ANTOLOGIA DA POESIA AFRICANA EM LÍNGUA PORTUGUESA

download ANTOLOGIA DA POESIA AFRICANA EM LÍNGUA PORTUGUESA

of 2

Transcript of ANTOLOGIA DA POESIA AFRICANA EM LÍNGUA PORTUGUESA

ANTOLOGIA DA POESIA AFRICANA EM LNGUA PORTUGUESA

ANTOLOGIA DA POESIA AFRICANA EM LNGUA PORTUGUESA

Prof. Kleyton PereiraLiteraturas Africanas em Expresso PortuguesaNEGRA, Cordeiro da Mata (ANG, 1884)Negra! negra como a noite

duma horrvel tempestade,

mas, linda, mimosa e bela,

como a mais gentil beldade!

Negra! negra! como a asa

do corvo mais negro e escuro,

mas, tendo nos claros olhos,

o olhar mais lmpido e puro!

Negra! negra! como o bano,

seductora como Phedra,

possuindo as celsas formas,

em que a boa graa medra!

Negra! negra!... mas to linda

co'os seus dentes de marfim;

que quando os lbios entreabre,

no sei o que sinto em mim!...

A NEGRA, Caetano da Costa Alegre (STP, 1916)

Negra gentil, carvo mimoso e lindo

Donde o diamante sai,

Filha do sol, estrela requeimada,

Pelo calor do Pai,

Encosta o rosto, cndido e formoso,

Aqui no peito meu,

Dorme donzela, rola abandonada,

Porque te velo eu.

No chores mais, criana, enxuga o pranto,

Sorri-te para mim,

Deixa-me ver as prolas brilhantes,

Os dentes de marfim.

No teu divino seio existe oculta

Mal sabes quanta luz,

Que absorve a tua escurecida pele,

Que tanto me seduz.

MITO HESPERITANO, Pedro Cardoso (CV, 1900)XI

A minha Ptria uma montanha

Olmpica, tamanha!

Do seio azul do Atlntico brotada

E aos astros com vigor arrernessada

Pelo brao potente do Criador,

Sobranceia cem lguas em redor.

E to alta que acima do seu cume

S o plaustro de Apolo coruscante,

S o bando estelar de guias de lume

E a mente ousada de um Cames ou Dante!

Como formosa

E majestosa

A minha amada

Terra natal!

Quer do Sol sob a clmide doirada,

Quer da Lua sob a lcida cambraia,

to formosa que no tem rival!

Alm das nuvens alevantada,

O bravo Oceano a seus ps desmaia!

Para a gloria do mando f-la Deus

Altiva e forte, generosa e brava:

Assim foram outrora os filhos seus!

Se lhe palpita o corao robusto,

Em derredor tudo estremece logo:

Plida e fria de pavor a Brava,

E, em nsias, Santiago e o Maio adusto.

Fala... e as palavras fluem em torrentes

De lavas rugidoras e candentes...

Na verdade, escutai! chama-se Fogo!

Quando vier, Ptria amada,

A morte p'ra me levar,

Deixa-me a fronte cansada

Em teu seio repousar!

POEMA DO MAR, Jorge Barbosa (CV, 1941)O drama do Mar,

o desassossego do Mar,

sempre

sempre

dentro de ns!

O Mar!

cercando

prendendo as nossas Ilhas,

desgastando as rochas das nossas Ilhas!

Deixando o esmalte de seu salitre nas faces dos pescadores,

roando nas areias das nossas praias,

batendo a sua voz de encontro de pau que vo por estas costas...

O Mar!

Pondo rezas nos lbios,

Deixando nos olhos dos que ficam

A nostalgia resignada de pases distantes

que chegam at ns nas estampas das ilustraes

nas fitas de cinema

e nesse ar de outros climas que trazem os passageiros

quando desembarcam para ver a pobreza da terra!

O Mar!

A esperana na carta de longe

Que talvez no chegue mais!...

O Mar!

Saudades dos velhos marinheiros contando histrias de tempos passados,

histrias da baleia que uma vez virou a canoa...

de bebedeiras, de rixas, de mulheres,

nos portos estrangeiros...

O Mar!

dentro de ns todos,

no canto da Morna,

no corpo das raparigas morenas,

nas coxas geis das pretas,

no desejo da viagem que fica em sonhos de muita gente!

Este convite de toda a hora

que o Mar nos faz para a evaso!

Este desespero de querer partir

E ter que ficar!

O PESCADOR DE MOAMBIQUE, Jos da Silva Campos e Oliveira (MO, 1874)

Eu nasci em Moambique,de pais humildes provim,

a cor negra que eles tinham

a cor que tenho em mim:

sou pescador desde a infncia,

e no mar sempre vaguei;

a pesca me d sustento,nunca outro mister busquei.

Antes que o sol se levante

eis que junto praia estou;

se ao repoizo marco as horas

preguia no as dou;

em frgil casquinha leve,

sempre longe do meu lar,

ando entregue ao vento e s ondas

sem a morte receiar.

Ter continuo a vida em risco

triste coisa sei que !

mas do mar no teme as iras

quem em Deus depe a f;

pequena a recompensa

da vida custosa assim;

mas se a fome no me mata

que me importa o resto a mim?

II

S, negra, como te vejo,

eu sinto nos seios d'alma

arder-me forte desejo,

desejo que nada acalma.

se te roubou este clima

do homem a cor primeva;

branca que ao mundo viesses,

serias das filhas d'Eva

em belleza, negra, a prima!...

gerou-te em agro torro;

S'elevar-te ao sexo frgil

temeu o rei da criao;

qu's, negra creatura,

a deusa da formosura!...

Eu gosto de te ver a negra e meiga

E acetinada cor,

Porque me lembro, Pomba, que s queimada

Pelas chamas do amor;

Que outrora foste neve e amaste um lrio,

Plida flor do vale,

Fugiu-te o lrio: um triste amor queimou-te

O seio virginal.

No chores mais, criana, a quem eu amo,

lindo querubim,

O amor como a rosa, porque vive

No campo, ou no jardim.

Tu tens o meu amor ardente, e basta

Para seres feliz;

Ama a violeta que a violeta adora-te

Esquece a flor-de-lis.

Vou da Cabaceira s praias,

atravesso Mussuril,

traje embora o cu descuro,

ou todo seja danil;

de Lumbo visito as guas

e assim vou at Sancal,

chegou depois ao mar-alto

sopre o norte ou ruja o sul.

S noite casca ataco

para o corpo repousar,

e ao p da mulher qie estimo

ledas horas ir passar:

da mulher doces carcias

tambm quer o pescador,

pois desta vida os pezares

faz quasi esquecer o amor!

Sou pescador desda a infncia

e no mar sempre vaguei;

a pesca me d sustento,

nunca outro mister busquei;

e em quanto tiver os braos,

a p e a casquinha ali,

viverei sempre contente

neste lidar que escolhi.