Antes Da Missa

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Antes da Missa, Assis Machado

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PEQUENOS BURGUESES

9

ANTES DA MISSA

CONVERSA DE DUAS DAMAS

MACHADO DE ASSIS

Laura entra com um livro de missa na mo; D. Beatriz vem receb-la)

D. BEATRIZ Ora esta! Pois tu, que s a me da preguia,J to cedo na rua! Onde Vais?

D. LAURA Vou missa;A das onze, na Cruz. Pouco passa das dez;Subi para puxar-te as orelhas. Tu sA maior caloteira...

D. BEATRIZ Espera; no acabesO teu baile, no ? Que queres tu? Bem sabes Que o senhor meu marido, em teimando, acabou.Leva o vestido azul No levo Hs de ir No vou... Vou, no vou; e a teimar dste modo, perdemos, Duas horas. Chorei! Que eu, em certos extremos, Fico que no sei mais o que fazer de mim.Chorei de raiva. s dez, veio o tio Delfim;Pregou-nos um sermo dos tais que le costuma,Ralhou muito, falou, falou, falou... Em suma,(Ters tido tambm essas coisas por l)O arrufo terminou entre biscoitos e o ch.

D. LAURA Mas a culpa foi tua.

D. BEATRIZ Essa agora!

D. LAURA O vestidoAzul... o azul claro? aqule guarnecido De franjas largas?

D. BEATRIZ sse.

D. LAURA Acho um vestido bom.

D. BEATRIZ Bom! Parece-te ento que era muita do tom Ir com le, num ms, a dois bailes?

D. LAURA L isso verdade.

D. BEATRIZ Levei-o ao baile do Chamisso.

D. LAURA Tens razo, na verdade, um vestido no Uma opa, uma farda, um carro, uma libr

D. BEATRIZ Que dvida!

D. LAURA Perdeste uma festa excelente.

D. BEATRIZ J me disseram isso.

D. LAURA Havia muita gente. Muita moa bonita e muita animao.

D. BEATRIZ Que pana! Anda, senta-te um bocadinho.

D. LAURA No; Vou missa.

D. BEATRIZ Inda cedo; anda a contar-me a festa... Para mim, que no fui, cabe-me ao menos esta Consolao.

D. LAURA (indo sentar-se)Meu Deus! faz calor!

D. BEATRIZ D cO livro.

D. LAURA Para que! Ponho-o aqui no sof.

D. BEATRIZ Deixa ver. To bonito! e to mimoso! Gosto de um livro assim; o teu muito lindo; aposto Que custou alguns cem...

D. LAURA Foi comprado em Paris;Cinqenta francos.

D. BEATRIZ Sim? Barato. s mais feliz Do que eu. Mandei vir um, h tempos, de Bruxelas; Custou caro, e trazia as folhas amarelas, Uma letra sem graa, e uma tinta sem cr.

D. LAURA Ah! Mas eu tenho ainda o meu fornecedor. Ele me arranjou ste chapu. Sapatos,No me lembra de os ter to bons e to baratos, E o vestido de baile! Um lindo gorguroGris-perle; era o melhor que l estava.

D. BEATRIZ, Ento,Acabou tarde?

D. LAURA Sim; uma, foi a ceia!E a dana terminou depois de trs e meia.Uma festa de truz. O Chico CaladoJ se sabe, foi quem regeu o cotilho.

D. BEATRIZ Apesar da Carmela?

D. LAURA Apesar da Carmela.

D. BEATRIZ Esteve l?

D. LAURA Esteve e digo; era a mais belaDas solteiras. Vestir, no se soube vestir;Tinha o corpinho curto, e mal feito, a sairPelo pescoo fora.

D. BEATRIZ A Clara foi?

D. LAURA Que Clara?

BEATRIZ Vasconcelos.

LAURA No foi; a casa muito cara.E a despesa enorme. Em compensao, foiA sobrinha, a Garcez; essa (Deus me perdoe)Levava no pescoo umas pedras taludas...Uns brilhantes...

D. BEATRIZ Que tais?

D. LAURA Oh! falsos como Judas!Tambm, pelo que ganha o marido, no hQue admirar. L esteve a Gertrudinha S;Essa no era assim; tinha jias de preo.Ningum foi com melhor e mais rico adero.Compra sempre fiado. Oh! aquela a florDas vivas.

D. BEATRIZ Ouvi dizer que h um doutor...D. LAURA Que doutor?

D. BEATRIZ Um dr. Soares que suspira. Ou suspirou por ela.

D. LAURA Ora sse um giraQue pretende casar com quanta moa v.A Gertrudes! Aquela fina como o que.No diz que sim, nem, no; e o pobre do Soares,Todo cheio de si, creio que bebe os aresPor ela... Mas h outro.H coisas que eu s digo e s confio a ti.

D. BEATRIZ Outro?

D. LAURA Isso fica aqui;No me quero meter em negcios estranhos.Dizem que h um rapaz, que quando esteve a banhosNo Flamengo, h usa ms, ou dois meses, ou trs,No sei bem; um rapaz... Ora o Juca Valdez!

D. BEATRIZ O Valdez..

D. LAURA Junto dela, s vzes, conversavaA respeito do mar que ali espreguiava,E no sei se tambm a respeito do sol;No foi preciso mais; entrou logo no rolDos fiis e ganhou (dizem), em poucos dias,O primeiro lugar.

D. BEATRIZ E casam-se?

D. LAURA A FariasDiz que sim; diz at que les se casaroNa vspera de Santo Antnio ou So Joo.

D. BEATRIZ A Farias foi l tua casa?

D. LAURA Foi;Valsou como um pio e comeu como um boi.

D. BEATRIZ Come muito, ento?

D. LAURA Muito, enormemente; comeQue, s v-la comer, tira aos outros a fome. Sentou-se ao p de mim. Olha, imagina tuQue varreu, num minuto, um prato de peru,Quatro croquettes, dois pastis de ostras, fiambre;O cnsul espanhol dizia! Ah, Dios, que hambre!Mal me pude conter. A Carmozina Vaz,Que a detesta, contou o dito a um rapaz.Imagina se foi repetido; imagina!

D. BEATRIZ No aprovo o que fz a outra.

D. LAURA A Carmozina?

D. BEATRIZ A Carmozina. Foi leviana; andou mal, L porque ela no come ou s come o ideal...

D. LAURA O ideal so talvez os olhos do Antnio?

D. BEATRIZ M lngua!

D. LAURA (erguendo-se) Adeus!

D. BEATRIZ J vais?

D. LAURA Vou j

D. BEATRIZ Fica!

D. LAURA No ficoNem um minuto mais, So dez e meia

D. BEATRIZ. Vens Almoar?

D. LAURA Almocei.

D. BEATRIZ Vira-te um pouco, tens Um vestido chibante!

D. LAURA Assim, assim. L iaDeixando o livro. Adeus! Agora at um dia.At logo; valeu? Vai l hoje; hs de acharAlguma gente. Vai o Mateus Aguiar.Sabes que perdeu tudo? O pelintra do sogroMeteu-o no negcio e pespegou-lhe um logro.D. BEATRIZ Perdeu tudo?

D. LAURA No tudo; h umas casas, seis, Que le ps, por cautela, a coberto das leis.

D. BEATRIZ Em nome da mulher, naturalmente?

D. LAURA Boas!Em nome de um compadre; e inda h certas pessoasQue dizem, mas no sei, que sse logro fatalFoi tramado entre o sogro e o genro; e naturalAlm do mais, o genro de matar com tdio.

D. BEATRIZ No devias abrir-lhe a porta.

D. LAURA Que remdio!Eu gosto da mulher; no tem mau corao; Um pouco tola... Enfim nossa obrigaoAturarmos-nos uns aos outros.

D. BEATRIZ O Mesquita Brigou com a mulher?

D. LAURA Dizem que se desquita.

D. BEATRIZ Sim?

D. LAURA Parece que sim.

D. BEATRIZ Por que razo?

D. LAURA (vendo o relgio) Jesus!Um quarto para as onze! Adeus! Vou para a Cruz. (Vai a sair e para)Cuido que ela quer ir Europa; le disseQue antes de um ano mais, ou dois, era tolice. Teimaram, e parece (ouviu-o ao Nicolo)Que o Mesquita passou da lngua para o pau.E lhe fz um discurso hiperblico e cheioDe imagens. A verdade que ela tem no seioUm sinal roxo; enfim vo desquitar-se.

D. BEATRIZ VoDesquitar-se!

D. LAURA Parece at que a petioFoi levada a juzo: H de ser despachadaAmanh; disse-o hoje a Luizinha Almada.Que eu, por mim, nada sei. Ah! Feliz, tu feliz,Como os anjos do cu! tu sim, minha Beatriz!Brigas por um vestido azul, mas chega o ursoDo teu tio, desfaz o mal com um discurso,E restaura o amor com dois goles de ch!

D. BEATRIZ Tu nem isso!

D. LAURA Eu c sei.

D. BEATRIZ Teu marido?

D. LAURA No hMelhor na terra; mas...

D. BEATRIZ Mas?...

D. LAURA Os nossos maridos!So, em geral, no sei... uns tais aborrecidos O teu, que tal?

D. BEATRIZ bom.

D. LAURA Ama-te.

D. BEATRIZ Ama-me.

D. LAURA Tem Carinhos por ti?

D. BEATRIZ De certo.

D. LAURA O meu tambmAcarinha-me; terno; inda estamos na lua De mel. O teu costuma andar tarde na rua?

D. BEATRIZ No.

D. LAURA No costuma ir ao teatro?

D. BEATRIZ No vai.D. LAURA No sai para ir jogar o voltarete?

D. BEATRIZ Sai Raras vzes.

D. LAURA Tal qual o meu. Felizes ambas!Duas cordas que vo unidas s caambas.Pois olha, eu suspeitava, eu tremia de crer.Que houvesse entre vocs qualquer coisa... H de haver L um arrufo, um alto, alguma coisa... Nada?Nada mais? assim que a vida de casadaBem se pode dizer que a vida do cu.Olha, arranja-me aqui as fitas do chapu.Ento, espero-te? Est dito?

D. BEATRIZ Est dito.

D. LAURA De caminho vers um vestido bonitoVeio-me de Paris; chegou pelo Poitou.Vai cedo. Pode ser que haja msica. TuHs de cantar comigo, ouviste?

D. BEATRIZ Ouvi.

D. LAURA Vai cedo.

D. LAURA Tenho medo que v a Claudina Azevedo E terei de aturar-lhe os mil achaques seus. Quase onze, Beatriz! Vou ver a Deus. Adeus!