Antropologia filosofica

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Antropologia Filosóficai

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INTRODUÇÃO

A disciplina de Antropologia Filosófica apresenta-se como uma oportunidade

para pensarmos no Eu no Tu e no Nós, isto é, no Homem. Permite-nos questionar sobre o

sentido e o fim da nossa vida, para percebermos a grandeza do nosso ser e termos em

conta a nossa dignidade como pessoas. As nossas abordagens serão feitas desde o ponto

de vista filosófico, teremos em conta a importância que é dada a Antropologia no campo

filosófico e o que alguns filósofos disseram a respeito do homem.

O termo Antropologia é uma palavra composta cujo elementos são antropos e

logos ambos termos tem origem na língua grega: antropos=homem, género humano e

logos= ciência, discurso. É um estudo sobre o Homem, não se trata de qualquer discurso,

é um discurso profundo acerca da essência do homem, assim como Max Scheler a

entendia “ciência da essência e da estrutura ética do homem da sua relação com a

natureza e com o princípio de todas as coisas, da sua origem, das potências e formas que

agem sobre ele e aquelas sobre as quais age, das direcções e das leis fundamentais do seu

desenvolvimento biológico, psíquico, espiritual e social. Os problemas da relação entre o

corpo e a alma e a relação entre o espírito e a vida…”1. A questão sobre o Homem

coloca-se como a questão de todas as questões, estas questões estão presentes em todas as

demais questões.

O primeiro a utilizar o termo antropologia foi o humanista OTTO CASMANN2,

que em 1596 publicou um livro intitulado “Psychologia Anthropologica” no qual

expunha a doutrina sobre a alma e o corpo.

O estudo acerca do homem estava ainda confinado a dimensão anímica, isto até a

época de Wolff, pois que, tratava-se de um estudo experimental e metafísico. Assim foi

Wolff o primeiro a fazer uma destrinça entre dois tipos de pesquisas: Psychologia

Empírica (Frankfurt 1732) e Psychologia rationalis (Frankfurt 1734). Esta distinção

adquiriu um valor definitivo, porém, hoje usa-se o termo Antropologia e não Psicologia,

para indicar o conteúdo da pesquisa filosófica que diz respeito a todo o homem.

1 Mondin, Battista. O Homem Quem É Ele: Elementos de Antropologia Filosófica, Paulus, 11a ed. Brasil 2003, pag. 7.2 Alemão

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A afirmação do termo antropologia deve o seu mérito a I. Kant que intitulou uma

das suas obras “Anthropologie in pragmatiscer Hinsicht (1778 1ª publicação, 1798), onde

define a antropologia como a doutrina do conhecimento do homem ordenada

sistematicamente.

Há a distinguir três acepções de Antropologia:

a) Antropologia Física que estuda o homem do ponto de vista físico-somático.

b) Antropologia Cultural que estuda o homem do ponto de vista da sua origem

histórica e das suas manifestações culturais.

c) Antropologia Filosófica que estuda o homem do ponto de vista dos seus

princípios últimos que o compõe.

Contudo, apesar de o termo ser recente, aquilo que ele faz referência (o homem) foi

objecto de estudo em todos os períodos da história. O homem foi estudado pela Filosofia

Grega, assim como na Idade Média e pela Filosofia Moderna e Contemporânea, porém as

suas abordagens não foram totalmente convergentes, os pontos de vista e os ângulos

foram diferentes.

1- Na Filosofia Clássica o estudo do homem era essencialmente cosmocêntrico.

2- Na Filosofia Cristã a Antropologia foi teocêntrica, o estudo do homem era feito

enquanto fosse orientado por Deus e as premissas que comandam este estudo põe

o homem enquanto criatura de Deus no qual ele aspira eternidade.

3- Na Filosofia Moderna e Contemporânea a Antropologia é essencialmente

antropocêntrica, centra o seu estudo no homem enquanto ser biológico, social e

político.

ESTADO DA QUESTÃO

O problema filosófico acerca do homem encontra-se particularmente vivo na

actualidade. Revela-o o interesse crescente que hoje desperta a nova disciplina de

Antropologia Filosófica. Em que consiste a sua essência? Em 1º lugar, é necessário

delimitá-la rigorosamente, face as outras espécies de Antropologias, mormente das que

têm como ponto de partida as Ciências especiais:

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a) As antropologias que tratam dos aspectos parcelares do próprio homem

(antropologia físico-somática, a psicologia e a antropologia médica);

b) As antropologias que procuram contribuir para a sua interpretação partindo de

domínio extra-humanos: antropologia etnológica, sociológica, política, religiosa e

cultural.

As fronteiras entre estes dois domínios não são nítidas. De todas estas orientações se

distingue a Antropologia Filosófica por não tratar de investigação de aspectos parcelares

mas de uma imagem total do ser humano. Trata-se de uma imagem global, uma visão de

conjunto dos resultados das Ciências Particulares ou de uma concepção independente da

essência do homem.

A Antropologia Filosófica se encontra numa relação de dependência com respeito à

ética, e a metafísica. O homem ultrapassa, em muitos aspectos do seu ser o

empiricamente compreensível: problemas como o da imortalidade da alma, do bem e do

mal, do sentido da existência humana em geral são sempre abandonados a soluções

provisórias, aproximados, hipotético-especulativos.

O HOMEM, QUEM É ELE?

Este é o questionamento por excelência, a questão fulcral de todas as questões.

Podemos formular tantas outras questões, mas todas elas têm como fulcro o homem.

Falar superficialmente do homem, não deve existir, pois que, toda a vida depende da

resposta que for dada acerca do homem, é uma questão que apesar de ser tão importante a

sua resposta constitui um problema muito difícil, isto devido a complexidade do ser do

homem. Esta dificuldade é demonstrada pela própria História da Filosofia. É uma questão

incontornável, devemos enfrentá-la.

A ORIGEM DO HOMEM: EVOLUCIONISMO OU CRIACIONISMO?

As teorias evolucionistas enunciadas pela primeira vez no mundo científico por

Charles Darwin (1809-1882), elas afirmam que o corpo humano proviria mediante um

salto qualitativo e quantitativo de espécies animais inferiores. O homem viria assim dum

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degrau inferior da escala biológica, num trajecto marcado pelas leis da selecção natural e

sexual, depois de longos períodos de luta pela sobrevivência e de adaptação às difíceis

situações ambientais duma terra ainda jovem geologicamente.

As teorias evolucionistas tiveram grande aceitação, mesmo na esfera cristã, o jesuíta

Teilhard de Chardin (1881- 1955), assumiu-as e inseriu-as numa visão cristã: a dinâmica

da vida, proveniente de um ponto ALFA, inicial, percorre várias escalas intermédias,

entre as quais a da hominização, a caminho de um ponto ómega que marcará o encontro

da humanidade, chegada do ponto supremo da sua evolução com Cristo.

A teoria evolucionista suscita no entanto uma dúvida de fundo. “Se o corpo da pessoa

humana provem de espécies animais inferiores, como se explica a alma” Quantos foram

os primeiros humanos a aparecerem na terra? Alguém responderia que o homem é fruto

do acaso.

Há autores continuam a sustentar como plausível a perspectiva criacionista, e não

apenas para seguir a descrição bíblica: só a hipótese duma corporeidade espiritualizada,

criada directamente do alto, explicaria a superioridade do ser humano em relação à todos

os seres vivos e responderia à todas as dúvidas e interrogações.

PERTINÊNCIA E ACTUALIDADE DO PROBLEMA ANTROPOLÓGICO

Hoje há unanimidade da capital importância que a Antropologia Filosófica ocupa

na vida do homem, seja qual for o enquadramento: Existencialistas, Estruturalistas,

Ateus, Cristãos, Marxistas, Tomistas, Evolucionistas, Espiritualistas, etc. É assim que o

Inglês T. H. Huxley, a considera como a interrogação de todas as interrogações para a

humanidade - o problema que subjaz a todos os outros e que mais do que qualquer outro

suscita o nosso interesse – é a determinação do lugar que o homem ocupa na natureza e

das suas relações com o universo, ele levanta as seguintes questões: Donde provem o

homem, quais são os limites do nosso poder sobre a natureza e do poder da natureza

sobre nós; qual é o fim para o qual caminhamos?

Na mesma senda Max Scheler afirma: todos os problemas fundamentais da

Filosofia podem reduzir-se a questão seguinte – que é o homem e que lugar e posição

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metafísica que ele ocupa dentro do ser, do mundo, de Deus3. Nos nossos tempos Martin

Heidegger existencialista, cujas análises cingiram-se no campo da Fenomenologia encara

esta questão nos seguintes termos ”Nenhuma época teve noções tão variadas e numerosas

sobre o homem como a actual. Nenhuma época conseguiu, como a nossa, apresentar o

seu conhecimento acerca do homem de modo tão eficaz e fascinante, nem comunicá-lo de

modo tão fácil e rápido. Mas também é verdade que nenhuma época soube menos que a

nossa o que é o homem. Nunca o homem assumiu um aspecto tão problemático como

actualmente”4.

Os marxistas abordaram esta questão sem contudo salientarem um aspecto

inovador do que foi dito até aqui. Para eles o homem dentro da natureza apresenta-se

como o maior de todos os seres.

I. O homem na história do pensamento grego.

1.1. A Concepção do homem na Cultura Grega Arcaica

A imagem do homem que a cultura grega arcaica nos apresenta é rica e complexa.

Os traços dessa imagem encerram-se nas seguintes características:

a) Linha teológico-religiosa onde encontramos a divisão entre o mundo dos deuses e o

mundo dos mortais. Os primeiros são imortais, bem-aventurados; ao passo que os

segundos são seres de um dia e infelizes.

Segundo a mitologia grega, este facto deveu-se a pretensão desmedida do homem

igualar-se aos deuses.

b) Linha cosmológica o homem é um ser que contempla o universo, ele admira-se pela

ordem e beleza que fazem do universo visível um todo bem adornado. Desta admiração

segundo Platão terá origem a Filosofia e com ela um estado de vida do homem grego: a

vida teorética.

Deve reinar uma correspondência entre a ordem do universo e a ordem da cidade

regida por leis justas, que originou a ideia de Ciência do agir humano (Ética).

3 Mondin Battista, op. Cit. Página 7-84 Loc. Cit.

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c) Linha antropológica reside na relação do homem com os deuses e na oposição entre

apolíneo e dionisíaco.

O apolíneo reflecte o lado luminoso da visão grega do homem, a presença

ordenadora do logos na vida humana, que a orienta para a claridade do pensar e do agir

razoáveis. O dionisiaco traduz o lado obscuro do terreno onde reinam as forças

desencadeadas do desejo e da paixão.

Reconciliar estes dois actos será tarefa da Filosofia a qual Platão fala no

Banquete. O tema da alma desde a alma concebida como sopro que vive uma vida no

Hades em Homero, até a representação religioso-metafisica da alma no Orfismo como

entidade separada do corpo e nele reencarnando-se em sucessivas existências.

1.2. A Concepção antropológica pré-socrática

“O Homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são enquanto são e das coisas que não são enquanto não são”(Protágoras).

Foi Diógenes de Apolónia que representou o pensamento antropológico

claramente definido nesta época. Algumas literaturas consideram-lhe ter sido discípulo

dos filósofos jónicos, tendo sofrido influência de Antistenes e Anaxágoras.

Ele exalta a superioridade do homem sobre os outros animais na marcha, no olhar

e na estação vertical. O homem olha voltado para o alto porque está apto para contemplar

os astros. Nesta contemplação, revela-se a correspondência entre o olhar humano e a

ordem cósmica fundamento desse sentimento religioso diante do Kosmos.

Ele fala em seguida da habilidade das mãos, da linguagem que é manifestação do

pensamento (logos). Assim, aparece pela primeira vez em Diógenes de Apolónia a ideia

do homem enquanto estrutura corporal e espiritual, cuja natureza se manifesta por meio

das suas obras.

O pensamento de Diógenes estabelece uma linha de transição com a Filosofia pré-

socrática do Século VI aC, dominada pelo problema da physis e da busca do princípio

explicativo do seu movimento e do seu vir-a-ser.

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A individualidade do homem aparece abrigada na majestade da physis e na ordem

do mundo. A tendência de pensar o homem segundo a ordem da natureza encontra uma

expressão consagrada na identidade entre a ordem do mundo e a ordem da cidade.

Ao longo do séc, V aC, o problema Antropológico sobrepõem-se pouco a pouco

ao problema cosmológico como centro teórico de interesse da filosofia grega. Esta

“descida da Filosofia do céu para a terra” (Cícero) está ligada as transformações da

sociedade grega aceleradas pelas guerras pérsicas e pela consolidação do regime

democrático em Atenas e outras cidades.

Dois foram os problemas que surgiram nesta época:

1- O problema da paideia (educação) que se coloca em torno de uma nova

forma de virtude política exigida pela vida democrática.

2- O problema da habilidade que não encontra mais sua fonte na tradição e

vê acentuar o seu carácter técnico e intelectualista.

O pensamento antropológico do século, V vai atingir a sua plenitude na segunda

metade do século V quando os sofistas fizerem do problema da cultura o problema maior

da Filosofia. Foram os sofistas que consumaram o auge da antropologia grega. A própria

designação de “sophistes” engloba o saber teórico e as habilidades práticas, revela que o

homem e suas capacidades passam a ser objecto principal da Filosofia.

Algumas ideias que constituirão a concepção ocidental do homem foram formuladas

pela primeira vez claramente no contexto da ilustração sofística ateniense. Das quais

destacamos:

a) O conceito de natureza humana com os seus predicados próprios e com as

exigências que lhe são essências;

b) A oposição entre a convenção e a natureza na organização da cidade e nas normas

do agir individual, dando origem as primeiras teorias do convencionalismo

humano;

c) O individualismo relativista;

d) A concepção de um desenvolvimento progressivo da cultura;

e) A análise do homem como um ser de necessidade e carência, ao qual compete

suprir com a cultura o que lhe é negado pela natureza;

f) A ideia do homem como ser dotado do logos, da palavra e do discurso.

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Aqui reside o conceito do homem como animal racional , base da antropologia e do

humanismo clássicos.

1.2.1. A transição socrática

“Conhecer-se a si próprio vale mais do que sabê-lo pelos outros” (provérbio Uolof – Senegal)

O pensamento antropológico que orienta até o homem dos nossos tempos remonta

a Sócrates, ele nada escreveu como é sabido, mas o tema constante da sua meditação que

as fontes contemporâneas nos transmitem gira em torno do que é propriamente humano

ou das coisas humanas. Na perspectiva socrática o humano só tem sentido e explicação se

referido a um princípio interior que está presente em cada homem e que ele chamou por

alma.

Para ele, a alma é a sede de uma virtude que permite medir o homem segundo a

dimensão interior na qual reside a verdadeira grandeza humana. É na alma onde tem

lugar a opção profunda que orienta a vida segundo o justo e o injusto. Todo o homem que

procura intelectualmente a verdade e a encontra não deixa de sentir o desejo de viver e

actuar em conformidade com ela. O homem que sabe o que é a virtude não pode deixar

de a praticar; o homem que sabe o que é a justiça não pode deixar de ser justo; é ela que

constitui a verdadeira essência do homem.

Ele introduz no campo antropológico o conceito de personalidade moral,

fundando assim a Filosofia Moral é de alguma maneira o fundador da Antropologia

Filosófica na Antiguidade.

A sua antropologia filosófica resume-se nos seguintes traços:

1. A teleológica do bem e do melhor como via de acesso para a compreensão do

mundo e do homem.

2. A valorização ética do indivíduo que encontrou sua expressão mais conhecida na

interpretação socrática do preceito délfico “conhece-te a ti mesmo”.

3. A primazia da faculdade intelectual no homem donde procede o chamado

intelectualismo socrático inspirando a doutrina da virtude (ciência); ao exaltar o

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homem como o portador do logos e ao fazer da relação dialógica a relação

humana.

1.2.2. Antropologia platónica

A antropologia platónica apresenta-se como a síntese do pensamento

antropológica anterior a ele: nele há uma fusão da tradição pré-socrática na relação

homem-Kosmos; a tradição sofística do homem como ser de cultura destinado a vida

política e a herança dominante de Sócrates do homem interior e da alma.

Para Platão o homem é essencialmente alma, esta é imortal espiritual e incorruptível;

a imortalidade da alma em Platão não constitui um problema, o único e verdadeiro

problema é libertar a alma da prisão do corpo (cf. Fedon, Fedro e República). A

tricotomia da alma na República que ordena as três partes é regida por virtudes:

1- Racional (sabedoria)

2- Irascível (força, coragem)

3- Concupiscente (moderação).

Segundo Platão a alma foi criada pelo demiurgo, após a existência pré-humana,

sofreu uma primeira união com o corpo que para ele é um cativeiro. Depois de se

libertar desse vínculo, pela morte um tribunal decidirá acerca do seu futuro destino.

Assim seguem-se múltiplos nascimentos (metempsicose) escolhendo cada qual a

forma de vida que desejar. A alma do filósofo é a que mais rapidamente se liberta da

roda dos nascimentos e regressa a estrela de onde provem.

Alma ____Contemplação Ideias

1 A

I

C

N

2 E

C

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S 4

I

N

I

Alma M

E

+ R

Corpo Percepção Cópias

3

1- A alma num estado inicial de perfeição conhece as formas perfeitas do

mundo inteligível.

2- A alma condenada ao cárcere corpóreo passa a viver no mundo sensível.

3- Pela percepção sensível o homem apenas apreende as cópias imperfeitas

da verdadeira realidade.

4- Ao percepcionar, a alma recorda as formas ideais e sente a nostalgia do

mundo inteligível.

1.2.3. Antropologia Aristotélica

O homem e como todos os seres vivos é composto de alma e corpo. A alma é a

forma e o corpo a matéria. A alma encarnada no corpo para Aristóteles não parece estar

em condições de escapar da corrupção. A alma é uma unidade substancial com o corpo.

O anímico apresenta-se a três níveis: vegetativa (plantas), cuja função é regular a vida

orgânica; sensitiva dos animais e racional do homem.

Aristóteles é considerado, com razão, um dos fundadores da antropologia como

ciência e o primeiro que tentou sistematicamente uma síntese cientfico-filosofica sobre o

homem em sua concepção. Ele caminha da tendência dualista a um monismo hilemórfico

(alma como forma do corpo).

O centro da concepção aristotélica do homem é a physis mas animada pelo

dinamismo teleológico da forma que lhe é imanente. Ele transpõe assim para o horizonte,

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para a physis o fim do ser e do agir do homem. O homem tem bem assinalado o seu lugar

na estrutura hierárquica da physis mas tem a capacidade de pensar além das fronteiras de

seu lugar no mundo e elevar-se pela theoria a contemplação das realidades transcendentes

e eternas.

Características essenciais que definem o homem em Aristóteles

1- A estrutura biopsíquica do homem – a psyche enquanto princípio vital que é a

perfeição de todo o ser vivo e ao qual compete a capacidade de mover-se a si

mesmo. Como todo ser vivo o homem é composto de psyche e soma. A psyche é

a perfeição ou o acto do corpo organizado, e essa é a sua definição.

2- O homem como zoológico – o homem distingue-se de todos os outros seres da

natureza em virtude do predicado da racionalidade; “ele é um animal racional”. A

racionalidade é a diferença específica do homem, enquanto ser dotado de logos o

homem transcende de alguma maneira a natureza e não pode ser considerado

simplesmente um ser “natural”.

3- O homem como ser ético-político – Aristóteles é considerado senão o criador mas

o sistematizador da Ética e da Política como dimensões fundamentais do ser do

homem sobre si mesmo. Segundo Aristóteles o homem é essencialmente

destinado a vida em comum na polis e somente aí se realiza como ser racional.

Ele é um ZOON POLITIKON . As virtudes que a Ética estuda, seja as recebidas

dos costumes da cidade, seja os adquiridos pelo ensinamento só na vida política

encontram o campo do seu pleno exercício.

II- A concepção do homem na idade média.

2.1- O homem segundo Santo Agostinho

A antropologia medieval vai buscar seus temas e sua inspiração em três fontes; a

Sagrada Escritura, os Padres da Igreja e os filósofos e escritores gregos e latinos. A

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concepção do homem evolui em estreita relação com o próprio desenvolvimento da

situação.

No campo filosófico-teológico, a influência de Santo Agostinho é predominante

até ao séc, XII.

S. Agostinho discípulo de Platão, e como tal reduz o homem a alma e daí que haja

uma autonomia completa do conhecimento intelectivo com respeito a qualquer

contribuição do corpo.

S. Agostinho vê o homem como um ser dependente da graça de Deus. O homem

está pré-determinado quanto a salvação ou a condenação. Contudo, o homem é

responsável pela sua própria vida, ele deve viver de modo a poder saber que pertence ao

número dos eleitos; não nega que o homem tenha livre arbítrio. Só que Deus já previu

como é que iremos viver. Assim para Deus não é segredo quem deve ser salvo e quem

deve ser condenado, logo nós somos dependentes da graça de Deus.

Para explicar a imortalidade da alma, S. Agostinho salienta que o homem é um ser

espiritual, possui um corpo material que pertence ao mundo físico e é corrompido pelos

agentes naturais mas também tem uma alma que pode conhecer Deus.

2.2- Antropologia Tomista

Para aquinate o homem é composto essencialmente de alma e corpo. A alma não

subjaz ao corpo mas ao contrário. A alma possui o ser directamente, ou seja, tem o seu

próprio acto de ser e dele faz participar o corpo. Há portanto, uma unidade profunda,

substancial entre a alma e o corpo; justamente porque é o único acto de ser. Mas ao

mesmo tempo, tendo a alma uma relação prioritária do acto de ser a morte do corpo não

pode implicar a morte da alma, portanto, a alma é de direito imortal.

A síntese mais bem sucedida da Antropologia medieval encontramo-la no

pensamento de Tomás de Aquino. Nela convergem as grandes teses da Antropologia

Clássica e da Bíblico-Cristã, encontrando seu ponto de equilíbrio. S. Tomás procura

reconstituir na sua autenticidade original o aristotelismo fazendo com que Aristóteles

chegue ao ocidente Latino.

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A Antropologia tomista pode ser situada assim, num espaço conceptual

delimitado por três coordenadas:

1- A concepção clássica do homem como animal racional. Aqui Tomás defronta-se

com a questão da unidade do homem ou da relação alma +corpo, que se apresenta

como um dos temas mais polémicos da Filosofia Medieval. A tese da pluralidade

das formas substanciais hierarquizadas no mesmo composto atraía muita simpatia

e parecia a mais apta a preservar a natureza espiritual da alma intelectiva. S.

Tomás rejeita o dualismo mantendo a unidade hilemórfica do homem; contudo a

alma tem a criação divina e transcende a matéria. A alma intelectiva é o acto que

integra o corpo na sua perfeição essencial do ser-homem, e de sua unicidade

derivam a unidade do agir e do fazer humanos.

O rationale em S. Tomás designa a razão discursiva, forma do conhecimento intelectual

inferior a inteligência que é própria dos espíritos puros, mas da qual também o homem

participa.

2- A concepção neoplatônica do homem na hierarquia dos seres como fronteiriço

entre o espiritual e o corporal. O lugar do homem na hierarquia dos seres aparece

à S. Tomás, essencialmente determinado por sua natureza racional. É em função

desse problema que a definição do homem como animal racional adquire um

significado prático fundamental. Com efeito, é a partir da racionalidade que o

homem encontrando seu lugar na natureza pode empreender a busca do seu fim.

No que diz respeito a sua situação no universo, o predicado da racionalidade confere ao

homem a característica singular de se encontrar na fronteira do espiritual e do corporal,

do tempo e da eternidade. O homem medeia entre Deus e o Kosmos.

3- A concepção bíblica do homem como criatura, imagem e semelhança de Deus

(imago Dei). Tomás supõe uma Filosofia do homem na sua relação com Deus que

tem como tema central a ideia de perfeição absoluta de Deus, da qual decorre a

capacidade de conhecer a verdade e de agir moralmente segundo o bem.

III- O pensamento antropológico na Filosofia Moderna.

A concepção moderna do homem, constitui uma visão antropocêntrica, na qual o

homem é o ponto de partida donde se origina e em torno ao qual fica polarizada a

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investigação filosófica. A investigação crítica, que em Descartes, é o necessário ponto de

partida de todo acto de filosofar tem por objecto o homem.

Aqui a imagem do homem é desfeita pela descoberta da imensa diversidade, das

culturas e dos tipos humanos e pelo próprio avanço das Ciências do homem que

submetem seu objecto a uma análise minuciosa e, aparentemente, desagregadora de sua

unidade.

3.1- A Concepção do homem no humanismo

Os humanistas renascentistas tinham uma confiança totalmente nova no homem e

no seu valor, o que estava em nítido contraste com a Idade Média, na qual se realçava

apenas a natureza pecaminosa do homem. O homem foi então visto como ser

infinitamente grande e precioso. Aqui há a destacar Marsílio Ficino, que exclamou

”Conhece-te a ti mesmo, ó estirpe divina em vestes humanas”.

O humanismo renascentista estava, mais marcado pelo individualismo do que

pelo humanismo clássico. Não somos apenas homens, somos também “indivíduos”

únicos. Esta ideia deu origem a uma veneração do génio. O ideal tornou-se, aquilo que

chamamos, o homem renascentista, ou seja, o homem que se ocupa com todos os

domínios da vida, da arte e da ciência.

A época que a historiografia denomina de Renascença, vai do séc., XIV ao séc,

XVI, quando atinge o seu auge e declina para dar lugar a idade Barroca. Na ordem das

ideias, a civilização da Renascença veio a ser conhecida como Idade do Humanismo. Este

termo indica uma nova sensibilidade perante o homem e a redescoberta e exaltação da

literatura clássica, sobretudo, a latina considerada a mais alta expressão dos valores

preconizados pelo humanismo e o mais apto instrumento para elevar o homem a altura da

sua verdadeira humanidade: homo humanus.

A literatura em torno da Antropologia Renascentista é muito vasta. Iremos apenas

destacar um pensador quase paradigmático, o cardeal Nicolau de Cusa (1401-14640 e

duas ideias matrizes que estão nos fundamentos da concepção renascentista do homem: a

da dignidade do homem e do homo universalis.

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O tema da dignidade do homem reaparece na Renascença como reiteração

consciente de um tema que provem de Sofocles e da Sofística grega e se tornara um

lugar-comum na literatura antiga.

A exaltação da dignidade e poder do homem não é apenas um motivo literário,

mas responde de facto as exigências profundas da nova sensibilidade diante do homem e

das suas obras, que seria o traço mais característico do humanismo.

No primeiro caso, é a actividade da contemplação que atesta a grandeza do

homem e a sua eminente dignidade; no segundo, o agir, a capacidade de transformação

do seu mundo que passa a ser o indício incontestável da superioridade do homem.

É na Renascença onde aparece uma consciência de humanidade ou das

características essências do homem em sua universalidade abstracta e não mais limitado

pelas particularidades segundo as quais o homem antigo ou medieval se considerava.

Com efeito, é a imagem do “homo universalis” que emerge das profundas transformações

do mundo ocidental no tempo da renascença.

Nesta época tem lugar uma rápida dilatação dos horizontes seja de espaço

geográfico (época das descobertas), seja de seu espaço humano (encontro com novas

culturas e civilizações).

A antropologia da Renascença aparece, assim, como uma antropologia da ruptura

e da transição: da ruptura com a imagem cristã-medieval do homem e transição para a

imagem racionalista que dominará os séculos XVII e XVIII.

3.2 A concepção racionalista do homem.

“Cogito Ergo Sum” (Renè Descartes)

No princípio dos séculos, XVII, fazem-se sentir os sinais do fim do Renascimento

e o prenúncio de um novo modo de pensar e sentir. Este novo modo de pensar e sentir

permanece herdeiro e devedor do humanismo renascentista e dele receberá a influência

directa por meio dos grandes moralistas franceses do século XVI, sobretudo de Michel de

Montaigne que transmite ao racionalismo emergente os temas da observação de si mesmo

i Este material foi elaborado usando com base a Bibliografia que consta no fim da matéria.

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e do conhece-te a ti mesmo. A Antropologia racionalista prolongará a tradição do Zoon

Logikon dando-lhe um novo conteúdo: o esquema mecanicista.

3.2.1- Rene Descartes (1596-1650)

É com ele que a Antropologia Racionalista encontra sua expressão

paradigmática, de modo a se poder falar do homem racionalista, como do homem

cartesiano.

Em Descartes o homem é pensado como duas realidades: res extensa e res

cogitans. A inversão cartesiana começa com o privilégio atribuído ao método como ponto

de partida e, portanto, com a construção do objecto do saber segundo as regras do

método. Nele o problema antropológico é o problema da relação entre o corpo e a alma;

desse modo ficam delineados os traços fundamentais da concepção racionalista do

homem:

a) A subjectividade do espírito como res cogitans e consciência-de-si;

b) A exterioridade do corpo com relação ao espírito.

Esse dualismo característico da ideia racionalista do homem apresenta-se

essencialmente diverso do dualismo clássico de feição platónico. Aqui, o espírito como

res cogitans, separa-se do corpo como res extensa, não para elevar-se a contemplação do

mundo das ideias mas para melhor conhecer e dominar o mundo. A sua antropologia

divide-se numa metafísica do espírito e uma física do corpo, que obedece aos

movimentos e as leis que impelem a máquina do mundo. O corpo humano, é integrado no

conjunto dos artefactos e das máquinas, e só a presença do “espírito” que se manifesta na

linguagem, separa o homem do “animal racional”.

3.2.2- Outras concepções desta época

A revolução cartesiana, a Filosofia e a revolução Galileiana na Ciência, deram

origem a uma nova ideia de razão que transforma profundamente a auto-compreensão do

homem e abre o espaço epistemológico no qual virão a constituir-se as chamadas

Ciências do homem. O homem da idade cartesiana será assinalado por dois traços

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peculiares: o moralismo e o humanismo devoto que reflectirá uma nova sensibilidade

religiosa.

Uma das obras mais genialmente representativas da transformação da ideia do

homem ocidental no limiar da idade moderna é a de Blaise Pascal (1623-1662). A

evolução do pensamento pascaliano é atravessada pela tensão entre o estudo da

matemática e da ciência física ao qual se consagra com entusiasmo na juventude, e o

“estudo do homem” do qual passa a ocupar-se após a sua conversão.

O cogito pascaliano é também marca da grandeza do homem. Mas o seu cogito

não se volta para a dominação do mundo, mas sim empenha-se na descoberta das regras

do bem pensar, ele descobre imediatamente sua dimensão moral.

3.2.3- As Ciências Humanas no Século XVII

A revolução científica do Século. XVII influenciou em larga medida as

concepções filosóficas sobre o homem. Tendo como instrumentos epistemológicos

privilegiados a observação e a medida; o novo espírito científico se caracteriza antes de

tudo por nova ideia de método. Com efeito, o ideal do método, ou a definição rigorosa

das regras de bem pensar constituem um dos temas dominantes da cultura intelectual da

época. As duas grandes vertentes do racionalismo: o puro e o empirista, inspiram as duas

grandes concepções do método: a dedutiva e a indutiva.

As transformações do espírito científico inicialmente registam-se nas Ciências da

Vida: Biologia (animal-máquina Traite de L`Homme de Descartes 1632) base da teoria

da circulação do sangue de W. Harvey.

O desenvolvimento dos instrumentos ópticos amplia o campo de observação dos

fenómenos da vida e reestrutura de facto o domínio da percepção visual, nascendo assim

a Anatomia microscópica (M. Malpighi 1628-1694) dando-se passo para o que

futuramente se denominara a Teoria Celular ( K. Hooke 1635-1703) e regista-se a

descoberta dos Glóbulos Vermelhos e das Bactérias (A. Van Leuvenhoek 1632-17230).

A Zoologia que após Aristóteles mais nenhum progresso fizera, começa a sofrer uma

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reformulação que conduzirá ao advento da Sistemática Moderna5 com Lineu e Buffon no

século, XVIII.

Outro campo importante que se abre a investigação empírica do homem é o da

Ciências da linguagem, tendo como objectivo o texto e a sua hermenêutica crítica. Outro

projecto é o chamado “língua universal” já tentado por Raimundo Lulio (1235-1316) em

sua Ars Magna.

No campo das Ciências do Direito e do Estado, temos a destacar a concepção

moderna de Direito Natural e, com Thomas Hobbes, a aplicação ao Estado do modelo

mecanicista, ao mesmo tempo em que a chamada ideologia do individualismo, da qual

Locke será um dos primeiros teóricos.

3.3- O homem na época da Ilustração

A ilustração compreende o movimento de ideias que dominou no século, XVIII

europeu vai desde 1680-1780), segundo Pierre Chaunu, com a sua repercussão nos

campos político, religioso, filosófico, cientifico, literário e artístico marcando assim uma

civilização que se designa por civilização da ilustração. Apesar de haver base das

civilizações das épocas anteriores, a concepção da ilustração afasta-se das mesmas bases.

Algumas ideias defendidas pelo espírito da ilustração.

a) Humanidade – aqui o termo ganha um sentido secularizado, com um sentido

axiológico, contrapondo-se ao sentido de humanidade que foi objecto do

universalismo salvífico. Dá-se primazia não a relação do homem com Deus mas

do homem com os outros homens, e a assunção dos indivíduos na majestosa

hipóstase da Humanidade que será divinizada por A. Comte.

5 A sistemática é a ciência dedicada a inventariar e descrever a biodiversidade e compreender as relações filogenéticas entre os organismos. Inclui a taxonomia (ciência da descoberta, descrição e classificação das espécies e grupo de espécies, com suas normas e princípios) e também a filogenia (relações evolutivas entre os organismos). Em geral, diz-se que compreende a classificação dos diversos organismos vivos. Em biologia, os sistematas são os cientistas que classificam as espécies em outras taxonomias a fim de definir o modo como eles se relacionam evolutivamente.

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b) Civilização – este foi o termo chave do século, XVIII que provavelmente aparece

no ano de 1756. A Civilização é um facto e um valor designa um estágio

avançado da história de um grupo humano em relação aos estágios anteriores nos

principais campos do pensamento e da actividade prática e técnica e, ao mesmo

tempo um ideal de progresso e uma actividade de optimismo diante da história

futura. Ela é a verificação da hipótese da passagem do “estado de natureza” ao

“estado de cultura”. Em Rousseau este conceito, não uma coisa boa como toda

gente sempre pensou que fosse; e nem é algo de valor neutro, mas uma coisa

definitivamente.

A criança que nasce numa denominada sociedade civilizada é ensinada a refrear e

a frustrar os seus sentimentos, a impor as categorias artificiais do pensamento

conceptual sobre os seus sentimentos e a fingir que não pensa nem sente todas as

coisas que realmente pensa e sente, enquanto finge que pensa e sente as coisas

que não pensa e nem sente. O resultado disso é a alienação do seu verdadeiro eu.

A civilização é corruptora e destruidora dos verdadeiros valores. Entrando na

civilização nenhum homem volta a opção de regressar ao seu estado primitivo.

Assim, o que devemos fazer é como antes civilizar a civilização, temos que mudá-

la de forma a possibilitar aos nossos instintos naturais e aos nossos sentimentos

uma expressão mais completa e mais livre.

c) Tolerância – surgido no século. XV no contexto do diálogo das grandes religiões

proposto pelo cardeal Nicolau de Cusa veio a fortalecer-se no século, XVI com a

divisão religiosa e as guerras de religião. Os defensores deste conceito lutavam

pelos direitos naturais dos cidadãos. Há uma necessidade de se assegurar ao

indivíduo os seus direitos, de se exprimir livremente.

O princípio da “inviolabilidade do indivíduo” culminou com Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão adoptado em 1789 pela Assembleia Nacional

Francesa. Segundo o pensamento dos iluministas “os homens têm direitos pelo

facto de serem homens”. Em 1787 Condorcent, filósofo iluminista, publicou um

“Tratado Sobre os Direitos da Mulher”. Durante a Revolução Francesa as

mulheres participaram activamente na luta contra a aristocracia ao lado dos

homens ex, Olympye de Gouges.

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d) Revolução – de origem astronómica (De Revolutionibus Orbium Coelestium)

obra de Copérnico, posteriormente, evolui para designar uma mudança e

transformação profundas na sociedade que anunciam o advento de um mundo

melhor. Há a destacar a Revolução Americana (1776) cujo objectivo não era

apenas mudar a forma de regime político mas a instauração de uma ordem do

mundo; a Revolução Francesa (1789) proclamando os conceitos de igualdade,

fraternidade e liberdade.

Neste quarteto, o homem passa a ocupar o centro do qual irradiam as linhas da

inteligibilidade, foi neste período que surge a Antropologia propriamente dita, como

Ciência do homem que engloba os vastos campos da investigação e sistematização que se

desenvolvem no século, XVIII.

3.3.1- O Homem segundo Kant

Duas linhas de desenvolvimento da concepção Kantiana do homem

a) Uma linha antropológica cuja origem deve ser buscada no Curso de Metafísica.

Ele propõe o estudo empírico do homem.

b) Uma linha crítica que segue o desenvolvimento da reflexão crítica a partir da

Dissertação de 1770.

A relação entre estas duas linhas postula a subordinação da Antropologia, cuja base é

empírica (a posteriori) a Metafísica dos Costumes que procede a priori e permite definir a

essência verdadeira do homem. Assim, a Antropologia kantiana postula-se sobre dois

planos:

a) O plano de uma Ciência da observação que utiliza o procedimento analítico para

unificar os dados da observação por meio de uma teoria das faculdades, cujo núcleo

conceptual é a representação do EU exprimindo-se em “consciência de si”.

b) O plano de uma Ciência a priori que se situa no campo da Ética ou da Metafísica dos

Costumes, a possibilidade de determinação da essência do homem.

“Antropologia do ponto de vista pragmático” (1798) representa o termo de uma evolução

ao longo da qual se define pouco a pouco a ideia kantiana de antropologia: Ciência cuja

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finalidade é preparar o homem para o conhecimento do mundo (o mundo do homem).

Aqui o conhecimento do homem funda-se no senso comum e tem em vista as relações

que se estabelecem entre os homens. Logo a antropologia situa-se no âmbito da

“Filosofia Popular”, sua característica será pragmática diferente da especulativa. Aqui o

conceito de pragmático inicialmente designa um conhecimento capaz de tornar o homem

prudente nas questões da vida em sociedade, pragmático é o conhecimento do que o

homem “faz, pode ou deve fazer de si mesmo”, opondo-se ao conhecimento fisiológico

que tem por objectivo o que a natureza faz do homem.

O que diz respeito a concepção do homem, o pensamento crítico de Kant permanece na

linha da tradição dualista própria da Antropologia racionalista ( R. Descartes). O homem

divide-se em duas partes: corpo e razão.

Enquanto seres sensíveis pertencemos a ordem da natureza e estamos completamente

sujeitos as leis imutáveis da causalidade. Não decidimos o que sentimos, as sensações

surgem necessariamente e influenciam-nos quer queiramos quer não, aí não há livre-

arbítrio. Mas, o homem não é apenas um ser sensível, é também um ser racional e

enquanto ser racional participa no mundo “em si”.

Só quando seguimos a nossa “razão prática” que nos possibilita fazer uma escolha moral,

temos livre arbítrio. Se obedecemos a lei moral, somos nós que fazemos a lei moral pela

qual nos orientaríamos e então somos livres e autónomos porque não seguimos apenas os

nossos instintos. Para Kant a lei moral é tão absoluta e universalmente válida como a lei

da causalidade, ela não pode ser comprovada pela razão mas é incontornável.

As linhas de orientação do pensamento antropológico kantiano são:

a) Linha da estrutura sensitivo-racional: que acompanha o homem enquanto ser

cognoscente que lhe torna capaz de formular o ideal de razão pura e as ideias

transcendentais: mundo, alma e Deus

b) Linha da estrutura físico-pragmático: que acompanha o homem como ser mundano,

físico, designando o que a natureza opera no homem e pragmático o que o homem faz de

si mesmo e da estrutura prática que acompanha o homem como ser livre e capaz de

responder, fundando-se no “facto da razão” ou seja, na “lei moral dentro de mim” a

interrogação em torno do agir moral.

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c) Linha da estrutura histórica ou do destino do homem que o acompanha em duas

direcções: religiosa que aponta o fim último do homem; e a pedagógico-política – a

educação do homem, o regime político e a liberdade civil.

IV- A concepção do homem na Filosofia Contemporânea.

A filosofia contemporânea abrange o período que se estende do fim do século.

XVII ou dos tempos pós-kantianos até aos nossos dias.

Muitos foram os acontecimentos sobre os quais ela exerceu uma influência decisiva, dos

quais destacaremos alguns:

a) A revolução francesa (1789), com a extensão da liberdade a todos os homens,

cria-se um forte sentimento de justiça e igualdade entre várias classes sociais;

b) As guerras nacionais pela conquista da independência: Europa, América Latina,

África e Ásia;

c) O domínio colonial europeu nos outros continentes e a rápida cessação deste

domínio depois da II guerra mundial;

d) Os dois conflitos mundiais (1914-1918 e 1939-1945) com o seu horroroso quesito

de vítimas e destruições provocaram na humanidade um agudo sentimento de

angústia a respeito do próprio destino;

e) Na esfera social assiste-se ao fim do individualismo e a afirmação da socialização,

cada vez mais extensa. Pôs-se fim ao isolamento, um acontecimento que se regista

num país pode ter reflexos profundos em toda a humanidade;

f) No campo cultural assiste-se uma crise cada vez mais vasta e profunda.

4.1- Novo tipo de humanidade

A humanidade contemporânea caracteriza-se por um conjunto de qualidade, dos

quais examinaremos alguns.

1- Instabilidade e mutabilidade – o ritmo vertiginoso, no qual a ciência e a técnica

mudaram a face da terra nos últimos dois séculos prenderam em sua engrenagem o seu

artífice e o arrasta para modos sempre novos de ver e agir.

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2- Antidogmatismo – do iluminismo em diante a humanidade se tornou sempre mais

contrária a aceitar afirmações e verdades que não venham dela ou que pelo menos não

possam ser compreendidas e verificadas experimentalmente e demonstra uma aversão

profunda por tudo o que lhe foi transmitido e por toda a forma de tradição.

3- Secularização - o homem contemporâneo acredita que pode resolver os seus problemas

sozinho, prescindindo de Deus. Com isso a religião se tornou supérflua e se vê afastada

da vida prática bem como também da teoria da humanidade actual. O ateísmo é sem

dúvida um dos seus traços dominantes e característicos.

4- Activismo - o homem hodierno, é orientado pela acção. Fazer, produzir, agitar-se é o

que fascina este homem e o absolve completamente. Ele não tem tempo para pensar,

meditar e contemplar.

5- Utopia - levado pelo progresso técnico e cientifico e por uma prosperidade cada vez

maior, o homem contemporâneo chegou a uma visão confiante e optimista do futuro e

sonhou com plena e perfeita felicidade para todos.

6- Sociabilidade – hoje, tudo influencia a todos. Nada que venha a acontecer noutras

paragens e que não tenha os seus efeitos a nível do mundo.

7- Historicidade – o homem contemporâneo tem um grande sentido da historicidade do

seu ser, isto é, o facto de que o seu ser, a sua cultura, os seus projectos, ideias não são um

produto da natureza nem de Deus, mas o resultado da sua acção através dos séculos.

4.2- Diversidades de concepções antropológicas

4.2.1- Antropologia existencialista

O existencialismo é uma corrente de pensamento que concebe a especulação

filosófica como uma análise minuciosa da experiência quotidiana em todos os seus

aspectos: teórico, prático, individual, social, instintivo etc.

Kierkeggard pensa que o homem tem como seu modo de ser a existência, estando

por isso em contínuo devir; ele não é perfeito, totalmente acabado, mas está em fase de

feitura, de aperfeiçoamento e ele é mesmo o responsável por esta operação.

No devir do homem ele distingue três estádios:

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a) Estádio estéticos onde o indivíduo não tem compromisso nem finalidade, é o

artista despreocupado no qual a fantasia predomina sobre a razão e a vontade.

b) Estádio ético o individuo vive com compromisso, com seriedade e honestidade,

que superou a instabilidade da juventude e se formou uma família: caracterizado

pelo matrimónio.

c) Estádio religioso é o da fé com riscos e incertezas.

Fenomenologia do homem: Martin Heidegger

O homem é entendido como um ser-no-mundo; mundo entendido como círculo de

interesses, de preocupações, de desejos, de factos, de conhecimentos nos quais o homem

se acha sempre imerso. O homem é um ser em situação (dasein).

4.2.2- Antropologia materialista: Feuerbach, Marx e Engels.

Esta antropologia dá primazia a matéria, esta primazia implica que os factores

naturais têm maior privilégio na explicação sobre o homem.

Feuerbach propõe uma antropologia materialista onde o homem é um ser sensível,

o único deus para si mesmo e os atributos de Deus que comparecem no discurso

teológico cristão deverão constituir a estrutura e a sequência do discurso antropológico. O

homem é um ser carente e relaciona-se com o mundo.

Já Marx pensa que o homem é um produtor de si mesmo.

4.2.3- Antropologia idealista: Hegel

A concepção hegeliana do homem pode ser comparada ao zoon logikon

aristotélico e a imago Dei de S. Tomás.

A significação do homem em Hegel pode ser expressa inicialmente por sua

relação com os diversos níveis da realidade.

a) Homem-mundo: o mundo natural opõe-se ao mundo do homem.

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b) Homem-cultura: o indivíduo só é humano na medida em que participa do movimento

da manifestação do Espírito Absoluto.

c) Homem-história- o homem é um ser no tempo.

d) Homem-Absoluto- a sua existência dirige-se sempre para um ser transcendental.

4.2.4- Antropologia personalista: Jacques Maritain e Emmanuel Mounier.

A característica dos personalistas de inspiração crista é a afirmação do Deus

pessoal transcendente como paradigma e fim último da pessoa. Estas antropologias

advogam a existência de um ente pessoal (Deus) como paradigma e fim último.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIA

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2. DE LIMA VAZ, Henrique C. A antropologia Filosófica 7ª ed. SP-Brasil, Outubro de 2004.

3. GROETHUYESEN, Bernard. Antropologia Filosófica. 2ª ed. Presença, Lisboa, 1998.

4. HEINAMANN, Fritz. Filosofia do Século XX. Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª ed. Lisboa s/d.

5. IMBAMBA, José Manuel. Uma nova cultura para mulheres e homens novos: um projecto filosófico para Angola do 3º milénio à luz da filosofia de Battista Mondin.2ª ed.Luanda, 2010.

6. MONDIN, Battista. O homem quem é ele? Elementos de Antropologia Filosófica, Paulus, 11ª ed. SP. Brasil 2003.

7. RABUSKE, Edvino A. Antropologia Filosófica, 11ª ed, Vozes, RJ, 2008.

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Elaborado: César F. da Silva.

Revisto: Prof. Dr. Feliciano Moreira Bastos (PhD) Regente de Filosofia.