Antonio Figueiredo

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SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS. Gramado, RS, de 5 a 8 de Outubro de 1998 1 MOBILIZAÇÃO SOCIAL E CIDADANIA PELAS ÁGUAS Antonio Carlos Maia Figueiredo 1 Resumo - Para o próximo século, a grande esperança, do ponto de vista do cidadão em relação à situ- ação dos recursos hídricos, é o exercício da cidadania e a gestão compartilhada do meio ambiente. O surgimento, em 1996, do Movimento de Cidadania pelas Águas no cenário ambiental brasileiro deu um impulso para que as informações sobre a situação das águas e os possíveis modelos de gestão, rompesse os círculos oficiais e técnicos, atingindo cidadãos indignados com a quantidade, qualidade, disponibilidade, enfim interessados na proteção e no futuro das águas. O ano seguinte, 1997, foi um período de grande avanço, principalmente em Minas Gerais, no que diz respeito a Cidadania e as Águas. A Mobilização Social pelas Águas, projeto realizado pelo Instituto Ci- dade em parceria com a Secretaria Nacional de Recursos Hídricos/SRH e o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura/IICA, tem gerado informações e referências metodológicas de mobiliza- ção social capazes de serem reeditadas em qualquer região do Brasil. Experiências, em nível local, no- vas maneiras de cuidar das águas e circulação de informações, participam cada vez mais da pauta e da agenda de muitos cidadãos mineiros, como também adquirem crescente presença nos meios de comu- nicação. Partindo do paradigma “ pensar globalmente e agir localmente” , os consultores e mobilizadores sociais do Centro de Referência de Belo Horizonte, percorreram, em 4 meses, parte considerável do interior mi- neiro, em torno de 270 municípios. Com a perspectiva de horizontalizar as atividades e disponibilizar a mensagem de cidadania pelas águas para uma mobilização social, foi possível articular e realizar 12 Encontros Microrregionais de Cidadãos. Em seguida, com o objetivo de aprofundar as referências meto- dológicas, alguns municípios foram destacados e passaram a receber assessoria local desses mesmos consultores, visando a elaboração de um rol de intenções para ações de proteção e revitalização das águas. Na seqüência deste trabalho, será apresentado breves referências metodológicas e práticas so- bre as atividades do Projeto em Minas Gerais, além leves incursões nos princípios e conceitos da mobi- lização social, abordando o processo desenvolvido na cidade de Piedade dos Gerais. 1 - DA CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA PARA O EXERCÍCIO DA CIDADANIA Na sua trajetória, o movimento ecológico brasileiro rodou tanto para chegar a conclusão que o significado do exercício da cidadania é a chave para a equacionar a complexa relação entre desenvolvi- mento econômico e sustentabilidade. Bernardo Toro e Nísia Werneck, com simplicidade respondem porque um movimento de cidadania pelas águas? “Primeiro, por respeito a vida; segundo, porque a água está tornando cada vez mais rara; terceiro, porque apesar de tudo que já caminhamos neste sentido ainda há muito o que fazer. “ 1 . Num trabalho de rara qualidade, Augusto Franco anota que “está surgindo no Brasil, nos últimos anos, um novo estado de “fermentação social“ constituído por inúmeras iniciativas descentralizadas que buscam atender, quase sempre de modo emergencial, carecimentos sociais bási- cos de setores de nossa população marginalizados da cidadania. “ 2 Mais ainda, para a consolidação do exercício pleno da cidadania, antes de tudo, nós, cidadãos brasileiros, necessitamos de uma mudança de paradigma em relação ao meio ambiente e um novo condicionamento de atitudes individuais e coleti- vas. Acreditamos que é através da mobilização social o jeito mais adequado e factível de obter resulta- dos e sair do marasmo da “ consciência ecológica” para o movimento das ações transformadoras. O ex- secretario nacional de recursos hídricos Paulo Romano, precursor da idéia de descentralização da ges- tão dos recursos hídricos, idealizador e articulador do Movimento de Cidadania pelas Águas, explica como é proposto estas iniciativas: “A Secretaria de Recursos Hídricos, do Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, articulou o Movimento de Cidadania pelas Águas, que foi lançado pelo presidente da República no Dia Mundial da Água, 22 de março. O movimento não é um programa para monitorar qualidade ou quantidade de água, que aliás está sendo montado. É um esforço de mobilização social envolvendo usuários e cidadãos a partir da sua vivência pessoal. E, apesar de sua concepção ter sido iniciativa de um órgão público, tem caráter autônomo, não está subordinado a institu- ições, partidos ou líderes. Acima de tudo, configura um movimento de iniciativa, pois propõe que cada cidadão parta efetivamente para a ação.” 3 A água não é o elemento mais importante do meio ambiente, porém é o mais sensível. A res- 1 Consultor do Centro de Referência de Belo Horizonte do Movimento de Cidadania pelas Águas, Diretor Executivo do Instituto Cidade, rua Rio Grande do Sul 1040 loja 10, Santo Agostinho, 30170-111, Telefax (031) 335 6643; E-mail: [email protected] - Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

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Estudo sobre hidrografia

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    MOBILIZAO SOCIAL E CIDADANIA PELAS GUAS Antonio Carlos Maia Figueiredo1 Resumo - Para o prximo sculo, a grande esperana, do ponto de vista do cidado em relao situ-ao dos recursos hdricos, o exerccio da cidadania e a gesto compartilhada do meio ambiente. O surgimento, em 1996, do Movimento de Cidadania pelas guas no cenrio ambiental brasileiro deu um impulso para que as informaes sobre a situao das guas e os possveis modelos de gesto, rompesse os crculos oficiais e tcnicos, atingindo cidados indignados com a quantidade, qualidade, disponibilidade, enfim interessados na proteo e no futuro das guas. O ano seguinte, 1997, foi um perodo de grande avano, principalmente em Minas Gerais, no que diz respeito a Cidadania e as guas. A Mobilizao Social pelas guas, projeto realizado pelo Instituto Ci-dade em parceria com a Secretaria Nacional de Recursos Hdricos/SRH e o Instituto Interamericano de Cooperao para a Agricultura/IICA, tem gerado informaes e referncias metodolgicas de mobiliza-o social capazes de serem reeditadas em qualquer regio do Brasil. Experincias, em nvel local, no-vas maneiras de cuidar das guas e circulao de informaes, participam cada vez mais da pauta e da agenda de muitos cidados mineiros, como tambm adquirem crescente presena nos meios de comu-nicao. Partindo do paradigma pensar globalmente e agir localmente , os consultores e mobilizadores sociais do Centro de Referncia de Belo Horizonte, percorreram, em 4 meses, parte considervel do interior mi-neiro, em torno de 270 municpios. Com a perspectiva de horizontalizar as atividades e disponibilizar a mensagem de cidadania pelas guas para uma mobilizao social, foi possvel articular e realizar 12 Encontros Microrregionais de Cidados. Em seguida, com o objetivo de aprofundar as referncias meto-dolgicas, alguns municpios foram destacados e passaram a receber assessoria local desses mesmos consultores, visando a elaborao de um rol de intenes para aes de proteo e revitalizao das guas. Na seqncia deste trabalho, ser apresentado breves referncias metodolgicas e prticas so-bre as atividades do Projeto em Minas Gerais, alm leves incurses nos princpios e conceitos da mobi-lizao social, abordando o processo desenvolvido na cidade de Piedade dos Gerais. 1 - DA CONSCINCIA ECOLGICA PARA O EXERCCIO DA CIDADANIA

    Na sua trajetria, o movimento ecolgico brasileiro rodou tanto para chegar a concluso que o significado do exerccio da cidadania a chave para a equacionar a complexa relao entre desenvolvi-mento econmico e sustentabilidade. Bernardo Toro e Nsia Werneck, com simplicidade respondem porque um movimento de cidadania pelas guas? Primeiro, por respeito a vida; segundo, porque a gua est tornando cada vez mais rara; terceiro, porque apesar de tudo que j caminhamos neste sentido ainda h muito o que fazer. 1. Num trabalho de rara qualidade, Augusto Franco anota que est surgindo no Brasil, nos ltimos anos, um novo estado de fermentao social constitudo por inmeras iniciativas descentralizadas que buscam atender, quase sempre de modo emergencial, carecimentos sociais bsi-cos de setores de nossa populao marginalizados da cidadania. 2 Mais ainda, para a consolidao do exerccio pleno da cidadania, antes de tudo, ns, cidados brasileiros, necessitamos de uma mudana de paradigma em relao ao meio ambiente e um novo condicionamento de atitudes individuais e coleti-vas. Acreditamos que atravs da mobilizao social o jeito mais adequado e factvel de obter resulta-dos e sair do marasmo da conscincia ecolgica para o movimento das aes transformadoras. O ex-secretario nacional de recursos hdricos Paulo Romano, precursor da idia de descentralizao da ges-to dos recursos hdricos, idealizador e articulador do Movimento de Cidadania pelas guas, explica como proposto estas iniciativas: A Secretaria de Recursos Hdricos, do Ministrio do Meio Ambiente, dos Recursos Hdricos e da Amaznia Legal, articulou o Movimento de Cidadania pelas guas, que foi lanado pelo presidente da Repblica no Dia Mundial da gua, 22 de maro. O movimento no um programa para monitorar qualidade ou quantidade de gua, que alis est sendo montado. um esforo de mobilizao social envolvendo usurios e cidados a partir da sua vivncia pessoal. E, apesar de sua concepo ter sido iniciativa de um rgo pblico, tem carter autnomo, no est subordinado a institu-ies, partidos ou lderes. Acima de tudo, configura um movimento de iniciativa, pois prope que cada cidado parta efetivamente para a ao. 3

    A gua no o elemento mais importante do meio ambiente, porm o mais sensvel. A res-

    1 Consultor do Centro de Referncia de Belo Horizonte do Movimento de Cidadania pelas guas, Diretor Executivo do Instituto Cidade, rua Rio Grande do Sul 1040 loja 10, Santo Agostinho, 30170-111, Telefax (031) 335 6643; E-mail: [email protected] - Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

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    ponsabilidade do poder pblico em garantir a sua disponibilidade colocada em dvida em face da situ-ao que se encontra a maioria das nascentes e corpos dgua no pas. Esta constatao est mudan-do a abordagem que os cidados interessados na qualidade de vida, inclusive os que esto, temporari-amente, no governo, apresentam para os prximos anos. As grandes conferncias mundiais de meio ambiente os constantes alertas emitidos pelos organismos internacionais, alm de estudos, pesquisas e pronunciamentos efetuados por especialistas em todo mundo, comprovam a gravidade e a oportunida-de dos cidados de todo mundo colocar na prtica recursos e vontade para desviar o planeta da rota da autodestruio para o desenvolvimento sustentado.

    Em compasso com as novas posturas de ordenamento institucional em relao a gesto do meio ambiente, o Brasil avanou no aspecto jurdico, normativo e legal, ao formular e apresentar a soci-edade a Poltica Nacional de Recursos Hdricos, atravs da instituio da Lei 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Nesse contexto, Minas Gerais, j buscava mudanas ao promulgar, em 1995, o decreto-lei n. 37.191, dispondo sobre o Conselho Estadual de Recursos Hdricos. Verticalizando mais esse processo, em nvel regional, prefeituras mineiras buscam adequaes locais a essas normas, instituindo rgos voltados para as questes ambientais, como secretarias de meio ambiente e os CODEMAS, alm de aes para a melhoria das guas em suas regies.

    Porque ento, diante de tanta conscincia da importncia das guas e do meio ambiente como um todo, cada vez mais percebemos o aumento da degradao ambiental e da indignao dos cidados brasileiros? Vrias respostas podem ser reveladas, porm s trazem mais constataes bvias e teri-cas, em conseqncia resultam em poucas aes. Melhor ento, buscar respostas em um novo para-digma, que ao mesmo tempo signifique uma tomada de posio e seja realimentador para aes que demonstre mudanas de comportamento em nvel individual, coletivo e institucional.

    Portanto, temos a convico que um novo jeito de abordar estas questes, percebendo a im-portncia da participao do cidado, aquele que est perto das guas, nas aes propostas pelo con-junto de gestores dos recursos hdricos. Mas no podemos pensar no modelo ultrapassado da partici-pao popular, da representatividade, do corporativismo e de interesses eleitoreiros, mas sim na co-gesto, o cidado articulando e participando na construo da sustentabilidade para as guas. Esta inteno adquire uma enorme importncia quando sabemos que os administradores dos recursos hdri-cos tem que, por fora da lei, articular Audincias Pblicas para a formao de Comits de Bacias e suas secretarias executivas, no caso as Agncias de Bacias. Nesse contexto o Movimento de Cidada-nia pelas guas disponibiliza por todo o territrio brasileiro, a mensagem da impossibilidade do governo sozinho administrar os recursos hdricos. Alm disso, objetivo central do Movimento, propor aos cida-dos, atravs da mobilizao social, a realizao de aes locais, pequenas que sejam, como sinaliza-o ao governo e a toda a sociedade da preocupao com o tratamento reservado s guas e ao meio ambiente.

    2 - O MOVIMENTO DE CIDADANIA PELAS GUAS NO BRASIL

    A questo da cidadania no contexto atual remete a consideraes tambm globais, no que tange ao seu raio de ao 4 Nas ltimas dcadas, no Brasil, a intensa degradao ambiental provocou uma rpida reao no conjunto da sociedade, em trs aspectos: a aprovao de um moderno e consis-tente cdigo legal, na estruturao das organizaes governamentais e no governamentais e na mani-festao de aes de cidadania em defesa do meio ambiente. O Movimento de Cidadania pelas guas visa dar visibilidade, apoio e assessoria a quem atua em defesa dos recursos hdricos. Ele uma ao pblica coletiva, incluindo cidados que esto dentro e fora do Governo. Organizado no Brasil por Cen-tros de Referncia localizados em capitais e cidades estratgicas, promovem atividades para fomentar aes para a gesto cidad das guas. Para maiores informaes sobre a rede de Centros de Refern-cia em todo o pas, contatar com Centro de Referncia Nacional (Braslia), aos cuidados de Luiz Carlos Baeta Neves, SGAN Quadra 601 - lote 01 - (Edifcio Sede da CODEVASF) - sala 435, 70830-901 Bras-lia - DF - Tel.: (061) 317-8201 e Fax: (061) 225-4760, e-mail: [email protected], http://www.radiobras.gov.br/agua.html . 2.1 - Movimento de Cidadania pelas guas em Minas Gerais.

    Minas Gerais um estado que abriga milhares de nascentes que alimentam as principais baci-as hidrogrficas do Brasil. Nos mais de 800 municpios mineiros, milhares de fontes, crregos, riachos, rios e lagos esto em processo de degradao e existem inmeros cidados, entidades e administrado-res em alerta, prontos para modificar esse quadro.

    Abraar a idia do Movimento Cidadania pelas guas, participar proativamente de seus objetivos e colaborar para construo de uma rede de cidados voltados para aes de proteo e manejo ade-

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    quado dos recursos hdricos, a vontade dos cidados que articulam o Movimento em Minas Gerais. Mobilizao Social pelas guas e pela cidadania o escopo tico que guia esses desejos afetivos e polticos, um ato de cidadania no limiar do prximo milnio. Construir um novo modelo de gesto par-ticipativa dos recursos naturais, atento para as interfaces ecolgicas/urbanas -- esgotamento sanitrio, lixo, chuvas, alagamentos, desabamentos, reflorestamento, desperdcio, etc. -- despertar nas pesso-as a reao contra o desconforto, a impotncia e a indignao, acionando a ligao ldica entre o indi-vduo e as guas e o aprimoramento do reconhecimento de seu poder neste processo. 3 - MOBILIZAO SOCIAL PELAS GUAS EM MINAS GERAIS 3.1 - Pressupostos bsicos para um modelo de gesto cidad das guas

    Um modelo de gesto das guas desejado deve levar em considerao que a gua um bem pblico, o que diferente de ser estatal, por um lado, ou mero fator de produo para uso privado, por outro; e um bem simblico, cultural, histrico e natural, inevitavelmente compartilhado por inmeras pessoas em diversas comunidades. A utilizao da gua deve, portanto, transcender aspectos apenas econmicos; o governo no tem condies objetivas de gerenciar as guas de um pas como o Brasil e no pode ter a pretenso de controlar a diversidade de aspectos que envolvem a gesto das guas. O governo deve sim, reconhecer e estimular a capacidade e a competncia da cidadania diretamente en-volvida com as guas para participao efetiva e eficiente em sua gesto. A cidadania deve buscar esta participao, estabelecendo nveis mnimos de organizao e buscando o envolvimento de muito mais pessoas com as guas; a cidadania deve reconhecer a importncia que o atual governo confere a sua participao na gesto das guas; a cidadania e o governo devem promover um modelo de gesto das guas que independa da postura desta ou daquela administrao; a cidadania e o governo devem utilizar o conceito de confiabilidade creditcia global como instrumento de desenvolvimento de atividades que promovam o estabelecimento de uma nova gesto cidad das guas.

    3.1.1 - Um projeto de comunicao.

    Iniciado em 1997, o Projeto de Mobilizao Social pelas guas, vem a ser uma experincia com o objetivo de gerar referncias metodolgicas, conceituais e operacionais que sirva de modelo para ser reeditado em qualquer parte.

    Se fomos capazes de fazer a coisa ruim somos, da mesma forma, capazes de fazer a boa, a melhor. Assim Demstenes Romano, coordenador do Movimento em Minas, a partir da experincia de sucesso do Pacto de Minas pela Educao, deslumbrou o imaginrio de cidadania pelas guas. 5

    O trabalho objetiva mobilizar cidados, entidades, administradores e todo aquele que se sente motivado para a proteo e recuperao da quantidade e qualidade das guas. uma tarefa que, a cada dia, mais cidados reconhecem, no Movimento de Cidadania pelas guas, uma ao legtima e transforma-dora.

    Para percorrer o territrio mineiro, em um curto espao de tempo, foi realizado Operaes de Mobilizao Regional, tendo como meta a divulgao e a circulao dos mtodos e conceitos da Mobi-lizao Social e informaes sobre a gesto dos recursos hdricos no maior nmero possvel de munic-pios. 3.2 - Operao em quatro eixos integrados e simultneos.

    A organizao da operao de mobilizao regional pelas guas efetuou o planejamento espa-cial do territrio mineiro utilizando as bacias hidrogrficas e em seu interior a estruturao microrregio-nal por Associaes de Municpios. O primeiro eixo para a promoo da mobilizao social, foram ativi-dades de criao, elaborao e produo de material de divulgao e comunicao, juntamente com a Coordenao Nacional do Movimento de Cidadania pelas guas, em Braslia. Em seguida foi realizada a identificao de reeditores em nvel regional e local; em conjunto com os parceiros institucionais. Este processo promoveu o mapeamento de organismos e entidades que possuem representao em grande parte dos municpios mineiros. Aps estas etapas e aps receberem material de comunicao, equipes de trs mobilizadores, denominado de P na Estrada, iniciaram as atividades em campo, efetuando o levantamento de questes ambientais regionais e locais, para alimentar a atividade de comunicao. Em seguida, executaram atividades de produo, organizao, divulgao (em nvel regional) dos encontros de cidadania pelas guas, alm de participarem das exposies de grupos de trabalho, atuando como dinamizadores durante os eventos. O Encontro Microrregional das guas pela Cidadania o pice des-se processo, acontecendo pelo menos um encontro dos cidados, instituies, ONGs e administrado-res em cada microrregio. A correta identificao de reeditores resulta em participao elevada e inte-ressada de representantes dos municpios, alguns dos quais j saem do encontro levando a frente, em

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    seus campos de atuao, a ao mobilizadora. A estrutura bsica dos encontros foi adaptada aos hori-zontes e situaes especficas de mobilizao em cada regio, e compe-se basicamente de dois mo-mentos: uma exposio de experincias, contedo e metodologia pelos consultores do Movimento de Cidadania pelas guas e dinmica de grupo, com cidados da regio em conjunto com os consultores, para depurar os conceitos e referenciais metodolgicos, em direo reedio do movimento no mbito local. 3.3 - Resultados alcanados na Mobilizao Social pelas guas

    Minas Gerais hoje conta com uma rede de cidados em centenas de cidades que, aps terem tido contato com o Movimento de Cidadania pelas guas, abordam a questo das guas de um novo jeito. Diariamente, cidados mineiros solicitam informaes e material de divulgao ao Centro de Refe-rncia e demandam consultoria sobre gesto das guas.

    3.3.1. Produtos da Mobilizao.

    A formao de reeditores e a consolidao de uma Rede de Cidados Motivados pelas guas, no maior nmero de municpios de Minas Gerais, ainda o principal objetivo da Mobilizao Social em Minas. Reportando s referenciais metodolgicas, vemos que num movimento de cidadania, no se constri uma rede de cidados, mas objetivamente se conecta cidados, onde quer que eles estejam, e se repassa a identificao de outras pessoas e de suas aes. Este conceito de rede muito sutil e difcil de se aferir, j que a prpria essncia da mobilizao e da cidadania. preciso uma espcie de confiana e autonomia das pessoas, pois no prioritrio registrar, cadastrar e catalogar aes e pes-soas, importa sim a conexo feita e a possibilidade de contato e troca de informaes na medida que as interfaces se encontram e se completam. Esta uma rede expontnea, formada pelos cidados que realizam aes em prol da qualidade de vida, da vitalidade do meio ambiente, do respeito as guas e da participao em cidadania. A outra, visa pontualmente uma meta tcnica para a mobilizao, ou seja, ter de 5 a 10 cidados no maior numero de municpios possveis em Minas Gerais, rede induzida, ou seja, todo o esforo do movimento e da mobilizao, tende a destamponar aqueles cidados que guar-dam dentro de si, sentimentos voltados para uma ao, mas por comportamento, dependncia cultural e coerncia histrica, mantm uma atitude passiva frente aos desafios de exerccio de cidadania, estando, no entanto, com suas possibilidades de mudana sujeitas a uma motivao, faltando apenas a oportuni-dade de relacionamento com experincias, exemplos e informaes, que o Movimento tende a propor-cionar atravs de sua mensagem.

    Todo este trabalho, desenvolvido em 1997, gerou um banco de informaes e conhecimentos metodolgicos, um elenco de alternativas para a ao, que esto disponveis consultas e reproduo. Por se tratar de um referencial no apenas terico, mas apoiado em um Maiiling cidado, um banco de idias e aes surgidas da prtica, seu poder de auto transformao e auto-evoluo aponta para a re-produtibilidade e auto-sustentabilidade em qualquer outra regio. Mais do que uma elaborao tcnica, tudo que aprendemos, consultores e cidados, nesse processo, foi um exerccio de cidadania e envol-vimento com gesto. Assim, podemos afirmar que as etapas e fases vencidas, nos certificam que temos condies, na continuidade, de construir mais que um referencial metodolgico produzido pela ao. Estamos aptos a compartilhar os pressupostos para a cidadania e a gesto compartilhada das guas, ou seja as condies e aes mobilizantes do sujeito: a tarefa de apreender com os prprios cidados a coletivizao dos problemas e das solues.

    A consolidao desse processo ocorre com a instituio de um sistema de comunicao auxili-ando na coletivizao das diversas atividades cidads pelas guas. Para se compreender a implantao de sistemas de comunicao, prioritrio entender o objetivo da coletivizao das atividades cidads pelas guas. Ou, melhor, para quem as informaes produzidas devem fluir? De um lado, entendemos que o Movimento de Cidadania pelas guas possui uma face institucional, ligada ao governo federal, portanto, as informaes obtidas so direcionados Coordenao Nacional do Movimento de Cidadania pelas guas. Por outro lado, um processo de mobilizao e cidadania cria autonomia de canais de co-municao e informao para circular noticias e trocas de experincias, como participaes em eventos e projetos. Sempre bom lembrar, que a Mobilizao Social pelas guas realizada no interior do Es-tado, onde existe uma outra dinmica, um jeito muito peculiar de tratar estas questes, muito diversa do que, nas cidades grandes, entendemos por comunicao e divulgao. Todos os cidados que vivem no interior e esto, quotidianamente em contato com as guas, tm a oportunidade de cuidar das nascen-tes, dos crregos, rios e lagoa. 4 - PIEDADE DOS GERAIS - MINAS GERAIS

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    4.1 - Compromisso e continuidade Aps a etapa descrita, surgiram demandas provenientes das cidades por onde a caravana da

    Mobilizao Social pelas guas passou. Dezenas de municpios se dirigiram ao Centro de Referncia de Belo Horizonte, com solicitaes para continuidade e aprofundamento da metodologia e dos concei-tos de mobilizao social para aes pelas guas. Piedade dos Gerais, municpio com pouco mais de 3.000 habitantes, situado a 89 km. de Belo Horizonte, uma tpica cidade do interior de Minas. Banha-da pelo rio Macabas, importante afluente da Alta Bacia do Rio Paraopeba, foi um dos municpios des-tacados para o aprofundamento das referncias metodolgicas da mobilizao social.

    O primeiro movimento para a ao de mobilizao em Piedade iniciou em julho de 1997, na pri-meira reunio dos consultores com os cidados locais. Na ocasio, o contato era a senha para que ci-dados de Piedade dos Gerais participassem do Encontro do Movimento de Cidadania pelas guas na Associao Microrregional do Alto Paraopeba, realizada no dia 31 de julho de 1997, na cidade de Itana. A partir da, o processo do despertar do desejo e da conscincia de cidadania, alavanca para o patamar da necessidade de uma atitude de mudana, comeou a fazer parte do dia-a-dia dos cidados de Pie-dade.

    Nos quatro meses subsequentes6, mais 5 reunies na cidade marcaram a continuidade da mo-bilizao. Aos participantes foi disponibilizado material de divulgao e um conjunto de informaes, dados, experincias e estatsticas transformados em informao pblica compartilhada, na busca de agregar mais cidados mobilizao. Se realizado bem, o processo de mobilizao social pela cidada-nia das guas, desemboca na transformao desse desejo e dessa conscincia em disposio para a ao. Em seguida foi realizado, pelos cidados envolvidos, um diagnstico participativo e proativo, para apontar as dificuldades, porm sinalizado com esperana e alternativas.

    Piedade dos Gerais, passou ento a trabalhar esta metodologia para atingir um estgio propicio para aes: cuidar da cidade, das guas e das pessoas numa perspectiva participativa e com objetivo de colher resultados, ou seja, transformar a regio num lugar bom e agradvel de se viver.

    O 1 Encontro de Mobilizao Social para o Movimento de Cidadania pelas guas, no dia 3 de outubro de 1997, reuniu no salo paroquial da cidade, mais 70 cidados. Lavradores, donas de casa, estudantes, funcionrios pblicos, entre outros, puderam sentir a oportunidade e a satisfao de se uni-rem pela cidadania. Assessorados pelos consultores do Movimento em Minas, os cidados presentes entenderam que era o momento para deflagrar um processo participativo na comunidade, no sentido de-les mesmos formularem sua prpria agenda e pauta de aes em prol das guas, do meio ambiente urbano e rural e da qualidade de vida para todos os habitantes.

    Os primeiros temas trabalhados pelos cidados mobilizados mostrava-se relacionado percep-o dos processos do dia-a-dia. A questo lixo urbano e suas interfaces, surgiu como um vetor de iden-tificao da melhoria da qualidade de vida na cidade. Tambm, do ponto de vista dos recursos hdricos, o manejo dos cursos dgua e das guas subterrneas foi questionado.

    Assim, o Movimento em Minas Gerais, juntamente com os cidados de Piedade dos Gerais, esto agindo localmente, disponibilizando informaes e conhecimentos tcnicos universais, o que vem a comprovar a aplicabilidade dos referenciais metodolgicos. Experincias, projetos, colaborao de cientistas, tcnicos e informaes gerais decodificadas, quando possvel, so levados populao. No-vas tcnicas e um novo jeito de ver, sentir e cuidar das guas, da cidade e das pessoas, alm de formas e meios de atuao, numa viso cidad, solidria e sustentada so agora temas presentes. 4.2 - Aes e resultados

    Sbado, 22 de novembro de 1997. Apesar da chuva, dezenas de cidados do Movimento de Ci-dadania pelas guas de Piedade dos Gerais se uniram para realizar um mutiro para limpeza das mar-gens e do leito do Rio Macabas6. Com o colaborao de soldados do Corpo de Bombeiros, homens, mulheres e crianas passaram um dia retirando os entulhos e dejetos da calha do rio. Carcaas de ani-mais, pneus velhos, plstico e outros materiais foram tirados e colocados num caminho e mostrado, na cidade, para servir de exemplo toda populao. Uma semana depois, os mesmos cidados inaugura-ram o Centro de Referncia de Piedade dos Gerais do Movimento de Cidadania pelas guas. A cidade agora conta com um espao para reunies, biblioteca e referncia para o desenvolvimento de aes au-tnomas em busca da melhoria da qualidade de vida.

    Independente de se aferir a qualidade e quantidade das aes realizadas pelos moradores para a proteo das guas, ou mesmo um balano do mutiro, para o Movimento de Cidadania pelas guas, como tambm para os parceiros que viabilizaram o projeto, Secretaria de Recursos Hdricos e Instituto Interamericano de Cooperao para a Agricultura, o simples fato da comprovao da aplicabilidade des-se jeito de mobilizao social, vem reforar o suporte de organizao de comunidades e entidades para

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    a gesto compartilhada dos recursos hdricos, como recomenda o novo cdigo das guas. Nos desdobramentos do Projeto de Mobilizao Social, foi possvel reproduzir esse mtodo e

    estas referncias num ambiente distinto, uma regio altamente urbanizada de uma cidade grande. A segunda etapa da Mobilizao em Minas Gerais do Movimento da Cidadania pelas guas adotou, para-lelamente, uma experincia de mobilizao que gerasse referncias vlidas para cidades grandes e -reas densamente povoadas. Para incio escolhemos em Belo Horizonte a bacia da Pampulha - Ribeiro do Ona trabalhando simultaneamente a articulao dos vrtices institucionais, a mobilizao dos ci-dados e o registro das experincias de gesto. A micro bacia da Pampulha - Ribeiro do Ona faz par-te da sub-bacia do Rio das Velhas, tributrio do Rio So Francisco. 7

    A nossa esperana, em relao gesto dos recursos hdricos, em sntese, que cada vez mais a mensagem de cidadania pelas guas atravesse transversalmente a questo da gesto, no con-ceito e na aplicabilidade, promovendo a efetiva participao de cidados com poder de interferir e trans-formar a realidade das guas brasileiras. 5 - REFERNCIAS 1 JOS BERNARDO TORO E NSIA DUARTE WERNECK. (1996). Mobilizao Social: um modo de

    construir a democracia e a participao. Secretaria de Recursos Hdricos - SRH, Associao Brasileira de Ensino Agrcola Superior - Abeas, Unicef. Braslia.

    2 AUGUSTO FRANCO. (1995). Ao Local - A Nova Poltica da Contemporaneidade. gora Instituto de Poltica Fase. Braslia

    3 PAULO AFONSO ROMANO. (1998). Recursos Hdricos: Uma Questo de Cidadania. Secretaria de Recursos Hdricos. Braslia.

    4 ANTONIO FLVIO TESTA. (1997). Cidadania em um contexto global: dilemas e desafios in Comunica-o, Cultura, Cidadania e Mobilizao Social. Universidade de Braslia. pag. 61/77 Braslia.

    5 DEMSTENES ROMANO.(1996). Pacto de Minas pela Educao in Comunicao e Mobilizao So-cial. Universidade de Braslia. pag. 86/88 Braslia.

    6 ANTONIO CARLOS MAIA FIGUEIREDO. (1997) in Relatrio do Projeto de Mobilizao Social pelas guas em Minas. Instituto Cidade. Belo Horizonte.

    7 PAULO DIMAS DE MENEZES. (1997) in Relatrio do Projeto de Mobilizao Social pelas guas em Minas. Instituto Cidade. Belo Horizonte.