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    JAPPE, Anselm. Alienao, reificao e fetichismo da mercadoria.Limiar, vol. 1, n. 2,

    jan./jun. 2014.

    autor inicia o te!to chamando a ateno "ara o fato de #ue a $$ $nternacional

    foi res"ons%vel "or certa mudana na "erce"o dos o&jetivos do movimento socialista

    contri&uindo "ara a consolidao das tend'ncias reformistas #ue viam nas an%lises de

    (ar! a"enas a "ossi&ilidade de se lutar "or uma maior justia social, ou seja, trata)se a

    "artir de ento a"enas de uma acusao da e!"lorao dos tra&alhadores tendo em vista

    somente a dimenso da re"artio do "roduto do tra&alho.

    Pode)se o&servar entretanto #ue, em todos esses casos, no *verdadeiramente o conte+do da re"roduo ca"italista #ue est% "osto em

    #uesto, mas antes o acesso a seus resultados. valor e o dinheiro, o tra&alhoe a mercadoria no so ali conce&idos en#uanto cateorias neativas edestruidoras da vida social. -... o valor e o dinheiro, o tra&alho e amercadoria no mais constituam cateorias a serem a&olidas, mas elementosnaturais de toda vida humana, dos #uais era "reciso a"ro"riar)se "araadministrar diferentemente. Assim tam&*m, a "roduo industrial,inclusive seu ritmo e conse#u'ncias "ara a vida humana e "ara a naturea noera considerada um "ro&lema, mas um recurso do #ual se deveria tirar

    "roveito. -... Portanto, tratava)se essencialmente de dar continuidade aoca"italismo industrial, &aseado no tra&alho a&strato e na du"la naturea damercadoria 3 a&strata e concreta 3, mudando somente a "ro"riedade jurdicados meios de "roduo. ". 025.

    6ma mudana nesse "osicionamento e!ie uma reconsiderao das #uest7es da

    alienao e da reificao, &em como da sua relao com o fetichismo da mercadoria e

    com o tra&alho a&strato.

    Alienao e reificao: histria, problemas e declnios tericos

    A crtica do conte+do da naturea5 da relao ca"italista da forma)valor5, em

    reao as an%lises #ue se "autavam e!cessivamente na a"ro"riao do "roduto do

    tra&alho, re"ortaram)se inicialmente a "artir da d*cada de 18205 9 crtica da alienao.

    :anhou f;leo, no entanto, ao final da 0

    como uma forma de se "rolonar a crtica ao ca"italismo "ara situa7es sociais nas

    #uais a"arentemente reinavam o fim da "o&rea e a interao da classe tra&alhadora 9

    sociedade de &em)estar social.

    Essa mudana na crtica social 3 em outras "alavras, a "assaem do"aradima da e!"lorao ao "aradima da alienao 3 resumia)se numafrase &em conhecida, a#uela com a #ual, em 18=>, o situacionista ?aoul@aneiem a&ria o seu Traite du savoir-vivre a lusage des jeunes generations[A arte de viver para as novas geraes] Bo #ueremos um mundo em #uea arantia de no morrer de fome seja trocada "elo risco de morrer de t*dio.

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    A socioloia oficial e universit%ria tirava a concluso de #ue o ca"italismo 3domesticado como economia democr%tica de mercado 3 constitua umhorionte insu"er%vel, #ue certamente "oderia ser melhorado, mas noa&olido. As teorias sociais #ue, ao contr%rio, continuavam a e!"or a e!i'nciade uma mudana radical, "artiam da convico de #ue o ca"italismo no maisconheceria raves crises econ;micas #ue "udessem desem&ocar em

    revolu7es concentravam toda a sua ateno na insatisfao dos indivduos,na im"ossi&ilidade de controlarem suas condi7es de tra&alho e suas vidasem eral. A es"erana de #ue "udesse "roduir)se a"esar de tudo uma aorevolucion%ria de"endia dessa insatisfao. ". 045

    conceito de alienao, no entanto, transcendeu os limites do cam"o mar!ista e

    aca&ou sofrendo um "rocesso de vulariao res"ons%vel "elo surimento de alumas

    dificuldades. A im"reciso na utiliao do termo aca&ou "or reduir seu sinificado a

    um mero mal)estar em face 9 sociedade industrial, um sentimento de ser estraneiro

    no mundo moderno.

    A "rF"ria "alavra alienao remetia, em alemo, a certa averso "elo #ue *

    estraneiro, ou de fora ". 045. Pelo mesmo caminho desem&ocava a crtica da

    reificao ou da coisificao #ue carreava a averso "elas coisas, uma averso

    "elo mundo material em "rol de um su&jetivismo "uro. A#ui estaria im"lcita uma

    reduo de toda coisa a si mesma ao mesmo tem"o em #ue e!istira uma e!altao do

    movimento e do devir em detrimento de toda fi!ao. A crtica da alienao se

    transformaria, ento, em uma &usca "or uma su&jetividade "ura "erdida. A#ui se

    encontra o cerne dos "rinci"ais "ro&lemas da crtica da alienao #ue "ressu"oria umaessncia originria que o omem teria perdido ". 0G5. Essa inter"retao derivaria de

    uma leitura e#uivocada dos (anuscritos de 1C44

    Bos !anuscritos de "#$$, (ar! teria o"osto o sujeito, en#uanto:attunsHesen ess'ncia en*rica5, a suas o&jetiva7es infi*is #ue nomais lhe "ertencem e nas #uais ele no "ode se reconhecer, mas #ue, aocontr%rio, o dominam. A teoria "rimeira da alienao em (ar! seria,

    "ortanto, uma antro"oloia #ue o"7e uma naturea verdadeira do serhumano aos seus desacertos. Iesse modo, tal teoria com"artilharia osdefeitos #ue caracteriam todas as teorias do sujeito assim como as

    a&ordaens humanistas, e foi rejeitada "elos estruturalistas. ". 0G5

    Besses termos, a crtica da alienao demandaria a contra"osio de uma

    realidade no alienada, "ura, aut'ntica em relao ao ser en*rico o"osio essa cuja

    "ossi&ilidade foi am"lamente neada "ela crtica "Fs)modernista e "Fs)estruturalista,

    #ue, no entanto, limitou)se a acusar e a&andonar o "ensamento crtico ao acusa)lo de

    estar "reso a uma filosofia no su"erada do sujeito.

    A centralidade do fetichismo da mercadoria

    uriosamente, o ecli"se dos conceitos de alienao e de reificao veioacom"anhado da ascenso das an%lises "autadas em outro conceito mar!iano, o de

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    fetichismo da mercadoria a"esar da com"lementariedade #ue e!istem entre os dois

    ru"os5.

    Kal como seu "rimo de "rimeiro rau, fetichismo da mercadoria &em como a

    sociedade do es"et%culo5 aca&ou sendo resumido a uma caracteriao do ca"italismo

    "Fs)moderno &aseado no consumo, na "u&licidade e na mani"ulao dos desejos.

    erto uso "o"ular da "alavra, influenciado "rinci"almente "or seu uso em "sican%lise,

    nela en!era somente um amor e!cessivo das mercadorias e a adeso aos valores #ue

    elas re"resentam velocidade, sucesso, &elea etc5. ". 0C5. (esmo os mar!istas

    o"eravam uma reduo, em&ora distinta, desse conceito ao e#uival')lo a mera iluso,

    um enodo, uma mistificao #ue esconde a e!"lorao ca"italista &aseada no tra&alho

    no "ao do o"er%rio5.

    Para Ja""e, essa +ltima inter"retao limita a utiliao do conceito a somente

    um nvel de an%lise de a&strao5 muito es"ecfico e #ue, "or isso, no conseue ca"tar

    toda a ri#uea #ue ele carrea. Ie fato, mesmo (ar! utilia)se do conceito de

    fetichismo en#uanto uma a"ar'ncia, uma es"*cie de fantoche #ue simula e esconde as

    rela7es reais. (as essa funo "erce"tvel sensorial5 3 ou seja, tal como

    e!"erimentamos o fetiche da mercadoria no cotidiano 3 no d% conta de tudo #ue est%

    "or detr%s desse fato social. Ievemos o&servar #ue

    fetichismo no * um fen;meno "ertencente a"enas 9 esfera da consci'ncia,no est% limitado 9 ideia#ue os atores sociais faem de suas "rF"rias a7es 3nesse est%io inicial de sua an%lise, (ar! no se "reocu"a em sa&er como ossujeitos "erce&em as cateorias de &ase e a elas reaem. fetichismo,

    "ortanto, fa "arte da realidade &%sica do ca"italismo * a conse#u'nciadireta e inevit%vel da e!ist'ncia da mercadoria e do valor, do tra&alhoa&strato e do dinheiro. A teoria do fetichismo * id'ntica 9 teoria do valor,

    "or#ue o valor, assim como a mercadoria, o tra&alho a&strato e o dinheiroso, eles "rF"rios, cateorias fetichistas. ". 08)105

    Em seuida, Ja""e recu"era uma construo de essencial im"ortLncia #ue nos

    im"orta a#ui re"licar

    Por #ue o fetichismo * um fen;meno realM A sociedade em #ue os "rodutosdo tra&alho tomam a forma mercantil * uma formao social onde * o

    "rocesso social #ue domina os homens, e no ainda o inverso2D. omoaca&amos de dier, o su&ca"tulo so&re o fetichismo no * um sim"lesa"'ndice dele, (ar! tira as conclus7es de sua an%lise "recedente da forma)valor. Bele, as cateorias de &ase j% so descritas como fetiches, mesmo se a

    "alavra fetichismo no a"arece ali.

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    e#uivalente, a"arentemente to inocente 20 &raas de linho valem doiscasacos5, * a seuinte nela, o valor de uso se torna a forma fenomenal deseu contr%rio, o valor. mesmo ocorre em seuida "ara o tra&alho N%,

    "ortanto, uma seunda caracterstica da forma)e#uivalente o tra&alhoconcreto torna)se a forma fenomenal de seu contr%rio, do tra&alho humanoa&strato. E finalmente h%, "ortanto, uma terceira caracterstica da forma)

    e#uivalente o tra&alho "rivado torna)se a forma de seu contr%rio, torna)setra&alho so& uma forma imediatamente social2=. Em outros termos a formavalor universal manifesta assim #ue, no seio desse mundo das mercadorias,* o car%ter universalmente humano do tra&alho #ue constitui o seu car%teres"ecificamente social. ". 105

    E conclui

    Estamos diante do corao do "ro&lema ali onde os indivduos sF seencontram en#uanto "rodutores se"arados #ue devem reduir os seus

    "rodutos a uma medida comum 3 #ue os "riva de toda #ualidade intrnseca 3"ara "oder troc%)las e formar uma sociedade, o valor, o tra&alho humano

    a&strato e o tra&alho universalmente humano isto *, no es"ecfico, nosocial, o "uro dis"'ndio de eneria sem relao com os seus conte+dos econse#u'ncias5 so&re"ujam o valor de uso, o tra&alho concreto e o tra&alho

    "rivado. s homens, mesmo continuando a e!ecutar tra&alhos concretos e"rivados, devem constatar #ue a outra naturea desses mesmos tra&alhos, olado a&strato, * o +nico #ue conta a "artir do momento em #ue #uiseremtroc%)los contra alo distinto. Por e!em"lo, o cam"on's #ue tra&alhou o diainteiro "ara colher o seu trio, como ele sem"re o fe, "oderia constatar nomercado #ue a sua jornada de tra&alho concreto e "rivado su&itamente valea"enas duas horas de tra&alho, "or#ue im"orta7es de trio, "rovenientes dos

    "ases onde esse ti"o de tra&alho * mais "rodutivo, esta&eleceram um novo"adro 3 e, assim, o lado a&strato se torna terrivelmente real "ara essecam"on's #ue cai na mis*ria. ". 10)115

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    no est% vinculado a uma dial*tica do sujeito e do o&jeto, nem a uma ocultao das

    verdadeiras rela7es de "roduo, mas, antes, #ue ele tradu a realidadedo tra&alho

    a&strato ". 11)125. u seja, o fetichismo no seria uma sim"les iluso.

    Para com"reender #ue o fetichismo * uma inverso real, "rimeiramente *"reciso se dar conta de #ue o tra&alho a&strato no * uma a&strao nominal,nem uma conveno #ue nasce ainda #ue inconscientemente5 na troca ele *a reduo efetiva de toda atividade a um sim"les dis"'ndio de eneria. Kalreduo * efetiva na medida em #ue as atividades "articulares 3 assimcomo os indivduos #ue as realiam 3 sF se tornam sociais en#uantoreduidas a essa a&strao. ". 125

    A "artir disso o autor afirma #ue as reconsidera7es recentes so&re o

    fetichismo dei!aram de lado uma crtica da ontoloiao do tra&alho e afirma #ue

    nenhuma su"erao do fetichismo * "ossvel sem a&olir "raticamente o tra&alho como

    "rinc"io de sntese social ". 125 autor crtica aluns mar!istas #ue "rocuram faer uma se"arao entre o

    conceito de fetichismo e o conceito de alienao. Ainda seunda Ja""e, Antoine

    Artous se"ara a crtica da mercadoria luar do fetichismo5 da crtica da reliio luar

    da alienao5, ao dier #ue a mercadoria no se assemelha a um deus a mercadoria *

    real. Ja""e res"onde a essa "rovocao ressaltando #ue Artous, ao faer essa

    afirmao, es#uece)se #ue a mercadoria sF * real na medida em #ue * valor de uso.

    fato de lhe atri&uir um valor, isto *, de trat%)la seundo o tra&alho"assado, ausente5 #ue foi necess%rio "ara a sua "roduo 3 em&ora otra&alho "assado j% no esteja mais a 3 e, so&retudo, de consider%)la noseundo o tra&alho #ue foi dis"endido real e individualmente, mas en#uanto

    "arte do tra&alho social lo&al o tra&alho socialmente necess%rio "ara a sua"roduo5, resulta de uma "rojeo no menor do #ue a#uela #ue tem luarna reliio. "roduto sF se torna mercadoria "or#ue uma relao social ali sere"resenta 3 e essa relao social * to fantasmaFrica no sentido de nofaer "arte da naturea das coisas5 #uanto um fato reliioso. ". 12)1D5

    E com"leta

    Baturalmente, a mercadoria no ocu"a e!atamente o mesmo luar #ue Ieus

    na vida social. (as (ar! suere 3 eis "or#ue se "ode falar de umacontinuidade "ro"riamente conceitual entre as no7es de alienao e defetichismo em (ar! 3 #ue o fetichismo da mercadoria * a continuao deoutras formas de fetichismo social, como o fetichismo reliioso. desencantamento do mundo ou a seculariao no tiveram luarverdadeiramente a metafsica no desa"areceu com as Oues, mas desceu do*u e se mesclou 9 realidade terrestre. o #ue (ar! di #uando denomina amercadoria um ser sensvel)su"rassensvel. ". 1D5

    Essas o&serva7es "ermitem a Ja""e suerir uma continuidade entre os

    conceitos de a&strao e fetichismo ainda #ue o "rimeiro seja a"enas um es&oo

    conceitual do seundo no #ual, no entanto, j% * "ossvel visualiar desde sua a"ario

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    nos manuscritos de 1C44 o essencial -... a des"ossesso do homem "elo tra&alho

    a&strato #ue se tornou o "rinc"io da sntese social ". 1D5

    autor alerta ainda "ara o fato de #ue tra&alho a&strato no uarda relao

    determinadora com a diviso do tra&alho ou mesmo com a "adroniao do tra&alho

    relao essa #ue fora esta&elecida de maneira incorreta "or OuQ%cs 3 muito em&ora a

    seunda seja, em rande medida, conse#u'ncia da "rimeira5, tra&alho a&strato no tem

    nada a ver com o conte+do do tra&alho ou com o "rocedimento de "roduo, mas com a

    forma #ue domina o tra&alho em eral. tra&alho desenvolvido "or um tra&alhador em

    uma linha de montaem fordista no * mais ou menos a&strato #ue o de um arteso,

    desde #ue am&os estejam su&metidos ao valor "ara se efetivarem socialmente

    %ada tra&alho "rodutor de mercadorias *, ao mesmo tempo, concreto ea&strato o tra&alho na cadeia de montaem no ser% mais a&strato #ue otra&alho de um arteso, se este +ltimo estiver inserido na "roduoca"italista.