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CANTANDO E CONTANDO A HISTÓRIA: O USO DE MÚSICAS SOBRE A QUESTÃO DA TERRA NO BRASIL MARIA INÊZ ANTONIO SKAVRONSKI 1 RESUMO Ao considerar a música uma forma de expressão artística com forte poder de comunicação, uma linguagem de aproximação entre os jovens e o ensino, o presente artigo propõe a sua utilização como alternativa metodológica, recurso didático e fonte documental para o ensino da História. As reflexões acerca dos problemas do cotidiano educacional, em destaque a crise na educação evidenciada principalmente na indisciplina dos alunos e nas relações conflituosas entre alunos e entre alunos e professores permitem detectar as dificuldades de se ensinar história a adolescentes que vivem num mundo que preconiza o imediatismo. Assim, a música em sala de aula é um recurso metodológico que contribui para que a visão tida por muitos alunos de que a história é uma disciplina extremamente teórica, fora da realidade, seja desmistificada e que o passado não seja mais algo estranho, de não pertencimento. PALAVRAS-CHAVE: Ensino, História, Indisciplina, Música, Terra. 1 Professora da Rede Estadual da Educação Básica do Estado do Paraná licenciada em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG com Especialização em Desenvolvimento e Integração da América Latina pela Universidade Estadual do Centro Oeste – UNICENTRO, participante do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE (2008-2009), pela Universidade Estadual do Centro Oeste – UNICENTRO de Guarapuava sob a Orientação do Prof. Dr. Oseias de Oliveira.

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CANTANDO E CONTANDO A HISTÓRIA:

O USO DE MÚSICAS SOBRE A QUESTÃO DA TERRA NO BRASIL

MARIA INÊZ ANTONIO SKAVRONSKI1

RESUMO

Ao considerar a música uma forma de expressão artística com forte poder de

comunicação, uma linguagem de aproximação entre os jovens e o ensino, o presente artigo

propõe a sua utilização como alternativa metodológica, recurso didático e fonte documental

para o ensino da História. As reflexões acerca dos problemas do cotidiano educacional, em

destaque a crise na educação evidenciada principalmente na indisciplina dos alunos e nas

relações conflituosas entre alunos e entre alunos e professores permitem detectar as

dificuldades de se ensinar história a adolescentes que vivem num mundo que preconiza o

imediatismo. Assim, a música em sala de aula é um recurso metodológico que contribui para

que a visão tida por muitos alunos de que a história é uma disciplina extremamente teórica,

fora da realidade, seja desmistificada e que o passado não seja mais algo estranho, de não

pertencimento.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino, História, Indisciplina, Música, Terra.

1 Professora da Rede Estadual da Educação Básica do Estado do Paraná licenciada em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG com Especialização em Desenvolvimento e Integração da América Latina pela Universidade Estadual do Centro Oeste – UNICENTRO, participante do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE (2008-2009), pela Universidade Estadual do Centro Oeste – UNICENTRO de Guarapuava sob a Orientação do Prof. Dr. Oseias de Oliveira.

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ABSTRACT

When considering music is a form of artistic expression with a strong power of

communication, a language of approximation between young people and education, this

article proposes to use an alternative methodology, a teaching and documentary source for the

teaching of history. Reflections on the problems of everyday education, highlights the crisis in

education primarily evident in the discipline of students and the conflicting relationships

between students and between students and teachers to detect the difficulties of teaching

history to young people who live in a world that advocates the immediacy . Thus, the music in

the classroom is a methodological tool which contributes to the view taken by many students

that history is a discipline very theoretical, unrealistic, is demystified and that the past is no

longer something alien, not belonging.

KEYWORDS: Education, History, Indiscipline, Music, Earth .

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CRISE NA EDUCAÇÃO: REPRODUÇÃO DA SOCIEDADE CAPITALISTA?

A relação entre ensino, indisciplina e violência é um tema bastante debatido

atualmente. É um assunto que permeia a sociedade e está sendo noticiado constantemente nos

meios de comunicação. Estamos assistindo uma crise que afeta todos os setores. A crise do

estado enquanto modelo político, a crise do trabalho, a crise familiar e até a crise existencial.

Essa crise geral que ocorre no mundo moderno e que envolve todas as áreas não exclui

a educação. Talvez na área educacional essa crise seja sentida com mais intensidade,

evidenciada na violência que está presente no âmbito escolar, seja pelo sistema educacional

considerado por muitas pessoas arcaico, pelo desgosto de alguns professores em lecionar, pela

indisciplina dos alunos ou ainda, pelos conflitos, muitas vezes refletidos na escola.

O relato de uma situação de violência presenciada no âmbito escolar pode auxiliar

nessa reflexão.

“Eram sete horas da manhã de uma quinta feira. Uma menina caminhava na rua

lentamente, pois já estava há quatro quadras de sua escola. De repente, ouviu gritos de

vários meninos que brigavam numa esquina próxima. Sem entender direito o que estava

acontecendo, resolveu chamar a inspetora de ensino de sua escola que aguardava a chegada

dos alunos no portão. Quando retornaram ao local da briga, o Diretor, a Inspetora de

Ensino e alguns Professores encontraram no chão, um menino inconsciente (desmaiado) e

todo machucado. Enquanto isso, um grupo de meninos corria em outra direção. Socorreram

a vítima conduzindo o menino machucado até o hospital mais próximo, enquanto os pais

eram comunicados.

Após o atendimento médico, os pais da vítima resolveram registrar ocorrência no

posto policial, mas ainda não entendiam porque o filho, que era um menino calmo, que

nunca havia participado de discussões e brigas tinha sofrido tanta agressão. Quando

puderam conversar com o filho começaram a conhecer os motivos que geraram tanta

violência.

Alguns dias antes, um colega do filho tinha sofrido ameaças e ofensas verbais por

parte do mesmo grupo de meninos que o agrediu. Essa situação tinha ocorrido no pátio

interno do colégio onde estudavam. Os meninos agressores reclamavam por domínio de

espaço no estabelecimento de ensino, na rua do bairro e também estavam envolvidos com

pequenos furtos e arruaças. Já tinham sido advertidos pelo Conselho Tutelar que

acompanhava o rendimento escolar do grupo e também o comportamento dos mesmos.

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Constantemente faltavam às aulas para beber e não aceitavam regras de boa convivência do

colégio, promovendo discussões e brigas e também depredando o patrimônio público.

O motivo alegado pelo grupo de meninos, que foram ouvidos pelo Conselho Tutelar,

foi: “não gostamos de meninos certinhos e estudiosos, nos sentimos excluídos por

professores, colegas e também pela sociedade, por isso unimos força para nos impor. E não

vemos outra alternativa de vida, a não ser usar dessa força para conseguir o que queremos.

Mas o que está oculto nas alegações desses jovens agressores? Quais os reais motivos

que levaram os meninos a agredir um aluno que sequer havia participado de brigas

anteriores com o grupo? Bastou apenas, o auxílio que o menino havia prestado a outro

colega que já tinha sido ameaçado e agredido pelos meninos no pátio do Colégio em um dia

anterior? A solidariedade prestada acabou sendo motivo de agressão.”

Este relato demonstra que por diversas vezes, a escola torna-se palco de conflitos entre

alunos ou então, entre alunos e professores. Não é raro existir, nas Delegacias de Polícia, nos

Conselhos Tutelares ou mesmo nos Fóruns de Justiça, registros de agressões físicas e ameaças

verbais feitas entre alunos ou então, de alunos contra professores, ou ainda, relatos de uso de

armas por alunos dentro de estabelecimentos de ensino.

Mas o que leva o ensino a viver essas situações? Será a escola palco de conflitos

reproduzidos pela sociedade violenta da qual fazemos parte? Será a educação reprodutora

dessa sociedade capitalista?

Atualmente os problemas educacionais ou da relação professor e aluno estão

fortemente estampados na mídia. Pesquisas revelam baixo índice de aprendizagem,

reportagens mostram a violência e a indisciplina nas escolas, destacam número excessivo de

professores amedrontados com situações e problemas que enfrentam diariamente nas salas de

aula. Em termos gerais, alegam que a ação escolar é uma espécie de reprodução da sociedade,

pois toda a problemática vivida fora dos muros escolares é reflexo nas salas de aulas, nos

pátios de colégios ou no relacionamento entre alunos e também entre alunos e professores.

Ao considerar a teoria do sistema de ensino enquanto violência simbólica, Bourdieu e

Passeron (1975), lembram que a característica fundamental da sociedade capitalista é a

estrutura de classes surgida da divisão social do trabalho baseada na apropriação desigual dos

meios de produção. E a educação da sociedade capitalista faz o papel de reprodutora dessa

estrutura social. O sistema educacional reproduz a ideologia da classe dominante que se

revela por costumes e pensamentos, contribuindo assim, no surgimento das desigualdades

sociais muitas vezes reveladas nos conflitos, na indisciplina, enfim, no relacionamento entre

os indivíduos que são elementos ativos da escola.

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Confirmando esse pensamento, Althusser, (s/d.:64 in: Saviani 1992, p. 33 e 34) diz

que:[...] a escola constitui o instrumento mais acabado de reprodução das relações de

produção de tipo capitalista. Para isso ela toma a si todas as crianças de todas as

classes sociais e lhes inculca durante anos a fio de audiência obrigatória “saberes

práticos” envolvidos na ideologia dominante.

Se considerarmos a teoria da educação como reprodutora da sociedade capitalista,

entendemos que toda e qualquer sociedade estrutura-se como um sistema de relações de força

material entre grupos ou classes. E sobre a força material ergue-se um sistema de relações de

força simbólica que tem o papel de reafirmar as relações de força material.

Assim, a violência material (dominação econômica) exercida pelas classes dominantes

sobre as classes dominadas corresponde à violência simbólica (dominação cultural) (Saviani,

1992, p. 30). E esta se manifesta de diversas formas: na formação da opinião pública pela

mídia, no discurso religioso, nas atividades artísticas, nas relações familiares e,

principalmente, na educação escolar. Então, a ação pedagógica pode ser entendida como uma

imposição da cultura das classes dominantes sobre as classes dominadas. E a sociedade

capitalista, conflituosa e violenta, é reproduzida na escola.

Então, como profissionais da educação, nos perguntamos: qual o papel do educador

frente a esses problemas? Como entender e amenizar situações externas que afetam o ensino?

Todas essas questões afligem especialistas e educadores que buscam soluções ou

entendimento dessa relação de atrito entre ensino e violência.

Segundo Aquino, (1998, p. 07)“a imagem entre nós já quase idílica, da escola como lócus de fomentação do

pensamento humano – por meio da recriação do legado cultural – parece ter sido

substituída, grande parte das vezes, pela visão difusa de um campo de pequenas

batalhas civis; pequenas mas visíveis o suficiente para causar uma espécie de mal

estar coletivo nos educadores brasileiros. Como se posicionar perante tal estado de

coisas?”

Se analisarmos a estrutura e o sistema ao qual foi enquadrado o ensino no Brasil,

iremos perceber que ao longo dos anos, o professor atuava como controlador e até repressor

de uma clientela que precisava ouvir calada, aceitar as informações sem contestar, demonstrar

obediência e ordem, resignada aos mandos da hierarquia escolar. Os efeitos de todas essas

ações nos levam a crer numa intrínseca ligação entre escola dominadora e alunos dominados.

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E atualmente, numa sociedade que prima pela liberdade e pela democracia, não trabalhamos

somente com alunos passivos e ouvintes. Nossa clientela é dinâmica e não aceita mais uma

sala de aula onde o professor seja considerado a única peça atuante no ensino. O aluno não é

mero expectador e sim elemento ativo e participante de todo esse processo. E quando é

reprimido constantemente por querer expressar sua opinião ou até por se exceder em

liberdade é classificado como indisciplinado.

É comum e constante no âmbito escolar, ouvir reclamações relacionadas à indisciplina

dos alunos. Professores citam um grande número de causas para esse comportamento

inaceitável e concordam que boa parte dele traz como consequências a evasão, a repetência e

o baixo rendimento escolar. No entanto, analisar as causas da indisciplina faz com que

diversos fatores sejam considerados. O pouco interesse dos alunos nas aulas tradicionais, o

fato das escolas ainda estarem engatinhando em inovações tecnológicas, o comodismo de

alguns professores que não buscam inovação ou aperfeiçoamento utilizando sempre métodos

de ensino que não mais atraem os alunos que vivem o imediatismo facilitado pela tecnologia.

Também é importante considerar que atualmente os jovens não demonstram ter muitas

perspectivas em relação ao futuro, pois assistem constantemente um mundo marcado pelo

desemprego, por conflitos, pela violência presente em todos os setores da sociedade, pela

desigualdade social e todos os problemas que estão representados nas questões familiares e

também educacionais.

É difícil enumerar todos os fatores que contribuem para gerar a indisciplina nas

escolas. Mas sendo ela uma das causas da dificuldade de aprendizagem, a indisciplina deve

ser um tema de debate entre os educadores de diversas áreas do conhecimento, com o objetivo

de amenizar problemas vividos na escola ou então de buscar soluções para essa problemática

no âmbito escolar.

Todas essas questões relacionadas à indisciplina contribuem para a permanência da

crise na educação vivenciada na maioria dos estabelecimentos de ensino. Fatores externos

acabam interferindo no relacionamento entre alunos e também entre alunos e professores,

influenciando assim, o ensino aprendizagem e a prática pedagógica.

Para analisarmos essa crise educacional, é importante salientar ainda, que outros

pontos são relevantes e que contribuem para essa realidade posta. A falta de vocação de

muitos professores que não gostam de estar em sala de aula, alegando que esse foi o emprego

possível, mas que realmente não era isso que desejavam. A baixa remuneração dos

profissionais de educação que está distante de corresponder com a importância da profissão.

O constante aperfeiçoamento exigido pela profissão que nem sempre é possível, a não ser

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quando ofertado pelo poder público. E, também, o conteúdo programático do currículo e a

metodologia empregada por boa parcela de professores que faz com que os alunos se

distanciem ou não demonstrem interesse pelas aulas.

A TECNOLOGIA EDUCACIONAL ALIADA AO ENSINO

Mesmo percebendo que a tecnologia educacional está inserida na educação há bastante

tempo, o cotidiano das escolas ainda não absorveu por completo a utilização desses recursos

tecnológicos, sutilmente infiltrados nas escolas.

À medida que presenciamos uma revolução em diversos setores que permitem ao

homem o aumento da produtividade, da capacidade de produção, de aumento na expectativa

de vida em vários países, de qualidade de vida e do desenvolvimento tecnológico incessante,

também sentimos consequências perversas e até inevitáveis no sistema econômico que

postulamos. Dentre elas temos a exclusão de boa parte da população de conquistas e

melhorias. Vivemos numa época em que a exclusão é crescente, seja ela no trabalho, na

convivência social e ao que nos interessa discutir no momento, na escolaridade e na qualidade

da educação.

Então como enfrentar em sala de aula essa realidade que seleciona, exclui e gera

divergências? Como conceber um ensino que seja significativo para essa clientela heterogênea

e que é constantemente influenciada por todas as mudanças e novidades tecnológicas?

A escola deixou de ser um local prazeroso para a maioria dos alunos e foi substituída

por lan houses e locais de jogos eletrônicos que muitas vezes, são mais agradáveis aos

jovens. Estamos vivendo uma revolução tecnológica que é sentida sutilmente no sistema

educacional, pois muitas escolas sequer têm laboratórios de informática e computadores

disponíveis aos alunos. E quando os tem, boa parte dos professores não utilizam esse espaço

e esses recursos tecnológicos por falta de conhecimento e domínio dessa tecnologia, ou

então, por comodismo, resistem a essa evolução.

É difícil então, atrair a atenção dos alunos nas aulas, principalmente de História, que

é tida por muitos como uma disciplina extremamente teórica e distante de sua realidade.

Ensinar e analisar o passado deixou de ser interessante para uma clientela de jovens que está

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inserida numa sociedade que vive o imediatismo e que contestam os motivos de conhecer

“aquilo que já passou” sem perceber a relação existente entre o passado e o presente.

Ao considerar essa afirmativa e com a pretensão de melhorar o aprendizado do corpo

discente, os professores de História se deparam com o desafio de aliar as tecnologias

educacionais ao processo educativo utilizando alternativas metodológicas e também recursos

didáticos que possibilitem um ensino significativo.

Todas essas questões nos levam a refletir, buscar possibilidades e caminhos na

educação. Sentimos a necessidade de renovação e de reflexão que nos conduzam para uma

mudança consciente na prática de ensino nas aulas de História. Pois assim, o aluno, tem a

oportunidade de desenvolver um olhar consciente de sua própria sociedade e sobre si mesmo

ao perceber que o conhecimento histórico é essencial para sua vida, como afirmam Jaime e

Carla B. Pinski (2005, p.19):

Queiram ou não, é impossível, negar a importância, sempre atual, do ensino de

história. Nas palavras do historiador Eric Hobsbawn: “Ser membro da comunidade

humana é situar-se com relação a seu passado”, passado este que “é uma dimensão

permanente da consciência humana, um componente inevitável das instituições,

valores e padrões da sociedade”. A História é referência. É preciso, portanto, que

seja bem ensinada.

É com esse pensamento de valorizar o conteúdo, de incentivar a investigação

histórica, de interpretar as variadas fontes, de utilizar alternativas metodológicas para o

ensino da história, que fazemos parte de um mesmo grupo de educadores inquietos e

incansáveis, que buscam nos desafios apresentados pela profissão de professor, ímpeto para

elaborar reflexões e buscar caminhos para melhorar a educação. E que além de ensinamentos

formais, possamos contribuir com a busca de possibilidades que permitam fazer da escola,

um ambiente mais acolhedor, prazeroso, que não exclua ninguém e que através de

alternativas metodológicas consiga aproximar os alunos respeitando a diversidade.

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O ENSINO DA HISTÓRIA E O USO DE LINGUAGENS ALTERNATIVAS

A escola recebe constantemente, alunos que formam uma clientela heterogênea. Essa

diversidade sentida em aspectos culturais e sociais exige do professor a capacidade de ser um

articulador e principalmente um agente que permita a convivência e o respeito dessas

diferenças. Fazemos parte de um mundo que agrega, mas que também exclui. E por isso,

também é impossível ao professor e à escola não conviver com alunos de realidades

diferentes. Enquanto alguns alunos de classes sociais mais abastadas têm contato diário com

recursos tecnológicos que permitem e até facilitam aprendizados, existem, no mesmo

convívio, alunos que têm acesso limitado a essa tecnologia, por razões financeiras ou até por

outras questões, como distanciamento dos centros urbanos.

Mas, independente de razões econômicas e sociais, com certeza, não temos mais

alunos resignados a aceitar somente a figura do professor que usa aulas expositivas e que

exige silêncio absoluto e submisso de sua clientela. Estamos lidando com jovens de gerações

que nasceram na era tecnológica e digital, mesmo que ela seja restrita a uma parcela deles.

Que vivem em um mundo sem censura, sem repressão. Jovens que sentem a necessidade e o

direito de opinar, discordar e se expressar livremente.

O grande desafio então, é modificar e adequar nossa prática de ensino às novas

exigências do mundo que se apresenta. Um mundo em que as carências estão afloradas e

marcadas no imediatismo, no descartável, na exclusão, no relacionamento muitas vezes

superficial e também conflituoso, na busca da sobrevivência, no trabalho necessário e muitas

vezes, considerado mais importante que o estudo, no comodismo e resignação perante os

problemas sociais e na falta de perspectiva de vida da grande maioria dos jovens que

compõem a classe estudantil. Precisamos tornar possível uma prática de ensino de história

adaptada aos novos tempos e alunos, mas que não deixe de lado o essencial: conteúdo e

responsabilidade.

A inserção das tecnologias educacionais nas escolas e principalmente nas aulas das

diversas áreas de ensino é prioridade. Necessitamos modificar ou adequar o currículo da

educação básica a fim de que ele se torne mais próximo da realidade dos nossos alunos para

tornarmos a escola um local de aprendizado mais agradável e estimulador para essa clientela

que talvez não tenha a mesma oportunidade de vida, de trabalho ou de profissão que outros

indivíduos de classes sociais mais privilegiadas têm. É claro que as oportunidades não se

apresentam iguais a todas as pessoas. Mas é função da educação pública, tentar ao menos,

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aproximar os alunos dessas oportunidades, oferecendo um mínimo de possibilidades de

acesso a um mundo tecnológico que não podemos permanecer alheios, pois estamos

inseridos numa realidade que não nos permite mais, viver sem essa tecnologia que se

modifica e evolui diariamente.

Mas aí, sejamos cuidadosos porque também de nada adianta tecnologia na escola se

não existir o real compromisso e competência do professor. Sobre essa situação, Leandro

Karnal (2005, p.09) conclama:

“Que seja dito e repetido à exaustão: uma aula pode ser extremamente

conservadora e ultrapassada contando com todos os mais modernos meios

audiovisuais. Uma aula pode ser muito dinâmica e inovadora usando giz,

professor e aluno. Em outras palavras, podemos utilizar meios novos, mas é a

própria concepção de História que deve ser repensada.”

Não podemos e nem devemos substituir a investigação histórica por informações

muitas vezes superficiais, encontradas em sites de pesquisa e busca. E muito menos,

podemos trocar análises de textos ou a utilização de livros por vídeos, documentários, filmes

ou outros recursos que tratam sobre conteúdos históricos. Esses recursos, hoje disponíveis e

até de acesso facilitado, devem ser usados nas aulas. Mas é necessário cautela, quando de sua

utilização. Não podemos permitir que esses recursos sejam banalizados e que sirvam apenas

como complemento informativo e sem teor de discussão histórica, Pois, segundo Pinski

(2005, p. 22), “confundir informação com conhecimento tem sido um dos grandes problemas

da educação”.

Há necessidade de todo professor trabalhar com conteúdos históricos especificados

em temas ou recortes, para que ocorra um compromisso com o passado. Compromisso esse

que deve considerar os fatos históricos e a partir deles, fazer interpretações, análises e

críticas. Mas utilizar diversas abordagens e metodologias e também variados recursos

didáticos para complementar as aulas de história, com certeza, faz essa disciplina mais

agradável e significativa para os alunos melhorando a prática de ensino de história nas

escolas.

Com esse pensamento consideramos a proposta das DCE/Pr2 (2008, p.49), que

destaca: “as imagens, livros, jornais, histórias em quadrinhos, fotografias, pinturas, gravuras,

2 Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Estado do Paraná.

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museus, filmes, músicas são documentos que podem ser transformados em materiais

didáticos de grande valia na constituição do conhecimento histórico”.

A evolução da tecnologia permite o acesso a novos recursos didático-metodológicos

que favorecem a efervescência de idéias e técnicas utilizadas nas aulas de história. Segundo

SCHMIDT & CAINELLI (2004, p. 109)

A partir do final do século XIX e principalmente, no século XX, o

desenvolvimento e a expansão de novas linguagens culturais, como a fotografia, o

cinema, a televisão e a informática, trouxeram novos desafios ao historiador e ao

professor de história. Esses profissionais tiveram de, além de compreender a

natureza das novas linguagens e incorporá-las, perceberem-nas legitimadas como

fonte para o estudo e a reconstrução do passado.

A MÚSICA COMO ALTERNATIVA DE ENSINO DA HISTÓRIA

A música não pode estar fora do contexto das novas linguagens culturais, pois ela

deve ser tratada como uma importante fonte documental, como recurso didático e também

como alternativa metodológica que possibilita conhecer e entender o passado de diversos

setores da sociedade, principalmente aqueles que na maioria das vezes são menosprezados

nos conteúdos tradicionais da disciplina de história.

A música traz consigo representações sociais e pode provocar manifestos, fazer

declarações, criar polêmicas e descrever o cotidiano, registrando acontecimentos de uma

determinada realidade social. Também pode fazer com que os alunos reflitam sobre questões

sociais nas quais eles estão inseridos e consequentemente, compreendam melhor a realidade

vivenciada. Assim, as letras de músicas, segundo ABUD (2005, p. 312)

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São representações, não se constituem num discurso neutro, mas identificam o

modo como, em diferentes lugares e em diferentes tempos uma determinada

realidade social é pensada e construída. Serão também instrumentos para a

construção de representações sociais dos alunos, evidenciando por meio de

múltiplas configurações intelectuais como os diferentes grupos constroem,

contraditoriamente, a realidade social.

Sendo uma forma de expressão artística com forte poder de comunicação, a música,

usada como alternativa metodológica para o ensino de história, não propõe somente a análise

das letras e composições para conhecer a realidade histórica. Considera-se necessário que

além de interpretar, extrair informações, também é preciso analisar as figuras de linguagem

presentes na construção literária das letras, a simbologia e o apelo que a canção traz na sua

interpretação. Toda essa dimensão no uso da música em sala de aula faz com que o aluno

aproxime-se dos fatos históricos e realmente sinta-se sujeito da história.

A convivência com os mais diversos tipos de sons e ruídos produzidos pela natureza

ou pelo ser humano é algo inevitável. Estamos constantemente ouvindo algum som. E entre

eles, a música cantada ou tocada, é algo agradável e prazeroso. Esses sons que nos

acompanham, em destaque, as músicas, podem ser usados como fonte de aprendizado que

trazem interpretações de determinado período histórico ou comunidade, sob a visão dos

compositores e cantores.

A música, aliada ao ensino, pode auxiliar na assimilação do conhecimento. E segundo

FERREIRA (2006, p. 13), “com a música, é possível ainda despertar e desenvolver nos

alunos sensibilidades mais aguçadas, na observação de questões próprias à disciplina alvo.”

Assim, pretende-se através do uso da música em sala de aula, contribuir para despertar a

sensibilização e o senso crítico no aluno. Que ele seja um bom ouvinte musical. Que não se

deixe levar somente pela emoção, pelo ritmo ou pela sonoridade. Que seja um ouvinte

curioso, que capte os detalhes da música e que busque através dela, informações, reflexões e

consequentemente, conhecimento e aprendizado. Confirmando esse pensamento, diz

FERREIRA (2006, p.9): É evidente que a comunicação verbal é por excelência a primeira na escala

comunicativa humana; também não é menos verdadeiro que, quando tem a música

como aliada, ganha força, entre outros motivos, pelo suporte e penetração mais

intensa que adquire a transmissão de sua mensagem original. Muitas vezes é mais

eficaz perpetuar um pensamento transmitindo-o verbalmente pelo canto que pela

escrita no papel, no papiro, no pergaminho ou na pedra – a história da humanidade

prova isso.

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A concorrência com meios de comunicação eficazes e inovações tecnológicas, mais a

interferência direta da mídia que ao dispor de recursos áudio visuais oferece a essa clientela

uma enorme quantidade de informações através de imagens e sons, faz com que boa parte

dos alunos considere a metodologia tradicional usada nas escolas, cansativa e ultrapassada.

Quando analisamos a relação entre juventude e música, comprovamos que a eficácia

da idéia de aliar essa forma de comunicação artística aos conteúdos propostos para a

disciplina de história, como fator de motivação às aulas. As aulas de história tornam-se mais

atrativas e prazerosas e proporcionam aos alunos maior interação e consequentemente mais

qualidade na educação. Assim, o uso de músicas como alternativa metodológica contribui

para a melhoria do processo ensino-aprendizagem.

Nesse contexto, surgem novos suportes tecnológicos trazendo imagens e sons. Entre

eles, destacam-se os novos tocadores de música e vídeo em formato MP3, MP4, celulares e

demais recursos de áudio que estão presentes no cotidiano principalmente dos jovens, que

ouvem músicas o tempo todo. Assim, constatamos que a música é uma linguagem universal

que tem forte poder de comunicação e que deve ser aproveitada como um elemento auxiliar

da aprendizagem na sala de aula.

Através da música em sala de aula, a história passa a ser vista e tida como a disciplina

que busca interpretar e entender a realidade mostrando que todos nós fazemos parte dela. E

que, mesmo falando do passado, os alunos aprendem o conhecimento histórico no presente,

com alternativas metodológicas inovadoras que contribuem para o enriquecimento do ensino

da história e para a formação de uma consciência histórica.

Utilizando alternativas metodológicas para o ensino da história, o professor deve

buscar diversas abordagens e fontes históricas. Esses recursos diversificados como filmes,

documentários e também nesse contexto, a música, tornam-se fontes de pesquisa. Podem ser

usados como recurso material nas atividades didáticas e também em pesquisas e reflexões

históricas permitindo assim, a aproximação entre os alunos, mesmo entre aqueles que

demonstram resistências e até falta de contato entre grupos tão diversos e heterogêneos que

convivem no ambiente escolar. Essa proximidade que a música possibilita, pode ser uma

forte aliada para superar relações conflituosas que são presenciadas na escola.

Mas, alguns cuidados também devem ser considerados. Muitas vezes, o professor, ao

fazer uso da música como material didático, escolhe determinada composição musical,

geralmente pela letra, para discutir temas específicos. Não estabelece uma relação da letra

(composição) com o estilo e ritmo da música. Ou então, não analisa o sentimento e a

significação que a música gerou num contexto histórico. Não considera os apelos e

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reivindicações que a música traz e muito menos, busca conhecer a intenção do autor da

música quando de sua composição. Assim, o professor pode cometer o erro de perder a

dimensão da historicidade da fonte e apenas endossar aquilo que a letra já apresentava sem

formular questões e interrogações acerca de todos os elementos que constituem a fonte

utilizada. É oportuno então, lembrar que o papel da história e consequentemente do

professor/historiador, é investigar, dialogar e lançar perguntas sobre a sua fonte histórica

para assim, elaborar conhecimento e entendimento.

É importante notar, que a mesma música, interpretada em períodos históricos e ritmos

diferentes, pode modificar sua compreensão e em consequência a sua mensagem. Exemplos

assim, são percebidos quando versões musicais são gravadas com ritmos diferentes das

interpretações originais, ou então em regravações, que mesmo não sofrendo alterações de

estilo e ritmo, são usadas para representar realidades diferentes daquelas às quais a música

original, em outro período histórico, estava inserida. A música é a mesma, mas a

interpretação ou o seu entendimento é diferenciado pelo contexto histórico. Com esse

pensamento, Geni Rosa Duarte e Emílio Gonzalez (2007, p.53 e p.54) dizem:

Mesmo a letra, considerada importante na análise musical, deve ser

problematizada e confrontada com outros elementos que dão suporte à música.

Isso porque, ao priorizar exclusivamente a letra - em detrimento de outros -

melodia, ritmo, arranjo de voz, instrumentos -, ignora-se que a música envolve um

conjunto muito amplo de significações e experiências que, se muitas vezes não

podem ser exploradas em sua totalidade, também não podem ser simplesmente

ignoradas. Entre as várias dimensões que podem ser exploradas nesse diálogo,

podemos citar aqueles relacionados à autoria (quem compõe e grava/regrava e

grava), a circunstâncias da produção (contexto social/político) e veiculação

(interesses relacionados à gravação/divulgação musical) e à própria letra. E,

evidentemente, a historicidade da própria composição, gravação ou execução da

música.

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O ENSINO DE HISTÓRIA, A MÚSICA E A QUESTÃO DA TERRA NO BRASIL

Quando analisamos a crise educacional e sentimos os seus efeitos nas diversas

questões já debatidas, percebemos que a educação precisa enfrentar mudanças estruturais e

também pedagógicas.

Problemas como indisciplina nas escolas, dificuldades de ensino e de aprendizagem,

resultados pouco expressivos nas avaliações sistemáticas do ensino público, imediatismo

vivido por nossa clientela educacional, disparidades nas formas tradicionais de ensino e a

falta de perspectivas de uma grande maioria de jovens num futuro promissor, fazem de

nossos alunos, vítimas de um sistema que deseja e clama por transformação.

O pouco estímulo do professor que não recebe um salário condizente com a

importância de sua função, os problemas econômicos e sociais que são reproduzidos na

escola, o avanço tecnológico mais atrativo aos alunos em contraposição a um ensino

conservador e uma escola inerte e ainda fora desse contexto tecnológico, também

demonstram a necessidade de renovação iminente no ensino público.

Teorias acerca dessas problemáticas surgem constantemente. Mas a realidade

cotidiana das escolas públicas engloba muitos outros problemas. Resolvê-los por completo,

talvez seja utopia, mas tentar amenizá-los é tarefa de todos os elementos envolvidos na

educação. Uma das possibilidades que ora se apresenta, é tentar uma aproximação mais

direta com os alunos, através de linguagens alternativas de ensino.

Por ser uma linguagem universal e atrativa para a grande maioria das pessoas, a

música relacionada ao ensino de história é uma possibilidade de aproximação e até de

cumplicidade entre alunos e professores. O uso de diversos tipos de sons, ritmos e estilos

musicais utilizados nas aulas de história como fonte de pesquisa e recurso didático, traz

inovação, dinamismo, reflexão e gosto pelo aprendizado. Baseando-se nessas concepções, é

que foi implementado o projeto PDE Cantando e contando a história: o uso de músicas

sobre a questão da terra no Brasil. Através dessas idéias, o conteúdo curricular que discute

questões de distribuição, uso, posse e conflitos da terra pôde ser trabalhado com músicas

relacionadas a terra, até porque, a realidade de boa parcela dos alunos que foram o público

alvo desse trabalho é agrícola, marcada pela tentativa de manutenção de pequenas

propriedades e pelo sistema de faxinais. A relação de parte dos alunos com o uso e posse

dessas propriedades rurais, possibilitou debates e discussões acirradas em torno das questões

que envolvem o tema.

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Além de textos, fragmentos de filmes e diversas atividades propostas durante o

período do projeto, os alunos tiveram a oportunidade de analisar composições, ouvir músicas

selecionadas para as aulas, debater sobre questões que geram conflitos pela posse, uso e

distribuição da terra.

Também foi possível aos alunos, produzir trabalhos utilizando músicas e imagens

sobre o tema proposto. Todo esse processo permitiu aos alunos envolvidos, a pesquisa, a

coleta e sistematização de dados, o uso dos recursos tecnológicos que estão disponíveis no

âmbito escolar e principalmente uma aproximação maior com a História. Puderam perceber

que a História é significativa e que todos nós somos agentes de transformação. Através da

análise das composições musicais todos puderam perceber contextos históricos, intenções e

objetivos que os autores queriam alcançar, a quem gostariam de direcionar suas idéias, a que

público pretendiam atingir. Tiveram a oportunidade também de analisar a linguagem

metafórica usadas em algumas músicas, que muitas vezes foram censuradas em períodos de

governos ditatoriais.

Músicas como “Cara de Índio” (Djavan, 1992), “No Sangue da Terra Nada Guarani”

(Nelson C. de Castro, com interpretação de Dante Ramon Ledesma), “Fruto do Suor”

(Gustavo Berger e Antonio Osanah com interpretação de Dante Ramon Ledesma, 1987),

“Curumim Chama Cunhata que eu vou Contar” ou “Todo dia era dia de Índio” (Jorge Ben Jor

com interpretação de Baby do Brasil) remetem o ouvinte a analisar as situações étnico-raciais,

destacando a questão indígena. A intenção de trabalhar com essas composições foi

principalmente levantar polêmica em relação às disputas por terras indígenas desrespeitando

esta população e as leis que amparam os povos indígenas do Brasil.

Também analisando as questões relacionadas à luta pela terra dos afro-descendentes,

quilombolas que reivindicam o direito legítimo à terra de seus antepassados, selecionamos as

músicas “Retirantes”(Dorival Caymmi), “Terra Seca”(Ary Barroso, 1947), “Sorriso

Negro”(Dona Ivone Lara), “Negros”(Adriana Calcanhotto, 1992), “Preta”(Mariene de Castro

e E. J. Veloso com interpretação de Daniela Mercury, 2008) e “Vocês Conhecem

Zumbi?”(Alexandre Pires, 2004).

As músicas que trazem reflexões acerca da invasão dos colonizadores e da dominação

por eles exercida na América Portuguesa e Espanhola também suscitam discussões sobre

exploração e expulsão de povos das terras cobiçadas por esses conquistadores europeus.

Sendo músicas engajadas3, ou seja, que trazem um teor de reivindicação, de mobilização e até

3 Entende-se nesse contexto como sendo músicas ou canções de protesto, de cunho político, que reivindicam ou denunciam determinados sistema de governo ou situações políticas.

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de luta pela terra fazem com que os alunos percebam além da composição (letra) a melodia

que geralmente utiliza instrumentos de som produzidos e utilizados pelos povos andinos.

Assim, podemos sentir o quanto o som identifica um momento histórico. Dentre essas

músicas destacamos “América Latina” (Francisco Alves e Humberto Zanatta), “O Grito dos

Livres”(José Fernando Gonzalez, 1994), “Afro América”, e “Canção para uma Nova

América”, (Dante Ledesma,1987) sendo todas elas, interpretadas por Dante Ramon Ledesma.

Já as músicas que trazem como discussão as questões de conflitos atuais pela terra, às

vezes identificadas com movimentos que priorizam e defendem a instituição da reforma

agrária e a formação de assentamentos, destacamos “A Vitória do Trigo” (Dante Ramon

Ledesma), “Assentamento” (Chico Buarque, 1997), “Funeral de um Lavrador” (João Cabral

de Melo Neto e Chico Buarque), “Cio da Terra” (Milton Nascimento), “Levantados do Chão”

(Milton Nascimento e Chico Buarque, 1997), “Herdeiro da Pampa Pobre” (Gaúcho da

Fronteira, Venê Darte com interpretação de Engenheiros do Hawaii, 1991) , “Meu País” (Zezé

di Camargo e Luciano, 2004) e “Brejo da Cruz” ( Chico Buarque, 1997).

Todas essas músicas selecionadas foram ouvidas, analisadas e a partir de pesquisas

sobre os períodos históricos de que faziam parte, foi possível relacionar os objetivos da

composição e do momento da gravação com os fatos históricos que estavam ocorrendo. Isso

possibilitou a reflexão e o entendimento de algumas músicas se cristalizarem como

verdadeiros hinos de movimentos sociais, de manifestações e reivindicações. Além disso, os

alunos puderam compreender fatos históricos a partir da visão dos compositores em

contraponto aos textos sugeridos para leitura e interpretação.

Como a questão da terra é um problema secular no Brasil e ainda não resolvido, os

alunos, ao estudarem o contexto de distribuição, posse e uso da terra no Brasil desde a

colonização, tiveram a possibilidade de compreender como ocorreu o surgimento de

movimentos que ainda lutam pela direito a terra. A idéia mitificada de que o MST

(Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) é formado somente por grupos de camponeses

arruaceiros pôde ser desconstruída, apesar de que alguns alunos, moradores de pequenas

propriedades rurais não reconhecem a atuação do movimento como legítima. Não se

identificam com a luta pela terra, mesmo sofrendo pressão por parte de alguns latifundiários

que através da agricultura mecanizada, aos poucos, estão concentrando terras e forçando a

saída de pequenos agricultores do campo. Essa problemática da terra é identificada em nossa

história desde a chegada dos colonizadores e permaneceu inalterada pelos séculos seguintes.

Isso pode ser reafirmado nas palavras de Márcia Maria Menendes Motta (2001, p. 01):

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Nunca é demais refletir sobre o que herdaremos no século XXI. Sobre o universo ru-

ral, não há duvidas: nossa herança é espólio não partilhado, fruto de uma história

mais do que secular de um poder (às vezes sem limites) dos senhores e proprietá-

rios de terra e de grilagens realizadas diante dos olhares cúmplices dos representan-

tes da justiça. Não há como negar, ao não partilharmos o território, a nação brasileira

do novo milênio tem como herança uma concentração fundiária desumana. Um país

de dimensões continentais capaz de construir uma sociedade onde apenas 1% dos

proprietários rurais detém 44% das terras, enquanto 67% deles detêm apenas 6% das

terras. É difícil pensar na recriação da nação brasileira, sem levar em conta tão tris-

tes números.

Essa reflexão mostra que a luta pela terra no Brasil é inerente à nossa história. O que

recebemos como herança em relação à estrutura fundiária brasileira é a concentração de terras

que gera muitas disputas no campo.

Desde o início da colonização do território brasileiro a terra foi motivo de conflito e

violência. Os nativos que aqui viviam tiveram suas terras arrancadas pelas armas e pelo

extermínio. Tentaram defender a terra da qual e pela qual viviam, sobreviviam e respeitavam.

Mas a luta indígena diante da ganância do colonizador foi sufocada. A lei da espada, da cruz e

do ferro foi mais forte. Assim, o colonizador tomou posse desse território sem considerar os

povos nativos que, expulsos e empurrados do litoral, foram espremidos em terras menos

valiosas, do ponto de vista europeu.

Inicia-se aqui, uma questão até hoje não resolvida: a luta pela terra no Brasil devido à

apropriação desigual e a concentração de terras em mãos de poucos proprietários.

O processo de colonização levou a extinção de muitas sociedades indígenas que

viviam no território dominado e consolidou a posse da terra pelos colonizadores. Logo após,

os portugueses estabeleceram as instituições econômicas, sociais e políticas que moldariam a

questão agrária brasileira baseada em latifúndios monocultores com produção voltada ao

mercado externo, erigida num sistema de doações de terras a portugueses (capitanias

hereditárias e sesmarias) e no trabalho escravo de índios e africanos. Desde o início, a

propriedade da terra permaneceu privilégio de poucos. As sesmarias eram doadas pela Coroa

Portuguesa a pessoas “com posses”, que tivessem “escravos e gado” e que produzissem de

acordo com a política mercantilista. A terra que era um bem comum passou a ser um bem

individual.

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Os indígenas, os negros africanos e os mestiços que serviram de mão-de-obra

submissa e escrava não foram incluídos nos frutos da colonização. Era a “massa excluída” de

privilégios e de posses.

Nota-se então, que a apropriação desigual da terra e sua consequente concentração não

é um problema recente na nossa história. Somente alguns privilegiados passaram a estabelecer

o direito sobre a terra no Brasil, mesmo quando devolutas. A partir da Lei de Terras (1850)

ocorre a regulamentação da venda de terras consideradas devolutas no país. Essas terras não

pertenciam ao domínio público e nem ao privado, por isso eram consideradas desocupadas.

Entretanto, nelas viviam pessoas que delas retiravam seu sustento, como índios e

quilombolas, mas que, legalmente, não adquiriram essas terras, não tendo o direito de

propriedade definido. Essa lei visava beneficiar a imigração que chegava ao Brasil no período

cafeeiro, propondo financiamentos aos colonos para a aquisição de terras devolutas. Mas uma

vez, comprova-se a manutenção da exclusão e da concentração de terra nas mãos de poucos

proprietários.

Todo esse processo contribuiu para que a terra fosse sempre alvo de conflito e

dominação no Brasil. Aquela terra que até o final do século XV era coletiva e concebida pelo

nativo como fonte de seu sustento, sobrevivência e preservação, após a chegada do

colonizador, passou a ser, a terra encharcada pelo sangue dos conflitos surgidos pela sua

posse e domínio.

Esse processo de dominação da terra, desigual e muitas vezes violento, continua a

acontecer. É sempre veiculado pela mídia, e em boa parte das vezes, favorável aos

latifundiários. Sobre essa questão, aproveitamos as palavras de Ariel José Pires (2008, p. 270)

Entender as dimensões políticas da violência no campo é também acompanhar um

cotidiano político que, periodicamente, mostra aspectos da violência extremada no

meio rural brasileiro. Assim, a mídia apresenta cenas de truculência, que só

ocorreriam em situações de guerra civil. São cenas paradoxais numa nação que se

esforça por construir uma imagem de democracia e modernidade para si mesma e

para a comunidade internacional.

Essa violência institucionalizada e praticada principalmente pelo Estado reforça as

contradições da zona rural brasileira, existente há séculos e que continuam sendo vivenciadas

em movimentos sociais e rebeliões que demonstram as insatisfações e as injustiças marcadas

pelo monopólio da terra por uma minoria de proprietários em detrimento de uma enorme

quantidade de trabalhadores sem-terra.

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Os movimentos de luta pelo direito à terra, surgidos em diversos momentos históricos,

sempre se mobilizaram em torno das suas reivindicações. E atualmente, em busca de

legitimidade e reconhecimento, ocupam espaços nos noticiários fazendo com que essa questão

seja vista na sociedade brasileira como passível de discussão e necessária de resolução.

A desigualdade no direito a terra e os conflitos gerados por ela, são os temas centrais

dessa polêmica que pode ser exemplificada nas palavras de Herbert de Souza (Betinho) na

Carta da Terra (1994):“Um dia a vida surgiu na terra. A terra tinha com a vida um cordão umbilical. A

vida e a terra. A terra grande e a vida pequena. Inicial. A vida foi crescendo e a

terra ficando menor, não pequena. Cercada, a terra virou coisa de alguém, não de

todos, não comum. Virou a sorte de alguns e a desgraça de tantos. Na história foi

tema de revoltas, revoluções, transformações. A terra e a cerca. A terra e o grande

proprietário. A terra e o sem-terra. E a morte.” (Herbert de Souza. Carta da

Terra, out/1994)

Notícias veiculadas por emissoras de TV, reportagens e manchetes de jornais,

comprovam essa problemática identificada no campo.

HISTÓRIA, MÚSICA, TERRA E ENSINO: COMO FAZER?

As concepções acima referenciadas fundamentaram o trabalho que consistiu em

discutir e propor novas metodologias para o ensino de história, destacando aqui, o uso da

música em sala de aula como recurso didático e como fonte histórica. Ao considerar que tudo

é História e que as diversas fontes devem ser aproveitadas para a compreensão do

conhecimento histórico, foi possível demonstrar, aos professores e alunos, que as músicas

podem apresentar uma visão histórica, uma forma de interpretar e entender a realidade que o

compositor ou cantor vive. Através da análise da música, podemos ter revelado o cotidiano

de gerações e fazer comparações de sociedades de épocas e de locais diferentes.

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Assim, podemos considerar as músicas como registros históricos, evidências e fontes

que se transformam em recursos didáticos, à medida que trazem uma certa imagem do mundo.

Utilizando músicas sobre a questão da terra no Brasil, os alunos puderam perceber a visão do

compositor e cantor sobre essa temática podendo comparar com a atualidade. Tiveram a

oportunidade de se reportar ao período já citado e tentar compreender a realidade descrita nas

letras musicais e perceberam que as músicas são representações sociais que atestam o modo

de vida de pessoas em diferentes lugares e diferentes tempos.

O projeto Cantando e contando a história: o uso de músicas sobre a questão da terra

no Brasil foi também apresentado aos professores de história e disciplinas afins do Colégio

Estadual Barão de Capanema e demais Estabelecimentos de Ensino Estadual do Município

quando foram discutidas e sugeridas alternativas metodológicas para o ensino de história,

destacando o uso da música em sala de aula. Com os professores do Colégio, em reuniões,

foram apresentados textos e pesquisas que trazem subsídios para a discussão do tema:

alternativas metodológicas. Nesses encontros houve troca de experiências entre os professores

que puderam relatar a sua prática de ensino. Foi demonstrada aos professores a intenção de

tornar as aulas de história mais prazerosas utilizando novas metodologias aliadas às

tecnologias educacionais.

Em seguida, o projeto foi direcionado aos alunos de 3as. séries do Ensino Médio do

turno matutino, em que o conteúdo movimentos sociais: a luta pela terra e a organização de

movimentos pela conquista do direito a terra na América Latina – o caso Brasil é integrante

do currículo das aulas de história.

Primeiramente os alunos foram motivados a participar das atividades através de

observação e discussão de charges. Em seguida, assistiram fragmentos de filmes que mostram

as transformações sociais ocasionadas pela música e pelo conflito da terra na realidade das

personagens bem como perceberam a visão dos compositores sobre essa realidade. Após,

foram destacadas músicas sobre a questão da terra no Brasil. Essas músicas, utilizadas nas

aulas de história como fontes de pesquisa e de análise contribuíram para a construção do

conhecimento histórico propondo aos alunos a formação de conceitos espontâneos sobre uma

determinada realidade e a aproximação dos conceitos científicos. O uso da música como

metodologia alternativa permitiu a proximidade do passado com o presente, desvendando

processos pouco conhecidos e raramente levantados pela historiografia. Os alunos puderam

relacionar a problemática atual sobre a questão da terra identificada na maioria das vezes com

o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).

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As músicas sobre a questão da terra no Brasil foram trabalhadas a partir da audição,

interpretação e análise das letras. Assim, os alunos tiveram como atividades relacionar o

contexto atual com a questão da terra em outros períodos históricos do Brasil e interpretar a

realidade através de composições de letras e músicas produzidas pelos próprios alunos. Essa

produção serviu como material didático, pois os alunos desenvolveram um CD-DVD

utilizando imagens coletadas por eles, à medida que a música é apresentada. Essas imagens

foram relacionadas com as questões colocadas nas músicas.

Ao trabalhar conteúdos históricos usando músicas, os alunos tiveram a possibilidade

de relacionar o passado com o presente, percebendo que as músicas são fontes de pesquisa e

que representam a visão dos compositores e cantores em uma determinada realidade histórica.

A análise de músicas auxilia a transmitir uma memória coletiva, desenvolve a capacidade de

julgamento fazendo com que os alunos comparem sociedades de épocas diferentes em locais

diferentes e formem uma consciência política.

A proposta final do trabalho foi a realização de um Festival de Música Popular no

Estabelecimento de Ensino. O Festival contou com a participação de todos os alunos,

professores e funcionários. Os interessados em participar do referido festival passaram por um

processo seletivo que teve regras pré-estabelecidas, entre as quais: interpretar somente

músicas nacionais, que destacassem questões sociais e que apresentassem cunho histórico. O

objetivo do festival foi ressaltar a importância da música popular e fazer com que os alunos

percebessem que as músicas podem ser utilizadas como fonte histórica e também como meio

de aproximação entre as pessoas, pois a música permite a liberdade de pensamento, expressão

e também de solidariedade.

Esse festival foi divulgado e todo o Colégio foi decorado com trechos de músicas de

intérpretes nacionais. Esse evento marcou o encerramento da implementação pedagógica na

escola e do projeto Cantando e contando a História: o uso de músicas sobre a questão da

terra no Brasil.

Mas a idéia de usar músicas para o aprendizado em sala de aula está lançada. E,

certamente, as aulas de história serão mais atrativas e prazerosas aos alunos, que usando a

música como linguagem alternativa e como fonte documental, podem perceber que esse

importante recurso didático contribui para a compreensão e construção do conhecimento

histórico, além de amenizar questões conflituosas no cotidiano escolar.

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MÚSICA: ALIADA DA TRANSFORMAÇÃO

É fato que o mundo se transforma pelas ações humanas e que assume novos valores e

prioridades. Novos tempos possibilitam novas formas de relações entre as pessoas e muitas

vezes, o relacionamento entre os seres humanos deixa de lado o humanismo e passa a ser

medido pela mecanização. Com toda a evolução tecnológica que vivenciamos, também

constatamos mudanças que afetam as estruturas sociais. A busca incessante por bens

materiais, pela sobrevivência num mundo que exclui e classifica o tempo todo, torna as

pessoas mais competitivas e às vezes até, mais perversas.

Toda essa crise do mundo moderno afeta diretamente a educação e por isso, as pessoas

envolvidas neste processo sentem a necessidade de buscar alternativas metodológicas e

recursos didáticos para qualificar a prática docente.

Quando presenciamos situações de indisciplina e de violência no cotidiano escolar,

confirmamos essa urgência em realizar ações conjuntas para resolver, senão, amenizar esses

problemas que dificultam e até impedem uma prática de ensino que priorize uma educação

com a participação de todos, que contribua para a formação de cidadãos conscientes de seus

deveres e direitos, uma educação que realmente seja democrática.

Somos parte integrante de um sistema que exclui e que seleciona. Mas não podemos

esquecer que somos seres humanos que interagem entre si. Essa interação é necessária para a

sobrevivência da espécie, e se quisermos, ela pode ser a mais pacífica possível. Como nos

diferenciamos dos demais seres pela capacidade de raciocínio, de diálogo e de produção,

podemos buscar soluções para adaptação às mudanças que o mundo nos impõe.

A crise geral do mundo moderno é sentida principalmente na educação, pois a

violência e todos os problemas por ela gerados são refletidos no âmbito escolar atingindo

alunos e professores.

Nas escolas, convivemos com a diversidade. E essas diferenças culturais, sociais,

familiares e também comportamentais devem ser respeitadas, valorizadas, para que não sejam

motivos de conflitos. Por isso, os professores se deparam com a tarefa de aliar alternativas

metodológicas e o uso das tecnologias disponíveis nas escolas públicas para melhorar a

relação entre os alunos e consequentemente o ensino-aprendizagem.

Assim, a música quando usada nas aulas de história e também na escola, através de

festivais, é um elemento de aproximação entre os jovens e uma forte aliada para superar as

relações de violência tanto material (econômica) quanto simbólica (cultural) no cotidiano

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escolar. Agressões verbais e físicas, presenciadas nos estabelecimentos de ensino, como no

relato descrito no início desse artigo, podem ser evitadas quando há vontade, empenho e

mobilização para direcionar ações em prol da boa convivência entre alunos que fazem parte

de universos heterogêneos, mas que convivem no mesmo ambiente escolar.

A história aliada à música, às tecnologias educacionais e a eventos organizados nas

escolas, como o festival de músicas que marcou o encerramento da implementação desse

trabalho, auxiliam no rompimento de preconceitos, despertam talentos e, principalmente,

geram solidariedade entre os alunos que vivem numa sociedade que na maioria das vezes

impõem condições adversas aos jovens. Essas atitudes somadas à vontade dos professores de

possibilitar novos caminhos e alternativas metodológicas para a educação, podem transformar

uma situação social.

Assim, “a solidariedade prestada deixará de ser motivo de agressão”.

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