[antropologia] CLIFFORD james - experiencia etnográfica [resumo]

12
CLIFFORD, James – A Experiência Etnográfica – Antropologia e literatura no séc. XX - Capítulo 1 – Sobre a Autoridade Etnográfica J. Clifford caracteriza os métodos etnográficos dos clássicos, criticando-os e buscando uma composição sua. Ele inicia seu trabalho falando de B. Malinovski, da influência que o pesquisador tem no comportamento do objeto pesquisado. O Orientalismo de E. Said, segundo JC levanta dúvidas radicais sobre os procedimentos pelos quais grupos humanos estrangeiros podem ser representados, sem propor, de modo definido e sistemático, novos métodos ou epistemologias. Tais estudos sugerem que, se a escrita etnográfica não pode escapar inteiramente do uso reducionista de dicotomias e essências, ela pode ao menos lutar conscientemente para evitar representar “outros” abstratos e a-históricos. Os objetos são estudados sem dar muita atenção à sua historicidade . É mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas uns dos outros, assim como das relações de poder e de conhecimento que os conectam, mas nenhum método científico soberano ou instância ética pode garantir a verdade de tais imagens. O desenvolvimento da pesquisa etnográfica não pode, em última análise, ser compreendido em separado de um debate político- epistemológico mais geral sobre a escrita e a representação da alteridade (concepção que parte do pressuposto básico de que todo o homem social interage e interdepende de outros indivíduos. Assim, como muitos antropólogos e cientistas sociais afirmam, a existência do "eu-individual" só é permitida mediante um contato com o outro (que em uma visão expandida se torna o Outro - a própria sociedade diferente do indivíduo). A própria escrita do etnógrafo envolve uma série de fatores que a

Transcript of [antropologia] CLIFFORD james - experiencia etnográfica [resumo]

Page 1: [antropologia] CLIFFORD james - experiencia etnográfica [resumo]

CLIFFORD, James – A Experiência Etnográfica – Antropologia e literatura no séc. XX - Capítulo 1 – Sobre a Autoridade Etnográfica

J. Clifford caracteriza os métodos etnográficos dos clássicos, criticando-os e buscando uma composição sua. Ele inicia seu trabalho falando de B. Malinovski, da influência que o pesquisador tem no comportamento do objeto pesquisado.

O Orientalismo de E. Said, segundo JC levanta dúvidas radicais sobre os procedimentos pelos quais grupos humanos estrangeiros podem ser representados, sem propor, de modo definido e sistemático, novos métodos ou epistemologias. Tais estudos sugerem que, se a escrita etnográfica não pode escapar inteiramente do uso reducionista de dicotomias e essências, ela pode ao menos lutar conscientemente para evitar representar “outros” abstratos e a-históricos. Os objetos são estudados sem dar muita atenção à sua historicidade . É mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas uns dos outros, assim como das relações de poder e de conhecimento que os conectam, mas nenhum método científico soberano ou instância ética pode garantir a verdade de tais imagens. O desenvolvimento da pesquisa etnográfica não pode, em última análise, ser compreendido em separado de um debate político-epistemológico mais geral sobre a escrita e a representação da alteridade (concepção que parte do pressuposto básico de que todo o homem social interage e interdepende de outros indivíduos. Assim, como muitos antropólogos e cientistas sociais afirmam, a existência do "eu-individual" só é permitida mediante um contato com o outro (que em uma visão expandida se torna o Outro - a própria sociedade diferente do indivíduo). A própria escrita do etnógrafo envolve uma série de fatores que a compromete. O etnógrafo descreve costumes, o antropólogo constrói teorias . Com B. Malinovski, o antropólogo assume os dois papéis (apesar de ele mesmo assumir não ter compreendido muito do que escreveu). O autor também se preocupa em descrever o mais fielmente o que ocorria, bem como utilizar uma narrativa envolvente, um presente etnográfico e uma dramatização da presença do autor (técnicas para tornar a experiência do pesquisador e dos nativos também uma experiência do leitor). Na década de 20, as seguintes mudanças ocorreram no método etnográfico, graças a BM:

- a pessoa do pesquisador de campo foi legitimada, tanto pública quanto profissionalmente

- era tacitamente aceito que o etnógrafo de novo estilo podia usar a língua nativa, ainda que não a dominasse perfeitamente

Page 2: [antropologia] CLIFFORD james - experiencia etnográfica [resumo]

- acentuada ênfase no poder de observação

- algumas abstrações teóricas prometiam auxiliar os etnógrafos a chegar ao cerne de uma cultura mais rapidamente que alguém que empreendesse um inventário exaustivo de culturas e crenças

- enfoque em instituições específicas, dado o curto tempo de permanência do etnógrafo com o povo a ser estudado: retórica baseada na sinédoque (partes concebidas como microcosmos ou analogias do todo)

- todos os representados tendiam a ser sincrônicos, produtos de uma pesquisa de curta duração

Estas inovações serviam para validar uma etnografia eficiente, baseada na observação participante científica. Argonautas e Os Nuer (E-Pritchard) são obras com essas características. Autores como R-Brown e M. Mead também utilizaram-se do método.

A participação, no entanto, passou a ser encarada posteriormente como um método dialético entre experiência e interpretação, com enfoque nos fenômenos particulares da sociedade em estudo. Essa evolução pode ser vista em Wihelm Dilthey e M. Weber, chegando até os “símbolos dos significados” com C. Geertz. O crescente prestígio do teórico-pesquisador, entretanto, colocou em segundo plano uma série de processos e mediadores que haviam figurado de modo mais destacado em métodos anteriores.

Segundo o CG, pode-se resistir à tentação de transformar toda experiência em interpretação. Embora as duas estejam reciprocamente relacionadas, não são idênticas. Faz sentido mantê-las separadas, quanto mais não seja porque apelos à experiência muitas vezes funcionam como validações para a autoridade etnográfica.

Posteriormente JC faz menção a filologia como método de estudo (Ricoeur). C. Geertz adapta a abordagem filológica ao trabalho de campo. A textualização é entendida como um pré-requisito para a interpretação, a constituição das “expressões fixadas” de Dilthey. Trata-se do processo através do qual o comportamento, a fala, as crenças, a tradição oral e o ritual não escritos vêm a ser marcados como um corpus significativo, assume uma relação mais ou menos estável com um contexto; o resultado final desse processo é considerado como uma descrição etnográfica densa. Uma certa instituição ou segmento de comportamento são típicos de, ou um elemento comunicativo em, uma cultura circundante como a briga de galos balinesa de CG., que se torna um lócus intensamente significativo da cultura. São criadas áreas de sinédoques

Page 3: [antropologia] CLIFFORD james - experiencia etnográfica [resumo]

nas quais partes são relacionadas a todos, e através das quais o todo – que usualmente chamamos de cultura – é constituído.

O etnógrafo usufrui de uma relação de “sujeito-absoluto”, sendo recorrentemente comparado ao intérprete literário. Ao caracterizar seus objetos, fontes de intenções com significados, transforma as ambigüidades em diversidades de significado da situação de pesquisa em um retrato integrado.

Torna-se necessário conceber a etnografia não como a experiência e a interpretação de outra realidade circunscrita, mas sim como uma negociação construtiva envolvendo pelo menos dois, e muitas vezes mais, sujeitos conscientes e politicamente significativos. Paradigmas de experiências e interpretação estão dando lugar a paradigmas discursivos de diálogo e polifonia. Um modelo discursivo de prática etnográfica traz para o centro da cena a intersubjetividade de toda fala, juntamente como seu contexto performativo imediato. Dwyer e Crapanzano colocam a etnografia em um processo de diálogo em que os interlocutores negociam ativamente em uma visão compartilhada da realidade. Esta mútua construção está presente em qualquer encontro etnográfico, mas que os participantes tendem a supor que eles aquiesceram (consentiram, concordaram) em relação à realidade do outro interlocutor. Eles buscam representar a experiência da pesquisa de uma forma que expõe a tessitura textualizada do outro e assim também do eu que interpreta.Para Bahktin, focado na representação de todos não-homogêneos, não há nenhum mundo cultural ou linguagem integrados. Uma cultura é concretamente um diálogo em aberto, criativo, de subculturas, de membros e não-membros, de diversas facções. Os processos experiencial, interpretativo, dialógico e polifônico são encontrados de forma discordante em cada uma das etnografias, mas a apresentação coerente pressupõe um modo controlador de autoridade. JC tentou distinguir estilos de autoridade nas décadas recentes. Se a escrita etnográfica está viva, como o autor acredita, luta no limite dessas possibilidades, ao mesmo tempo que contra elas.

James Clifford e uma crítica aos atuais modos de etnografia.

Page 4: [antropologia] CLIFFORD james - experiencia etnográfica [resumo]

Sem dúvida um texto denso e difícil de ser interpretado, ainda que Clifford afirme, já na segunda página, que o texto tem por objetivo traçar a formação e a desintegração da autoridade etnográfica na antropologia social do século XX, o leitor precisa acompanhar o raciocínio do autor até as últimas linhas, pois James Clifford passa boa parte do tempo descrevendo características do trabalho de campo que podem levar o leitor a acreditar que ele esteja valorizando a etnografia.

Clifford demonstra como foi se construindo a noção de autoridade etnográfica, ou seja, o modo como o autor se coloca presente no texto, como ele legitima um discurso sobre a realidade. Trata-se do famoso termo “Eu estive lá”, que dá provas de que o que pesquisador viu e aquilo existe. Nesse sentido, Malinowski, principalmente com o seu trabalho “Os Argonautas do Pacífico Ocidental” repleto de fotografias é o divisor de águas. Antes dele, o etnógrafo e o antropólogo, aquele que descrevia os costumes e aquele que era construtor de teorias gerais sobre a humanidade, eram personagens distintos.

Segundo Clifford, os atuais estilos de descrição cultural são limitados e estão vivendo importantes metamorfoses. Para ele, o desenvolvimento da ciência etnográfica não pode ser compreendido em separado de um debate político-epistemológico mais geral sobre a escrita e a representação da alteridade (concepção que parte do pressuposto básico de que todo o homem social interage e interdepende do outro). Clifford cita a legitimação do pesquisador de campo profissional, de padrões normativos de pesquisa, de sofisticação científica e da simpatia relativista. Outra questão importante era o domínio da língua nativa, ou apenas a utilização de termos lingüísticos nativos pelo pesquisador na etnografia, onde o domínio da língua não era crucial. Em terceiro lugar, como se uma cultura pudesse ser apreendida apenas pelo que vê o observador treinado, dava-se ênfase ao poder de observação. O trabalho de campo bem-sucedido mobilizava a mais completa variedade de interações, mas uma distinta primazia era dada ao visual: a interpretação dependia da descrição.

Depois disso, Clifford focaliza os modos de autoridade: o experiencial, o interpretativo, o dialógico e o polifônico. O modelo clássico de modo de autoridade seria o experiencial, que é exemplificado com Malinowski, onde se tenta comprovar o “Eu estive lá”. Também se tenta mostrar que uma experiência de campo foi produtiva envolvendo o leitor na complexa

Page 5: [antropologia] CLIFFORD james - experiencia etnográfica [resumo]

subjetividade da observação participante, unindo o leitor e o nativo numa participação textual.

Sobre o modo de autoridade interpretativo, a crítica principal recai no entendimento de que se possa ver a cultura como um conjunto de textos, a textualização é entendida como pré-requisito para a interpretação. O discurso se transforma num texto, porém, não há como você trazer um discurso para ser interpretado tal qual um texto é lido. “Para ele, a interpretação não é uma interlocução, ela não depende de estar na presença de alguém que fala. Por conseguinte, Clifford destaca que, em última análise, o etnógrafo sempre vai embora, levando com ele textos para posterior interpretação, pois o texto, diferentemente do discurso, pode viajar. Se muito da escrita etnográfica é feita no campo, a real elaboração de uma etnografia é feita em outro lugar.

Somente no final do texto é que se pode perceber que Clifford pretende é afirmar que esses dois modos de autoridade, o experiencial e o interpretativo, estão cedendo lugar a dois outros modos de autoridade. O dialógico e ao polifônico. Segundo ele, o modo de autoridade dialógico entende a etnografia como resultado de uma negociação construtiva envolvendo pelo menos dois , e muitas vezes mais sujeitos conscientes e politicamente significativos. Já o modo de autoridade polifônico, que rompe com as etnografias que pretendem conter uma única voz, geralmente a do etnógrafo, propõe a produção colaborativa do conhecimento etnográfico, dentre elas, citar informantes extensa e regularmente. Mas ainda assim, as citações são sempre colocadas pelo citador e tendem a servir como exemplos ou testemunhos.

Clifford finaliza o raciocínio dizendo que é inevitável romper com a autoridade monológica que as etnografias faziam ao se dirigirem a um único leitor. A multiplicação das leituras possíveis reflete o fato de que a consciência etnográfica não pode mais ser considerada como monopólio de certas culturas apenas do Ocidente, afinal de contas, os antes estudados agora fazem seus próprios estudos. Os trabalhos polifônicos são especialmente abertos a leituras não específicas intencionais e a autoridade polifônica olha com muita simpatia para os textos em língua nativa.

RESENHA DE EDUARDO LOPES TELES

Page 6: [antropologia] CLIFFORD james - experiencia etnográfica [resumo]

JAMES CLIFFORD É PROFESSOR DO PROGRAMA DE HISTÓRIA DA CONSCIÊNCIA NA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, EM SANTA CRUZ (EUA). EM SUA OBRA, SEMPRE VERSANDO SOBRE ANTROPOLOGIA E MODERNIDADE, ENCONTRAMOS PERSON AND MYTH: MAURICE LEENHARDT AND THE MELANESIAN WORLD (1982), THE PREDICAMENT OF CULTURE: TWENTIETH-CENTURY ETHNOGRAPHY, LITERATURE AND ART (1988), ROUTES: TRAVEL AND TRANSLATION IN THE LATE TWENTIETH CENTURY (1997). COMO O PRÓPRIO AUTOR DESTACA, EM ENTREVISTA CONCEDIDA A JOSÉ REGINALDO DOS SANTOS GONÇALVES, SUA OBRA SOFRE GRANDE INFLUÊNCIA DE RAYMOND WILLIAMS, PRINCIPALMENTE DO LIVRO CULTURA E SOCIEDADE, EM QUE ELE HISTORICIZA A IDÉIA DE CULTURA NAS “VERSÕES MAIS LITERÁRIAS E HUMANISTAS”. A PARTIR DESSE CAMINHO ABERTO POR WILLIAMS, CLIFFORD VAI VER NOVO HORIZONTE SER TRILHADO E PROPOR HISTORICIZAR A CULTURA NO SENTIDO ANTROPOLÓGICO OU ETNOGRÁFICO (CLIFFORD, 1998, P.253-4).NO PRIMEIRO ARTIGO, SOBRE A AUTORIDADE ETNOGRÁFICA, CLIFFORD DEMONSTRA COMO SE FOI CONSTRUINDO HISTORICAMENTE A NOÇÃO DE AUTORIDADE ETNOGRÁFICA, OU SEJA, O MODO COMO O AUTOR SE COLOCA PRESENTE NO TEXTO, COMO ELE LEGITIMA UM DISCURSO SOBRE A REALIDADE. TRATA-SE DO FAMOSO “EU ESTIVE LÁ”, QUE DÁ PROVAS DE QUE O QUE PESQUISADOR VIU EXISTE, DO QUE O QUE ELE DIZ É VERDADEIRO. NESSE SENTIDO, MALINOVSKI, PRINCIPALMENTE COM O SEU OS ARGONAUTAS DO PACÍFICO OCIDENTAL REPLETO DE FOTOGRAFIAS É O DIVISOR DE ÁGUAS. ANTES DELE, “O ETNÓGRAFO E O ANTROPÓLOGO, AQUELE QUE DESCREVIA OS COSTUMES E AQUELE QUE ERA CONSTRUTOR DE TEORIAS GERAIS SOBRE A HUMANIDADE, ERAM PERSONAGENS DISTINTOS. (UMA PERCEPÇÃO CLARA DA TENSÃO ENTRE ETNOGRAFIA E ANTROPOLOGIA É IMPORTANTE PARA QUE SE PERCEBA CORRETAMENTE A UNIÃO RECENTE, E TALVEZ TEMPORÁRIA, DOS DOIS PROJETOS)” (CLIFFORD, 1998, P.26). APÓS MALINOWSKI, OU MAIS PRECISAMENTE DE 1900 A 1960, ASSISTIMOS CADA VEZ MAIS A PROFISSIONALIZAÇÃO E ACADEMICIZAÇÃO DO TRABALHO DE CAMPO, QUE SE TORNA HEGEMÔNICO. POR OUTRO LADO, A ETNOGRAFIA PASSOU A ENCENAR ESTRATÉGIAS ESPECÍFICAS DE AUTORIDADE, ONDE O AUTOR TENTAVA TRADUZIR PARA O LEITOR A SUA EXPERIÊNCIA EM TEXTO. PERGUNTA-SE CLIFFORD: “SE A ETNOGRAFIA PRODUZ INTERPRETAÇÕES CULTURAIS ATRAVÉS DE INTENSAS EXPERIÊNCIAS DE PESQUISA, COMO UMA EXPERIÊNCIA INCONTROLÁVEL SE

Page 7: [antropologia] CLIFFORD james - experiencia etnográfica [resumo]

TRANSFORMA NUM RELATO ESCRITO E LEGÍTIMO?” (CLIFFORD, 1998, P.21). A RESPOSTA TALVEZ POSSA SER ENCONTRADA NA CRIAÇÃO, ONDE MALINOWSKI FOI GRANDE CONTRIBUINTE, DE “UM NOVO TEÓRICO PESQUISADOR DE CAMPO QUE DESENVOLVEU UM NOVO E PODEROSO GÊNERO CIENTÍFICO E LITERÁRIO, A ETNOGRAFIA, UMA DESCRIÇÃO BASEADA NA OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE” (CLIFFORD, 1998, P.27).PARA QUE ESSES MODOS DE AUTORIDADE ETNOGRÁFICA SE FIRMASSEM, ERAM NECESSÁRIAS, NO ENTANTO, ALGUMAS INOVAÇÕES INSTITUCIONAIS E METODOLÓGICAS. CLIFFORD CITA, EM PRIMEIRO LUGAR, A LEGITIMAÇÃO DO PESQUISADOR DE CAMPO PROFISSIONAL, DE PADRÕES NORMATIVOS DE PESQUISA, DE SOFISTICAÇÃO CIENTÍFICA E DA SIMPATIA RELATIVISTA. OUTRA QUESTÃO IMPORTANTE ERA O DOMÍNIO DA LÍNGUA NATIVA, OU APENAS A UTILIZAÇÃO DE TERMOS LINGÜÍSTICOS NATIVOS PELO PESQUISADOR NA ETNOGRAFIA, ONDE O DOMÍNIO DA LÍNGUA NÃO ERA CRUCIAL. EM TERCEIRO LUGAR, COMO SE UMA CULTURA PUDESSE SER APREENDIDA APENAS PELO QUE VÊ O OBSERVADOR TREINADO, DAVA-SE ÊNFASE AO PODER DE OBSERVAÇÃO. “COMO UMA TENDÊNCIA GERAL, O OBSERVADOR-PARTICIPANTE EMERGIU COMO UMA NORMA DE PESQUISA. POR CERTO O TRABALHO DE CAMPO BEM-SUCEDIDO MOBILIZAVA A MAIS COMPLETA VARIEDADE DE INTERAÇÕES, MAS UMA DISTINTA PRIMAZIA ERA DADA AO VISUAL: A INTERPRETAÇÃO DEPENDIA DA DESCRIÇÃO” (CLIFFORD, 1998, P.29). TAMBÉM SE BUSCAVA ALIAR A DESCRIÇÃO À TEORIA, COMO FORMA DE “CHEGAR AO CERNE” DE UMA CULTURA MAIS RAPIDAMENTE. ASSIM, A PRETENSÃO ERA QUE A ETNOGRAFIA ESTIVESSE MAIS PARA ABSTRAÇÕES TEÓRICAS DO QUE PARA INVENTÁRIOS EXAUSTIVOS DE COSTUMES E CRENÇAS. EM QUINTO LUGAR, COMO A IDÉIA DE QUE A CULTURA ERA UM TODO COMPLEXO, ACHAVA-SE QUE O ENTENDIMENTO PODERIA SER OBTIDO ATRAVÉS DO ESTUDO EXAUSTIVO DE UMA DAS PARTES DESSE TODO. POR ISSO, SE PRIVILEGIAVAM AS ANÁLISES SOBRE INSTITUIÇÕES ESPECÍFICAS DA CULTURA POR PARTE DO PESQUISADOR. POR FIM, HAVIA UMA PREFERÊNCIA PELOS ASPECTOS SINCRÔNICOS NA ANÁLISE, DEVIDO AO CURTO TEMPO DE DURAÇÃO DA PESQUISA, ONDE MUITOS ESTUDOS ACABAVAM PERDENDO DE VISTA A DINAMICIDADE DA CULTURA.EM SEGUIDA, JAMES CLIFFORD FOCALIZA EM SEU TEXTO OS MODOS DE AUTORIDADE: O EXPERIENCIAL, O INTERPRETATIVO, O DIALÓGICO E O POLIFÔNICO. O MODELO CLÁSSICO DE MODO DE AUTORIDADE SERIA O

Page 8: [antropologia] CLIFFORD james - experiencia etnográfica [resumo]

EXPERIENCIAL, QUE É EXEMPLIFICADO COM MALINWSKI, ONDE SE TENTA COMPROVAR O “EU ESTIVE LÁ”. TAMBÉM SE TENTA MOSTRAR QUE UMA EXPERIÊNCIA DE CAMPO FOI PRODUTIVA ENVOLVENDO “O LEITOR NA COMPLEXA SUBJETIVIDADE DA OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE”, OU ENTÃO, UNINDO “O LEITOR E O NATIVO NUMA PARTICIPAÇÃO TEXTUAL” (CLIFFORD, 1998, P.32). SENDO ASSIM, HÁ UM PROCESSO QUE CRIA A IDÉIA DE QUE O ETNÓGRAFO POSSUI UMA “SENSIBILIDADE PARA O ESTRANGEIRO” E DA ETNOGRAFIA COMO PORTADORA DE UMA VERDADE, MAS QUE, AO MESMO TEMPO PODIA SER ENCARADA COMO MISTIFICAÇÃO. NO FUNDO MESMO, A EXPERIÊNCIA DO ETNÓGRAFO NÃO PODE SER TRADUZIDA. “OS SENTIDOS SE JUNTAM PARA LEGITIMAR O SENTIMENTO OU A INTUIÇÃO REAL, AINDA QUE INEXPRIMÍVEL, DO ETNÓGRAFO A RESPEITO DO “SEU POVO” (CLIFFORD, 1998, P.38).SOBRE O MODO DE AUTORIDADE INTERPRETATIVO, A CRÍTICA PRINCIPAL RECAI NO ENTENDIMENTO DE QUE SE POSSA VER A CULTURA COMO UM CONJUNTO DE TEXTOS, “‘A TEXTUALIZAÇÃO’ É ENTENDIDA COMO PRÉ-REQUISITO PARA A INTERPRETAÇÃO”. AQUI, O DISCURSO SE TRANSFORMA NUM TEXTO (CLIFFORD, 1998, P.39). PORÉM, PARA O AUTOR, NÃO HÁ COMO VOCÊ TRAZER UM DISCURSO PARA SER INTERPRETADO TAL QUAL UM TEXTO É LIDO. “A INTERPRETAÇÃO NÃO É UMA INTERLOCUÇÃO. ELA NÃO DEPENDE DE ESTAR NA PRESENÇA DE ALGUÉM QUE FALA” (CLIFFORD, 1998, P.40). POR CONSEGUINTE, CLIFFORD DESTACA QUE, “EM ÚLTIMA ANÁLISE, O ETNÓGRAFO SEMPRE VAI EMBORA, LEVANDO COM ELE TEXTOS PARA POSTERIOR INTERPRETAÇÃO”, POIS “O TEXTO, DIFERENTEMENTE DO DISCURSO, PODE VIAJAR. SE MUITO DA ESCRITA ETNOGRÁFICA É FEITA NO CAMPO, A REAL ELABORAÇÃO DE UMA ETNOGRAFIA É FEITA EM OUTRO LUGAR” (CLIFFORD, 1998, P.40-41). OS TEXTOS SÃO ENTÃO DESLIGADOS DE SEU CONTEXTO DE PRODUÇÃO E REALOCADOS FICCIONALMENTE NUM CONTEXTO ENGLOBANTE, ONDE OS AUTORES DO EVENTO (UM RITUAL, UMA FESTA, POR EXEMPLO) SEPARAM-SE DE SUA PRODUÇÃO PARA DAR LUGAR AO ETNÓGRAFO, ENTENDIDO AGORA COMO UMA ESPÉCIE DE INTÉRPRETE LITERÁRIO.ATUALMENTE ESSES DOIS MODOS DE AUTORIDADE, O EXPERIENCIAL E O INTERPRETATIVO, ESTÃO CEDENDO LUGAR AO DIALÓGICO E AO POLIFÔNICO. O MODO DE AUTORIDADE DIALÓGICO ENTENDE A ETNOGRAFIA COMO RESULTADO DE “UMA NEGOCIAÇÃO CONSTRUTIVA ENVOLVENDO PELO MENOS DOIS, E MUITAS VEZES MAIS SUJEITOS CONSCIENTES E POLITICAMENTE SIGNIFICATIVOS”

Page 9: [antropologia] CLIFFORD james - experiencia etnográfica [resumo]

(CLIFFORD, 1998, P.43). JÁ O MODO DE AUTORIDADE POLIFÔNICO, QUE ROMPE COM AS ETNOGRAFIAS QUE PRETENDEM CONTER UMA ÚNICA VOZ, GERALMENTE A DO ETNÓGRAFO, PROPÕE A “PRODUÇÃO COLABORATIVA DO CONHECIMENTO ETNOGRÁFICO, CITAR INFORMANTES EXTENSA E REGULARMENTE” (CLIFFORD, 1998, P.54). DESSE MODO, O AUTOR NOTA QUE UMA “REALIDADE CULTURAL” ACABA SENDO INVENTADA ATRAVÉS DE UM PROCESSO TEXTUAL, JÁ QUE O ETNÓGRAFO PRECISA TORNÁ-LA INTELIGÍVEL PARA O LEITOR, QUE ACHA ESTRANHA ESSA “REALIDADE CULTURAL”. CONTUDO, CLIFFORD VÊ QUE A ANTROPOLOGIA MODERNA TENTA POR OS INFORMANTES NATIVOS COMO CONSTRUTORES ATIVOS DESSA REALIDADE, QUEBRANDO O PODER ABSOLUTO DO ETNÓGRAFO BASEADA NA SUA OBSERVAÇÃO PESSOAL. AS MÚLTIPLAS VOZES PRESENTES NA ETNOGRAFIA, QUE SE QUERIA ESCONDER, AGORA SE QUER DESCOBRIR.POR FIM, EM SOBRE A AUTORIDADE ETNOGRÁFICA, JAMES CLIFFORD SE DISTANCIA DO ENTENDIMENTO CANÔNICO PROBLEMATIZANDO A QUESTÃO DO QUE SEJA A ETNOGRAFIA. NESSE SENTIDO, RELEVA OS “PROCESSOS CRIATIVOS (E, NUM SENTIDO AMPLO, POÉTICOS) PELOS QUAIS OS OBJETOS CULTURAIS SÃO INVENTADOS E TRATADOS COMO SIGNIFICATIVOS” (CLIFFORD, 1998, P.39) E, AO MESMO TEMPO, MOSTRA QUE A COERÊNCIA QUE SE BUSCA NA ETNOGRAFIA, TAL QUAL UM TEXTO LITERÁRIO “DEPENDE MENOS DAS INTENÇÕES PRETENDIDAS DO AUTOR DO QUE DA ATIVIDADE CRIATIVA DE UM LEITOR” (CLIFFORD, 1998, P.57).