem e a afinação do violão de
sete cordas no Brasil. Fez parceria com o pernambucano violonista de 6 cordas Jayme Florence (1909-1982) e participou do Regional de Benedito Lacerda e, posteriormente, do Regional do Canhoto (do cavaquinho). (GEUS, 2009 apud PAULETTI, 2017, p. 50-51).
21 Rafael Rabello (1962-1995) – Importante violonista brasileiro, discípulo de Meira e seguidor da escola do violão brasileiro que muito contribuiu para a linguagem do choro. (PAULETTI, 2017, p. 65).
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conjuntamente as possibilidades de escolher o tipo de mídia a ser tocado: CDs, Fitas K7 ou a
sintonização na rádio preferida e os mais recentes equipamentos de multimídia que são os
nossos computadores. Recordo-me que, ao usar as vitrolas e as radiolas, existia a dificuldade
de igualar o som da gravação com a afinação dos instrumentos no diapasão (Lá 440 Hz) por
causa das rotações alteradas desses aparelhos devido a problemas com a qualidade dos motores
que acionavam as bandejas para o movimento rotatório dos LPs e pelos desgastes das peças
provocados pelo uso frequente e pelas alterações na tensão elétrica. Já nas fitas de rolo e K7,
havia problemas de rotação, entrelace e quebra nos carretéis, além da ruptura das fitas nos
cartuchos do K7, provocando alterações na afinação da música reproduzida e, portanto,
dificultando a identificação precisa da afinação na percepção instrumental. Com a chegada do
CD, passei a ter certa facilidade para operar o equipamento e reproduzir as mídias com mais
agilidade e a melhoria na precisão dos andamentos e localização dos pontos de marcação do
tempo em cada faixa da gravação através de um display, mas ainda havia problemas com o
leitor dos aparelhos de CD. Com o sistema multimídia dos computadores, houve um avanço
significativo em busca da reprodução ideal, mais afinada, além do recurso de poder alterar a
velocidade ou o andamento de reprodução da mídia sem alterar a afinação original da música.
Hoje em dia, com a internet, o avanço tecnológico dos equipamentos de vídeo, câmaras de
celulares e disponibilidade de acesso a inúmeras gravações de artistas, incluindo videoaulas,
passei praticamente a ter todas as informações necessárias para ampliar a minha preparação na
instrução como um candidato a instrumentista performer de choro.
3.2 Transcrição no Choro
Transcrição musical é a ação objetiva de representar, numa partitura manuscrita e/ou
seu registro imediato em edição impressa, a informação musical obtida através do ouvido
(percepção instrumental). A produção fonográfica em mídias diversas e a transcrição são
elementos importantes para o registro documental, para a preservação e a perpetuação da obra.
Entendo que, no ato da transcrição da melodia cifrada dos Choros, que se encontram
registrados em mídias ou executados pelos próprios compositores em tempo real, se faz
necessário filtrar efetivamente, com o máximo de precisão, os numerosos problemas
encontrados ao decifrar a ideia central da composição, pois a representação deve ser clara e o
mais próxima possível do essencial, observando as diferenças entre o fio condutor principal da
composição e as inúmeras possibilidades interpretativas ricas em ornamentos, efeitos,
improvisos e frases características do estilo de cada intérprete. O objetivo principal da
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transcrição de música popular é a representação da intenção do compositor como um guia para
a experiência musical. Conforme abordado por Marcos Napolitano: A partitura é apenas um mapa, um guia para a experiência musical significativa, proporcionada pela interpretação e pela audição da obra. Seria o mesmo equívoco de olhar um mapa qualquer e pensar que já se conhece o lugar nele representado. No caso da música popular, o registro fonográfico se coloca como eixo central das abordagens críticas, principalmente porque a liberdade do performer (cantor, arranjador ou instrumentista) em relação à notação básica da partitura é muito grande. (NAPOLITANO, 2002, p. 57- 58, grifo do autor).
O violonista e arranjador Maurício Carrilho, em entrevista a Chediak (2007), considera
que determinadas perspicácias são quase impossíveis de serem colocadas numa partitura de
choro. [...] a coisa mais importante do Choro são essas sutilezas que foram passadas de geração em geração. E que não são possíveis de serem colocadas em partitura, não dá pra escrever isso, não dá pra codificar. São coisas que você só pega convivendo, tocando junto, prestando atenção. (CHEDIAK, 2007, p. 42)
As sutilezas que Maurício Carrilho comenta são aspectos inerentes ao estilo de tocar, na
prática de conjunto ou na roda de choro, e que consistem em variadas formas de expressões,
agógica, rubato, ornamentos e até mesmo efeitos sonoros que podem ser observados,
representados e transcritos quando se deseja conhecer os traços interpretativos de cada
executante. Como trabalho de pesquisa para estudo do estilo interpretativo do compositor,
entendo que se torna extremamente válido, mas o foco no eixo condutor da obra, ao transcrever,
facilita a leitura e multiplica as possibilidades de interesse do músico em tocar, pois a escrita
real resultaria em uma complexa partitura de difícil leitura e tradução.
Já o maestro Nenéu Liberalquino cita os aspectos da memória musical, da escrita e da
assimilação da linguagem: É incomensurável a importância da transcrição, pois, em geral, você jamais esquece aquilo que transcreve, além de desenvolver a escrita musical e a assimilação da linguagem em todos os seus aspectos: melódico, rítmico e harmônico. (LIBERALQUINO, 2019).
Ressalte-se que, para realizar a atividade de transcrição, é necessário ao aspirante
elaborador habilitar-se na preparação prévia ao conhecimento da linguagem da música —refiro-
me aqui à preparação fundamentada na teoria, na harmonia e no ritmo da música popular —,
bem como na vivência prática no ambiente musical onde é encontrada grande parte dos gêneros
musicais populares (frequências às rodas de choro) e na capacidade de percepção aguçada e
acuidade na tradução eficaz da composição para a escrita musical.
Para designar o músico habilitado em passar as músicas gravadas em mídias para a
versão escrita, sugiro a expressão degravador musical, ou seja, músico que realiza a
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degravação22. Já para o músico que realiza as transcrições das músicas, a partir do seu próprio
ato de compor ou com a presença do compositor ao seu lado para orientar e informar
precisamente sobre as nuanças de sua ideia de composição, sugiro a expressão transcritor
musical.
A minha experiência como degravador musical iniciou em 1979, ao ingressar como
discente no Conservatório Pernambucano de Música. Ao habilitar-me na teoria musical e em
solfejo com o professor Severino Revoredo, fui, aos poucos, interessando-me por estudar os
exercícios melódicos dos métodos de bandolim, os harmônicos e cifragens dos métodos de
violão em concomitância com as melodias das partituras de choro manuscritas e impressas que
adquiri com colegas professores e músicos. Enveredando no universo do choro, interessei-me
em tocar os executados por Jacob do Bandolim em gravações registradas nas fitas de rolo e fitas
K7 do acervo do meu pai. Eram gravações comerciais e também rodas informais nas residências
do próprio Jacob, em Jacarepaguá, e da pianista Neusa França, em Brasília, na década de 1960.
Surpreendi-me com a riqueza de detalhes de cada número musical apresentado nesses
documentos sonoros, que acredito sejam as sutilezas tão observadas por Maurício Carrilho em
relato a Chediak. Imensuráveis problemas foram surgindo à medida que fui tentando transcrever
o que Jacob do Bandolim tocava até que resolvi parar a transcrição e analisar algumas de suas
composições impressas, comparando-as às suas interpretações, e acabei percebendo o quanto
de simplicidade existia no papel e o quanto de riqueza e complexidade havia na execução.
Assim, compreendi que a transcrição pode representar a ideia principal do autor e que o
intérprete a transforma ao seu estilo e modo de execução. Alguns autores e pesquisadores
escreveram e analisaram a interpretação de Jacob em trabalhos importantes. Sabemos, porém,
que, na realidade, se trata de uma aproximação do que Jacob realizava, porque a escrita real
resultaria em uma complexa partitura de difícil leitura e tradução, pelo idiomatismo
instrumental e pela fragmentação rítmica.
Vivenciei experiências interessantes nos trabalhos de transcritor das músicas de Cláudio
Souza (1923-2018) e Canhoto da Paraíba23 (1926-2008).
Cláudio Souza foi um cavaquinista24 performer, compositor e frequentador de
numerosas rodas de choro em Recife-PE. Nos encontros com Cláudio Souza nessas rodas, na
22 Degravação é termo usado no meio jurídico para se referir à versão escrita fidedigna de qualquer conteúdo de
áudio gravado. 23 Canhoto da Paraíba foi um violonista nascido em Princesa-PB que ganhou notoriedade pela amizade que
adquiriu com Jacob do Bandolim, Radamés Gnattali e Paulinho da Viola. Conhecido também na intimidade por Chico Soares, Canhotinho, Curinguinha e Sacristão. Radamés Gnattali se interessou em escrever peças eruditas inspirado na obra de Canhoto.
24 Cavaquinista é termo utilizado no meio popular para expressar o tocador de cavaquinho.
38
intimidade das residências dos amigos, sempre perguntei a ele “por qual motivo os músicos não
conheciam nem tocavam as suas vinte e poucas peças solo para cavaquinho.” Durante muitos
anos compondo e memorizando, Cláudio Souza nunca se preocupou em transcrever as suas
composições porque possuía um gravador onde registrava o áudio em fita K7. Iniciei uma
conversa com ele propondo a transcrição da sua obra em forma de colaborador, mas, de início,
deparei-me com um problema: onde e quando? Lembrei que ele residia próximo à Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE) e bastaria ele ir à porta da sala onde eu fazia o Curso de
Licenciatura em Música para realizarmos o trabalho. Assim foi feito, e, nos intervalos das aulas,
entre um horário e outro das disciplinas, foram escritas cerca de 20 músicas. A transcrição por
mim realizada foi em manuscrito por um período de dois anos, ininterruptamente, por causa
dos afazeres acadêmicos de ambos. Como, na época, eu e Cláudio Souza não tínhamos acesso
a computadores e, menos ainda, aos editores de partituras, solicitamos que colegas próximos
editassem as partituras para que pudéssemos divulgar as obras. Houve o interesse por parte de
Inaldo Moreira25 (1937-2017), que exercia o trabalho de transcritor musical direto, ou seja,
compunha e transcrevia as suas obras e a dos amigos diretamente ao computador usando o
editor de partituras Encore. O comprometimento de Inaldo foi tão grande que ele procurou
Cláudio Souza para conferir o que eu havia escrito inicialmente. O resultado foi surpreendente
porque a escrita impressa formatada por Inaldo Moreira apresentava os detalhes de
interpretação, tendo sido refeito para o formato mais simples apresentando o eixo condutor das
obras e da intenção do autor.
Canhoto da Paraíba (1926-2008) foi um artista de uma simplicidade ímpar. O convívio
com Manoel Xavier de Brito, meu pai, conhecido como Tozinho (1920-1976), era familiar e
constituído de uma amizade sincera. Chico Soares se referia a Tozinho (violonista de 7 cordas)
como sendo o único acompanhador que conhecia todo o seu repertório. Nos ensaios e rodas de
choro, testemunhei o entrosamento e o diálogo musical entre os dois, a criação e o
desenvolvimento de vários temas ocorridos no período entre 1965 e 1975. Com o passamento
de meu pai em 1976, passei a encontrar Canhoto em eventos esporádicos, nos bares, boates e
casas de shows em Recife e Olinda. Percebi, então, o quanto Canhoto era admirado pelos
chorões nacionais, e muitos, entre os quais Maurício Carrilho, cobravam de nós, amigos
próximos, as partituras de Chico Soares. Deparei-me com um problema: como escrever para
violão as peças de um músico canhoto que tocava o instrumento invertido, sem trocar a posição
das cordas? Percebendo que haveria muitas dificuldades em transcrever na posição inversa,
25 Inaldo Moreira era Doutor em Economia e professor da UFPE. Após a aposentadoria, criou mais de 400 obras,
entre frevos, choros, valsas e arranjos sinfônicos. (MEDEIROS, 2017).
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estilo do violão de Canhoto, decidi escrever a melodia cifrada para facilitar o acesso a todos os
interessados em tocar a sua obra. Então, com auxílio e correção do próprio Canhoto, em sua
residência, realizei a transcrição em manuscrito das seguintes músicas: Agudinho, Casa de
Seresta e Cordão Amigo. Já as músicas Glória da Relâmpago, Saudades de Princesa e
Reencontro com Paulinho foram cedidas ao Trio de Câmara Brasileiro, para um projeto
denominado “Saudades de Princesa”, pelo que venceram o 22.º Prêmio da Música Brasileira
“Categoria Instrumental – Melhor Grupo”. A Valsa a Tozinho, dedicada a Manoel Xavier de
Brito, é uma degravação feita a partir de registros dos meus arquivos e arranjado para ser
gravado pelo Sexteto Capibaribe26, em homenagem a Canhoto da Paraíba para o evento
denominado “Revendo um Amigo”, realizado em 26 de fevereiro de 2004.
A Valsa a Tozinho fez parte do repertório do meu II Recital do Mestrado, em 03 de
outubro de 2019. A experiência com as degravações e transcrições das músicas de Canhoto da
Paraíba me fez perceber que, além do eixo principal da composição, existe também a transcrição
feita na linguagem e no idiomatismo específico de cada instrumento, sendo necessário um
especialista e também, muitas vezes, a presença do próprio compositor para passar os detalhes
do seu estilo ou maneira de tocar.
Outra experiência importante no trabalho de transcritor foi a minha participação no
projeto “Brasil na Pauta”, a convite do editor Ricardo da Fonseca, sobre a obra do bandolinista
pernambucano Luperce Miranda:
A tarefa foi árdua sim; pelo fato de encontrarmos as gravações originais em diversas rotações e afinações, dificultando a percepção dos detalhes de contraponto e harmonia, mas gratificante; porque registramos uma linguagem tão rica em informações fraseológicas, soluções de dedilhados, formas de articulações e de expressão. (BRITO apud DA FONSECA; MEDEIROS, [s.d.], p. 3).
Devido às diferenças de afinação com o padrão universal — Lá 440 Hz —, utilizei um
bandolim antigo que já havia sofrido um empeno no braço e encordoei-o com um material dos
mais resistentes, próprio para guitarra elétrica, com o objetivo de fazê-lo suportar a pressão de
um tom e meio acima do diapasão universal. Alguns podem perguntar-me: “— Por que não
usou as mídias eletrônicas, até para mudar o andamento das gravações, sem alterar a afinação?”
Optei pelo trabalho de percepção instrumental baseado aproximadamente nos andamentos
originais para que os pudesse vivenciar, na prática, certificando as possibilidades de execução
das peças ao bandolim por imitação.
26 Sexteto Capibaribe – Grupo formado por componentes egressos do Conservatório Pernambucano de Música que
produziu o projeto Compositores Pernambucanos, Volumes I e II, em 2005 e 2006, pela LG Produções Artísticas.
40
É pertinente lembrar que, após a percepção instrumental, é vultoso o procedimento da
transcrição manual — com lápis grafite, entre números 2B e 6B, em papel pentagramado de
boa qualidade. Esse formato artesanal de elaboração da partitura é recomendado por Ian Guest
para arranjos, podendo-se aplicar ao trabalho de transcrição (escrita). (GUEST, 1996, p. 128).
Já a transcrição (impressa) realizada diretamente nos softwares e equipamentos de informática
— segundo Ian Guest (1996) —, só é interessante produzir como tarefa posterior à manuscrita
para não atrapalhar o processo criativo. Atualmente, alguns músicos compositores e
arranjadores, entre os quais posso inserir-me, conseguem certa desenvoltura na habilidade de
escrever diretamente nos programas de música sem o auxílio de lápis e papel. Com o exercício
intenso dessa atividade de transcrição direta nos softwares, o processo de elaboração e
digitalização da partitura se torna mais rápido, com a possibilidade de fazer as correções devidas
pela audição no sistema MIDI27, contribuindo para uma melhor qualidade de impressão e
exatidão da informação, facilitando o acesso ao documento impresso em diversos formatos de
arquivos digitais.
3.3 O Processo de Escuta
No trabalho de orientação e ensino da Percepção dos Solos, observamos aspectos
importantes que podem ser utilizados no setor acadêmico para a formação do performer solista.
A visão plena da música é o critério norteador que adotamos no processo de orientação e ensino
na formação do solista. O trabalho da percepção, em muitos casos, é dificultado pela falta de
bons equipamentos de reprodução fonográfica e pelas gravações que não se apresentam muito
claras e bem definidas. A desmotivação em se fazer a percepção musical de solos em gravações
consagradas se dá por causa de produções fonográficas que, muitas vezes, não foram produzidas
com critérios de um bom trabalho de mixagem e masterização, contribuindo com a ausência de
equalização eficiente e acentuado desequilíbrio nos volumes dos canais, provocando o excesso
de informação instrumental, ruídos e até mesmo questões de afinação. Ao proceder com essa
atividade no trabalho, adotamos os seguintes critérios: em primeiro lugar, perceber a verdadeira
melodia do instrumento escolhido como solista; em segundo plano, a harmonia através das
sequências harmônicas que podem indicar a intenção melódica dos trechos musicais
considerando as escalas dos acordes. O baixo que pode determinar em muitas situações, mesmo
invertido, a função harmônica e, finalmente, como último recurso, o ritmo, conforme as leis do
27 Sigla de Musical Instrument Digital Interface, ou seja, Interface Digital para Instrumentos Musicais. É o
conjunto de especificações padronizadas utilizado por fabricantes de instrumentos eletrônicos musicais, ou não, e que permite que instrumentos de fabricantes diferentes possam ser interligados com total compatibilidade. (MACHADO, 2001).
41
contraponto em que os tempos fortes sevem de apoio à definição da harmonia.
Lembramos que o processo de escuta ao vivo se torna o ideal para todo e qualquer
transcritor, porém estaria atuando in loco no ato da execução. Advertimos que didaticamente as
gravações consagradas facilitam o desenvolvimento do aprendizado do transcritor e do
degravador por já estarem prontas e bem definidas. Já o processo ao vivo implica demanda de
tempo, consciência do instrumentista em lembrar exatamente o que construiu originalmente (o
que não acontece com o músico popular por ser extremamente criativo), dificultando a
realização plena da tarefa da transcrição.
4. ASPECTOS INTERPRETATIVOS ORIUNDOS DA RODA DE CHORO
O instrumentista de cordas dedilhadas, no Brasil, tem recebido das Rodas de Choro
Tradicionais grandes contribuições para sua formação musical, provindas da transmissão oral.
O solista e o acompanhador frequentam esses importantes ambientes de formação artística em
busca da prática de conjunto para desenvolver algumas habilidades voltadas à performance
técnica, interpretativa e perceptiva. As reuniões, saraus e escolas espalhados pelo país são
aportes musicais significativos para a formação e o conhecimento in loco de música brasileira.
Segundo o músico Maurício Carrilho, em seu depoimento ao projeto Brasil Toca Choro, o
instrumentista, atuando nesse ambiente, passa a conhecer e ampliar um repertório constituído
por diversos gêneros musicais distintos “abrigados pelo manto do choro” (CARRILHO, 2016,
p. 12). Com a frequente participação nas reuniões, o músico instrumentista exercita a
memorização do extenso repertório, o que facilita a execução, tornando mais natural a sua
interpretação sem a preocupação com a leitura de partituras. O músico Sérgio Prata,, ao ser por
mim interpelado sobre as contribuições da Roda de Choro para a formação do músico
instrumentista, expôs a sua opinião considerando como colaboração principal a educação do
ouvido. (PRATA, 2019, grifo nosso). Explicito a minha opinião concordando com a de Sérgio
Prata e com a declaração de Hamilton de Holanda (2019) sobre a visão completa de 360 graus
para o músico, quando, em tempo real, são apresentados os três elementos básicos da música,
a melodia, harmonia e o ritmo, aumentando a capacidade do executante de reconhecer os sons
e reproduzi-los no seu instrumento. O músico franco-alemão Olivier Lob (2019) destaca a
questão emotiva ao revelar que é completamente diferente da aprendizagem particular ou
individual, quando se exerce em grupo: “A emoção quando tocamos em conjunto numa roda é
completamente diferente da aprendizagem em casa, porque essa emoção é uma interação com
outras pessoas.” (LOB, 2019). A interação social referenciada por Lob (2019), ao tocar junto
com outros companheiros nesses encontros musicais, oportuniza a convivência com
personalidades que, em muitos casos, se tornam amigos pessoais, passando a fazer parte de uma
grande família musical. Para o músico Rogério Caetano, a Roda de Choro é o ambiente
formador dos grandes músicos brasileiros. (CAETANO, 2019).
4.1 Prática de Conjunto
Segundo Braga (2019): “A eficiência da roda de choro é uma questão de necessidade: a
necessidade que se tem de fazer música em conjunto, independentemente de estilo e de gênero”.
Pois há, na Roda de Choro, muita troca de informações; ademais, ele pode dialogar, segundo
43
Olivier Lob (2019), em forma de conversa ou provocação em uma brincadeira séria em um jogo
de expectativas e surpresas vivendo a música plenamente. Basta um violão para fazer de uma
melodia uma música inteira, uma música viva. Para Fernando César, o “fazer a música orgânica
é totalmente diferente do tocar sozinho ou com a gravação.” (CÉSAR, 2019). Aprender a
respirar juntos, o solista e o acompanhador saindo do ambiente de estudo individual com
partitura ou gravação. O violonista e produtor Caio Cézar (2019) afirma que a Roda de Choro
“proporciona ao violonista acompanhador o desenvolvimento de várias habilidades”,
destacando “a prática de conjunto” em que se exercita a percepção musical numa amplitude
considerável, alargando a vivência necessária à compreensão, como um todo, dos aspectos
melódicos, contrapontísticos, harmônicos e rítmicos das peças. Em muitos casos, pratica-se a
experimentação tímbrica em que se busca uma sonoridade específica a partir de uma proposta
de arranjo coletivo.
4.2 Transmissão Oral
Historicamente, no ambiente musical popular informal, o músico, ao ser perguntado
sobre a sua formação básica e se tocava por música28, geralmente respondia: “— Não! eu só sei
tocar de ouvido.” Essa é uma prática habitual e peculiar no ambiente do choro que se estende
desde o início e consiste na arte de executar a música sem o auxílio da partitura que, em muitos
casos, são característicos dos instrumentistas de acompanhamento. O autor Pedro Aragão
observou, em sua análise do livro “O Choro de Alexandre Gonçalves Pinto”, que muitos
choristas29, no princípio, lidavam com a música escrita para executar as melodias, mas os
padrões rítmicos e os contracantos melódicos normalmente eram aprendidos por meio da
oralidade. (ARAGÃO, 2013, p. 161-166).
O pesquisador Carlos Sandroni sugere a qualificação do ensino em “invisível” ou “não
explícito”, ao considerar o “carácter sistemático de que pode revestir-se o aprendizado de
música fora das instituições escolares, e em particular na cultura popular brasileira.”
(SANDRONI, 2000, p. 21). Ao entrevistar os alunos de violão particular do Mestre Meira,
Sandroni observou que ele reunia em grupos os discípulos após as aulas com os métodos
tradicionais, pela necessidade de se criar o ambiente da oralidade das Rodas de Choro e de
Samba para adquirir uma aprendizagem prática como complemento às aulas didáticas. Em
28 Tocar por música é a expressão que se emprega no meio das Rodas de Choro para designar o músico que toca
lendo a partitura. 29 Praticantes do gênero musical choro.
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depoimento à pesquisadora Myriam Taubkin, o músico e professor Maurício Carrilho relata as
contribuições importantes da oralidade, adquiridas com o Mestre Meira na tarefa de
acompanhar buscando os acordes, as modulações, os baixos de obrigação, as conduções de
vozes, as levadas rítmicas específicas, e as possibilidades em procedimento lúdico do uso das
substituições de acordes e das rearmonizações de improvisos:
Quando chegava oito horas os livros eram fechados, as estantes guardadas e começava o treinamento mais importante que um músico pode ter na vida: tocar. Ouvir e tocar (...) e um atrás do outro os gêneros musicais das mais diversas regiões eram tocados: choro, polca, valsa, schottish, bolero, samba, tango argentino, fox-trot, ragtime, frevo, habanera, mazurca, [...]. Quando eu achava que ia descansar, começava tudo de novo em outro tom. A sensação era de estar descendo a estrada do Corcovado numa estrada sem freio. Sobreviver era se manter na música sem parar, vencendo cada compasso desconhecido, memorizando os caminhos que seriam percorridos mais uma vez na repetição das partes, para acertar o que não tinha saído correto na primeira passada. Gradativamente o acompanhamento ia sendo composto: primeiro os acordes iam sendo encontrados, as modulações entendidas, depois os baixos obrigatórios, a condução das vozes, as levadas rítmicas apropriadas, e por fim, as brincadeiras, as substituições de acordes, as rearmonizações de improviso [...] e assim, de ouvido, aprendi o acompanhamento de centenas de músicas que eu desejasse tocar. (CARRILHO apud ROSA, 2018, p. 567).
O performer Hamilton de Holanda afirma que, nessas reuniões, se encontram os três
elementos básicos da música que são: melodia, harmonia e ritmo, em tempo real, propiciando
ao desenvolvimento da antena melódica para o solista; da antena harmônica para o
acompanhador e da rítmica para o percussionista:
Eu acho que a Roda de Choro dá uma visão de 360 graus para o músico. Em geral para acompanhador também, ou seja, justamente por ser uma roda, você tem uma visão completa da música então o pandeiro está por perto, o bandolim ou outro instrumento solista vai estar por perto, o cavaquinho também, e isso possibilita, vamos dizer assim, uma antena harmônica mais precisa, que você fica sempre com os três elementos básicos da música: a harmonia, a melodia e o ritmo estão sempre à mão ali, na roda. Então, isso facilita a antena, como eu falei, a antena harmônica, a capacidade de ter um ouvido e saber onde está a música, em que acorde, em que parte está. (HOLANDA, 2019).
Para o maestro Nenéu Liberalquino (2019), “o violonista acompanhador aprende na
Roda de Choro tocando, vendo e ouvindo os outros tocarem, de forma objetiva e concreta.”
É fortalecendo a capacidade de perceber a melodia, a harmonia e o ritmo, somando ao
conhecimento da forma da música em partes A, B ou C, que a Roda de Choro contribui
decisivamente para a formação prática do músico instrumentista. Nota-se que, ao participar das
Rodas de Choro, o músico adquire uma experiência importante para sua trajetória artística em
vários aspectos relevantes que são decorrentes da oralidade. O praticante do Choro pode-
-se preparar estudando os métodos consagrados para orientar-se sobre a técnica específica e o
idiomatismo no instrumento. O conhecimento e a memorização do repertório através da
percepção instrumental, a partir das gravações consagradas, têm a sua importância nesse
45
processo de formação, porém a oralidade complementa o conhecimento, proporcionando a
observação e a apreensão de detalhes fundamentais que, em alguns casos de registros
fonográficos e em partituras, não podem ser traduzidos por textos, tais como expressões, estilos,
rubato ou frases, por exemplo. A participação constante do fazer musical na Roda concorre
para o aprendizado peculiar sobre as indicações gestuais e verbais, para o desenvolvimento da
percepção musical de forma geral e para o exercício da livre expressão criativa. A prática da
Roda de Choro está intrinsecamente ligada ao hábito de, “em muitos casos”, ler as partituras,
ouvir, perceber, dialogar, improvisar e criar novas melodias.
Ao solista cabe preparar-se para executar as peças com certa fluência, e ao
acompanhador, embasar-se no estudo das harmonias tonais, nas funções dos acordes e campos
harmônicos específicos da música popular que estão presentes em grande parte desse repertório.
É com a música praticada em conjunto e com a vivência na Roda que se aprende a linguagem
do choro. É extremamente notória a importância da oralidade para a complementação da
formação de um músico de Choro, que adquire a habilidade necessária para uma desenvoltura
satisfatória ao exercitar e apurar o ouvido, ao enxergar os dedilhados melódicos e as montagens
dos acordes na observação do companheiro que toca ao seu lado, ao verbalizar sobre os detalhes
de mudança de andamento, expressão, modulação, breques e dinâmicas, e ao se arvorar
improvisando de forma descontraída.
Geralmente, procura-se o músico mais experiente ou responsável pela roda, para se
inteirar sobre o repertório a ser tocado. Esse mesmo músico conhecedor do ambiente passa a
orientar os inexperientes, realizando as indicações necessárias para a compreensão e a boa
execução das peças. É importante atentar para o fato de que, em alguns casos, nesses encontros,
as músicas tradicionais se revestem de novas ideias de execução ou de arranjos, o que pode
surpreender aqueles não habituados com essas mudanças. Nesses casos, é necessário recorrer
aos que possuem uma maior vivência para que se possa entender as transformações. O exercício
pleno da oralidade e da prática do ouvido intuitivo30 se dá no diálogo verbal com os mais
experientes, somando-se a observação visual e a percepção auditiva que são praticadas na Roda
de Choro.
30 Ouvido intuitivo – Expressão utilizada nas rodas de choro para designar a habilidade do músico acompanhador
em harmonizar as peças, no ato de sua execução, sem a utilização de uma partitura ou qualquer recurso de leitura.
46
4.3 A Interpretação no Choro
4.3.1 Expressividade Um dos mais importantes aspectos a serem observados e praticados na performance do
Choro é com relação à expressividade que se constitui na maneira e no estilo que cada
participante desenvolve. De certo modo, concebe-se um estilo de tocar, a partir da observação
ou da imitação dos modelos de performance registrados em gravações por parte de alguns
músicos renomados. É na roda que a expressividade tende a aflorar com bastante evidência. O
violonista Caio Cézar relata as possibilidades de exercitar as dinâmicas tão presentes nas
composições do universo do Choro. (CÉZAR, 2019). O exercício da expressão, na interpretação
musical, se faz no exato momento da prática de conjunto e é conduzido por gestos e diálogos
verbais. Basta um olhar, um movimento de cabeça ou até mesmo um “psiu” (condenado por
muitos), para se estabelecer o momento exato de apresentar essa dinâmica expressiva de grupo.
Jacob do Bandolim se notabilizou por sua expressividade musical como um intérprete
inesquecível. Segundo a pesquisadora Ermelinda Paz:
Jacob foi-se firmando no meio musical como um músico sério, muito preocupado com a preservação das nossas raízes culturais. Dessa preocupação nasceu e se cristalizou um intérprete inesquecível. Muitas composições esquecidas e algumas que não tinham conseguido nenhum sucesso na interpretação de seus autores ganharam com Jacob uma nova roupagem, através de uma interpretação particularíssima, na qual a musicalidade eclodia a cada nota, a cada novo fraseado, com um colorido harmônico diferente que vivificava as composições. (PAZ, 1997, p. 33).
Jacob do Bandolim, nos ensaios e apresentações artísticas, exigia dos seus
acompanhadores, de forma constante, a atenção obstinada pelas expressões e fraseados que
eram bem preparados e executados por ele como solista. Ao conduzir as mudanças de
andamentos e expressividade, com muito esmero para não se perder a sintonia entre solo e
acompanhamento, Jacob praticava música brasileira instrumental e, às vezes, vocal com um
grau de exigência das grandes práticas de música erudita, mesmo executando música popular.
Essa imposição era o requisito primordial exigido por Jacob para o acompanhador participar do
seu grupo e para que ele próprio pudesse mostrar o grau de expressividade musical que possuía
e que o fez célebre.
Em depoimento sobre Jacob do Bandolim, Hermínio Bello de Carvalho afirma: “Jacob
era sobretudo um virtuose, não de técnica, ele era um virtuose na interpretação, no fraseado.”
(PAZ, 1997, p. 74). A expressividade alcançada por Jacob como a característica fundamental
do Choro é citada no trabalho do pesquisador Almir Côrtes sobre uma nova dimensão
interpretativa, por meio dos elementos levantados pela da audição, pela transcrição e pela
47
análise musical: Expressividade alcançada através de recursos técnicos como rubato, portamento, glissando, vibrato, staccato e notas percussivas, que contribuíram também para a criação de uma escola de bandolim brasileira, hoje seguida pela maioria dos bandolinistas. (PAZ, 1997, p. 61 apud CÔRTES, 2006, p. 85).
Outro depoimento importante sobre a expressividade musical do choro tocado por Jacob
é encontrado em Cazes (2000):
Seus méritos vão desde os quesitos básicos de sonoridade e afinação, até os mínimos detalhes de expressividade. Com uma execução bem-acabada, repertório precioso e extremo capricho em cada registro, Jacob do Bandolim construiu uma ampla discografia – mais de duzentas gravações – que hoje é considerada como a mais valiosa do instrumental popular brasileiro. (CAZES, 2000, p. 25 apud CÔRTES, 2006, p. 1).
A expressividade artística se apresenta desenvolvida na chamada Música de Câmara,
que consiste em peças escritas para grupos com um número pequeno de músicos, que
antigamente se acomodavam nas câmaras de um palácio. Vivian Carvalho e Sônia Ray
ressaltam a importância da prática camerística na formação do professor de instrumento
musical: A prática de música de câmara pode ser ferramenta poderosa na formação do músico-pedagogo uma vez que esta proporciona ao aluno a busca de sua maneira de expressar artisticamente e manter sua própria identidade, sem medo de ser único na sua maneira de ser. Ela também pode propiciar uma maior bagagem musical e técnica para a interpretação, já que há uma grande troca de conhecimentos entre os colegas sobre aspectos como de execução e sonoridade, ou seja, maneiras diferentes de expressão de cada indivíduo que podem ser combinadas de maneira satisfatória para todos. [...] através da experiência em tocar em conjunto o aluno aprende novos recursos de sonoridade existentes em outro instrumento, podendo transferir para o seu. (CARVALHO; RAY, 2006, p. 1028).
Os agrupamentos instrumentais acústicos do choro se apresentam em média com 5 a 7
componentes, podendo estabelecer uma relação da música de câmara com os grupos de choro.
Os famosos saraus na residência de Jacob do Bandolim provocaram o interesse por parte do
poeta e produtor Hermínio Bello de Carvalho em levar todo aquele ambiente musical para o
Teatro, tal era a expressividade alcançada e a riqueza de detalhes desses encontros.
4.3.2 Emoção
No contexto social das Rodas de Choro, são vivenciadas situações de inesperadas
reações em diversos aspectos relacionados à emoção. A melodia, a harmonia, a interpretação,
o fraseado, a dinâmica e as articulações, entre outros aspectos da linguagem musical, podem
provocar reações emotivas de diversas intensidades dentro do ambiente da Roda ou fora dele.
A composição de Avena de Castro Evocação a Jacob é um exemplo disso. Avena, ao saber da
morte de Jacob do Bandolim, compôs aos prantos esse clássico do choro brasileiro com o
48
sentimento e a emoção pelo amigo e admirador. A emotividade gerada pelas interpretações de
Jacob (a ele próprio e aos ouvintes) ao tocar perda do grande o Choro agregado aos seus
problemas de saúde culminou com o seu terceiro enfarto provocando o seu desaparecimento.
Fortes reações emotivas podem acontecer no ambiente do choro, alguns dos quais vivenciamos
e passamos a relatar a seguir.
O primeiro relato foi o do professor Luiz Machado, mestre do choro gaúcho que, em
visita de cortesia à nossa sala de aula na Galeria Setúbal Center, em Recife, recebeu de nossas
mãos o bandolim que foi do pernambucano Rossini Ferreira. Ao tocar o choro Ansiedade, ele
não suportou a emoção de empunhar o tão lendário instrumento, e caiu aos prantos, parando de
tocar pela forte emoção de que foi acometido à frente do seu próprio regional composto por
seus discípulos. Houve um silêncio de compaixão e solidariedade por parte de todos os
presentes para com o professor Luiz, que demorou alguns minutos para se recuperar, deixando
a todos surpresos por aquela inesperada reação emotiva.
Outra situação incrível foi a do violonista de 7 cordas Edmilson Capelupi que, em visita
ao mesmo endereço de nossa sala, reagiu aos prantos ao ouvir a interpretação de Elizeth
Cardoso, com o regional Época de Ouro na residência de Jacob, cantando o samba “Neste
Mesmo Lugar”, de Dolores Duran. Em um dos saraus de que participamos ao lado de Rossini
Ferreira na residência do médico anestesista Paulo Bittencourt, em Recife, fomos surpreendidos
com a reação de sua jovem filha adolescente de 15 anos, de nome Diana Bittencourt, que, ao
ouvir a nossa valsa “Saudade de Papai”, dedicada ao meu genitor, caiu aos prantos ao término
da nossa interpretação ao bandolim.
Segundo o violonista franco-alemão Olivier Lob (2019), a “emoção quando tocamos
em conjunto numa roda é completamente diferente da aprendizagem em casa, porque essa
emoção é uma interação com outras pessoas.” (LOB, 2019).
Ao tocar junto com outros companheiros nos encontros musicais, as emoções se afloram
e, por motivos diversos, não se comparam à execução com o playback ou base da mídia com a
participação física do músico nesses ambientes.
Conforme declara Hamilton de Holanda:
A música é feita com características regionais e de cada país, de cada lugar, mas tem regras universais, tem caminhos que são universais, e quando você consegue reconhecer isso de ouvido e praticar isso em tons diferentes, em compassos diferentes, faz em ritmo de choro, faz em ritmo de valsa. Tudo isso lhe vai dando uma base para, na hora de tocar a música, você possa curtir e passar só a emoção, porque, no fundo, a busca da música é a emoção. Então, a gente não sabe explicar exatamente a emoção. A gente consegue estudar as músicas que já foram feitas. A teoria da música nasceu depois da música; ela não nasceu antes da música. (HOLANDA, 2019).
Essa reação orgânica de intensidade e duração variáveis, acompanhada de alterações
49
respiratórias, circulatórias e de grande excitação mental que é a emoção, faz parte do contexto
da Roda de Choro e contribui para aguçar a sensibilidade e a percepção musical, constituindo-
-se num ponto importante a ser estudado pela academia.
4.3.3 Instrumentista Colaborador Solista
Uma habitual prática das rodas de choro tradicionais, de fundamental importância para
a prática de conjunto, com reflexos da tradição da roda de choro é a execução repetidas vezes,
como um ensaio, de músicas compostas de melodias inéditas ou originais efetuadas por um
solista, para serem assimiladas pelos músicos acompanhadores, transmitindo oralmente a ideia
central da melodia e da harmonia, além da forma musical, da dinâmica, da expressão e da
interpretação. Sendo muito comum essa prática de “tocar de ouvido”, observa-se que é
necessária a presença de um solista experiente que domine a linguagem estrutural do choro e
conheça a composição mais profundamente, para traduzir e transmitir corretamente as
informações sobre a intenção do compositor. Para representar o solista que se apresenta com
essa faculdade constituída de habilidades específicas, sugiro aqui a denominação de
Instrumentista Colaborador Solista.31
O bandolinista Hamilton de Holanda comenta a atividade do colaborador solista em sua
prática de ensino: [...] se me lembro bem, quando dava aula de bandolim em Brasília na escola de choro e na escola de música e em umas aulas particulares, eu era uma espécie de correpetidor, porque fazia os solos, enquanto os alunos de cavaquinho e alunos de violão iam fazendo a parte de harmonia e de ritmo. Então, eu acho que é importante um correpetidor solista, e que ajuda muito, na verdade. (HOLANDA, 2019).
Essa atividade de correpetidor é utilizada por músicos e pedagogos do choro, e é notória
a contribuição para o aprendizado harmônico e rítmico dos acompanhadores, para o
desenvolver da prática em grupo, na técnica dos instrumentistas, para o estudo empírico da
percepção e memorização, além de transformar a sala de aula em ambiente propício ao exercício
do ouvido intuitivo32, característico da roda.
31 O termo correpetidor, que tem origem etimológica do francês co-repetiteur, e quer dizer “indivíduo que participa
do ensaio”, é empregado para o pianista que auxilia na preparação do solista instrumentista ou cantor. Aplicando a ideia, de forma antagônica, na Roda de Choro, o solista é quem auxilia na preparação, na formação e no desenvolvimento das habilidades do instrumentista acompanhador nas práticas em conjunto. O importante papel de atuação desse solista nas rodas de choro é fundamental para a preparação prática dos acompanhadores e para a ampliação do repertório com o exercício pleno da oralidade e da prática do ouvido intuitivo. No presente trabalho, o Autor decidiu adotar a denominação de Instrumentista Colaborador Solista, abreviadamente ICS.
32 Ouvido intuitivo é uma expressão utilizada nas rodas de choro para designar a habilidade do músico acompa-nhador em harmonizar as peças, no ato de sua execução, sem a utilização de uma partitura ou qualquer recurso de leitura.
50
Outro músico de referência no choro brasileiro, o violonista de sete cordas e compositor
Luiz Otávio Braga33, pontua a necessidade de se praticar música brasileira de conjunto, com
reflexo do choro em um projeto de ensino,
A eficiência da roda de choro é uma questão de necessidade. A necessidade que se tem de fazer música em conjunto: para toda a música, independentemente de estilo e gênero. As escolas de música que ensinam a música de choro, hoje – e que não havia, há 40 anos – não podem prescindir de uma segura prática de conjunto – a qual deve ser a menina dos olhos do projeto de ensino. Os músicos que no passado se formaram na roda de choro procuravam-na porque sentiam essa necessidade inelutável, era a chance de fazer prática de choro; se não as tinham, recorriam às gravações. (BRAGA, 2019).
O instrumentista e pesquisador Sérgio Prata (2019) comenta sobre a função que o
instrumentista colaborador solista pode exercer, cumprindo o papel de orientador na preparação
de um músico que não esteja habilitado na prática de harmonizar a música popular e no uso das
ferramentas da mídia em geral.
Talvez para um músico que não tenha um conhecimento harmônico, o correpetidor possa cumprir o papel de orientador, mostrando qual é a melodia, mas, hoje em dia, nós temos uma série de ferramentas. Você leva o pen drive, passa para o outro músico: “— Olha, vai estudar em casa!” (PRATA, 2019).
O instrumentista colaborador solista facilita ao acompanhador desenvolver a
memorização e a destreza nas harmonias praticadas na música popular. Contribui também para
a fluência na busca da compreensão harmônica das músicas inéditas tocadas à primeira audição,
experimentando e buscando intuitivamente as soluções cadenciais com o auxílio do vocabulário
aprendido e memorado anteriormente.
A tarefa tácita do instrumentista colaborador solista é a de orientar sobre as nuanças das
expressões interpretativas, porém o citado instrumentista passa a modificar o seu modo
particular de atuação, tornando-se um solista acompanhador do acompanhamento. A função
natural precípua do solista é executar diretamente a música, apoiado por um acompanhamento
harmônico e rítmico, mas sem a obrigação e a preocupação de esperar que o acompanhador
estude ou adquira a fluência das habilidades básicas de apoio no momento da execução. A
importância do instrumentista colaborador solista está na capacidade de alterar e moldar
diretamente a sua interpretação natural e expressiva, invertendo, na prática, o seu papel de
solista para atuar auxiliando e colaborando na preparação do acompanhador. Na performance
do choro, o intérprete solista em geral é de tradição eminentemente oral, após apresentar e
estabelecer os parâmetros do acompanhamento harmônico e rítmico e a espinha dorsal da peça,
33 Luiz Otávio Braga é violonista de 7 Cordas, compositor e professor da UNIRIO, doutor em História Social pela
UFRJ, atuou com grandes nomes da música brasileira, entre eles Radamés Gnattali, e foi integrante da Camerata Carioca.
51
ou seja, a exposição da melodia original, liberta-se das amarras da escrita e exercita a sua
criatividade alterando a forma de interpretar a peça, acrescentando improvisos e, muitas vezes,
alterando os andamentos, as dinâmicas, as articulações e as frases, que são características
básicas da performance da música popular.
Refletindo sobre as contribuições das tradições informais da Roda de Choro para o
ensino das práticas de conjunto, observamos em nosso trabalho a necessidade de inserir essa
herança metodológica, “misturada com a prática”, nas práticas em grupo, dentro da formação
acadêmica, na área da música brasileira popular.
4.3.4 Improvisação
A execução pelo solista do repertório variado das músicas populares, com liberdade
criativa ou bossa34, caracterizara a feição típica do gênero Choro. (NÓBREGA, 1974, p. 12).
Essa liberdade de interpretação é uma das grandes contribuições que o Choro Tradicional
proporciona para a formação do músico em geral, solista ou acompanhador, e depende do grau
de conhecimento da estrutura formal da composição e do ambiente de descontração praticado
na Roda de Choro. O intérprete define a maneira adequada de improvisar a cada ambiente. As
músicas nunca são tocadas do mesmo modo, seja em gravações, seja em Rodas de Choro.
Segundo Paula Valente (2014), a improvisação no choro apresenta modificações nas melodias
(floreios, apojaturas, mordentes, etc.), ou no ritmo (atrasando ou adiantando), ou nas
articulações (ligado e staccato). Para a prática da agógica característica de expressividade da
música, é necessário o contato visual, que permite um elevado nível de sinais de olhos e
expressões faciais, particularmente de aprovação ou desaprovação, que são importantes para o
sucesso da interpretação. Ao tocar por partitura, essas variações espontâneas parecem estar mais
ligadas aos sinais de interpretação escritos na música. No caso de a música estar memorizada,
podem ocorrer lapsos de memória e, nesse caso, os músicos têm de tomar decisões em tempo
real para compensar essas falhas.
Para desenvolver o seu estilo de improvisação, cada participante precisa conhecer as
progressões ou sequências harmônicas que são os pilares da harmonia popular. A fluência na
criação dessas frases de improviso está diretamente ligada ao princípio básico do conhecimento
e da memorização das melodias originais, das formações básicas e das funções dos acordes na
tonalidade e suas modulações harmônicas. Ao longo do tempo, com a frequente participação
34 Bossa – Termo utilizado pelo autor Ruy Castro para designar a música brasileira de bossa criada por Carmen
Miranda, em cuja arte vocal “as flexões brejeiras da fala das ruas modulam um material sonoro de tessitura e potência reduzidas.” (PALOMBINI, 2006, p. 116).
52
nas Rodas de Choro, o estilo improvisativo do solista e do acompanhador vai-se estabelecendo
com o passar do tempo, criando a sua identidade própria. A frequência às Rodas de Choro
proporciona ao executante compreender e assimilar a linguagem do improviso ao observar e
sentir, na prática, os prazeres da criação. A aprendizagem do choro, ainda que ocorra dentro de uma instituição de ensino formal [...] será composta de elementos pertencentes ao campo do ensino formal, quando estudante irá fundamentar seu aprendizado em uma parte técnica de estudo do instrumento, exercícios de leitura e solfejo, prática de conjunto, aulas de história da música popular, etc. Porém, existe um aprendizado essencial na prática do choro que seria considerado aprendizagem informal, fundamentado em audição de gravações para entender a linguagem do choro, observação de músicos consagrados tocando e participação nas rodas de choro, onde este estudante irá realmente aprender a linguagem do choro, treinar a improvisação, verificar como a forma pode ser livre e dinâmica em um ambiente como a roda, etc. (ROSA, 2018, p. 563).
Por volta de 1910, o violonista Tute (Arthur Nascimento) levou Pixinguinha35 para tocar
no Cine-Teatro Rio Branco em substituição ao flautista Antônio Maria Passos. O sucesso de
Pixinguinha logo ocorreu “porque gostaram dele, das bossas que inventava por fora,
acostumado que estava a improvisar nas rodas de choro” (TABORDA, 2011, p. 13 apud
WERNECK, 2013, p. 66). Esse hábito constante de improvisador fez Pixinguinha ser o
escolhido para assumir profissionalmente o lugar do antigo flautista.
Em seu depoimento ao Museu da Imagem do Som (MIS), do Rio de Janeiro, Jacob do
Bandolim declarou que improvisava no Choro quando interpretava. Ao executar o seu
repertório ao bandolim, tinha como intuito aumentar o sentimentalismo interpretativo, e não era
simplesmente o de improvisar. Jacob traduzia essa forma de atuação performática como a de
um pintor que, ao reproduzir um quadro da natureza, o interpreta diferentemente de outros.
(CORTES, 2006, p. 25). Ao considerar o seu improviso como uma forma de interpretar as
melodias originais, com um sentimento bastante expressivo, Jacob desenvolveu a capacidade
de criar nuanças expressivas que determinaram o seu reconhecimento como um dos grandes
intérpretes da música brasileira.
No acompanhamento do Choro, conforme informa Luiz Fabiano (2008), desenvolveu-
-se o improviso das baixarias dos vilões de 6 e 7 cordas. (BORGES, 2008, p. 67). O professor
Luiz Otávio Braga declara que é marcante a característica da espontaneidade na criação de
inúmeras frases que passam a modelos com o tempo. (BRAGA, 2004).
O violonista Caio Cézar apresenta alguns aspectos importantes para a reflexão sobre o
estudo e o desenvolvimento do improviso:
35 Alfredo da Rocha Viana (1807-1973) – Nascido no Rio de Janeiro, foi conhecido como Pixinguinha. Atuou
como flautista, saxofonista, compositor, arranjador e maestro, contribuindo significativamente para a definição da forma musical do Choro.
53
O estudo de improvisação traz muita liberdade ao músico solista e acompanhador. É um estudo e uma prática a serem desenvolvidos numa fase mais avançada do instrumentista, em que já possui domínio da técnica violonística, de harmonia, de estudo de escala de acordes, de repertório e experiência musical, embora muitas gerações tenham desenvolvido essa capacidade num processo de repetição, cópia e tentativa. Hoje o estudo de improvisação não precisa mais ser apenas intuitivo e prático, devido à grande quantidade de material teórico, dos métodos, fruto de uma sistematização que muito ajudou na formação musical. No choro, essa música sofisticadíssima, cheia de virtuosismo instrumental, é quase inevitável a improvisação. Esta é prima-irmã da melodia original, e esse diálogo é parte fundamental da própria estrutura e alma do choro. (CÉZAR, 2019).
Dentre as diversas opiniões dos entrevistados sobre o improviso no Choro, podem-se
evidenciar alguns aspectos contributivos para a formação do músico que servirão para estudos
futuros e reflexões. O músico Sérgio Prata (2019), ao afirmar que o pessoal da velha guarda,
ou seja, os antigos músicos, falavam de alguns parâmetros relativos ao improviso no Choro e
que não podem ser esquecidos. Destaca-se aqui que o conhecimento da forma musical do
gênero Choro é o ponto fundamental de reflexão do presente Autor. A característica da
composição é em forma de duas ou três partes chamadas de A, B ou A, B e C, constituídas
geralmente por 16 compassos. Ao identificar e memorizar as melodias originais de ambas as
partes, o músico precisa seguir os seguintes critérios sugeridos pelos antigos. Ao executar
inicialmente o Choro, deve-se apresentar o tema melódico original (segundo Tozinho36, deve--
se mostrar que sabe tocar a música). Nas repetições da parte A e parte C pode-se explorar os
improvisos dentro da base definida, ou seja, sem variações harmônicas. O bandolinista Deo
Rian declara que “a improvisação no choro e no samba é bem-vinda, desde que o solista toque
a primeira vez como o autor compôs a música, e depois, nas repetições, improvise dentro da
harmonia preestabelecida.” (RIAN, 2019). Observamos que Deo Rian defende os mesmos
critérios de liberdade de expressão dos antigos chorões. Entendemos que esse fato se deve à
necessidade de apresentar em primeiro plano, no ato da execução, a melodia original sem cair
na tentação de se estender em demasia na prática da improvisação e de tornar irreconhecível o
tema original, fazendo-se de principal o improviso, na iminência de transformar a estrutura
melódica original da composição em outra ideia musical.
O músico Olivier Lob (2019) faz referência ao livro sobre Choro, de Alexandre
Gonçalves Pinto, refletindo sobre a interação entre o solista e o acompanhador, em que o
improviso era a maneira de surpreender os acompanhadores, modulando para caminhos
harmônicos diferentes com o intuito de brincar com a capacidade de percepção:
36 Manoel Xavier de Brito (1922-1976), conhecido como Tozinho, violonista pernambucano que fez parte dos
programas de rádio e televisão em Recife nas décadas de 1960 e 1970.
54
Ele [Alexandre Gonçalves Pinto] escreveu que os solistas improvisam harmonias novas, escolhem caminhos diferentes do que na partitura, e os acompanhadores, que acompanhavam somente de ouvido, seguindo a melodia, treinavam em achar a harmonia no momento e seguir esse caminho. Então, eu acho que isso faz parte, desde início até hoje, do gênero do Choro. Essa liberdade sempre ficando na música, improvisando, voltando ao tema, mas a improvisação, o Choro e o Samba são músicas abertas. Improvisação é essa abertura, essa liberdade de escolher outro momento. (LOB, 2019).
Lob (2019) afirma que, na realidade, esse é o jeito de improvisar dos chorões ao buscar
melodias para modulações não convencionais.
Márcia Taborda (2010) compreende que, desde a chamada “Época de Ouro” do rádio,
os conjuntos de choro, como formação original com solista que sabia ler e com a base com
acompanhamento de cavaquinho e violão, deviam ser improvisadores harmônicos, isto é,
tocavam de ouvido. Essa autora ainda se refere à improvisação como sendo o ato momentâneo
de tocar as harmonias nos instrumentos de base do choro em plena apresentação. (TABORDA,
2019).
4.4 Performance Perceptivo-Auditiva
4.4.2 “Antena Melódica e Harmônica” Sabe-se que, previamente, tanto o solista quanto o harmonizador necessitam praticar a
percepção instrumental por meio das gravações consagradas, com o intuito de adquirir certo
grau de conhecimento no que tange ao processo de “tirar de ouvido”37. Cabe a ambos
posteriormente buscar a execução nos moldes do “tirar de ouvido”, no ambiente da Roda de
Choro, com o objetivo de enfrentar os desafios que surgem na prática. Saliente-se que, nesse
caso, o músico se depara com o momento crucial da prática da percepção como um todo e da
melhor compreensão da necessidade e da importância da percepção instrumental para a
formação do músico. Os solistas antigamente apresentavam as novas composições com o intuito
de enganar os companheiros com frases modulantes não convencionais para testar a capacidade
perceptiva dos acompanhadores. Ao companheiro acompanhador que tinham de captar ou
pegar38, como se dizia no jargão dos chorões, e que não reproduzia determinadas modulações
ou se mostrava incapaz de reproduzir, lançado no momento, diziam que ele fora “derrubado”.
Na prática profissional do presente Autor, destacam-se duas experiências
bem-sucedidas resultantes da percepção instrumental. Relata-se aqui o caso do músico
37 Tirar de Ouvido – É uma expressão muito utilizada pelos músicos populares para justificar o aprendizado de um
repertório por percepção instrumental através de gravações. 38 Pegar – No ambiente do choro, significa conseguir tocar harmonia ou melodia desconhecida no ato de sua
primeira exposição.
55
cavaquinista Elias Paulino (1964), discípulo do Autor no Conservatório Pernambucano de
Música que trabalhou bastante a percepção instrumental, passou por uma experiência
profissional interessante que serve de exemplo para demonstrar a contribuição da percepção
instrumental para a formação e a performance do músico. O citado Elias Paulino39 foi
convidado pelo produtor Zé da Flauta40 para gravar a base de um disco do compositor Jacinto
Silva41. Chegando ao estúdio de gravação “Clave”, do próprio Zé da Flauta, deparou-se com a
situação de não existir arranjo escrito ou partitura que lhe servisse de guia; consequentemente,
teria de ir gravando no momento da audição. Em reunião com o produtor, foi decidido que as
14 faixas do disco deveriam, naquele momento, ser ouvidas e transcritas pelo próprio Elias para
facilitar o processo de gravação. Assim foi feito, e o trabalho de gravação terminou antes do
horário previsto. No outro dia, Elias se dirigiu ao CPM, empolgado para relatar ao presente
Autor o acontecido: “Eu só me lembrava das nossas aulas!” Terminando a conversa, este Autor
indagou-o sobre a questão: “Então, quer dizer que estamos certos em relação ao trabalho que
fazemos com você de percepção instrumental?” Ele respondeu com um sorriso de satisfação,
balançando a cabeça com a indicação de positivo.
Outra experiência interessante foi no espetáculo Folias Guanabaras, do Diretor Ivaldo
Bertazzo42. O presente Autor atuava em turnê com a Orquestra Retratos do Nordeste, em
parceria com a cantora Elza Soares43, Seu Jorge44 e o pianista Benjamim Taubkin45, quando,
numa das apresentações, houve um problema de retorno por falta de energia, e Elza Soares
começou a cantar em outra tonalidade, diferente da que se havia estabelecido nos ensaios.
Devido ao trabalho de percepção, a Orquestra conseguiu acompanhar com a transposição
imediata da canção no processo de “tirar de ouvido”. É importante lembrar que o acontecido
foi na hora exata da apresentação, e não no ensaio, quando se tem a oportunidade de ajustar
com tranquilidade.
A atividade de percepção auditiva na Roda de Choro é, de fato, o momento principal da
preparação do músico e posterior ao das percepções instrumentais que são feitas com o auxílio
dos equipamentos de mídia, pois se passa a estar diante da execução imediata da música que,
em muitos casos, não é mais possível voltar para acertar a melodia ou a harmonia, “a roda não
39 Elias Paulino – Músico, compositor, cavaquinista e percussionista de Recife, líder do Grupo Terra de Samba e
integrante da Orquestra Retratos do Nordeste e do Sexteto Capibaribe. 40 Zé da Flauta (1954) – Flautista, pifanista, compositor, produtor cultural e pesquisador de Recife. 41 Jacinto Silva (1933-2001) – Discípulo de Jackson do Pandeiro, cantor, compositor e mestre de Coco de Roda. 42 Ivaldo Bertyazzo (1949) – Pesquisador, educador e um dos mais conhecidos coreógrafos brasileiros. 43 Elza Gomes da Conceição (1930) – Cantora e compositora brasileira 44 Jorge Mário da Silva (1970) – Cantor, compositor, instrumentista e ator brasileiro. 45 Benjamim Rafael Taubkin (1956) – Pianista, compositor, arranjador e produtor musical brasileiro.
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pode parar”. É importante salientar que, no caso do Instrumentista Colaborador Solista, existe
a preocupação de auxiliar os músicos da base no aprendizado de um determinado repertório
inédito, transformando a Roda de Choro num grande ensaio.
4.5 Comunicação Visual na Interpretação do Choro
4.5.1 Gestos Corporais Característicos da Roda de Choro
Segundo o estudo dos pesquisadores Levi Leonildo, Beatriz Licursi, Mário Cardoso e
Elsa Morgado sobre o corpo na performance musical, pode-se considerar que “a performance
musical depende em grande parte da atuação do corpo”:
Ao reconhecermos a relevância da integração corpo-mente-instrumento à performance musical estaremos destacando que movimentos geram som através do qual o virtuosismo e a técnica apurada se manifestarão artisticamente. A música estimula sensorialmente o artista para uma resposta corporal e podemos então observar que os gestos corporais são reconhecidamente uma importante base do fazer musical. Diante dessa constatação está claro o quanto o corpo do artista requisita intensamente a coordenação motora diferenciada, a expressão facial e a respiração que estão intimamente conectados à imaginação criativa do intérprete gerando toda essa partitura corporal e orgânica. (LEONILDO et al., 2017, p. 78-79).
Segundo Jane Davidson (1999, p. 83), “na tradição musical ocidental, o elo entre corpo,
estilo musical e expressividade tem sido discutido em muitos textos pedagógicos”:
Alguns estudos empíricos recentes demonstraram convincentemente que, para além da técnica instrumental, os movimentos corporais do instrumentista revelam informações sobre as características estruturais (harmonia, andamento, tensões melódicas, etc.) e expressividade da música (aquilo que o executante pretende transmitir com a sua interpretação pessoal da peça). [...] existe uma vasta gama de movimentos condicionados que os intérpretes usam, tal como o levantar da campânula do saxofone para sugerir grande tensão e esforço) muitos desses movimentos são inconscientes. Os movimentos têm origem na intenção mental de comunicar através da música e não de a ligar a um particular gesto. Como tal, esses movimentos espontâneos não podem ser desligados ou acrescentados deliberadamente de e a qualquer execução, eles são parte integrante da componente expressiva da atividade musical. (DAVIDSON, 1999, p. 83).
Jane Davidson comenta que, na comunicação verbal e não verbal entre um grupo de
intérpretes, é relevante destacar as formas de comunicação não verbais, pelo fato de que os
instrumentistas não poderão, no ato da execução, falar uns com os outros ou parar para discutir.
Assim como existe na música de câmara, geralmente o músico solista ou o mais experiente da
Roda de Choro Tradicional conduz as nuanças de execução por meio de gestos corporais de
acordo com a melodia e a harmonia. Esses gestos funcionam como orientação referente às
dinâmicas, às mudanças de andamentos, aos breques e às respirações, entre tantas outras
funções. Os gestos mais comuns e tradicionalizados da Roda são: o movimento vertical da
cabeça de cima para baixo e o abrir os olhos, elevando as sobrancelhas e baixando-as, com o
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objetivo de indicar o breque; a respiração como forma de preparar um início ou uma
expressividade mais acentuada; os pés (condenado pelos eruditos) para indicar que o andamento
da execução musical está diminuindo; e até mesmo o saltar (pular) para indicar o fim da música.
Pode-se refletir sobre a importância desses gestos na Roda de Choro que contribuem
para a formação dos músicos ao despertar no intérprete uma atenção maior na agógica
característica e aos moldes específicos da música popular. O compositor, arranjador, professor
e multi-instrumentista brasileiro Alessandro Penezzi assim esclarece:
A importância da roda de choro na minha formação, como violonista acompanhador, foi total. Minhas primeiras experiências com esse grupamento musical foram desde os 9 anos de idade, e como não havia partituras nem cifras paras as músicas tocadas, eu tinha de desvendar rapidamente os caminhos harmônicos de cada tema. Gradualmente, esse procedimento acabou desenvolvendo minha percepção musical, meu ouvido, minha memória, além da percepção visual (quando tentava imitar os acordes que outros violonistas iam montando). (PENEZZI, 2019).
Sérgio Prata revela que utilizou bastante o chamado Código dos Olhares na prática de
ouvido, quando não se conhece a harmonia de uma música que é executada em tempo real:
Uma coisa que foi muito importante — e eu convivi muito com isso na minha época — é que existiam poucos solistas, alguns de choros. Tinha pouquíssima coisa, o conhecimento das harmonias por aquele método que a gente chama do Código dos Olhares. Você ficava olhando para o braço do violonista mais antigo da roda, na dúvida da harmonia, e dali você resolvia. Então, é importante isto: sempre saber quem é o âncora ali da roda para você poder recorrer a ele. (PRATA, 2019).
4.5.2 Interação Social
Os músicos frequentadores da Roda de Choro recebem contribuições importantes para
a sua formação porque há, na Roda, a troca de ideias, informações, conhecimento e o diálogo
entre as pessoas. No contato direto com os intérpretes e admiradores do gênero musical, cria-
se o ambiente de colaboração, com o despertar, no conhecimento informal, sobre as situações
pitorescas das composições, informações sobre as biografias dos compositores, a busca de
esclarecimento das dúvidas sobre os detalhes da performance de músicos mais experientes,
formação de plateias e a concretização dos grupos sociais voltados para a prática da música
popular. Um momento social de tocar junto com outras pessoas, descobrir pessoas que conhecemos, amigos, e conhecer personalidades, pessoas e músicas novas. Esses encontros exigem uma atenção particular que existe na Roda de Choro. A Roda deve ser ao vivo, e cada momento musical numa Roda de Choro é uma surpresa. Então, quando tocamos, esperamos em todos os momentos o que vai acontecer no próximo momento. (LOB, 2019).
O violonista e professor Fernando César (2019) enfatiza que a maior contribuição
recebida por ele da Roda de Choro para sua formação consiste em poder tocar em conjunto, sair
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do ambiente de estudo solitário com o auxílio da partitura e do método ou com a gravação, e
fazer a música orgânica, que é totalmente diferente de tocar sozinho. Aprender a respirar junto
com os solistas e com os outros acompanhadores.
O cavaquinista João Paulo Albertim, formado no Conservatório Pernambucano de
Música, enfatiza sobre “a convivência, aprendizado e respeito com outros músicos.”
(ALBERTIM, 2019).
O bandolinista Alexandre Milton (2019), ex-aluno do Conservatório Pernambucano de
Música, destaca que as Rodas de Choro se constituem em:
[...] um espaço inteiramente democrático, em que todos são iguais. Não raras vezes, um músico que não sabe sequer ler uma cifra, tampouco uma partitura, apresenta uma desenvoltura superior aos detentores dos diplomas de cursos superiores. Por isso, dizemos que a roda de choro iguala todo o mundo. (COSTA, 2019).
O pesquisador Bertho (2014) compreende que a música produzida nas Rodas de Choro
proporciona experiências sociais, do mesmo modo que as experiências sociais obtidas
influenciam na música. Ao entender as Rodas como organizações sociais, sinaliza que as
interações sociais pela música (assim como a música, fruto dessas interações sociais)
constituem um elemento central na dinâmica das Rodas de Choro.
Como afirmam Livingston-Isenhour e Garcia (2005, p. 54 apud LARA FILHO; SILVA;
FREIRE, 2011, p. 152): “A Roda só é autêntica se houver a máxima interação entre os músicos
e a audiência.”
Podemos caracterizar a Roda como um conjunto de círculos concêntricos, sendo que, no primeiro círculo, estão os músicos (geralmente em volta de uma mesa); no segundo círculo, os interessados pela música (conhecedores desse universo musical e participantes do ambiente de relações pessoais dos músicos); nos círculos subsequentes ficam os frequentadores do ambiente musical — algumas vezes interessados apenas na interação social. Muitas vezes, essa classificação circular não é observada, e as pessoas se misturam constantemente. (LARA FILHO; SILVA; FREIRE, 2011, p. 150).
Entendemos que o agrupamento social dessas rodas é constituído pelos músicos que
participam dos conjuntos destinados à execução das peças e pelos grupos sociais de
admiradores que vão a esses ambientes em busca de ouvir um repertório consagrado e não
consagrado, e para também apreciar as diferentes performances dos seus prediletos
instrumentistas.
4.5.3 Repertório
O repertório específico de qualquer praticante do choro geralmente é desenvolvido,
memorizado e ampliado nas rodas. Não só os solistas, mas também os acompanhadores buscam
59
desenvolver, nessas práticas, de forma relaxada, descontraída e constante, as suas performances
ideais com as execuções de peças consagradas e de fácil assimilação como forma prazerosa de
viver a música. Muitas músicas e novos gêneros musicais agregados pelo Choro fazem parte
desse repertório que, em muitos casos, só são tocados e transmitidos oralmente nesses
ambientes onde os músicos se preparam para participar e conviver com os companheiros de
jornadas instrumentais.
Podemos relacionar alguns desses ritmos básicos encontrados na Roda de Choro que
fizeram parte das raízes da música brasileira.
As raízes principais da música brasileira são a Modinha e o Lundu, segundo Mário de
Andrade. Tradicionalmente, a Modinha, originária de Portugal e notabilizada pelo padre mulato
Domingos Caldas Barbosa (1740-1800), fez parte do ambiente da Roda de Choro. As modinhas
brasileiras do final do século XVIII e início do século XIX se destacaram pela presença do
acompanhamento violonístico. Em Lisboa, no catálogo da Biblioteca da Ajuda, foram
encontrados manuscritos de duas coleções: “Modinhas” e “Modinhas Brasileiras”. (BEHEGUE
apud BRAGA, 1985, p. 4).
O Lundu, segundo Mário de Andrade, é descendente direto do batuque dos negros do
século XIX, e se apresentava como uma cantiga de andamento mais vivo que a Modinha e texto
de caráter mais cômico. Teve por característica marcante a presença da chamada síncope
brasileira constituída pela célula rítmica composta por semicolcheia, colcheia e semicolcheia
seguidas. (BRAGA, 1985, p. 3).
Das Danças Europeias nacionalizadas durante o século XIX, podemos citar a Valsa,
que, durante os fins do Primeiro Império e Período Regencial, se divulgou no Brasil “justamente
quando Paris inteiro a consagrava, 1830 e seguintes.” (CASCUDO, 1962, p. 765). A Valsa
Tipicamente Brasileira apresenta características estéticas de clima modinheiro e a presença do
baixo cantante que corresponde às baixarias dos violões. (BRAGA, 1985, p. 3). Já a Polca,
segundo Batista Siqueira (1967, p. 45), dançada na Boêmia, chega ao Brasil fazendo sucesso
em 1844. A Polca nacionalizada é uma confluência entre o ritmo da Polca da Boêmia mais o
ritmo do Lundu e da Habanera (Cuba e Haiti). Habanera é um ritmo cubano e haitiano que
chega ao Brasil por volta de 1866. Há um grande número de polcas com os seguintes registros:
polca-habanera, polca-lundu (polca no ritmo, lundu na melodia), polca-xótis, polca-marcha,
polca-mazurca, polca-militar, mas com predominância da polca-lundu. O Choro Brasileiro
(invenção da década de 1870) está vinculado diretamente à Polca, que é uma raiz importante da
Música Brasileira. (BRAGA, 1985, p. 4). O Schottisch (xote, xótis, etc.), segundo Braga
(1985), deve ter entrado no Brasil na década de 1850, sendo composto por compassos binário
60
e quaternário de andamento mais lento e acompanhamento semelhante ao da Polca. Vinda da
Polônia, a Mazurca em compasso ternário com características de acentuação no segundo
tempo. A Quadrilha é dança alegre e movimentada composta por cinco movimentos: o 1.º em
2/4 ou 6/8, o 3.º em 6/8 e o restante em 2/4, segundo o Dicionário de Música, de Tomás Borba
e Fernando Lopes Graça. O Tango Brasileiro é o resultado da confluência entre Lundu, Polca
e Habanera, sendo fixado pelo pianista Ernesto Nazareth no panorama musical e cultural
brasileiro. O Tango Brasileiro desapareceu na década de 1930. O Maxixe, ao que tudo indica,
tem como componentes básicos a Polca e o Lundu. O Choro, considerado de origem carioca,
vincula-se diretamente à Polca por volta de 1870, significando desde o seu início como uma
“forma de execução” ou forma peculiar com que os conjuntos formados a base de violão,
cavaquinho, flauta ou outros solistas e instrumentos rítmicos executavam o repertório de
gêneros e ritmos mencionados anteriormente.
Atualmente, a Roda de Choro agrega em seu repertório numerosos gêneros e ritmos,
significando um estado psicológico entranhado no espírito do brasileiro. (BRAGA, 1985).
Segundo Braga (1985, p. 7), podem-se executar uma Polca, um Tango, um Jongo de Lourenzo
Fernandes, a Lenda do Caboclo de Villa-Lobos, as Danças Búlgaras de Bartok, um Tango de
Piazzola ou um Samba de Cartola: o resultado é a impressão psicológica que marca essa “forma
de execução”. O choro respira novos tempos. Tempos de diversificação de formatos e
variedades de timbres, permitindo uma maior riqueza harmônica. (DINIZ, 2003, p. 58).
Muitos outros gêneros musicais se agregam ao repertório da Roda de Choro, como, por
exemplo: o Samba (considerando que o regional de choro faz parte dos principais registros
fonográficos do gênero); o Frevo que, desde Luperce Miranda, Jacob do Bandolim e Rossini
Ferreira, ultrapassa gerações (o regional de choro faz parte das grandes orquestras de pau e
cordas dos Blocos Líricos do Carnaval de Pernambuco, as quais praticam o Frevo de Bloco);
a Música Nordestina do Baião (Luiz Gonzaga a Dominguinhos); o Xote (Triunfando, de
Marco César e João Lyra, está editada no álbum de choro de Almir Chediak, 2007, vol. III); a
Ciranda, a Toada, a Embolada, o Coco e tantos outros que possam ser agregados por meio
das melodias cifradas. Não podemos esquecer que, em alguns casos, as composições podem ser
construídas com a fusão de gêneros musicais que se agregam ao Choro. Alguns padrões de Jazz
(melodias cifradas) e Rock (Beatles gravados por Izaías do Bandolim e Henrique Cazes); temas
de Música Clássica gravados por Altamiro Carrilho em ritmo de Choro) e Csárdás, de Vittorio
Monti (1868-1922), tocados em gravações caseiras por Jacob do Bandolim nos saraus em sua
residência.
61
O violonista Fernando César, indagado sobre a importância que ele atribui à Roda de
Choro para a formação do violonista acompanhador, declarou:
A maior contribuição é tocar em conjunto. Sair do ambiente de estudo, de estar estudando sozinho com a partitura ou com a gravação, e fazer a música orgânica, que é diferente. Totalmente diferente de tocar sozinho ou tocar com a gravação. Aprender a respirar junto com os solistas e com os outros acompanhadores. No meu ponto de vista, essa é a principal contribuição da Roda de Choro. A outra seria o desenvolvimento de repertório, principalmente se for a Roda de Choro constante que acontece semanalmente, e que o acompanhador possa ter a oportunidade de um dia ter uma música desconhecida e, mesmo que se perder em alguns momentos, mapear essa música e estudar e, na próxima semana, se redimir. Então, eu acho que a formação de repertório também é muito importante. (CÉSAR, 2019).
O bandolinista Hamilton de Holanda relata que procurou intuitivamente propiciar a
vivência experimental da Roda de Choro ao preparar os seus discípulos nos moldes tradicionais
de assimilação, executando em sala de aula as melodias consagradas ao bandolim, para que os
alunos o acompanhassem identificando, em tempo real, a harmonia ao desenvolver a percepção
como um todo e a ampliação do repertório. (HOLANDA, 2019). A formação de um
repertório, segundo Prata (2019), se dá na Roda de Choro pelo encontro de uma imensa
amostra de solistas de sopro, cordas, teclado, vocais e instrumentos não tradicionais, como é o
caso da cítara e da gaita.
4.6 Memorização
Aspectos relativos à memorização podem ser observados e preestabelecidos para a
performance do músico, de contribuições relevantes para uma boa fluência da participação na
Roda. É imprescindível para o solista ou acompanhador o conhecimento da forma musical
(composição do choro) constituída pela seguinte sequência de partes: A, B ou C, com 16
compassos tradicionalmente. É interessante, na performance desse gênero musical, definir com
os companheiros de grupo, antes de iniciar a execução, o roteiro das repetições das partes que
normalmente se apresentam na seguinte ordem: introdução (quando houver), como forma de
começar ou anunciar um tema musical, AA, BB, A, CC, A e coda final que se apresenta com
números variados de compassos.
O conhecimento da forma musical serve de orientação para uma adequada aplicação das
nuanças características da linguagem dos instrumentos na performance do choro, até mesmo
para aqueles que tocam com a leitura da partitura. O músico deve estar sempre atento às
ocorrências desses detalhes que podem fazer parte tradicionalmente da composição ou surgir
inesperadamente na performance de um músico que, em tempo real, queira expressar-
-se de outra maneira que não seja da forma habitual.
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As convenções para a aplicação da forma e dos detalhes de interpretação na performence
do choro podem ser predefinidas e memorizadas nos ensaios ou transmitidas oralmente no ato
da execução.
Podemos apontar alguns aspectos frequentes convencionais para memorização e de
fundamental importância para a performance do Choro: dinâmica (momento expressivo da
execução); agógica (modificação passageira do andamento, seja por aceleração, retardamento
ou simples interrupção. É o conjunto de pequenas flutuações do andamento durante a execução
de uma obra musical, permitindo certa liberdade de expressão e interpretação); articulação
(execução clara do fraseado, interpretação desligada das notas de uma peça instrumental);
fermata (sinal de paragem); ornamentação (inserção de uma ou mais notas decorativas numa
melodia principal); respiração (momento exato de inspirar e expirar, auxiliando na
interpretação de frases); levadas rítmicas (mudanças de articulações específicas); tonalidades
(mudanças de centro tonal); rubato (liberdade expressiva do solista ao executar uma obra sem
alterar o andamento do acompanhamento); improvisação (liberdade de criar melodias tendo
como base a forma e a harmonia); cadências melódicas (“uma condensação de temas principais
e fragmentos da obra, onde o virtuose poderá ter ensejo de mostrar suas brilhantes qualidades
técnicas e interpretativas.”). (PRIOLLI, 1996, p. 105).
A memorização do repertório consagrado está diretamente ligada à performance
perceptivo-auditiva, que consiste em identificar os padrões harmônicos e melódicos trabalhados
anteriormente “em casa”, que se repetem nas composições.
Memorizar as sequências harmônicas da linguagem tonal facilita a fluência na execução
do acompanhador e na execução de certas melodias por parte do solista, que são compostas por
notas dos acordes e notas das próprias escalas desses acordes. É importante salientar que é
necessário ao músico o estudo individual por repetição para a memorização do repertório
consagrado, assim como a busca pelo convívio prático e diário do executante nesse meio
musical, favorecendo a qualificação e a rápida inserção do aspirante na prática desse repertório.
Segundo Hamilton de Holanda (2019), a memorização por repetição proporciona a
familiarização e a automatização do movimento dos dedos, habituando também o ouvido a
reconhecer rapidamente alguns dos padrões já explorados anteriormente, desenvolvendo,
assim, certa habilidade. Na Roda de Choro, a memorização está diretamente ligada à
performance interpretativa mais expressiva, com a possibilidade de diálogos musicais mais
relevantes entre os participantes.
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Nos instrumentos de cordas dedilhadas, podem-se citar a memorização dos dedilhados
das escalas para o solista e as montagens das posições dos acordes nos braços dos instrumentos
harmônicos.
Percebe-se que há uma dificuldade na prática de uma interpretação fluente para aqueles
músicos que têm dificuldade para memorizar e que alegam falta de tempo e têm o hábito de só
tocar com a leitura de uma partitura à sua frente.
Sobre a memorização das sequências harmônicas para a formação do músico, assim se
expressa Sérgio Prata:
Quanto à importância do estudo da memorização de harmonias, eu aqui vou citar o Jacob. Jacob dizia que o chorão tinha de saber ler, tinha de estudar mais para poder não ficar preso à partitura, ou seja, é uma coisa dialética, mas, quanto mais você estuda uma partitura, uma harmonia, mais livre você fica para não depender do papel. Eu falo isso porque, assim, ninguém em sã consciência vai levar o caderno de harmonias para uma Roda de Choro. Pelo menos, para uma roda de choro de bom nível. Você não chega lá com um caderno de harmonia dizendo para a Roda: “— 'Pera aí, deixa procurar aqui qual é essa harmonia!” A memorização de harmonias tem isto: você está pronto, e aí, quando você começa a memorizar algumas harmonias, identifica passagens de outros choros também. Então, é uma coisa que se vai multiplicando. E o choro tem, assim, umas identidades, umas bases harmônicas que são comuns à maioria dos choros. (PRATA, 2019).
Paz (1997), em sua pesquisa sobre Jacob do Bandolim, evidencia a personalidade forte
do intérprete ao exigir dos companheiros do conjunto Época de Ouro a perfeição e a atenção
para evitar os erros e a desobediência às convenções preestabelecidas nos ensaios por falta de
estudo. Os erros a que Jacob se referia eram de ordem harmônica, frases de baixo e sincronismo
rítmico por não memorizar e por não prestar atenção às formas musicais.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho hora concluído foi constituído de duas partes: a primeira, pela pesquisa aos
autores bibliográficos; e a segunda, pelas entrevistas com as opiniões dos professores e
performers renomados brasileiros. Os aspectos inerentes à Prática de Conjunto das Rodas de
Choro tradicionais podem contribuir, de forma direta e significativa, para a formação do músico
profissional. A transmissão oral é uma metodologia de ensino-aprendizagem invisível, segundo
Sandroni (2000), nesses ambientes informais e que pode contribuir também para as práticas de
conjunto acadêmicas por estabelecer um ambiente de troca de experiências, diálogos e
percepções audiovisuais. A música do universo do choro, composta por vários gêneros
musicais, fornece ao praticante uma gama enorme de conhecimento pela presença de diversos
solistas com repertórios e formas diferentes de se expressar. Os solistas e acompanhadores se
deparam com a amplitude musical nesses ambientes com a visão de 360 graus comentada pelo
performer Hamilton de Holanda (2019), onde todos os elementos da música estão presentes.
Na performance interpretativa em tempo real, tem-se a possibilidade de exercitar as percepções
constituídas de muita expressividade e emoção. Nesta pesquisa, identificou-se um personagem
de uma prática importante e característica na Roda de Choro que é a do Instrumentista
Colaborador Solista. Muitos músicos solistas praticam auxiliando, ajudando e ampliando o
repertório dos acompanhadores, invertendo a sua função precípua e passando a ser o solista que
acompanha o acompanhador. A improvisação na roda de choro não é constituída por uma
transformação total da melodia original. Ela evidencia muita mais a expressividade do que
propriamente o improviso pelo improviso, para não se perder o fio melódico condutor original.
Os antigos mestres do choro recomendam que o improviso seja permitido desde que apresente
inicialmente, ou na primeira vez, as melodias originais. É necessário refletir com relação ao
trabalho de transcrição pelo degravador e pelo transcritor, trabalho esse que auxilia na
perpetuação do repertório, auxilia na constatação visual, na partitura, da definição da forma
musical por meio do número de compassos, além de fazer o músico exercitar a percepção como
um todo. A expressividade, a memorização e a emoção são as características principais dos
choristas que, na sua plenitude da ação, buscam atingir o coração dos ouvintes com a mais pura
linguagem da alma brasileira: o Choro.
Conclui-se, então, que as contribuições que as Rodas de Choro fornecem para a
formação do músico são bem significativas, podendo-se destacar: a própria prática de conjunto,
que é a grande finalidade da busca por esse ambiente; a prática direta da transmissão oral; as
performances interpretativa, perceptivo-auditiva e visual; a interação entre os artistas e seu
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público; a ampliação do repertório consagrado, por intermédio da memorização; e a emoção ao
sentir as nuanças de timbres e sonoridades harmônico-melódicas dos instrumentos musicais em
vibração.
REFERÊNCIAS
ALBERTIM, João Paulo. Contribuição da Tradição da Roda de Choro para a Formação do Músico Instrumentista. Entrevista concedida a Marco Cézar de Oliveira Brito por e-mail em 24 set. 2019. Transcrição de Marco Cézar de Oliveira Brito, Recife-PE, 24 set. 2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice B desta dissertação.
ARAGÃO, Pedro. O baú do Animal: Alexandre Gonçalves Pinto e o Choro. Rio de Janeiro: Folha Seca, 2013.
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SIMAS, Jorge. Contribuição da Tradição da Roda de Choro para a Formação do Músico Instrumentista. Entrevista concedida a Marco Cézar de Oliveira Brito por e-mail em 23 set. 2019. Transcrição de Marco Cézar de Oliveira Brito, Recife-PE, 23 set. 2019. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice O desta dissertação.
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APÊNDICE A
QUESTIONÁRIO DA ENTREVISTA COM PROFISSIONAIS DE MÚSICA
1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular
Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.
Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista
acompanhador?
2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na
aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em
sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.
Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico
acompanhador?
3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de
representar numa partitura a informação musical adquirida pelo ouvido.
Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do
músico acompanhador?
4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e
memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.
Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento
do acompanhamento?
5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro, e o
correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.
O que você pensa sobre o correpetidor solista na prática do choro?
6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar
dentro de parâmetros harmônicos, rítmicos e melódicos, ou não.
O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?
APÊNDICE B
ENTREVISTA COM O MÚSICO JOÃO PAULO ALBERTIM
EM 24.09.2019
1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular
Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.
Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista
acompanhador?
Resposta: A roda de choro contribuiu na minha formação em vários aspectos, entre os
quais: (i) o desenvolvimento e o conhecimento de um novo repertório, que toco de forma
mais livre, sem depender de uma partitura; (ii) a convivência, o aprendizado e o respeito
com outros músicos; (iii) o desenvolvimento da minha percepção, ao tocar um choro sem
nunca tê-lo escutado, ao conhecer as sequências harmônicas utilizadas no gênero, foi
possível graças à prática de conjunto, executando músicas em várias tonalidades; (iv) noção
de dinâmica ao tocar ouvindo a interpretação dos companheiros na roda. Todas essas
contribuições que a roda proporciona ao acompanhador o ajudam em sua prática
profissional: por exemplo, ao acompanhar um cantor ou algum instrumentista, ele pode
utilizar esses elementos aprendidos na roda de forma bem natural.
2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na
aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em
sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.
Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico
acompanhador?
Resposta: Ao interpretar um choro, ou outra música, utilizo elementos adquiridos ao ouvir
e reproduzir de forma imitativa no meu cavaquinho as interpretações dos músicos que tenho
como referência. Penso que o músico tem de agir como uma "esponja", ou seja, deve tentar
absorver o máximo possível com sua percepção, misturar e criar sua identidade ao tocar. O
cavaquinhista, ao acompanhar um instrumentista ou cantor(a), deve utilizar as palhetadas e
nuanças de acompanhamento aprendidas e desenvolvidas nesse processo de percepção
instrumental.
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3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de
representar numa partitura a informação musical adquirida pelo ouvido.
Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do
músico acompanhador?
Resposta: As gravações consagradas são verdadeiras escolas para o músico acompanhador.
Muitas vezes, as partituras vêm escritas de forma mais simples, sem os detalhes de
interpretação feitos pelos músicos durante a gravação. Quando é feita de forma fiel ao que
foi tocado, a transcrição traz um enriquecimento ao aprendizado. Cada música que
transcrevo me traz algo novo, alguns detalhes que irão fazer a diferença na minha próxima
interpretação.
4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e
memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.
Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento
do acompanhamento?
Resposta: O estudo das sequências harmônicas vai auxiliar o acompanhador a desenvolver
um leque de possibilidades e caminhos a serem utilizados no acompanhamento e na sua
criação. É importante, além de estudar o acompanhamento, desenvolver a sequência
harmônica aliada ao uso do encadeamento dos acordes com condução de vozes. Isso vai
proporcionar outras sonoridades à sequência escolhida.
5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro. O
correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.
O que você pensa sobre o correpetidor solista na prática do choro?
Resposta: Acho superimportante a atuação do correpetidor solista. Muitos
acompanhadores, ao tocarem, acabam não exercendo essa função, porque tocam sem prestar
atenção e sem escutar as nuanças do solista, colocando-o numa situação inconfortável ao
interpretar, porque ele acaba acompanhando quem deveria acompanhá-lo. O correpetidor
solista vai ajudar no desenvolvimento desse acompanhador, ensinando-o a ouvir o solista e
a perceber todos os detalhes para que o acompanhamento funcione de forma correta.
6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar
dentro ou não de parâmetros harmônicos, rítmicos ou melódicos.
76
O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?
Resposta: A improvisação no choro e no samba dá a liberdade de expressar as várias
linguagens e estilos, utilizando harmonias, melodias e divisões rítmicas variadas que me
permitem criar frases de forma espontânea. Geralmente, utilizo, como prática, a
apresentação do tema de forma clara e original para, posteriormente, nas repetições,
desenvolver com plena liberdade.
APÊNDICE C
ENTREVISTA COM O MÚSICO LUIZ OTÁVIO BRAGA
EM 12.04.2019
1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular
Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.
Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista
acompanhador?
Resposta: A eficiência da roda de choro é uma questão de necessidade: a necessidade que
se tem de fazer música em conjunto independentemente de estilo e de gênero. As escolas
de música que ensinam a música de choro, hoje — e que não havia há 40 anos —, não
podem prescindir de uma segura prática de conjunto, a qual deve ser a menina dos olhos do
projeto de ensino. Os músicos que, no passado, se formaram na roda de choro procuravam-
na porque sentiam essa necessidade inelutável. Era a chance de fazer prática de choro; se
não as tinham, recorriam às gravações.
2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na
aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em
sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.
Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico
acompanhador?
Resposta: Como nem todos podiam frequentar a roda ou elas se tornavam cada vez mais
infrequentes e fechadas, o recurso era “tirar de ouvido” (violonistas, cavaquinhistas, solistas
mesmo, embora estes normalmente dispusessem de partituras) e acompanhar “com o disco”.
E esse método, notoriamente esplêndido para a percepção melódica, harmônica e rítmica,
tornou-se a ferramenta; valiosíssima, preparatória; dando ao interessado no exercício de
prática ulterior, as condições para tal. Toda uma geração de violonistas e cavaquinhistas ali,
na alvorada dos anos 1970, aperfeiçoou as suas habilidades com esse expediente; um
recurso que, em 35 anos de magistério, sempre exigi dos meus alunos de violão,
notadamente os que me procuravam para aulas de violão de seis, violão de sete cordas, com
78
ênfase na música de choro e de samba tradicional. Essa ferramenta, por assim dizer,
“caseira”, perdeu um pouco da sua pujança em face da farta oferta de cadernos de melodias
cifradas, songbooks, vídeos de internet que, desafortunadamente, afastam os estudantes
desse exercício, repito, fundamental. Na UNIRIO, no bacharelado em música popular, há
disciplinas que operam nesse sentido, impondo esse exercício como tarefa para a obtenção
dos créditos de formação. Nas minhas práticas, percebi que esse processo é uma maneira
bastante acelerada de obter resultados objetivos relativos à percepção harmônica e
melódica, notadamente.
3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de
representar, numa partitura, a informação musical adquirida pelo ouvido.
Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do
músico acompanhador?
Resposta: Naqueles tempos, em regra, não se faziam transcrições. Falo de violonistas e
cavaquinhistas, principalmente. Era raro encontrar violonistas e cavaquinhistas com sólida
leitura de partituras. Normalmente, liam bem o cifrado e nada mais. As exceções confirmam
a regra. Neco (Daudeth Azevedo), nos anos 1970, era o violonista e guitarrista que (mais)
gravava quando as partes eram escritas para além de cifras. Não nos esqueçamos de que não
foram membros de um “regional” que gravaram a Suíte Retratos , de Gnattali. Neco e Waltel
Branco foram os violonistas, e José Menezes, o cavaquinhista. O trabalho era transcrito
diretamente para o instrumento: não era registrado. Motivos óbvios. No entanto, considero
indispensável que as transcrições sejam registradas, de fato. Hoje, todos os músicos
populares, de modo geral, leem, de sorte que transcrições dadas a ler pelos estudantes, como
fiz no meu “Violão de 7 Cordas: Teoria e Prática”; como Mário Sève fez com o seu
dicionário de frase de choro; e outros trabalhos. Tudo isso serve como elemento de alto
valor para uma aprendizagem mais rápida e objetiva, já que vivemos num mundo onde a
velocidade é tudo. Penso que se pode aprender de várias maneiras; e qualquer coisa.
4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e
memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.
Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento
do acompanhamento?
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Resposta: A “transcrição consagrada”, em última análise, significa dispor ao estudante, ao
músico, os “standards” dos estilos, seus elementos, notadamente os melódico-harmônicos,
o idiomatismo, seus autores notáveis, bem como municiá-lo com um repertório do qual ele
pode lançar mão a toda a hora e que lhe abrirá — via percepção — as competências para
tocar sem a mediação da partitura e, até mesmo em primeira mão, repertório que não
conhecia. Significa conhecer o estilo. Isso estilos já responde a próxima pergunta, porquanto
o conhecimento dos “standards” do choro dá ao estudante um quadro bastante abrangente
de idiomatismo, cadências típicas (melódicas, harmônicas, rítmicas), encadeamentos, giros
harmônicos e práticas modulatórias.
5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro. O
correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.
O que você pensa sobre o cotrepetidor solista na prática do choro?
Resposta: Hoje os softwares editores de partitura musical dão condições para que se simule
uma orquestra inteira. Minha geração adoraria ter solistas à disposição. Eu, atualmente,
escrevo os arranjos que vou tocar como solista. Isto é, ensaio antes do “verdadeiro” ensaio.
Funciona, e muito! Não existe prática musical instrumental completa sem a prática de
conjuntos. A presença de um correpetidor solista (penso que é necessário problematizar, no
trabalho a ser feito, essa figura) colocará à disposição do acompanhador, no mínimo, um
duo. Quanto mais o correpetidor for um instrumentista conhecedor do estilo e dos seus
idiomatismos inerentes (isso é fundamental) melhor será para aquele que se inicia na arte
de acompanhar.
6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar
dentro ou não de parâmetros harmônicos, rítmicos ou melódicos.
O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?
Resposta: É outro termo que, num trabalho de mestrado, carece de problematização e
conceituação. Sem entrar nesse mérito, posso dizer, no entanto, que sempre tive a impressão
de que o que se chamava “improviso” era, de fato, algo muito variável e variado — e, às
vezes, nem improviso era! — e que dependia exclusivamente das habilidades do
instrumentista, requerendo muito estudo. E percebia que — tendo os músicos de jazz ao
fundo — era diferente o que se fazia no jazz (e mesmo no rock) daquilo que diziam ser
improviso no choro. Pois sempre tomei como improviso as articulações da percussão e do
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cavaquinho — sempre diferentes, a cada exposição dos temas —, as intervenções da
baixaria dos violões, também surpreendentes fora das chamadas “obrigações”; acentos,
gradações dinâmicas e agógicas. Tudo isso estabelecendo movimento, naquele sentido
nobre da filosofia que diz que “só se entra num rio apenas uma única vez”. Da velha geração
com a qual trabalhei ou vi tocar (Abel Ferreira, Joel, Altamiro Carrilho, Paulo Sérgio
Santos, Altamiro Carrilho), incluídos violonistas como Dino, Walter Silva, Raphael
Rabello. Por meio deles, sempre tive para mim que o improviso na música de Choro
instrumental era de natureza eminentemente melódica. Esses músicos — e muitos outros —
eram hábeis melodistas, capazes de, sobre o mesmo tecido harmônico, elaborar, em tempo
real, outra melodia. A relação com o tema principal nunca era perdida. Tecnicamente: era
um conhecimento (não importa se teórico ou puramente intuitivo) que configurava as assim
denominadas técnicas de variação melódica, ou seja, o tema e a variação, bem do
Classicismo na música erudita. Hoje, as técnicas de improvisação são amplamente
conhecidas; há livros sobre elas; são ensinadas nas escolas e articuladas por muitos músicos,
o que tem aproximado como nunca, talvez, a música de Choro da música de Jazz. E como
o Brasil sempre foi um “cadinho” de bem-
-sucedidas “experiências” musicais, não negadas pela nossa história, espero que essa
“novidade” improvisatória dê bons frutos e que possa fazer muito bem à nossa música. Foi
assim com as polcas, a schottisch, a mazurca,...
APÊNDICE D
ENTREVISTA COM O MÚSICO ROGÉRIO CAETANO
EM 18.04.2019
1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular
Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.
Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista
acompanhador?
Resposta: Na minha opinião, a Roda de Choro é o ambiente formador dos grandes músicos
brasileiros. Se a gente for analisar de uma forma geral, todos os grandes nomes tiveram sua
formação vinculada à Roda de Choro. Nomes como o próprio Baden Powell, Rafael Rabello
e várias outras pessoas de gerações futuras. Então, a Roda de Choro sempre foi a formadora
dos grandes músicos brasileiros, com certeza.
2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na
aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em
sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.
Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico
acompanhador?
Resposta: A percepção musical é fundamental porque todo o mundo começa com esse
processo de imitação. Eu mesmo passei por esse processo com o Dino, a quem dediquei uns
15 anos da minha vida, e com Rafael Rabelo também. Enfim, o processo de imitação faz
parte do início de qualquer pessoa que quer tocar uma linguagem criativa dessas, como a
do choro e do samba. Para dominar com profundidade essa linguagem, tem de passar por
esse processo de imitar e depois criar sua própria forma de tocar, mas inicialmente você
deve ter uma referência, deve ter um padrão para você seguir. É de importância
fundamental.
3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de
representar numa partitura a informação musical adquirida pelo ouvido.
Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do
músico acompanhador?
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Resposta: Eu acho que a transcrição pode ter um valor documental, de você colocar no
papel o que o músico criou numa gravação. Mas eu sou totalmente contra a transcrição
como forma de aprendizado. Nessas músicas, o Choro, o Samba, a minha parte
principalmente, como violonista de 7 cordas, é uma linguagem completamente improvisada,
de muita criatividade. Então, quando o músico faz uma gravação como essa, ela é um retrato
de um momento que ele fez ali, mas, se você pegar 10 gravações com o mesmo músico, que
tem grande qualidade, vai ver que ele fará 10 gravações diferentes. Então, o importante é a
pessoa aprender o processo criativo, primeiramente de ouvido e depois passar a ter uma
consciência harmônica do que ele está fazendo. Claro que você precisa de certo nível teórico
para ter ciência e consciência de algumas coisas que você vai fazer, mas, eu tenho certeza
de que ninguém aprende a linguagem do violão de sete cordas por meio de transcrição. Eu,
por exemplo, falando como um violonista de sete cordas. Ninguém aprende.
4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e
memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.
Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento
do acompanhamento?
Resposta: Em primeiro lugar, que o violão de sete cordas é um instrumento de harmonia,
ele é um instrumento harmônico, um instrumento que pode ser solista, mas que tem uma
essência de instrumento acompanhador. Eu atualmente faço um trabalho como solista e
também como acompanhador. Hoje dou mais ênfase à parte como solista, mas já tive a
oportunidade de gravar e acompanhar muita gente. Então, as pessoas que vão fazer o
acompanhamento, quando você vai fazer uma baixaria ou vai fazer uma frase, você tem de
entender que existe uma ordem em que as coisas acontecem. A primeira é a harmonia. Se
você não tem a harmonia, você vai fazer uma frase ou um baixo em cima do quê? Então, o
baixo acontece em decorrência de uma harmonia. Por isso, é importante as pessoas terem
consciência da harmonia das músicas. Como você perguntou, saber as sequências básicas
harmônicas, enfim. É uma coisa que tem a ver com o repertório, que você pega com o tempo
de aprendizado, e você também passa a dar nomes aos bois, a entender o que acontece dentro
de uma harmonia. Existe uma ordem, você sabe a harmonia, faz a frase, e, com relação à
frase, você tem um terceiro elemento que eu considero muito importante que é a precisão.
As frases — nesse caso, no violão de sete cordas — funcionam, eu costumo dizer isso, como
se fosse um meio de campo de um time de futebol, você vai dar um passe, se você estiver
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solando, você vai dar um passe para você mesmo. Se estiver solando com outro instrumento
solista ou cantor, você vai dar o passe para o cantor fazer o gol, ou o solista.
5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro. O
correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.
O que você pensa sobre o correpetidor solista na prática do choro?
Resposta: Eu acho válido. Se tiver uma pessoa que possa tocar para outras acompanharem
será ótimo. Quem me dera se eu tivesse isso? Na minha época, o correpetidor era cada disco
que eu ouvia. Ouvia os discos tirava tudo, depois ia para a roda experimentar novas coisas,
errar e acertar.
6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar
dentro ou não de parâmetros harmônicos, rítmicos ou melódicos.
O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?
Resposta: Como eu já falei anteriormente, a linguagem do choro e do samba, no que diz
respeito ao contraponto, à parte de acompanhamento, é uma linguagem totalmente criativa.
Na realidade, a gente tem as melodias definidas que tem uma harmonia; em cima dessa
harmonia, o solista pode improvisar, o acompanhador pode improvisar. É o que eu digo,
essa é uma linguagem de muita criatividade e improvisação. Para você criar algo em cima
de alguma coisa, você tem de saber em cima do que você vai criar, harmonicamente falando,
e ter um conhecimento básico das inversões dos acordes. Há muita gente que quer tocar os
baixos, mas não sabe nem fazer a variação das inversões de um movimento simples como
G7–C. Como é que a pessoa vai criar alguma coisa se ele não sabe nem o básico? Então,
muitas vezes, eu acho que as pessoas começam a estudar de uma forma errada sem dar a
devida atenção a um assunto que, às vezes, é simples, porém não é raso, é uma simplicidade,
mas que tem muita profundidade. Então, para a pessoa poder improvisar, tem de ter muito
estofo, tem de conhecer as coisas básicas primeiramente para, depois, conhecer as coisas
mais substanciosas e, a partir de certa maturidade, realmente começar a improvisar e criar
alguma coisa com muita consciência, sabendo exatamente o que está fazendo.
APÊNDICE E
ENTREVISTA COM O MÚSICO CAIO CÉZAR
EM 15.04.2019
1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular
Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.
Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista
acompanhador?
Resposta: A Roda de Choro proporciona ao violonista acompanhador o desenvolvimento
de várias habilidades, entre elas podemos destacar: a prática de conjunto em que se
exercitam dinâmicas; a função instrumental dentro da formação em questão; a percepção
musical; a prática contrapontística; timbragem; prática harmônica com as mais variadas
possibilidades, indo desde os clichês tradicionais às modulações.
2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na
aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em
sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.
Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico
acompanhador?
Resposta: A percepção instrumental é fundamental para o desenvolvimento de qualquer
músico. Essa capacidade adquirida dá ao músico autonomia e entendimento do universo
musical, assim como acontece com a fala humana. Falamos e entendemos o que o outro
fala. Na música, é preciso que tenhamos destreza nessa comunicação, saber o que tocamos
e entender o que o outro toca. Esse domínio acelera e dá consistência a todo o processo
musical, seja do solista, do acompanhador, do arranjador ou do compositor.
3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de
representar numa partitura a informação musical adquirida pelo ouvido.
Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do
músico acompanhador?
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Resposta: Principalmente a construção de repertório, de vocabulário e, posteriormente,
todo esse material assimilado, dominado e compreendido levará o músico acompanhador a
desenvolver sua própria linguagem musical, sua assinatura, sua identidade.
4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e
memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.
Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento
do acompanhamento?
Resposta: Essas sequências denunciam, de certa forma, a identidade musical de cada
cultura, seja no choro, seja no flamenco, no blues, seja na obra do barroco, enfim. O domínio
desses elementos constitutivos de determinada cultura musical leva o músico a um
entendimento e intimidade do objeto em questão, propiciando uma execução mais a caráter,
com mais sabor, com mais tempero, enriquecendo, portanto, o resultado final da
apresentação musical.
5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro. O
correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.
O que você pensa sobre o correpetidor solista na prática do choro?
Resposta: Não me lembro de passar por essa experiência prática de correpetidor solista.
6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar
dentro de parâmetros harmônicos, rítmicos e melódicos, ou não.
O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?
Resposta: Já no samba, a improvisação, além de trazer um colorido especial à composição
em si, é movida também pelo espírito da dança, do ritmo, do requebrado, da malemolência
indissociável do momento: som, corpo e movimento. A questão rítmica passa a ter um papel
determinante dentro da criação melódica improvisada.
APÊNDICE F
ENTREVISTA COM O MÚSICO FERNANDO CÉSAR
EM 06.05.2019
1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular
Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.
Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista
acompanhador?
Resposta: A maior contribuição é tocar em conjunto. Sair do ambiente de estudo, de estar
estudando sozinho com a partitura ou com a gravação, e fazer a música orgânica, que é
diferente. Totalmente diferente de tocar sozinho ou tocar com a gravação. Aprender a
respirar junto com os solistas e com os outros acompanhadores. No meu ponto de vista, essa
é a principal contribuição da Roda de Choro. A outra seria o desenvolvimento de repertório,
principalmente se for a Roda de Choro constante que acontece semanalmente, e que o
acompanhador possa ter a oportunidade de um dia ter uma música desconhecida e, mesmo
que se perder em alguns momentos, mapear essa música e estudar e, na próxima semana, se
redimir. Então, eu acho que a formação de repertório também é muito importante.
2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na
aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em
sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.
Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico
acompanhador?
Resposta: A percepção instrumental — na verdade, é isso que você diz —, a repetição de
tocar junto com as gravações, de tirar as gravações tem uma importância fundamental. Há
vários choros que são executados nas rodas de acordo com as gravações de referência.
Então, para o acompanhador, é essencial saber tocar o choro como nas gravações de
referência, porque provavelmente ele vai chegar a uma Roda de Choro e o solista vai
aguardar o acompanhador acompanhá-lo daquela forma. Tocar o Ingênuo, fazer aqueles
baixos, vários choros que têm as baixarias de obrigação, é importante o acompanhador
saber. Isso é o princípio básico, de ter as gravações de referência na ponta dos dedos. Para
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realmente adquirir a linguagem depois, ele vai-se desenvolver com todas as outras
informações que ele tem, mas ele tem que saber fazer o que os grandes mestres fizeram. Se
ele não tem ciência do que os grandes mestres fizeram, ele não pode desenvolver-se a partir
do nada, de uma ideia que ele tenha. A referência precisa ser dos grandes mestres.
3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de
representar numa partitura a informação musical adquirida pelo ouvido.
Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do
músico acompanhador?
Resposta: Eu não sei se a pergunta se refere à situação em que o próprio músico
acompanhante é que vai transcrever o que ele tirou de ouvido ou se ele vai encontrar essa
transcrição pronta para ele? Se ele tem essa transcrição pronta para ele, ele está-se poupando
do trabalho de tirar a música de ouvido, o que pode ser bom para ele ganhar um tempo se
ele sabe ler, mas ele não vai desenvolver esse sentido, a percepção. Então, é uma coisa que
em mim gera uma dúvida. Agora, se é o próprio violonista que tirou a gravação e vai
escrever, eu acho que é uma coisa bem interessante porque ele vai bater o martelo nos
mesmo lugar ali, vai estar de alguma maneira repetindo o que ele tirou, vai memorizar de
uma outra maneira escrevendo. Eu acho que é um bom exercício.
4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e
memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.
Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento
do acompanhamento?
Resposta: Quem toca de ouvido tem as sequências harmônicas já internalizadas pela
repetição, de tanto tocar. Quem está se enveredando nesse meio do acompanhamento e
precisa desenvolver, vai precisar estudar essas sequências, repetir. Cada caso é um caso,
mas pode ser que essa pessoa já esteja numa idade mais à frente e que não consiga participar
de tanta roda de Choro e de Samba, que é o lugar onde a gente costuma desenvolver isso.
Então, vai precisar fazer esses estudos em separado, em casa, no computador, tocando,
repetindo, professor colocando as sequências. Eu não costumo colocar muito, só o esqueleto
dela para o aluno, além de praticar a percepção, praticar o pensar, ter consciência do que ele
está tocando. Às vezes, é um pouquinho mais demorado mas já vai dando a consciência ao
aluno.
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5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro. O
correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.
O que você pensa sobre o correpetidor solista na prática do choro?
Resposta: A importância é aquela que eu falei anteriormente, da questão de tocar junto.
Questão da Roda de Choro: o correpetidor faz o mesmo trabalho da Roda de Choro, ele vai
ajudar os acompanhadores tocando melodia e respirando junto, fazendo uma música mais
orgânica.
6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar
dentro ou não de parâmetros harmônicos, rítmicos ou melódicos.
O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?
Resposta: Eu acho que a improvisação no Choro e no Samba é a evolução do músico, é a
evolução do chorão, é a evolução do músico sambista. É trazer as informações adquiridas
para a música que ele faz. Eu acho que é uma coisa muito legal, muito importante, e que
contribui muito para o crescimento e o fortalecimento desses gêneros.
APÊNDICE G
ENTREVISTA COM O MÚSICO HAMILTON DE HOLANDA
EM 17.04.2018
1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular
Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.
Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista
acompanhador?
Resposta: Eu acho que a Roda de Choro dá uma visão de 360 graus para o músico. Em
geral, para o acompanhador também, ou seja, justamente por ser uma roda, você tem uma
visão completa da música. Então, o pandeiro está por perto, o bandolim ou outro
instrumento solista vai estar por perto, o cavaquinho também, e isso possibilita, vamos dizer
assim, uma “antena harmônica” mais precisa, que você fica sempre com os três elementos
básicos da música: a harmonia, a melodia e o rítmico estão sempre à mão, ali, na roda.
Então, isso facilita a antena, como eu falei, a antena harmônica, a capacidade de ter um
ouvido e saber onde está a música, em que acorde está, em que parte está. Eu acho que isso
a Roda de Choro dá de uma maneira, assim como quando a gente vê um piano, toca e vê a
harmonia; numa Roda de Choro, você vê a música. Eu acho que é isso, e, para o violonista
acompanhador, isso dá uma percepção que é tipo andar de bicicleta também: depois que
aprende, você não esquece nunca mais, porque aquilo vai aumentando o repertório, vai
aumentando o vocabulário, e essa capacidade também se expande porque você vai
conseguindo reconhecer mais sequências harmônicas, mais acordes, mais figuras rítmicas
também, lógico. A Roda de Choro é uma roda realmente, e a visão 360 graus aumenta a
capacidade do músico acompanhador de reconhecer os sons e reproduzi-los no seu
instrumento.
2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na
aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em
sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.
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Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico
acompanhador?
Resposta: Eu acho que é fundamental. Na verdade, para mim, é a primeira maneira de se
aprender choro, e eu diria que música, em geral, é de ouvido, porque a música é som, e
quando você aprende uma música lendo é ótimo. Eu acho que é fundamental ler e faz parte
da linguagem universal a gente pode tocar em qualquer lugar, todo o mundo vai saber o que
é uma colcheia e o que é uma semicolcheia. Agora, é fundamental, para tocar, para ter uma
participação legal numa Roda de Choro ou o próprio estilo ou a característica do estilo, o
músico ter repertório decorado, por exemplo, e, para isso, a percepção instrumental é
fundamental. Você tirar as músicas de ouvido imitando as gravações, porque o que ficou
clássico foram as gravações, não foram as partituras. Se você pega as músicas muito antigas,
como não havia gravação, o que ficou para a história? Foi a partitura. O que ficou para
história do choro? Algumas partituras também, mas, em geral, são as gravações clássicas
do conjunto Época de Ouro. Por exemplo, eu citaria Vibrações nesse lugar aí especial.
Então, o Choro tem uma particularidade, e eu acho que, para o violonista, é fundamental, e
quanto mais música tirar através dessa percepção, mais capacidade ele vai ter de tocar, até
de primeira, uma música, por exemplo, porque você vai aprendendo ali os caminhos, e
aquilo vai se repetindo dentro do seu ouvido e da percepção auditiva, e quando você ouve
aquilo ali de novo o seu dedo automaticamente já vai pro lugar. Acho que é muito
importante — diria que é fundamental — esse tipo de aprendizagem de ouvido. Eu mesmo
comecei assim. Meu pai tirava o LP ali da caixinha, botava na vitrola e ia colocando a
agulha. Eu tirava a agulha, parava um pedaço a primeira parte. Terminava a primeira parte,
levantava a agulha e reiniciava. Então, comigo ali, com meu irmão em casa, acho que foi
ótimo para o meu aprendizado, foi muito bom. Até mesmo negócio de músico
acompanhador me faz lembrar também do meu pai com um amigo meu da universidade,
quando eu estudava na UnB. Ele falou com meu pai: “— Ô, seu Américo! Tudo bem, seu
Américo? Já me falaram que o senhor acompanha até música que o senhor não conhece,
assim de ouvido.” Aí meu pai respondeu “— Você é que pensa que eu não conheço!”
Brincou com ele, mas, na verdade, o que ele quis dizer? Quanto mais música você conhece,
mais capacidade você vai ter de tocar uma que você não conhece, porque os caminhos vão
ficando parecidos, e, no choro, já há uma tradição, já há uma estrutura que todo o mundo já
conhece e certas passagens harmônicas que já são clássicas também. Então, eu acho que é
fundamental a percepção instrumental.
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3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de
representar numa partitura a informação musical adquirida pelo ouvido.
Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do
músico acompanhador?
Resposta: Bom, eu acho que, em primeiro lugar; para ele é muito importante porque, a
partir do momento em que ele para o tempo dele, ouve a gravação e consegue tirar o que
está ali, mostra uma capacidade auditiva maravilhosa, e isso é uma coisa que se ganha com
o tempo. Então, chegar ao ponto de ouvir o acorde e já escrever de cara, isso aí é um nível
importante para o músico popular ter essa capacidade. E o músico acompanhador do Choro
também! E do lado da comunicação, vamos dizer assim, a partir do momento em que
escreve, ele está dando a oportunidade para outros também tocarem aquela transcrição.
Então, acho que acaba sendo uma contribuição também para a comunidade, para outros
músicos, para o Choro. Eu acho que é bom desses dois lados, tanto para ele aprender a
música, para ele desenvolver o ouvido e desenvolver a escrita quanto saber o que está
escrevendo e saber o que está tocando, as duas coisas são muito importantes. Outra coisa é
que ele está facilitando a vida de outras pessoas, ajudando o aprendizado de outros músicos.
Isso é muito bom também.
4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e
memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.
Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento
do acompanhamento?
Resposta: É igual a aprender matemática. Aprenda regra de três, você vai saber fazer conta
sempre. Então, você aprende as sequências harmônicas e entende o movimento de atração
dos acordes, de resolução, de tensão, e tudo isso que as sequências têm. Eu acho que isso aí
você afina a inteligência e afina o ouvido. Então, é aquilo que eu falei na resposta anterior,
que o meu pai respondeu de uma maneira engraçada, mas que ali contém exatamente isto:
você estuda as sequências, depois você as reconhece nas músicas. Você domina uma
linguagem, você pode depois criar a partir do domínio dessa linguagem. Então, é a melhor
maneira de você estudar a linguagem. No caso da linguagem do Choro, é você pegar as
sequências harmônicas, por exemplo, das músicas do Pixinguinha, do Jacob, compará-las
com as do Nazareth, por exemplo. É aí que você vai ver que são parecidas com coisas da
música clássica, da música romântica do Chopin, da música barroca do Bach. Então, você
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vai reconhecendo e vai também entendendo que a música é generosa. A música é feita com
características regionais e de cada país, de cada lugar, mas tem regras universais, tem
caminhos que são universais, e quando você consegue reconhecer isso de ouvido e praticar
isso em tons diferentes, em compassos diferentes, faz em ritmo de choro, faz em ritmo de
valsa. Tudo isso lhe vai dando uma base para, na hora de tocar a música, você possa curtir
e passar só a emoção, porque, no fundo, a busca da música é a emoção. Então, a gente não
sabe explicar exatamente a emoção. A gente consegue estudar as músicas que já foram
feitas. A teoria da música nasceu depois da música; ela não nasceu antes da música. Então,
é importante saber disso, que a gente já conhece músicas de outras épocas e reconhece
também na nossa música. Importante isto também: o apaixonante é que você estuda as
sequências harmônicas, vai-se abrindo um universo cada vez maior.
5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro. O
correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.
O que você pensa sobre o correpetidor solista na prática do choro?
Resposta: Nunca pensei nisso, na verdade. Seria interessante. Ao mesmo tempo, se me
lembro bem, quando dava aula de bandolim em Brasília na escola de choro e na escola de
música e em umas aulas particulares, eu era uma espécie de correpetidor, porque fazia os
solos, enquanto os alunos de cavaquinho e alunos de violão iam fazendo a parte de harmonia
e de ritmo. Então, eu acho que é importante um correpetidor solista, e que ajuda muito, na
verdade. Eu acho interessante. Nunca tinha pensado, apesar de já ter praticado isso, mas
com essa expressão de correpetidor solista acho bem interessante. Precisa-se desenvolver
mais isso. Acho muito legal.
6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar
dentro de parâmetros harmônicos, rítmicos e melódicos, ou não.
O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?
Resposta: Eu penso que está evoluindo. A moçada está estudando aí, a galera jovem está
botando pra quebrar. Eu estou sempre procurando uma frase que eu não fiz. Essa é uma
máxima da minha interpretação, da minha maneira de tocar, a busca por alguma frase nova,
diferente, baseada na linguagem. É claro que hoje eu acho que, por gostar de muitos estilos
musicais e ouvir muitas músicas diferentes, o improviso que eu faço tem uma linguagem
misturada, mas, se eu estou tocando um Choro, eu tento, dentro desse choro, mostrar a
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música, mostrar a linguagem da música. Por mais que eu esteja criando alguma coisa
diferente, eu estou sempre querendo mostrar a música, porque a música, quando tocada só
a melodia com os acordes, já vai soar bonita. O Choro é a nossa música clássica, mas, ao
mesmo tempo, tem essa coisa da música popular de querer inventar alguma coisa. Música
popular tem isso. Então, eu acho que está evoluindo. Eu vejo muito a juventude aí se
arriscando em buscar uma linguagem de improvisação. Eu estou sempre buscando melhorar
principalmente o sotaque rítmico, reconhecer as outras culturas, reconhecer que, por
exemplo, o Jazz, o Choro são primos, como se fossem primos-irmãos, aqueles primos que
a gente tem na família da gente e que a gente considera irmãos. Então, há essa proximidade
com a parte de improvisação demais; então, os músicos de Jazz adoram Choro. Eu tenho
viajado muito pelo mundo e vejo como eles adoram o fraseado do choro. Então, eu acho
que, cada vez mais, o músico de choro tem de se aperfeiçoar na linguagem de improvisação
do choro, os músicos de samba também. O Samba tem também a parte do canto, que é muito
desenvolvida, na parte de improvisação que são os versos. Ah! Vamos versar hoje! É o
Partido Alto! É como o repente. É uma chuva, uma avalanche de palavras, de poesia, que é
um negócio impressionante. Então, isso eu vejo que está bem servido. A galera do Samba
sempre tem uns caras feras aí que estão puxando para esse lado também da parte com letra,
da parte cantada. É isso, acho que é por aí!
APÊNDICE H
ENTREVISTA COM O MÚSICO NENÉU LIBERALQUINO
EM 16.04.2019
1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular
Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.
Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista
acompanhador?
Resposta: Eu destacaria duas contribuições relevantes: o violonista acompanhador aprende
na roda de choro tocando, vendo e ouvindo os outros tocarem, de forma objetiva e concreta,
pois há na Roda de Choro muita troca de informações; ademais, ele pode desenvolver sua
percepção pelo fato de ter de acompanhar choros novos, ou que ele desconhece, “de
ouvido”.
2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na
aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em
sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.
Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico
acompanhador?
Resposta: Na minha opinião, todo o músico, independentemente de ele ser um violonista
acompanhador, deveria vivenciar essa prática de percepção instrumental. Eu, como
violonista solo ou acompanhador, aprendi muito ouvindo gravações e reproduzindo-as pelo
processo de imitação.
3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de
representar numa partitura a informação musical adquirida pelo ouvido.
Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do
músico acompanhador?
Resposta: É incomensurável a importância da transcrição, pois, em geral, você jamais
esquece aquilo que transcreve, além de desenvolver a escrita musical e a assimilação da
linguagem em todos os seus aspectos: melódico, rítmico e harmônico.
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4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e
memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.
Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento
do acompanhamento?
Resposta: Estudar as sequências harmônicas é importante, mas não é suficiente. Você não
pode apenas “decorar sequências harmônicas”, mas precisa entendê-las no contexto da
harmonia e saber qual a função de cada acorde nessa progressão harmônica, as escalas
aplicadas, etc.
5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro. O
correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.
O que você pensa sobre o correpetidor solista na prática do choro?
Resposta: Assim como na música erudita, em que o correpetidor é de fundamental
importância na preparação do repertório do solista, o correpetidor solista na preparação do
acompanhador na prática do choro torna-se essencial, mesmo com a existência hoje de
muitos “play along” de choro.
6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar
dentro de parâmetros harmônicos, rítmicos e melódicos, ou não.
O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?
Resposta: Quando se fala sobre improvisação musical, é impossível não se reportar à
linguagem do Jazz, que conseguiu o que se considerava improvável: Sistematizar o estudo
da improvisação, ou seja, torná-la uma habilidade que pode ser estudada e desenvolvida por
todos. Para um músico de Jazz, você não nasce improvisador, pois a improvisação é uma
linguagem. O próprio Nelson Faria, no seu livro A Arte da Improvisação, ratifica esse
pensamento: “Gostaria de lembrar que a improvisação é uma linguagem, e deve ser estudada
como tal…” Penso, portanto, que a improvisação, seja no Jazz, seja no Choro, seja no
Samba, é uma competência que se adquire e se desenvolve a partir de um estudo específico
e de uma prática direcionada, e que pode contribuir para o trabalho do instrumentista, do
compositor ou do arranjador.
APÊNDICE I
ENTREVISTA COM O MÚSICO OLIVIER LOB
EM 03/05/2019
1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular
Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.
Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista
acompanhador?
Resposta: Vou tentar responder com as palavras justas e claras, sobretudo sobre a música
que é uma coisa muito ligada a emoções. Isso faz parte talvez da Roda de Choro, pode ser
um dos pontos muito importantes na Roda de Choro. A emoção quando tocamos em
conjunto numa roda é completamente diferente da aprendizagem em casa, porque essa
emoção é uma interação com outras pessoas. Um momento social de tocar junto com outras
pessoas, descobrir pessoas que conhecemos, amigos, e conhecer personalidades, pessoas e
músicas novas. Esses encontros exigem uma atenção particular que existe na Roda de
Choro. A Roda deve ser ao vivo, e cada momento musical numa Roda de Choro é uma
surpresa. Então, quando tocamos, esperamos em todos os momentos o que vai acontecer no
próximo momento. É quase uma brincadeira (pegadinha), um jogo de expectativas e
surpresas em cada momento. Escutamos alguma coisa, satisfazemos essa expectativa, mas
queremos também surpreender em outro momento. A Roda de Choro é essa conversa, é
essa brincadeira muito séria, porque é o momento muito importante na música, para viver
a música. É o acompanhamento e sobre o acompanhamento. Para mim, dá outra dimensão.
A melodia é o coração da música; nós tocamos uma música por causa da melodia,
sobretudo, mas a melodia, sozinha, é como um sonho, falta ter essa dimensão. Temos essa
melodia no tempo e, pra mim, a harmonia e o acompanhamento completam a música. Então,
dá essa dimensão que faz de uma melodia um concerto ou uma orquestra. Já basta um violão
só para fazer de uma melodia só uma coisa inteira, a música viva.
2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na
aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em
sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.
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Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico
acompanhador?
Resposta: Tocar com uma gravação e tocar como um músico são as aulas da música. Já
temos o privilégio de poder acompanhar, a todo o momento, Jacob do Bandolim e o
Pixinguinha, que infelizmente não estão mais com a gente nesta Terra, e podemos sentir a
música junto com eles. O sentimento da música pode ser encontrado tocando com
gravações. As gravações dão a linguagem, nós aprendemos como tocar as possibilidades
musicais, técnicas também. As gravações também trazem e formam o vocabulário do
instrumento, mas também fazem uma ligação entre todos os músicos porque elas
representam a base de todos os músicos. As gravações consagradas são conhecidas de todos
os músicos e, como resultado, fazemos parte de uma grande família. Podemos viajar para
qualquer lugar com esse conhecimento de linguagem de um disco, de uma referência que
podemos tocar, mostrar, fazer ouvir e ligarmos com esses músicos de fora que nunca
encontramos antes e termos essa base juntos. É uma amizade ou família. Eu gosto de pensar
em família. A raiz da música que queremos tocar.
3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de
representar numa partitura a informação musical adquirida pelo ouvido.
Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do
músico acompanhador?
Resposta: A transcrição permite que se faça uma análise mais exata, mais analítica da
música. Com a subdivisão em compassos na transcrição podemos ver repetições, podemos
comparar mais facilmente com a notação musical os elementos tocados. Podemos fazer um
resumo de técnica, de vocabulário, de expressões e de todos os elementos musicais de um
músico. Então, eu acho muito importante fazer esse trabalho de passar pela transcrição da
música, fazer o máximo para avançar, para estudar o instrumento.
4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e
memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.
Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento
do acompanhamento?
Resposta: O estudo significa liberdade. Liberdade quer dizer poder escolher, a qualquer
momento, o acompanhamento, o momento musical que vivemos. Liberdade quer dizer que
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há várias opções para acompanhar. Porque isso é necessário para responder à proposta
musical do solista, da situação musical que pode, numa música só, em diversas variedades.
Um solista pode escolher tocar mais rápido, mais lento, fazendo ornamentações, mudar de
tom, e essa liberdade dá ao acompanhador a possibilidade de responder e ficar juntos, como
é a expressão musical do solista. É inevitável e é também o caminho para aprender de um
jeito eficiente, entender os caminhos. Dá a possibilidade de mudar de tom e de não estar
obrigado com cada música de aprender harmonia por harmonia, mas entender os caminhos
da harmonia porque a harmonia segue a melodia, é uma unidade a melodia e a harmonia
juntas. Seguir essa harmonia, entender o que está acontecendo vem com o estudo das
harmonias em todos os tons. E também cada tom dá outra cor. Podemos escolher tocar uma
música com um semitom mais alto ou semitom mais baixo, e já vai mudar a ambiência e o
timbre da música. Isso pode fazer parte da expressão musical porque criamos a peça mais
alegre ou mais escura, mais misteriosa. É legal mudar de tom talvez, e os caminhos
harmônicos ficam os mesmos, mas transpostos no tom novo.
5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro. O
correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.
O que você pensa sobre o correpetidor solista na prática do choro?
Resposta: Eu acho que essa é outra boa ideia. Infelizmente, não tínhamos essa possibilidade
ou essa ocasião. Para preparar uma música, para entender essa extensão de dimensão da
música, é obrigatório ter esse lado harmônico-rítmico da música. O ritmo também existe no
acompanhamento da música, não é só harmonia. A rítmica e a harmonia respondem à
melodia. Aprender a música com esses elementos já vai mudar a interpretação da melodia.
O Choro é um gênero musical cem por cento interativo. É uma conversa: a melodia pergunta
e tem uma resposta dos outros instrumentos, tem mais uma pergunta e no estudo e isso pode
ajudar e vai mudar o conceito musical acho que na aprendizagem do Choro. A
aprendizagem, como muita gente fala, se faz na Roda de Choro. Se quisermos sair da Roda
de Choro, temos de ter o ambiente de estudo perto da Roda de Choro, interativo, intuitivo,
aberto, com improvisações. Isso não pode ser um monólogo. As gravações e as mídias
eletrônicas não são interativas, ficam fixas. O que o correpetidor solista pode fazer é mudar
a situação completamente, e estamos mais perto do espírito, da ideia do choro, da conversa,
eu acredito.
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6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar
dentro ou não de parâmetros harmônicos, rítmicos ou melódicos.
O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?
Resposta: Sempre falamos que, no Choro, a interpretação da melodia é o elemento mais
importante. Pesquisando o Choro, aprendendo literatura, eu descobri — acho que já no
primeiro livro sobre o Choro, do Animal Alexandre Gonçalves Pinto — que ele já fala sobre
a improvisação, a interação entre o solista e o acompanhador. Uma brincadeira: eu estou
imaginando os músicos nessa época animando as festas, e nós sabemos tudo quando o
público não é muito atento, não é um show, é um jeito de os músicos se divertirem, de
utilizarem elementos musicais para fazer brincadeiras. Ele escreveu que os solistas
improvisam harmonias novas, escolhem caminhos diferentes do que na partitura, e os
acompanhadores, que acompanhavam somente de ouvido, seguindo a melodia, treinavam
em achar a harmonia no momento e seguir esse caminho. Então, eu acho que isso faz parte,
desde o início até hoje, do gênero do Choro. Essa liberdade sempre ficando na música,
improvisando, voltando ao tema, mas a improvisação, o Choro e o Samba são músicas
abertas. Improvisação é essa abertura, essa liberdade de escolher outro momento.
Finalmente, é uma coisa de gosto, de equilíbrio, de ficar com a melodia, de não somente
utilizar, como muitas vezes no Jazz, somente a harmonia para fazer um solo que não tem
nada a ver com a melodia inicial. Ficamos sempre com a ideia da melodia como timbre da
música, mas isso é improvisação pra mim. A improvisação do jeito dos chorões.
APÊNDICE J
ENTREVISTA COM O MÚSICO ALEXANDRE MILTON PRAZERES DA COSTA
EM 10.10.2019
1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular
Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.
Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista
acompanhador?
Resposta: Há mais de 100 anos, as rodas de choro vêm forjando os melhores músicos da
nossa MPB. Trata-se de um espaço inteiramente democrático, em que todos são iguais. Não
raras vezes, um músico que não sabe sequer ler uma cifra, tampouco uma partitura,
apresenta uma desenvoltura superior aos detentores dos diplomas de cursos superiores. Por
isso, dizemos que a roda de choro iguala todo o mundo. Especificamente sobre o violão, foi
nesse espaço que vimos surgir o que hoje denominamos de Violão Brasileiro, donde
surgiram nomes que ultrapassaram a nossa fronteira e, por que não dizer, mudaram a história
do violão mundial, como, por exemplo, João Pernambuco, Canhoto da Paraíba, Jayme
Florence (Meira), Raphael Rabello, Yamandu Costa, entre tantos outros grandes nomes. E,
mais especificamente ainda, sobre o violonista acompanhador, sempre foi na roda de choro
que brotaram verdadeiros gênios, como, por exemplo, o nosso ídolo maior Horondino Silva,
o Dino 7 Cordas. O próprio Raphael Rabello também foi um grande acompanhador. E, para
puxar a sardinha para a nossa brasa, ou seja, para o estado de Pernambuco, podemos citar
nomes como Tozinho, Tonhé, Meira, João Lyra, Bozó, entre tantos outros. Fica até injusto
não lembrar de todo o mundo que merece ser citado!
2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na
aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em
sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.
Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico
acompanhador?
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Resposta: Sem sombra de dúvidas, a roda de choro contribui como um dos mais exigentes
exercícios para o desenvolvimento da percepção musical, em que os acompanhadores
precisam muitas vezes tirar “de ouvido”, “em cima da bucha”, as mais complexas
harmonias, em qualquer tonalidade. Não pode existir exercício mais exigente do que esse.
É costume dizermos, brincando, que o bom acompanhador é aquele que erra junto com o
solista. Por exemplo, se o solista repete a primeira parte da música, quando deveria ir para
a segunda, é necessário que o acompanhador o siga, para onde ele for. Isso só é possível
com um nível de percepção altíssimo. E a roda de choro sempre foi o local que mais
favoreceu o desenvolvimento dessa percepção.
3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de
representar numa partitura a informação musical adquirida pelo ouvido.
Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do
músico acompanhador?
Resposta: Sem a transcrição, muita coisa já se teria perdido. Devemos a nomes como Jacob
do Bandolim, por exemplo, boa parte do conhecimento que temos hoje sobre a obra de
Ernesto Nazareth, razão por que podemos dizer que, se não fosse Jacob, não conheceríamos
Nazareth. Toda a obra de Luperce Miranda precisou ser transcrita, pois ele não sabia ler
partitura. Da mesma forma, Canhoto da Paraíba. Para nós, chorões, faz parte do aprendizado
seguir os passos dos gigantes. Não há nenhum grande acompanhador de 7 Cordas neste país
que não tenha estudado as baixarias do Dino, seja a partir de transcrições já prontas, seja
escrevendo, ele mesmo, tudo o que o grande mestre nos deixou, a partir das gravações, o
que é um aprendizado maravilhoso.
4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e
memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.
Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento
do acompanhamento?
Resposta: A base da nossa música popular é tonal. Não há como escaparmos disso. E,
dentro dessa perspectiva, uma infinidade de músicas possui uma harmonia semelhante. São
caminhos que são traçados, daí porque é comum dizermos para um bom acompanhador,
que nem sequer conhece a música que vai acompanhar, que a harmonia é “caminho de
casa”. Ou seja, contém os acordes mais utilizados para a harmonia da música popular, como
a cadência 2-5-1 (segundo e quinto graus, para chegar ao primeiro), ciclo de quintas, etc.
Porém, não raras vezes, também acontece, aqui e acolá, alguma surpresa, um acorde
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inesperado, um empréstimo modal, uma dominante que não resolve, etc. É o estudo prévio
e sistematizado das sequências harmônicas que vai munir o músico do arsenal necessário
para prontamente reconhecer a situação e reagir a ela, corroborando, dessa forma, para
minimizar os erros.
5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro. O
correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.
O que você pensa sobre o correpetidor solista na prática do choro?
Resposta: De grande valia, sem dúvidas. É preciso ensaiar muito para que um trabalho
alcance seu propósito.
6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar
dentro ou não de parâmetros harmônicos, rítmicos ou melódicos.
O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?
Resposta: Particularmente, tenho uma visão um pouco mais estreita e tradicionalista acerca
do improviso no choro e no samba. Penso que, no choro tradicional, o improviso deve ser
colocado com todo o pudor e cautela, de modo que não prejudique a melodia criada pelo
próprio compositor. Daí porque, quando toco a primeira vez qualquer choro, parte por parte,
dentro da forma rondó que lhe é peculiar, procuro seguir fielmente a melodia escrita pelo
compositor, e só improvisar na segunda vez, ou quando ocorre o momento próprio para isso.
Existem várias anedotas informando que Luperce, ou Pixinguinha, ou Jacob (depende de
quem conta a anedota!) teria visto alguém tocar um choro da sua autoria e perguntado “de
quem é esse choro?”. E dito em seguida: “— Eu não o fiz com parceria. Por favor, toque da
forma que eu escrevi. Ele já é bonito assim!” É necessário lembrar também que o improviso
no choro difere substancialmente do improviso no jazz, por exemplo. Basicamente, no jazz,
temos um tema pequeno e um improviso grande, livre. No choro, temos uma melodia grande
e um improviso menor, mais circunstancial e contrapontístico. Também gosto quando o
improviso é colocado de forma melódica, sem uma profusão descontrolada de notas sem
sentido. Se pegarmos a fase áurea do Época de Ouro, vemos que Dino construía
praticamente um outro choro na linha do baixo, parecia outra música, um outro choro tão
belo quanto o tocado por Jacob. No samba, temos perto de nós o grande Jorge Simas, gênio,
responsável por um
sem-número de gravações originais.
APÊNDICE K
ENTREVISTA COM O MÚSICO ALESSANDRO PENEZZI
EM 15.04.2019
1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular
Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.
Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista
acompanhador?
Resposta: A importância da roda de choro na minha formação, como violonista
acompanhador, foi total. Minhas primeiras experiências com esse grupamento musical
foram desde os 9 anos de idade, e como não havia partituras nem cifras paras as músicas
tocadas, eu tinha de desvendar rapidamente os caminhos harmônicos de cada tema.
Gradualmente, esse procedimento acabou desenvolvendo minha percepção musical, meu
ouvido, minha memória, além da percepção visual (quando tentava imitar os acordes que
outros violonistas iam montando). Com o passar do tempo, eu ia cometendo menos erros
do que no início do processo.
2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na
aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em
sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.
Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico
acompanhador?
Resposta: Penso que essa percepção é fundamental para a formação de um bom músico
acompanhador.
3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de
representar numa partitura a informação musical adquirida pelo ouvido.
Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do
músico acompanhador?
Resposta: É o complemento de saber executar seu instrumento. Ao transcrever, ele
automaticamente está praticando sua leitura também, e isso lhe renderá um melhor
desempenho em shows e gravações. Além do mais, ele passa a poder eternizar suas
composições e de outros.
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4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e
memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.
Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento
do acompanhamento?
Resposta: O acompanhante que tem um bom acervo de sequências harmônicas em sua
memória auditiva é capaz de reconhecer quase que instantaneamente os acordes de uma
música. E isso o coloca à frente de seus pares que não dispõem de tal habilidade.
5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro. O
correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.
O que você pensa sobre o correpetidor solista na prática do choro?
Resposta: Acredito que a função do correpetidor solista seja muito proveitosa para os
praticantes de choro e samba. Seu papel é imprescindível quando não há partituras ou cifras
para a música que se quer praticar.
6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar
dentro de parâmetros harmônicos, rítmicos e melódicos, ou não.
O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?
Resposta: Trata-se de uma prática que me agrada grandemente. Nas minhas composições
e gravações, sempre há lugar para a improvisação.
APÊNDICE L
ENTREVISTA COM O MÚSICO SÉRGIO PRATA
EM 17.04.2019
1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular
Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.
Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista
acompanhador?
Resposta: Eu estou pressupondo que seriam violonistas acompanhadores recém-chegados
à Roda de Choro, apresentados com pouca experiência ainda. Eu vejo como uma
importância. São vários aspectos: um deles, acho, é a formação de um repertório.
Principalmente o repertório não consagrado que você só ouve na Roda de Choro, e ali o
violonista vai ter contato com uma amostra imensa de solistas de sopro, cordas, teclados,
bem como essa formação de repertório. Uma coisa que foi muito importante — e eu convivi
muito com isso na minha época — é que existiam poucos solistas, alguns de choros. Tinha
pouquíssima coisa, o conhecimento das harmonias por aquele método que a gente chama
do Código dos Olhares. Você ficava olhando para o braço do violonista mais antigo da roda,
na dúvida da harmonia, e dali você resolvia. Então, é importante isto: sempre saber quem é
o âncora ali da roda para você poder recorrer a ele. Eu acho que é importante também,
porque o músico violonista passa a entender a lógica das sequências de baixos, pelo menos
no violão. Isso é importante no choro. E acho que um dos pontos principais é a educação
do ouvido. Quando passa a educar o ouvido, ele automatiza as determinadas passagens
harmônicas, que ele pode até repetir em outros choros.
2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na
aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em
sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.
Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico
acompanhador?
Resposta: Eu acho que há vários aspectos. Um aspecto importante — acho que isso era
mais importante até alguns anos atrás, algumas décadas atrás — era você colocar o disco na
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vitrola e tocar com o disco. Você está criando, na verdade, uma roda de choro de que você
talvez não possa participar. Explicando melhor: o LP passa a ser a sua Roda de Choro, com
a vantagem de você perceber alguns detalhes técnicos. Geralmente, são os melhores
instrumentistas e acompanhadores que estão participando dos LPs na época, CDs, 78
rotações. Ali estava a nata. Então, você está tocando junto com eles como se estivesse
participando de uma roda junto com esses músicos renomados. A questão da dinâmica, que
é uma coisa mais difícil de você perceber numa Roda de Choro Tradicional, mas que, no
LP. faz parte do arranjo, então a questão da percepção da dinâmica é uma coisa que é, e foi,
fundamental nos últimos anos, que são os playbacks. Com os playbacks, você consegue
identificar melhor a linha do cavaquinho, a linha do violão, sem o solo chapado em cima
das gravações. Isso, naquele álbum tocando com Jacob, foi muito percebido. Por exemplo,
as frases do Carlinhos, que tocava violão de 6 cordas de aço, e geralmente os contrapontos
na região mais aguda do violão de aço, que ficava muito próxima da faixa de frequência do
bandolim. Então, no disco, como não havia ainda o sistema estéreo e tal, você chapava,
primeiro gravava o conjunto — era o que Jacob fazia — e depois colocava o bandolim por
cima, e geralmente o bandolim ia em cima da frequência que o Carlinhos tocava, e não
sabíamos que havia frases de contrapontos tão bonitas como quando a gente identificou e
recuperou os playbacks, os rolos. Aí apareceram frases do Carlinhos que não apareciam no
LP. Então, o playback também, hoje em dia, é um recurso muito utilizado. Permite você
identificar linhas de baixo, palhetadas mais fidedignas.
3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de
representar numa partitura a informação musical adquirida pelo ouvido.
Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do
músico acompanhador?
Resposta: Do ponto de vista do músico, ela permite um melhor entendimento das
sequências harmônicas tradicionais do choro. Acho que, com o amadurecimento que o
músico vai tendo, a partir daí ele pode criar novos caminhos harmônicos, mas isso está
muito ligado à questão da percepção pelo ouvido: você desenvolve o ouvido, identifica
acordes, linhas de baixo. Então, geralmente é feita a transcrição. Hoje em dia até existem
outros caminhos, muitas publicações de álbuns e tal, mas acho que isso aí ajuda a criar, a
desenvolver o ouvido do músico no momento em que ele transcreve uma gravação. Do
ponto de vista do gênero, gênero choro, eu quero citar uma coisa importante que foi o papel
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dos copistas, no final do século XIX e início do século XX. Chegamos a encontrar, certa
vez, 34 cadernos dentro do Arquivo do Jacob no Museu da Imagem e do Som. Estivemos
lá pelo Instituto Jacob do Bandolim, pesquisamos as partituras e, dentro de uma pasta, havia
34 cadernos contendo 1200 choros, a grande maioria desconhecida, que o Jacob reuniu junto
aos velhos chorões, e ali estava boa parte da memória do choro, ou, pelo menos, uma parte
pouco conhecida da memória do choro. Então, apesar de o item aqui falar de peças
consagradas, nas quais não se vai descobrir nada de novo em termos harmônicos, já são
consagradas e tal, mas é importante o desenvolvimento do ouvido, da percepção harmônica.
4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e
memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.
Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento
do acompanhamento?
Resposta: Quanto à importância do estudo da memorização de harmonias, eu aqui vou citar
o Jacob. Jacob dizia que o chorão tinha de saber ler, tinha de estudar mais para poder não
ficar preso à partitura, ou seja, é uma coisa dialética, mas, quanto mais você estuda uma
partitura, uma harmonia, mais livre você fica para não depender do papel. Eu falo isso
porque, assim, ninguém em sã consciência vai levar o caderno de harmonias para uma Roda
de Choro. Pelo menos, para uma roda de choro de bom nível. Você não chega lá com um
caderno de harmonia dizendo para a Roda: “— 'Pera aí, deixa procurar aqui qual é essa
harmonia!” A memorização de harmonias tem isto: você está pronto, e aí, quando você
começa a memorizar algumas harmonias, identifica passagens de outros choros também.
Então, é uma coisa que se vai multiplicando. E o choro tem, assim, umas identidades, umas
bases harmônicas que são comuns à maioria dos choros.
5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro. O
correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.
O que você pensa sobre o correpetidor solista na prática do choro?
Resposta: Acho que o correpetidor solista está muito ligado à questão dos ensaios, uma
coisa que era pouco utilizada no choro, na primeira fase do choro, até porque os chorões
daquela época pouco liam, seja de melodia, seja de cifra. Então, o Jacob inovou essa questão
dos ensaios, por exemplo, e foi por isso que ele deixou de gravar com o Regional do
Canhoto, porque o Regional do Canhoto não tinha espaço na agenda para ensaiar.
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Geralmente se ia direto para o estúdio, passava uma vez e já gravava. Talvez para um
músico que não tenha um conhecimento harmônico, o correpetidor possa cumprir o papel
de orientador, mostrando qual é a melodia, mas, hoje em dia, nós temos uma série de
ferramentas. Você leva o pen drive, passa para o outro músico: “ — Olha, vai estudar em
casa!” Então, acho que, para o músico acompanhante que não tem o conhecimento,
correpetição talvez cumpra um papel mais importante ainda hoje. Fora isso, eu creio que
as ferramentas que estão ficando disponíveis hoje em dia cumprem esse papel também.
6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar
dentro de parâmetros harmônicos, rítmicos e melódicos, ou não.
O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?
Resposta: O choro ele é, por princípio, um gênero instrumental. Por ser um gênero
instrumental, assim como o Jazz também, ele necessita ter uma leitura melódica
diferenciada em alguns momentos. Eu sempre gosto de dar um exemplo do improviso na
música do choro com os pintores sul-realistas que deformavam as imagens para poder
expressar como eram vistas por eles, pelos artistas. O improviso para mim é isto: você tem
ali uma base melódica e você deforma isso ao seu gosto. Mas acho que aí dentro do choro,
por exemplo, até por tradição, eu creio que haja determinados parâmetros que não podem
ser esquecidos. Pelo menos, o pessoal da velha guarda falava isso. Primeiro, você tem de
apresentar o tema melódico inicialmente. Como o sistema de choro é primeira-segunda-
-primeira-terceira, primeiro você está repetindo as partes, principalmente você pode, tanto
na repetição da primeira como geralmente na terceira, explorar os improvisos. E outra coisa:
no choro, que é diferente do jazz, são geralmente os improvisos que se dão dentro de uma
base harmônica definida, você não varia harmonicamente. Coisa que, no jazz, apesar de eu
não ser um grande conhecedor de jazz, mas, pelo que a gente entende, e já ouvi, às vezes no
próprio jazz é uma criação mais livre. Você não segue um padrão harmônico que a gente
segue no choro. O improviso é uma leitura diferenciada, especial da música.
APÊNDICE M
ENTREVISTA COM O MÚSICO DEO RIAN
EM 25.04.2019
1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular
Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.
Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista
acompanhador?
Resposta: A roda de choro contribui muito no tocante ao desenvolvimento do violonista
acompanhador, porque o repertório é variado e apresenta algumas vezes dificuldades.
Assim sendo, o acompanhador aplica os acordes e as sequências harmônicas que estudou.
Considerando também que ele pratica os ritmos do choro, da polca, da valsa, etc., os quais
são diferentes na maneira de tocar.
2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na
aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em
sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.
Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico
acompanhador?
Resposta: A percepção é muito importante, a audição fica mais apurada e o acompanhador
sente mais facilidade nas modulações da música executada.
3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de
representar numa partitura a informação musical adquirida pelo ouvido.
Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do
músico acompanhador?
Resposta: A transcrição é importante porque o acompanhador observa o que foi feito na
gravação: a baixaria do violão, a variação rítmica, as variações do solista, ou seja, o arranjo
da música.
4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e
memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.
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Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento
do acompanhamento?
Resposta: As sequências harmônicas embelezam a harmonização da música. Estudando as
sequências de acordes, o acompanhador desenvolve a sua capacidade de harmonizar a
música.
5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro. O
correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.
O que você pensa sobre o correpetidor solista na prática do choro?
Resposta: O correpetidor solista é importante porque auxilia na prática do repertório.
6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar
dentro ou não de parâmetros harmônicos, rítmicos ou melódicos.
O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?
Resposta: A improvisação no choro e no samba é bem-vinda, desde que o solista toque a
primeira vez como o autor compôs a música, e depois, nas repetições, improvise dentro da
harmonia preestabelecida.
APÊNDICE N
ENTREVISTA COM O MÚSICO LEONILCIO DEOLINDO DA SILVA (PEPÊ)
EM 06.05.2019
1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular
Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.
Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista
acompanhador?
Resposta: Convívio em grupo; oportunidade de aplicar os estudos de harmonia, de
sequências harmônicas com substituição de acordes; utilização de inversões de acordes,
assim como as inversões nas linhas dos baixos; aplicação de linhas do baixo em terça com
outros violonistas; percepção de dinâmica (volume, intensidade); oportunidade de
improvisação sem estilo predeterminado (pode-se improvisar usando estilo à sua escolha),
além de ser uma rica oportunidade de aplicar o estudo como solista com uma pluralidade
rítmica observada em diferentes regiões do País (sotaque ).46
46 N.A.: O entrevistado respondeu apenas à primeira pergunta do questionário do Apêndice A.
APÊNDICE O
ENTREVISTA COM O MÚSICO JORGE SIMAS
EM 23.09.2019
1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular
Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.
Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista
acompanhador?
Resposta: As rodas de choro são como oficinas para formar músicos. Nelas, os
instrumentistas desenvolvem o ouvido harmônico, o reflexo, a prática de tocar em grupo.
Quanto aos violonistas, isso é mais que evidente pelo número de exemplos que poderíamos
citar. Grande parte dos nossos acompanhadores passou por esse caminho. Creio que, com o
decorrer dos anos, o violonista acompanhador vai criando seu vocabulário harmônico e uma
boa memória auditiva.
2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na
aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em
sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.
Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico
acompanhador?
Resposta: A percepção instrumental se desenvolve na prática e depende, fundamentalmente
de observação, imitação inicialmente e do talento do músico, que, a partir de dado momento,
começa a colocar a sua identidade a serviço da execução. A roda de choro proporciona
oportunidades de desenvolvimento de forma prazerosa.
3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de
representar numa partitura a informação musical adquirida pelo ouvido.
Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do
músico acompanhador?
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Resposta: As transcrições de gravações que são definidas fazem com que haja modelos
consagrados como ponto de partida. É claro que o violonista deve buscar exemplos
diferentes e construir seu estilo a partir dessas referências.
4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e
memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.
Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento
do acompanhamento?
Resposta: As sequências harmônicas estão para o acompanhador como as escalas estão
para o solista. Com as sequências harmônicas, o violonista acompanhador vai ampliando
seu universo ou vocabulário dentro da harmonia.
5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro. O
correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.
O que você pensa sobre o correpetidor solista na prática do choro?
Resposta: Acho que o solista ajuda muito na formação do acompanhador. É a partir do
repertório escolhido por ele que se dá o interesse do acompanhador em crescer. Numa
segunda fase, o solista que interage com o harmonizador promove o despertar de um tipo
de violonista acompanhador que é mais insinuante, que dialoga mais com o solista.
6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar
dentro ou não de parâmetros harmônicos, rítmicos ou melódicos.
O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?
Resposta: Acho que ambos os gêneros permitem esse tipo de abordagem. O choro, por ser
geralmente mais complexo, harmonicamente falando, e, por ter duas ou três partes, talvez
seja mais convidativo ao improviso, embora a geração que aí está toque o choro de forma
mais "sambada" que antigamente.