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HÉLDER SAMUEL GONÇALVES DE LIMA ANTÓNIO VICENTE DE CASTRO / AMPLIAÇÃO DA ESTALAGEM SÃO CRISTÓVÃO Dissertação apresentada para obtenção do Grau de Mestre em Arquitectura no Curso de Mestrado Integrado, conferido pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Orientador: Prof. Doutor Miguel Santiago Fernandes. Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes Portimão 2014

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HÉLDER SAMUEL GONÇALVES DE LIMA

ANTÓNIO VICENTE DE CASTRO / AMPLIAÇÃO DA

ESTALAGEM SÃO CRISTÓVÃO

Dissertação apresentada para obtenção do Grau de

Mestre em Arquitectura no Curso de Mestrado

Integrado, conferido pela Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologias.

Orientador: Prof. Doutor Miguel Santiago Fernandes.

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias

Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes

Portimão

2014

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HÉLDER SAMUEL GONÇALVES DE LIMA

ANTÓNIO VICENTE DE CASTRO / AMPLIAÇÃO DAESTALAGEM SÃO CRISTÓVÃO

Dissertação defendida em provas públicas noInstituto Superior Manuel Teixeira Gomes, no dia03/10/2014 perante o júri nomeado pelo Despacho deNomeação nº. 15/2014, com a seguinte composição:

Presidente:Prof. Doutor Hugo Philipe H. da NazarethFernandes de Cerqueira (Professor Auxiliar,ISMAT)

Arguente:Prof.ª Doutora Ana Cristina Santos Bordalo(Professora Auxiliar, ISMAT)

Orientador:Prof. Doutor Miguel João Mendes do AmaralSantiago Fernandes (Professor Associado,ISMAT e Professor Auxiliar, UBI)

Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes

Portimão

2014

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Hélder Lima: António Vicente de Castro | Ampliação da Estalagem São Cristóvão

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“António Vicente de Castro, autor qualificado e combativamente

coerente com o seu tempo e a sua geração, introdutor da arquitectura moderna no

barlavento algarvio, bem merece a continuação do estudo sobre a sua obra mas,

acima de tudo, uma pensada protecção, restauro e preservação das suas mais

notáveis criações.” (Fernandes, 2004)1

1 António Vicente de Castro / Arquitectos da Geração moderna, (2004). Portimão, [Desdobrável da exposição,

coord. Pedro Reis e Luisa Castro, texto por José Manuel Fernandes arq.]

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RESUMO

O tema António Vicente de Castro - Ampliação da Estalagem São Cristóvão recorda

um arquitecto e um dos projectos pioneiros do Movimento Moderno no Algarve que foi

descaracterizado pelo desenvolvimento económico da região.

Muitas são as opiniões acerca do estado devoluto do Hotel São Cristóvão, mas muito

poucas são as que reconhecem o edifício que lhe deu origem, era um posto rodoviário, um dos

primeiros na região. Uma construção original em quase tudo a que lhe compete, o tempo e as

circunstâncias rapidamente a depuseram. Que tempo? E que circunstâncias?

Em arquitectura, as demolições, reconversões e ampliações são «cicatrizes» legítimas

da história, marcas que beneficiam ou não os seus corpos; estimulante é incorporar a intensão

dessas mudanças e procurar as «cicatrizes» que nos convenham, o projecto final será sempre

algo subjugado à emoção dos seus infindos observadores.

Palavras-Chave: Vicente de Castro; Estalagem São Cristóvão; Lagos; Ampliação;

Composição.

ABSTRACT

The theme António Vicente de Castro – Magnifition of Estalagem São Cristóvão

reminds an architect and a pioneer of the Modern Style project in the Algarve whose had

been mischaracterized by the economic development of the region.

There are many opinions about the state of the degraded Hotel São Cristóvão, but

very few are those who recognize the building that gave rise to it, was a bus station, one of

the first in the region. An original construction, who’s the time and circumstances quickly

ousted. Which time? And which circumstances?

In architecture, the demolitions, conversions and extensions are "scars" legitimate

the history, marks that benefit or not their bodies; stimulating is embody the intention of this

changes and look for the "scars" which may be we agreed on, the final draft will always be

something subdued at the emotion of their infinities observers.

Keywords: Vicente de Castro; Estalagem São Cristóvão; Lagos; Broadening; Composition.

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ABREVIATURAS

CML- Câmara Municipal de Lagos

CODA- Concurso para a Obtenção do Diploma de Arquitecto

DUT- Declaração de Utilidade Turística

EBAL- Escola de Belas Artes de Lisboa

EBAP- Escola de Belas Artes do Porto

EN- Estrada Nacional

MUDJ- Movimento de Unidade Democrática Juvenil

PIDE- Polícia Internacional e de Defesa do Estado

SAAL- Serviço Ambulatório de Apoio Local

SNI- Secretariado Nacional de Informação Cultura Popular e Turismo

SONAP- Sociedade Nacional de Petróleos

SPN- Secretariado de Propaganda Nacional

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ÍNDICE GERAL

VOLUME I

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................ 12

1.1. QUEM É ANTÓNIO VICENTE DE CASTRO? ............................................................................. 14

1.1.1. NOTAS BIOGRÁFICAS DO ARQUITECTO ANTÓNIO VICENTE DE CASTRO ........................ 16

1.2. QUESTÕES E OBJECTIVOS ...................................................................................................... 20

1.3. METODOLOGIA ...................................................................................................................... 22

1.4. CRONOLOGIA ......................................................................................................................... 23

2. CAPÍTULO II - ESTALAGEM SÃO CRISTÓVÃO

2.1. UM POSTO RODOVIÁRIO NO ALGARVE .................................................................................. 26

2.1.1. ESTALAGEM SÃO CRISTÓVÃO, 1952 ....................................................................... 27

2.2. A INSURGÊNCIA DA ARQUITECTURA DO MOVIMENTO MODERNO EM

PORTUGAL ................................................................................................................................ 31

2.2.1. O MOVIMENTO MODERNO NA ARQUITECTURA ............................................................... 31

2.2.2. A PRIMEIRA GERAÇÃO MODERNA EM PORTUGAL ............................................................ 32

2.2.3.O DILEMA ENTRE O MODERNISMO PORTUGUÊS E A ARQ. DO MOVIMENTO MODERNO .... 33

2.2.4.O ENSINO DA ARQUITECTURA NOS ANOS 40 ................................................................... 35

OS PROGRAMAS DE DESENVOLVIMENTO TÚRISTICO DO ESTADO NOVO EM

PORTUGAL ................................................................................................................................ 37

2.3.1. ANTECEDENTES ............................................................................................................... 37

2.3.2. O DESENVOLVIMENTO DE UM NOVO CONCEITO DE ESTABELECIMENTO TURÍSTICO: AS

POUSADAS E OS “ALBERGUES EN CARRETERA” ............................................................................. 40

2.4. A CIDADE DE LAGOS NO INÍCIO DO SÉC. XX ........................................................................ 43

2.5. ESTALAGEM SÃO CRISTÓVÃO, 1954 ..................................................................................... 44

3. CAPÌTULO III - TRANSFORMAÇÃO DO ALGARVE E OS CASOS DE ESTUDO

3.1. OS DIFERENTES TIPOS DE TURISMO .................................................................................... 51

3.2. A GÉNESE DO ALGARVE TURÍSTICO ................................................................................... 52

3.3. A MUDANÇA NA CIDADE DE LAGOS .................................................................................... 53

3.3.1.CASO DE ESTUDO I, AMPLIAÇÃO DA ESTALAGEM SÃO CRISTÓVÃO, 1959; ARQ.

JOSÉ VELOSO ............................................................................................................................... 56

3.4. A “TRAGÉDIA URBANÍSTICA” DO ALGARVE ....................................................................... 63

3.4.1. CASO DE ESTUDO II, HOTEL SÃOCRISTÓVÃO, 1969; ARQ. FRANCISCO AZANCOT

KERI ............................................................................................................................................. 65

3.5. COMPARAR OS CASOS DE ESTUDO ........................................................................................ 71

4. CAPÍTULO IV - PROJECTO, LINGUAGEM E COMPOSIÇÃO EM ARQUITECTURA

4. O ACTO DE ARQUITECTAR ....................................................................................................... 74

4.1. PRINCÍPIOS DE ORDEM .......................................................................................................... 75

4.1.1. DECOMPOSIÇÃO ............................................................................................................... 77

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EXEMPLO 1 ................................................................................................................................... 78

EXEMPLO 2 .................................................................................................................................. 79

CONSIDERAÇÕES ......................................................................................................................... 80

4.1.2. COMPOSIÇÃO ................................................................................................................... 81

4.2. MEMÓRIA DESCRITIVA E JUSTIFICATIVA ................................................................. 82

4.2.1. CRITÉRIOS DE IMPLANTAÇÃO ......................................................................................... 83

4.2.2. CONCEITO E IDENTIDADE ................................................................................................ 84

4.3. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................... 90

5. CONCLUSÃO ................................................................................................................................ 92

BIBLIOGRAFÍA ......................................................................................................................... 94

ANEXO I

LISTA DE OBRAS DE VICENTE DE CASTRO .................................................................................. 97

VOLUME II

PEÇAS DESENHADAS

IMPLANTAÇÃO ................................................................................................................... FOLHA 1

IMPLANTAÇÃO 2 ................................................................................................................. FOLHA 2

PISO 0 ................................................................................................................................. FOLHA 3

PISO 1 ................................................................................................................................. FOLHA 4

PISO 2 ................................................................................................................................. FOLHA 5

PISOS 3 E 4 .......................................................................................................................... FOLHA 6

PISO 5 ................................................................................................................................. FOLHA 7

COBERTURA ....................................................................................................................... FOLHA 8

QUARTO TIPO ..................................................................................................................... FOLHA 9

CORTE AA’ ...................................................................................................................... FOLHA 10

CORTE BB’ ....................................................................................................................... FOLHA 11

CORTE CC’ ....................................................................................................................... FOLHA 12

ALÇADO NORDESTE ......................................................................................................... FOLHA 13

ALÇADO SUDESTE ............................................................................................................ FOLHA 14

ALÇADO SUDOESTE ......................................................................................................... FOLHA 15

ALÇADO NOROESTE ......................................................................................................... FOLHA 16

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ÍNDICE DE FIGURAS

Fig. 1- Estalagem São Cristóvão, anos 50. Fonte: Luísa Castro.

Fig. 2- Hotel São Cristóvão, 2012. Fonte: Autor.

Fig. 3- Panorâmica da entrada da cidade de Lagos, 2014. Fonte: Fototeca Municipal de Lagos, por

Francisco Castelo.

Fig. 4- Hotel São Cristóvão, 2014.Fonte: Fototeca Municipal de Lagos, por Francisco Castelo.

Fig. 5- Digitalização de um esboço do autor: Vicente Castro e a sua transposição de elementos da

arquitectura tradicional algarvia para as suas vanguardistas construções. Fonte: Autor.

Fig. 6- Perspectiva à mão da Casa Nunes, Lagos, 1959. Por Vicente Castro. Fonte: Luísa Castro.

Fig. 7- Piso 0; Reprodução do autor, Estalagem São Cristóvão, 1952. Fonte: Autor.

Fig. 8- Piso 1; Reprodução do autor, Estalagem São Cristóvão, 1952. Fonte: Autor.

Fig. 9- Perspectiva à mão da Estalagem São Cristóvão, Lagos, 1952. Por Vicente Castro. Fonte: Posto

Rodoviário de Lagos, no Arquivo Municipal.

Fig. 10- Planta de Implantação da Estalagem São Cristóvão, Lagos, 1952. Por Vicente Castro. Fonte:

Posto Rodoviário de Lagos, no Arquivo Municipal.

Fig. 11- Mapa de unidades hoteleiras no Algarve até 1930. Fonte: Autor; Interpretado de Brito S. P.

(2009). Território e Turismo no Algarve; Lisboa: Edições Colibri / Centro Internacional de

Investigação em Território e Turismo da Universidade do Algarve.

Fig. 12- Expansão Urbana de Lagos, no Ínicio do Séc.XX. Fonte: Paula, Rui,(1992). Lagos evolução

urbana e património; Lagos: Câmara Municipal.(p.118).

Fig.13- Painel de Apresentação e Capa do Portfólio para o Projecto da Estalagem São Cristóvão na

EBAP, do Projecto da Estalagem São Cristóvão, 1955. Por Vicente Castro. Fonte: Luísa Castro.

Fig. 14- Piso 0; Reprodução do autor da Estalagem São Cristóvão, 1954. Fonte: Autor.

Fig. 15- Piso 1; Reprodução do autor da Estalagem São Cristóvão, 1952. Fonte: Autor.

Fig. 16- Perspectiva à mão da Estalagem São Cristóvão, Lagos, 1954. Por Vicente Castro. Fonte:

CODA, Um Posto Rodoviário em Lagos; Luísa Castro

Fig. 17- Estalagem São Cristóvão, anos 50. Fonte: CODA, Um Posto Rodoviário em Lagos. Luísa

Castro.

Fig. 18- Reprodução com base nos desenhos originais da Cama tipo. Fonte: Autor

Fig. 19- Reprodução com base nos desenhos originais do tapume na sala de refeições. Fonte: Autor

Fig. 20, 21 e 22- Perspectivas sobre os elementos decorativos: as grelhas nos planos de parede; o

balcão, os tectos falsos, as prateleiras; o vão de escada interior com a parede «perfurada» de luz

exterior. Fonte: Luísa Castro.

Fig. 23, 24, 25, 26 e 27- Obras da Construção da Estalagem São Cristóvão, 1954. Fonte: Luísa Castro.

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Fig. 28- Em 1965, a viagem terrestre Lisboa- Algarve demorava o dobro do tempo da viagem aérea

Londres-Faro ou Berlim-Faro. Fonte: Autor.

Fig. 29- Plano de Expansão Urbana de Lagos, nos anos 50. Fonte: Paula, Rui,(1992). Lagos evolução

urbana e património; Lagos: Câmara Municipal.(p.118).

Fig. 30- Representação tridimensional com a proposta de ampliação do Arq. José Veloso a vermelho.

Fonte:Autor.

Fig. 31- Piso 0; Reprodução do autor, proposta do Arq. José Veloso, sobre a Estalagem do Arq.

Vicente Castro. Fonte: Autor.

Fig. 32- Piso1; Reprodução do autor, proposta do Arq. José Veloso, sobre a Estalagem do Arq.

Vicente Castro no Piso 1. Fonte: Autor.

Fig. 33- Desennho de Implantação da Ampliação proposta pelo Arq. José Veloso, 1959. Fonte

Projecto de ampliação do Posto Rodoviário de Lagos; Arquivo Municipal.

Fig. 34- Alçado Nordeste; Reprodução do autor, Estalagem São Cristóvão de 1954, do Arq. Vicente

Castro. Fonte: Autor.

Fig. 35- Alçado Nordeste; Reprodução do autor, proposta de ampliação do Arq. José Veloso, 1959.

Fonte: Autor.

Fig. 36- Alçado Sudeste; Reprodução do autor, Estalagem São Cristóvão de 1954, do Arq. Vicente

Castro. Fonte: Autor.

Fig. 37- Alçado Sudeste; Reprodução do autor, proposta de ampliação do Arq. José Veloso, 1959.

Fonte: Autor.

Fig. 38- Mapa de unidades hoteleiras no Algarve até 1964. Fonte: Autor; Interpretado de Brito S. P.

(2009). Território e Turismo no Algarve; Lisboa: Edições Colibri / Centro Internacional de

Investigação em Território e Turismo da Universidade do Algarve.

Fig. 39- Construção do Hotel Golfinho, Lagos, anos 60. Fonte: Francisco Castelo, Fototeca Municipal

de Lagos.

Fig. 40- Representação tridimensional com a proposta de ampliação do Arq. Francisco Keri a

vermelho. Fonte:Autor.

Fig. 41- Avenida dos Descobrimentos, com a Estalagem ao fundo, Lagos, anos 60. Fonte: Francisco

Castelo, Fototeca Municipal de Lagos.

Fig. 42- Hotel São Cristóvão, Lagos, anos 70. Fonte: Francisco Castelo, Fototec Municipal de Lagos.

Fig. 43- Piso 0; Reprodução do autor, proposta do Arq. Francisco Keri, sobre a Estalagem do Arq.

Vicente Castro. Fonte: Autor.

Fig. 44- Piso1; Reprodução do autor, proposta do Arq. Francisco Keri, sobre a Estalagem do Arq.

Vicente Castro no Piso 1. Fonte: Autor.

Fig. 45- Implantação, Reprodução do autor, proposta do Arq. Francisco Keri. Fonte: Autor.

Fig. 46- Alçado Nordeste; Reprodução do autor, Estalagem São Cristóvão de 1954, do Arq. Vicente

Castro. Fonte: Autor.

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Fig. 47- Alçado Nordeste; Reprodução do autor, proposta de ampliação do Arq. Francisco Keri, 1969.

Fonte: Autor.

Fig. 48- Alçado Sudeste; Reprodução do autor, Estalagem São Cristóvão de 1954, do Arq. Vicente

Castro. Fonte: Autor.

Fig. 49- Alçado Sudeste; Reprodução do autor, proposta de ampliação do Arq. Francisco Keri, 1969.

Fonte: Autor.

Fig. 50- Comparação do programa construtivo entre os três projectos. Fonte: Autor.

Fig. 51- Quadrado vermelho = preexistência; quadrado azul = ampliação. Fonte: Autor.

Fig. 52- Decomposição do Alçado Nordeste, Reproduzido pelo autor, Estalagem S. Cristóvão de 1954,

do Arq. Vicente Castro. Fonte: Autor.

Fig. 53- Composição Síntese do Alçado Nordeste, da Estalagem S. Cristóvão de 1954. Fonte: Autor.

Fig. 54- Decomposição do Alçado Nordeste, Reproduzido pelo autor, proposta do Arq. José Veloso,

sobre a Estalagem do Arq. Vicente Castro. Fonte: Autor.

Fig. 55- Composição Síntese do Alçado Nordeste, Reproduzido pelo autor, proposta do Arq. José

Veloso, sobre a Estalagem do Arq. Vicente Castro. Fonte: Autor.

Fig. 56- Decomposição do Alçado Nordeste, Reproduzido pelo autor, proposta do Arq. Francisco Keri,

sobre a Estalagem do Arq. Vicente Castro. Fonte: Autor.

Fig. 57- Composição Síntese do Alçado Nordeste, Reproduzido pelo autor, proposta do Arq. Francisco

Keri, sobre a Estalagem do Arq. Vicente Castro. Fonte: Autor.

Fig. 58- Alçado Nordeste da proposta para o Hotel São Cristóvão. Fonte: Autor.

Fig. 59- Enquadramento Urbano do Hotel São Cristóvão, Fotografia Aérea. Fonte: Google Maps.

Fig. 60- Organização do Lote. Fonte: Autor.

Fig. 61- Perspectiva para o hotel desde a EN 120. Fonte: Autor.

Fig. 62- Configuração dos módulos dos quartos sobre a Estalagem. Fonte: Autor.

Fig. 63- Planta do Piso 1. Fonte: Autor.

Fig. 64- Planta do Piso 3 e 4. Fonte: Autor.

Fig. 65- Quarto Tipo. Fonte: Autor.

Fig. 66- Pormenor do revestimento exterior.

Fig. 67- Perspectiva para o Hotel São Cristóvão desde a Praça D. João II.

Fig. 68- Comparação do programa construtivo entre os quatro projectos. Fonte: Autor

Fig. 69- Gráfico Radial, comparativo entre os diferentes Casos de Estudo

Fig. 70- Mapa Administrativo de Portugal e do Algarve «rodado». Fonte: Gaspar (1993) in Fernandes,

J. M; Janeiro, A. (2005) Arquitectura no Algarve: dos primórdios à actualidade, uma leitura de

síntese: [s.l.]: Edicões Afrontamento.

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INTRODUÇAO | 01

Diz-se que a história é escrita pelos vencedores, perguntamo-nos quantos heróis

ficaram perdidos no tempo, ou quantos heróis da história seriam inglórios aos olhos de hoje.

Com o passar do tempo, a história vai-se «fechando» para os esquecidos, depois de se

apagarem as memórias de quem viu ou de quem faz; fica apenas a valer o que é factual para

permitir reescrevê-la ou emendá-la. Com um tempo cada vez mais «fervilhante» em

acontecimentos, pessoas ou métodos para gerar factos, é natural que alguns submerjam no

esquecimento, sendo uma constante «luta» saudável e legítima pela afirmação cultural. A

história é escrita por homens e não está só limitada à bibliografia publicada; dando sentido ao

aforismo frequente nos discursos de André Malraux “A cultura não se herda, conquista-se”.

António Vicente de Castro deixou-nos um legado de referência para a história da

arquitectura no Algarve. As suas obras embargam traços de uma atitude vanguardista para o

paradigma da construção existente, até então, a Sul de Portugal. É inglório que não exista

sinal oficioso de reconhecimento do seu trabalho arquitectónico como «a mão» que trouxe a

arquitectura modernista ao Barlavento Algarvio.

Não se pretende com esta dissertação qualquer afronta ou imposição ao «quadro» da

história da Arquitectura, mas está implícito o objectivo de divulgar e honrar a obra do

Arquitecto António Vicente de Castro, tendo como enfoque o seu primeiro projecto de

Arquitectura, a Estalagem São Cristóvão, em Lagos.

Pretende-se levar a cabo uma ampliação do edifício referente ao projecto inicial

(1954), através, de um programa idêntico ao do edifício existente, resultado da ampliação para

Hotel em 1969, experienciando soluções sobretudo de sustentabilidade, composição e

linguagem que permitam a coexistência com as características arquitectónicas deixadas pelo

autor, num dos seus emblemáticos projectos.

Numa região em constante mutação desde os anos 50, muito devido à procura como

refúgio turístico, pelas suas características naturais e climáticas, são de salientar os estragos

provocados pela ganância de quem quer tirar o proveito máximo de uma das maiores fontes

de enriquecimento financeiro em Portugal, o turismo. Exemplo demonstrativo dessa avidez, é

a transformação da citada obra, a Estalagem São Cristóvão no Hotel São Cristóvão. Antes de

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avaliar ou reportar opiniões incipientes e não querendo desvalorizar já o trabalho elaborado e

existente, embora devoluto, gostaríamos de começar por referir, que já na época da ampliação

haveria respeito ao projecto da Estalagem; sinal evidente dessa «estima», além de outros, é

claro, a prevalência desse primeiro volume no aglomerado actualmente em ruína.

Devoluto desde princípios dos anos 90, o Hotel São Cristóvão traduz uma imagem

elementar e de lamentar para quem passa e vive em Lagos, isto porque se situa no principal

ponto de acesso à cidade, o que, além de suscitar diálogo quanto à sua inutilidade, arrecada

também o peso negativo para uma imagem local.

Pela sua localização, poderia ter o poder de dar uma representação positiva dos

elementos históricos presentes na cidade, mas, pelo contrário, apresenta, logo à entrada, um

descuido, ou despreocupação em proteger marcos de uma referência histórica mais recente,

ainda que na cidade, além de outras estratégias de preservação arquitectónica de diferentes

fases históricas, se queira, e bem, preservar elementos conotados à sua importância enquanto

capital do Algarve na época dos Descobrimentos. Desconhecemos a possibilidade de

reconhecimento da Estalagem como património, muito devido à sua actual configuração ou

«desfiguração», sendo sobretudo importante a requalificação desta zona da cidade, por aquilo

que a obra representa, como o próprio lugar exige, pela sua localização, no começo da

Avenida dos Descobrimentos e junto ao novo edifício da Câmara Municipal de Lagos.

Fig. 1_ Estalagem São Cristóvão, anos 50

Fonte: Autor

Fig. 2_ Hotel São Cristóvão, 2012

Fonte: Autor

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É do conhecimento geral que a propriedade do edifício tem vindo a ser adquirida por

diferentes entidades, sendo do desconhecimento comum o porquê da não-aprovação de

projectos que reavivem o edificado ou o próprio espaço em si, assim como é do

desconhecimento de todos e quiçá até dos proprietários, que algures naquele «emaranhado»

de volumes, localiza-se um dos primeiros, se não o primeiro projecto do Movimento Moderno

Internacional no Barlavento; talvez o primeiro protótipo de edifício hoteleiro destinado ao

tipo de turismo vigente no Algarve e o primeiro projecto do Arquitecto António Vicente de

Castro.

QUEM É ANTÓNIO VICENTE DE CASTRO? | 1.1.

Seguindo a escassa bibliografia em que este nome é referenciado, muito ainda em

função das recentes investigações; por exemplo, de Rui Mendes Paula, ou de outras

publicações que a ele ou dele sucederam, como as de José Manuel Fernandes, e não querendo

descriminar outros trabalhos ou nomes envolvidos na recuperação e valorização do

Fig.3_ Panorâmica da entrada da cidade de Lagos, 2014

Fonte: Fototeca Municipal Lagos, por Francisco Castelo

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património arquitectónico algarvio, é elementar a referência a três arquitectos que se

formaram nos finais da década de 40 na Escola de Belas Artes do Porto: Manuel Laginha,

Gomes da Costa e António Vicente de Castro, por via de uma orientação reaccionária a uma

arquitectura subjacente às ideologias do regime do Estado Novo que imperava sobretudo na

Escola de Belas Artes de Lisboa e gerava inconformismo numa geração de arquitectos que se

viria a notabilizar.

“Manuel Laginha, nascido em Loulé, 1919-1986, diplomado pela

EBAP, 1947, construiu na área de Loulé, Quarteira e Olhão, para além do

seu brilhante percurso profissional próprio, em Lisboa; Manuel Gomes da

Costa, natural de Vila Real de Santo António […] trabalhou em Tavira,

Olhão, Faro e Aljezur; e Vicente Castro, trabalhando em Portimão e Lagos

[…]”2 (Fernandes, 2005, p.99)

Este trio de autores daria às suas respectivas cidades onde se estabeleceram ou de

onde eram naturais, os primeiros e qualificados exemplos da chamada Arquitectura Moderna

do Movimento Internacional, da arquitectura do pós-guerra construídos no Algarve.

Seguindo a mesma ordem de

ideias, António Vicente de Castro nasceu

em Lisboa a 17 de Outubro de 1920, no

seio familiar viveu a sua infância e

juventude em Lagos e é também em Lagos

onde é impossível passar sem avistar o

degradado edifício do antigo Hotel São

Cristóvão. Para a generalidade dos

visitantes pode ser descrito como um

avultado aglomerado de volumes rebocados

de branco, repetindo sombrias varandas. Esta imagem mantém-se assim há tanto tempo, que

para a maioria dos residentes nas redondezas, a fugaz e «desprezável descrição» pode também

ser a mesma. São os que atravessaram a geração de 1960 que recordam o ainda identificável

embrião original que implodiu naquele amontoado de construção; era uma estalagem, que em

conjunto com uma bomba de gasolina adjacente completava o Posto Rodoviário de Lagos,

2 Fernandes, J. M; Janeiro, A. (2005) Arquitectura no Algarve: dos primórdios à actualidade, uma leitura de

síntese: [s.l.]: Faro: Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Algarve, p.99.

Fig. 4_ Hotel São Cristóvão, 2014

Fonte: Fototeca Municipal Lagos, por Francisco Castelo

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este “[…] constitui o trabalho final de curso para a defesa de tese e obtenção do diploma de

arquitecto do seu autor, o arquitecto António Vicente de Castro, que obteve, na Escola de

Belas Artes do Porto, em 1955, a nota final de 19 valores.” 3

(Castro, 2009)

NOTAS BIOGRÁFICAS DO | 1.1.1.

ARQUITECTO ANTÓNIO VICENTE CASTRO4

Fundamentando-nos nos textos de José Manuel Fernandes, presentes na exposição

“António Vicente de Castro / Arquitectos da Geração Moderna” de 2004, dedicada a este

autor, em Portimão, aos quais acrescentamos algumas observações, verificamos que António

Vicente de Castro, imbuído de uma atitude de resistência política que articulava com os

ditames do Movimento Moderno no campo da arquitectura e do urbanismo, manifestou-se de

forma coerente e de modo intenso no campo político da esquerda e da luta anti estatal,

militando o MUDJ (Movimento de Unidade Democrática Juvenil), tendo até sido preso pela

PIDE em 1947, e impedido, alguns anos depois, de frequentar a Escola de Belas Artes de

Lisboa, interrompendo a sua frequência ao curso de Arquitectura, por se ter manifestado em

defesa de “atitudes indignas”5 por parte de outros alunos. Discípulo de Carlos Ramos acabaria

por formar-se em Arquitectura pela Escola de Belas Artes do Porto em 1955, apresentando

como tese final, o projecto para o Posto Rodoviário de Lagos – Estalagem São Cristóvão.

Radicou-se em Portimão a partir de 1956, onde estabeleceu o seu gabinete de arquitectura de

onde saíram mais de uma centena de projectos da sua autoria, revelando uma intensa

actividade profissional que prolongou por mais de quatro décadas. Manteve também uma

consciência cívica e politica que o levou a participar em diversas acções, como a campanha

eleitoral para as “eleições legislativas” de 1969, em Portimão ou no “3º Congresso de

Oposição de Democrática em Aveiro”, em 1973, além de ter desenvolvido uma actividade

crítica, evidente nos vários artigos publicados na imprensa no âmbito da arquitectura,

3 Castro, Luisa G. (2009). Arquitectura modernista no Algarve: a propósito dos «barracões» que envolvem a

nova câmara de Lagos. Jornal Barlavento.[Versão Electrónica], em 27 de Setembro, 2012. de

_www.barlavento.pt/index.php/noticia?id=35167 4 Com base nas colunas para a exposição: António Vicente de Castro / Arquitectos da Geração moderna, (2004)

Portimão, [Desdobravel da exposição, coord. Pedro Reis e Luisa Castro, texto por José Manuel Fernandes arq.] 5 Diversos alunos foram interrogados acerca de actos considerados ilícitos por membros do corpo pedagógico da

EBAL, actos que Vicente de Castro defendeu ao ser interrogado, o que lhe valeu um processo de expulsão da

Escola; Ver Processo Judicial, em: (1952-1953), "Processo de Rui Loureiro Cochofel e António Vicente de

Castro", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_149119 (2014-4-2)

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planeamento e turismo. António Vicente de Castro faleceu em Lisboa a 26 de Novembro de

2002, aos 82 anos, deixando um conjunto de obras arquitectónicas notáveis no contexto

algarvio.

O seu legado arquitectónico caracteriza-se por edificações integradas num urbanismo que

privilegiava as construções isoladas, bem expostas ao sol e integradas em espaços verdes, com

circulação rodoviária separada do trânsito pedonal; edifícios em formas simples geométricas,

com elementos modulados, erguidos com recurso ao betão, ao aço e ao vidro. Nos projectos,

Vicente de Castro demonstra uma clara e nítida tendência decorativa e de policromia, pela

utilização de materiais de revestimento com cores e texturas, criando contrastes cromáticos

intensos e vibrantes com recurso à cerâmica de vidrado colorido, à aplicação de cores em

grelhas de cimento, ou à simples utilização de rebocos pintados. “[…] Esta tendência

decorativa, embora relativamente corrente nas obras desta época pelo país fora, poderá

eventualmente filiar-se numa tradição anterior, já enraizada no algarve, que identificamos

igualmente nas garridas cimalhas e platibandas oitocentistas, à qual Vicente de Castro deu

uma dimensão renovada e moderna.” 6 (Fernandes, 2005, p. 105)

6 Fernandes, J. M; Janeiro, A. (2005) Arquitectura no Algarve: dos primórdios à actualidade, uma leitura de

síntese: [s.l.]: Faro: Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Algarve, p.105.

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Fig. 5_ Digitalização de um esboço do autor: Vicente Castro e a sua transposição de elementos da arquitectura tradicional algarvia para as suas vanguardistas construções. Fonte: Autor.

Fonte: Autor

“Vicente de Castro demonstra o pendor pela utilização, nos edifícios de

habitação colectiva, das varandas ‘em caixa’, formando conjuntos de prismas

paralelepipédicos, salientes na fachada, com acentuação do efeito claro – escuro

desta dos contrastes de sombra-luz e da marcação do cheio-vazio.

Esta ‘teoria dos avarandados’, que poderemos talvez filiar na

arquitectura latino-americana e brasileira do pós-guerra, na sua procura de

formas de controlo climático e térmico na habitação colectiva, dentro da

influência ‘corbusiana’, contém normalmente três tipos de elementos: a varanda

propriamente dita, saliente da fachada cerca de 1 metro protegida com pano de

peito em alvenaria; as grelhas de blocos industriais modulados, ocultando ou

sombreando parte do espaço avarandado; e as “vigas soltas”, de desenho

horizontal, em betão, funcionando como ‘quebra-sol’ ou ‘brise-soleil’ na parte

superior do vão, e também como linha de modulação da geometria de cada ‘caixa’

de varanda; Vicente de Castro utiliza as características ‘formas livres’, próprias

do design desta época, com claro sentido gráfico, que Nuno Teotónio Pereira

caricaturava designando-as como formas de ‘sofisma’, como por exemplo as

superfícies curvas irregulares, desenhando vazios em tectos falsos de átrios de

edifícios, ou marcando em incisão as fachadas dos edifícios, com recurso à cor.

No conjunto dos seus projectos e obras, Vicente de Castro induz um

sentido de ‘obra total’, como atitude base da concepção, procurando tudo

controlar e tornar coerente, intentando um ‘desenhar global’, que vai desde as

linhas gerais do edificado até ao pormenor do mobiliário e os elementos ‘soltos’

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Fig. 6 Perspectiva à mão da Casa Nunes, Lagos (1958); Autor: Arquitecto António Vicente de Castro.

Fonte: Luísa Castro

da composição. Esta é uma atitude que confirma a pertença clara de Vicente de

Castro à geração moderna.” 7

(Fernandes, 2005, p.105)

7 Fernandes, J. M; Janeiro, A. (2005). Arquitectura no Algarve: dos primórdios à actualidade, uma leitura de

síntese; [s.l.] Faro: Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Algarve, p.105.

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QUESTÕES E OBJECTIVOS | 1.2.

Tendo em conta o projecto de ampliação de hotel que fora feito e que aqui é

debatido, é evidente o desafio em que se torna esta dissertação, visto que essa intervenção

representou um acréscimo de sete vezes o número de quartos pré-existentes na Estalagem,

tendo em conta a proporção de programa que isso implica. O tema principal passa por

questionar:

- Se será possível uma ampliação idêntica, sem no entanto descaracterizar os

elementos que qualificam a Estalagem São Cristóvão?

- Que importância tem a Estalagem São Cristóvão ao ponto de se querer preservar a

sua imagem?

- Que atitude na metodologia de projecto funcionaria melhor perante a prevalência

estética da preexistência? Analogia ou Contraste?

- Que características no projecto beneficiariam a sua integração na cidade e seriam

sustentáveis do ponto de vista do uso do equipamento?

Com a concretização da dissertação pretende-se abranger conhecimentos e

competências adquiridas durante a formação académica através da realização de pesquisa,

análise e execução de projecto.

No plano de conteúdos pretende-se com esta dissertação, uma divulgação e

valorização do legado do Arquitecto António Vicente, contribuindo para o seu

reconhecimento e protecção da sua «herança». De outra forma, fica demonstrada a intenção

de proteger a Estalagem São Cristóvão através de diferentes possibilidades de projecto que

demonstrem a sua possível coexistência com projectos futuros de programas similares ao

existente, confrontando-os, sobretudo, pela sua relação de linguagem ou composição

arquitectónica com a pré-existência. Há ainda a intenção de criar e dinamizar uma zona

importante na cidade de Lagos, com um projecto consciente do contexto local.

Pretende-se ainda, compreender na generalidade, de que forma a arquitectura

contemporânea se pode relacionar com pré-existências arquitectónicas, encontrando o seu

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lugar como solução para necessidade actuais, respeitando e recuperando a dignidade de

elementos que marcam a identidade da história e do lugar.

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METODOLOGIA | 1.3.

Num primeiro plano, foi elementar a análise que reflectirá a necessidade de

prevalência da Estalagem no contexto do projecto proposto, visto que na primeira parte da

introdução, se reforçaram alguns aspectos da personalidade e da obra de Vicente Castro. É

importante salientar o que representa este arquitecto e a sua obra no contexto da época,

fazendo referência à mudança a que o ensino da arquitectura se sujeitou em Portugal, dando

origem a uma geração onde se insere este autor; assim como realizámos uma análise sobre o

panorama do turismo Português aquando da época da construção da Estalagem. Procuramos

elementos de referência para o propósito da sua construção, do ponto de vista regional e local,

de modo a revigorar características que a diferencia das demais, e determinámos quais os

elementos singulares da Estalagem São Cristóvão, nos anos 50, assim como do autor e o que

ambos representam.

Consequentemente, serão abordados os momentos de transição no panorama

demográfico Algarvio nos anos subsequentes com fortes implicações na morfologia da cidade

de Lagos, tendo impacto significativo na irrelevância que o projecto da Estalagem passou a

compreender desde então, justificando assim a sua ampliação, sobre a qual reflectimos,

analisando as suas diferentes metodologias de projecto.

A problemática essencial presente nesta dissertação surge a partir da crítica

generalizada que é feita à construção existente do Hotel São Cristóvão; é esse momento de

transformação da Estalagem para o Hotel que suscita o desafio e o que nos levou a considerar

os dois projectos existentes, que se debruçaram sobre este mesmo momento. Assim, os casos

de estudo são: o projecto de ampliação de 1959, por parte do Arquitecto José Albuquerque

Veloso; e o projecto de 1969, correspondente ao edifício existente da autoria do Arquitecto

Francisco Azancot Keri.

Na prática de projecto, será realizado um ensaio, com o objectivo de atingir um

programa similar ao existente, tendo como referência os Casos de Estudo debruçando-nos

sobre o que neles há a retirar para um exercício de projecto mais apelativo às questões aqui

transcritas.

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CRONOLOGIA | 1.4.

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CAPÍTULO II

ESTALAGEM SÃO CRISTÓVÃO | 02

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UM POSTO RODOVIÁRIO NO ALGARVE | 2.1.

O Algarve incorpora uma individualidade ímpar no panorama nacional. Já desde a

existência da própria nação que é possível dividir o país pela fronteira do Algarve antes de

qualquer outro fraccionamento em Portugal continental. Lembrar mesmo que, embora apenas

como título honorífico e sem privilégios nem autonomia; desde a reconquista da região em

1248 até à queda da Monarquia em 1910, o nome do país permaneceu como “Reino de

Portugal e dos Algarves”. De notar que o nome no plural devesse ao acréscimo dos territórios

ultramarinos pertencentes após o século XV. São muitos os factores que contribuem para a

individualidade da região: geográficos, climatéricos, económicos e culturais; são tudo factores

que a personalizam em relação ao restante país. A extensão da foz do Tejo a acumular à longa

planície alentejana fortaleciam a imagem de «ilha do Algarve», pois até ao aparecimento das

linhas ferroviárias até sul, coincidindo ou não, o Algarve permaneceu intitulado como um

Reino à parte8.

A «ilha do Algarve» é uma imagem factual para as gentes que até lá viajavam,

vindas, sobretudo, da capital. Imaginemo-nos num século XIX, sem estradas, pontes, ou linha

férrea. As viagens até ao Algarve eram aram assim vulgares por via marítima; era esta, que

além de estreitar a viagem, permitia às gentes acima do tejo, usufruir de alguns recursos

existentes na região: o sal e os frutos secos, por exemplo.

As viagens até ao Algarve são facilitadas a partir de 1889, com a conclusão da via-

férrea até Faro, ainda assim, dependentes da travessia marítima no rio Tejo que ainda haveria

de se adiar até final do século XX, com a inclusão da linha férrea na ponte 25 de Abril. À

parte do comboio, as idas por terra ao Algarve eram aventuras individuais, por uma única

«estrada», feitas a cavalo e sobretudo de Verão, quando baixava o leito da ribeira do Roxo

entre Aljustrel e Ervidel, percorrendo longas paisagens quase desertas até atravessar a

longitudinal Serra do Caldeirão. Em 1922, a viagem de comboio é possível até Lagos com a

conclusão da ponte sobre o Rio Arade entre Portimão e o Parchal. A ligação às restantes vilas

no interior, era então feita a partir de carros de tração animal que, a partir de 1927,

motorizaram-se, transformando-se nas primeiras «toscas camionetas» improvisadas para a

8 As linhas de caminho de ferro até ao Algarve surgem entre 1889 e 1922, embora não estando directamente

relacionada, a instauração da República surge no mesmo período, 1910, modificando o nome da Nação de Reino

de Portugal e dos Algarves para República de Portugal.

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função; caminhos e transportes esses, possíveis de imaginar pela expressão do Poeta Teixeira

de Pascoais, de 1926: “Uma estrada em Portugal! Oh que tragédia em solavancos e

barrancos! Quem quiser conhecer Portugal político e administrativo, meta-se num

automóvel, depois de implorar a protecção dos Deuses Imortais!” 9. Estas «novas máquinas»

eram propriedade de meia dúzia de aventureiros que vinham a enriquecer com o transporte de

pessoas dos grandes centros Algarvios para as comunidades mais próximas, limitadas a um

alcance regional, em pequenos raios de acção, de 20 a 50 Km. Até aos anos 50, ainda nem

havia pontes, nem sequer estradas alcatroadas ao longo dos caminhos inter-regionais, o que, a

juntar às capacidades de locomoção destes automóveis, faz-nos perceptíveis essas limitações.

Como exemplo de outras grandes cidades costeiras, por onde passava o comboio, os

transiundos chegavam a Lagos e, para chegar a Sagres, Aljezur ou Odemira, teriam de

procurar alternativas. É neste sentido que se desenvolve o negócio dos transportes no Algarve.

O cansaço das viagens e a dependência de combustível das viaturas seriam também

oportunidades de negócio, como foi para Hermano do Nascimento Baptista10

, proprietário do

Posto Rodoviário de Lagos, encomendado ao então jovem estudante de arquitectura, António

Vicente de Castro, em 1952.

ESTALAGEM SÃO CRISTÓVÃO, 1952 | 2.1.1.

Que melhor denominação para um abrigo de automobilistas e viajantes, que São

Cristóvão, o nome do Santo protector dos mesmos? Denominado assim pelo empreendedor

lacobrigense Hermano Baptista, também ele “camionista de passageiros”, segundo a

denominação do ofício na época. Pretendia ele, um tipo de construção de apoio automobilista

que fosse suficientemente prestável às necessidades da época; num terreno proveitoso para o

efeito, no cruzamento entre as estradas: Lagos-Lisboa, Lagos-Portimão e Lagos-Sagres;

encomenda feita ao jovem António Vicente Castro. O programa executado, empreendia um

edifício sobradado, numa área de implantação de 220m2, com um piso térreo, dividido entre

9 Teixeira, Pascoais (1877-1952), Verbo Escuro – A beira um Relâmpago, 1966 in Guerreiro A.C., História da

Camionagem Algarvia (De Passageiros) 1925- 1975, Litografia do Sul, S.A.R.L. Vila Real de Santo António.

1983, p.15. 10

Hermano do Nascimento Baptista; (1907 – 2000) Empresário Lacobrigense, foi também camionista e

notabilizou-se como empresário hoteleiro e sobretudo como cozinheiro, recebeu em 2002 a Medalha de Mérito

pela Câmara Municipal de Lagos.

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um refeitório, uma loja de acessórios para automóvel, instalações sanitárias e a respectiva

zona de serviço, que incluía um quarto com casa-de-banho privativa e uma cozinha. O piso

sobradado é composto por 5 quartos e 2 instalações sanitárias, com acesso através de uma

escada interior em «U», ou directamente pelo exterior por uma varanda ligada a uma escada

suspensa em «L».

A composição é definida na fachada principal pelo corpo sólido branco e

paralelepipédico dos avarandados dos quartos, coroado por uma linha de respiradouros

circulares, fazendo lembrar as janelas dos cascos nas embarcações; sobre um embasamento

que cruzava múltiplos elementos, desde as diferentes larguras de vãos, encimados por linhas

de grelhas metálicas, aos planos de parede revestidos pelos diferentes tipos de azulejo, desde a

«pastilha», passando pelas quadrículas de medida média, até à pedra rústica, uma «descarga

expressionista», demonstrativa das capacidades técnicas dos materiais. Uma segunda divisão

é feita por um plano transversal que divide este conjunto sobradado das zonas de serviço,

fechadas por uma arquitectura tradicional de paredes em reboco branco e cobertura em

beirado, de duas águas.

Este primeiro projecto, embora não executado, denuncia o traço genuíno e expressivo

de Vicente de Castro. Entre as linhas rectas surgem também as sinuosas linhas da vegetação e

das silhuetas humanas. Noutra análise, é evidenciada, através de alguns pormenores

construtivos, a ventilação natural pelos elementos no topo de cada piso, ou as diferentes

cenografias orientadas pelos diferentes planos de parede, nalguns casos, «perfurados». De

Fig. 7_Piso 0; Reprodução do autor, Estalagem São Cristóvão, 1952.

Fonte: Autor

Fig. 8_ Piso 1; Reprodução do autor, Estalagem São Cristóvão, 1952.

Fonte: Autor 5m 0

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uma forma geral; este inovador projecto tem muito de original, a começar por uma

implantação longe dos limites da propriedade e «próxima» da unidade habitacional, defendida

pelos mestres Modernistas, além dos diferentes «jogos» de planos e volumes interceptados.

Deduzindo pelo desenho, Vicente de Castro manifesta aqui, também, algumas intenções e

características próprias: quanto às intenções, começa por demonstrar o propósito para o qual o

objecto foi construído; isso evidencia-se pela opção do arquitecto em não voltar o alçado

principal, onde se realçam os vãos dos quartos, para Sul, mas sim para a bomba de

abastecimento no enfiamento da vista para o reflexo do sol nas águas da baía de Lagos. Da

mesma forma, a separação, transposta no exterior entre a fachada principal e a zona de

serviços, antecipa a possibilidade de ampliação do edifício, pelas evidentes diferenças de

ornamentação entre os dois. Quanto às características próprias, é de salientar a forma como

Castro cruza constituintes de uma arquitectura tradicional com novos materiais e elementos de

uma arquitectura nova.

É este primeiro projecto que nos abre a perspectiva para as várias temáticas a abordar

no percurso deste capítulo. É acima de tudo, um projecto de vanguarda; é icónico na obra de

um Arquitecto de referência local; é simbólico de um estilo original que transforma

características de elementos de linguagem arquitectónica local em algo inovador; é referência

para uma nova tipologia arquitectónica que proliferou pela região, acompanhando a economia

que hoje a caracteriza.

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Fig. 09_ Perspectiva à mão do Projecto para o Posto Rodoviário de Lagos, 1952; Autor: Vicente Castro

Fonte: Arquivo Municipal de Lagos

Fig. 10_ Planta de Implantação do Projecto para o Posto Rodoviário de Lagos, 1952; Autor: Vicente Castro

Fonte: Arquivo Municipal de Lagos

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A INSURGÊNCIA DA ARQUITECTURA DO MOVIMENTO MODERNO EM

PORTUGAL | 2.2.

“ […] a arquitectura é uma arte social intimamente ligada à vida das pessoas que

serve, não é um exercício académico em ornamentação aplicada.” Richards J.M.

O MOVIMENTO MODERNO NA ARQUITECTURA | 2.2.1.

O Movimento Moderno na Arquitectura teve a sua génese ao longo da década de

1920, mas só se viria a afirmar depois da II Guerra Mundial. Advém do espírito vanguardista

da civilização no final do século XIX, manifestado através das artes e nas inovações

tecnológicas. A procura da verticalidade nas superpovoadas cidades americanas do final do

século XIX, aliada à crescente industrialização do aço procurado para as novas estruturas

verticais, o desafio para o desenho para essas novas fachadas; o fascínio pelo automóvel

revelado pelo Manifesto Futurista de 1909, em Itália, onde Marinetti expressa “Um

Automóvel de corrida… é mais belo do que a Vitória de Samotrácia”, e Sant’Elia ilustra,

como numa premonição, cidades gigantes, rasgadas por vias automóveis, cheias de

movimento, uma arquitectura em favor de um novo modo construtivo, despojado de arrojo,

com uma identidade simples apoiada por materiais modernos como o betão, o vidro e o aço,

em detrimento do historicismo e da ornamentação prevalecentes na Europa. O movimento De

Stijl, fundado por Theo van Doesburg em 1917, nos Países Baixos, inspirado no exercício de

«geometria espiritual» de Piet Mondrian que «desmaterializava» os objectos das suas pinturas

até alcançar elementos básicos, como linhas negras horizontais e verticais, preenchidas a

branco ou por cores primárias; ou inspirados pela arquitectura de composições tridimensionais

que Frank Lloyd Wright praticava na América, através da intersecção de planos que geravam

espaços interiores fluidos, amplas varandas e coberturas em balanço, um exercício assimilado

pelos restantes membros do Movimento, como Gerrit Rietveld, através da sua Cadeira

Vermelha e Azul (1917-18) ou da Casa Schrönder (1924), objectos mais mediáticos que serão

difundidos pelo fundador do grupo, Doesburg enquanto docente na Bauhaus, a partir de 1921.

Fundada na Alemanha em 1919 por Walter Gropius, a Bauhaus era uma escola que pretendia

unir a expressão artística individual aos novos materiais e à máquina industrial, permitindo

assim a standardização dos diferentes modelos de objectos domésticos, além de um diferente

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processamento nos modos de pensar o espaço arquitectónico e o design de equipamentos, com

significante impacto na qualidade das habitações; principal legado que a Bauhaus deixou sob

direcção de Gropius, bem como outros directores que o sucederam, como Hannes Meyer e

Ludwig Mies van der Rohe. Toda esta sucessão de vanguardas seriam fonte de influência para

o designado Internacional Style, descrição da arquitectura modernista das décadas de 20 e 30,

altura em que o trabalho de arquitectos como Mies van der Rohe, Walter Gropius e Le

Corbusier foi exposto em Nova Iorque, em 1932. A arquitectura em planta livre e a estética

funcionalista tornaram-se extremamente influentes, e pareciam resumir as ideias dos

arquitectos e artistas até aqui descritos. O Movimento serviu-se dos novos materiais e

incorporou novos sistemas e foi de tal forma importante, que ainda hoje são o «molde» de

desenvolvimento na «paleta» das diferentes ciências, técnicas e métodos da construção actual.

A PRIMEIRA GERAÇÃO MODERNA PORTUGUESA | 2.2.2.

De acordo com Hugo Nazareth Fernandes, e tendo em conta a referência que os

nomes têm ainda hoje no ensino da História da Arte e da Literatura em Portugal, podemos

datar o aparecimento da modernidade em Portugal, através das publicações do movimento

Orpheu, entre 1914-15; onde surge um espírito artístico, sobretudo literário, reaccionário às

sucessivas demonstrações de «pequenez» por parte do poder vigente11

, “subjugado às

potências Europeias que se industrializavam demasiado depressa para um país

maioritariamente rural;[…] deste contexto artístico de modernidade portuguesa surgem três

nomes pioneiros de um pensamento crítico, nacionalista e moderno: Almada Negreiros,

Fernando Pessoa e António Ferro.” (Cerqueira, 2009, pp. 98-99)12

Na Arquitectura, o grande impulsionador terá sido a introdução do ferro nas

construções, importante no desenvolvimento de equipamentos, nomeadamente pontes e

caminhos-de-ferro, a partir de 1860. Ao longo das décadas seguintes, assiste-se a uma

assimilação da linguagem do ferro no meio urbano que, a partir do início da década de 1920,

irá conjugar com o betão armado.

11

O Ultimato Inglês ao “Mapa Cor de Rosa” Português, na Conferência de Berlim, em 1886, onde se reuniram

as potências europeias pela divisão das suas possessões no Continente Africano. 12

Cerqueira, Hugo. António Varela e o Legado do Invisível, Composição, Traçado e Simbólica de um à sombra

de gigantes (1930-1940); Dissertação de Doutoramento em Urbanismo; ULHT, 2009, Lisboa, pp. 98-99.

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O Movimento tem as suas primeiras manifestações a partir de 1925, com o Capitólio

de Luís Cristino da Silva, ou o Pavilhão da Rádio do Instituto de Oncologia de Carlos Ramos,

em 1927. Além de outros nomes, pretendemos destacar estes dois, por serem «tutores» de um

antagonismo que iria marcar uma futura geração de arquitectos portugueses. Esta “primeira

geração moderna”13

marca a ruptura com as tradições, através de formas puras, longe da

ornamentação que o academismo vigente defendia. É um estilo moderno, um cenário

oportuno que iria permitir à ditadura do Estado Novo, implantada em 1933, uma renovação

simbólica, assente em novos valores formais, de vanguarda, um «show-off» de atitude de

ruptura com o passado, seria uma ferramenta de afirmação do poder estatal e uma afirmação

do estatuto profissional para os arquitectos que, através dos novos equipamentos públicos, se

expressavam assumindo o «pesado betão-armado» numa demonstração de monumentalidade.

O DILEMA ENTRE O MODERNISMO PORTUGUÊS E A ARQUITECTURA DO

MOVIMENTO MODERNO | 2.2.3.

Na realidade, a geração pioneira do Modernismo Literário e a geração desta nova

Arquitectura Moderna entravam no paradoxal conflito de ideais; a literária porque defendia

valores nacionalistas, num saudosismo sebastiânico. Já esta primeira geração de arquitectos

manifestava tendências internacionalistas, fora do contexto tradicional; antagonismo que

tornou “efémero” o ciclo modernista destes arquitectos, cujo internacionalismo se mostrava

incompatível com o crescente nacionalismo, que passara a fazer parte do discurso de Salazar,

Duarte Pacheco e o mesmo António Ferro, antigo director da Revista Orpheu, agora

Secretariado de Propaganda Nacional (SPN); bastante evidente no manifesto ao

«portuguesismo» que foi “A exposição do Mundo Português, de 1940”.

Para compreender este dilema de ideologias, é preciso entender o paradigma da

civilização europeia desde o final da I Guerra Mundial. As crises e ameaças sucessivas14

que

13

Desta primeira geração moderna na Arquitectura, destacam-se, segundo a maioria dos bibliografia consultada:

Luis Cristino da Silva (1896-1976), Carlos Ramos (1897-1957), Pardal Monteiro (1897-1969), Cottinelli Telmo

(1897-1948), Jorge Segurado (1898-1990), Rogério de Azevedo (1898-1983), Paulino Montez (1897-1988),

Cassiano Branco (1897-1969), e Gonçalo de Mello Breyner (1896-1947), entre outros. Veja-se a este respeito

Portas, Nuno, A evolução da arquitectura moderna em Portugal, in ZEVI, Bruno, História da Arquitectura

Moderna, 2° vol., Lisboa, ed. Arcádia, 1970, p.707. 14

A Revolução Bolchevique (1917) e a ameaça Comunista; a Repressão e Austeridade imposta no Tratado de

Versalhes (1919) às denominadas Potencias Centrais, derrotadas na I Guerra Mundial, coligação constituída

pela: Alemanha, Império Austro-húngaro, Império Otomano e Bulgária; O Crash económico (1929)…

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dela advêm, emergiam um espírito «romântico» de nacionalismo na procura dos seus

respectivos heróis do passado, sejam eles míticos ou não, prática comum em tempos de crise.

Se em Itália, no primeiro regime fascista, Mussolini evocava o Imperador Romano Júlio

César; na Alemanha, Hitler evocava Bismark, Carlos Magno ou até o mítico Deus Thor15

.

Estas alusões ao passado levaram, por exemplo, ao encerramento e emigração da Bauhaus em

1933, quando Hitler e o partido Nazi tomaram o poder, por ser considerada demasiado radical

com o nacionalismo alemão; ideais tradicionalistas que, tal como em outras nações eram

também alentados pela ameaça Comunista que, por seu lado, como acontecia na recente

República Soviética, desde 1917, erradicava quaisquer referências com o passado.

Em Portugal, oportunamente «apareciam Santos nas árvores»16

, A República tardava

a laicização do estado. E na II revolução Republicana de 1926, destacavam-se os membros

defensores do catolicismo, entre eles, António Oliveira Salazar, que seguiria o mesmo rumo

conservador das nações fascistas mais representativas na Europa, onde ainda vigorava a

monarquia. Salazar, Primeiro-Ministro em 1932, procura impor uma filosofia assente nos

valores da moral e dos bons costumes e vai desenvolvendo os mecanismos necessários para

impor a todos os sectores da sociedade, e ainda que, no princípio, tenha creditado uma

primeira geração de edifícios com um estilo modernista, como referimos, vai agora criando

um completo isolamento em relação ao exterior, complementado por uma ideia «ficcionada»

da realidade portuguesa que começa a ser imposta a partir de 1933 pelo SPN António Ferro, a

todos os níveis. No campo da cultura, o SPN controlava os salões de pintura, os prémios

literários, as exposições coloniais e os pavilhões nas exposições internacionais, como foi a

Grande Exposição do Mundo Português de 1940, esta em plena II Guerra Mundial e

culminante nas intenções da política do Estado Novo.

É então pela política cultural nacionalista de António Ferro que se impõe na

arquitectura, a imagem ficcionada de um estilo português que terá marcas no ensino da

arquitectura a partir dos anos 40, enraizadas pelos textos de Raul Lino sobre a arquitectura

portuguesa, como por exemplo o livro “Casas Portuguesas” de 1933, cujos desenhos serviram

de modelo para a arquitectura doméstica, como por exemplo, Cassiano Branco concretizou, a

partir de 1940, no “Portugal dos Pequeninos”17

, em Coimbra.

15

Deus da mitologia Nórdica idolatrado pelas povoações germânicas, sobretudo durante a ocupação no Império

Romano. 16

Aparições de Nossa Senhora de Fátima, por cima de uma azinheira, 1917. 17

Se Cassiano Branco a vem a desenhar e a sistematizar por encomenda, é, na verdade, Raul Lino o seu

ideólogo, o mentor teórico desta visão estilizada, da arquitectura popular. Bandeirinha, J., Quinas Vivas (pág.

58).

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O ENSINO DA ARQUITECTURA NOS ANOS 40 | 2.2.4.

Vicente de Castro, como toda uma geração de arquitectos introdutora da «Segunda

Vaga» Modernista em Portugal, atravessou o crucial momento de antagonismo entre dois

«novos» estilos germinados no ensino da Arquitectura a partir dos anos 40, um enraizado na

tradição e numa imagem nacionalista, o outro, assente na globalização, numa imagem «livre»

de condicionalismos.

À cabeça deste antagonismo, estarão duas Escolas «encaminhadas» por dois

Arquitectos que haviam sido pioneiros e introdutores da Arquitectura Modernista,

pertencentes à denominada “Primeira Geração Modernista”18

dos anos 20; falamos da Escola

de Belas Artes de Lisboa (EBAL), encabeçada por Cristino da Silva, e da Escola de Belas

Artes do Porto (EBAP), onde se destaca o nome de Carlos Ramos.

Num período em que os Arquitectos se expressam transigentes aos padrões exigidos

pelo Estado Novo, o Arquitecto Carlos Ramos aponta o ensino como causa das limitações da

sua geração e instrumento de impulso para a transformação da mesma, considera que o ensino

privilegia erradamente a reprodução de cópias de fachadas históricas, em detrimento dos

aspectos mais técnicos e científicos da profissão. Em 1933, participa no concurso para

professor da 4ª cadeira de arquitectura na Escola de Belas Artes de Lisboa, mas acaba por

perder, para Cristino da Silva, que oferece garantias de uma maior identidade com os valores

do passado.

Derrotado, mas persistente contra o ensino obsoleto da arquitectura no momento,

Ramos transforma o seu próprio atelier, ao estilo de Walter Gropius, numa escola prática para

as novas gerações de arquitectos, por onde passaram novas gerações que com ele convivem,

trabalham e aprendem, dando o exemplo de Keil do Amaral, Dário Viana, Raul Torjal ou

Nuno Teotónio Pereira, entre muitos outros. Procura conciliar a noção de modernismo e

nacionalismo com a finalidade de ultrapassar o momentâneo antagonismo entre as duas. “Se

nacionalismo é o conhecimento exacto ao lugar em que veio a este mundo e o modernismo o

estado de consciência proveniente do conhecimento exacto da hora em que a pessoa viu a luz

do dia, não só existe contradição entre eles, como podem mesmo ser complementares.”19

18

Portas, Nuno, A evolução da arquitectura moderna em Portugal, in Zevi, Bruno, História da Arquitectura

Moderna, 2° vol., Lisboa, ed. Arcádia, 1970, p.707 19 Ramos, Carlos, Algumas palavras e o seu verdadeiro significado” Sudeste, n.º3, 1935. In Tostões, Ana (2004).

Arquitectura Moderna Portuguesa 1920-1970; Lisboa: Instituto Português do Património Arquitectónico, p.51.

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Critica o predomínio da disciplina de desenho e considera que o ensino deve ser

simultaneamente teórico e prático, associando as lições na escola à prática em ateliers e

oficinas, metodologia que coloca em prática a partir de 1940, quando assume funções de

professor interino na 4.ª cadeira de arquitectura da Escola de Belas Artes do Porto,

transformando-a, assim, nos anos seguintes, num microcosmos longe das ideologias impostas

pelo Estado Novo, promovendo, com isso, atractividade para muitos dos alunos da Escola de

Lisboa, como foi o caso de Vicente Castro.

Por influência de Gropius, Ramos activa uma metodologia sustentada nos problemas

urbanísticos da cidade do Porto, resultando daí, exercícios académicos relacionados com a

realidade social e cultural ao serviço da comunidade inserida; é através dele, também, que

chega às mãos dos alunos e colegas professores, uma série de fontes bibliográficas

relacionadas com a genologia do Movimento Moderno e a definição dos seus princípios

éticos, formais e conceptuais, de onde se destacam os vários ensaios de Le Corbusier, ou as

várias publicações britânicas como o Building, The Architects’s Journal e Architectural

Review, a norte-americana Architectural Record, a Studio International e as Brasileiras Brasíl

Constrói, Brasil Moderno e Habitat - Revista de Artes do Brasil.

Paralelamente e, desta forma, mais relacionado ainda com o Projecto da Estalagem de

Vicente Castro, fomenta um permanente intercâmbio com organismos nacionais e locais

permitindo à Escola avançar com projectos que extravasam os seus próprios limites, chegando

a diferentes áreas do país; aliando, também, a forma de aproximar ainda mais a Escola da

realidade surgem os projectos CODA (Concurso para Obtenção do Diploma de Arquitecto),

que ultrapassam o conceito escrito da importância do projecto, valorizando a reflexão teórica,

a visão histórica e a consciência político-social do arquitecto; concurso este, de onde resulta o

projecto para um Posto Rodoviário de Lagos, em 1955.

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OS PROGRAMAS DE DESENVOLVIMENTO TURISTICO DO ESTADO NOVO EM

PORTUGAL | 2.3.

A Estalagem São Cristóvão é um projecto assente e criado nos ideais da EBAP como

vimos, mas é também fruto da realidade turística que o Estado Novo fazia crer desde a sua

instauração.

O fenómeno turístico em Portugal começa a ser desenvolvido num conceito de

crescente procura interna; isto explica-se por dois fortes motivos: o isolamento da Europa por

uma Espanha em Guerra Civil de 1936 a 1939, sucedendo-a, de 1939 a 1941 uma Segunda

Guerra Mundial; e claro, uma incessante política de propaganda nacionalista do Estado Novo

ainda recém-constituído, em 1933. Institucionalizado por António Ferro (SNP), que

incorporava, além de outras, como vimos, a área do turismo, formalizou-se um

desenvolvimento sustentado num forte investimento público no planeamento do território

nacional, com implementação, em 1934, dos Planos Gerais de Urbanização, e na criação de

novos equipamentos turísticos, com anúncio, em 1939, do lançamento das Pousadas de

Portugal, avançando assim com um novo tipo de estrutura hoteleira. Sem esquecer as futuras

medidas de férias pagas para incentivar a classe trabalhadora, em 1937. Os dois grandes

projectos de planeamento territorial tinham implícitas a ideia de divulgação de uma

Arquitectura Portuguesa, e um carácter nacionalista, traduzidos na defesa da moradia

unifamiliar, com jardim, e da manipulação de certos elementos formais restritos às ideias de

propaganda nacional, com os valores primordiais da terra e da tradição portuguesas.

ANTECEDENTES | 2.3.1.

O turismo em Portugal terá tido a sua génese em meados do séc. XIX, com a

afluência à ilha da Madeira, pelo seu reconhecimento médico internacional como Sanatorium

Natural para a cura de doenças do foro respiratório, em especial, a tuberculose. A afluência

internacional, sobretudo da classe alta britânica, já seria tão frequente que daí abriu portas

para as vantagens climáticas do território. Com a chegada dos industriais britânicos ao

continente, generalizou-se a abertura dos então “hotéis-casino”, estabelecimentos de jogo

apoiados por hotéis luxuosos, fora do contexto da maior parte da população.

Com a Primeira República, o jogo foi proibido, dando lugar a uma crise no sector

ainda embrionário, medida esta rectificada na legislação, após a Segunda República, ainda

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durante a ditadura militar, em 1927, falamos do Decreto N.º14: 643, de 3 de Dezembro de 1927,

onde se regulamentava sobre os “Jogos de fortuna ou azar, forma, lugares e época da sua

exploração”. E que terá grandes implicações no sector turístico nacional, daí por diante.

Resumidamente, a legislação que autorizava os locais para a existência do jogo,

fomentava a exclusividade de exploração, o que gerou um grande fluxo de investimento

estrangeiro. As escolhas dos locais não foi casual, deve-se à presença prévia de estruturas

desse tipo nesses mesmos locais. No mesmo decreto, estipulava-se a obrigatoriedade de

divulgação e frequente realização de excursões internacionais, além de que exigia a

construção de hotéis que servissem as diferentes zonas de jogo; e por isso importam como os

primeiros focos de desenvolvimento turístico em Portugal.

“[…] 1.º As zonas de jôgo permanente são duas: uma abrangendo

os Estoris e outra a Ilha da Madeira.

2.º As zonas de jôgo temporário serão seis:

A primeira em Santa Luzia, Viana do Castelo.

A segunda em Espinho.

A terceira na Curia.

A quarta na Figueira da Foz.

A quinta em Sintra.

A sexta no Concelho de Portimão, Praia da Rocha.

3.º Em nenhuma das actuais cidades do País, a não ser Funchal e

Figueira da Foz, será permitido o jôgo.

4.º No concelho de Cascais só será permitido o jôgo de fortuna ou

azar em casino ou casinos construídos a oeste de S. João do Estoril. […]”20

(Lobo, 2012)

Três anos depois, também ainda no período da Ditadura Militar, é aprovado pelo

Governo, o Decreto N.º 19:101, de 8 de Dezembro de 1930,- “Regulamento dos Hotéis”. Este

definia as categorias em que podiam ser agrupados os estabelecimentos industriais destinados

a receber hóspedes: Hotéis de luxo e Hotéis de 1.º, 2.º e 3.ª classe; demonstrando assim, os

requisitos indispensáveis que estes deviam cumprir para corresponder a cada uma dessas

classificações. Pretendia-se com esta medida, prevenir o uso abusivo da designação de

«Hotel», além de cadastrar o número de equipamentos existentes em cada região, e

uniformizar e organizar a oferta hoteleira disponível no país.

20

Decreto N.º 14:643, Diário do Govêrno, I Série, N.º 267, 3 Dezembro 1927, (pp. 799-800). In Lobo, S.

Arquitectura e Turismo: Planos e projectos as cenografias do lazer na costa portuguesa, da 1ª República à

Democracia; Dissertação de Doutoramento na área científica de Arquitectura, especialidade de Teoria e História;

Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra; Coimbra; Agosto de 2012, pp.375-377.

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No insignificante microcosmo que é o turismo do Algarve até 1930, há quatro

estabelecimentos que se anunciam como hotéis: O Hotel Viola, na Praia da Rocha; o Hotel

Internacional nas Caldas de Monchique, hotel termal; o Grande Hotel de Faro, aberto desde

1918; e o Hotel Guadiana, na então vila portuária de Vila Real de Santo António.

É de lembrar, também, que esta legislação de 1930 surge como base nos

equipamentos já construídos e rapidamente é posta em causa, paradoxalmente pelos: Decreto

acerca das Zonas de Jogo, anteriormente elaborado; pelo Crash económico de 1929 e, embora

parecendo exterior ao contexto; o despontar da indústria farmacêutica. Passemos a explicar

que os ditos hotéis da categoria máxima, os “Hotéis de Luxo”21

ou denominados de Palace;

eram à excepção do Avenida Palace, os primeiros centros de vilegiatura termal do país, e por

isso, na década de trinta, sofrem de pouca procura pelas qualidades curativas, em relação aos

agora mais acessíveis medicamentos, pela crise financeir, e por uma nova filosofia de vida,

voltada para a vivência ao ar livre e para a prática desportiva, a que se associavam as novas

modas da praia e do campismo que coincidiam com as estâncias balneares exploradas, nas

então zonas de jogo da regulamentação de 1927. Um conjunto de situações que pôs em causa

os termos de caracterização e qualificação presentes no Decreto de 1930, nomeadamente o

Chefe de Repartição de Jogos de Turismo, Dr. José d’Athayde, segundo as suas palavras, em

21 Hotel Avenida Palace (1890 ‑1892), do arquitecto José Luiz Monteiro (1848-1942), parte integrante do conjunto da

Estação Central e Terminal do Rossio, em Lisboa; o Palace Hotel do Buçaco (1886-1907), com esboço inicial de Luigi

Manini (1848-1936) e intervenções de Manuel Joaquim Norte Júnior (1878-1962), Nicola Bigaglia (1841-1908) e José

Alexandre Soares (1873-1930); o Palace Hotel de Vidago (1907-1910), com um primeiro projecto de Miguel Ventura Terra

(1866-1919) que seria adaptado por José Ferreira da Costa (1850 -1919) para a empresa “A Construtora”, do Porto; o Curia

Palace Hotel (1922-1926), também de Norte Júnior; e o Palace Hotel do Estoril (1918-1930), com telas finais de Raoul

Jourde sobre os desenhos de António Rodrigues da Silva Junior (1868-1937). In Lobo, S. Arquitectura e Turismo: Planos e

projectos as cenografias do lazer na costa portuguesa, da 1ª República à Democracia; Dissertação de Doutoramento na área

científica de Arquitectura, especialidade de Teoria e História; Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de

Coimbra; Coimbra; Agosto de 2012, p. 428.

Fig. 11_ Unidades hoteleiras no Algarve até 1930 Legenda:

Até 1930

Fonte: Autor; Interpretado de Brito S. P. (2009). Território e Turismo no Algarve; Lisboa: Edições Colibri / Centro Internacional de Investigação em Território e Turismo da Universidade do Algarve.

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“Algumas notas sobre Turismo em Portugal” publicadas em 1932, na primeira edição da

Separata do Anuário Comercial de Portugal:

“O nosso País não necessita, por ora, de grandes hotéis. Do que

precisa é de hotéis de reduzida lotação. O hotel de 20 a 30 quartos,

confortavel, asseado, servido por um pessoal competente e em que os

continuos progressos da hotelaria sejam observados, é o tipo ideal do hotel

português” […] “Obedecendo interiormente às indicações da hotelaria,

que é por assim dizer uma sciencia, exteriormente o hotel português deveria

impor-se pelo seu cunho caracteristicamente nacional. Mas o turista rico

não gosta desse estilo, diz-se. Cá temos outra vez o turista rico em cuja

existencia, muito sinceramente, não acreditamos. Mas admitindo mesmo

que existam, é isso motivo para que o País abdique do seu estilo nacional

para ser agradável a uns vagos estrangeiros de mau gosto?”22

É assim, bastante directo, na crítica à falta de incentivos oficiais por parte da

legislação, à indústria hoteleira, que incentivava a construção de hotéis esplendorosos com o

mínino de 250 quartos, características essas, completamente desajustadas, à afluência do

turismo no país, sem esquecer a popularização do espírito «anti burguês» constante na Europa

de então.

O DESENVOLVIMENTO DE UM NOVO CONCEITO DE ESTABELECIMENTO

TÚSISTICO: AS POUSADAS E OS ALBERGUES EN CARRETERA | 2.3.2.

Com a constituição do Estado Novo, em 1933, não tardaram as respostas de

abordagem a uma nova cultura de turismo contra a proliferação dos «vaidosos» e burocráticos

«Hotéis de Luxo» tendenciosos a uma arquitectura e a ambientes de espírito Internacionalista.

Nesse sentido, foi proposto um “Concurso para o Hotel Modelo”, através da revista “O

Notícias Ilustrado” publicado a 23 de Julho de 1933, elaborado por Raul Lino que, no

22

Athayde, José de, “Algumas notas sobre Turismo em Portugal”, in Anuário Comercial de Portugal: Turismo,

1.ª edição, Lisboa, Emprêsa do Anuário Comercial, 1932, p. 310. (Separata) in Lobo, S. Arquitectura e Turismo:

Planos e projectos as cenografias do lazer na costa portuguesa, da 1ª República à Democracia; Dissertação de

Doutoramento na área científica de Arquitectura, especialidade de Teoria e História; Faculdade de Ciências e

Tecnologia da Universidade de Coimbra; Coimbra; Agosto de 2012, p. 428.

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“Congresso Regional Algarvio”23

de 1915, havia apresentado o projecto de um novo tipo de

hotel, o “Hotel-Solar”24

, muito próximo em termos conceptuais, do desafio lançado, por esta

revista. Propõe o estudo de vários modelos de pequenos hotéis para cada uma das oito

províncias portuguesas. Pretendia-se mais do que uma tipologia única e repetitiva, um

conjunto de equipamentos que se associasse às novas estruturas hoteleiras a uma expressão

regional que veiculasse, tanto a nível de forma como de conteúdo, um regresso a valores da

cultura e tradição portuguesas, não deixando de reflectir o sentido prático e a simplicidade dos

tempos modernos.

Ainda dentro da campanha d’ O Notícias Ilustrado, é referenciado o programa do

Patronato Nacional de Turismo Espanhol como um bom exemplo, pois vinha a desenvolver

desde 1928, um conceito que introduzia a recente invenção do automóvel como elemento a ter

em conta na divulgação de que de bom há em território espanhol. No fundo, generalizando os

“Albergues en Carretera”25

, assim denominados pelo Governo Espanhol, compreendia um

conjunto de pontos de descanso distribuídos pelos diferentes percursos viários em Espanha.

Tratava-se de equipamentos de apoio às viagens e consistiam em tipologias que combinavam

Oficina, Estação de Serviço e Hotel; edifícios pequenos, de dois pisos, dispondo, no piso

térreo, de vestíbulo ou sala de estar, sala de jantar, escritório, cozinha, despensa, um pequeno

armazém e três quartos para funcionários, além de dois quartos para mecânicos, enquanto, no

piso superior, instalar-se-iam os quartos de hóspedes, quatro no mínimo, com capacidade para

duas camas cada e duas casas-de-banho, uma delas ligada directamente a um dos quartos.

Associadas ao edifício principal, ou próximas dele, deveriam existir uma garagem, para um

mínimo de três automóveis, uma oficina e uma bomba de gasolina.

No I Congresso Nacional de Turismo em Portugal, em 1936, instituía-se um novo

plano de organização dos serviços de turismo portugueses que além de delimitar o país nas

23

“I Congresso Regional Algarvio”; onde se discutiu a regulamentação do jogo, associada à criação de três

Zonas de Turismo, e a construção de novos hotéis. 24

Nome dado ao hotel que Raul Lino apresentou no I Congresso Regional Algarvio, consultar a memória

descritiva em Adão Flores, O turismo no Algarve na primeira metade do século, in Maria da Graça Maia

Marques, coord., O Algarve da antiguidade aos nossos dias, Lisboa, Colibri, 1999, (p.603). 25

“Concurso de Anteproyetos de Albergues en Carreteras”, proposto a 20 de Novembro de 1928, pelo Patronato

Nacional de Turismo, em Espanha. Com base no levantamento da rede nacional de estradas e no guia dos hotéis

existentes em Espanha, são, inicialmente, eleitos treze itinerários principais, logo reduzidos para doze, para os

quais se estuda a distribuição e a localização dos Albergues a construir. In Lobo, S. Arquitectura e Turismo:

Planos e projectos as cenografias do lazer na costa portuguesa, da 1ª República à Democracia; Dissertação de

Doutoramento na área científica de Arquitectura, especialidade de Teoria e História; Faculdade de Ciências e

Tecnologia da Universidade de Coimbra; Coimbra; Agosto de 2012, pp. 438-443.

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42

diferentes zonas estratégicas de intervenção, “Norte, Centro, Sul, Insular e Colonial”26

,

também foram apresentadas novas propostas para o sector, entre elas, e em resposta à

denúncia feita pela campanha da “Exposição do Hotel Modelo” lançada pela revista O

Notícias Ilustrado, Francisco de Lima avançava com o estudo de um novo tipo de instalação

turística, “para a grande massa, para o viajante mais modesto, para o empregado público,

para o industrial que deseja conhecer o seu país e instruir-se e para o estudante: as

Pouzadas”. 27

Francisco de Lima propõe, inspirado nos dois concursos (o do “Hotel Modelo” em

Portugal e os modelos espanhóis de “Albergues en Carreteras”), um programa de

desenvolvimento turístico ajustado à escala, à realidade e às necessidades da maioria das

«províncias portuguesas».

26

De acordo com a organização proposta pelo Dr. José de Penha Garcia na sua tese apresentada à I Secção. (Cf.

GARCIA, José de, “Algumas bases para a organização do Turismo em Portugal”, congresso nacional de turismo,

I, Lisboa, 1936. Lisboa, [s.n.], 1936) 27

Lima, Francisco de, “Pouzadas”, congresso nacional de turismo, I, Lisboa, 1936. In Lobo, S.

Arquitectura e Turismo: Planos e projectos as cenografias do lazer na costa portuguesa, da 1ª República à

Democracia; Dissertação de Doutoramento na área científica de Arquitectura, especialidade de Teoria e História;

Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra; Coimbra; Agosto de 2012, p. 430.

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43

A CIDADE DE LAGOS NO ÍNICIO DO SÉC.XX | 2.4.

À imagem de todo o Algarve, à excepção dos planos de Urbanização da Praia da

Rocha, da Pousada de Sagres e de São Brás de Alportel, Lagos não tem para já, qualquer

estratégia estadual para efeitos de turismo, continua uma Cidade dedicada à Indústria

conserveira, tendo este facto as suas repercussões também nas estruturas urbanas da cidade,

em 1920 com as propostas de parcelamento do Rossio de São João, a instalação da estação

terminal de caminhos-de-ferro, localizada na outra margem da Ribeira de Bensafrim e a

construção da Avenida da Guiné, entre o hospital Militar e a Fortaleza da Ponta da Bandeira.

Lisboa

Portimão

Sagres

Fig. 12_ Reprodução da expansão urbana de Lagos no início do Séc.XX, Legenda:

● Cidade Pré industrial, dentro de Muralhas

4. Ponte; 8. Praça da Constituição; 10. Praça do Cano; 14. Trem de Artilharia; 20. Construção da Avenida da Guiné; 21.

Loteamento do Rossio de S. João; 22. Ponte; 23. Estação de Caminho-de-ferro; 24. Fábricas de Peixe; 25.Expansão Extramuros.

Equipamentos Industriais

Futura Estalagem S. Cristóvão

Fonte: Paula, Rui, (1992). Lagos evolução urbana e património; Lagos: Câmara Municipal, p.98.

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44

O projecto para o Posto Rodoviário de Lagos surge numa localização conveniente

para a morfologia urbana da cidade na época, no Rossio de São João, num loteamento gerado

pelos diversos equipamentos Industriais ai existentes, no entrosamento das principais vias de

acesso, a Portimão, Sagres e Lisboa.

ESTALAGEM SÃO CRISTÓVÃO, 1954 | 2.5.

O projecto de um “Posto Rodoviário para abastecimento de gasolina e óleos com

serviços de bar, refeições e dormidas” acaba por se converter na Estalagem de S. Cristóvão,

com 12 quartos; a 10 de Fevereiro de 1954, construção esta que serviria como projecto final

para a obtenção do diploma de Arquitecto de Vicente Castro, dentro do programa dos CODA,

promovido por Carlos Ramos, na Escola de Belas Artes do Porto em 1955.

A 20Km da Praia da Rocha, o Plano estatal mais próximo, a Estalagem não se

enquadra em qualquer Plano turístico anteriormente descrito; importa para a indústria

turística, como um estabelecimento contextualizado com o modelo vigente, certamente teve

como referência o conceito de pousadas, e mais ainda os ”albergues en carreteras”. Um

projecto de iniciativa privada, co-financiado pela indústria de combustíveis SONAP, tem uma

estrutura muito próxima desta ideia de paragens num circuito de estradas; a Estalagem, era

Fig. 13_ Vicente Castro, Painel de Apresentação e Capa do Portfólio para o Projecto da Estalagem São Cristóvão na EBAP, do Projecto da Estalagem São Cristóvão, 1955

Fonte: Luísa Castro

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45

sim, um dos elementos integrantes do posto rodoviário de Lagos, juntamente com um posto

de abastecimento, ou seja, antes de um equipamento turístico, a sua principal função seria a de

apoio rodoviário.

Representa também um estabelecimento inovador e original, menos ligado às ideias

propostas através da Legislação de 1930, longe da excessiva e inadaptada estravagância que

até aí se exigia para esta tipologia de construção.

No piso térreo fica definida o que é a

zona de serviço, no caso, o espaço por de trás

do balcão é exclusivamente para o serviço de

cozinha, retirando-se um quarto;

No piso 1, substitui-se a cobertura

expandindo o piso para um total de 10 quartos,

duplicando o número anterior.

No exterior, o beirado existente sobre a zona de serviço dá lugar a uma nova «caixa

de avarandados», separada da original pelo excedente plano de parede. A cobertura deste

novo elemento volumétrico «cola» com a anterior, formando o característico telhado de águas

Fig. 14_ Piso 0; Reprodução do autor da Estalagem São Cristóvão, 1954.

Fonte: Autor

Fig. 15_ Piso 1; Reprodução do autor da Estalagem São Cristóvão, 1954.

Fonte: Autor

5m 0

5m 0

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46

invertidas. Na fachada exterior são substituidas as grelhas metálicas que encimam as portas,

por umas grelhas longitudinais de envidraçados, permitindo entrada de luz.

Permanecem as características base que mencionamos para a Estalagem de 1952;

acrescentamos que o desenho em perspectiva inclina-se para Sul, fazendo aparecer a nova

volumetria.

Através do portfólio para este projecto, foi-nos possível constatar a minuciosidade de

todos os pormenores construtivos, quer da implementação e cálculo da estrutura em betão

armado, quer pelos elementos de ventilação natural, como é o caso a cobertura que

perspectiva uma caixa ventilada, quer, até, pelos elementos decorativos interiores, desde os

tectos falsos arredondados, às pinturas nas paredes, passando pelo mobiliário até ao desenho

das próprias camas, num conceito de obra total.

Fig. 19 _ Reprodução com base nos desenhos originais do “tapume” na sala de refeições Fonte: Autor

Fig. 18_ Reprodução com base nos desenhos originais da Cama tipo Fonte: Autor

Fig. 16_ Perspectiva à mão do Projecto para o Posto Rodoviário de Lagos, 1954; Autor: Vicente Castro

Fonte: Projecto CODA, Um Posto Rodoviário em Lagos

Fig. 17_ Estalagem São Cristóvão, anos 50.

Fonte: Projecto CODA, Um Posto Rodoviário em Lagos

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47

No seu todo, a edificação da Estalagem São Cristóvão demonstra um avanço

tecnológico, comparando com as vulgares construções na região. Embora já utilizados desde

meados dos anos 30, sobretudo nas fábricas e nos bairros sociais, o betão-armado permite

uma maior plasticidade, em comparação com a tecnologia das construções em terra, é agora

possível criar elementos suspensos ou perfurar paredes lisas sem que elas percam a

estabilidade, dando lugar a cenários de luz e sombra que não eram possíveis até então.

A arquitectura tradicional algarvia, composta por: açoteias, platibandas, grelhas,

coberturas com acesso exterior e densas molduras nas janelas é transfigurada por Vicente

Castro. A platibanda, aqui perfurada e a cobertura de baixa inclinação, permitem uma zona

oca que serve como elemento de isolamento térmico; as grelhas de motivos geométricos

anteriormente utilizadas em muretes exteriores ou em zonas de alpendre, misturam-se com os

planos de parede, encimam janelas, e iluminam zonas interiores; as molduras nas janelas

ganham imponência e resultam nas «caixas de varandas» que pela neutralidade cromática

assumem o corpo do edificado, assente num embasamento revestido por diversos elementos

cerâmicos, dando dimensão ao soco da tradicional casa algarvia; os ornamentos decorativos

que no início do século XX decoravam as platibandas e que caracterizamos como Art Deco,

são remetidos para os elementos metálicos, como são as guardas nas escadas, as prateleiras, o

balcão do bar, as caixilharias das portas, tal como acontecia ao ferro forjado das gares

ferroviárias, e mais ainda, na decoração dos mais recentes aparelhos electrónicos do

imaginário americano, tal como os rádios e as televisões.

Fig. 20, 21 e 22_Perspectivas sobre os elementos decorativos: as grelhas nos planos de parede; o balcão, os tectos falsos, as prateleiras; o vão de escada interior com a parede «perfurada» de luz exterior, Estalagem São Cristóvão, 1954. Fonte: Luísa Castro

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48

Em suma, a Estalagem São Cristóvão terá sido um elemento icónico não só para o

legado do Arquitecto Vicente de Castro, mas também para o panorama da História da Arte

local, foi também vítima do processo de mudança económico do Algarve, evolução que

deixou as suas marcas na cultura do lugar e tem a sua legitimidade como paradigma ou

método que marcou uma época, é por isso também importante relembrar o que ficou para trás,

e mesmo que não faça sentido recuperar fisicamente este ou outro qualquer marco da História,

ao menos que possam ser lembrados.

Fig. 23, 24, 25, 26 e 27_Obras da Construção da Estalagem São Cristóvão, 1954 Fonte: Luísa Castro

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CAPÍTULO III

A TRANSFORMAÇÃO DO

ALGARVE E OS CASOS DE ESTUDO | 03

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50

O Algarve é hoje significado de turismo, para a maioria da população portuguesa e

estrangeira; no entanto, esse é um atributo que foi generalizado pelas gerações mais recentes.

A «moda» europeia de férias na praia é algo oriundo do século XVIII, principalmente pelo

acesso que alguns industriais britânicos tinham, durante o inverno, às praias no Mediterrâneo,

nomeadamente do sul de França, algo que se foi tornando apetecível e cada vez mais acessível

com as conquistas dos direitos civis pelas classes trabalhadoras e, sobretudo, com a evolução

nos meios de transporte. Para o bem e para o mal, é questionável e inconclusiva a mudança

que o turismo provocou ao longo da costa Mediterrânica.

OS DIFERENTES TIPOS DE TURISMO | 3.1.

Segundo José Miguel Iribas28

, distinguem-se três categorias do turista: “o viajante, o

veraneante e o turista.”

O “viajante”, como a primeira destas categorias, sinónimo daquele que faz a viagem

(é o fundamento para o próprio conceito de turismo), começa a esboçar-se no século XIX. É

um estatuto permitido e limitado para a burguesia culta, na procura de afirmação individual e

das explorações exóticas e românticas inspiradas pela cultura iluminista, e oportuna na

capacidade de mobilidade que a máquina a vapor permite, sendo o comboio o transporte

eleito, e o hotel da estação, o alojamento suficiente, A tradição da viagem banaliza-se e gera

rituais de coleccionismo onde não se procura mais a novidade, mas sim o carimbo no

passaporte como testemunha de presença no lugar.

Com origem, também no século XIX, o “veraneante” caracteriza-se pelos sujeitos da

aristocracia que sazonalmente migravam para retiros junto à costa, numa procura por

recuperar os meses de trabalho, e por isso, romper com a rotina e com as normas de vida

quotidiana. O veraneio surge, assim, intrinsecamente associado à descoberta do espaço litoral

pelas monarquias europeias.

O turismo de massas e, com ele, o “turista”, ganha expressão apenas a partir do fim

da Segunda Guerra Mundial, com a propagação das férias às classes trabalhadoras, possível

no quadro de recuperação económica europeia do pós-guerra, pela disponibilização de frotas

aéreas para exploração comercial.

28

In Lobo, Susana (2007). A colonização da linha de costa: da marginal ao «resort». Jornal Arquitectos 227.

Abril-Junho de 2007, P.18.

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51

“O «sul» ganha um renovado fascínio e a trilogia sun, sand & sea passa a

estar ao alcance de todos, em pacotes de férias organizados. Surgem novos

empreendimentos turísticos, moldados pela crescente pressão urbanística sobre o

litoral, abrindo a oportunidade de se explorarem diferentes conceitos no

planeamento de núcleos de veraneio. “Assim, se, por definição, o viajante

atravessa o território, interagindo pontualmente com ele, o veraneante e o turista

consomem paisagem, numa relação paradoxal de uso intensivo e

monofuncionalista que põe em causa a autenticidade e a capacidade de atracção

do cenário natural, e, por isso, a própria sobrevivência da indústria do turismo

balnear.” (Lobo, 2007, p.18)29

A GÉNESE DO ALGARVE TURÍSTICO | 3.2.

Depois da exploração da indústria conserveira e dos frutos secos, que ocupou parte

significativa na economia regional, num largo período, até à segunda metade do século XX, a

redefinição social do Algarve surge nos anos cinquenta e sessenta aquando do florescimento

de novas classes sociais, sobretudo oriundas do centro da Europa, resultantes do esforço de

recuperação após as duas grandes guerras. A «máquina industrial» que, até 1945, se

concentrava na força de produção bélica, começou a «carburar» na reconstrução material e

cultural, sobretudo da Europa (epicentro do conflito e zona mais afectada). Acompanhando

esta reedificação material e este enriquecimento gerado por esse esforço, a população

europeia permite-se à oportunidade de desafogo dos seus mais diversos quotidianos, nascendo

assim o turismo disponível para as massas, responsável pelos grandes fluxos migratórios.

Litoral, sol abundante e temperatura amena são requisitos suficientes que Portugal

disponibiliza para o efeito; o Algarve acrescenta a areia branca, a sua exposição a sul e um

ambiente longe das «mordomias» das grandes cidades. É a partir de 1965 que o Algarve se

torna destino turístico, sobretudo para ingleses e alemães, inteiramente dependentes do

transporte aéreo. Mais uma vez, subsiste a imagem da «ilha do Algarve», pois se até ao século

XX seria mais fácil a viagem Lisboa-Algarve por via marítima do que por terra, também

depois da construção do aeroporto, em 1965, e mesmo após a primeira ponte de frente para

Lisboa, em 1966, seria mais favorável a ligação aérea de qualquer ponto na Europa central até

29

Lobo, Susana (2007). A colonização da linha de costa: da marginal ao «resort». Jornal Arquitectos 227. Abril-

Junho de 2007, P.18.

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Faro, ou vice-versa. É também, segundo esta analogia, que o Algarve se torna um novo

território para os estrangeiros em busca do turismo dos “3 S”30

, demorando na abertura aos

próprios portugueses que, na época, ainda se «ocupavam» com a Guerra do Ultramar e

mesmo ainda na sua maioria, abstinentes deste tipo de turismo, sem contar com os que

viajavam até à terra natal, os que «iam a banhos» pouco desciam abaixo do Tejo. Para tal,

teriam de viajar de forma pouco cómoda, por terra até ao Algarve, num percurso ferroviário

dependente de vários transbordos, ou numa viagem por estradas sinuosas e congestionadas

que facilmente durava 7 horas (a era das auto-estradas ainda demoraria outros 50 anos).

Fig. 28_ Em 1965, a viagem terrestre Lisboa- Algarve demorava o dobro do tempo da viagem aérea Londres-Faro ou Berlim-Faro. Fonte: Autor

A MUDANÇA NA CIDADE DE LAGOS | 3.3.

Em 1948, quase 20 anos antes do plano para a construção um Aeroporto no Algarve, a

região foi submetida a um novo sistema de planeamento urbano moderno, aplicado e

centralizado pelo Estado Novo, em que foram desenvolvidos, um pouco por todo o País, os

Planos de Urbanização ao abrigo da nova legislação urbanística, aplicados na época por

Duarte Pacheco. Estes foram também aplicados às mais importantes localidades algarvias,

através da acção de Direcção Geral dos Serviços de Urbanização, sobretudo ao longo das

décadas de 1940 e 1950. Foram assim divididas 22 localidades algarvias à responsabilidade

dos diferentes urbanistas a seu cargo, entre os quais, podemos destacar: o arquitecto João

Aguiar, responsável pelo Gabinete de Urbanização do Ultramar, encarregado, aqui, do

ordenamento do espaço urbano de Faro e Olhão; os arquitectos Carlos Ramos e Raul Lino

30

Sun, Sand and Sea

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53

para a Praia da Rocha e Tavira, respectivamente; e o arquitecto Miguel Jacobetty, que

projectou o emblemático Estádio Nacional no Jamor, que orientou aqui uma série de núcleos

litorais, como o caso das praias de Albufeira e Armação de Pêra e, mais associado ao tema

desta dissertação, a Cidade de Lagos, além de Albufeira e das serranas Caldas de Monchique.

Resultado desta estratégia, chega, em 1957, ao Conselho Superior de obras Públicas o

Anteplano de Jacobetty, aprovado no mesmo ano, para a cidade de Lagos, acelerando as obras

por via da sua inauguração a 6 de Agosto de 1960, data das Comemorações Henriquinas31

.

31

Para Comemoração do 5º Século, sobre a morte do Infante D. Henrique, foram executados alguns projectos de

referência, destacando-se, em Lisboa, a reconstrução do Padrão dos Descobrimentos. Mas é em Lagos e Sagres

que a obra maior é executada. A construção de uma avenida marginal; a demolição do casario permitindo a

Fig. 29_ Sobreposição do Plano de Urbanização de Miguel Jacobetty, de 1957; sobre a planta da Actual Cidade de Lagos.

Legenda: ● Cidade Pré industrial, dentro de Muralhas

8. Praça do Infante D. Henrique; 10. Praça Gil Eanes; 22. Ponte até à Estação Ferroviária; 26. Doca; 27. Aterro da Envolvente

da E.N. 125 (Avenida dos Descobrimentos); 28. Áreas de Protecção dos edifícios Classificados como Monumentos Nacionais;

30. Zona da Futura Marina.

Estalagem S. Cristóvão

Fonte: Paula, Rui, (1992). Lagos evolução urbana e património; Lagos: Câmara Municipal, p.118.

Lisboa

Portimão

Sagres

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Hélder Lima: António Vicente de Castro | Ampliação da Estalagem São Cristóvão

54

Conforme demonstramos na figura 29, o Plano prevê o aterro da marginal da Ribeira

de Bensafrim, e por este, desloca o troço da Estrada Nacional 125, dando origem à actual

Avenida dos Descobrimentos, “[…] tendo como consequência as primitivas relações da

cidade com o mar, alterando por completo a escala de valores que existia até aquela altura,

[…]”32

(Paula, 1994, p.119). Deste plano, além da posterior implantação das grandes massas

edificadas existentes, está implícita a degradação do tecido urbano, desvirtuando a imagem no

contexto urbano da cidade. É de salientar, no entanto, a área de protecção em torno da

Muralha, impedindo a sua destruição e resultando, hoje, em zonas de jardim. Este é um

primeiro anteplano que, tal como outros ao longo do Algarve, resultará na estratégia de

massificação do turismo na região e que terá impacto sobre as preexistências, como é o caso

da que teve sobre a Estalagem São Cristóvão.

Com maior incidência na problemática aqui evocada, está a legislação hoteleira de

1954. Mal o projecto final da Estalagem de Vicente Castro tinha sido aprovado, a 10 de

Fevereiro de 1954, já a nova legislação incentivava ao investimento em equipamentos

turísticos, quer no financiamento ou isenção fiscal, quer na própria expropriação de terrenos

adjacentes para ampliações, passando também por novos critérios de qualificação, os quais o

Empresário Hermano Baptista não quis ficar de parte, tendo pronto e entregue no Secretariado

Nacional da Informação Cultural Popular e Turismo (SNI), um novo projecto de ampliação a

28 de Dezembro de 1956, desta vez com um diferente arquitecto.

exposição das muralhas, agora embelezadas com ameias na Porta de S. Gonçalo; a implantação de um espaço

ajardinado; a adição de guaritas no Forte Ponta da Bandeira; e a ampliação da Praça da República que recebe

uma estátua ao Infante D. Henrique. 32

Paula, Rui, (1992). Lagos evolução urbana e património; Lagos: Câmara Municipal, p.119.

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55

CASO DE ESTUDO I | 3.3.1.

AMPLIAÇÃO DA ESTALAGEM SÃO CRISTÓVÃO, 1959

Autor: ARQ. JOSÉ ALBUQUERQUE VELOSO

Os serviços Camarários da Cidade de Lagos aprovam um projecto, cuja Memória

Descritiva e Justificativa é assinada pelo Arquitecto José Veloso a 30 de Setembro de 1959,

podemos explicar a diferença de datas por se tratar de uma ampliação dividida em três fases.

“ A primeira fase das obras a efectuar na Estalagem S. Cristóvão

prevê a correcção das deficiências e faltas que se verificam nas actuais

instalações, para que venha a ficar dispondo de um nível de equipamento e

serviços que possa., em perfeitas condições, atender às legitimas exigências

do turismo de hoje.[…] pela importante posição que a Estalagem São

Cristóvão já ocupa dentro do turismo algarvio[…]”33

A proposta, em geral, demonstra uma crítica ao programa de funções, uma vez que,

por exemplo, o anterior projecto não previu instalações sanitárias privativas aos quartos de

hóspedes, e um lugar específico para recepção de hóspedes que não interferisse com a sala de

refeições existente, além de soluções técnicas anteriormente mal resolvidas, como são o

isolamento sonoro devido à proximidade com a estrada e a “[…] correcção de alguns dos

mais evidentes excessos expressivos, a cobertura, que será totalmente substituída, até por ter

provado ser deficiente, principalmente como isolamento térmico.”34

33

Arq. Veloso, José; Memória Descritiva e Justificativa da Execução de Obras de 1ª fase de ampliação e

remodelação da Estalagem S. Cristóvão, Lagos. 1959, pp.1-4. 34

Idem.

Fig. 30_ Representação tridimensional com a proposta de ampliação do Arq. José Veloso a vermelho.

Fonte: Autor

Fonte: Autor

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56

No rés-do-chão:

“Ampliam-se os serviços de cozinha construindo-se um amplo

local de preparação de comida ou cozinha propriamente dita e ocupou-se

toda a actual cozinha com o serviço de copa.

Estes serviços ficarão assim satisfatoriamente resolvidos, mesmo

tendo em conta as ampliações previstas na segunda e terceira fases, em que

será ampliada a zona de refeições com a ocupação do actual local de estar

deste piso, e em que os serviços de balcão de empregados de mesa

beneficiará da utilização como arrecadação dos actuais sanitários públicos

para homens.

Nota-se no entanto, dado que se pretende proceder à referida

ampliação da zona de refeições, que somente na segunda fase será possível

resolver o problema das circulações neste piso, e o da criação da zona de

recepção e dos locais de estar. […]”35

35

Idem.

Fig. 31_ Piso 0; Reprodução do autor, proposta do Arq. José Veloso, sobre a Estalagem do Arq. Vicente Castro. Fonte: Autor.

Legenda: ● Estalagem São Cristóvão, 1955, pelo Arq. Vicente Castro

● Projecto de ampliação, 1959, pelo Arq. José Veloso

Fonte: Autor, baseado na planta existente no Arquivo Municipal de Lagos.

Fonte: Autor

5m 0

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57

No Piso 1:

“Deslocou-se paralelamente a si mesmo o corredor principal de acesso

aos quartos de hóspedes, e ocupou-se o actual corredor com a construção de

instalações sanitárias e de banho para quatro destes quartos;

As duas instalações sanitárias existentes como publicas foram tornadas

privativas de dois outros quartos;

Eliminam-se dois dos quartos de hospedes existentes, e a área de um

deles foi ocupada com a escada de serviço e com duas instalações sanitárias de

banho para outros dois quartos;

Ocupou-se a actual zona de estar deste piso com mais uma instalação

sanitária e de banho para um novo quarto, já amplo, que se cria sobre a nova

cozinha;

Construi-se, uma nova varanda existente em boa localização, de onde

se vê a baia, mas que na prática se observa não ser utilizada como local

permanência, a nova zona de estar deste piso;

Desapareceram as instalações sanitárias de banho públicas, pois para

as fases seguintes da obra deste piso prevê-se que todos os novos quartos de

hóspedes disporão destas instalações privativas.

Não foi possível ampliar as áreas dos quartos existentes por ser

condicionamento imposto no programa desta remodelação evitar sensíveis

alterações da estrutura existente.”36

36

Idem.

Fig. 32_ Piso1; Reprodução do autor, proposta do Arq. José Veloso, sobre a Estalagem do Arq. Vicente Castro no Piso 1.

Legenda: ● Estalagem São Cristóvão, 1955, pelo Arq. Vicente Castro

● Projecto de ampliação, 1959, pelo Arq. José Veloso

Fonte: Autor, baseado na planta existente no Arquivo Municipal de Lagos.

Fonte: Autor

5m 0

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58

Embora o Arquitecto Veloso estivesse em desacordo com o critério utilizado no

estudo da definição de volumes e composição decorativa do projecto antecedente, ao ponto de

o manifestar oficialmente, a sua metodologia no desenho em planta parece conjugar com a

métrica utilizada no projecto anterior, nomeadamente no jogo de planos de parede que utiliza

para definir e conjugar os espaços existentes.

Através da planta de implantação é

evidente que ainda não está o troço da actual

Avenida dos Descobrimentos, mas o plano já

estava em execução, sendo referenciado por

Veloso, uma vez que findou a Memória Descritiva

com um parágrafo em que menciona obras

existentes na Estrada Nacional 125, alterando por

isso, a localização da “[…] ilha de bombas de

fornecimento de combustíveis a automóveis […]

para os terrenos a Norte […]”37

, elemento

constituinte do então Posto Rodoviário que a

Estalagem complementava; e que, aqui, Veloso

defende ser uma vantagem como isolamento ao

ruído.

Comparando, em números, os dois projectos sob o ponto de vista do programa,

constatamos que as alterações visam melhorar qualitativamente as funcionalidades da

preexistência, mais do que ampliar em quantidade. Acrescentou uma zona de recepção,

duplicou a área de cozinha, aumentou o número de quartos de 12 para 17 e acrescentou casas-

de-banho a todos os quartos, uma ampliação que prevê uma área de implantação de 505m2 e

uma área absoluta de construção de 945m2, valores a rondar o dobro da preexistência, 220m

2

de área de implantação e uma área de construção absoluta de 400m

2.

Fazendo uma análise comparativa da plasticidade dos dois objectos, mesmo que o

projecto não tenha sido materializado, foi-nos possível, através dos desenhos em planta e de

alguns alçados incompletos, simular as soluções propostas e usufruir delas como caso de

estudo para um exemplo de ampliação de uma preexistência, sendo-nos possível avaliar as

37

Idem.

Fig. 33_ Desenho de Implantação da Ampliação proposta pelo Arq. José Veloso, 1959. Fonte: Projecto de Ampliação do Posto Rodoviário de Lagos. Arquivo Municipal de Lagos.

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59

alterações de linguagem entre os dois. É de salientar que, para esta análise, apenas são

utilizados os Alçados Noroeste e Sudeste como elementos comparativos, uma vez que os

restantes não foram alvo de tanto primor por Vicente Castro.

Alçado Nordeste

Podemos constatar que do alçado exposto na figura são anulados alguns elementos

base do original, a platibanda é substituída por um telhado em beirado; a varanda do lado

esquerdo desaparece, dando lugar a uma janela de canto como acontecia no canto inferior

direito da preexistência; o novo corpo anexado à direita propõe uma maior horizontalidade ao

edifício e acaba por contrastar com o anterior; no entanto, o projecto não apresenta solução

para a cobertura total, nem representa ou menciona o tipo de revestimento a utilizar nas

fachadas, o que irá, certamente, desajustar a simplicidade que apresenta este novo elemento,

em contraste com a «explosão» de diferentes constituintes que o seu antecedente apresenta.

Fig.34_ Alçado Nordeste; Reprodução do autor, Estalagem São Cristóvão de 1954, do Arq. Vicente Castro. Fonte: Autor; Original - Projecto do Posto Rodoviário de Lagos. Arquivo Municipal de Lagos.

Fig. 35_ Alçado Nordeste; Reprodução do autor, proposta de ampliação do Arq. José Veloso, 1959. Fonte: Autor; Original - Projecto de Ampliação do Posto Rodoviário de Lagos. Arquivo Municipal de Lagos.

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60

Alçado Sudeste

No Alçado Sudeste é bem perceptível a subversão da cobertura originalmente

invertida por Vicente Castro e que Veloso diz ser um excesso de expressividade, substituindo-

a pelo tradicional telhado que, no caso deste alçado, desagua sobre as caixas avarandadas do

projecto anterior. Aqui é mais evidente o fecho da varanda com vista sobre a baía de Lagos

onde ocorre a escada exterior, que resulta, segundo a legenda na Memória Descritiva num

“espaço comum”; a caixa que anteriormente ritmava três vãos de quartos, agora para

solucionar o programa de quartos com casa de banho privativa, resulta no entupimento de um

dos quadrados constituintes. Tal como referimos anteriormente, o projecto não apresenta

solução para a cobertura, nem representa ou menciona o tipo de revestimento a utilizar nas

fachadas, o que irá, certamente, desajustar a leitura que temos de momento.

Fig. 36_ Alçado Sudeste; Reprodução do autor, Estalagem São Cristóvão de 1954, do Arq. Vicente Castro.

Fonte: Autor; Original - Projecto do Posto Rodoviário de Lagos. Arquivo

Municipal de Lagos.

Fonte: Autor

Fig. 37_ Alçado Sudeste; Reprodução do autor, proposta de ampliação do Arq. José Veloso, 1959.

Fonte: Autor; Original - Projecto de Ampliação do Posto Rodoviário de Lagos. Arquivo

Municipal de Lagos.

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61

No geral, o trabalho do Arquitecto Veloso é bastante interventivo quanto à obra do

seu antecedente, e é compreensível e legítimo que assim tenha sido. Contudo não podemos

avaliar, aos olhos de outrora, o significado que a primeira obra de Vicente Castro poderia

representar hoje; no entanto, apesar da aversão à expressividade manifestada na preexistência,

o trabalho, conjuga, em planta, a existência de um módulo rectangular que se multiplica e une

vários planos, o que nos remete para o plano de parede que Vicente Castro usa no projecto

original a fim de separar a zona de serviços da entrada principal, Também em planta, algumas

soluções de programa parecem bem conseguidas, nomeadamente a zona do bar e a

implementação de casas-de-banho.

Esta intervenção dá origem a alguma polémica e chega a haver uma nota crítica no

Diário Ilustrado. Mesmo tendo sido entregue e aprovado pelos serviços camarários, algo

corre mal, pois é recusado pela Direcção de Utilidade Turística (DUT) e, mesmo sob o

pretexto das Comemorações Henriquinas, o SNI recusa o financiamento pretendido.

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62

A política de fomentos para a construção de Estabelecimentos Hoteleiros provocada

pela legislação de 1954, além desta proposta de ampliação da Estalagem S. Cristóvão, dará

origem à multiplicação de projectos e sucessivas ampliações unidades hoteleiras na região, até

ao projecto de construção do Aeroporto de Faro. Aos já mencionados no capítulo anterior,

surge: o Hotel Baleeira (1958), em Sagres; a Pousada de Sagres (1960); o Hotel da Meia Praia

(1960); o Hotel Infante de Sagres, na Praia da Rocha (1956); o Hotel Júpiter, na Praia da

Rocha (1961); o Hotel Garbe, em Armação de Pêra (1963); Hotel Sol e Mar, em Albufeira

(1957); o Hotel Eva, em Faro (1961); o Hotel Vasco da Gama, em Monte Gordo (1960); e

Estalagem dos Navegantes, em Monte Gordo (1962).

A “TRAGÉDIA URBANÍSTICA” DO ALGARVE | 3.4.

A «explosão» turística que o Aeroporto de Faro fomentou, acabou por extrapolar as

expectativas, impulsionando uma procura turística desenfreada, por facultar mais dormidas

aos visitantes e, claro, desenvolver dormidas para os que os servem. Assistiu-se, desde 1930

até 1960, a um acréscimo demográfico da população residente de 296 000 para 314 000, (6%)

e para 395 000 em 2001, mais 75% em relação a 1930, contando com a guerra do Ultramar.38

Se a ampliação da estalagem, aliciante nos anos 50, mais se tornou nos anos 60 com a

chegada do Aeroporto e a melhoria das vias de acesso às cidades. A procura de rentabilização

do espaço gerou «rasgos» nos estudos e Planos Urbanos realizados nos últimos anos, como

38

Fonte: INE, Revisão do PROTAL in Brito S. P. (2009). Território e Turismo no Algarve; Lisboa: Edições

Colibri / Centro Internacional de Investigação em Território e Turismo da Universidade do Algarve.

Fig. 38_ Unidades hoteleiras no Algarve até 1964 Legenda:

Até 1964

Fonte: Autor; Interpretado de Brito S. P.

(2009). Território e Turismo no Algarve; Lisboa: Edições Colibri / Centro Internacional de Investigação em Território e Turismo da Universidade do Algarve.

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63

vimos, por autores credenciados39

, acabando por ser totalmente desprezados no

acompanhamento urbano dos 20 anos seguintes, algo que ainda hoje o Algarve se ressente,

tendo, inclusive, assistido ao surgimento de quatro novas cidades nos anos 80, como são os

casos de Olhão em 85, Albufeira em 86, e Loulé e Vila Real de Santo António em 1988.

A Cidade de Lagos ganha três novos equipamentos nos anos 60, o Hotel Rio Mar, em

pleno centro histórico; o Hotel Lagos, inaugurado em 1966, dispersado, apesar da dimensão,

entre o casario do Bairro dos Pescadores, findado após 1972 e qualificado com 4 estrelas, com

270 quartos divididos em dois blocos de 7 pisos e mais 9 vivendas; o Hotel Golfinho,

aprovado em 1964, sofrendo várias alterações, inclusive clandestinas, acabando o hotel com

250 quartos, deixando dois blocos inacabados por via da fiscalização.

39

Três Estudos a realçar: “Bases para o Desenvolvimento Turístico do Algarve”, pelo Arq. Francisco Keil do

Amaral, em 1962; “Estudo Urbanístico das Cidades e Vilas do Litoral do Algarve”, pelo Arq. Cabeça Padrão,

anos 60; e o “Ordenamento Paisagístico do Algarve”, pelos Arq. Paisagistas Viana Barreto, Álvaro Dentinho e

Albano Castelo Branco, em 1964-67. Vidé in Fernandes, J. M; Janeiro, A. (2005). Arquitectura no Algarve: dos

primórdios à actualidade, uma leitura de síntese; [s.l.] Faro: Comissão de Coordenação e Desenvolvimento

Regional de Algarve.

Fig. 39_ Construção do Hotel Golfinho, Lagos, anos 60.

Fonte: Francisco Castelo, Fototeca Municipal de Lagos.

Fonte: Autor

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64

CASO DE ESTUDO II | 3.4.1.

HOTEL SÃO CRISTÓVÃO, 1969

Autor: ARQ. FRANCISCO AZANCOT KERI

Findas e inauguradas as obras na

Avenida dos Descobrimentos, com a

promoção da cidade e na sequência dos

propósitos da proposta de ampliação

anterior, o promotor da Estalagem S.

Cristóvão recruta um novo projectista, o

Arquitecto Francisco Azancot Keri,

apresentando ao SNI a 29 de Abril de 1965,

um novo projecto, desta vez, ampliando

consideravelmente o espaço, atingindo a

classificação de hotel, sendo aprovado o projecto final em 1969, com mais um piso e 16

quartos que o anterior.

O novo hotel é um elemento

imponente na entrada da cidade, tendo em

conta as dimensões do edificado

relativamente à envolvente, sobretudo em

altitude, já que a implantação pode ser

comparada aos equipamentos industriais nas

imediações. Constituído por 72 quartos, é

elevado à categoria de 2 estrelas, apresenta

uma densa volumetria exterior composta

por dois blocos de quartos a Este e um

volume composto maioritariamente por zonas de serviço, a Sul, divididos por um

paralelepípedo vertical que faz antecipar uma caixa de escadas.

Fig. 41_ Avenida dos Descobrimento, com a Estalagem ao fundo, anos 60.

Fonte: Francisco Castelo, Fototeca Municipal de Lagos.

Fig. 40_ Representação tridimensional com a proposta de ampliação do Arq. Francisco Keri a vermelho.

Fonte: Autor

Fig. 42_ Hotel S. Cristóvão, anos 70

Fonte: Francisco Castelo, Fototeca Municipal de Lagos.

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65

No Rés-do-Chão:

Surge uma grande diversidade de espaços amplos e a anterior Estalagem permanece

com a dinâmica de funcionalidade original, alterando as zonas de serviço, sendo que a sala de

refeições é restrita para “sala de pequenos-almoços”; a cozinha triplicou o tamanho original,

de forma a poder servir uma ampla sala de restaurante que ocupa toda a zona sudeste até ao

limite do lote; a nova zona de recepção foi projectada a partir do alçado Noroeste da

Estalagem, tal como a proposta de José Veloso pretendia, acabando por abrir para um foyer

que distribui a partir do centro deste novo programa para: uma “sala de estar” à amplitude da

base de um dos novos blocos de quartos; um bar apoiado por um pátio interior, entre este e a

“sala de estar”; ao centro, surge uma nova escada em «U» que espelha a anterior, distribuindo,

assim como os elevadores em frente, para os 5 pisos de quartos.

No Piso 1:

Fig. 43_ Piso 0; Reprodução do autor, proposta do Arq. Francisco Keri, sobre a Estalagem do Arq. Vicente Castro.

Legenda: ● Estalagem São Cristóvão, 1955, pelo Arq. Vicente Castro

● Projecto de ampliação, 1969, pelo Arq. Francisco Keri

Fonte: Autor

Fonte: Autor

Legenda: 1- Sala de Pequenos-almoços 2- Cozinha 3- Recepção 4- Sala de Estar 5- Restaurante 6- Bar 7- Estacionamento

1

2

3

4

5

6

7

10m 0 2m

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66

É feito um «exercício de contorcionismo» para aproveitar os quartos da Estalagem e

acomodar as instalações sanitárias privativas para todos eles, sacrificando-se aqui apenas

um, em detrimento de um pátio interior, tornando proveitoso um dos planos da cobertura

invertida do anterior projecto;

A Este, surgem dois novos blocos de quartos, aqui em planta, com 8 quartos cada,

depois repetidos por mais 3 pisos além deste;

O novo corpo, nas traseiras da anterior Estalagem, é propositado para as zonas de

serviço, ascendendo ao longo de 6 pisos.

Fig. 44_ Piso1; Reprodução do autor, proposta do Arq. Francisco Keri, sobre a Estalagem do Arq. Vicente Castro.

Legenda: ● Estalagem São Cristóvão, 1955, pelo Arq. Vicente Castro

● Projecto de ampliação, 1969, pelo Arq. Francisco Keri

Fonte: Autor

8

8

9Legenda:

8- Quartos 9- Zona de Serviços

10m 0 2m

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67

Mesmo não tendo acesso à memória descritiva relativa a este projecto de Francisco

Keri, é-nos claro que existiu uma maior relação de respeito com a preexistência, isto porque,

ao contrário de Veloso, permaneceram os elementos constituintes do programa no projecto

anterior, anexando os novos espaços, conjugados numa nova escala.

Reproduzindo a planta de

implantação, verificamos que houve

um dilatar do programa até ao limite

do lote, causando assim, a definição

do projecto. O posto de abastecimento

foi redireccionado para a outra lateral

da EN 125, como havia defendido

Veloso, no plano anterior, redefinindo

a função em exclusivo para um

estabelecimentos de dormidas.

Comparando, em números, os dois projectos, sobre o ponto de vista do programa,

constatamos que as alterações não visam a melhoria, mas a reconstrução, quantitativa das

funcionalidades da preexistência, mais do que da sua ampliação. Acrescentou uma zona de

recepção, triplicou a área de cozinha, aumentou o número de quartos de 12 para 72 e

acrescentou instalações sanitárias em todos eles. Trata-se duma construção que prevê uma

área de implantação de 1730m2 e uma área bruta de construção de 5317m

2, (valores muito

acima dos do primeiro projecto, que previa 220m2

de área de implantação e uma área de

construção absoluta de 400m2).

Fazendo uma análise comparativa da plasticidade dos dois objectos, foi-nos possível,

através dos desenhos em planta e de fotografias no local, simular as soluções propostas e

usufruir delas como caso de estudo para um exemplo de ampliação de uma pré-existência,

sendo-nos possível avaliar as alterações de linguagem entre os dois. É de salientar que, para

esta análise, apenas são utilizados os Alçados Noroeste e Sudeste como elementos

comparativos, uma vez que os restantes não foram alvos de tanto primor por Vicente Castro.

Fig. 45_ Implantação, Reprodução do autor, proposta do Arq. Francisco Keri.

Fonte: Autor

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68

Alçado Nordeste

Tal como em planta, neste alçado é perceptível a dimensão do novo objecto,

triplicando em altura e em largura; apresenta uma grande diversidade de novos elementos,

percepcionando uma maior preocupação na execução do projecto em planta, sendo o aspecto

exterior, resultado dessa metodologia.

O projecto em planta parece não querer interferir na preexistência, no entanto, neste

alçado, algumas alterações simples, como os planos de alvenaria que substituem as grelhas

metálicas nas guardas das varandas e o isolamento da platibanda na cobertura, alteram a

leveza expressada pela fisionomia dos materiais anteriores. Pelo que deduzimos que surgem

como solução para os problemas de isolamento sonoro e térmico, mencionados na Memória

Fig. 46_ Alçado Nordeste; Reprodução do autor, Estalagem São Cristóvão de 1954, do Arq. Vicente Castro. Fonte: Autor; Original - Projecto do Posto Rodoviário de Lagos. Arquivo Municipal de Lagos.

Fig. 47_ Alçado Nordeste; Reprodução do autor, proposta de ampliação do Arq. Francisco Keri, 1969. Fonte: Autor

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69

Descritiva do Arq. Veloso. Num plano posterior, o pano de fundo criado pela parede, pode ter

a intenção de «sublinhar» a antiga estalagem, porém acaba por a desprestigiar, uma vez que o

plano é «sujo» de pequenos vazios criados pelas janelas dispersas; a caixa de escadas sugere

alguma verticalidade, sendo esta esbatida pela largura proporcionada pelo conjunto; mais

notória ainda, acaba por ser a multiplicação da «caixa de varandas» da estalagem, que acaba

por anular o elemento que as gerou.

Alçado Sudeste

No Alçado Sudeste é mais evidente a descaracterização que o hotel provocou no

projecto antecedente, mesmo que o objecto não esteja totalmente à face. A Estalagem perde a

leitura, mesmo que a cobertura continue invertida, e um dos planos é removido; a «caixa» que

fechava os três quartos neste alçado perde essa imagem, uma vez que já não se encontra em

balanço, pelo avanço do piso térreo, e é encimada por uma nova platibanda também à face.

Fig. 48_ Alçado Sudeste; Reprodução do autor, Estalagem São Cristóvão de 1954, do Arq. Vicente Castro.

Fonte: Autor; Original - Projecto do Posto Rodoviário de Lagos. Arquivo Municipal de Lagos.

Fig. 49_ Alçado Sudeste; Reprodução do autor, proposta de ampliação do Arq. Francisco Keri, 1969. Fonte: Autor

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70

No geral, pela preservação da dinâmica e de maioria dos espaços e elementos de

linguagem, o trabalho do Arquitecto Francisco Azancot Keri parece ter uma maior estima

pelo projecto de Vicente Castro, muito embora na prática, não tenha resultado de forma tão

evidente. É de salientar o exercício de «contorcer» os novos constituintes para resolver os

problemas do projecto anterior, adaptando, assim, um programa mais ajustado ao turismo da

época.

Em planta, algumas soluções do programa parecem bem conseguidas, muito embora

seja discutível a opção de ter colocado varandas orientadas a norte, ou um significativo

número de quartos voltados para as construções próximas, o projecto é assim consequência

destas, resultando no desprimor dos alçados; assim como da sua relação com a envolvente,

emerge uma composição de volumes excessiva que dilui a originalidade do projecto existente,

provocando a crítica e o desafio que dá origem a esta dissertação.

Um desafio que nos remete para os princípios formais da arquitectura; os pontos que

definem rectas; as rectas que definem planos e os planos que definem volumes de forma e

espaço; a realidade física que esses elementos têm na arquitectura, motivando princípios de

ordem que gerem as funções visuais que a relação e organização desses elementos têm entre

si. (Capítulo IV)

COMPARAR OS CASOS DE ESTUDO | 3.5.

Podemos verificar na tabela seguinte, que os três projectos diferem muito em termos

de programa, à imagem da própria região, privilegiou-se a existência de maiores lugares de

dormida, em detrimento de outros serviços ou valores.

Arquitecto Nr. Quartos %

A□

Implantação %

Nr.

Pisos A□ B. Construção %

1954 António Vicente

Castro 12 220m2 2 400m2

1957 José Albuquerque

Veloso 17 +30% 505m2 +56% 2 945m2 +58%

1969 Francisco Azancot

Keri 72 +84% 1730m2 +87% 7 5317m2 +92%

Fig. 50_ Comparação do Programa Construtivo entre os três projectos.

Fonte: Autor

Fonte: Autor

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71

Contudo, independentemente da dimensão ou dos objectivos de programa, os dois

casos de estudo servem como referência para duas metodologias para um projecto de

ampliação de um objecto de referência, sob a dialéctica «Contraste / Analogia».

No Caso de Estudo I, José Veloso, um Arquitecto, responsável uns anos depois, entre

outras obras de referência local, pelo projecto SAAL, um pouco por todo o Barlavento

Algarvio, dos quais destacamos o mediático e inédito, Bairro 1º de Maio40

, em 1975, também

em Lagos. Consideramos na sua ampliação, ter praticado uma atitude de «contraste»

relativamente à preexistência, não só pela aversão que tem à expressividade materializada na

obra anterior, mas sobretudo porque a sua intervenção provoca uma ruptura com qualquer

elemento de referência de linguagem previamente existente, eliminando inclusive a cobertura,

um dos elementos de maior expressão na formal na obra anterior.

No Caso de Estudo II, Francisco Keri, um Arquitecto de Lisboa, ao que sabemos,

nada relacionado com a cidade de Lagos; pratica, neste projecto, uma atitude de «analogia»,

visto que tentou uma ampliação de forma a repetir elementos de linguagem presentes no

objecto anterior.

Uma dialéctica que pôde aqui ser experienciada e nos permite tirar referências,

acerca de qual a melhor abordagem a utilizar. (Ver Capitulo IV)

40

Projecto que deu fruto ao Documentário Cinematográfico de Cunha Teles, no qual, o próprio Arquitecto

Veloso participa, intitulado: “Continuar a Viver” ou “Índios da Meia-Praia”, lançado em 1977; ou à

«intemporal» música de Zeca Afonso, lançada em 1976.

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CAPÍTULO IV

PROJECTO, LINGUAGEM E

COMPOSIÇÃO EM ARQUITECTURA | 04

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O ACTO DE ARQUITECTAR | 4.

A fase inicial de qualquer projecto é o reconhecimento de uma condição

problemática e a decisão de se encontrar uma solução para ela. O acto de projectar consiste

assim num processo de resolução de problemas, sujeito à interpretação que cada arquitecto faz

das suas condicionantes para cada projecto, condicionantes que influenciam tanto a sua

percepção de uma questão quanto a formulação da sua resposta.

O acto de Arquitectar é mais do que a satisfação de exigências puramente funcionais

de um programa construtivo. Fundamentalmente, as manifestações físicas da arquitectura

acomodam a actividade humana. Todavia, o arranjo e a organização das formas e espaços

também determinam a maneira como a arquitectura pode promover iniciativas, trazer

respostas e comunicar significado. É possível estabelecer uma analogia com a maneira como

precisamos conhecer e compreender o alfabeto antes que possamos formar palavras e

desenvolver um vocabulário, como precisamos compreender as regras de gramática e síntese

antes que possamos construir sentenças; precisamos entender os princípios de composição

antes de escrever ensaios ou romances. Uma vez esses elementos compreendidos, poderemos

escrever com profundidade e relevância. De maneira idêntica, talvez seja apropriado sermos

capazes de reconhecer os elementos básicos da forma e espaço e entendermos como podem

ser manipulados e organizados no desenvolvimento de um conceito de projecto, antes de nos

voltarmos para a questão mais vital do sentido na arquitectura.

No cerne desta dissertação está a problemática inerente à ampliação da Estalagem

São Cristóvão. É então, o nosso desafio identificar o quanto as opções de conjugação dos

elementos constituintes do projecto foram ou não benéficas para a valorização ou

desvalorização da preexistência. Tratando-se de uma ampliação, podemos indicar que se trata

da adição de um novo corpo ao corpo preexistente, como exemplificamos a seguir:

Fig. 51_ Quadrado Vermelho = Preexistência; Quadrado Azul = Ampliação.

Fonte: Autor

Fonte: Autor

+

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74

PRINCIPIOS DE ORDEM | 4.1.

A ordem é uma condição em que cada parte de um todo está apropriadamente

disposta com referência a outras partes e ao seu propósito, de modo a produzir um arranjo

harmonioso.

A ordem deve ser entendida como indispensável para o funcionamento de qualquer

sistema organizado, seja a sua função física ou mental. Da mesma forma que um motor, uma

orquestra, ou uma equipa desportiva funcionam em cooperação de todos os seus constituintes,

uma obra de arte ou arquitectura não cumpre a função de transmitir a sua mensagem se não

transmitir um padrão de ordem.

“ […] A ordem sem diversidade pode resultar em monotonia e

enfado; diversidade sem ordem pode produzir caos. Um sentido de unidade

com variedade é o ideal. Os seguintes princípios de ordem são

considerados como recursos visuais que permitem que as formas e espaços

variados e diversos de um edifício coexistam perceptiva e conceitualmente

dentro de um todo ordenado, unificado e harmonioso.” 41

(Ching, 1999,

p.320)

Os projectos de arquitectura são compostos por uma diversidade de exigências de

programa de um edifício. As formas e os espaços de qualquer edificação devem levar a

hierarquia inerente às funções que acomoda, os utilizadores que serve, os propósitos ou

significado que transmite e o contexto a que se dirige. É o reconhecimento dessa diversidade

de constituintes na programação de cada projecto que os princípios de ordem são discutidos.

Os princípios de ordem podem ser:

Um Eixo (uma recta definida por dois pontos, onde se podem dispor formas e

espaços de uma maneira equilibrada);

Uma Simetria (distribuição equilibrada de formas e espaços equivalentes em lados

opostos de uma recta ou plano);

41 Ching, Francis (1999). Arquitectura Espaço e Ordem; São Paulo: Martins Fontes, p.320.

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Uma Hierarquia (articulação da importância ou do significado de uma forma ou

espaço através do seu tamanho, formato ou localização, relativamente a outras formas e

espaços da organização);

Um Ritmo (um movimento unificador caracterizado por uma repetição ou alternação

padronizada de elementos ou motivos formais, na mesma forma ou numa forma modificada);

Ou uma Transformação (princípio de que um conceito, estrutura ou organização

arquitectónicos que podem ser alterados através de uma série de manipulações distintas em

resposta a um contexto, sem perda de identidade ou conceito).

Segundo estas definições quanto aos princípios de ordem, percebemos que a resposta

para uma ampliação de um elemento preexiste que queremos evidenciar, está na organização

do nosso projecto, sob o princípio de hierarquia dos elementos que pretendemos destacar em

detrimento dos que são secundários. Para que uma forma ou um espaço sejam articulados

como sendo importantes ou significativos para uma organização, é preciso torná-los

singularmente visíveis.

Podemos utilizar os Casos de Estudo descritos no capítulo anterior como exercícios de

referência para diferentes tipos de composição para a ampliação do mesmo projecto.

Comecemos por decompor o projecto em estudo de forma a encontrar uma ordem no

conjunto para nos possibilitar compreender referências e soluções para este projecto de

ampliação, seguidamente, tentaremos enquadrar essa «decomposição» nos casos de estudo

que caracterizamos no capítulo II.

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DECOMPOSIÇÃO | 4.1.2

O Alçado Nordeste da Estalagem pode ser assim dividido em «2 planos»:

No 1º Plano, definimos os diferentes constituintes do alçado, em «A» definimos um

elemento único, como sendo a platibanda; em «B» compreendemos o elemento mais forte na

leitura da fachada, a caixa de varandas; em «C» a janela de canto;

No 2º Plano, «D» o plano de parede; em «E» a escada exterior e em «F» a varanda.

Em Síntese:

Fig.52_ Decomposição do Alçado Nordeste, Reproduzido pelo autor, da Estalagem S. Cristóvão de 1954, do Arq. Vicente Castro. Legenda:

A- Entablamento (platibanda) B- Corpo (caixa de varandas) C- Embasamento (conjunto de caixilharias e revestimento)

D- Plano de parede E- Escada F- Varanda Fonte: Autor; Original - Projecto do Posto Rodoviário de Lagos. Arquivo Municipal de Lagos.

B

A

C E

D

F

11º Plano 12º Plano

Fig. 53_ Síntese de composição do Alçado Nordeste; reproduzido pelo autor, da Estalagem S. Cristóvão de 1954, do Arq. Vicente Castro. Fonte: Autor

Fonte: Autor

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EXEMPLO 1

Verificamos neste conjunto que foi acrescentado um novo plano à direita, mas que no

entanto, a excepção do ritmo que permanece, apresentando-se como um elemento destinto dos

anteriores; nas zonas preexistentes são suprimidos os elementos «A» e «F» correspondentes à

platibanda e à varanda, no lugar da varanda repete-se o elemento «C».

Em síntese:

Conclusão: Sob este alçado, podemos evidenciar que o projecto antecedente

permanece como elemento dominante, muito por conta dos novos constituintes não se

excederem com novos elementos; no entanto, é de lamentar a anulação dos elementos que

personalizam o projecto anterior, como é o caso da platibanda.

Fig. 54_ Decomposição do Alçado Nordeste; reproduzido pelo autor da, proposta de ampliação do Arq. José Veloso, 1959

Fonte: Autor

B

-A

C E

D

-F+C

1º Plano 12º Plano 12º Plano

Fig. 55_ Síntese de composição do Alçado Nordeste; reproduzido pelo autor, da proposta de ampliação do Arq. José Veloso, 1959 Fonte: Autor

Fonte: Autor

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Fig. 56_ Reprodução do Alçado Nordeste, do Hotel S. Cristóvão de 1969, do Arq. Francisco Keri Fonte: Autor

EXEMPLO 2

Neste segundo exemplo, o alçado alcança uma proporção distinta do objecto original;

a separação que se fazia entre planos passa a ser definida desta vez pelo corpo vertical atrás da

estalagem; os elementos marcantes do alçado passam a ser outros, à excepção do elemento

«B» que é diversas vezes repetido no segundo plano.

Em síntese:

Conclusão: Através deste alçado, verificamos que a preexistência perde a sua

evidência; mesmo com a repetição excessiva do seu anterior elemento dominante, verificamos

que essa atitude desvaloriza o original, tornando-o disperso no novo conjunto.

B

12º Plano 11º Plano

B

B

B

B

Fig. 57_ Síntese de composição do Alçado Nordeste; reproduzido pelo autor, da proposta de ampliação do Arq. Francisco Keri, 1969 Fonte: Autor

Fonte: Autor

X4 X4

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79

CONSIDERAÇÕES

Conforme concluímos no capítulo anterior, existe uma dialéctica constante, na

procura da solução para melhor responder à valorização de uma preexistência. Comparando

os dois exemplos, identificamos diversos factores que influenciam na interpretação da

linguagem de um projecto.

Do Exemplo 1, podemos verificar que na metodologia de composição do alçado

existiu uma atitude contrária, para com o projecto antecedente, isto por ter eliminado alguns

dos elementos de caracterização do modelo original, mas acima de tudo porque a nova

construção não faz referência aos momentos anteriores, concluímos assim que está implícita

uma atitude de «contraste».

Do exemplo 2, verificamos que o desenho do alçado sofre grandes alterações quanto

à proporção, fazendo até com que a preexistência se dilua no seu todo, no entanto, a

permanência dos elementos do projecto original, mas sobretudo a multiplicação dos

elementos anteriores, demonstra-nos que está implícita uma atitude de «analogia» para com a

preexistência.

Podemos atestar através dos dois exercícios que, para a preservação dos valores

estéticos de uma fachada preexistente recorremos a um exercício matemático que nos diz:

A + A = 2A ≠ A ou A + B = AB ≠ A

Ou seja, quanto menor for a alteração, a existência de novos, ou repetidos elementos

de linguagem da situação anterior, maior será o valor que a nova construção dará à situação

preexistente, ou como diria Mies van der Rohe -“menos é mais”.

No entanto, é de salientar que o exercício de desenho do alçado é algo sujeito ao

programa de projecto, no caso de estudo desta dissertação procuramos a ampliação de uma

estalagem para 80% da sua capacidade de dormidas, tal como acontece no Hotel São

Cristóvão, valor bastante significativo tanto pela volumetria que assumirá, como pelo caracter

que um programa de quartos transmite para um alçado de projecto.

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80

COMPOSIÇÃO | 4.1.2

É possível tornar uma forma ou um espaço visualmente dominantes e dessa forma

importantes ao se diferenciar claramente o seu formato dos outros elementos da composição.

Como evidenciamos dos exercícios anteriores, é crucial criar um contraste para que tal

aconteça. Tendo em conta a percentagem avultada de programa que implica esta ampliação de

projecto, adiantamos a opção por um alçado cujo seu novo acrescento seja despojado de

elementos de linguagem, tornando-o secundário em relação ao preexistente, ou seja, mesmo

que assuma uma maior área de preenchimento no alçado, esse pode ser um factor manipulado

uma vez que o desnudamos de elementos, criando um maior interesse visual no elemento

anterior.

Não é contudo o desenho de alçado que adjectiva uma boa relação com as

preexistências, muito menos define um bom ou mau projecto, a arquitectura deve ser pensada,

projectada, construída e vivenciada como resposta a um conjunto de condições existentes.

Condições essas, que podem ser de natureza estética, funcional, ou sustentável nos seus

variados graus, ecológico ou económico por exemplo.

Fig. 58_ Alçado Nordeste da proposta para o Hotel São Cristóvão

Fonte: Autor

1º Plano 12º Plano

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81

MEMÓRIA DESCRITIVA E JUSTIFICATIVA | 4.2.

O projecto de ampliação da Estalagem teria hoje um contexto completamente

diferente do de 1969, a cidade de Lagos expandiu para sul e para lá da Ribeira de Bensafrim,

o que em 1969 eram fábricas, hoje viraram ruinas, ou reconversões voltadas para o comércio e

para o turismo, onde se junta o novo edifício dos Passos do Concelho séc. XXI, sobraram as

chaminés. A baía, que no tempo da estalagem servia como paisagem, dá lugar ao ancorado

esquadrão de embarcações turísticas da Marina de Lagos. O passeio da Avenida dos

Descobrimentos serve agora como um corredor contemplativo, tenta-se que o tráfego

automóvel seja dali aliviado através de vias alternativas.

50m 0 10m

Fig. 59_ Enquadramento Urbano do Hotel São Cristóvão, Fotografia Aérea Fonte: Google Maps

Fonte: Autor

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CRITÉRIOS DE IMPLANTAÇÃO | 4.2.1

A existência de uma zona de estacionamento para tomada e largada de passageiros e

bagagens junto à recepção seria conflituosa com o tráfego automóvel, visto que na actual

configuração, parte do lote foi chanfrada para alargar o principal troço de acesso à cidade

resultando na rotunda que centra a Praça D. João II.

O regulamento em vigor para esta zona da cidade obriga ao mínimo de 20% dos

lugares de estacionamento, restringindo também a construção de novas edificações que

previnam cota de soleira no mínimo a 3,5m, precavendo possíveis inundações, desta forma,

surge a inconveniência de construir uma cave para estacionamento, vindo este a existir à

superfície.

Assim, seria conveniente que a zona paragem para largada e tomada de passageiros

fosse resguardada, abrindo-se o acesso a esta pela Rua dos Celeiros, uma via menos

conturbada, causando uma redefinição do lote, este é assim configurado de forma a alinhar

com os passeios nos quarteirões próximos, criando um ponto de convergência entre o passeio

20m 0 4m

Fig. 60_ Organização do lote. Fonte: Autor

Fonte: Autor

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83

da Avenida dos Descobrimentos e o passeio do troço da EN120, dando também continuidade

ao circuito pedonal que ali era obstruído.

A construção fica assim centrada no centro do lote abrindo a envolvente,

desenvolvendo assim um desafogo da unidade hoteleira relativamente às construções

próximas; a nova via, embora provoque uma cisão do lote, será benéfica no acesso aos lugares

de estacionamento assim com às zonas de serviço, mas sobretudo, dignifica a chegada à

recepção do hotel através de uma zona de resguardo, formada pelo novo corpo edificado.

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84

CONCEITO E IDENTIDADE | 4.2.2.

O projecto de ampliação de Estalagem para hotel pretende salvaguardar o máximo

possível os elementos de linguagem da preexistência, como tal, também seria de maior

interesse a relação directa no que diz respeito aos usos, isto é assumir a preexistência como

elemento principal, e não como elemento à parte, separado, como um elemento decorativo.

A preexistência é assim assumida como parte integrante e privilegiada no total da

construção, esta contempla a maioria dos locais de reunião entre os utilizadores do hotel,

nomeadamente: a recepção e o foyer no piso 0, e o restaurante nos pisos 1 e 2.

O conjunto resulta num volume paralelepipédico, o mais invariável possível, este é

cisado pelo pela Estalagem, incutindo no observador que é a preexistência que quebra a regra

e não o contrário.

Fig. 61_ Perspectiva para o hotel desde a EN 120 Fonte: Autor

Fonte: Autor

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85

Num projecto para um hotel a unidade de medida que domina é o quarto, para um

hotel urbano como é o caso, maior essa evidência se manifesta, sendo que o grupo de quartos

assume a volumetria do edificado, assim como a sua composição de alçado pela quantidade de

vãos a que está sujeito.

Tendo em conta as considerações e os exercícios anteriormente realizados

adicionamos as condicionantes próprias a todos os projectos, como são: o limite do terreno, o

limite de cércea, as vistas e a exposição solar.

5m 0 1m

Vista para a Zona Ribeirinha

Vista para a Zona Ribeirinha

Fig. 62_ Configuração dos módulos dos quartos sobre a Estalagem. Fonte: Autor

Fonte: Autor

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Esta configuração permite que a preexistência seja o elemento orientador do novo

projecto, assim como que a maioria dos quartos fique exposta a Sul, e ao mesmo tempo, tira

partido da vista sob a zona ribeirinha, visto serem duas condições quase opostas.

Fig. 63_ Planta do Piso 1. Fonte: Autor

Fonte: Autor

Fig. 64_ Planta do Piso 3 e 4. Fonte: Autor

Fonte: Autor

6m 0 2m

6m 0 2m

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87

A opção de revestir o edifício com lamelas de madeira advém do exercício de

procurar um alçado livre da diferenciação de elementos de linguagem, por outro lado, essa

opção torna-se benéfica uma vez que os utilitários poderão tirar partido das vistas, e ao

mesmo tempo, do sombreamento dos quartos.

2m 0 20cm

Fig. 65_ Quarto Tipo. Fonte: Autor

Fonte: Autor

Fig. 66_ Pormenor do revestimento exterior. Fonte: Autor

Fonte: Autor

1m 0 10cm

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88

Verificamos assim, duas construções distintas que se unem, mas que esteticamente

conseguimos diferenciar as suas diferentes expressões.

A antiga estalagem permanece com toda a sua originalidade mesmo que o novo

corpo, que a eleva à classificação de hotel, se manifeste com maior volumetria. Pois a sua

«nudez» de elementos contrasta com as diversas formas e policromias evidenciadas pela

Estalagem São Cristóvão.

Fig. 67_ Perspectiva para o Hotel São Cristóvão desde a Praça D. João II Fonte: Autor

Fonte: Autor

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89

CONSIDERAÇÕES FINAIS | 4.3.

O tema desta dissertação não tem como prioridade a melhor solução para um novo

hotel em substituição do existente, mas tenta privilegiar qual a melhor solução para

salvaguardar os valores estéticos da preexistência, num tipo de ampliação idêntica. No

entanto, teremos de considerar uma série de factores que podem definir uma boa ou má

solução, pois como referimos, o acto de arquitectar é um exercício sujeito a uma infinidade de

problemas aos quais tenta solucionar.

Tal como fizemos com os Casos de Estudo poderemos acrescentar ao quadro os

números relativos à proposta realizada.

Arquitecto Nr. Quartos %

A□

Implantação %

Nr.

Pisos A□ B. Construção %

1954 António Vicente

Castro 12 220m2 2 400m2

1957 José Albuquerque

Veloso 17 +30% 505m2 +56% 2 945m2 +58%

1969 Francisco Azancot

Keri 72 +84% 1730m2 +87% 7 5317m2 +92%

2014 Autor 50 +76% 410m2 +46% 6 2905m2 +86%

Este quadro comparativo não nos pode responder qual a melhor opção, mas pode

sim, constituir-se como um dos factores de comparação entre os três casos de ampliação para

um mesmo projecto.

Fig. 68_ Comparação do Programa Construtivo entre os quatro projectos.

Fonte: Autor

Fonte: Autor

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90

Poderemos ainda, comparar as três ampliações da Estalagem segundo um gráfico

radial, em que o que estabelecer maior área será a solução mais equilibrada para um

estabelecimento que tira maior rentabilização do espaço.

Foram assim estabelecidos 3 eixos para o gráfio:

Percentagem de número de quartos relativamente à Estalagem.

A qualificação percentual, tendo em conta o sistema de classificação vigente

para unidades hoteleiras (Portaria 327/2008); de 1 até 5 estrelas. (Cada estrela

corresponde a 20%).

A percentagem de área bruta de construção relativamente à Estalagem, (neste

caso invertemos os números, sendo que quanto maior a volumetria de

construção maior o impacto urbano, assim como mais difícil evidenciar a

Estalagem).

Tendo em consideração os valores reais dos três projectos, podemos concluir que o

projecto de Ensaio é aquele que formula uma melhor área de optimização do espaço.

0

20

40

60

80

100% Nr. Quartos

% Qualificação% Área de

Construção*

Caso de Estudo 1

Caso de Estudo 2

Projecto

Fig. 69_ Gráfico comparativo entre os diferentes Casos de Estudo. Nota:*Valores invertidos. Fonte: Autor

Fonte: Autor

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91

CONCLUSÃO | 05

Hoje, cem anos depois da industrialização e meio século depois do Aeroporto, o

Algarve tornou-se sinónimo de turismo, quer a nível nacional ou internacional. Esse estatuto

inflamou uma nova economia, gerando uma cultura voltada para os proveitos que dela advêm.

A população multiplicou, a procura por acolher o repentino crescimento populacional que

sobrepôs, nas cidades algarvias, uma súbita desfiguração das suas pré-existências. Mas sem

hipocrisia, a cultura e a paisagem sofreram e tudo o resto melhorou. O Algarve, o país e as

gentes enriqueceram financeiramente e absorveram paulatinamente novos estilos de vida. A

região consentiu uma porta de entrada para a divulgação de Portugal; é maioritariamente por

ela que os seus visitantes saboreiam um pouco do que é ser português, apesar da sua

autonomia como região é de corroborar com as ideias de Jorge Gaspar, acerca da analogia

com o conjunto do território português:

“O Algarve é um ‘Portugal

deitado’. De facto, aqui encontramos

rodando os eixos, as principais componentes

do País, em formato reduzido: as duas

unidades geológicas mais marcadas – orla

sedimentar e Maciço Antigo; a oposição

Litoral-Interior em termos de

desenvolvimento socioeconómico e de

densidade demográfica; a bipolarização do

sistema urbano Portimão-Faro versus Porto-

Lisboa.“ 42

Bem ou mal, o Algarve é um expositor de Portugal. Não é seguramente, o Algarve, o

estereótipo do «tipicamente português» se é que ele existe; é também injusto que assim

pareça, mas sem desprestigiar as marcas do património construído, há também na arquitectura

um paralelismo nos diferentes períodos, estão presentes: os castelos medievais; a arquitectura

religiosa Renascentista; o Manuelino; as fortalezas sob domínio espanhol; as cicatrizes do

42

Gaspar(1993) in Fernandes, J. M; Janeiro, A. (2005) Arquitectura no Algarve: dos primórdios à actualidade,

uma leitura de síntese: [s.l.]: Edicões Afrontamento, p.8.

Fig.70_ Mapa Administrativo de Portugal e do Algarve «rodado». Fonte: Gaspar(1993) in Fernandes, J. M; Janeiro, A.

(2005) Arquitectura no Algarve: dos primórdios à actualidade, uma leitura de síntese: [s.l.]: Edicões Afrontamento.

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92

histórico Sismo de 1755, bem como da consequente reconstrução, qual baixa pombalina,

como é exemplo em Vila Real de Santo António; a Industrialização; os Revivalismos; a Arte

Nova e a Art Deco; sem esquecer as intervenções do Estado Novo. A acumular a uma

arquitectura com carácter próprio, presente, tanto nos seus elementos de linguagem, como nos

métodos construtivos, como são o uso da taipa, do adobe, assim como na plasticidade da

argila ou uso da cal que resultam nas típicas chaminés, por exemplo. A «descoberta» das

construções de um período mais recente foi em parte dificultada pela então revolução

demográfica, e coincide com um período 20 a 30 anos após as construções pioneiras dos

modernistas na região, escasso período para as considerar bens a proteger, muito pela falta de

uma política de identificação, preservação e recuperação das mais qualificadas dessas

edificações, que em grande parte se deixou perder, ou desfigurar, apesar de constituírem um

valioso e original contributo para a História da Arte Portuguesa.

A História também se faz de erros, não podemos ignorá-los, fazendo um súbito

retrocesso ao passado, este trabalho não pretende desconsiderar as «cicatrizes» que a história

provocou no caso da Estalagem São Cristóvão, é sim uma investigação acerca de uma obra

que desapareceu e uma reflexão teórica e prática do exercício de projectar sobre algo que

pretendemos dignificar, o resultado final será sempre relativizado à interpretação de cada um.

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