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Ano XXVII • Nº 252 • Novembro 2017 • R$ 15,00 • www.eco21.com.br facebook.com/revista.eco21 ECO 21 Carlos Minc • Marina Grossi • Sonia Guajajara • Tasso Azevedo Alfredo Sirkis • Marina Silva • Iara Pietricovsky • Janire Zulaika ISSN 0104-0030

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2018 será um ano crítico para uma ação climática mais rápida. O Secretário-Geral da ONU, Antonio Guterres, o Presidente francês, Emmanuel Macron e a Chanceler alemã, Angela Merkel, lideraram as negociações diplomáticas em Bonn, mas Timoci Naulusala, um menino de 12 anos nativo das ilhas Fiji com um grande sorriso foi quem transmitiu a principal mensagem na abertura da COP-23: “Minha casa, minha escola, minha fonte de comida, a água, tudo foi totalmente destruído; minha vida estava no caos” disse Timoci cuja vila, na província de Tailevu, foi atingida no ano passado por um ciclone devastador. Ele narrou a sua experiência perante centenas de delegados, incluindo 25 Chefes de Estado e de Governo presentes em Bonn. “Minha aldeia, uma vez bonita, agora é uma terra deserta estéril e vazia. As mudanças climáticas estão aqui para ficar, a menos que vocês façam algo sobre isso. O mar engole aldeias, devora a costa e seca os cultivos. A realocação das pessoas, os prantos pelos seres queridos perdidos, as mortes pela fome e sede; os senhores talvez pensem que só afetarão os pequenos países, mas se equivocam”, assinalou Timoci Naulusala no seu apaixonado discurso. No Fórum da ONU sobre Mudanças Climáticas, realizado em Bonn em Maio de 2012, os países aprovaram importantes medidas para implementar rapidamente o futuro Acordo de Paris e as nações que não fizeram parte divulgaram anúncios importantes em apoio tanto ao Acordo aprovado em Paris, em 2015, pelos 195 países-Parte da Convenção sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) durante a COP-21 quanto aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Mas a dramática realidade dos recentes eventos climáticos extremos e as comprovações científicas de que a mudança climática está acelerando além da comprovação de que as emissões de Gases de Efeito Estufa estão novamente em ascensão, significa que a ação climática global deveria ser implementada de forma acelerada. Ao resumir os resultados da COP-23, a Secretária Executiva da UNFCCC, Patrícia Espinosa, disse: “Nós não mantivemos o impulso de Paris, mas vimos um maior apoio à ação em diferentes áreas não apenas dos governos. Continuamos a ver o sofrimento, a perda de vidas e dos meios de subsistência das pessoas devido a condições climáticas extremas que enfatizam a urgência de agir nos levando a perceber que o que estamos fazendo até agora não é suficiente”. Mais de 20.000 pessoas de todo o mundo estiveram em Bonn participando da COP-23. A Conferência tinha como objetivo elaborar uma folha de rota e fixar um prazo até a COP-24 com o objetivo de implementar o histórico Acordo de Paris, mas muitos diplomatas, cientistas, empresários e ambientalistas afirmam que neste ano não se fez o que era necessário e urgente. O processo foi denominado “Diálogo de Talanoa”, inspirado no conceito tradicional de diálogo construtivo originário das ilhas da Oceania. Esse diálogo propõe as bases para que, no próximo ano, durante a COP-24 a ser realizada na Polônia, se considere o aumento dos Planos Nacionais de Ação Climática necessários para que o mundo atinja os objetivos de longo prazo do Acordo de Paris, prestes a cumprir dois anos. O objetivo principal do Acordo de Paris é limitar o aumento da temperatura média mundial o mais perto de 1,5°C; trata-se, nem mais nem menos, do ponto crítico para a sobrevivência dos pequenos estados insulares e dos países mais vulneráveis. No dia 11 de Dezembro próximo será celebrado o 20º aniversário do Protocolo de Quioto. Para comemorar o aniversário e incentivar a ratificação do Compromisso de Doha por mais Partes, a UN Climate Change está lançando uma campanha nas mídias sociais solicitando que as pessoas enviem mensagens de apoio. O objetivo é reduzir as emissões em 20% até 2020, com relação aos níveis de 1990, embora deixando a porta aberta para aumentar esta redução para 30%, se as condições o permitirem. Desde a Era Pré-Industrial a temperatura média mundial aumentou um grau e com o estado atual dos Planos Nacionais de Ação Climática, conhecidos como Contribuições Nacionais Determinadas, o mundo caminha para um aumento de 3°C, ou até mais. O Presidente Macron, assinalou que as consequências das mudanças climáticas se multiplicaram e são cada vez mais intensas. Apesar das poucas vitorias, a COP-23 terminou sem atingir seus objetivos nem injetar o tão necessário sentido de urgência. “Cruzamos o ponto de não retorno”, alertou Macron.

Diretora Lúcia Chayb

Editor

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Redação Regina Bezerra, Rudá Capriles

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A no 27 • Novembro 2017 • N º 252

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Capa: O diplomata da COP-23 Arte: Hermann Josef Hack

Gaia viverá! Lúcia Chayb e René Capriles

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Minha aldeia, uma vez bonita, agora é uma terra deserta estéril e vazia

4 Lucas Tolentino - Governo brasileiro avalia resultados da COP-23 6 Alfredo Sirkis - Na COP de Sísifo 8 Alice Marcondes - Itaipu Binacional apresenta as boas práticas na COP-2310 Patricia Fachin - Entrevista com Iara Pietricovsky14 Marina Grossi - COP-23 teve a missão de definir as normas do Acordo de Paris16 Marina Silva - A COP-23 do Clima e os extremos da política18 Reinaldo Dias - A paradiplomacia ambiental desenvolvida na COP-2320 Nick Nuttall - Compromisso de ação climática em concreto na COP-2322 Silvia Dias - PNMC pode afetar metas brasileiras no Acordo de Paris24 Jacopo Pasotti - 15.000 cientistas advertem: o Planeta está em crise28 George Monbiot - Todo dia é Black Friday para destruir nosso Planeta30 Giem Guimarães - Ecologia não é ideologia32 Janire Zulaika - Gênero, gestão de desastres e mudança global34 Lúcia Chayb - Projeto de Minc na Alerj cria Refúgio da Serra da Estrela36 Giovanna Leopoldi - Programa ARPA supera meta de 60 milhões de ha38 Reinaldo Canto - A energia limpa é um caminho sem volta42 Alan Azevedo - Entrevista com Sonia Guajajara44 Tasso Azevedo - Eletrizante46 Patrícia Sanches - Pesquisa sobre a biodiversidade em centros urbanos48 Tara Ayuk - Monsanto dá adeus ao Glifosato e introduz o Dicamba50 Jacob Kincer - Fechar usinas nucleares é demorado e oneroso

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Os mais de 190 países signatários da Convenção do Clima deram um passo à frente no enfrentamento ao aquecimento global. No dia 17 deste mês (Novembro), a comunidade internacional encerrou a 23ª Conferência das Partes (COP-23) sobre mudanças climáticas, em Bonn, com avanços na regu-lamentação para implementação do Acordo de Paris, pacto mundial em que cada nação deverá fazer sua parte para frear o aumento da temperatura média do planeta e, assim, evitar os prejuízos associados como secas e enchentes.

A regulamentação do Acordo tem de ser concluída no próximo ano e depende de um consenso global sobre pontos cruciais. O financiamento das ações de corte de emissões de carbono e a avaliação das metas de cada país são alguns desses temas. “Nós conseguimos avançar em Bonn em direção aos nossos objetivos comuns, mas essa é uma jornada ambiciosa e todos os países vão precisar acelerar daqui para frente”, declarou o Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, chefe da delegação brasileira na Conferência.

Os resultados da política ambiental do Brasil foram apresentados à COP-23. Na sessão plenária do segmento de alto nível, Sarney Filho anunciou o lançamento do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (PLANAVEG), que permitirá ao país restaurar 12 milhões de hectares até 2030, conforme proposto na contribuição nacional ao Acordo de Paris. Além disso, o Ministro destacou que tramita, no Legislativo, o projeto para instituir a Política Nacional de Biocombustíveis (RENOVABIO).

Lucas Tolentino | Jornalista do MMA Enviado especial a Bonn

Governo brasileiro avalia resultados da COP-23

A redução de 16% do desmatamento na Amazônia Legal também foi enfatizada pelo Ministro e classificada como positiva pela comunidade internacional. Sarney Filho anun-ciou, em evento paralelo na COP-23, a redução de 28% do desmatamento em Unidades de Conservação Federais. Ambos os dados foram registrados entre Agosto de 2016 e Julho de 2017. “Estamos satisfeitos com essa inversão da curva, mas queremos ir muito além disso”, declarou o Ministro.

Avaliação do governo brasileiro sobre a COP 23:

O Brasil participou mais uma vez da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas com propostas concretas e avançadas para a implementação do Acordo de Paris.

Durante as duas semanas de Conferência, houve algumas notícias muito relevantes nessa agenda:

No setor florestal, chegamos à COP trazendo a informação da diminuição de 16% no desmatamento na Amazônia no último ano. O Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, chefe da delegação brasileira, anunciou ainda, em evento conjunto com os estados da região e parceiros internacionais, as taxas de desmatamento em Unidades de Conservação Federais, que apontam uma queda global de 28%. A redução chegou a alcançar 65%, na área mais crítica da Amazônia – a Floresta Nacional do Jamanxim. O Governo Federal tem se empenhado firmemente para reduzir a derrubada da floresta.

Ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, com o líder indígena Caiapó, Raoni Metuktire, na COP-23

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Foi assinado o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (PLANAVEG), importante avanço para o cumprimento da meta de recuperar 12 milhões de hectares até 2030.

Além disso, foi apresentado ao Congresso Nacional, durante o encontro, um Projeto de Lei, elaborado em parce-ria com os Ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura, estabelecendo uma nova política nacional de biocombustíveis, RenovaBio, que vai aumentar a eficiência de produção dessa alternativa aos combustíveis fósseis e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões.

A COP-23 encerrou a fase conceitual das discussões da regulamentação do Acordo de Paris, com a produção de ele-mentos que servirão de base às negociações em 2018, e também adotou decisões para promover maiores esforços dos países no combate à mudança do clima. Ao longo da negociação, o Brasil teve papel destacado nas principais discussões, contribuindo também com posições técnicas para o avanço dos trabalhos e atuando no âmbito do grupo dos países em desenvolvimento (G-77 e China), do BASIC (com África do Sul, Índia e China) e do A-B-U (com Argentina e Uruguai).

Os negociadores brasileiros – cuja equipe foi composta por funcionários dos Ministérios das Relações Exteriores, do Meio Ambiente, e da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comu-nicações, e também da FUNAI e da Embrapa – mantiveram diálogo constante com outros grupos e países influentes nas negociações e intensa interação com a sociedade brasileira presente ou representada na COP. Tiveram destaque nessa interação a organização de duas reuniões de informação e o Espaço Brasil, que contou com mais de 50 eventos técnicos, com participação de todos os segmentos ligados à questão climática no País.

A. Diretrizes de implementação dos compromissos do Acordo de Paris. Os países concordaram em encaminhar textos-base para a negociação das diretrizes para implementar os com-promissos assumidos sob o Acordo nas áreas de mitigação, adaptação, financiamento, transparência, mercados, avaliação global e cumprimento, entre outras. O Brasil, em conjunto com Argentina e Uruguai, apresentou aportes técnicos importantes que contribuíram para avançar os trabalhos. Serão realizadas reuniões ao longo de 2018, com vistas a concluir as diretrizes na próxima COP (Polônia, Novembro de 2018).

B. Ações pré-2020. A atuação de alto perfil do Brasil con-tribuiu para convencer os países desenvolvidos a concordar que as ações dos países no período pré-2020 voltassem ao centro da pauta internacional. A cada ano, até 2020, cada COP organizará eventos de alto nível para avaliar o estado-da-arte da implementação dos compromissos pré-2020. Tais eventos servirão para informar as ações dos países, inclusive como forma de se buscar aumentar a ambição coletiva desde já até 2020 e promover a entrada em vigor da Emenda de Doha ao Protocolo de Quioto.

C. Elegibilidade para acesso a recursos de fundos internacio-nais. O Brasil defendeu que todos os países em desenvolvimento tenham a oportunidade de acessar, sem restrições arbitrárias, os recursos do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) e do Fundo Verde do Clima (GCF), ressaltando que as regras de elegibilidade devem estar em linha com o determinado pela Convenção e pelo Acordo de Paris, e não com parâmetros de outros órgãos de financiamento. Restrições artificiais e unilaterais no acesso a esses recursos poderiam dificultar a implementação das ações dos países em desenvolvimento e impedir o aumento de sua ambição.

D. Plataforma para povos indígenas e comunidades tradi-cionais. A COP decidiu pôr em operação a Plataforma, cujo objetivo é promover de forma holística e integrada o inter-câmbio de experiências e o compartilhamento de práticas de mitigação e adaptação dos povos indígenas e comunidades tradicionais. O Brasil foi um dos firmes defensores da entrada em operação da Plataforma, com negociadores brasileiros em diálogo constante com os representantes de povos indígenas brasileiros presentes na COP.

E. Diálogo Facilitativo 2018. A Presidência da COP-23 (Fiji) apresentou proposta de formato “Talanoa”, tradição de Fiji de compartilhamento de posições e experiências. O Diálogo, a ocorrer em 2018, deverá avaliar os esforços coletivos para alcançar a os objetivos do Acordo de Paris. O Brasil ofereceu como exemplo a bem-sucedida experiência com os Diálogos para o Desenvolvimento Sustentável, realizados na preparação e durante a Conferência RIO+20, em 2012.

Brasil se oferece para sediar a COP-25 em 2019

O Brasil anunciou em Bonn, no dia 15/11, que quer sediar a edição de 2019 da cúpula. O anúncio foi feito pelo Ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, que disse em comunicado que a COP-25 será um “grande marco” para a implementação do Acordo de Paris e que o Brasil está encantado de mostrar sua disponibilidade para receber esse importante evento.

“O Brasil está fortemente comprometido com a sustenta-bilidade e com a causa da mudança climática e tem uma forte tradição de receber grandes eventos internacionais relaciona-dos com o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável”, afirmou o Ministro. Sarney Filho também disse que o Brasil tem “longa tradição de construir pontes entre países e que espera poder continuar com essa tradição”.

O Brasil sediou a famosa RIO-92, também conhecida como Cúpula da Terra, que serviu de plataforma de lançamento da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), órgão que lidera as conferências ambientais. Além disso, há cinco anos, o país foi sede da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (RIO+20), na qual começaram as negociações que levaram à aprovação dos objetivos (ODS) para Agenda 2030. Já está previsto, por causa do sistema de rotação da ONU, que a COP-25 seja realizada em um país da América Latina ou do Caribe.

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É recorrente às COP essa sensação de estar girando em falso, de muita conversa pouca ação e menos ainda resultado. Há conferências onde se sente um pequeno progresso palpável, aquém do necessário, mas pro-gresso, afinal. Ele nem sempre vem do processo negociador, frequentemente de a lgum avanço político em um país importante ou um registro de redução de emissões global ou nacional. Nada disso acontece na COP-23. Sua pauta nada tem de muito substantivo, trata-se de esmiuçar aplicação do Acordo de Paris, o manual de implementação de suas regras a discussão de como discutir. No entanto, o contexto polí-tico e científico internacional produz más notícias que são reverberadas dentro da COP.

Na COP de SísifoAlfredo Sirkis | Jornalista, Ambientalista e Secretário Executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas

Vínhamos acompanhando com interesse a possibilidade de as emissões por queima de combustível fóssil terem atingido o seu “pico” em 2013 já que elas vinham estáveis – e até com uma ligeira queda – coincidindo com anos de crescimento do PIB mundial. Isso é importante, pois já havíamos tido, no passado, redução de emissões de CO2 mundiais, mas sempre em anos recessivos. Dessa vez havia algo diferente. Agora, cientistas do Carbon Budget Project anunciam uma projeção de aumento de 2% das emissões, em 2017, o que seria o primeiro aumento, no agregado, desde a estabilização. Isso teve um efeito de ducha fria. Corresponderia a um aumento de emissões de mais de 3%, na China, dado um uso mais intenso de suas térmicas a carvão por causa da seca afetando hidroelétricas (algo com tendência a se repetir) e de uma redução menor nos EUA onde o “efeito Trump” ainda não apareceu, mas poderá, mais adiante, em função da desregu-lamentação das normas nacionais da EPA.

Cabem certas ressaltas. Primeiro é uma estimativa, o ano ainda não acabou e ela está num patamar menor do que a margem de erro. Além disso, a fonte que vem registrando com precisão as emissões de CO2, por queima de combus-tível fóssil, é a Agencia Internacional de Energia assim que, para seguirmos a série histórica, teríamos que ter seus dados e não comparar dados de fontes diferentes. Por outro lado, as emissões por energia são a parte do leão dos Gases de Efeito Estufa (GEE), mas apenas essa parte. Teríamos que acrescentar as emissões por desmatamento que, em 2015 e 2016, aumentaram no Brasil e na Indonésia, e as “exponen-ciais” provenientes da decrescente capacidade dos oceanos e florestas de absorverem carbono, das geleiras derretendo e do permafrost liberando metano. Tanto, que apesar dessa estabilização nos relatórios de emissões de CO2/energia, a concentração de GEE na atmosfera medidas em “partes por milhão” (ppm) continuaram a subir em todo esse período. Já andamos pelos 401 ppm e em alguns observatórios já se detectaram concentrações de 407 ppm.

Lidamos com uma situação geopolítica adversa. Trump parece muito isolado, mas acaba inspirando outros países carvoeiros como a Polônia que agora canta de galo mais alto com seu governo de extrema-direita disposto a resistir mais às pressões europeias. A próxima COP, que irá abrir a discussão da descarbonização de logo prazo, a COP-24, será em Katovice, o lócus de uma enorme siderúrgica da época do comunismo, a Huta Katovicza, em uma região cuja economia ainda depende bastante do carvão. Não vai surpreender nin-guém se ocorrerem, no ano que vem, manifestações carvoeiras contra a COP com crucifixos e fotos do Trump, desprezado ao redor do Planeta, mas admirado na Polônia que assim irá sediar – sabe Deus porquê – sua terceira COP.

Um dado interessante em Bonn é o ativismo do Governador Jerry Brown que junto com seu antecessor, Arnold Schwarze-negger, vem estrelando numerosos eventos em representação do que eu chamaria de U(d)SA: United Decarbonizing States of America, que formam a quinta economia do mundo.

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Brown negocia diretamente com a China, agita incessante-mente as plateias, mas deixa transparecer uma certa angústia. No evento da IRENA que participei, mencionou o “duelo entre o pessimismo do intelecto e o otimismo do coração, de um pensador que não vou aqui mencionar”. Referia-se evidentemente ao filosofo italiano Antonio Gramsci que por prudência não nominou para que a mídia não o acuse de comunista.

O clima da COP é de uma certa “deprê” e sua surpreen-dente má organização não ajuda muito. Distâncias enormes, péssima sinalização grande perda de tempo o tempo todo. A proverbial organização alemã dessa vez não compareceu. Saudades de Marrakesh. Ah, os marroquinos, esses sim, sabiam como organizar uma COP...

Já o Brasil, preocupa. Poderia estar trazendo razoáveis noticias com a inflexão do desmatamento na Amazônia que, depois de dois anos horríveis, apresenta agora queda de 16% segundo o PRODES. Mas o foco das atenções de dirige para a esdrúxula MP 759, tramitando no Congresso, que quer subsidiar a indústria de petróleo em quase um trilhão de reais até 2040. Laurance Tubiana, que co-presidiu a Conferencia de Paris me perguntou: “que loucura é essa? Isso é verdade?” Expliquei que ainda fazia parte das (más) intenções e que essa MP, se não for aprovada até Dezembro, cai.

Trata-se então de balançar o pé de jaca!

MP 795 subsídio na contramão

A austeridade, no Brasil, tem sido feroz. Até as doações obtidas a fundo perdido para a proteção do meio ambiente, como aquelas do Fundo Amazônia, quando se destinam a órgãos públicos, vão caindo sob os efeitos do “contingencia-mento”, como se orçamento fossem. Acabam congeladas. Uma austeridade feroz… e burra. Pois tem a chancela do arauto dessa austeridade, a do Ministro Henrique Meireles, o maior desperdício da nossa história encarnado na MP 795/17, que dá de mão beijada à indústria do petróleo quase um trilhão de reais em subsídios, até 2040.

A MP original foi enviada sorrateiramente, sem consulta, em Agosto, ao Ministério do Meio Ambiente, e demorou em ser identificada na sua maligna enormidade. O relator, Deputado Júlio Lopes, conseguiu piorá-la ainda mais estendendo sua vigência. Agora ela precisa ser votada até dezembro para não seguir para seu lugar merecido, a lata de lixo da história.

Por isso, há quem queira votá-la agora, possivelmente para melhor queimar o filme da Brasil na COP-23, em Bonn.

O petróleo encontra-se no limiar de uma lenta, mas pro-funda implosão. Antes mesmo da decisão da indústria auto-mobilística global de entrar de cabeça na era da eletrificação, o seu preço já se estabilizara num patamar baixo pelo excesso de oferta que os recentes cortes de produção da OPEP não remediaram. Sua agonia certamente será mais lenta e longa que a do carvão, mas é inevitável, inexorável. Até porque para a humanidade ter a menor chance de conter a temperatura do Planeta abaixo dos dois graus Celsius – quanto mais 1.5° C – será preciso manter enterrados cerca de 60% das atuais reservas identificadas. Futuramente esse petróleo não extraído possivelmente terá valor enquanto stranded asset: recurso interdito. Cientes dessa situação, grandes produtores como a Noruega, mas também a própria Arábia Saudita, buscam vários tipos alternativas para um futuro menos “petrodependente”.

Mas, no Brasil, esse país de fantasia que se julga o futuro Texas do início Século 20, ainda imagina-se poços offshore do pré-sal, como um novo Eldorado. Ufanemo-nos brasileiros que esse ainda será um grande motor do nosso desenvolvimento. Voltaremos ao Poço do Visconde, de Monteiro Lobato. Podes crer, Jeca Tatu…

Essa confiança cega na perenidade do combustível fóssil não chega ao ponto de admitir o “livre jogo” do capitalismo como senhor do seu destino. Não confia mais no próprio taco. Duvida de suas peremptórias verdades, mas não dá o braço a torcer. Um pânico interior o faz se pendurar, mais uma vez, qual playboy perdulário, na bolsa da Viúva.

Um país em profunda recessão, submetido a essa feroz austeridade que enxota até as doações recebidas para sublinhar sua radicalidade, deverá subsidiar generosa e duradouramente essa indústria, não obstante sua prometida obsolescência e, não obstante, o consenso internacional sublinhado até pelo FMI de que é fundamental ir acabando com todo tipo de subsídios ao combustível fóssil.

Globalmente são mais de 650 bilhões de dólares anuais em subsídios diretos e mais de 5 trilhões indiretos, o que inclui os custos de saúde e outros de suas externalidades negativas climáticas e ambientais locais, nas quais se inclui sete milhões de mortes prematuras, em todo Planeta, por conta do ar poluído.

Não há mais o que dizer sobre a MP 795 a não ser que seu lugar seja na lata de lixo da história.

Nota do WWF-Brasil posterior ao texto de Sirkis

A Câmara dos Deputados, uma vez mais, mostrou desalinhamento com as metas de redução de gases de efeito estufa assumidas pela comunidade internacional, com participação do Brasil, nas conferências mundiais do clima. O Plenário aprovou, na madrugada de quarta (29/11) para quinta-feira (30/11), em votação apertada (208 votos contra 184), a MP 795, que cria incentivos tributários à indústria do petróleo na exploração do pré-sal. A medida também estabelece um regime espe-cial de importação de bens empregados na exploração, no desenvolvimento e na produção de petróleo e gás natural, e foi colocada em votação sob a forma do projeto de lei de conversão, denominação que recebem as MPs que sofrem alterações no Congresso.

Partidos de oposição tentaram, em vão, obstruir a votação, alegando que a matéria não havia sido suficientemente debatida pela sociedade.

Na tarde da quarta-feira (29/11/2017), mais de 120 organizações da sociedade civil, inclusive o WWF-Brasil, entregaram ao presidente da Câmara, Deputado Rodrigo Maia (DEM/RJ), uma carta aler-tando para os potenciais retrocessos que a aprovação da MP representaria tanto para o meio ambiente quanto para a economia.

Renata Camargo, analista de conservação do WWF-Brasil, criticou a legislação aprovada. “Esta MP é um retrocesso. Estão tirando dinheiro da edu-cação, da saúde e da segurança para dar a petroleiras estrangeiras. O Brasil vai na contramão do que tem sinalizado nos fóruns internacionais do clima”, con-cluiu. Na próxima semana serão votados os pedidos de alterações (destaques) ao texto aprovado.

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Enquanto as delegações dos países fazem na Bula Zone da COP-23 as rodadas de negocia-ções para a implementação do Acordo de Paris, em Bonn Zone, stands de empresas e sociedade civil são painéis de boas práticas, expondo ações que colaboram para que o mundo atinja a meta de frear o aquecimento global, mantendo índices de até 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. No sábado (12/11/2017) foi a vez da Itaipu Binacional apresentar algumas de suas iniciativas em uma mesa de debates na Conferência do Clima da ONU (COP 23), que começou no dia 6, em Bonn, na Alemanha.

A empresa divide seu território entre Brasil e Paraguai e ambos os países se comprometeram de maneira ambiciosa na redução de emissões de gases poluentes. “São 10% de redução no Paraguai e 37% no Brasil até 2030. Não há como atingir essas metas sem todas as organizações trabalhando juntas, apoiando os governos. E, ocupar o posto de maior hidrelétrica do mundo nos coloca com ainda mais respon-sabilidade”, comenta Norman Breuer, Assessor Especial de Meio Ambiente da empresa.

Itaipu Binacional apresenta as boas práticas na COP-23

Alice Marcondes | Enviada especial da Envolverde para a COP-23

Por ter o seu modelo de negócio baseado em água e energia, a empresa desenvolve ações ligadas à garantia destes recursos. “A principal delas é a conservação de florestas. Estamos inseri-dos na Mata Atlântica, que é um bioma altamente devastado. Então, investimos em áreas protegidas. Já plantamos mais de 20 milhões de árvores nos últimos 30 anos. Temos essa visão de grandes áreas protegidas e fragmentos de florestas intercalados com corredores biológicos, criando um mosaico. A mata melhora o solo, segura a erosão, garante a vida das nascentes e funciona como um filtro para a água”, conta Breuer. São estas áreas protegidas também as responsáveis por sequestrar carbono em índices que permitem à empresa apresentar um resultado negativo de emissões de CO2. “Em 2016 emitimos -5.359.940 de toneladas de CO2. Segundo o WWF, a nossa floresta atlântica do Alto Paraná sequestrou 568 toneladas de CO2 nos últimos 30 anos neste território”, orgulha-se o assessor.

Além dos benefícios ambientais, Ariel da Silva, Superin-tendente de Meio Ambiente da Itaipu, acredita que as ações de conservação hoje já começam a ser encaradas como um fator de garantia para os investidores. “Há vinte anos, quando eu trabalhava em bancos, eu diria que seria muito difícil convencer empresas de que precisam se envolver em ODSs (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável). Nós já estávamos atentos aos riscos das mudanças climáticas em financiamentos errôneos, mas era muito difícil falar disso com os investidores. Hoje em dia os riscos são mais evidentes. Empresas quebram por conta da mudança climática”, diz.

Ele lembra que uma boa forma de demonstrar aos inves-tidores o comprometimento, é a obtenção de certificações. “Nós conseguimos em 2015 o selo LIFE, que é uma certi-ficação que reconhece organizações que adotam estratégias em prol da biodiversidade. Queremos apoiar financeiramente essa certificação. Assim poderemos aumentar o escopo e dar escala. Dando exemplos a gente pode conseguir um grande grau de engajamento”, explica.

Para demonstrar o aspecto negativo da falta de compro-metimento, Ariel cita o Haiti. “Foi um desastre o que houve no pais, mas antes disso eles já tinham destruído o todo o ecossistema. Tem 1% das florestas. Uma empresa que queira investir lá precisaria investir em infraestrutura maciçamente. Isso dificulta o processo”, lamenta.

O envolvimento da comunidade também foi ressaltado como fator estratégico no sucesso das políticas de conserva-ção. Para Cristina Monge, diretora de Diálogos da Fundação ECODES, é preciso “acelerar o engajamento e o compromisso das comunidades locais em um modelo que pense a ação da empresa além dos muros, olhando para os impactos de forma holística. Norman Breuer

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Se trata do setor privado entender que é parte do ecossistema e vive dele. De entender que se o ecossistema se deteriora o negócio vai deteriorar também. No caso da Itaipu a relação é clara, porque usam a água, mas essa visão precisa se estender a qualquer modelo”, enfatiza.

Haroldo Machado Filho, consultor de Mudanças Climá-ticas do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desen-volvimento), destacou ainda a importância das parcerias neste processo. “O Acordo de Paris exige uma cooperação o mais estreita possível. A Itaipu trabalha com várias organizações e sabemos que é importante replicar o modelo para outros países em cooperação sul-sul ou até sul-norte”, diz. A opinião recebe o apoio de Ariel da Silva, que encerra lembrando que “o desafio da mudança climática é global. Todos os setores preci-sam estar unidos e por isso fóruns como estes, onde podemos encontrar todos os interlocutores são muito bons”.

COP 23: Diversificação para um futuro 100% renovável

Podemos chegar a 2030 com uma matriz energética 100% renovável. Esta é a opinião de 71% dos especialistas ouvidos numa pesquisa realizada pela organização REN 21. Os dados são parte do Renewables Global Futures Report e foram assunto do debate do dia 10/11 na COP-23, em Bonn, em uma conversa promovida pela Itaipu Binacional.

A empresa reuniu diferentes atores do setor de geração energética para discutir ações implementadas rumos aos Obje-tivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 6 e 7. As metas tratam de água e energia e são parte da lista de 17 objetivos ratificados em 2015 pela ONU. Na lista de tarefas estão missões ambiciosas de eficiência energética, cooperação internacional e universalização do acesso a ambos os recursos.

O Diretor de Coordenação da Itaipu, Helio Amaral, destacou que, ocupando o posto de maior hidrelétrica do mundo, é natural que a organização coloque no cerne de seus negócios a manutenção de sua principal matéria-prima: a água. O diretor explicou que a empresa desenvolve ações customizadas no Cultivando Água Boa, um amplo programa de cuidados com as microbacias da região. “Fazemos tudo com a participação da comunidade local e promovendo o desenvolvimento regional. Consideramos a segurança da água como parte dos nossos negócios”, disse.

As ações envolvem recuperação de nascentes, capacitação de agricultores, reflorestamento e também a diversificação da matriz energética. A empresa investe em geração de biogás a partir de dejetos dos animais e em breve deve colocar em funcionamento placas de geração de energia solar, porém, ainda em sistema piloto e sem objetivos de comercialização.

Para Cristine Lins, Secretária-Executiva da REN 21, o caminho é correto. “A energia hidroelétrica tem sido uma pilastra no avanço das renováveis, mas é preciso desenvolver as demais energias para chegarmos em uma matriz equili-brada e 100% renovável”, comentou. Ela destacou que os investidores tem apostado mais em outras fontes, como a solar. “A China, em 2016 ampliou em 34,5 GW capacidade instalada de geração de energia solar, aumentando em 45% seu potencial”, ressaltou.

Este equilíbrio entre as fontes é também o caminho para que investidores abracem de vez o setor. James Close, diretor de mudanças climáticas do World Bank Group, explica que a diversificação pode trazer mais segurança em um cenário de imprevisibilidade da disponibilidade de água.

“Os padrões erráticos das chuvas e as secas e enchentes mais frequentes tem impactos severos quando falamos da falta de água. Para financiar projetos precisamos garantir todos estes aspectos. Assim os investidores podem entender os problemas e os riscos também”, comentou.

Richard Taylor, Diretor Executivo da International Hydropower Association, corroborou com a abordagem. “Não existe uma tecnologia única que seja a solução para a energia limpa. Precisamos de uma sinfonia de renováveis para o futuro”, enfatizou.

Ele destacou ainda o exemplo da Costa Rica, que tem em seu território a maior hidrelétrica da América Central e comercializa seu excedente energético com outros seis países, por meio do Central American Electricity Interconnection System (SIEPAC). “A eletricidade lá é cotidianamente comer-cializada. Quando existe mais energia o mercado se beneficia disso. Esse sistema fez o custo da energia descer e diminui a necessidade do uso de fontes não renováveis”, explica.

Lembrando os ODS, Taylor destaca o valor de parcerias deste tipo. “Não chegaremos a esses objetivos sem uma abordagem sistêmica, sem parcerias. Se você tiver uma inter-conexão ou uma rede mais ampla que combina várias fontes, você compartilha e compensa reservas. Precisamos acelerar e pensar em um futuro com as energias renováveis”.

Para Cristine Lins, este é o futuro que precisa ser dese-nhado, mas para o processo é ainda lento. “Temos progresso, mas até agora não o suficiente para atingir as metas de Paris (estabelecidas na COP 21). Para chegar ao cenário de 100% de renováveis precisamos de políticas adequadas e não se pode negligenciar o tempo. 2050 parece estar muito longe, mas são só 33 anos e as decisões tomadas hoje é que vão influir neste resultado”, enfatizou, concluindo ainda que “16% da população global vive sem eletricidade. São 1.9 bilhão de pessoas. Isso é inaceitável no século 21. Somos a primeira geração que tem nas mãos a tecnologia para mudar isso e precisamos fazê-lo”.

Ariel da Silva

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Na imprensa, noticia-se que a COP-23 terminou com avan-ços discretos na implementação do Acordo de Paris. Qual sua avaliação da última Confe-rência do Clima?

Eu venho desde Copenha-gue, em 2009, quando foi rea-lizada a Conferência das Partes - COP-15, acompanhando os processos da COP e, para ser honesta, as Conferências não vêm me empolgando muito. Mesmo o Acordo de Paris, feito para destravar as nego-ciações, ao criar a figura da Contribuição Nacionalmente Determinada (INDC), acabou reduzindo a capacidade de os acordos do clima terem efeti-vidade. Isso porque as INDCs determinam que metas sejam voluntárias até serem criados sistemas de indicadores que possam ser adotados para países desenvolvidos e em desen-volvimento. Os países conseguiram chegar a um acordo desde a COP de Paris, mas esse acordo tem pouca capacidade de impacto. A COP-23, que aconteceu em Bonn, mostra que os interesses dos países começam a prevalecer.

Acredito que a COP da Polônia será muito mais impor-tante do que a de Bonn, porque mostrará a capacidade ou não de definições de regras comuns, guardando as diferentes responsabilidades dos países em relação ao combate à mudança climática. O que fomos vendo ao longo do tempo é que a única possibilidade para se flertar um acordo é flexibilizar: ter os Estados Unidos dentro do Acordo, como aconteceu em Paris, significou uma flexibilização muito grande, a tal ponto que é quase um antídoto. Então, passa a se ter uma não efetividade no plano dos acordos, do que gostaríamos que fosse, ou seja, acordos vinculantes com um grau de responsabilidade muito maior. Nesse sentido, as COPs têm sido frustrantes ao longo dos tempos, desde Copenhague.

Patricia Fachin | Jornalista do IHU On Line

As COPs do Clima têm sido frustrantes desde Copenhague

Quando as INDCs foram criadas, muitos especialistas afirmaram que se tratava de uma metodologia mais adequada do que a de Kyoto, especialmente porque os países membros da Conferência poderiam se comprometer com metas voluntárias, as quais teriam condições de cumprir. Se, na sua avaliação, as INDCs não conseguem fazer o Acordo avançar, o que seria um modelo adequado para se chegar a um acordo que de fato seja efetivo?

Elas não são adequadas; elas são aquilo que foi possível tirar de uma COP que tinha o grande desafio de colocar os Estados Unidos dentro do Acordo. Os EUA não entrariam em qualquer acordo que tivesse algum ponto que os obrigasse

a fazer qualquer coisa que viesse de uma definição do plano internacional para o plano doméstico. As INDCs foram uma engenharia diplomática para destravar o acordo.

Do ponto de vista da questão climática em si, ela foi um atraso. Na minha visão, deveria ter sido feito o contrário: os governos deviam estar agindo a partir das análises que vêm sendo feitas pelo mundo científico, como o Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC - Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) e muitos outros que vêm mos-trando que a mudança climática tem relação direta com o modelo de desenvolvimento que adotamos, ou seja, a maneira com que o capitalismo vem promovendo uma depredação con-sistente, permanente e ampliada da preservação da natureza. Então, ou encaramos isso como algo que é uma instrução radical e absoluta para a mudança de padrão e, com isso, as decisões têm vinculações com consistência, ou seja, os países realmente efetivam compromissos, ou estaremos alimentando processos de negociação infindáveis.

Entrevista com Iara Pietricovsky de OliveiraAntropóloga e Membro do Colegiado do Instituto de Estudos Socioeconômicos - INESC

Iara Pietricovsky

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A minha avaliação é esta: o que deveria existir é com-promisso real. Vejo a Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas como uma espécie de quebra-cabeças: a cada nova discussão que acontece na COP, se abre um novo espaço de debate, e aquilo vai virando um monstro com “trezentos” espaços de debates paralelos, sem que sejam vistas as questões mais importantes, como uma definição radical, consistente e política por parte dos governos para combater a mudança climática. Uma alteração nesse tipo de postura não envolve só questões de clima e tecnologia, envolve enfrentamentos de mudanças de padrão energético, de produção e consumo etc. Por outro lado, o tema do finan-ciamento também mostrou que está longe de ter uma solução, está longe do ponto de vista do dinheiro arrecadado até o presente momento e daquilo que os países se comprometeram em financiar. Esses fundos estão travados, especialmente o Fundo de Adaptação, porque esse é um fundo que nunca foi bem visto pelos países.

O Fundo de Adaptação foi uma conquista desses países, só que eles estão longe, porque os países ricos não estão querendo aportar mais dinheiro; é uma questão básica. Eles não estão querendo aportar mais dinheiro e estão fazendo toda uma engenharia para repensar a cooperação e os fundos que existem e o uso dos seus dinheiros para esses fundos. Por exemplo, tem uma agência de cooperação chamada DAC, que está vinculada aos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE. Essa agência cuida da Ajuda Oficial ao Desenvolvimento, que é o dinheiro — até 0,7% do seu PIB — que os países ricos deveriam destinar aos países em desenvolvimento para apoiar medidas de melhoria nas condições de apoio e ajuda a esse desenvolvimento.

Esse dinheiro está em risco, embora ele tenha sido orientado para o combate à pobreza e à desigualdade. Esse financia-mento está em debate porque países como a Inglaterra estão puxando o debate sobre como readequar o uso desse dinheiro e redistribuir os valores para combater a questão migratória na Europa e a questão climática. Ou seja, fundos que deveriam estar saindo de outros lugares, segundo meu ponto de vista e de outras organizações que participam do debate acerca desse tema, estão sendo usados para outros fins.

Para resolver a questão migratória, os países deveriam estar retirando dinheiro dos seus Ministérios do Interior, porque resolver o problema da imigração diz respeito a uma política interna do país em relação à migração. Eles não deve-riam tirar dinheiro de uma linha de cooperação que já está definida e acordada pelos países ricos e que tem uma linha bastante específica. Ou seja, estão querendo pegar o dinheiro que já está alocado no âmbito da cooperação internacional e reorientá-lo.

Outra coisa é a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, que tem também uma implicação de financiamento e de aporte, que é importante. Essas duas dimensões são importantes para entender, por exemplo, a questão do financiamento como um fator bloqueador e que é essencial. Ele por si só garante as coisas? Não, ele precisa ter associado a isso uma definição política, mas o fato de acordar em cima de bases voluntárias torna a negociação muito difícil.

Além da meta acerca do financiamento climático, outra meta da COP que não foi atingida diz respeito à redução das emis-sões. Quais foram as dificuldades nesse sentido? E que outras dificuldades além dessas evidenciou na Conferência?

Todas essas razões que estou te dando nascem dessas dificuldades, estão ligadas a essa dificuldade. Temos outros elementos, que é por onde vai meu argumento: quando se tem as INDCs, e se dá aos países voluntariamente a possibilidade de decidir como eles vão reduzir as emissões, vemos que na prática isso vai no sentido oposto. O Brasil decidiu renovar o subsídio a combustíveis fósseis, ou seja, foi totalmente na contramão do que deveria estar sendo feito, que é a recessão e a redução do uso dos combustíveis fósseis.

O discurso da Angela Merkel na abertura da COP foi constrangedor. A Alemanha tem sido um exemplo — eventu-almente o exemplo de quem joga lixo em cima dos outros para se manter limpo, mas tem sido um exemplo — nas discussões climáticas até então. Mas o fato é que ela está produzindo e queimando carvão, e essa é uma das razões pelas quais está em uma situação bastante delicada em relação à posição que está ocupando agora, e pode ser que até caia; não sei. Merkel é muito inteligente politicamente, pode ser que consiga recons-truir a coalizão de governo, mas o fato é que o discurso dela foi muito constrangedor. A saída dos Estados Unidos e essa linha política que o presidente americano adotou de estímulo à indústria armamentícia e à produção de guerra é um grande risco. Essa discussão entre Coreia do Norte e Estados Unidos vem nos levando a um tipo de situação que, se ocorrer, terá impactos que talvez nem se consiga medir.

Como você comentou, a Chanceler da Alemanha, Angela Merkel afirmou, durante a COP-23, que baixar as emissões de carbono para que o mundo não aqueça mais do que 2 graus centígrados até o fim do século, conforme sugere o Acordo de Paris, é uma meta ambiciosa demais. Como consequências para atingir essa meta, Merkel chama atenção para o pos-sível aumento do desemprego e para o impacto econômico. Considerando o fato de que a Alemanha tem sido um ator importante nas últimas COPs, qual é o impacto político desse tipo de declaração?

O impacto político é que hoje, em certa medida, o fato de ela se colocar dessa maneira colocou um problema muito sério para a Alemanha, pois desde que o Trump assumiu e saiu do Acordo, passou-se a esperar que a Alemanha assu-misse a liderança. França e Alemanha são os dois países que estão tentando reconstruir essa discussão. Quando Merkel faz essa colocação, ela perde legitimidade, porque mostra que também está submetida a situações internas que a fra-gilizam como liderança, tanto que ela está batalhando pela vida política dela.

Outro ator polêmico nas Conferências é a China. Como foi a participação do país na COP-23?

Eu não tenho muito a falar sobre a China, porque participei de poucos debates sobre a situação desse país. No entanto, a China tem atuado de forma bastante ativa no G-77, que é o conjunto de países em desenvolvimento e que abrange cerca de 140 países, e tem sido bem proativa. A China tem, histo-ricamente, um jogo ambíguo nesse debate, no sentido de que as falas, no geral, demonstram a ambiguidade da diplomacia chinesa. Eu não saberia ir além, até porque estamos, aqui no Instituto de Estudos Socioeconômicos - INESC, começando a tentar entender a presença da China, que começa a se inten-sificar no Brasil e na América Latina.

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Em relação à compra de terras na região?

Sim, porque os chineses têm projetos de longo prazo de ocupação e de construção de infraestrutura que são muito poderosos. Ao mesmo tempo, eles estão tendo decisões internas de políticas domésticas de redução de emissões, pois vivem em situações gravíssimas e de intensa poluição; Beijing é uma cidade inviável. Portanto, os chineses estão sempre em uma linha de ambiguidades.

Que avaliação faz da participação do Brasil na COP-23?

O Brasil tem mantido, coerentemente, sua política den-tro da COP. Não percebi grandes mudanças no conjunto das negociações das posições que o Brasil tem apresentado em todas as COPs; tem um trabalho muito consistente do Itamaraty nesse sentido. Agora, o Brasil, em termos de offset — nós do Inesc e o grupo Carta de Belém somos comple-tamente contra o offset, assim como o Greenpeace e várias outras organizações sociais que são contra esse mercado de carbono — conseguiu chegar a uma posição, mesmo que o REDD e todos esses mecanismos tenham sido incorporados, pois o Brasil assinou o Acordo de Paris, mas resiste para que tudo isso seja feito via o Estado brasileiro, para benefício das políticas públicas da população brasileira.

Então, essa é uma posição que apoiamos e o Brasil tem resistido bastante, ainda que internamente existam grupos fortes, tanto do lado das Organizações Não Governamen-tais - ONGs, como alguma parcela de movimentos sociais e lideranças indígenas ligadas à Organização WWF, quanto do lado que defende o mercado de carbono, inclusive fazem muita pressão no Fórum Brasileiro de Mudança Climática sobre isso.

O Brasil tem mantido uma posição muito resistente e resiliente em relação a isso, o que acredito ser muito bom. O problema do Brasil é que as políticas internas são totalmente contraditórias à posição que o país tem externamente. Já era assim na época da ex-presidente Dilma e agora está ficando muito pior, porque as condições que estão sendo dadas inter-namente no Brasil apontam exatamente para o contrário. O ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, anunciou, em uma reunião com a delegação brasileira, que conseguiu recuperar o orçamento e que está fazendo todos os esforços.

Acredito até que ele esteja honestamente fazendo esses esforços, mas a questão é que o dinheiro que ele está usando é o do Fundo da Amazônia, ou seja, está queimando o dinheiro para resolver um problema de déficit orçamentário. Esse é um problema que está dado para todo o país por conta da Emenda Constitucional 95, a qual realmente é uma medida de austeridade que impacta. Nesse ponto a questão climática não pode ser vista como a única coisa, pois a questão climática tem a ver com várias outras condições de políticas articuladas e vinculadas para resolver um problema.

Não basta fiscalizar a Amazônia, mas tem que dar condições para que as populações indígenas e suas terras demarcadas sejam efetivadas, porque disso depende também a defesa da Floresta Amazônica. É preciso ter respeito aos sistemas de áreas de preservação. Enfim, há uma série de coisas que vêm sendo desafiadas e, às vezes, abertas de uma forma irresponsável pelo governo brasileiro, e que vai de encontro àquilo que o Brasil deveria estar fazendo para realmente mostrar que ele tem boa vontade política para combater a mudança climática.

Em artigo recente você mencionou que, nos debates do Banco Mundial e do FMI, discute-se a possibilidade de um salário universal para amenizar os desastres das mudanças climáticas. Em que consiste essa proposta de um salário mínimo? O que tem sido discutido nesse sentido e como você avalia essa proposta?

Essa proposta tem sido colocada há algum tempo, desde a adoção, pela ONU, do exemplo brasileiro de políticas de transferência de renda a partir do governo Lula. A proposta parte de uma ideia de que todo o cidadão tem direito a um salário mínimo universalizado. Agora, isso ocorre no momento em que a diretora do Fundo Monetário Internacional [Chris-tine Lagarde], repetidamente, na reunião bianual do Banco Mundial e do FMI, em outubro, em Washington, comentava que dentro de cinco anos estaremos navegando em uma nova economia; essa nova economia chegará rapidamente e está ligada a toda essa discussão de Inteligência Artificial. Essa já é a realidade que vivemos hoje e esse tipo de inteligência artificial que já está operando vai se intensificar, vai produzir desem-prego massivo em muitas áreas, entre elas, no campo jurídico, porque haverá sistemas muitos mais eficientes, e na área de transporte, pois já está sendo experimentado em vários lugares o sistema de transporte público sem a participação humana na direção dos veículos. Vários trabalhos que reconhecemos hoje, que existem e que ocupam uma parcela importante da população brasileira, em especial uma parcela da população de classe média e classe baixa, irão desaparecer. Isso causará, segundo, a avaliação deles, o desemprego massivo.

Então, o salário universal nasce a partir de uma tentativa de equalizar a questão: como resolvemos um sistema que irá desalojar e deslocar uma enorme quantidade populacional para funções que deixarão de existir e, ao mesmo tempo, entramos em uma nova era digital, altamente tecnologizada, onde o acesso de trabalhadores a isso será muito menor. Isso já está operando, só que não percebemos. Então, quando vemos — como eu vi — a Christine Lagarde fazendo esse tipo de fala insistentemente em vários e diferentes lugares, quando vemos a discussão que está sendo colocada, de, por um lado, alguns pesquisadores do Direito dizendo que isso é uma questão de direito, portanto temos que universalizar uma renda, e, por outro lado, a solução para o massivo desemprego é o consumo, porque se estrangular a capacidade de consumo, acabaremos com o modelo. Então percebemos que o modelo tem sido tão desigual, tem concentrado tanta riqueza — e nunca antes na história da humanidade tanta riqueza foi concentrada — que é melhor pagar uma parte dessa riqueza por meio de salários universalizados e manter o sistema funcionando, do que equacionar o problema efetivamente do modelo.

Mas qual é a relação desse salário universal com as mudanças climáticas? Pelo que você está dizendo, ele funcionaria como uma alternativa aos impactos das mudanças tecnológicas. Ele seria uma alternativa às mudanças climáticas para não mudar o modelo de desenvolvimento?

Exatamente, porque um dos grandes eixos do debate climático para a solução do clima é a tecnologia, é o avanço tecnológico. Estão falando em tecnologias que capturam o CO2 e o armazenam na terra, e já existem experiências e lugares onde isso está sendo implantado e realizado, só que não se é capaz de avaliar qual é a capacidade de captura e se isso de fato funciona.

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Como já estamos em uma situação de concentração de gases de efeito estufa, mesmo se zerarmos tudo, hoje, estaremos produzindo aquecimento global, mas a ciência e o capitalismo estão tentando buscar tecnologias que possam resolver o problema para, ao mesmo tempo, não mexer no modelo. Às vezes até me sinto como uma “ET” nas COPs, porque vamos a lugares onde as pessoas fazem exposições, apresentam e vendem produtos de captura de CO2; é quase surreal.

No mesmo artigo chama atenção para a Plataforma Indí-gena, que nasce no Acordo de Paris. Em que consiste essa plataforma e como ela poderia contribuir para enfrentar as mudanças climáticas?

Essa plataforma é um reconhecimento de que os povos indígenas têm algo a acrescentar ao debate, às soluções e ao enfrentamento das questões ligadas à mudança climática. Isso pelo fato de que as populações indígenas têm conhecimento ancestral, e elas têm sido, reconhecidamente, aqueles povos que mais preservam a biodiversidade e o meio ambiente, e um dos grupos politicamente mais ativos no equacionamento do problema. Então, o reconhecimento de que esses povos indígenas têm algo a acrescentar é muito importante e eles não estão sendo colocados como um corpo — como é o caso da relação do IPCC na Conferência das Partes —, mas eles agora são reconhecidos e estão se organizando para formular propostas para assessorar e também intervir no processo de todo o plano de ação que será constituído a partir de agora.

Eles podem contribuir porque são detentores de um conhecimento e porque todos os registros, análises e pesquisas demonstram, com hipóteses de alto nível de confirmação, que as populações indígenas, em todas as regiões do planeta, são os maiores preservadores da biodiversidade do mundo. Por-tanto, eles têm um modo de vida, uma maneira de pensar e de reconstruir e, nesse sentido, podem ajudar imensamente com soluções, o que nós, do mundo “civilizado”, não conseguimos, porque temos um modelo de desenvolvimento extremamente predatório. Eles têm agora um espaço de participação no processo de negociação e na busca de soluções.

Por que o texto da Plataforma Indígena aprovado pelo SBSTA, SBI e o UNFCC tem problemas em relação ao financiamento dos membros do GT? Quais os entraves em relação aos fundos GEF, Fundo Verde de Clima e Fundo de Adaptação?

Porque no documento final ficou uma frase, observada por uma das brasileiras que estava acompanhando o processo, que diz o seguinte: “Se a plataforma será subsidiada, a presença daquelas pessoas que serão como partícipes daquele grupo de trabalho, havendo possibilidades e havendo condições, será financiada pela UNSCC”. “Havendo possibilidade” significa que não é vinculante, ou seja, a UNSCC terá que dispor de um orçamento para fazer com que os povos indígenas participem, porque, obviamente, eles não têm dinheiro para participar das negociações. Essa frase fragiliza, porque não é uma frase que vincula, de fato, a obrigação da UNSCC na participação dos índios. É algo que terá que ser brigado mais à frente.

Como aproveitar a potência dos povos indígenas no debate?

Essa é uma questão pertinente, mas só o processo dirá. A capacidade de serem enquadrados pelo processo é uma possibi-lidade, mas também há a possibilidade de eles constrangerem o processo da COP, porque os líderes que estão lá são pessoas muito fortes e muitos potentes. São pessoas que vivem nas comunidades, mas também em áreas de convivência com o mundo ocidental por longo tempo, que guardam identidades muito fortes. Obviamente eles têm que falar inglês e há certas formalidades, mas acredito que podem trazer uma oxigenação política aos debates, mudar muitas decisões lá dentro.

Eles estão sendo afetadíssimos por todo esse processo de mudança climática e pela expansão de um modelo capitalista que os expulsa da terra, que está arrebentando com a terra deles; é o que estamos vendo aqui no Brasil e isso se repete em várias partes do mundo. Destaco que não são só os povos indígenas, mas também comunidades tradicionais, que já sofrem com as mudanças climáticas. Minha esperança é que todos esses segmentos, que são diversos, terão a possibilidade de ter um canal onde poderão conseguir fazer alguma repercussão.

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A 23ª Conferência das Partes (COP-23) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) colocou na mesa de negociação a urgência da amplia-ção das ações de mitigação e adaptação à mudança do clima. Essa edição foi presidida por Fiji, um pequeno estado insular cuja existência está ameaçada pelos efeitos das mudanças climáticas. O simbolismo foi proposital e seu impacto grande. Para Fiji, assim como para outras nações na mesma situação, combater a mudança do clima é questão de sobrevivência pura e simples.

O ponto alto dessa COP, hospedada em Bonn uma vez que Fiji não possui infraestrutura para receber eventos desse porte, foi a regulamentação e criação de um livro de regras, que permitirá a efetiva implementação e monitoramento do Acordo de Paris. Logo no início das negociações, recebemos a notícia de que o governo da Síria anunciou sua adesão ao Acordo, apesar da precária situação política daquele país. É um sinal do esforço sírio para voltar a ocupar um lugar de normalidade geopolítica entre as nações do mundo.

Marina Grossi | Presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS)

COP-23 teve a missão de definir as normas do Acordo de Paris

Em Fiji-Bonn, ficou evidente que a posição do Presidente Donald Trump, contrária aos termos do Acordo, não teve efeito significativo sobre ações empreendidas por outros atores relevantes da sociedade americana. Próximo à Bula Zone, uma das áreas que abrigou a conferência, era possível encontrar o espaço We Are Still In, que representou cerca de 2.500 cidades, estados, tribos, empresas, universidades e grupos religiosos que se uniram na U.S. Climate Alliance. Mesmo sem presença ou patrocínio governamental percebia-se que o Acordo de Paris aponta um caminho irreversível.

Na COP23, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) mostrou como vem contribuindo em discussões centrais para o avanço da implantação do Acordo e, especialmente, da NDC brasileira. Defendemos que a estratégia para alcançarmos as metas da NDC deve ser encarada como uma agenda de desenvolvi-mento de baixo carbono para o país. Essa agenda ensejará oportunidades econômicas que levarão a resultados positivos na produção, geração de emprego e renda, e na conservação ambiental. Nesse sentido, o Brasil ostenta ativos importantes que podem se tornar vantagens competitivas no mercado global se o país seguir no caminho da transição para a economia de baixo carbono. Nossa publicação Oportunidades e Desafios das Metas da NDC Brasileira para o Setor Empresarial aponta as inúmeras possibilidades desse processo.

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Na COP realizamos um evento no Espaço Brasil que abordou as contribuições de grandes empresas como Braskem, Monsanto, Votorantim e Grupo Boticário, para o desenvol-vimento de baixo carbono, inclusive com reflexões sobre os desdobramentos a longo prazo. Na ocasião, aproveitamos para lançar a publicação “Green Bonds – Ecosystem, Issuance, Process and Regional Perspectives”, em parceria com a agência de cooperação alemã, GIZ e o SEB, banco escandinavo com atuação pioneira no mercado de títulos verdes. O estudo apre-senta problemas e soluções para o desenvolvimento desse tema no Brasil, os principais atores envolvidos, o processo de emissão e os desafios para ampliar sua presença de mercado.

Durante nosso evento, o negociador-chefe da delegação brasileira, o embaixador José Antônio Marcondes, reafirmou a importância da participação do setor empresarial na COP. O comentário foi feito em resposta ao pronunciamento do embaixador de Fiji, Deo Saran, que ao facilitar um diálogo aberto sobre a participação de atores não governamentais na COP, mesmo se posicionando de forma neutra, abriu a pos-sibilidade para que alguns países se manifestassem de forma contrária à participação do setor privado. Acredito que o setor empresarial é agente impulsionador de inovações e transfor-mações sociais e sua participação é central na transição para uma economia de baixo carbono.

Há algum tempo, o CEBDS vem trabalhando para fomentar o mercado de títulos verdes em nosso país. Em parceria com a Climate Bonds Initiative, reorganizamos o Conselho Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável do Mercado, que passou a ser chamado de Conselho Brasileiro de Finanças Verdes. No ano passado, lançamos o Guia para Emissão de Títulos Verdes no Brasil, em parceria com a Federação Brasileira de Bancos, detalhando o processo de emissão e discutindo estratégias de expansão.

Segurança hídrica também foi uma de nossas preocupa-ções. O CEBDS participou do painel promovido pela Agência Nacional de Águas. Foi discutida a relação que há entre gestão da segurança hídrica e a questão climática. Essa temática estará presente também no 8º Fórum Mundial da Água, que acontecerá no Brasil em 2018. O CEBDS ocupa a posição de chair do Grupo Focal de Sustentabilidade do Fórum.

Nossas empresas associadas presentes na conferência levaram para o cenário internacional exemplos concretos de ações em energia renovável e tecnologias de redução de emis-sões de gases de Efeito Estufa (GEE) na indústria, florestas e agricultura. A Braskem, por exemplo, apresentou dados que apontam a redução de 18% de suas emissões de GEE e anunciou a parceria com a Haldor Topsoe para a produção de químicos de fonte renovável. O Grupo Votorantim tem investido na Legado das Águas – Reserva Votorantim, a maior reserva privada de Mata Atlântica no Brasil. É sinal de que o setor empresarial brasileiro está atento e vem se esforçando para criar, implementar e partilhar soluções de baixo carbono.

Outro destaque dessa COP foi a complexa questão da precificação de carbono. A Carbon Pricing Leadership Coalition, iniciativa do Banco Mundial, organizou o painel Leaders’ Voices on Carbon Pricing to Drive Climate Action, que teve a participação de diversos líderes de governos, empresas e organizações com o intuito de refletir sobre os recentes avanços da precificação no mundo. Estive lá para falar sobre o contexto brasileiro e nossos esforços para fazer essa agenda avançar.

As ambições das diversas NDC reafirmam a importância da evolução dos mecanismos de precificação. Recentemente, a Iniciativa Empresarial em Clima (IEC), da qual somos inte-grantes, lançou a Carta Aberta: Setor Empresarial Apoia a Pre-cificação de Carbono no Brasil, defendendo o estabelecimento de um mecanismo de precificação adequado às características da economia e ao perfil de emissões de GEE do nosso país. Na COP, a IEC realizou um evento também no dia 13, no qual fui palestrante, para discutir o papel dos mecanismos de precificação no alcance das metas das NDC.

Falando em ambições, de Fiji-Bonn também saiu uma proposta para o Diálogo Talanoa, que discutirá em 2018 a ampliação das metas de financiamento e corte de emissões de gases de efeito estufa. Recentemente, o PNUMA divulgou o relatório Emissions Gap, que adverte que o período de 2018 a 2020 é a última chance de colocar o mundo no rumo da economia de baixo carbono, capaz de estabilizar o aquecimento global em menos de 2°C.

O Brasil levou uma das maiores delegações da COP, com cerca de 130 pessoas. Nosso país manteve seu posicionamento histórico de liderança e reafirmação de nossos compromissos, saímos da conferência com o rascunho do manual de imple-mentação do acordo e convencidos de que podemos aumentar as ambições de nossa NDC.Se

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Começou na semana pas-sada a 23ª Conferência das Partes da Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-23), em Bonn, na Ale-manha, em meio a um cenário de muitas incertezas e apreensão após a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris.

O Acordo, assinado por 195 países na capital francesa em 2015, promoveu avanços nas negociações multilaterais no combate à mudança do clima. Mas a saída dos Estados Unidos deixou um saldo negativo para a implementação do pacto e reinseriu uma disputa de ordem financeira, que em tese parecia matéria superada, entre países ricos e pobres.

O acirramento das negociações surge em um contexto em que os compromissos nacionais assumidos já não são suficientes para que se cumpra o objetivo do Acordo de Paris – de que a elevação da temperatura do Planeta fique abaixo de 2 graus Celsius e muito próximo dos 1,5 grau Celsius. Os compromissos atuais apontam para um aumento de 3 a 4 graus Celsius na temperatura global.

Marina Silva | Ex-Ministra do Meio Ambiente

A COP-23 do Clima e os extremos da política

Há, portanto, um cenário que exige um compromisso ainda maior dos países desenvolvidos com os países mais vul-neráveis – econômica, social e ambientalmente. O mecanismo de perdas e danos do Acordo de Paris estabelece que países afetados por eventos extremos de grandes magnitudes e sem condições de adaptação a eles recebam ajuda e financiamento internacional.

A realização da Conferência em Bonn, sede do Secretariado da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), pode ser vista como um gesto nessa direção. Fiji seria o país-sede, mas por falta de infraestrutura para comportar milhares de pessoas que participam de um evento dessa magnitude, a Conferência foi transferida para solo alemão. Mesmo assim, a nação-ilha do Pacífico foi mantida na presidência política e simbólica da Conferência.

Fiji é um dos países mais vulneráveis às mudanças climá-ticas e já teve comunidades inteiras desalojadas pela elevação do nível dos oceanos. O drama que estão vivendo depende de medidas efetivas urgentes. Assim como Fiji e outros países insulares, cada vez mais regiões do mundo sofrem com o aumento da intensidade e frequência de eventos climáticos extremos, conforme diagnóstico publicado recentemente por cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

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Marina Silva

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Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 60 mil pessoas morrem anualmente como consequência de eventos climáticos extremos, principalmente nos países mais pobres.

A 23ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas tem, em vista disso, uma tarefa histórica de entregar para a sociedade global um consistente ponto de partida para implementação do Acordo de Paris. Há um elevado sentido de urgência e um compromisso com as gerações atuais, que já sofrem os efeitos negativos do aquecimento global, e com as próximas gerações, que seguramente serão as que sofrerão os piores efeitos, caso não haja controle do aumento da temperatura nas próximas décadas.

Esse ponto de partida rumo a um novo ponto de chegada precisa dizer claramente como funcionará o mecanismo de desenvolvimento sustentável criado em Paris e como as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) assu-midas pelos países signatários serão monitoradas, reportadas e revisadas.

O Brasil, que já desempenhou papel de destaque no âmbito da Convenção de Mudanças Climáticas, agora caminha na direção contrária, aquela do atraso protagonizado pelos Estados Unidos. Ainda que o Presidente Michel Temer tente se esconder atrás de um discurso fabricado para iludir os brasileiros e a comunidade internacional de um suposto comprometimento com a agenda ambiental, os fatos falam por si.

O Governo concede anistia a crimes de grilagem de terras públicas na Amazônia, desmatamento e exploração ilegal madeireira; reduz o tamanho de Unidades de Conservação; paralisa o processo de criação de novas Terras Indígenas na Amazônia; enfraquece o principal órgão de combate aos crimes ambientais por meio da redução de 50% de seu orçamento; corta os recursos de programas como o Bolsa Verde e Programa de Cisternas (um dos maiores programas de adaptação do Planeta); e incentiva iniciativas legislativas que fragilizam o licenciamento ambiental.

O Brasil e o Acordo de Paris

Além de tudo isso, o Governo patrocinou uma Medida Provisória que concede isenção fiscal para empresas explorarem petróleo e gás das reservas do pré-sal e que deve alcançar 1 trilhão de reais até 2040. Para se ter uma ideia do desastre em curso, as emissões do Brasil chegaram a quase 2,3 bilhões de toneladas de dióxido de carbono em 2016, significando um aumento de 8,9% em relação a 2015. Esse é o maior aumento de emissões desde 2008.

Isso explica porque, embora formalmente o Brasil se mantenha no Acordo de Paris, na prática está se retirando silenciosa e disfarçadamente. Estão sendo fragilizadas as bases legais, institucionais e orçamentárias que fizeram com que o Brasil conseguisse, entre 2004 e 2012, reduzir em 80% as emissões de dióxido de carbono (CO2)oriundas de desma-tamento e evitasse lançar cerca de 4 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera.

Os retrocessos marcados por uma visão cínica se con-trapõem ao status de urgência da luta contra o aquecimento global. Se os eventos climáticos extremos que estamos presenciando hoje se tornarem a regra e não a exceção, se a produção agrícola for seriamente comprometida por anos seguidos de secas ou chuvas extremas, se regiões inteiras do mundo continuarem a se desertificar ou a perder territórios para o mar, se os vetores de doenças tropicais continuarem a se expandir pelo mundo, corremos o sério risco de atingir um ponto de não retorno.

As negociações na COP-23 até agora não produziram resultados significativos. O segmento técnico findou, e agora todas as expectativas se voltam para o segmento ministerial, quando as autoridades políticas dos países assumem as negociações. Repousa sobre eles a responsabilidade de fazer avançar o que os técnicos não lograram.

É preciso agir, assumir compromissos, enquanto ainda há tempo, evitando o desastre de eventos extremos produzidos pela inação política.

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Um tema emergente nas rela-ções internacionais é a tendência das cidades, entidades regionais ou não ligadas ao governo central de assumirem maior autonomia e independência nos contatos internacionais com o objetivo de defender seus interesses no ambiente global.

Como parte desse processo, esses governos subnacionais incorporam instrumentos e estratégias que até então eram de exclusividade dos governos centrais. Essa internacionalização dos governos subnacionais se constitui numa importante ferramenta para alcançar seus próprios objetivos de desen-volvimento.

Esse conjunto de ações de relações internacionais os gover-nos locais e regionais estabelecem está incluído no conceito de paradiplomacia. A estratégia política de utilização da paradi-plomacia permitiu que os estados e cidades norte-americanas participassem da 23ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, conhecida como Cúpula do Clima ou COP-23 realizada em novembro deste ano em Bonn na Alemanha.

Ainda estamos dentro

O evento estabeleceu as bases para aplicação do Acordo de Paris, adotado em 2015 e que tem por objetivo reduzir as emissões de gases de Efeito Estufa para que a temperatura do planeta não ultrapasse os 2°C ou se aproxime da 1,5°C em relação aos níveis da Era Pré-Industrial

No encontro presidido pela República das Ilhas Fiji e realizado em Bonn, na Alemanha, estiveram presentes 16.028 participantes, sendo 9.202 de 194 países e da União Europeia, 5.543 de organizações não governamentais e observadores e 1.283 representantes de meios de comunicação, segundo dados oficiais da Cúpula, além de congressistas da sociedade civil e empresarial. Destaque particular deve ser dado à participação extraoficial de uma delegação dos Estados Unidos.

De fato, numa participação que pode ser classificada de paradiplomacia ambiental, governos locais norte-americanos se fizeram presentes como forma de resistência às medidas adotadas por Donald Trump em relação às mudanças climá-ticas. Durante o encontro mais de 2.500 governos regionais e locais, empresas e organizações civis repudiaram a política de meio ambiente do governo central norte-americano e participaram da COP-23 com uma mensagem clara: ainda estamos dentro (We are still in).

Reinaldo Dias | Professor da Universidade Mackenzie. Sociólogo, especialista em Ciências Ambientais

A paradiplomacia ambiental desenvolvida na COP-23

Prefeitos, governadores e lideranças empresarias e da socie-dade civil destacaram suas ações para reduzir o aquecimento global e se solidarizaram com as diversas nações presentes. O grupo norte-americano que participou como delegação na Conferência Mundial mantém uma página oficial “We are still in” relacionando suas iniciativas que vão ao encontro das decisões tomadas no âmbito do Acordo de Paris. Esta foi a primeira posição clara e contundente em desafio ao Presidente Trump desde que este anunciou a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris.

Entre os participantes extraoficiais norte-americanos estiveram presentes representantes dos Estados da Califórnia, Vírgínia, Oregon, Washington, Maryland, Hawai, Nova York, Carolina do Norte, Rhode Island, e também 150 condados e cidades como Nova York e Los Angeles. Esses Estados e cidades adotam diversos projetos para reduzir a emissão de gases de Efeito Estufa.

Neste ano o protagonismo das cidades na COP-23 assumiu maiores proporções e esteve melhor organizado do que nos eventos anteriores. O motivo foi a articulação desenvolvida pelo Pacto Global de Prefeitos para o Clima e a Energia. Esta aliança global é um acordo que permite maior colaboração entre as cidades em todo o mundo, com troca de informações e acesso ao financiamento para apoiar e capacitar as administrações públicas na ação local pelo clima e a energia renovável.

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A mensagem comum de todos os países envolvidos na Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas - COP-23 foi a urgência em acompanhar a implementação do Acordo do Clima de Paris e, em última análise, alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030. O tempo está se esgotando e todas as nações devem atuar unidas no sentido de impulsionar a ação climática mais e mais rápido já, já, agora. Acima de tudo, isso significa elevar rapidamente a ambição global de atuar em relação às mudanças climáticas que são considera-das no conjunto total dos planos nacionais de ação climática (NDCs) que estão no cerne do Acordo de Paris.

Os pontos a seguir incluem os anúncios feitos durante a COP-23 para nos conduzir mais adiante, mais rápido e juntos na direção desse destino.

Financiamento da ação climática

Os anúncios principais incluíram fundos para apoiar os países mais pobres e mais vulneráveis, cuja situação foi levada para uma perspectiva clara pelo clima extremo deste ano.

Iniciativa InsuResilience. – São US$ 125 milhões adicionais da Alemanha para apoiar a provisão de seguros para 400 milhões de pessoas mais pobres e vulneráveis até 2020. Uma parceria do G20 e do V20 (países vulneráveis)

Compromisso de ação climática em concreto na COP-23

Nick Nuttall | Jornalista, porta-voz da UN Climate Change

O Fundo de Adaptação excede o objetivo de 2017 – A contribuição da Alemanha de 50 milhões de euros e a contri-buição da Itália de 7 milhões de euros significa que o Fundo já superou seu objetivo de 2017 em mais de 13 milhões de dólares e representa um equivalente total de 93,3 milhões de dólares.

Noruega e a Unilever aportarão US$ 400 milhões para investimento público e privado em desenvolvimento socioeco-nômico mais resiliente. Investir em modelos de negócios que combinam investimentos em agricultura de alta produtividade, inclusão de pequenos agricultores e proteção florestal.

Alemanha e Inglaterra fornecerão US$ 153 milhões para expandir programas de combate às mudanças climáticas e ao desmatamento da floresta amazônica

O Banco Europeu de Investimento fornecerá US$ 75 milhões para um novo programa de investimentos de US$ 405 milhões pela Water Authority of Fiji. O esquema fortalecerá a resiliência da distribuição de água e tratamento de esgoto após o ciclone Winston, a segunda maior tempestade mundial já registrada, que atingiu Fiji em Fevereiro de 2016

Green Climate Fund e o Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento assinaram financiamentos de projetos do GCF no valor de US$ 37,6 milhões e de conservação de recursos hídricos de US$ 243,1 milhões para tornar a agricultura marroquina mais resiliente.

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O Instituto de Recursos Mundiais anunciou um valor de US$ 2.1 bilhões de investimento privado destinado a restaurar terras degradadas na América Latina e no Caribe através da Iniciativa 20X20

O PNUD, a Alemanha, a Espanha e a UE lançaram um programa de apoio de NDC de 42 milhões de euros na Cúpula do Clima da ONU para ajudar os países a cumprir o Acordo de Paris.

Parceria NDC para estabelecer um novo polo regional para apoiar a implementação de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) no Pacífico.

A International Energy Agency (IEA) e mais 13 países destinaram 30 milhões de euros para o “Programa de transição de energia limpa da IEA” que apoia a transição de energia limpa em todo o mundo. Com issso, o Equador reduzirá 15 milhões de toneladas de emissões de CO2 no setor florestal.

O Serviço de Parques Nacionais do Gabão interromperá a exploração madeireira ilegal evitando assim a emissão de 20 milhões de toneladas de CO2.

Investir na ação climática

HSBC anunciou US$ 100 bilhões para investimentos verdes antes da COP-23. O R20 fundado por Arnold Schwarzenegger e o Fundo Africano Subnacional do Clima da Blue Orchard Finance apoiarão iniciativas e fundos de investimento para implementar pelo menos 100 projetos de infraestrutura até 2020.

Coordenando a ação climática

Com tantas promessas de ação climática e iniciativas de todos os governos, empresas e sociedade civil, há uma neces-sidade crescente de coordenar esforços para garantir que cada centavo investido e cada minuto de trabalho contribuam para um impacto muito maior do que cada ação separada.

A Iniciativa Saúde da SIDS da OMS, a Secretaria da ONU sobre Mudanças Climáticas e a Presidência Fijiana da COP-23 buscam garantir que os pequenos estados insulares em desenvolvimento tenham sistemas de saúde resilientes às mudanças climáticas até o ano 2030.

O America’s Pledge, que reúne líderes do setor privado e público dos EUA busca garantir que o país continue a ser um líder global na redução de emissões atinjindo os objetivos climáticos dos EUA acertados no Acordo de Paris.

O Powering Past Coal Alliance reúne 25 países, estados e regiões busca acelerar a rápida eliminação do carvão e apoia os trabalhadores e as comunidades afetadas nas ações necessárias à transição.

Os prefeitos do grupo C40 de 25 cidades pioneiras, que representam 150 milhões de cidadãos, se comprometeram a desenvolver e começar a implementar planos de ação climáticos mais ambiciosos antes do final de 2020 para estruturar cidades neutras e climáticas resistentes ao clima até 2050.

A Global Alliance for Buildings and Construction assi-nou acordo para acelerar drasticamente e ampliar as ações colaborativas.

Below50 - World Business Council on Sustainable Deve-lopment é uma iniciativa para aumentar o mercado global que deseja combustíveis mais sustentáveis.

EcoMobility Alliance - propõe cidades ambiciosas com-prometidas com o transporte sustentável.

A Transforming Urban Mobility Initiative busca acelerar a implementação do desenvolvimento sustentável nos transportes urbanos e a mitigação das mudanças climáticas.

A parceria Ocean Pathway visa, até 2020, fortalecer as iniciativas e o financiamento que vinculam a ação das mudanças climáticas; oceanos saudáveis e meios de subsistência, inclu-sive através do processo das Nações Unidas sobre mudanças climáticas e através de planos nacionais de ação climática

O Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas lançou a Plataforma Global para a Declaração de Nova York sobre Florestas para acelerar a consecução de seus objetivos de proteção e restauração florestal.

Cortes corporativos de emissão

A empresa mundial de chocolates Mars Inc. promete reduzir a sua pegada de carbono 27% até 2025 e 67% em 2050

A Microsoft se propõe a cortar as emissões de carbono em 75 por cento até 2030

A iniciativa de veículos elétricos EV100 - juntou as grandes montadoras em prol da transição para eletro-mobilidade

Walmart se comprometeu em comprar produtor e com-modities que não contribuam para o desmatamento

Ratificações governamentais

Durante a COP-23, a Síria ratificou o Acordo de Paris, documento que já foi assinado por 170 países.

No mesmo tempo, seis países ratificaram a Emenda de Doha (Bélgica, Finlândia, Alemanha, Eslováquia, Espanha e Suécia) - no total, 90 países já ratificaram.

Finalmente, 8 países anunciaram na COP-23 a ratificação à Emenda Kigali do Protocolo de Montreal (Comores, Fin-lândia, Alemanha, República Democrática Popular do Laos, Luxemburgo, Maldivas, Eslováquia e Reino Unido). Em total, 19 países já ratificaram o Protocolo de Montreal.

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Não é apenas a tendência de crescimento nas emissões nacionais de Gases de Efeito Estufa (GEE) que preocupa sobre a capacidade do Brasil de cumprir seus compromissos assumidos no Acordo de Paris.

É preciso também equacionar o hiato entre a Política Nacional de Mudança do Clima (PNMC), lançada em 2009, quando o Brasil estabeleceu metas voluntárias de redução das emissões dos GEE, e os compromissos assumidos no âmbito do Acordo de Paris seis anos mais tarde.

Mais preocupante ainda: é preciso implantar diversas diretrizes previstas na política climática brasileira que já deveriam estar em funcionamento para apoiar a implemen-tação da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) brasileira, com os compromissos assumidos pelo País no âmbito do Acordo de Paris.

“Há indicativos claros de que a governança climática do Brasil carece de aperfeiçoamentos”, resume Juliana Speranza, analista de pesquisa do WRI Brasil (World Resources Institute - Instituto de Recursos Mundiais), que está lançando o primeiro estudo abordando esta temática acerca do papel de uma boa governança como condição para implementação eficaz da política climática brasileira, sob contexto pós-Acordo de Paris. “Investigar os limites, desafios e também as lições aprendidas com a primeira política climática brasileira é estratégico para uma boa implementação da NDC”, completa.

O estudo “Monitoramento da Implementação da Política Climática Brasileira: Implicações da Contribuição Nacional-mente Determinada” detectou vários pontos fundamentais da Lei de 2009 que carecem de implantação, tais como o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), conhe-cido por mercado de carbono, e sistema de monitoramento e avaliação dos resultados da política climática; ambos com criação prevista pelo marco regulatório, mas que ainda não foram construídos.

Os planos setoriais de mitigação e adaptação e o Plano Nacional sobre Mudança do Clima estão com seus processos de revisão e publicação atrasados. No caso de instrumentos como financiamento climático (Fundo Clima e Programa de Crédito para Agricultura de Baixo Carbono), o montante de recursos destinado ainda é marginal, especialmente se comparado ao que é alocado para alavancar atividades não orientadas para a descarbonização da economia.

Quanto aos instrumentos participativos (Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas e processos de consulta pública à formulação de planos de mitigação e adaptação), destaca-se o desafio de ampliar a mobilização social em torno da agenda climática, que ainda é baixa, e garantir maior transparência ao processo decisório acerca de incorporação ou não das contribuições da sociedade civil aos processos de consulta pública.

PNMC pode afetar metas brasileiras no Acordo de Paris

Silvia Dias | Jornalista da Aviv Comunicação

“Em decorrência do Acordo de Paris, a avaliação e o monitoramento passam a receber maior relevância, uma vez que o papel de sistemas de mensuração, relato e verificação (MRV) foi fortalecido e estabeleceu-se a necessidade de revisões periódicas das NDCs dos países”, lembra Viviane Romeiro, gerente de clima e também autora do estudo a ser lançado. Speranza reforça: “Ter um sistema eficaz de governança facilita essa comunicação internacional e também a interna, além de permitir identificar o que não está funcionando para que sejam feitos os devidos ajustes. A evidente falta de uma governança efetiva fragiliza o Brasil.

O estudo chega num momento bastante propício: além da conferência climática que aconteceu em Bonn, no Brasil o Governo está reformulando a estrutura de governança para a gestão da política climática. Sob a batuta da Casa Civil, o Governo está envolvendo diversos ministérios e visa dar maior transparência a esse processo, abrindo um canal de diálogo sobre o que vem sendo pensado para esta reformulação.

“Bons arranjos institucionais devem estar também pau-tados na adequação a sistemas de monitoramento e avaliação das políticas públicas e de canal de diálogo e escuta popular com a sociedade, com desenhos que favoreçam a articulação intersetorial”, ressalta Speranza. “O cumprimento de objetivos e compromissos de redução das emissões dos GEE e adaptação às mudanças climáticas estão portanto condicionados à exis-tência de uma boa governança climática. É a boa governança que responde por bons resultados”, finaliza.

A NDC brasileira que consta no Acordo de Paris estabe-lece uma meta de redução das emissões de GEE de 37% em 2025 e de 43% em 2030, ambas tendo 2005 como ano-base e reconhecendo um cenário de emissões “economy-wide”, ou seja, que reconhece a necessidade de reduções absolutas de GEE em todos os setores-chave da economia brasileira. No entanto, no âmbito doméstico, a PNMC – que conta com compromissos e planos de adaptação e de mitigação já elaborados – baseia-se em uma meta voluntária de redução de emissões projetadas até 2020 entre 36,1% até 38,9%, tendo como ano-base também 2005, mas baseando-se em um cenário conhecido por “business as usual’’, ou seja, consideradas a manutenção das mesmas condições do cenário habitual.

A análise do WRI partiu da ferramenta de monitoramento de políticas climáticas criada pela Open Climate Network, da qual o WRI faz parte. Essa ferramenta é inovadora e analisa não só o grau de implementação da política climática, mas também considera aspectos de governança importantes para a boa promoção da política. A ferramenta dispõe diretrizes para analisar 5 aspectos de governança: 1) clareza de papéis e responsabilidades; 2) capacidade institucional; 3) coordenação para a implementação das políticas; 4) transparência e 5) engajamento de diferentes atores para a sua realização.

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Para uma civilização cujo desenvolvimento é medido em milênios, 25 anos não é nada. Certamente não deveria ser suficiente para devorar um planeta inteiro. Mas é nesse sentido que estamos nos encaminhando e, em um impor-tante aviso para a humanidade, os cientistas explicam que, no espaço de uma ou duas gerações tomamos o caminho da autodestruição.

Era 1992, quando a Union of Concerned Scientists (UCS, uma organização internacional de cientistas envolvidos em campanhas pela sustentabilidade, sediada nos Estados Unidos) publicou o primeiro “Aviso dos cientistas do mundo para a humanidade”. Assinado por mais de 1.400 especialistas, o documento mostrava indicadores alarmantes, do desmata-mento às reservas hídricas, até o crescimento da população: as atividades humanas estavam destruindo os ecossistemas, conduzindo a própria humanidade a uma crise global, sem precedentes.

15.000 cientistas advertem: o Planeta está em crise

Jacopo Pasotti | Jornalista de La Repubblica

Depois de um quarto de século, e não por acaso publicado exatamente durante as negociações da COP-23, em Bonn os cientistas da UCS emitiram um segundo aviso. Usando dados de organizações governamentais e não-governamentais, os especialistas avisam: estamos a ponto de provocar um “dano irreversível” ao Planeta Terra, estamos a um passo de atingir os limites de tolerância da biosfera. Eles reiteram a mensa-gem escrita muito claramente 25 anos atrás: “É preciso uma mudança drástica na gestão dos recursos terrestres” para evitar o colapso do sistema Terra, o ser humano incluído.

Os signatários do documento, liderados por William Ripple, professor de ciências florestais na Universidade Estadual de Oregon, desta vez são 15.000 (dos quais 280 operam em instituições italianas), provenientes de 184 países e incluem a maioria dos ganhadores do Prêmio Nobel ainda vivos. Nunca tantos especialistas se reuniram em um único documento científico.

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Seria fácil rotular o apelo como um alarmismo com viés catastrófico-ficcional. O trabalho dos cientistas é estudar as mudanças a longo prazo nos ecossistemas, explica Ripple. “E aqueles que assinaram não estão levantando um falso alarme: estão apenas avisando sobre os sinais claros de que estamos seguindo ladeira abaixo, rumo a um percurso insustentável”. Os progressos realizados para uma coexistência entre a espécie humana e todas as outras formas de vida, e para garantir um futuro para nós mesmos, são poucos, mas importantes. Quem escreve isso é Ripple e seus colegas na revista Bioscience, onde publicaram o relatório.

Foram registrados progressos na redução de compostos químicos responsáveis pelo buraco de ozônio, no aumento da produção de energia a partir de fontes renováveis, mas também no declínio da fertilidade (ligado a programas de educação e de sensibilização) em algumas regiões, e, por fim, no declínio da taxa de desmatamento, que passou de 0,18% por ano em 1992 para 0,08% ao ano atualmente. Essas são as melhorias, de outra forma, todo o resto continua muito preocupante. É grave a situação dos recursos hídricos per capita, que diminuíram em 26% desde 1992 (vocês não sentiram o problema?

Muito possivelmente sim, no mais é uma média e significa que em algum lugar alguém provavelmente ficou sem água). Continuam a diminuir os estoques de pescado, embora o boom da aquicultura tenha dado algum fôlego para os oceanos. Aumentam, e dramaticamente, as “zonas mortas” marinhas: milhares de quilômetros de costa tornaram-se estéreis pelo afluxo de poluentes originados pelo setor agropecuário (por exemplo, os fertilizantes para a agricultura).

Estamos derrubando menos árvores, certamente, mas ainda assim perdemos 122 milhões de hectares de florestas em 25 anos, dizendo um não a um dos melhores seguros contra o aquecimento global. Disso decorre o problema da atmosfera, aquecida por emissões de gases de efeito estufa que aumentaram implacavelmente em 62 por cento em vinte anos. Tudo isso causou um aumento na temperatura média global na Terra de 167 por cento, e repercute sobre nossos coinquilinos do reino animal: desde 1992, perdemos 29 por cento das espécies, entre mamíferos, anfíbios, répteis, peixes e aves.

Os cientistas insistem que é crucial, para superar essa longa descida rumo ao colapso, a redução da taxa de crescimento da população humana, que aumentou em 2 bilhões em 25 anos, equivalente a um aumento de 35% desde o primeiro aviso da UCS. E a Itália, em tudo isso? Qual é a sua contri-buição? De acordo com Alberto Basset, professor de ecologia da Universidade de Salento, e signatário do aviso, “o fato de que em alguns países, como a Itália, muitos dos indicadores estejam na contratendência não é motivo de tranquilidade e nem mesmo de satisfação. De fato, nossa ‘pegada ecológica’ geral vai além do território italiano e contribui para as ten-dências globais destacadas no relatório”.

“Na Itália, as mudanças na superfície florestal e na população estão na contratendência em relação aos dados globais. A preservação das espécies animais e vegetais é muito avançada, a perda de habitat reduzida e em alguns casos verificou-se uma recuperação de habitats prioritários, como, por exemplo, é o nosso rico patrimônio lagunar. No entanto, existem outros pontos fracos, como a invasão de espécies exóticas, o abandono das terras agrícolas, a exploração excessiva das águas subterrâneas, e o nível de poluição geral, todos elementos de desequilíbrio significativos para o nosso país”, explica o ecologista.

Basset afirma que “a principal prioridade é a difusão da cultura ecológica no nosso país que leve os cidadãos a estarem cientes da interdependência da nossa saúde e do nosso bem-estar com aqueles das outras espécies com as quais compartilha-mos o território. O conhecimento científico e as políticas de prevenção mais avançadas são certamente importantes, mas o elemento decisivo é o nosso comportamento e nossa percepção do valor dos ecossistemas”. Uma visão, esta, compartilhada pelos autores do relatório, segundo os quais a intervenção política é fundamental, mas, dizem, “chegou o momento de reexaminar e mudar os comportamentos individuais, incluindo a nossa reprodução (limitando a no máximo dois filhos por família), e a diminuição drástica do consumo per capita de combustíveis fósseis e de carne”.

É o segundo aviso, e desta vez pede a nossa participação, das nossas comunidades, das nossas famílias. Haverá tempo para uma terceira advertência?

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Todos querem ter de tudo. Como irá funcionar? A promessa do crescimento econômico é que os pobres podem viver como os ricos e os ricos como os oligarcas. Mas, estamos superando as bar-reiras físicas do planeta que nos sustenta. O colapso climático, a perda do solo, a desintegração de habitats e espécies, o mar de plástico, o desaparecimento de insetos: tudo impulsionado pelo consumo. A promessa de luxo para todos não pode ser alcançada. Não existe suficiente espaço físico, nem ecológico para isso.

Contudo, o crescimento precisa continuar: este é o impe-rativo político em todas as partes. E temos que modificar nossos gostos de maneira concorde. Em nome da autonomia e a escolha, o marketing emprega as últimas descobertas em neurociência para derrubar nossas defesas. Os que tentam resistir serão silenciados, como os partidários da Vida Simples de Admirável Mundo Novo de Huxley, mas neste caso pelos meios de comunicação.

Com cada geração muda a referência do que constitui um consumo normal. Há trinta anos, era ridículo comprar água engarrafada em lugares nos quais a água da torneira é abundante e limpa. Hoje em dia, em nível mundial, usamos um milhão de garrafas de plástico a cada minuto.

Toda sexta-feira é sexta-feira preta - Black Friday -, todo Natal um festival maior de destruição adornado por guirlandas coloridas. Entre saunas com neve, geladeiras portáteis para melancias e smartphones para cachorros com os quais nos estimulam a encher nossas vidas, meu prêmio “Civilização extrema” vai para a PancakeBot: uma impressora 3D de massa que permite a você comer, todas as manhãs, a Mona Lisa, o Taj Mahal ou o traseiro de seu cachorro. Na prática, irá atrapalhar você, durante uma semana, até que perceba que não tem espaço na cozinha. Com porcarias como essa, estamos dilacerando o planeta e nossas próprias perspectivas de futuro. Temos que tirar tudo do caminho.

A promessa complementar a esta é que através do consu-mismo ecológico podemos reconciliar o crescimento perpé-tuo e a sobrevivência do planeta. No entanto, uma série de trabalhos de pesquisa demonstram que não há uma diferença significativa entre a pegada ecológica das pessoas que se pre-ocupam e das que não. Um artigo recente, publicado pela revista Environment and Behaviour, destaca que aqueles que se identificam como consumidores comprometidos utilizam mais energia e produzem mais emissões que aqueles que não se preocupam com o meio ambiente.

Todo dia é Black Friday para destruir nosso Planeta

George Monbiot | Jornalista, escritor, acadêmico e ambientalista

Por quê? Porque a sensibilização ambiental costuma ser maior entre pessoas endinheiradas. Não são nossas posturas as que impactam no meio ambiente, mas nossas receitas. Quanto mais ricos somos, maior é a nossa pegada ecológica, sem importar nossas intenções. Segundo mostra o estudo, os que se percebem como consumidores ecológicos se concentram, principalmente, em comportamentos que tem “benefícios relativamente pequenos”.

Conheço pessoas que reciclam religiosamente, guardam as sacolas de plástico, medem com cuidado a quantidade de água ao fazer chá, e depois vão de férias ao Caribe, anulando abertamente suas economias ambientais. Cheguei a acreditar que a reciclagem delas justifica os voos transatlânticos. Con-vence as pessoas de que são ecológicas, permitindo-lhes ignorar impactos maiores. Nada disto significa que não devemos tentar reduzir nosso impacto ambiental, mas temos que ser conscientes dos limites de nossas ações. Nosso comportamento dentro do sistema não pode mudar as consequências do sistema. O que é necessário mudar é o sistema.

Uma pesquisa da Oxfam sugere que o 1% mais rico do planeta – se seu lar possui um ingresso de 70.000 libras (ao redor de 79.000 euros) por ano ou mais, você é este 1%) produz 175 vezes mais carbono que os 10% mais pobres. Como, em um mundo no qual se supõe que todos temos que almejar rendimentos maiores, podemos evitar que a Terra, da qual depende todo o bem-estar, se converta em um saco de pó?

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George Monbiot

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| análise |

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Mediante o desacoplamento (“decoupling”), os econo-mistas não o dizem: separar nosso crescimento econômico de nosso uso de materiais. Como está funcionando isto? Um estudo publicado na revista Plos One descobriu que, enquanto em alguns países houve um desacoplamento rela-tivo, “nenhum país conseguiu um desacoplamento total nos últimos 50 anos”.

Isto significa que a quantidade de materiais e energia associada a cada aumento do PIB pode cair, mas enquanto o crescimento deixa para trás a eficiência, o uso total de recursos segue aumentando. O mais importante revelado pelo estudo, é que, em longo prazo, o desacoplamento tanto relativo como absoluto, derivado do uso de recursos essenciais, é impossível, devido aos limites físicos da eficiência.

Um crescimento global de 3% significa que o tamanho da economia mundial se duplica a cada 24 anos. Esta é a razão pela qual a crise ambiental está se acelerando neste ritmo. Ainda assim, o plano é assegurar que se duplique e volte a duplicar, e continue duplicando eternamente. Em nossa busca por defender o mundo da voragem destrutiva podemos pensar que estamos lutando contra corporações e governos e a ignorância geral da humanidade. Mas, só são substitutos do verdadeiro problema: o crescimento perpétuo em um planeta que não está crescendo.

Aqueles que justificam o sistema insistem em que o cres-cimento econômico é central para a redução da pobreza. No entanto, um estudo na World Economic Review destaca que os 60% mais pobres do mundo recebem só 5% de receitas adicionais geradas pelo crescimento do PIB. Como resultado, são necessários 111 dólares (94 euros) adicionais para cada dólar destinado à redução da pobreza.

Por isso, segundo as tendências atuais, seriam necessários 200 anos para assegurar que todos recebam cinco dólares (quatro euros) por ano. Chegado esse ponto, o salário médio per capita chegaria ao um milhão de dólares (850.000 euros) por ano, e a economia seria 175 vezes maior que atualmente. Esta não é uma fórmula para vencer a pobreza. É uma fórmula para a destruição de tudo e de todos.

Quando ouvir que algo possui sentido em nível econô-mico, isto significa que é o contrário do sentido comum. Esses homens e mulheres sensatos que conduzem os Minis-térios da Fazenda e os bancos centrais mundiais, que veem uma ascensão infinita do consumo como algo normal e necessário, são os destrutores: destroem as maravilhas do mundo e acabam com a prosperidade das gerações futuras para manter algumas cifras que tem cada vez menos relação com o bem-estar geral.

O consumismo responsável, o desacoplamento material, o crescimento sustentável: são todas ilusões, desenhadas para justificar um modelo econômico que está nos levando à catás-trofe. O sistema atual, baseado no luxo privado e a miséria pública, tornará a todos miseráveis. Neste modelo, o luxo e a carência são uma besta com duas cabeças. Precisamos de um sistema diferente, que não seja baseado em abstrações econô-micas, mas, ao contrário, em realidades físicas, que estabeleça os parâmetros pelos quais julguemos sua saúde. Precisamos construir um mundo em que o crescimento seja desnecessário, um grupo de suficiência privada e luxo público. E precisamos fazer isto antes que a catástrofe nos obrigue a agir.

Tradução do CEPAT

EPA

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| análise |

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Quero aqui discorrer sobre uma falácia. A de que conserva-cionismo e preservação ambien-tal são políticas “de esquerda”, ou, ainda, que vão contra o desenvolvimento econômico. Para tanto, demonstrarei que essas são posturas pregadas por radicais ou oportunistas, que, normalmente, ganham mais visibilidade em tempos de crise econômica e política, como a que vivemos.

Temos visto uma crescente polarização entre grupos políticos nos últimos anos no Brasil. De um lado, egrégios do partido que estava no poder, chamados “mortadelas”, advindos de partidos que se assumem alinhados a ideologias socialistas. De outro, os “coxinhas”, ou liberais de direita. Essa simplificação das partes, todavia, não reflete a realidade partidária brasileira, nem de quem foi às ruas clamar por mudança.

Já diziam os orientais que o segredo está no equilíbrio, mas essas pessoas não parecem interessadas na parcimônia. Os radicais são movidos por paixões e demonstram-se ardentes por mudanças, todavia, entram em relacionamentos amorosos com seus líderes messiânicos (populistas), que, com promessas fantásticas, dizem que resolverão todos os problemas num passe de mágica. Na verdade, os extremados não agem como cidadãos sensatos, mas como torcidas organizadas, vibrando como se estivessem numa final de Copa do Mundo que jamais chega ao fim.

Giem Guimarães | Empresário, Ambientalista e Diretor-Executivo do Observatório de Justiça e Conservação

Ecologia não é ideologiaNesse triste contexto “terceiro mundista” do qual tentamos

escapar, é preciso atentar aos construtores de mitos personi-ficados por lobbies, entidades de classe ou marqueteiros que, muitas vezes, são propagadores de ódio e discursos radicais. Congressistas de “direita e esquerda” tentam aprovar um abrupto retrocesso na conservação da biodiversidade no Brasil. Projetos de Lei que propõem a supressão de UCs, como o que prevê a redução da APA da Escarpa Devoniana no Paraná, do Parna de São Joaquim, em Santa Catarina, ou de áreas indígenas, na Amazônia, ganharam força na atual gestão.

Infelizmente, falar desse tema num país onde a falta de saúde, educação e segurança pioraram substancialmente nos últimos 13 anos é complicado, mas devemos observar que a destruição do meio ambiente agravou ainda mais essas mazelas. A saúde, por exemplo, é sobremaneira atingida pelos efeitos maléficos do desmatamento, poluição, contaminação por agrotóxicos, desastres naturais, etc. Recentes estudos da Uni-versidade de Yale, aliás, apontam que há total relação entre os surtos de doenças, como a febre amarela e outras transmitidas pelo Aedes egypti, com a devastação ambiental.

Questões relativas ao meio ambiente também permeiam a educação e a segurança pública. A migração do campo para a cidade sobrecarregou a infraestrutura dos grandes centros, tornando ainda mais custosas e difíceis as readequações dos serviços públicos que já possuíam qualidade sofrível décadas atrás. Enquanto isso, no “mundo encantado de Brasília”, a desclassificada classe política manipula Leis e estigmatiza adversários de acordo com suas intenções negociais. Meio ambiente e conservação para essa gente são apenas meios para se chegar a fins puramente econômicos ou eleitoreiros.

Não se trata disso. Ecologia e meio ambiente não tem nada haver com ideologia. A Ecologia é um ramo da ciência que estuda o meio ambiente e sua interação com os seres vivos, e como ciência, deve ser técnica e desprovida de paixões. Meio ambiente e ecologia, portanto, estão para o socialismo, assim como a astronomia está para o liberalismo. Não há nenhuma relação direta entre elas. Conservar e cumprir as leis ambientais deve ser uma obrigação comum a todos, pois está “cientificamente comprovado” que nem Marx nem Misses sobreviveriam ao desastre de Mariana, por exemplo.

Como empresário e ambientalista, deparo-me com colegas da área empresarial com posturas radicais quando o tema é meio ambiente. No fundo, o que mais lhes desagrada são os custos de ter de cumprir as leis ambientais. Assim como no Brasil ser “dedo-duro” é visto com demérito, exigir que se cumpram leis ambientais, dizem, é “coisa de ecochatos”.

Da mesma forma que a apropriação do discurso conser-vacionista por alas ditas progressistas é tática de manipulação barata, o propósito do desdém aos ecologistas e desprezo pelas leis ambientais, nada mais é do que uma tentativa de distorção do discurso que visa preservar interesses individuais. A estigmatização da ecologia e dos conservacionistas serve apenas aos radicais e oportunistas de plantão.

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Giem Guimarães

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| opinião |

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A gestão dos riscos das mudanças climáticas está adqui-rindo uma nova urgência para os formuladores de políticas públicas, bem como para aqueles que estão na linha de frente nas comunidades. As conexões entre a mudança global do clima e o aumento da incidência de furacões, secas, inun-dações massivas, fenômenos destrutivos semelhantes e as consequentes perdas humanas e materiais agora se tornam mais evidentes.

A temporada de furacões de 2017 no Atlântico foi extre-mamente ativa e intensa e deixou destruição sem precedentes na região do Caribe. Destacam-se o furacão Irma, de categoria 5, com uma força nunca registrada no Atlântico, e o furacão Maria, também de categoria 5. Ambos cruzaram um número extraordinário de ilhas, expondo uma população de 32 milhões de pessoas a ventos de alta velocidade e deixando registros de danos superiores a 193 bilhões de dólares.

Janire Zulaika | Coordenadora para o Caribe do Programa de Preparação para Desastres do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)

Gênero, gestão de desastres e mudança global

Essas ameaças de alta intensidade demonstraram mais uma vez os níveis de alta vulnerabilidade em que vive expres-siva parcela da população da América Latina e do Caribe e lembram a necessidade de um melhor planejamento do desenvolvimento, onde a gestão de riscos esteja interligada à gestão econômica, à coesão social e à gestão ambiental com base na equidade.

Mulheres, meninos e meninas são 14 vezes mais propen-sos que os homens a morrer durante um desastre. É por isso que esses eventos nos lembram que é vital levar em conta a diferença de impacto em homens e mulheres, e o mesmo vale para grupos vulneráveis, como crianças, jovens ou idosos que tendem a ser desproporcionalmente afetados.

Para entender os riscos, é indispensável incorporar aspec-tos de gênero nas análises de vulnerabilidade e capacidade comunitária.

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| gênero |

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Na maioria dos casos, os desastres causam um fardo adi-cional para mulheres e meninas, pois é sobre elas que recai a responsabilidade do trabalho não remunerado (provisão de cuidados, água e alimentos para famílias, entre outros), bem como as condições de pobreza, de acesso à educação e de participação na tomada de decisão política e doméstica tornam-se mais agudas. As desigualdades econômicas e sociais fazem com que as mulheres tenham menos recursos e meios, o que aumenta sua vulnerabilidade às ameaças; ainda que, em contraposição, tenham desenvolvido uma série de capa-cidades familiares e organizacionais que contribuem para o desenvolvimento da comunidade.

No PNUD, apoiamos essa abordagem de gênero, conside-rando-a fundamental para garantir a integração das diferentes necessidades de homens e mulheres em todo o espectro da gestão de risco de desastres e da recuperação. Também cabem esforços para envolver as mulheres nos processos técnicos e de tomada de decisões para que elas possam reconstruir um mundo mais seguro e uma sociedade mais inclusiva.

Por exemplo, nos processos de recuperação dos países caribenhos afetados após a passagem dos furacões Irma e Maria, o PNUD trabalha com uma abordagem de gênero. Também atua com projetos e oportunidades temporárias de emprego emergencial para que mulheres e homens afetados possam ser capacitados, reconstruam suas casas, comunidades e infraestrutura local, tornando-se agentes de recuperação e assumindo um papel proativo, fornecendo sua experiência única e conhecimento local.

No Haiti, após a passagem do furacão Mathews, muitas mulheres encontraram-se em uma situação ainda mais precária, vendo seus meios de produção destruídos, acesso limitado a renda ou crédito, e muitas vezes assumindo o cuidado de familiares feridos. Com o apoio do PNUD e como parte da estratégia de recuperação após a passagem do ciclone, mais de 40 mulheres empresárias dos municípios mais afetados iniciaram um programa de capacitação para revitalização e fortalecimento de suas empresas.

No Peru, após as inundações recentes resultantes do El Niño costeiro, o PNUD, com financiamento do Departa-mento de Ajuda Humanitária da União Europeia (ECHO), promove uma iniciativa que reúne seis associações de artesãs, cerca de 250 mulheres, que, por meio da arte, reconstroem sua economia e comunidades após a emergência.

Também como parte da estratégia de recuperação ime-diata e com foco nos lugares com mães chefes de família, implementou-se a metodologia “Dinheiro por trabalho”, para apoiar o retorno da população a suas casas e dar a elas um trabalho temporário. Por meio dessa iniciativa, as mulheres participaram da remoção segura de escombros e lama em casas e espaços comunitários, como restaurantes populares, postos médicos e parques, enquanto recuperavam seus meios de subsistência.

Cada emergência é uma oportunidade para recuperar melhor e planejar o desenvolvimento de forma mais efetiva, incorporando a redução de risco de desastres. Com o rápido desenvolvimento de nossa região, os riscos de desastres urbanos e naturais aumentam; por isso, é essencial para o futuro da América Latina e do Caribe considerar as diferentes habilidades das mulheres e homens afetados, de modo que cada uma e cada um, com seu papel e suas características particulares, contribua para o desafio de alcançar melhores condições de segurança e resiliência.

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A ALERJ aprovou o Projeto de Lei, de autoria do Depu-tado Carlos Minc, que cria nova Unidade de Conservação de proteção integral no Estado do Rio de Janeiro: o Refúgio de Vida Silvestre Estadual da Serra da Estrela – que fecha importante corredor de biodiversidade de Mata Atlântica entre a Área de Proteção Ambiental de Petrópolis, na Região Serrana, e a Reserva Biológica do Tinguá, na Baixada Fluminense. Segundo Minc, o PL deverá ser sancionado pelo Governador Pezão, já que “houve acordo prévio e foram promovidas três audiências públicas expressivas, promovidas pelo INEA, em Magé, Duque de Caxias e Petrópolis. A nova Unidade de Conservação será um avanço considerável na proteção da Mata Atlântica e de mananciais de rios”, diz.

O PL aprovado representa, em especial, uma vitória do movimento ambientalista de Petrópolis e da SOS Mata Atlântica, que lutam desde os anos 1980 pela preservação do verde da região. O Refúgio de Vida Silvestre Estadual da Serra da Estrela abrange áreas dos municípios de Caxias, Magé e Petrópolis. “Estamos falando de extensa área de Mata Atlântica que irá compor um corredor verde de rica biodi-versidade, estimulando não só a preservação, mas o turismo sustentável”, diz Minc.

A ideia inicial do Deputado era a criação de um Parque, mas, a partir de entendimento, foi adotado o projeto de criação de um Refúgio de Vida Silvestre. Uma diferença básica, no caso, é que os proprietários não são desapropriados, embora tenham que seguir rígidas regras de preservação ambiental. Devido a situação de penúria fiscal do Rio de Janeiro, a não necessidade de desapropriação, por parte do Estado, acabou viabilizando a aprovação do Projeto de Lei.

A área total do refúgio é de 5.200 hectares e ficará sob a administração do Instituto Estadual do Ambiente (INEA). As comunidades quilombolas presentes neste território deverão ser preservadas. Mudanças dos limites da reserva só poderão ser feitas por meio de Projetos de Lei.

Projeto de Minc na Alerj cria Refúgio da Serra da Estrela

Lúcia Chayb | Jornalista. Diretora da ECO 21 (Com informações da Alerj)

A Unidade de Conservação aprovada permite a promoção de iniciativas de visitação, recreação, educação ambiental e pesquisa científica, estimulando, assim, o desenvolvimento do turismo em bases sustentáveis.

Além de preservar a Mata Atlântica e os outros ecossis-temas da Serra da Estrela o Refúgio protegerá espécies da flora endêmicas de Mata Atlântica e animais migratórios, raros e ameaçados de extinção como o sapinho pingo-de-ouro (Brachycephalus margaritatus), entre os anfíbios; o pixoxó (Sporophila frontalis) e o macuco (Tinamus solitarius) entre as aves e o sagui-da-serra-escura (Callithrix aurita) e o emblemático mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia) entre os mamíferos.

O projeto também determina que a área de propriedade da Indústria de Material Bélico do Brasil (IMBEL), inserida nos limites do Refúgio, não será objeto de regularização fundiária. A IMBEL é uma empresa pública que desenvolve atividades de segurança nacional. Ainda segundo o texto, as estruturas viárias limítrofes ao refúgio deverão ser devida-mente licenciadas e alvo de estudos específicos para prevenir impactos ambientais.

A partir da sanção da Lei, o Poder Executivo deverá ela-borar plano de manejo da nova Unidade de Conservação. O Refúgio de Vida Silvestre Estadual da Serra da Estrela contará com Conselho Consultivo, presidido pelo INEA (Instituto Estadual do Ambiente) e constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e por proprietários de terras localizados na região.

Desde Março deste ano o Projeto de Lei foi amplamente discutido com a sociedade e com o Governo do Estado. “Realizamos três audiências públicas na região e ouvimos as demandas da população local. A área de Mata Atlântica fluminense compreendida dentro do Refúgio precisa ser preser-vada por ter diversas espécies raras, ameaçadas e endêmicas”, justificou o Deputado Carlos Minc.

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Deputado Carlos Minc na Alerj Serra da Estrela, em Petrópolis, RJ

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| legislação ambiental |

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Excelente notícia para as florestas brasileiras. No ano que completa 15 anos de existência, o Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA) (www.programaarpa.gov.br) supera sua meta ao confirmar o apoio à conservação de mais de 60 milhões de hectares, atuando em 117 Unidades de Conser-vação – uma área maior que a Alemanha ou duas vezes o tamanho da Itália. O Programa assim se estabelece como o maior programa de conservação de áreas florestais do mundo ao conservar 15% do território da Amazônia brasileira.

Criado em 2002 por meio de um alinhamento inovador entre Governo Federal, órgãos estaduais e instituições privadas e a sociedade civil, o ARPA representa hoje a principal estratégia de conservação da biodiversidade para o bioma amazônico. Por meio da criação, da expansão e do fortalecimento de Uni-dades de Conservação (UCs), o programa assegura recursos financeiros para a gestão e manutenção das UCs e a promoção do desenvolvimento sustentável da Amazônia. Hoje, o pro-grama está presente em 117 UCs, entre as categorias Parque Nacional (PARNA), Parque Estadual, Estação Ecológica (ESEC), Reserva Biológica (REBIO), Reserva Extrativista (RESEX) e Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.

“O grande desafio é fazer com que essas unidades cum-pram seus objetivos de conservação, de forma participativa e transparente, o que é feito com apoio dos recursos de doação e do próprio governo”, afirma o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho.

Programa ARPA supera meta de 60 milhões de ha

Giovanna Leopoldi | Jornalista da JB Press House para o WWF-Brasil

As áreas englobadas pela iniciativa representam mais de 35% das Unidades de Conservação da Amazônia e contribuem diretamente com as metas de conservação estabelecidas pelo Brasil em compromissos internacionais como os assumidos no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), em que o país se propõe a proteger 30% da Amazônia até 2020 (o equivalente a 126 milhões de hectares).

O programa também resguarda a biodiversidade local. Do total de unidades protegidas, 39 abrigam mais de 8,8 mil

espécies ou 88% das espécies de pássaros, 68% de mamíferos e 55% de répteis em toda a Amazônia.

Para Sarney Filho, a única alternativa para minimizar as perdas com a biodiver-sidade é proteger as áreas de conservação. “Se o Brasil tem hoje o maior sistema de áreas protegidas do Planeta, esperamos superar esses resultados nos próximos anos, consolidando o sistema de gestão das áreas protegidas pelo ARPA, fortalecendo o valor da floresta em pé e o papel dos povos tradicionais. Também temos o desafio de, em breve, estar prontos para assumir os investimentos na gestão das UCs, como prevê as metas da terceira fase do programa, já em andamento”, afirma.

Proteção

Dados do Sistema de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal

(PRODES) revelam também que as áreas protegidas apoiadas pelo Programa têm revelado taxas de desmatamento cerca de 2,3 vezes mais baixas do que em UCs do mesmo tipo que não fazem parte do ARPA. Do ano 2005 ao 2015, as áreas protegidas no Brasil evitaram a emissão de 1,4 a 1,7 gigato-neladas de carbono.

Um estudo realizado por solicitação do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade – Funbio- pelo professor Britaldo Sil-veira Soares Filho da UFMG, entre os anos de 2005 e 2015, evidenciou a eficácia das Áreas Protegidas (APs) da Amazônia na redução de 30,3% do desmatamento total no bioma, o que evitou cerca de 1,4 a 1,7 Gigatoneladas de emissão de dióxido de carbono.

“O estudo indica ainda que as unidades com apoio do Programa ARPA são responsáveis por 25% dessas reduções, o que equivale à emissão anual de todo o transporte global. Isso mostra uma efetiva contribuição que o programa dá, não só para a Amazônia, mas para o mundo”, diz Rosa Lemos de Sá, Secretária-Geral do FUNBIO.

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De acordo com um estudo realizado pelo Programa, as Unidades de Conservação apoiadas pelo ARPA podem gerar U$ 23 milhões por ano para economias locais com base em produtos florestais. Ao todo o Programa apoiou o fortaleci-mento das comunidades de 30 áreas protegidas. Os números contribuem com compromissos internacionais como os assu-midos sob o Acordo de Paris, que visa limitar o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais.

Tendências

No mesmo período, as Unidades de Conservação apoia-das pelo ARPA tiveram um aumento de 17% na eficácia de manejo das áreas protegidas se comparadas com aquelas não apoiadas. Os dados foram levantados pelo método RAPPAM (sigla em inglês para Rapid Assessment and Prioritization of Protected Area Management ou Avaliação Rápida e Prioriza-ção da Gestão das Áreas Protegidas), desenvolvido pela Rede WWF. A ferramenta permite a identificação das tendências e aspectos que devem ser considerados para alcançar uma melhor efetividade de gestão em um sistema ou grupo de áreas protegidas.

“As informações revelam que o nível de eficácia nas áreas protegidas fora do ARPA é muito menor. Já nas UCs do ARPA esse número passou de um patamar intermediário de efetividade de gestão (45%) para um elevado (62%)”, diz o Diretor-Executivo do WWF-Brasil, Mauricio Voivodic. “O manejo mais eficaz significa ecossistemas mais saudáveis o que, por sua vez, possibilita que pessoas, plantas e animais tenham maior acesso à água, ao alimento e a outros serviços ambientais”, acrescenta.

Recursos

De acordo com um estudo realizado pelo Programa, as Unidades de Conservação apoiadas pelo ARPA podem gerar US$ 23 milhões por ano para economias locais com base em produtos florestais. Ao todo, o ARPA apoiou o fortalecimento das comunidades de 30 áreas protegidas.

Um dos destaques do Programa foi o lançamento, em 2012, da Iniciativa “Compromisso com a Amazônia – ARPA para Vida”, com o objetivo de assegurar a manutenção da floresta amazônica no longo prazo e a proteção da biodiversidade e dos serviços ambientais da maior floresta tropical do mundo para a posteridade.

Por meio de uma estratégia financeira inovadora, com recursos de empresas privadas e organizações não governa-mentais e internacionais, a iniciativa objetiva a captação de US$ 215 milhões de dólares (mais de R$ 500 milhões). Com o montante será possível consolidar e manter a meta do ARPA de 60 milhões de hectares até 2039.

Após o período de 25 anos, o Governo assumirá 100% o custeio de proteção destas Unidades. O financiamento a longo prazo só será possível por meio do aumento gradativo de recursos públicos para a gestão e o manejo das Unidades de Conservação. O Fundo de Transição funcionará como uma ponte até o momento em que o governo federal e os governos estaduais possam assegurar a manutenção perma-nente das unidades de conservação apoiadas pelo ARPA, com recursos suficientes para a cobertura total dos investimentos necessários.

Gestão

O ARPA foi concebido para acontecer em três fases. Atu-almente está na terceira (2014-2039). É implementado pelas instituições de gestão de Unidades de Conservação federais e estaduais. Atua por meio de uma parceria público-privada (PPP) que permite que recursos de doação sejam integralmente internalizados no Brasil via uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), o FUNBIO.

A estrutura gerencial é composta pelo Comitê de Pro-grama (com representantes dos governos estaduais e federal, dos doadores e da sociedade civil), Comitê do Fundo de Transição (com representantes dos doadores e do Governo Federal) e um Painel Científico de Aconselhamento (com-posto por especialistas nas temáticas relacionadas a atuação do programa).

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Motivos para otimismo faltam e muito! O planeta e sua população humana têm passado por inúmeros problemas causados ou amplificados pelas mudanças climáticas, já não bastassem os decorrentes da geopolítica suficientes para causar enormes desequilíbrios (vide os mais recentes: Iêmen, Mianmar, Síria, etc., etc., etc.).

Mesmo sendo difícil enxergar coisas positivas, uma que vem se destacando é o crescimento das energias limpas e renováveis no Brasil e no mundo com grande destaque para a geração eólica em substituição às fontes fósseis (petróleo, carvão e gás natural). E, isso não é conversa de ambientalista. Vamos aos fatos.

Em evento paralelo à realização da Conferência do Clima na Alemanha (COP-23), um estudo da Universidade de Tecnologia Lappeenranta (LUT), em parceria com o Grupo Energy Watch (EWG), concluiu que uma transição global para o consumo de eletricidade 100% renovável já não é mais uma realidade de longo prazo, mas algo bem mais próximo no tempo.

Segundo esse levantamento, os investimentos que estão sendo feitos, o potencial energético e as tecnologias dispo-níveis serão capazes de gerar toda a energia necessária para o consumo planetário quem sabe até antes mesmo de 2050. “Uma descarbonização total do sistema elétrico até 2050 é possível a um custo o menor do sistema do que hoje com base na tecnologia disponível. A transição energética não é mais uma questão de viabilidade técnica ou econômica, mas de vontade política”, segundo explicou Christian Breyer, prin-cipal autor do estudo, professor de Economia Solar na LUT e Presidente do Conselho Científico do EWG.

A energia limpa é um caminho sem volta

Reinaldo Canto | Colunista e membro do Conselho da Envolverde

Essa transição para fontes renováveis, além de capazes de zerar as emissões de gases de efeito estufa do setor elétrico, ainda poderão criar 36 milhões de empregos até 2050, cerca de 17 milhões de empregos a mais dos que os hoje existentes.

Também não é preciso buscar na Conferência Climática os movimentos dessa profunda transformação no consumo energético. Temos aqui mesmo uma realidade cada vez mais próxima de nós brasileiros. Basta dar um pulo em alguns Esta-dos Nordestinos para presenciar uma verdadeira revolução.

Complexo Eólico São Miguel do Gostoso

Recentemente este colunista pode conferir in loco na cidade de São Miguel do Gostoso, no Rio Grande do Norte, um exemplo do que vem acontecendo com cada vez maior frequência. Foi a inauguração de um parque eólico com potencial energético para produzir 108 MW. O projeto foi desenvolvido pela francesa Voltalia em parceria com a Copel, empresa de energia do Paraná. São ao todo 36 aerogeradores instalados em torres de 120 metros de altura. O investimento foi da ordem de R$ 500 milhões.

Não foi à toa que os franceses e os paranaenses decidiram instalar esse parque no Rio Grande do Norte. Os ventos ali são excelentes para a geração de energia o que faz do estado, o maior produtor de energia eólica do Brasil. Ali já são gerados 1.227 MW (megawatts) em média em 2017 o que representa um aumento de 25,6% em relação ao ano passado.

A Voltalia tem negócios em 16 países e no Brasil está presente desde 2006 com cinco complexos eólicos todos eles localizados no Nordeste.

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“Dez anos atrás começamos a ver terras para montar o parque e na época pouco se falava no potencial eólico do Brasil”, contou o diretor-geral da Volta-lia no Brasil, Robert Klein. E não será de estranhar se a empresa decidir por novos projetos na região já que existe o potencial e a necessidade, o que no ditado popular é traduzido como: “a fome com a vontade de comer”.

Principal fonte do Nordeste

Em recente matéria publicada pelo jornal Correio Braziliense, de autoria da repórter Simone Kafruni, desde Abril deste ano a força eólica na região Nordeste se fez presente como nunca.

Segundo dados levantados pela jornalista junto ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a geração de energia a partir dos ventos tem sido a principal fonte de abastecimento elétrico da região quebrando recordes sucessivos.

Em Outubro último, ela chegou a superar sozinha todas as outras fontes somadas com 52,6 por cento do total da geração de energia elétrica na região Nordeste.

A evolução constante nos índices de produção somada à dramática redução nos níveis dos reservatórios que abas-tecem as usinas hidrelétricas foram as principais razões para se alcançar esse resultado. Ainda segundo a reporta-gem, em uma década a geração eólica cresceu vertiginosos 1.772%, passando de 935,4 MW para 12.966 MW.

A paisagem do Nordeste tem se alterado com esses imensos cata-ventos que, no meu entender, contribuem para dar um toque especial ao já belíssimo litoral da região. De certa maneira eles também contribuem para quebrar paradigmas quanto ao que representam essas não tão novas formas de gerar energia e apontar os caminhos para um futuro que já chegou.

Ao lado da Solar, outra fonte limpa, renovável e abundante em nosso país (também em crescimento constante, mas ainda à espera de seus dias de glória), teremos um novo momento e uma nova realidade sem a necessidade de queimarmos combustíveis fósseis e destruir o meio ambiente para a cons-trução de novas usinas hidrelétricas na Amazônia. Pessimismos à parte é possível acreditar em caminhos mais promissores!

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O que a gente chama de selvagem, muitas vezes de forma pejorativa, os povos indígenas entendem como integração profunda com o meio ambiente. “Trazemos esse conheci-mento ao longo de nossa história”, diz Sonia Guajajara, uma das lideranças indígenas mais relevantes da atualidade. “Para nós, a vida é indissociável da natureza.”

Nascida no Maranhão, Soninha, como é conhecida, está à frente da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e ganha cada vez mais espaço na defesa dos direitos dos índios. Quem não a viu dominando o palco do Rock in Rio 2017, convidada pela cantora norte-americana Alicia Keys para passar uma mensagem pela proteção da Amazônia?

Para ela, dá para salvar o Planeta hoje – “não precisa esperar pelo apocalipse para poder voltar a viver”, afirma. E, melhor, com a ajuda dos índios. Na entrevista a seguir, Soninha conta ao Believe.Earth por que os povos indígenas são uma barreira contra o caos e como atuam para preservar a vida. A deles, a nossa, a do Planeta.

Por que as pessoas têm dificuldade para se conectar com a natureza?

Nunca é bom generalizar, mas a sociedade, como está moldada hoje, criou essa desconexão. A essência dos povos indígenas é a coletividade, a relação respeitosa com a natureza e a ancestralidade. Valorizamos o pertencimento a um povo.

Mesmo com 500 anos de contato com o homem branco, continuamos mantendo uma resistência gigante: usufruir sem destruir é uma de nossas maiores marcas. Queremos a natureza viva para a gente também poder ter vida.

Mas quem não é índio, de maneira geral, não consegue enxergar a natureza como parte de si. As pessoas querem derrubar, produzir, mudar paisagens e acabam desenvolvendo uma necessidade muito grande de relações de consumo. Elas precisam ter mais carros, muitas roupas da moda, um bom emprego, status. A identidade individual é o padrão que elas adotam. A falta de uma identidade coletiva deixa um vazio na vida delas.

Essa sede de consumo faz as pessoas se afastarem de si. Elas sempre precisam agradar alguém e seguir padrões e acabam tendo valores sem princípios. Na cidade, por mais que os moradores reclamem da poluição, eles continuam poluindo.

Alan Azevedo | Jornalista do Believe.Earth

Reconectando todas as pessoas com o Planeta

Falam mal do trânsito e não param de comprar carros. Trabalham o tempo todo para satisfazer o individual em detrimento do coletivo. Entre nós, é o espírito coletivo que prevalece. A gente luta pela terra, mas ninguém luta para ter um pedaço de terra para si.

Quais os impactos da devastação ambiental na vida dos povos indígenas?

Quando você destrói a natureza e inviabiliza o modo de vida de povos indígenas, impedindo que eles exerçam sua cultura, você está matando essas pessoas. Se não seguimos nossa cultura, nossa tradição, deixamos de ser um povo.

Como os povos indígenas podem ajudar a salvar o planeta?

Fazendo com que as pessoas percebam que a gente não precisa esperar o apocalipse para poder voltar a viver. Sabe aquela historinha do índio pescador? Aquela que tem um índio pescando na beira do rio e chega um branco e fala: “cara, tu pega peixe demais. A gente tem que vender isso aqui, ganhar muito dinheiro para poder comprar um barco, ganhar ainda mais, comprar mais barcos para alugar para os outros pescarem por nós. E então a gente vai poder ficar tranquilo aqui, só pescando”. E o índio responde: “mas eu vou fazer tudo isso pra quê? Eu já estou pescando aqui tranquilo”. Ai, adoro [risos]. Para mim, essa história diz tudo.

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Entrevista com Sonia GuajajaraLíder indígena, Coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

Sonia Guajajara na COP-23, em Bonn

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Nós, indígenas, também queremos mudar de vida, mas o que isso significa pra gente? Significa ter terra demarcada e água limpa no rio, poder produzir os alimentos na terra para comer, sem se preocupar com excedentes. Aqui fora [na cidade], você não vive pensando no hoje. Parece que aqui não tem o presente.

Como seu trabalho à frente da Articulação dos Povos Indí-genas do Brasil se reflete na sociedade?

Tenho a missão de fazer as pessoas enxergarem o potencial gigante que os povos indígenas têm para preservar a vida. E também como o nosso modo de vida naturalmente age como uma barreira de proteção contra o caos.

O mundo precisa muito de nós, porque o que a gente, os povos indígenas, fazem segura toda essa onda de desastres e destruição que está vindo.

A gente quer ser reconhecido como pessoas que estão todo dia pagando até com a própria vida, enfrentando bala, spray de pimenta, polícia e fazendeiro. É uma luta para todos, pela natureza e pela vida – das pessoas e do planeta.

Quando você compara as terras indígenas com as demais, públicas [Áreas Protegidas], vê que as indígenas são as mais preservadas. Isso acontece porque tem política de proteção? Não. É porque os índios estão lá, protegendo. Se a gente não estivesse ali, iam detonar tudo. Nós somos uma barreira contra o caos.

O que falta percebermos em relação aos povos indígenas?

Quando nós, indígenas, falamos de natureza, acham que é coisa primitiva, selvagem. Acham que o índio tem que estar lá no mato e, se sai de lá, deixa de ser índio. Mas é o pensamento das pessoas que é primitivo em relação aos povos indígenas. O que acham que é ser selvagem, para nós é preservar a vida. Poucos compreendem que tudo é conectado e a natureza é que provê tudo. Não adianta ter dinheiro se não tem água. Para nós, civilização é o comportamento que temos em relação à terra. Para o não-índio, é o desenvolvimento, o progresso. É uma inversão de entendimentos. Para mim, nós somos o povo mais civilizado que existe.

Minha preocupação é as pessoas continuarem com essa ignorância de achar que índio é aquela figura isolada, que vive sem contato nenhum. Existem indígenas isolados, que chamamos de “povos autônomos”, e a gente aqui fora faz a luta para eles. Mas tem povo com 400 anos de contato, como é caso do meu, o Guajajara. Mesmo assim, vivemos na mesma situação que os outros, de invisibilidade. Há ainda os indígenas em contexto urbano, que ficam sem entender direito onde se inserirem, porque as pessoas acham que eles não deveriam estar na cidade. Sendo um país originariamente indígena, o Brasil já passou muito da hora de superar a ignorância de não perceber a existência indígena, de não respeitar essa presença e de nos ver sem enxergar. Não dá mais para pensar o índio daquela maneira romântica, selvagem. Nós existimos.

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Imagine que existisse um veículo que, silenciosamente, acelerasse de 0 a 100 km/h em menos de 2 segundos e que rodasse mil quilômetros com uma parada no posto. E que tal um caminhão de 30 toneladas que acelerasse de 0 a 100 em 20 segundos com autonomia de 800 quilômetros, sem barulho, sem fumaça saindo do escapamento e com custo de frete menor que o dos veículos atuais?

Não precisa mais imaginar. Estes veículos já existem e, dentro em breve, estarão nas ruas. Serão produzidos pela Tesla, talvez um dos principais símbolos da revolução da eletrificação em curso na área de energia e transportes que se alastra pelo mundo e que se consolidou como irreversível em 2017.

Este ano, pela primeira vez ultrapassamos a marca de um milhão de veículos elétricos vendidos em 12 meses, dobrando o número de veículos vendidos em 2015. Várias montadoras anunciaram planos para parar de fabricar veículos a combus-tão, e países como China (30% do mercado global), Índia e Noruega anunciaram a intenção de proibir a venda de veículos a combustão até 2030.

O que antes parecia um fenômeno restrito a um nicho para veículos de passeio se espraiou rapidamente para vários seguimentos do transporte.

EletrizanteTasso Azevedo | Engenheiro florestal. Coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa

do Observatório do Clima (SEEG) e do Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo no Brasil (MapBiomas)

Em Shenzhen, uma cidade de 11,5 milhões de habitantes na China, toda a frota de quase 15 mil ônibus no transporte público será convertida para veículos totalmente elétricos até o fim deste ano.

Na Noruega, onde mais da metade dos carros vendidos em 2017 é elétrica, empresas de transporte marítimo já ope-ram com balsa e barcos de passageiro elétricos e projetam e constroem os primeiros transatlânticos elétricos com células de combustível de hidrogênio gerado a partir de energia eólica offshore e água do mar. A previsão é de forte redução dos custos de navegação ao longo dos próximos anos com base nessas tecnologias.

Isso é a economia de baixo carbono na veia. É para onde o mundo andará. A eletrificação está para o setor de energia e transportes como o smartphone está para a comunicação.

Enquanto isso, no Brasil se discute um novo regime de incentivos ao setor automotivo baseado em melhorias incre-mentais para a tecnologia atual visando a possíveis ganhos de eficiência. E nem estes ganhos são visíveis. Um Fiat 147 na década de 80 fazia os mesmos 10-15 quilômetros por litro que faz hoje o carro popular mais econômico. Na média, o km/litro do carros veículos hoje no mercado caiu, em vez de aumentar, pois os pequenos ganhos de eficiência nos motores foram neutralizados pelo aumento no tamanho e peso dos veículos. Para completar o governo edita uma medida pro-visória para subsidiar exploração de petróleo.

Temos que sair deste atraso se não quisermos mais uma vez ficar a reboque da história.

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Estima-se que, em 2020, perto de 90% da população brasileira viverá em cidades. Como o desenho urbano pode influenciar a vida das pessoas? Sabe-se que a forma como o ambiente é construído (ruas, edifícios, lojas, calçadas, áreas verdes) afeta diretamente o cotidiano e a qualidade de vida. Será que ocorre o mesmo com os animais que vivem nas cidades? Perguntas como essas nortearam pesquisa que relaciona, de forma inédita, dados de avifauna, áreas verdes, forma urbana e densidade. Os pesquisadores pretendem testar se diferentes arranjos de desenho urbano influenciam na quantidade de áreas verdes e, consequentemente, se as aves (um componente da biodiversidade) respondem de forma diferente conforme se altera o desenho das cidades.

Realizado por uma equipe interdisciplinar que inclui o Grupo de Silvicultura Urbana da Escola Superior de Agri-cultura Luiz de Queiroz (ESALQ), o estudo Biodiversidade e forma urbana no desenho de cidades mais sustentáveis está sendo feito nas cidades de São Paulo, Berlim e no Distrito Federal, uma vez que possuem soluções de desenho urbano e porcentagem de áreas verdes bem variadas. Os pesquisadores têm formação em Arquitetura e Urbanismo, Biologia, Agro-nomia, Engenharia Ambiental e Geografia, e são integrantes de quatro instituições: USP, com a ESALQ; a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) – campus Sorocaba; a Uni-versidade de Brasília (UnB); e a Universidade de Humboldt, na Alemanha.

Pesquisa sobre a biodiversidade em centros urbanos

Patrícia Sanches | Arquiteta e urbanista, doutoranda em Recursos Florestais na Esalq

A coordenação do projeto, na Escola Superior de Agricul-tura Luiz de Queiroz, é do professor Demóstenes Ferreira da Silva Filho, do Departamento de Ciências Florestais.

Em um cenário que incita à reflexão sobre que tipo de hábitat estamos construindo para nós e as futuras gerações, o objetivo de estudos como esse é enfrentar o desafio de con-ciliar aumento de densidade habitacional e oferta de espaços verdes, buscando desenhos de cidades mais compactas que permitem manter a biodiversidade urbana e até, em alguns casos, aumentá-la.

Já que as cidades recebem cada vez mais novos moradores e estão em constante crescimento demográfico, é urgente evitar o modelo de espraiamento urbano, ou seja, áreas urbanas que crescem horizontalmente sem limites, pois além de desmatar áreas naturais no entorno da cidade, os custos de infraestrutura para atender aos novos bairros e ao gasto energético tornam-se insustentáveis no longo prazo. O esforço é pela construção de cidades mais compactas, sem perda de áreas verdes e garantindo qualidade urbanística aos moradores.

A Capital do Brasil, Brasília, considerada como o plano piloto do arquiteto e urbanista Lúcio Costa, tem caracterís-ticas muito peculiares e bem diferentes do seu entorno, onde estão as cidades-satélites. Foi planejada sob as diretrizes do Modernismo, tendo as superquadras como unidade mínima de desenho urbano e a preocupação constante com a quali-dade urbana gerada.

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Apesar de todas as críticas em torno dos ideais modernistas, que não atendem por completo às necessidades atuais da sociedade, não se pode negar a diferença entre Brasília e as demais áreas urbanas do Distrito Federal em termos da qualidade dos espaços abertos e áreas verdes.

As cidades-satélites são represen-tantes do modelo de desenho urbano que estamos praticando em quase todas as cidades brasileiras desde o período colonial: baseada no lote individual sem um senso de um desenho urbano coletivo de maior qualidade, como em Brasília.

O lote ou o terreno em que são construídas as edificações faz parte de uma lógica de parcelamento e uso do solo que ocorre na maioria das cidades brasileiras (com raras exceções, como Brasília). Junto com o Plano Diretor, o Zoneamento e o Código de Obras Municipal ditam o desenho e a forma das cidades.

Os resultados parciais obtidos até agora com relação ao Distrito Federal foram apresentados em um congresso inter-nacional sobre biodiversidade e desenho urbano na cidade do Panamá. Eles revelaram que Brasília tem a mesma densidade de habitações que a cidade-satélite Taguatinga, porém esta última tem quase 18% a menos de cobertura arbórea que a primeira. Essa diferença se deve principalmente ao desenho urbano.

A morfologia de São Paulo é regrada a partir do lote e lembrada como um símbolo de verticalização, tendo bairros inteiramente preenchidos por altas torres residenciais, acima de 20 andares. Questiona-se se essa forma de ocupação muito mais verticalizada afeta positivamente ou negativamente as áreas verdes e, consequentemente, as aves.

Berlim é considerada uma das cidades que mais inovou em termos de experimentações e de novas propostas de desenho urbano desde o início do século 20, devido, em parte, à necessi-dade de se reinventar após duas guerras mundiais que destruíram seu território. É uma cidade construída, em geral, a partir de uma lógica de projeto urbano que considera a quadra como unidade mínima e não o lote, resultando assim, em maior qualidade dos espaços verdes

e um desenho de quadras que fortalece essa ligação.Diante dessas diferenças, os pesquisadores querem testar

o quanto as formas de projetar a cidade pode influenciar a biodiversidade através dos dados de ocorrência e diversidade de avifauna. A expectativa da equipe é de que os resultados possam surpreender e, acima de tudo, influenciar políticas públicas no planejamento de novas áreas urbanas em expansão, como cidades de pequeno e de médio porte e revitalização de áreas urbanas consolidadas. A grande contribuição dos pesquisadores virá a partir da recomendação de diretrizes de desenho urbano de alto desempenho em termos de áreas verdes e biodiversidade, considerando, ao mesmo tempo, a importância da promoção de cidades mais densas e melhor qualidade de vida.

A pesquisa tem o apoio da Digital Globe Foundation (fundação americana), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e, recentemente, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Também foi selecionada em edital público realizado pela USP-Humboldt, que disponibilizou recursos financei-ros para estabelecer a parceria entre as duas instituições nas atividades de campo e intercâmbio de conhecimento através de reuniões e workshops em Piracicaba e em Berlim.

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A empresa Monsanto inicia pesados investimentos em novo herbicida. Uma reunião da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) tem na pauta transgênicos resistentes ao Dicamba.

Pouco a pouco, o império do Glifosato vai ruindo. Seja pelo vertiginoso aumento de incidência das plantas resistentes, seja pelas cada vez mais contundentes provas da carcinogenicidade do herbicida, não é muito difícil imaginar que estamos cami-nhando para o fim do ciclo do agrotóxico mais utilizado no mundo.

Entretanto, o que poderia parecer uma boa notícia, na verdade não é. Obviamente, a indústria já se antecipou e vem desenvolvendo alternativas para seguir lucrando sobre o envenenamento da população. Prova disso são os inves-timentos da Monsanto na produção do Dicamba, um novo herbicida. A Dow Chemical, por sua vez, aposta no velho conhecido 2,4-D, que vem desde o agente laranja da guerra do Vietnã até hoje, no nosso prato de comida.

Nos início do ano, a CTNBio já apro-vou os transgênicos resistentes ao 2,4-D com Glifosato. Numa reunião de outubro, entraram na pauta as sementes resistentes à mistura da Dicamba com Glifosato. Infelizmente, sabemos como funciona esse órgão regulador A CTNBio é um colegiado, cuja finalidade é prestar apoio técnico consultivo e assessoramento ao Governo Federal na formulação, atualização e implementação da Política Nacional de Biossegurança relativa a OGM, bem como no estabeleci-mento de normas técnicas de segurança e pareceres

Num texto da Reuters sobre o Dicamba se destaque a pérola dita por um analista: “A realidade é que a indústria vai ter que continuar evoluindo assim como as plantas evoluem”.

Monsanto investe mais de US$ 1 bilhão no Dicamba

Os esforços da Monsanto para expandir seus interesses agroquímicos para além do Glifosato foram revelados por notícias de que a companhia planeja investir mais de 1 bilhão de dólares em estruturas de produção para um her-bicida alternativo. Executivos da Monsanto esperam aplicar o dinheiro nos próximos três a cinco anos, expandindo sua fábrica em Lulling, Louisiana (EUA), para produzir o her-bicida Dicamba. Lulling vem sendo um local-chave para a produção de glifosato há anos.

Tara Ayuk | Jornalista (Com informações da Campanha Permanente contra Agrotóxicos e pela Vida)

Monsanto dá adeus ao Glifosato e introduz o Dicamba

O interesse e investimento no Dicamba representa um passo além na redução da dependência da compania ao Glifosato, o ingre-diente ativo do produto da linha Roundup.

O Glifosato também é a chave para várias das sementes genetica-mente modificadas da Monsanto. A companhia produz milho, soja, algodão, canola e outras sementes que toleram aplicações do glifosato.

“Na próxima década isto repre-sentará o potencial de diversificar ainda mais nossa produtividade no segmento e prover uma fonte de crescimento no longo prazo”, afir-mou Brett Begemann, presidente da Monsanto perante analistas durante uma conferência.

Roundup, e as sementes Roun-dup Ready, da Monsanto, foram muito populares entre fazendeiros

no mundo inteiro, especialmente nos Estados Unidos. Entretanto, a

utilização em massa dos produtos tem gerado crescimento de plantas resistentes ao Glifosato.

O problema das plantas resistentes se tornou tão signi-ficativo para a produção de grãos que fazendeiros têm pro-curado alternativas, e a Monsanto e seus rivais na indústria agroquimica têm corrido para introduzir novas opções para o Glifosato e as sementes Roundup Ready.

“A realidade é que a indústria vai ter que continuar evo-luindo assim como as plantas evoluem”, disse o analista Matt Arnold, da Edward Jones. A solução da Monsanto combina Glifosato com Dicamba para o que vem sendo chamado de sistema de sementes “Roundup Ready Xtend”, voltado para soja e algodão.

A rival Dow AgroSciences, uma unidade da Dow Che-mical, desenvolveu sementes que toleram seu novo herbicida, que combina 2,4-D com Glifosato. A Monsanto diz que vê um campo de aplicação de pelo menos 80 mihões de hectares para seu sistema “Roundup Ready Xtend”, para algodão e soja nas Américas.

A companhia disse que ainda espera aprovação dos órgãos reguladores chineses sobre a importação na nova soja. A China é um comprador chave da soja norte-americana, mas tem mostrado relutância em aprovar a importação de novas sementes transgênicas.

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Desde 2013, seis reatores nucle-ares comerciais nos EUA fecharam e outros oito anunciaram planos para se aposentar até 2025. O processo de fechamento das usinas nucleares envolve a eliminação de resíduos nucleares, a descontami-nação de equipamentos e instala-ções para reduzir a radioatividade residual, tornando muito mais caro e demorado do que fechar as usinas de energia fóssil. A partir de 2017, um total de 10 reatores nucleares comerciais nos EUA foram desmontados com êxito e outros 20 estão atualmente em diferentes estágios do processo de desmantelamento.

Para desativar completamente uma usina, a instalação deve ser desconstruída e o lugar retornar ao estatus greenfield (local seguro para reutilização em projetos de habitação, agricultura ou uso industrial). Os operadores dos reatores nucleares devem descartar com segurança qualquer lixo nuclear no local e remover ou conter qualquer material radioativo, incluindo combustível nuclear, bem como equipamentos e edifícios irradiados. Nos Estados Unidos, as usinas nucleares são desmanteladas usando dois métodos.

A descontaminação (DECON) é o método relativamente rápido de desmantelar um reator nuclear e envolve a remoção de todo o combustível e equipamentos da usina. O combus-tível e o equipamento representam a maior parte do material irradiado no local e são removidos para armazenamento separado e descontaminação. DECON pode levar pelo menos sete anos e permite o retorno relativamente rápido da terra para reutilização.

O Armazenamento Seguro (SAFSTOR), também conhe-cido como desmantelamento diferido, envolve a contenção e monitoramento do reator e do equipamento até que a radiação caia para níveis seguros. A linha de tempo SAFSTOR per-mite até 50 anos de contenção seguida de até 10 anos para descontaminação. A linha de tempo mais longa do método SAFSTOR pode permitir que alguma contaminação radioa-tiva se desintegre até níveis seguros, reduzindo a quantidade de material radioativo que deve ser descartado, o que pode diminuir o custo total de desmantelamento. Os operadores também têm mais tempo para garantir fundos para financiar o processo de desmantelamento durante o período mais longo do processo SAFSTOR.

Uma terceira técnica, conhecida como ENTOMB, envolve a sepultura permanente com concreto de toda a área da usina. Este método não é usado para reatores comerciais nos EUA, mas foi usado em outros países.

Fechar usinas nucleares é demorado e oneroso

Marta M. Gospodarczyk e Jacob Kincer | Analistas da US Energy Information Administration - EIA

Por exemplo, o reator 4 da usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, foi sepultado em um abrigo de aço projetado para evitar vazamentos de radiação na área.

As estratégias de desativação são geralmente baseadas na quan-tidade de contaminação no local, quão fácil será remover o material irradiado e o custo para retirar o equipamento versus descontami-nação no local.

Os operadores também podem optar por implementar ambos os

métodos, usando DECON para desmantelar e descontaminar rapidamente parte da instalação, enquanto outras partes são deixadas para o SAFSTOR. Em ambos os casos, os opera-dores atualmente devem também armazenar o combustível nuclear gasto no local, seja em piscinas de refrigeração ou em recipientes secos.

O processo de desmantelamento é pago por meio de um fundo que cada operador da planta cria durante a construção. De acordo com a World Nuclear Association, cerca de dois terços do custo total estimado do desmantelamento de todos os reatores nucleares dos Estados Unidos já foram coletados. No entanto, quando os reatores são fechados antes do plane-jado, as insuficiências no financiamento podem resultar em despesas adicionais para os contribuintes.

O processo de fechamento é considerado completo quando a US Nuclear Regulatory Commission (NRC) determina que o desmantelamento foi realizado de acordo com o plano apresen-tado pelo operador no início do processo da desativação. Uma pesquisa da radiação final deve demonstrar que a instalação do reator e o local são adequados para a liberação.

Um dos mais recentes reatores desmantelados nos Estados Unidos é a planta Haddam Neck de 619 megawatts (MW) no centro de Connecticut, que foi encerrada em 1997 e desa-tivada usando o método DECON. O desmantelamento de Haddam Neck foi concluído em 2007, com um custo total de US$ 893 milhões.

Mais recentemente, a Usina Nuclear de Kewaunee de 556 MW no Leste do Estado de Wisconsin foi fechada no ano 2013. O operador da Kewaunee, Dominion Power, antecipou quase um bilhão de dólares em custos totais usando o método SAFSTOR e estima que o trabalho não estará completo até o ano 2073, pelo menos.

Mais informações sobre as usinas de energia nuclear desmanteladas nos Estados Unidos estão disponíveis através da página da NRC sobre o desmantelamento de instalações nucleares (www.nrc.gov/waste/decommissioning.html).

Manifestação contra as usinas nucleares na COP-23

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