Antero Da Silva - Modelo de Letramento Da Pedagogia Maubere

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MODELO DE LETRAMENTO DA PEDAGOGIA MAUBERE 1 Antero Benedito da Silva (2012), Instituto de Estudos de Paz e Conflito 1. Filosofia educacional O dicionarista Merrian Webster define obscurantismo como “uma oposição à divulgação do conhecimento ou uma política de negar conhecimento do público em geral”. (Obscurantismo, n.d.) Este conceito foi comumente usado pela FRETILIN para caracterizar o sistema de educação colonial português. Por exemplo, em uma entrevista com Bill Nicol, em 1975, o líder da FRETILIN Roque Rodrigues, conhecido como “Maubenko”, declara o uso do analfabetismo como uma arma, pelos portugueses : A luta contra o analfabetismo é uma luta contra a inconsciência... o Estado colonial usou o sistema educacional para polarizar a criatividade das pessoas e sufocar a cultura timorense (em Nicol, 2002, p.162) O termo é também encontrado no ponto onze do Programa Político da FRETILIN, o qual diz: Entretanto, a FRETILIN irá iniciar uma campanha rigorosa de alfabetização, num ensino verdadeiramente libertador, o qual possibilitará a liberação de nosso povo de 500 anos de obscurantismo (FRETILIN, 1974, p.19) Obscurantismo aparece, ainda, no Artigo 12 da Constituição da RDTL-I, a qual estabelece que: A RDTL propõe o desenvolvimento de uma campanha majoritária contra o analfabetismo e o obscurantismo e trabalha para proteger e desenvolver a cultura timorense como um importante instrumento de libertação (RDTL, 1976, p.34) Nestes textos, o termo ‘obscurantismo’ implica também ignorância, inconsciência (tal como Nicol aparenta ter traduzido), superstição e fatalismo, ou aquilo que Paulo Freire definiu como ingênuo ou percepção mágica, ou falsa consciência. (Freire 1996, 111, 112). Contudo, enquanto propõe uma política clara de combate ao obscurantismo através de uma campanha de alfabetização em massa, a FRETRILIN, assim como a Constituição da RDTL-I indicou, está levando em conta a importância do conhecimento indígena ou tradicional popular. Similarmente, Amilcar Cabral da PAIGC, que viu a cultura guineense 1 Tradução de Alexandre Cohn da Silveira, articulador geral PQLP-CAPES 2013

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MODELO DE LETRAMENTO DA PEDAGOGIA MAUBERE1

Antero Benedito da Silva (2012), Instituto de Estudos de Paz e Conflito

1. Filosofia educacional

O dicionarista Merrian Webster define obscurantismo como “uma oposição à

divulgação do conhecimento ou uma política de negar conhecimento do público em geral”.

(Obscurantismo, n.d.) Este conceito foi comumente usado pela FRETILIN para caracterizar

o sistema de educação colonial português. Por exemplo, em uma entrevista com Bill Nicol,

em 1975, o líder da FRETILIN Roque Rodrigues, conhecido como “Maubenko”, declara o

uso do analfabetismo como uma arma, pelos portugueses :

A luta contra o analfabetismo é uma luta contra a inconsciência... o Estado

colonial usou o sistema educacional para polarizar a criatividade das

pessoas e sufocar a cultura timorense (em Nicol, 2002, p.162)

O termo é também encontrado no ponto onze do Programa Político da FRETILIN, o

qual diz:

Entretanto, a FRETILIN irá iniciar uma campanha rigorosa de alfabetização,

num ensino verdadeiramente libertador, o qual possibilitará a liberação de

nosso povo de 500 anos de obscurantismo (FRETILIN, 1974, p.19)

Obscurantismo aparece, ainda, no Artigo 12 da Constituição da RDTL-I, a qual

estabelece que:

A RDTL propõe o desenvolvimento de uma campanha majoritária contra o

analfabetismo e o obscurantismo e trabalha para proteger e desenvolver a

cultura timorense como um importante instrumento de libertação (RDTL,

1976, p.34)

Nestes textos, o termo ‘obscurantismo’ implica também ignorância, inconsciência

(tal como Nicol aparenta ter traduzido), superstição e fatalismo, ou aquilo que Paulo Freire

definiu como ingênuo ou percepção mágica, ou falsa consciência. (Freire 1996, 111, 112).

Contudo, enquanto propõe uma política clara de combate ao obscurantismo através de

uma campanha de alfabetização em massa, a FRETRILIN, assim como a Constituição da

RDTL-I indicou, está levando em conta a importância do conhecimento indígena ou

tradicional popular. Similarmente, Amilcar Cabral da PAIGC, que viu a cultura guineense

1 Tradução de Alexandre Cohn da Silveira, articulador geral PQLP-CAPES 2013

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como revolucionária em potencial (veja capítulo 4), a cultura timorense, para a FRETILIN,

foi um “instrumento importante de libertação” (RDTL, 1976, p.34)

Rodrigues explicou a Nicol, na entrevista de 1975, que o objetivo fundamental do

programa educacional da FRETILIN era revolucionar o sistema de educação imposto pelos

portugueses. A educação da FRETILIN visava transformar o povo Maubere não apenas para

desenvolver um novo homem, o qual refere a homem (sic) como uma nova mentalidade, a

qual é anti-colonial, anti-fascista, verdadeiramente popular e democrática. Mas sim “um

homem que tem participação ativa na política e na sociedade a qual ele pertence”. Além

de alfabetizar, o objetivo era também ensinar às pessoas sobre nacionalismo e a luta pela

libertação nacional, com o objetivo de construir uma sociedade mais humana. Dessa

forma, o sistema educacional integraria a campanha de alfabetização e o novo sistema de

educação (NICOL, 2002, p.163)

2. Um Movimento das escolas

Três meses após a invasão indonésia, foi transmitida pela Radio Maubere a fala do

Primeiro Ministro da RDTL, Nicolau Lobato dizendo: “ No pequeno período de três meses,

desde Dezembro, nós estabelecemos 90 escolas com mais de 9000 pessoas aprendendo a

ler e escrever através um genuíno método que desenvolve a consciência política” (Lobato

03/03/1975). Conforme explicado no capítulo 4, a campanha de alfabetização da FRETILIN

com a pedagogia freireana foi uma das componentes mais ativas da trabalho “de base” ou

“populares” que começou dia 01 de janeiro de 1975. Seguindo a Declaração Unilateral de

Independência, Hamis Bassarewan, conhecido como ‘Hatta”, membro da Casa dos

Timores, e que esteve envolvido no treinamento de alunos da UNETIM para usar o manual

de alfabetização, foi indicado para ser o Ministro da Educação do Governo Emissário da

RDTL, de acordo com Manuel Coelho, o vice Ministro era Afondo Redentor, músico e

compositor do hino nacional da RDTL, Pátria, Pátria. Em cada um dos seis setores sob

controle da RDTL, havia um Diretor Educacional diretamente ligado ao Ministro. O próprio

Coelho, cujo nome de guerra era “AA”, foi Diretor Educacional do Setor Centro Leste

(Manuel Coelho, Entrevista 11/06/2008). Braz Rangel, cujo nome de guerra era “Warik”,

era responsável pela educação na Zona 1975 Bautae, em Uato-Lari (Braz Ranzel, Entrevista

18/03/2009). Manuel Coelho que trabalhou bem próximo a Afonso Redentor, relembra:

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FRETILIN construiu 400 escolas pelo país entre 1976 e 1978. Somente no

Setor Centro Norte havia 32 escolas além do Centro Médico de RENAL em

Remexio. (Manuel Coelho, Entrevista 12/06/2008)

Em Viqueque, que era uma das duas regiões do Setor Central Leste, 35 escolas

foram construídas dando cobertura a três zonas conhecidas por Zona 17 de Agosto A, Zona

15 de Agosto e Zona 1975 Bautae. Nesta região, a Escola Atanlele em Uato-Lari ensinou

estudantes até o quarto ano, fazendo desta uma das melhores escolas da FRETILIN na

região (Braz Rangel, Entrevista 18/03/2009).

3. Pedagogia e Treinamento de professores

Em seguimento da abertura da campanha de alfabetização em 01 de Janeiro de

1975, a FRETILIN cooperou com a Seção de Educação do Comitê de Descolonização

Portuguesa, o qual iniciou o estabelecimento do Grupo de Coordenação para a

Reformulação do Ensino em Timor (GCRET). Colaborando com a União dos Professores

Primários UNAEPTIM (União Nacional dos Agentes de Ensino Primário de Timor), GCRET

ofereceu treinamento inicial de professores para professores da educação primária e para

alguns dos alunos e professores da UNETIM de duas escolas secundárias em Díli, o Liceu

Dr. Francisco Machado e a Escola Técnica. Eles aprenderam como lecionar geografia e

história timorenses utilizando as ideias de Paulo Freire em “Pedagogia do Oprimido”

(Magalhaes, 2004). Esta forma de treinamento de professores foi então continuada nas

bases da Resistência, onde os professores, de acordo com Roque Rodrigues, receberam

orientações diretamente dos líderes do Comitê Central da FRETILIN, particularmente os

membros do Departamento de Orientações Políticas e Ideológicas (DOPI) e do

Departamento de Mobilização de Massa(Rodrigues, Entrevista, Timor-Leste, 15/05/1977)2.

Mais adiante isto foi confirmado em uma entrevista conduzida por mim para este

estudo com Vicente Paulo, professor nascido em Tulu Takeu, Remexio, em 19 de julho de

1958. Paulo relembrou que enquanto ele estava lecionando nas escolas da base no Setor

Centro Norte, havia algo em torno de cem professores que regularmente participavam do

curso de preparação de professores, ministrado por Antonio Carvarinho, conhecido por

“Maulear”, no estágio inicial de aproximadamente seis meses. As disciplinas que eles

estudaram no treinamento de professores incluíam como promover o tétum através da

escrita e da leitura, e métodos de ensino de alfabetização básicos tais como uso de vogais

e consoantes para formação de sílabas e palavras simples. Ditados ainda eram usados

2 Timor-Leste Boletim era publicado regularmente pela CIDAC em Lisboa até 1979.

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também na escola. O grupo de professores era constituído por civis e soldados regulares

das FALINTIL. Os membros das FALINTIL alfabetizavam quando estavam de folga nas vilas.

(Vicente Paulo, Entrevista, 10/2009)

Enquanto a FRETILIN continuou a promover o método Paulo Freire, alguns dos

membros da FRETILIN não foram habilitados neste método, de acordo com Manuel

Coelho, aliás ‘AA’ (ver acima). Nascido em Lau-aba/Loi-Ulo, em Uato-Carbau, em 09 de

março de 1953, Coelho estudou no Liceu até o terceiro ano da escola secundária, em 1974-

75. Na posição de Diretor de Educação do Setor Centro Norte, ele foi capturado pelas

forças indonésias junto com muitos outros em Manehat, Soibada-Manatutu, em 22 de

dezembro de 1978 e detido por 10 dias em Maubessi antes de ser conduzido a Díli.

Trabalhou por um curto espaço de tempo no Departamento de Telecomunicações da

Indonésia depois de ser solto, mas foi preso novamente em 25 de Janeiro de 1984 e

mantido em Becora até16 de fevereiro de 1986. Em março de 1986 ele viajou para

Portugal onde vive atualmente como um estudante pós-graduado em História. Na sua

entrevista, ele observou que o método Paulo Freire exigia um longo processo para que as

pessoas entendessem sua aplicação. Ele também comentou, por conta da natureza da

guerra, as condições de aplicação do método foram muito difíceis. Alguns educadores

apoiaram o método dos temas geradores de Freire para ser usado nas escolas por ser mais

fácil para o aprendizado das pessoas. Por fim, tiveram que aplicar um método misto que

combinava o ensino convencional de alfabetização básica com a discussão de temas

geradores, tal como pressupõe o método de Freire. (Manuel Coelho, entrevista

11/06/2008).

Outro professor, Francisco Calsona, relembra que aprendeu que, de acordo com

Freire, em vez de ensinar os alunos a escreverem segurando em suas mãos, o papel do

professor era ajudar os alunos a usarem suas próprias mãos. Ele concluiu que o resultado

foi satisfatório porque muitas pessoas aprenderam a ler e escrever; ao menos eles sabiam

contar e escrever os próprios nomes (Francisco Calsona e Domingos Caetano, entrevista

20/10/2009). Papéis e lápis eram também escassos nas bases da Resistência. Celestino da

Costa lembrou que em Remexio, na intenção de ajudar os alunos a aprenderem, os

facilitadores usavam um método demonstrativo. Eles fizeram as letras do alfabeto usando

riscando com pedras o chão para a visualização dos alunos. (Celestino da Costa, entrevista

19/09/2009)

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4. O tétum como língua intermediária

Em seu Manual e Manifesto Político, a FRETILIN propôs o uso contínuo da língua

portuguesa até que o tétum fosse desenvolvido porque havia muitas palavras inexistentes no

tétum o que impedia a língua de se tornar um idioma oficial (FRETILIN, 1974, p.21,31).

Entretanto, nas bases da Resistência, o governo da RDTL I não usou apenas o tétum como

idioma intermediário. Foram usados os dialetos locais. Então, em vez do tétum apoiar o

português ou vice versa, os dialetos locais frequentemente apoiavam o tétum nas escolas das

bases de Resistência. Braz Rangel ‘Warik’ explicou de que forma eles usavam o tétum como

língua intermediária para o ensino de alfabetização básica na região de Viqueque:

Primeiramente, nós apresentamos as vogais ‘a’, ‘e’, ‘i’, ‘o’, ‘u’ , e então nós formávamos

sílabas como ‘ka’, ‘ke’, ‘ki’, ‘ko’, ‘ku’. A partir destas nós podíamos formar mais palavras

combinando com outras vogais e letras, por exemplo ‘kuda’ e, a partir daí, introduzíamos os

alunos na língua portuguesa: kuda é ‘ca – va – lo’. Dávamos palavras como exemplos ‘ai’

(palavra em tétum para ‘árvore’), ‘ema’ (palavra em tétum para pessoa), ‘inimigu’(palavra em

tétum para inimigo). Os alunos compreendiam rapidamente porque usávamos coisas

presentes na situação vivida. Nós ensinamos os números e se os alunos apresentassem

dificuldades em aprendê-los em língua portuguesa nós usávamos as línguas locais como

‘Makasae’3 ou ‘Naueti’, então eles efetivamente começaram a contar. (Braz Rangel, Entrevista

18/03/2011)

‘Kuda’ é a palavra em tétum para ‘cavalo’, um animal muito comum em Timor. A palavra

‘kuda’ pode ser igualmente encontrada na canção revolucionária ‘Foho Ramelau”, no verso “...

hader kaer rasik kuda tali eh. Hader! Ukun rasik ita Raí eh” (Acorde, segure as rédeas de seu

próprio cavalo. Acorde! Assuma o controle do seu próprio país). ‘Kuda’ foi também usada

como palavra-chave no manual da FRETILIN de alfabetização, “Rai Timor, Rai Ita Nian” (A Terra

de Timor é nossa). Acima de tudo, estes eram aspectos comuns que as pessoas vivenciavam

em seu cotidiano nas vilas.

Julio dos Santos, de Bobonaro, tinha 9 anos de idade quando estudava na escola da

FRETILIN na Aldeia Mapeh, em Zumalai, entre os distritos de Suai e Ainaro, em 1976-1978. Ele

3 De acordo com o Instituto Nacional de Linguística, existem aproximadamente 16 dialetos em Timor.

Makasae e Naueti são dialetos locais, dentre outros, do lado leste de Timor-Leste.

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lembrou uma baordagem semelhante usada na ocasião. Disse que eles aprendiam : “kA, ke, ki,

ko, ku”. A partir daí formavam palavras como “kara, kere, kiri, koro, kuru”. Os alunos eram

encorajados a encontrar significados para essas palavras usando suas línguas locais, tais como

“Bunak” e “Kemak”4, caso houvesse. Ele lembrou que isso provocava a curiosidade dos alunos

que deveriam pesquisar e discutir entre eles, o que tornava a escola muito agradável para eles.

(Julio Santos, entrevista 11/03/2011)

Estes estudos de caso e experiências relembradas indicam que o Departamento de

Educação da FRETILIN – RDTL I era muito sistemático em desenvolver uma pedagogia de

educação e que uma versão dos temas e palavras geradores, de Paulo Freire, era utilizada nas

Bases de Resistência. A influência contínua do manual de alfabetização da Casa dos Timores é

clara a partir dessas lembranças. Além disso, de acordo com Celestino da Costa, nome de

guerra ‘Malik’5, o uso da língua tétum nas aulas constituía “parte da luta cultural da resistência

timorense”. (Celestino da Costa, entrevista 19/09/2009)

5. Aprendizado do currículo em prática

Manuel Coelho, antigo diretor do Departamento de Educação da RDTL no Setor Centro

Norte, relembrou que o papel da escola era assegurar a compreensão das pessoas quanto às

razões pelas quais eles estavam lutando:

Por que nós resistimos e queríamos ‘ukun-rasik-an’

(independência)? Era imperativo que as pessoas participassem das

aulas de alfabetização e se juntassem às organizações de massa a fim

de compreenderem o objetivo da luta (Manuel Coelho, entrevista,

11/06/2008).

O elo estabelecido por Coelho entre a educação e a prática traz-nos um outro aspecto

do aprendizado que é a utilização do conhecimento novo para transformar a realidade social.

Por exemplo, assim como ler e escrever, as escolas da FRETILIN ensinavam Geografia, não

como as escolas portuguesas haviam ensinado, mas “geografia do novo Timor-Leste”. Ambos,

Coelho e da Costa, lembraram disto como um assunto político relevante porque auxiliou a

educar as pessoas acerca da existência da República Democrática de Timor-Leste (RDTL), como

4 Bunak e Kemak são dialetos falados em Maliana e outras partes dos distritos de Suai e Ainaro.

5 Celestino da Costa ‘Malik’, da Aldeia Bereliu, em Suco Faturasa, Remexio.

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um país. Os alunos então aprenderam que a extensão territorial da RDTL compreendia as

pequenas ilhas de Ataúro e Jaco, e o enclave de Oecusse. Isto foi um grande feito pois nem

mesmo os mais idosos sabiam onde ficava Oecusse por conta do relativo isolamento deste

território em relação ao resto de Timor-Leste (Manuel Coelho, entrevista, 11/06/2008;

Celestino da Costa, entrevista, 19/09/2009).

Neste setor, a política também era ensinada através de canções revolucionárias, tais

como “Pátria-Pátria” , “Foho Ramelau”6 entre outras. Dois dos entrevistados lembraram que

antes da prisão de Xavier do Amaral, muitos líderes visitaram Faturasa, um acampamento em

Remexio, onde os estudantes locais divertiam os visitantes com apresentações incluindo

canções populares conhecidas como ? (Celestino da Costa, entrevista, 19/09/2009), Juliana

Mendonça 19/09/2010) além de aprenderem a ler, a escrever, a geografia e a música, as

escolas também forneciam treinamento militar e organizavam os alunos para trabalharem nas

fazendas comunitárias. Estes alunos mais velhos e fortes o suficiente eram treinados a

desmontar e remontar armas com os olhos fechados, a fim de demonstrarem suas habilidades.

Nas fazendas comunitárias, assim como outros cidadãos, os alunos plantavam legumes tais

como mandioca, batata doce e milho. A produção revertia em alimento para as forças armadas

e dar auxílio aos que haviam perdido suas lavouras, além daqueles com necessidades

especiais, como idosos e órfãos. Havia muitos problemas, ainda assim. Muitas pessoas

adoeciam e não havia comida suficiente a todos fazendo com que a desnutrição fosse um

problema comum no Setor Centro Norte. A política da escola era incentivar os alunos a

trazerem seus próprios alimentos, como mandioca e ‘rotok’7. As disciplinas lecionadas eram as

mesmas já mencionadas anteriormente, tais como: alfabetização, alfabetização numérica e

música. Na escola, eles também usavam o Manual de Política da FRETILIN na intenção de

discutir o direito à auto-determinação do ‘Povo Maubere’, explicando que a maioria oprimida

eram camponeses e pequenos agricultores de subsistência (Juliana Mendonça, entrevista

19/09/2010; Celestino da Costa, entrevista 19/09/2009).

6. Desafios no aprendizado e avaliação

6 Pátria, Pátra é agora o Hino Nacional da RDTL, enquanto que Foho Ramelau é o Hino da FRETILIN,

ainda cantado hoje em todas as manifestações de massa e encontros maioritários.

7 ‘Rotok’ é um tipo de comida que consiste na mistura de raízes e outros legumes, incluindo batata doce

ou Taro (Tétum: tetak aifarina no kahur talas lekirauk)

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Os educadores realizavam reuniões ao menos duas vezes por semana para discutir

assuntos relacionados à educação, cultura e segurança nacional, mas não havia uma avaliação

sistemática para os alunos por causa da situação da segurança devido às pressões militares

indonésias. Os recursos eram muito escassos. Tal como foi discutido no capítulo II, quando eu

era aluno na escola RDT-I, na Aldeia 20 de Maio, na região de Viqueque, os alunos usavam

pedras brancas, carvão e palitos de bambu para escrever porque não havia material de escrita

disponível. No Setor Centro Norte, os alunos faziam uso de panfletos jogados pelos aviões

indonésios como papéis para escrita, e usavam pedras para formar palavras como Ramelau,

RDTL, Timor-Leste e FRETILIN (Vicente Paulo, entrevista 19/10/2009; Celestino da Costa,

entrevista 19/09/2009).

7. Conclusão

O presente estudo indica que, em seu tempo, a FRETILIN definiu que o obscurantismo

foi a maior causa da injustiça social e da continuidade do colonialismo e fez uma intervenção

correta para abolir isto através da promoção de uma educação alternativa orientada pela

educação de massa. Entretanto, nas bases de Resistência FRETILIN / RDTL foram confrontadas

situações tais como a falta de recursos básicos para sobrevivência e sustento da resistência. A

Educação então tornou-se não apenas um sistema de aprendizado básico de alfabetização e

política, mas também tornou-se um sistema de produção de alimentos. Esta produção era

então integrada ao sistema educacional permitindo as crianças a trabalharem nos campos de

agricultura. A FRETILIN/RDTL também promoveu as línguas locais como intermediárias para

complementar a língua portuguesa, enquanto que este idioma era usado pelas lideranças.

Bibliografia

Entrevistados

Antônio de Jesus Pinto, entrevista 2/3/2010

Braz Ranzel, entrevista 18/03/2009, Uato-Carbau, Timor-Leste

Celestino da Costa,entrevista 19/09/2009

Francisco Calsona e Domingos Caetano, entrevista 20/10/2009

Juliana Mendonça, entrevista 19/09/2010

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Julio dos Santos, entrevista 11/03/2011

Julmira Sirana, entrevista 20/10/2009

Madalena da Silva Fernandes, entrevista 05/02/2010

Manuel Coelho, entrevista 12/06/2008

Ramaldo da Costa et al, entrevista 20/04/2009

Vicente Paulo, entrevista 10/2009

Material Bibliográfico

ACFOA 10/1975, East Timor report. Biblioteca Maubere. Dili, Timor-Leste.

CIET, Press Release (1975), Press Statement by Australian Delegation to East

‘Portuguese’ Timor; National Library of Australia, MS9535, Denis Freney, Box No. 6,

MS9535/3/11; CIET Press Release from January 1975-September 1976 (1 of 2)

FRETILIN (1974). Manual e Programa Políticos. Biblioteca Maubere. Dili, Timor-Leste

GUTERRES C. (2012) Entrevista a Caetano de Souza Guterres no programa

radiofônico Tuba Rai Metin Legenda retirado do Arquivo & Museu da Resistência

Timorense em HTTP://amrtimor.org/multimedia/multimedia_sons_usaid.php

Biblioteca Nacional da Australia. Coleção Manuscrita MS 9535; Denis Freney; Copy

Master Series 3, pastas 9-16, Caixa 6ª – Press Release of Australian Unions of Students,

datada de 23 de fevereiro de 1975.

Denis Freney: CIET.MS.9535/3/9: Press Release by Australia Delegation to East

Timor, datado Sidney, 21 de Março de 1975.

Jornais e Revistas acadêmicas

Timor-Leste (15/05/1977), Boletim de Informação do CIDAC, Edição No. 4, Lisboa.

Nacroma (02/05/1975), Jill Jolliffe Collection, The Australian National library,

Canberra. (CPDM-CIDAC-TL6600-04)

Timor-Leste 15/05/1977