António gedeão

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Página1 António Gedeão visto por si mesmo e… Autobiografia Enquanto comia num gesto tranquilo, comia e ouvia falar-se daquilo. Dormia e ouvia solicitamente, como se presente presente estaria. E enquanto comia, comia e ouvia, a frágil menina que no fundo habita, que chora e que grita saía de mim. Saía de mim correndo e chorando num gesto revolto, cabelinho solto, roupa esvoaçando. Ia como louca, chorava e corria, enquanto eu metia comida na boca. Fugia-lhe a estrada debaixo dos pés, a estrada pisada que o luzeiro doira, serpentina loira que vai ter ao mar. Corria a menina de braços erguidos, seus brancos vestidos pareciam luar. Por dentro ia a noite, por fora ia o dia. A vida estuava, a maré subia. Caiu a menina na praia amarela, logo um modelo de algas se apoderaram dela. Se apoderou dela carinhosamente, que as algas são gestos mas não são de gente. Caiu e ficou-se deitada de bruços, desfeita em soluços sem forma nem lei. Ò minha àguazinha faz com que eu não sinta, faz com que eu não minta, faz com que eu não odeie! Àguazinha querida, compromisso antigo, dissolve-me a vida, leva-me contigo. Leva-me contigo no berço das algas; que o sal com que salgas seja o meu vestido. Ficou-se a menins desfeita em soluços, seu corpo, de bruços, com o mar a cobri-lo, enquanto eu, sentado, sentado comia, comia e ouvia, falar-se daquilo. António Gedeão

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Vida e obra do escritor António gedeão

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António Gedeão – visto por si mesmo e…

Autobiografia

Enquanto comia num gesto tranquilo, comia e ouvia falar-se daquilo. Dormia e ouvia solicitamente, como se presente presente estaria. E enquanto comia, comia e ouvia, a frágil menina que no fundo habita, que chora e que grita saía de mim. Saía de mim correndo e chorando num gesto revolto, cabelinho solto, roupa esvoaçando. Ia como louca, chorava e corria, enquanto eu metia comida na boca. Fugia-lhe a estrada debaixo dos pés, a estrada pisada que o luzeiro doira, serpentina loira que vai ter ao mar. Corria a menina de braços erguidos, seus brancos vestidos pareciam luar. Por dentro ia a noite,

por fora ia o dia. A vida estuava, a maré subia. Caiu a menina na praia amarela, logo um modelo de algas se apoderaram dela. Se apoderou dela carinhosamente, que as algas são gestos mas não são de gente. Caiu e ficou-se deitada de bruços, desfeita em soluços sem forma nem lei. Ò minha àguazinha faz com que eu não sinta, faz com que eu não minta, faz com que eu não odeie! Àguazinha querida, compromisso antigo, dissolve-me a vida, leva-me contigo. Leva-me contigo no berço das algas; que o sal com que salgas seja o meu vestido. Ficou-se a menins desfeita em soluços, seu corpo, de bruços, com o mar a cobri-lo, enquanto eu, sentado, sentado comia, comia e ouvia, falar-se daquilo. António Gedeão

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Vida de Rómulo Vasco da Gama de Carvalho (António Gedeão)

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Cronologia2 1906 - Rómulo Vasco da Gama de Carvalho nasce em Lisboa a 24 de Novembro, na Rua do Arco do Limoeiro.

1912 - Entra no Colégio de Santa Maria. Faz os seus primeiros poemas.

1914 - Termina a instrução primária.

1917 - Publica, no jornal Notícias de Évora, as primeiras estrofes de continuação de Os Lusíadas. Entra para o Liceu Gil Vicente.

1919 - A família muda para a Calçada do Monte, onde passa a sua juventude.

1925 - Completa o 7.º ano do liceu. Matricula-se no Curso Preparatório de Engenharia Militar, na Faculdade de Ciências.

1 Rua do Arco do Limoeiro

2 http://faladohomemnascido.no.comunidades.net/

1926 - É alistado na tropa, mas o seu ingresso é adiado. Em colaboração com o seu amigo Carlos Bana, escreve Quod est, est (Tenho a

honra de pedir a mão de Violante), que é levada à cena no final do ano escolar, encenada por Vasco Santana e com música de Manuel Ribeiro.

1928 - Decide mudar de curso e matricula-se em Ciências Físico-Químicas, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.

1931 - Termina o curso de Ciências Físico-Químicas. Inicia estágio no Liceu Normal Pedro Nunes.

1932 - Conclui o curso de Ciências Pedagógicas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

1933 - Termina o estágio no Liceu Pedro

Nunes. Começa a ensinar, atividade que exerce até 1974.

1934 - Casa com Maria José da Silva Cardoso. Leciona na Escola Lusitânia, em

Lisboa. Faz o Exame de Estado. É colocado no Liceu Camões.

1936 - Nasce o filho Frederico.

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1938 - É nomeado diretor do Laboratório de

Química do Liceu Camões, cargo que ocupa até 1948.

1942 - Publica «O aspeto fraudulento da Alquimia», em Liceus de Portugal.

1945 - Casa com Maria Natália Paiva Nunes.

1946 - Publica «A forma morta de Leibnitz

[…]», no Mundo Literário. Integra a direção da Gazeta da Física que mantém durante 28 anos.

1947 - Publica o livro «A ciência hermética» e os artigos «A atitude mental de Langevin perante os problemas científicos» (no Mundo Literário) e «O primeiro barco a vapor» (na Ver e Crer).

Começa a publicar artigos na Gazeta de Matemática e na Gazeta de Física.

1948 - Publica o livro «O embalsamento

egípcio» e o artigo «As grandes aventuras do professor Piccard», na Ver e Crer. É nomeado professor auxiliar do Liceu Pedro Nunes, onde permanece até 1950.

1949 - Nasce a filha Maria Cristina. Publica «As dimensões do universo molecular e atómico» e «Como foi determinada, pela primeira vez, a velocidade de propagação da luz», no Átomo, e «A escolha do metro como

unidade de medida», na Ver e Crer.

1950 - É colocado no Liceu D. João III, em

Coimbra. Muda-se para Coimbra, para a Rua Bernardo de Albuquerque, onde permanece até 1957. Pública «Os átomos existem?», no Átomo. Publica, «Compêndio de Química», «Guia dos trabalhos práticos de Química» e, com A. A.

Riley da Mota, «Noções elementares de Química». Começa a colaborar no Boletim da Sociedade de Língua Portuguesa.

1951 - Publica «No primeiro centenário da morte de Daguerre […]», «No centenário da morte de Oersted […]», no Átomo, e «Elogio de Simão Stevin», na Labor. A Atlântida Editora aprova a ideia da coleção Ciência para

Gente Nova. Começa a estudar o material didático existente no Museu Pombalino, que tinha pertencido ao Gabinete de Física do Real colégio dos Nobres.

1952 - Publica «História do telefone» e «História da fotografia». Dirige o Laboratório de Química no liceu D. João III.

1953 - Publica as monografias «História dos balões» e «Ferreira da Silva, homem de ciência e de pensamento», e «Problemas de Física para o 3.º ciclo do ensino liceal».

1954 - Publica o livro «História da eletricidade estática» e o artigo «A pretensa descoberta da

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lei das ações magnéticas por Dalla Bella

[…]», na Revista Filosófica. Concorre ao Prémio Almeida Garrett, do Ateneu Comercial do Porto, com poemas reunidos sob o título «A experiência dolorosa».

1955 - Publica «História do átomo».

1956 - Publica «Portugal nas Philosophical Transactions […]», na Revista Filosófica. Traduz «O Sr. Tompkims explora o átomo», de

Gamow. Escolhe o pseudónimo António Gedeão para figurar na Antologia do prémio Almeida Garrett. Estreia-se na poesia com «Movimento perpétuo», publicado com o pseudónimo de António Gedeão.

1957 - Publica «História da radioatividade». É nomeado professor do Liceu de Pedro Nunes. É publicada a Antologia do prémio Almeida Garrett de 1954, organizada por João Gaspar

Simões. Regressa a Lisboa e instala-se na Rua Sampaio Bruno, onde permanece até ao fim da vida. É eleito para a direção da Sociedade Portuguesa de Química e Física. Adaptação radiofónica da História dos Balões

pela Emissora Nacional que a transmitiu em três episódios.

1958 - Publica «Joaquim José dos Reis construtor das máquinas de Física […]», na

Vértice. É nomeado professor metodólogo de Ciências Físico-Químicas e diretor do gabinete

de Física do Liceu de Pedro Nunes e integra a

comissão de redação de «A Palestra», revista desse liceu.

António Gedeão publica o livro de poemas «Teatro do mundo».

1959 - Pública «Que é a Física» e «História da fundação do Colégio Real dos Nobres de Lisboa». António Gedeão publica «Declaração de amor», na Colóquio.

1960 - É nomeado diretor da biblioteca do Liceu Pedro Nunes, funções que exerceu até à aposentação.

1961 - António Gedeão publica «Máquina de fogo». 1962 - Publica «História da energia nuclear» e «História dos isótopos».

1963 - Publica «Apontamentos sobre Martinho de Mendonça de Pina e de Proença», na Ocidente, e «Sobre os compêndios universitários exigidos pela Reforma Pombalina», na Miscelânea de Estudos a

Joaquim de Carvalho. Inicia a colaboração no Dicionário de história de Portugal, dirigido por Joel Serrão. António Gedeão publica «RTX – 78/24».

Poemas de António Gedeão são lidos em recital sobre a Novíssima Poesia Portuguesa.

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1964 - Publica «Leonis de Pina e Mendonça

[…]», na Ocidente.

António Gedeão publica o livro «Poesias completas» e «Poema para Galileu»; o poema «Lágrima de preta» sai em A Voz de

Moçambique.

1965 - António Gedeão publica «O sentimento científico em Bocage», na Ocidente. Roberto Barchiesi traduz para italiano «Poema

para Galileu» que sai nos Estudos Italianos em Portugal.

1966 - Publica «A hipótese atómica de John

Dalton», no Diário de Lisboa. O poema «Tempo de poesia» sai em A Tarde da Bahia (Brasil). Recebe o Prémio Bocage pelo ensaio «O sentimento científico em Bocage».

1967 - Publica «Relações científicas do astrónomo francês Joseph-Nocolas de l’Isle com Portugal», no Arquivo da Bibliografia Portuguesa. António Gedeão publica «Linhas de força».

O poema «Dia de Natal» é publicado num jornal de estudantes do Liceu Camões que é apreendido pelo reitor.

1968 - Publica «A Física para o povo» e

«Ciências da Natureza 1».

1969 - Publica «Ciências da Natureza 2». Os poemas de Gedeão são incluídos na

antologia «Ich kann die Liebe nicht vertragen»,

organizada por Ilse Losa.

Inicia o curso de orientação de professores estagiários de Físico-químicas em vários liceus. O poema «Enquanto» é distribuído nas ruas de

Coimbra, durante as manifestações estudantis. «Poema para Galileu» é gravado por Mário Viegas. A Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências de Lisboa promove uma sessão com

poesia de António Gedeão.

1970 - Sai um disco do ZIP-ZIP com a «Pedra filosofal» musicada e cantada por Manuel Freire. Recebe o Prémio Pozal Domingues pela

«Pedra filosofal». Integra o grupo, coordenado por Rui Grácio, para estudo de novos programas de Ciências da Natureza para o Ciclo Preparatório.

1971 - Publica «O lume vivo que a marítima gente tem por santo», na Ocidente. A Comissão de Censura proíbe que a peça «RTX 78/24» seja levada à cena no Teatro Vasco Santana. «Poema da malta das naus»

gravado por Manuel Freire.

1973 - António Gedeão publica «A poltrona e outras novelas». É nomeado professor efetivo no Liceu Normal de Pedro Nunes. É nomeado

codiretor do Boletim do Ensino Secundário, do Ministério de Educação.

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1974 - António Gedeão integra antologia de

poesia portuguesa publicada em Moscovo. Efetua curso de preparação de professores do 4.º ano do Ciclo Básico. Desloca-se a vários liceus do país, como professor metodológico, para observação de estágios em ciências físico-químicas. Aposentação a 9 de Outubro.

1975 - Publica «Aditamento ao Guia de trabalhos práticos de Química para o curso complementar do ensino liceal» e, em

colaboração, «Física para o 1.º ano do curso complementar do ensino secundário». Colabora na Logos Enciclopédia. António Gedeão publica «Ay flores, ay flores do verde pino», na Colóquio. Letras. Participa em reuniões, para reformas do ensino, em sessões

de esclarecimento.

1976 - Estuda o material do Museu Maynense.

1977 - Publica «Ciências da Natureza: ensino secundário» e, em colaboração, «Física para o 2.º ano do curso complementar do ensino secundário».

1978 - Publica «História do Gabinete de Física da Universidade de Coimbra […]». Estreia de RTX 78/24 no Teatro do Nosso Tempo.

1979 - Publica «Relações entre Portugal e a Rússia no século XVIII». Inicia a publicação de Cadernos de Iniciação Científica, com edição

dos quatro primeiros números: «A descoberta

do mundo físico», «A experiência científica», «A natureza corpuscular da matéria e moléculas» e «Átomos e iões».

1980 - Publica «A estrutura cristalina», «A

energia» e «As forças». Publica na “Colóquio. Letras” um soneto que havia sido escrito em 1939.

1981 - Publica «A atividade pedagógica da

Academia das Ciências de Lisboa nos séculos XVIII e XIX»; «Peso e massa» e «As reações químicas». Sai o artigo «Os Conservatórios de Artes e Ofícios de Lisboa e Porto», na Ciência e Técnica. Publica, em colaboração, «Física

para o 12.º ano de escolaridade». António Gedeão publica «História breve da lua», peça de teatro infantil.

1982 - Publica as monografias «A física

experimental em Portugal no século XVIII», «A composição do ar», «A pressão atmosférica» e «A eletricidade estática»; e o artigo «As ciências exatas no tempo de Pombal», na Brotéria, e «O recurso a pessoal estrangeiro no

tempo de Pombal», na Revista de História das Ideias. Profere uma conferência sobre a criação do Gabinete de Física Pombalino, na Universidade de Coimbra.

1983 - Publica «A corrente elétrica», «Magnetismo e eletromagnetismo» e «A

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eletrónica». António Gedeão publica «Poemas

póstumos».

1985 - Publica «A astronomia em Portugal no século XVIII», «A radioatividade», «A energia radiante» e «Ondas e corpúsculos».

É eleito sócio correspondente da Classe de Ciências da Academia das Ciências de Lisboa. Participa em simpósio, na Academia das Ciências de Lisboa, sobre a História da Ciência em Portugal.

1986 - Publica «História do Ensino em Portugal […]», «A Física na Reforma Pombalina» e «O roteiro europeu do 2.º Duque de Lafões». «História breve da lua» é

representada pelo grupo TEAR.

1987 - Publica «A História Natural em Portugal no século XVIII» e «D. João Carlos de Bragança, 2.º duque de Lafões […]».

Comunicação à Academia das Ciências «As interpretações dadas, na época, às causas do terramoto de 1 de Novembro de 1755», posteriormente publicada. É condecorado como Grande Oficial da Ordem de Instrução Pública.

1988 - Publica «O uso da língua latina na redação dos textos científicos portugueses», nas Memórias da Academia das Ciências de Lisboa.

É eleito presidente honorário da Sociedade Portuguesa de Física.

1989 - Comunicação à Academia das Ciências

«Sobre a passagem do cometa Halley em Portugal no ano de 1759», posteriormente publicada. É convidado pelo Ministério da Educação para a sessão solene do 23º da Criação da Diretoria Geral de Estudos.

1990 - Profere conferências em Coimbra e Lisboa sobre João Jacinto Magalhães. E apresenta a comunicação «Um “Folhetim

Scientífico” de Camilo». É nomeado diretor do Museu Maynense da Academia das Ciências de Lisboa. Organiza e publica o catálogo do Museu Maynense. António Gedeão publica «Novos poemas póstumos» e «Poesia completa».

1991 - Publica «João Jacinto Magalhães e a Academia das Ciências de Lisboa», «As requisições de “instrumentos matemáticos”

dirigidas de Lisboa a João Jacinto Magalhães» e «O saber e a personalidade de João Jacinto de Magalhães […]» nas Memórias da Academia das Ciências de Lisboa, «A aceitação, em Portugal, da filosofia Newtoniana», na Revista da Universidade de

Coimbra. É inaugurado oficialmente o Museu Maynense. Inicia o estudo da coleção etnográfica da Academia das Ciências de Lisboa. Publica «Carta inédita de João de Deus», na Colóquio.

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Letras.

1992 - É eleito sócio efetivo da Academia das Ciências de Lisboa. Publica «Bibliografia das obras de autores nacionais publicadas durante o século XX que se ocupam das atividades científica e técnica dos portugueses nos séculos anteriores». Comunicação à Academia

das Ciências de Lisboa. «João Chevalier, astrónomo português do séc. XVIII», posteriormente publicada. Sai «51+3 poems and other writings», de António Gedeão. É atribuído o nome António Gedeão à Escola

Secundária da Cova da Piedade.

1993 - Publica «O material didático dos séculos XVIII e XIX do Museu Maynense da Academia das Ciências de Lisboa» e «No

segundo centenário da ascensão aerostática de Vicenzo Lunardi no Terreiro do Paço». 1994 – «Elogio académico do Prof. Luís de Albuquerque» e «Bento de Moura Portugal

[…]», nas Memórias da Academia das Ciências, e «Quatro cartas inéditas de João Jacinto de Magalhães». É publicado, no Brasil, «Palavra de poeta», livro organizado por Denira Rozário, com entrevistas e poemas de António Gedeão. O Sindicato dos Professores

da Grande Lisboa promove homenagem a Rómulo de Carvalho.

1995 - Publica «O texto poético como

documento social» e «A Física no dia-a-dia».

1996 - São-lhe prestadas várias homenagens por ocasião dos seus 90 anos, nomeadamente uma nacional. O dia 24 de Novembro passa a

ser considerado Dia Nacional da Cultura Científica. Recebe a medalha de Mérito Cultural, atribuída pelo Ministro da Cultura.

1997 - É publicada a Coletânea de estudos

históricos. António Gedeão publica Poemas escolhidos. Morre em 19 de Fevereiro.

1998 - Publicação de «As origens de Portugal: história contada a uma criança».

2000 - Publicação de «Memória de Lisboa», com fotografias de Rómulo de Carvalho, e «O

matéria etnográfico do Museu Maynense da Academia das Ciências de Lisboa».

2002 - A 6 de Maio foi assinado o termo de

doação do seu Espólio à Biblioteca. Foi entregue entre Novembro desse ano e Julho de 2005. 2004 - Publicação de «Obra completa».

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Entrevista a Cristina Carvalho a propósito da biografia “Rómulo de Carvalho/António

Gedeão – príncipe perfeito” publicada pela Editorial Estampa3.

António Piedade (AP) - Porque é que escreveu o livro, porque é que o

escreveu agora?

Cristina Carvalho (CC) – Nunca na minha vida me tinha ocorrido

escrever estes apontamentos biográficos sobre a vida de meu pai. Sim,

concordo que esse pensamento me podia ter até aconchegado, que seria

natural eu poder escrever sobre ele, e seria! Mas nunca tal ideia me

aconteceu. Foi por um convite da editorial Estampa, uma, duas, três vezes

insistido que tal veio a acontecer. Não foi fácil. Tal como digo no início do livro, não foi nada fácil. Por

questões psicológicas, por questões sentimentais, por razões várias pouco dignas de interesse para

quem lê esta entrevista, mas muito importantes para mim. Contudo, acabei por aceitar o convite. E

nunca me arrependi. Foi uma experiência única, escrever estes breves apontamentos biográficos.

AP - Que tipo de leitores tinha em mente quando o estruturou e escreveu?

CC - Nunca tive em mente um determinado tipo de leitores embora soubesse e pudesse prever a

existência de um público leitor muito mais interessado do que outro neste tipo de narrativa e sobre a

pessoa que foi Rómulo de Carvalho/António Gedeão, a começar por esse imenso número de alunos

que estão vivos, que o conheceram e apreciaram e até amaram. Portanto, como disse, não estruturei

o livro nem o escrevi pensando em alguém, especialmente. Embora seja uma narrativa com certas

características muito específicas, foi este um outro livro que escrevi depois de ter conseguido libertar-

me de certas atitudes e de certas visões.

3 H T T P : / / D E R E R U M M U N D I . B L O G S P O T . P T / 2 0 1 2 / 1 1 / E N T R E V I S T A - C R I S T I N A - C A R V A L H O - P R O P O S I T O . H T M L

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AP - Que tipo de leitores espera que leia o livro?

CC – Esta resposta vem um pouco no seguimento da anterior. Realmente, há “tipos” de leitores se

assim quisermos catalogar. E também há “tipos” de livros.

Se me pergunta que tipo de leitores eu espero que leia este livro, eu diria, todo o tipo de leitores,

embora eu saiba que isso não é possível. Um escritor escreve para ser lido, não escreve com o fito

determinado de ser lido por este ou por aquele. Mas sabe-se que isso não acontece assim. Há, de

facto, da parte de toda a gente inclinação ou apetência ou gosto ou prazer ou o que quisermos

chamar por certos livros. Eu não gosto de certa literatura assim como a pessoa que vai ali no

autocarro pode gostar daquilo que eu não gosto. É uma atitude cultural, não é? Se uma pessoa

aprendeu a conhecer e a gostar e a escolher determinado escritor ou determinado tipo de escrita ou

certos temas, dificilmente se prenderá com outro tipo de escrita, só mesmo por curiosidade. E às

vezes essa curiosidade pode levar a situações impensáveis, isso também é verdade. Eu posso julgar

que não gosto daquele livro e, afinal, gosto muito! O que eu gostaria mesmo é que este livro pudesse

ser útil e ser lido por muita, muita gente.

AP – Rómulo de Carvalho escreveu o principal estudo sobre a História da Educação em Portugal.

Desde o início da nacionalidade até ao 25 de Abril. Na proximidade que manteve com o seu pai,

pode dizer-nos algo sobre a opinião dele em relação ao estado da educação em Portugal a seguir

a 1974 e até os últimos anos da sua vida?

CC – Efetivamente a “História do Ensino em Portugal”, editada pela Fundação Gulbenkian e que já

conheceu várias reedições é considerada por muitas pessoas que se interessam pelas questões da

pedagogia e do ensino em Portugal como obra-mestra sobre esta temática. Já ouvi chamar-lhe uma

espécie de “bíblia” para professores e técnicos nesta matéria. Trata-se, na verdade, de uma obra de

referência que oferece uma panorâmica muito interessante e às vezes surpreendente sobre a evolução

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e os vários ciclos do ensino no nosso país, desde a fundação da nacionalidade até ao 25 de Abril de

1974. Significativamente, terminou nessa data a abordagem que ele fez à história do ensino.

O ensino, segundo eu depreendo da leitura das “Memórias” e das abordagens privadas e públicas por

ele feitas, era visto como uma questão fundamental para o desenvolvimento da sociedade. No período

que se seguiu à Revolução, tal como aconteceu noutras áreas da vida portuguesa, o ensino e as

escolas passaram por grandes convulsões e perturbações. Foi perante essa situação que ele

abandonou, reformando-se antecipadamente, a carreira a que se dedicara toda a vida. Maior

expressão do que esta sobre o que ele pensaria acerca do rumo que o ensino estava a levar não

poderá haver. No entanto, recomendo a leitura das suas “Memórias” onde ele exprime em várias

oportunidades o que pensava sobre este assunto.

AP – Rómulo de Carvalho é o nosso “patrono” da divulgação de ciência. Como é que a Cristina

Carvalho classifica a evolução da divulgação de ciência em Portugal nas últimas décadas?

CC - Não serei a pessoa mais habilitada para responder a esta questão, mas do que nos é dado

observar à vista desarmada não parece haver dúvidas de que se deram passos de gigante tanto no

desenvolvimento da investigação científica em Portugal e da sua inserção nas redes internacionais da

Ciência, como na divulgação científica. Felizmente há pessoas de elevada craveira que brilham no

firmamento da Ciência internacional e entre essas pessoas são bastantes os jovens que se têm

distinguido. Só espero que esta caminhada prossiga e possa dar ao país e ao mundo grandes

contributos para o desenvolvimento global e em todos os sentidos.

António Piedade