Antropologia Filosófica
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A tarefa da elaborao de uma ontologia fundamental e o ser do sera
comocura. 1
PorMarinaCoelho 2
Resumo:
Neste trabalho pretendemos mostrar no que consiste a obra magna de Heidegger, sua
ontologia fenomenolgica fundamental esboada em Ser e tempo de 1927.
Pretendemos elaborar de modo que fique clara a importncia da obra, seu mtodo, o
como desta ontologia, no que ela consiste. A anlise feita aqui referente a primeira
parte do livro onde se desdobra que a estrutura do ser do sera cura. A
temporalidade ser relegada outro estudo. No nos deteremos em muitos particulares
da obra, pretendido demonstrar e, se possvel, esclarecer alguns aspectos gerais, de
modo que a complexidade da anlise heideggeriana se mostre mais acessvel como um
todo.
Em Ser e tempo Heidegger se empenha num projeto que, ao mesmo tempo, em que d
novos caminhos para o mtodo fenomenolgico tambm busca elaborar uma ontologia
da questo mesma do ser. A fenomenologia de Husserl pretende voltar s coisas
mesmas, Heidegger, com esse artifcio busca mostrar que a coisa mesma do fenmeno
oser.
A fenomenologia de Heidegger tem por tarefa desobstruir o acesso s coisas
mesmas, ou seja, ao ser, numa duplicidade que se denomina primado nticoontolgico
da questo do ser. O autor vai fundar sua ontologia no modo de ser daquele que pode
interrogar e responder pelo sentido de ser. este ente privilegiado Heidegger o
denominarsera.
1TrabalhofinalescritoparaadisciplinadeAntropologiafilosficaministradapeloProf.Dr.LuizHebechenosemestrede201512EstudantedegraduaoemfilosofianaUFSC.
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A liberao ontolgica do sentido de ser no parte de categorias nticas ou de
uma substancialidade do sujeito como parte a antropologia, por exemplo, o que ela visa
mostrar como o sera, em sua abertura no mundo, tem a possibilidade de
compreender seu ser porque ele mesmo existe e pode constatar e se perguntar por
isso. O sera tem uma concepo prontolgica do ser porque a todo momento seu
ser que est em jogo. Existindo ele pode se compreender, mesmo que obstruindo o
caminho e decaindo de uma compreenso mais autntica sobre si mesmo, que diz
respeitoaprpriaquestodeseuser.
Por este motivo, podese dizer que a ontologia de Heidegger vai se fundar na
prpria existncia do sera e, atravs da fenomenologia, os modos existenciais do
sera vo sendo liberados nesse horizonte ontolgico questionado impropriamente pela
tradio metafsica. O que Heidegger pretende construir uma ontologia fundamental
do ser, atravs das possibilidades que a fenomenologia lhe abriu para constituir sua
analtica existencial. O sera se movimenta no ser, o ser nele se manifesta e tambm o
sustenta. Somente o sera pode responder sobre o sentido do ser, pois, como coloca 3
Heidegger,compreendendoseseuprprioserqueestemjogo.
O mtodo hermenutico, em Hedeigger, propicia a compreenso dos fenmenos
de ser pois o sera aquele que testumunha, existindo, o que ele mesmo . Em sua
abertura no mundo, pode se compreender e se interpretar. Toda hermenutica do sera
longamente explicitada por Heidegger como a demonstrao dos vrios modos
existenciais do sera na tentativa de impedir qualquer determinao em categorias
nticas, ou esquematismos, ou melhor, mostrar que a analtica existencial efetuada em
sua ontologia a condio a partir da qual qualquer regio de saberes, como cincia,
a antropologia e a prpria metafsica tradicional, como interpretao do ente em sua
totalidade,podeacontecer.
Para tal ontologia fundamental necessrio que se explicite o fenmeno de
mundo. A existncia e a prpria compreenso dos modos de ser do sera s pode se
dar enquanto o ser se d no mundo. O mundo para Heidegger, segundo o professor
3Stein,E.QuestodoMtodo.pg45
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Stein, o cho que a filosofia jamais retomou. No mundo onde ocorrem as aberturas
para compreenso do sera em todos os modos de sua existencialidade. A analtica
existencial elaborada por Heidegger visa manter a unidade do fenmeno do mundo do
sera.
Heidegger ir assim descrever os modos do sernomundo de modo que essa
descrio seja anterior a qualquer conhecimento objetivo, pois a fenomenologia
heideggeriana visa a superao do paradigma moderno de sujeito objeto. Essa
elaborao est em confronto direto com a tradio metafsica. Heidegger coloca que
todo esse questionamento ontolgico originrio existencial, aponta para a historicidade
do sera. Por outro lado, se o sera tiver apreendido sua possibilidade de no s
tornar transparente para si mesmo sua existncia, mas tambm de questionar o sentido
da existencialidade em si mesma, isto , de investigar preliminarmente o sentido de ser
em geral e, nessa investigao, alertarse para historicidade essencial do sera, ento
ser inevitvel perceber que a questo do ser, apontada em sua necessidade
nticoontolgica,caracterizaseemsimesmapelahistoricidade 4
O sera, como veremos, no s decai numa medianidade de seu modo de ser
como fuga de si mesmo, de seu carter existencial, como tambm a tradio decai na
interpretao do mundo, para Heidegger, como esquecimento, cada vez mais
manifesto, da questo do ser. A filosofia tambm degenera e nos lega uma
historicidade pblica do sera e o modo que ele parte para tentar explicar a si mesmo.
A necessidade de mostrar uma ontologia fundamental na prpria existncia de forma
que o sera possa se compreender autenticamente premente. Somente
apropriandose positivamente do passado que ele (o sera) pode entrar em posse
integral das possibilidades mais prprias de seu questionamento. Heidegger assim 5
coloca a filosofia novamente como uma unidade ontolgica e no como multiplicidade
de pontos de vistas e vises de mundo provenientes de uma prpria ausncia de
4Heidegger,M.Seretempo,pg58595Ibdempg59
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solidez no fundo das questes. A analtica existencial d o fio de toda problemtica
filosfica.deondebrotaeparaonderepercute 6
Como vimos, no se pode falar da existncia do sera sem falar de mundo.
Mundo algo que se doa, e doado pelo sera. Nos modos existenciais do sera
que vai se descobrindo mundo. Primeiramente, o sera sempre sernomundo. O
sernomundo abre o mundo como mundo. Que significa dizer isso? Que o mundo,
primeiramente, se d no como descritivo dos fenmenos. Esse como prescinde de uma
viso terica dos objetos pois os entes se abrem no seu uso e se mostram como tal.
No h uma essncia da cadeira, ela meramente um utenslio, um serpara como
cotidianamente lidamos com as coisas. O ser dos objetos na ocupao do sera
aparecemcomoutensliosontologicamente.
O ser dos objetos numa primeira aproximao sempre se d como manualidade.
Heidegger abre a manualidade do mundo em contraposio com o ser simplesmente
subsistente de uma viso terica, ntica. O sersimplesmentedado s pode se dar
quando h uma ruptura nessa conjuntura de significncias que o sera se move como
ocupao no mundo. No necessria uma prova pura da existncia do mundo e sim o
seu mostrar, sua descrio fenomenolgica. No preciso que o homem formule um
acesso transcendente em direo s coisas, pois o sera ele mesmo essa
transcendncia como sernomundo, pois est sempre aberto para alm do ente como
possibilidade e como projeto. De modo que o mundo a possibilidade de o sera, abrir
umasriedesignificncias.
A partir dessa ontologia que mundaniza o mundo, ou melhor, no trata o mundo
como espao puro de categorias fsicas, ou mudo empirismo, e sim como dimenso
fenomenolgica que abre o mundo primeiramente mo, o autor, ento detm uma
nova concepo da ontologia como desvelamento do como do ser, anterior a qualquer
apreensonticadafilosofia.
Heidegger, ento, se confronta com todo legado do cartesianismo e da tradio
metafsica, tarefa da destruio ontolgica realizada em Ser e tempo, mostrando que,
6Stein,E.Questodomtodo.pgindeterminada
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na verdade, o eu cartesiano deveria ser interrogado em sua existencialidade e no
abstrado como um sersimplesmentedado. A apropriao do eu uma tarefa que se
executa na prpria existncia, a partir da precompreenso ontolgica do sera, dos
modos de ser em que ele se revela existindo como encobrimento de seu ser ou como
possibilidade de compreenso mais autntica a respeito do si mesmo do sera. O
sera um ter de se apropriar de si, o que supe, portanto, uma impropriedade E 7
essa a tarefa da analtica existencial, liberar os modos de ser do sera como uma
estrutura fundamental que destrua de forma positiva a tradio ontolgica
sedimentada na historicidade do sera que o impede de compreender sua condio
existencialdeformamaisprpria.
A impropriedade, um modo de ser do sera. A impessoalidade do sera dada
na medida em que como ocupao junto aos entes intramundado o sera tambm
sercom os outros. Atravs do sercom os outros o sera se preocupa em assumir uma
identidade impropria. O simesmo se perde. O sera se identifica com uma
preocupao. Sou professor, sou pai, chefe de familia, jogador de tnis, etc Ao
assumir uma identidade o sercom se estabelece como um contedo, um papel. Nessa
perda (do simesmo prprio) se d o sujeito mais insistente da cotidianidade, o isto que
sou em princpio, o impessoal, e no eu (...) O impessoal o quem obstrudo pelo isto
, ningum Na impessoalidade se d a medianidade ou mediocridade e o 8
nivelamento dos entes. No nivelamento reina a indiferenciao, a ditadura do
impessoal e mesmo toda tentativa de diferenciao se faz impessoalmente. Na
impessoalidade tambm podem surgir, onticamente, interpretaes filosficas que
compreendem o sera a partir das coisas e de sua ipseidade cotidiana a partir do ser
cotidiano e impessoal. Nesse mbito da interpretao ontolgica, podemos de certa
forma inferir que na interpretao moderna da metafsica o sera interpretado
impessoalmentecomosujeitopessoaindeterminada,aquiloqueestabase.
O sera , portanto, no mundo, ele existe numa totalidade aberta, ele essa
abertura e, portanto, existe transitivamente. Depois da anlise do sernomundo
7Dubois,C.Heidegger:introduoaumaleiturapg338Ibdem
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Heidegger efetua a anlise do a do sera. A abertura pode se dar propriamente ou
impropriamente como velamento. O sera existe faticamente essa faticidade o seu
que , seu estar lanado no mundo, seu ter de ser assumido na existncia e isso
experenciado a todo momento atravs das tonalidades afetivas. O sera sempre est
disposto no mundo como tonalidade afetiva. Heidegger no relegou um segundo
plano ou a um estudo das paixes o carter do humor prprio da existncia do sera,
ao contrrio, na ontologia heideggeriana a tonalidade afetiva um existencial
determinante que caracteriza a experincia da existncia de fato no mundo. Antes do
conhecimento est a experincia do estarlanado a. A tonalidade afetiva no uma
mera observao desse peso de estarlanado, um prprio e ativo enviarse e
desviarsenomundo,naexpressodeHeidegger.
Esse peso do a sempre o fardo e origem da responsabilidade. O humor pode
decair como fuga na impessoalidade, ocupao, decadncia ou pode fazer a
experinciadesuaaberturanomundoquandoemumadisposiodehumororiginria.
A tonalidade afetiva demonstra o existencial da disposio, ou seja, o pathos da
existncia, o seu estar lanado e exposto ao mundo. S se apreende o ente num
pathos, mesmo que seja o pathos da indiferena ou neutralidade, ou mesmo em
tonalidades afetivas que tendem a fugir da experincia do sera de sua condio
existencial,oenteapreendidofundamentalmentenadisposiodosera.
O sera sempre em virtude de, ou seja, como seu projeto, o existencial que
estrutura tambm a abertura do sera o compreender. O sera se compreende como
sernomundo antes mesmo de ter qualquer compreenso teortica. O sera existe em
virtude de si. Portanto existe enquanto suas prprias possibilidades. A possibilidade,
para Heidegger, no uma categoria modal ou mera contingncia, mas diz respeito
prpria realidade do sera. A possibilidade junto com o ser do sera, no sentido de
existncia A possibilidade para mim porque eu me compreendo, em meu 9
estarlanado, num projeto. De certa forma a compreenso abre caminho at o ser. O
compreender, para Heidegger, projeta o seri para seu em virtude de, o projeto a
9Heidegger,Martin.Seretempopg204
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articulao da faticidade, do estarlanado do sera. Portanto o sera sempre se
compreenderexistencialmentecomopossibilidade.
Heidegger nos mostra que a possibilidade como existencial prprio do
compreender do sera e do projeto no deve ser aprendida tematicamente. Enquanto
projeto o sera sempre j se apropriou de suas possibilidades porm no projetar o
projeto lana a possibilidade como possibilidade e assim a deixa ser O sera 10
sempre o poderser essencialmente em sua faticidade, nada mais que isso, o aindano
desuaspossibilidades,nadamenosqueisso.
O compreender sempre compreender mundo existencialmente, atravs da
abertura do sernomundo e todos seus momentos constitutivos que Heidegger delineia
e libera em sua analtica existencial. Essa compreenso ele chamar de transparncia.
Qualquer categoria como intuio ou pensamento so derivados desse compreender
existencial, dessa abertura. Pois o Ser compreendido no projeto e no concebido
ontologicamente. O ente que possui o modo de ser do projeto essencial de
sernomundotemacompreensodesercomoumconstitutivodeseuser 11
O a do sera enquanto abertura tambm um fechamento na maioria das vezes. A
fuga de sua condio existencial, o modo de ser da impropriedade do sera, sua
mcompreenso a contrapartida necessria para a sua propriedade, para a
transparncia de sua autenticidade existencial. Ainda mais aqui se mostra o carter
nticoontolgico da analtica existencial, o mtodo de velamento e desvelamento
prpriodatarefadafenomenologia.
E somente porque o sera em compreendendo o seu a, ele pode perderse e
desconhecer. E a medida que compreender est na disposio e, nessa condio,
lanado existencialmente, o sera j sempre se perdeu e desconheceu Somente 12
enquanto poderser, o sera tambm pode se reencontrar. E somente porque o sera
revela essa duplicidade caracterstica do velamento de sua existncia, e o
10ibdempg20611Ibdempg20812Ibdempg206
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desvelamento como a possibilidade de poderser mais prprio, que o compreenderse
tambmummalcompreenderse.
O noser do impessoal o modo como o sera na maior parte do tempo se
mantm, totalmente absorvido pelo mundo no pblico e distante de simesmo. Se o 13
sera abertura e possibilidade de compreenso do carter projetivo de sua prpria
existncia a decadncia uma oscilao sem solidez. O sera decai no mundo num
constante permanecer tranquilizador nas ocupaes, no sercom, ou seja, na
impessoalidade e em si mesmo como uma constante precipitao e decadncia nos
existenciais que fecham o sera para a compreenso de suas possibilidades no seu
estarlanado enquanto projeto. No afinarse na decadncia se arranca do sera sua
propriedade,suaspossibilidadesprprias,eolananumapretenotranquilizadora.
Pertence facticidade do sera ter de permanecer em lance enquanto for o que e,
ao mesmo tempo, de estar envolto no turbilho da impropriedade do impessoal.
Pertence ao sera que sendo, est em jogo seu prprio ser, o estarlanado no qual a
facticidade se deixa e faz ver fenomenalmente. O sera existe faticamente. Como 14
dizemos, a decadncia uma contrapartida existencial que pressupe a
existencialidade da existncia. Na existncia se mostra esse movimento da
cotidianidade e da possibilidade do sermaisprprio. O sera s pode decair porque
nele est em jogo o sernomundo no prprio compreender e disporse. . A ontologia 15
fundamental Heideggeriana explicitada de tal modo que faz, como indicamos, que a
metafsicapartadessasestruturasexistenciais.
Nessa estrutura do sera como sernomundo posto o problema do todo
estrutural dessa analtica existencial, visto que o homem no uma ideia. O sera,
como abertura, se mostra como disposio e compreenso, como vimos. Heidegger se
pergunta se no haveria uma disposio compreensiva no sera que colocasseo
diantedesimesmoprivilegiadamente.Essadisposioprpriasednaangstia.
13ibdempg24114ibdempg24415ibdempg245
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O sera diante de si mesmo pode desviarse de si mesmo. O desviarse de si
mesmo provm da ameaa, no de um ente intramundano como Heidegger expe na
disposio do medo no sera, pois a prpria fuga em direo aos entes na
impessoalidade e ocupao. Aquilo com que a angstia se angustia o sernomundo
como tal O remeterse aos entes no mundo na decadncia antes provm da angstia 16
do que incita a angstia, pois a angstia a experincia do nada e do lugar nenhum.
Por que? Heidegger afirma que a angstia coloca o sera diante do seu prprio
poderser no mundo, ela abre o mundo como mundo em sua totalidade, ou seja, nada
de ente, e retira do sera a possibilidade de se compreender a partir do mundo na
decadncia. A angstia singulariza o sera em seu prprio sernomundo, que em
compreendendo, se projeta essencialmente para possibilidades. Naquilo por que se
angustia a angstia abre o sera como ser possvel Portanto a angstia singulariza o 17
sera no seu ser livre para em suas possibilidades poder escolher a si mesmo e a
responsabilidade dessa liberdade. Essa singularizao no um isolamento de um
sera sem mundo, ao contrrio, o sera na angstia trazido como mundo para seu
mundoe,assim,comosernomundo. 18
No desvio para a decadncia o sera est justamente fugindo desse
estranhamento, a decadncia provm da tonalidade afetiva originria da angstia.
Enquanto sernomundo, singularizado, lanado no mundo como possibilidade de
escolher a si mesmo em seu ser, o sera se volta para os existenciais da decadncia
afim de encobrir o peso dessa responsalibidade de escolher a si mesmo enquanto sua
possibilidade. O sera autntico na angstia porquanto pode experenciar seu sera
comopossibilidadequeelemesmo,seuprojeto.
A constncia que ocorre essa fuga para a compreenso cotidiana, esse tentar
agarrar e fundar em sua decadncia e impropriedade aquilo que se encontra mais longe
e ao mesmo tempo mais prximo, o ser, mostra como a angstia a disposio
originriadosernomundo.
16ibdempg25217ibdempg25418ibdempg255
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O projeto mostra como o sera sempre meu e a angstia, singularizando,
revela as possbilidades como elas so, sem se ater aos entes inrtramundanos. O ente
intramundano na angstia desaba, irrelevante, essa irrelevncia dos entes mostra que
a prpria mundanidade do mundo nada de ente, nada de ntico, o mundo sem
sentido e sem direo. do sernomundo que vem a angstia, e para o
sernomundo que a angstia se angustia. O sentimento de familiaridade do estar em 19
casa do sera, seu serem junto aos entes como ocupao, detonado pela angstia.
O sera no pode mais se assegurar na decadncia. A angstia detona essa
compreenso e mostra o sera lanado em sua faticidade, como poderser no mundo,
possibilidade para escolher a si mesmo. A angstia revela que na decadncia junto aos
entes intramundanos no h escapatria, no h determinao, o sera se encontra
singularizado.
Nesse existencial da ontologia heideggeriana se compreende mais propriamente
que em meu ser est em jogo meu prprio ser. Experincia da liberdade de se escolher
e se apropriar de si mesmo. J podemos visualizar que os carcteres ontolgicos
fundamentaisdesseente(osera)soexistencialidade,facticidade,decadncia 20
Entre os carcteres ontolgicos do ser a revelase uma conexo originria como
o espao de articulao do sernomundo. Heidegger denominar esse fenmeno
ontolgico originrio de cura, por vezes, traduzido como cuidado. Esse existencial, que
detm de maneira originria o ser do sera existindo faticamente, uma estrutura
complexa que ser fenomenologicamente descrita por Heidegger distinguindoa de
propensesnticosexistenciriascomooquerer,porexemplo.
A cura articula o sera em sua abertura na compreenso prpria ou imprpria
de si mesmo. Acura a coeso originria da estrutura existencial do sera, Heidegger
dir que a cura o existencial a priori do sera como a estrutura que vem antes de toda
atitude ou situao ftica. A cura se acha em toda atitude e situao ftica pois o 21
sera, enquanto est em jogo seu prprio ser, sempre um antecederse a si mesmo.
19Dubois,C.Pg4220Heidegger,M.Seretempopg25821ibdempg260261
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Como isso ocorre? A angstia mostra o sera como sernomundo que existe
singularizado para as suas possibilidades faticamente. A angstia mostra o sera
propriamente em sua faticidade, a possibilidade de poderser mais prprio mostrase na
angstia. Portanto em seu ser, o sera j sempre antecedeu a si mesmo. O sera j
est sempre alm de si mesmo (...) como poderser que ele mesmo Portanto o 22
sera sempre j se lanou no mundo e, na angstia, mostrase o abandono do sera a
si mesmo no seu poderser, que est em jogo o seu prprio ser, em sua faticidade.
Faticamente pois antecederse a si mesmo j serem um mundo existir sempre
ftico Porm j serem um mundo estar empenhado nas ocupaes como fuga da 23
estranhezadaangstialatente,comodesviodecadncia.
A se delineia a cura como um antecederse a si mesmo para um poder ser mais
prprio revelada na angstia como a subsistncia da liberdade. Esse poderser j em
virtude de que o sera j sempre , expressase a sua faticidade. Essa liberdade
tambm excercese involuntariamente como um poderser imprprio, um relacionarse
involutariamente com suas possibilidades nas ocupaes da cotidianidade que denota
seremummundocomoserjuntoa. Numa primeira aproximao, o sera, na maioria
das vezes, est imerso em sua decadncia, alheio a si mesmo. Porm mesmo nesse
alheamento o antecederse a si mesmo permanece existencialmente, como mostramos,
no relacionarse involuntariamente com suas possibilidades. Portanto Heidegger
delineia a estrutura existencial fundamental do sera, a cura, como um
antecederseasimesmonojseremummundocomoserjuntoa.
Nessa estrutura pode se enraizar a interpretao de fenmenos nticos
existencirios como o querer, de modo que Heidegger tenta mostrar a existencialidade
originria de onde provm esses fenmenos ao longo de sua ontologia. Como a
analtica do sera tem o ser de sua abertura ontolgica na cura como antecederse a si
mesmo faticamente, o autor analisa os fenmenos existencirios que uma interpretao
errnea da cura referida como sendo meramente um impulso particular pode cair.
Pois a interpretao impessoal das possibilidades do sera restringe a existencialidade
22ibdempg25823ibdempg259
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do sera, seu todo existencial no mundo, num mbito estreitado e alheio ao poderser
mais prprio originrio mostrado na angstia. Esse nivelamento das possibilidades do
sera ao que se oferece de imediato, no cotidiano realiza, ao mesmo tempo, uma
obliterao do possvel como tal. Na interpretao cotidiana de suas possibilidades o 24
serasetranquilizaemsuarealidademaisevidente.
No querer, por exemplo, s se apreende um ente j compreendido e projetado
em suas possibilidades a ser tratado na ocupao ou na preocupao. O querer um
poderser para a possibilidade de um ente. O querer est enraizado na cura como
fenmeno existencirio proveniente do sernomundo antecedendose a simesmo num
poderserparaapossibilidadedeumentequesequis. 25
O desejar outro fenmeno imprprio que pode surgir da cura na cotidianidade e ser
dado interpretao ntica. No desejar, diz o autor, o sera se projeta para
possibilidade no captadas na ocupao e nem mesmo se espera ou se pensa da
possibilidade uma realizao. Predomina o antecederse a si mesmo alheio a faticidade
de sua existncia. O sera no mero desejar perdese insustentavelmente. Adere s e
puramentespossibilidadesedessaformafechaaquiloqueseabreemsuafaticidade.
Prximo desse fenmeno est a adeso que predomina um j serem juntoa como
num deixar viver em que o sera sempre est, perdese nessa tendncia e cegase
paraseuantecederseasimesmoparasuaspossibilidade.
A propenso aquilo que compreendemos como impulso, o impulso reprime outras
possibilidades. O antecederse a si mesmo deixase atropelar pela propenso para
aquilo a que se propenso. A propenso pode abalroar a compreenso e a
disposio.
Posto a abertura da anlise existencial do sera, percorreuse um caminho em
que se chegou ao sera como sernomundo em sua estrutura mais originria e a priori,
a cura. A totalidade desse fenmeno ontolgico existencial no pode ser esclarecida
como um elemento ntico, como mostramos, ele articulado ontologicamente, e muito
menos encerra a ontologia heideggeriana em Ser e tempo. O fenmeno de mundo e o
24ibdempg26225ibdempg262
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sera como sernomundo foram analisados em sua existencialidade como uma
abertura ontolgica aos poucos desvelada fenomenologicamente no trabalho desta
ontologia fundamental. Na segunda seo, Heidegger analisar o sera como existindo
temporalmente, sentido do ser, mas nesse caso, a exposio ficar para um prximo
estudo.
Bibliografia:Heidegger,Martin.Seretempo.2006.Vozes.Dubois,Christian.Heidegger:introduoaumaleitura.2005.Zahar.Stein,Ernildo.Questodomtodonafilosofia.Livrariaduascidades.Stein,Ernildo.SeisestudossobreSeretempo.Kirchner,Renato.Atemporalidadedapresena.TeseUFRJ2007.