Ano IV – número 31 – novembro e dezembro...

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Í N D I C E

ArtigoA técnica judiciária Nicolle Vargas, de Itaperuna,

escreve sobre a situação dos mineiros que pas-

saram 69 dias soterrados no Chile. Página 4

A escalada conservadoraHenri Figueiredo tece uma teia de ideias que re-

laciona a onda neocon no Brasil com movimen-

tos autoritários recidivos no Exterior. Nesse con-

texto, se intensificam ataques a imigrantes, ne-

gros, homossexuais, mulheres em ascensão polí-

tica e às vozes independentes que desafiam a he-

gemonia midiática de poucas famílias.

Páginas 22 e 23

PCSO ato público em Brasília, no dia 24 de novem-

bro, em frente ao Supremo teve a participação de

delegação do Rio; nos dias 1º e 2 de dezembro,

diretores do Sisejufe estiveram em Brasília con-

versando com deputados sobre o PL 6613.

Páginas 6 e 7

PCSCategoria do Judiciário Federal no Rio promove

ato público em frente à JF Rio Branco.

Página 5

CulturaNosso diretor Roberto Ponciano conclama à fa-

mília do Judiciário Federal a se confraternizar no

19º Botequim do Sisejufe com a Velha Guarda da

Portela no Encontro da Família Portelense. Em

seu artigo, Ponciano demonstra que não há quem

não conheça ao menos três ou quatro sambas

clássicos da Portela. Página 26

Questão RacialEm 20 de novembro, 315 anos da morte de Zum-

bi dos Palmares. Em 22 de novembro, um século

da Revolta da Chibata, do Almirante Negro João

Cândido. A Secretária Nacional de Combate ao

Racismo da CUT, Maria Júlia Nogueira, escreve

sobre o significado do mês da Consciência Negra.

Página 27

NúcleosDia 30 de novembro aconteceu o último encon-

tro mensal de 2010 do Núcleo de Aposentados e

Pensionistas com a palestra de Sandra Rabello, co-

ordenadora das atividades de extensão da Univer-

sidade Aberta da Terceira Idade. Página 11

CulturaNo segundo artigo de sua trilogia sobre a cultura

popular no Rio, a coordenadora executiva da ONG

Jongo da Serrinha, Dyonne Boy, conta como a co-

munidade da Serrinha, em Madureira, pulsa cul-

tura e resistência em meio à violência da guerra

do tráfico. Páginas 24 e 25

AnáliseO professor do Departamento de Espanhol e Por-

tuguês da Tulane University, de Nova Orleans, Idel-

ber Avelar, afirma que a discussão sobre se há ou

não racismo em Monteiro Lobato é “uma falsa

polêmica”. Páginas 28 e 29

JurídicasDecisão do STJ favorece cônjuges de servidores

aprovados em concurso em outro estado.

Página 8

NúcleosA diretora sindical Lucilene Lima, coordenadora

do Núcleo de Aposentados e Pensionistas, pales-

trou no Programa de Preparação para a Aposen-

tadoria da Justiça Federal. Página 10

Oficina LiteráriaNossa colaboradora Marlene Lima, servidora apo-

sentada do TRT, conta uma breve história da

menina Lucinha, de sua bicicleta Belle e de um

frei muito safado. Página 9

InternacionalNossos colaboradores Vinicius Souza e Maria Eu-

gênia Sá, de São Paulo, escrevem sobre o movimen-

to pendular das democracias latino-americanas

entre a esquerda e a direita. Página 18 e 19

GêneroCom autorização do site da revista CartaCapital,

Ideias publica a entrevista da repórter Paula Tho-

maz com a cientista social Tatau Godinho. Na

conversa, Tatau discute a situação da mulher hoje

na política no momento em que o País recém ele-

geu sua primeira presidenta da República.

Páginas centrais

HumorNosso irredentista colaborador etílico-cultural

Fulgêncio deita e rola com esse debate sobre se

Pedrinho, Narizinho e, principalmente, a Emília

cometem racismo com a Tia Nastácia.

Páginas 30 a 31

Movimento SindicalEm encontro acontecido em 30 de novembro, o

presidente da CUT Nacional Artur Henrique criti-

cou fortemente o discurso de corte de gastos da

futura equipe econômica e cobrou do novo go-

verno mais interlocução com os representantes

da classe trabalhadora. Página 32

Movimento SocialIdeias em Revista visitou o Edifício Alcindo Gua-

nabara, na Cinelândia, onde está instalada há três

anos a Ocupação Manoel Congo – com 42 famíli-

as. Conheça a história do primeiro prédio do INSS

adquirido pelo governo estadual para abrigar fa-

mílias sem teto. Página 33

A cidade em conflitoIdeias em Revista publica uma análise aprofunda-

da da crise no Rio de Janeiro com os ataques in-

cendiários do narcotráfico e a resposta das forças

de segurança, que tomaram a Vila Cruzeiro e o

Complexo do Alemão, no final de novembro. O

autor é o ex-secretário Nacional de Segurança

Pública, Luiz Eduardo Soares. O Sisejufe, em ou-

tubro, apoiou um seminário que tratou do tema

da violência urbana e propôs soluções.

Páginas 12 a 17

Democratização da ComunicaçãoNossa colaboradora Tatiana Lima, em parceria

com a Agência Pulsar, descreve como foi o Encon-

tro da Associação Mundial das Rádios Comunitá-

rias que elegeu, em novembro, na Argentina, sua

primeira mulher para a Presidência.

Páginas 34 e 35

OpiniãoPróximo da aposentadoria, Paulo Roberto Tavela

relata a realidade do trabalho dos oficiais de jus-

tiça avaliadores federais e prega contra a desca-

racterização laborativa crescente neste importan-

te segmento do Judiciário. Páginas 36 e 37

LatuffAo olhar de nosso cartunista, o G-20, grupo das

maiores economias do mundo, tem um interesse

principal no planeta: o lucro. Página 38

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De vítimas a heróisNicolle Drumond Vargas*

O recente episódio no Chile eseus mineiros me levou a refletirsobre a vida e a figura do herói.A primeira, efêmera; o segundo,cada vez mais raro. Acostuma-dos aos “atos heroicos” dos fil-mes de Hollywood ou das nove-las brasileiras, ficamos idealizan-do um tipo de herói que nãoexiste: aquele que vem para sal-var a cidade de uma catástrofeou de um grande meteoro, ouainda, aquele que salva a moci-nha das garras de um vilão ban-dido. Mas, nesse lugar que vive-mos não há espaço para idealis-mos, isso aqui se chama vida reale nela não é bem assim que fun-ciona.

Com os valores atualmente tãoinvertidos, só valorizamos aspessoas por aquilo que elas temou podem nos dar em troca,caso contrário não servem paranada. O individualismo e o ego-ísmo alcançaram uma propor-ção nunca vista antes. Cada umsó olha para o seu próprio um-bigo e o “fazer o bem sem olhara quem” é coisa do passado, poisestamos sempre de olho na nos-sa recompensa, senão nessavida, na outra. Valorizamos ascoisas e não as pessoas. O fatorhumano perdeu o seu valor.

Algo que muito me chamou aatenção no Chile foi a anteriorfalta de preocupação com a se-gurança, que existia até o dia dodesmoronamento daquela mina.Aqueles homens, pais de famí-lia, já trabalhavam há muito emcondições subumanas, e comcerteza, sabiam das condiçõesde risco que se encontravam. Noentanto, para eles, acima de suasvidas, estava a sobrevivência desuas famílias com o salário quedali tiravam. Não sei precisar oquantitativo, mas o mínimo quefosse, já lhes trazia dignidade. E

Artigo Por 69 dias, o mundo pode enxergar a situação dos mineiros no Chile

para os responsáveis, valia amáxima da lei capitalista: pagarmenos, para se lucrar mais.

Diante disso, foram necessári-os 69 dias debaixo da terra parao mundo enxergar a situaçãoque lhes acometia. Sessenta enove dias não são sessenta e novehoras. Equivale a mais de 2 me-ses de privação do convívio so-cial, do carinho dos familiares,do sol e de ausências que po-dem acompanhá-los para o res-to de uma vida. Mas com fé einstinto de sobrevivência, eles setornaram heróis do renascimen-to e mais: heróis de uma nação.

Abrindo um breve parênteses,parei e pensei: este é o tempoque se equivale mais ou menosaos dias de confinamento nacasa mais vigiada do Brasil: a casado Big Brother, e o Pedro Bial,com todo respeito, tem a cora-gem de chegar em frente à TV,em rede nacional, ao iniciar oprograma e dizer: “Como é queestão os nossos heróis?”. Quetipo de heroísmo é esse? Eu me

envergonho ao ouvir tamanhabesteira. Estar numa casa, ondedo lado de dentro tem camasking size, ar-condicionado e co-mida e do lado de fora tem pis-cina, festas temáticas toda sema-na, regadas a bebidas e sacana-gem e ao sair de lá se ganha umprêmio de R$ 1 milhão ou nomínimo alguns momentos defama, onde está o heroísmo?Além disso, lá não se vê um míni-mo de solidariedade entre os“brothers” participantes. É cadaum por si, ninguém por todos,já que até o próprio colar doanjo é dado àquele que mais tar-de pode te livrar de mais um pa-redão. Confinados? Sim, masnão por algo alheio às suas von-tades. Outra prova de como es-tamos invertendo os valores es-senciais da vida, de como nosesquecemos do segundo maiormandamento cristão: “Amar aopróximo como a si mesmo”.

Agora, que os olhos do mun-do e da imprensa se voltarampara o Chile, acompanhando aovivo pela TV a luta pela sobrevi-vência de 33 homens que vive-ram sob condições quase primi-tivas, assim como a solidarieda-de do povo chileno na tentativade salvá-los, sem ter a certezade que o resgate daria certo,

porque se calar diante de tantasmisérias que assolam o planetae fechar os olhos para tantosnecessitados que aguardamgestos de heroísmos? Em cadalugar desse imenso planeta, exis-tem pessoas vivendo em condi-ções miseráveis, sem fazer aomenos uma refeição por dia. Nosvangloriamos de tantos avançostecnológicos e descobertas, masainda não descobrimos umamaneira de acabar com a fome.Estamos sempre nos eximindoda responsabilidade, como sefosse algo que não está ao nos-so alcance de resolver. Por quenão, se toneladas de comidasapodrecem e são jogadas no lixotodos os dias, grande parte sa-indo de nossas casas, obrigan-do os famintos a irem procurá-la nos lixões? Por que achamosque o problema nunca é nosso?Muito fácil: porque nossas bar-rigas estão cheias. Então, o queserá da vida dessas pessoas quepassam muitas vezes mais de 69dias a base de água e farinha,sem esperança da chegada deum herói, vivendo num constan-te paredão...

Algo que muito mechamou a atenção noChile foi a anteriorfalta depreocupação com asegurança, queexistia até o dia dodesmoronamentodaquela mina.Aqueles homens,pais de família, játrabalhavam hámuito em condiçõessubumanas, e comcerteza, sabiam dascondições de riscoque se encontravam

*Técnica judiciária.Vara Federal de Itaperuna.

Foto: Internet

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SEDE: Avenida Presidente Vargas 509, 11º andar – Centro – Rio de Janeiro-RJ – CEP 20071-003TEL./FAX: (21) 2215-2443 – PORTAL: http://sisejufe.org.brENDEREÇO ELETRÔNICO: [email protected]

Impresso em

Papel Reciclato

Filiado à Fenajufe e à CUT

DIRETORIA: Angelo Canzi Neto, Dulavim de Oliveira Lima Júnior, João Ronaldo Mac-Cormick da Costa, João Souza da Cunha, José Fonseca dos Santos, LeonardoMendes Peres, Lucilene Lima Araújo de Jesus, Marcelo Costa Neres, Marcio Loureiro Cotta, Marcos André Leite Pereira, Maria Cristina de Paiva Ribeiro, Mariana Ornelasde Araújo Goes Liria, Moisés Santos Leite, Nilton Alves Pinheiro, Og Carramilo Barbosa, Otton Cid da Conceição, Renato Gonçalves da Silva, Ricardo de AzevedoSoares, Roberto Ponciano Gomes de Souza Júnior, Valter Nogueira Alves, Vera Lúcia Pinheiro dos Santos e Willians Faustino de Alvarenga.ASSESSORIA POLÍTICA: Márcia Bauer.

IDEIAS EM REVISTA – REDAÇÃO: Henri Figueiredo (MTb 3953/RS) – Max Leone (MTb RJ 19002/JP) – EDIÇÃO: Henri Figueiredo – ESTAGIÁRIA: Tatiana LimaDIAGRAMAÇÃO: Deisedóris de Carvalho – ILUSTRAÇÃO: Latuff – FOTO DA CAPA: a cantora Áurea Martins fotografada por Walter FirmoCONSELHO EDITORIAL: Roberto Ponciano, Henri Figueiredo, Max Leone, Márcia Bauer, Valter Nogueira Alves, Nilton PinheiroIMPRESSÃO: Gráfica e Editora Minister (8,6 mil exemplares)

As matérias assinadas são de responsabilidade exclusiva dos autores. As cartas de leitor estão sujeitas à edição por questões de espaço.Demais colaborações devem ser enviadas em até 2 mil caracteres e a publicação está sujeita à aprovação do Conselho Editorial. Todosos textos podem ser reproduzidos desde que citada a fonte.

PCS Categoria fez ato público em frente à JF Rio Branco em 2 de dezembroFoto: Tatiana Lima

Tatiana Lima – Da Redação.

Em ato público realizado em2 de dezembro, da 15h às 17h,em frente a Seção Judiciária doRio de Janeiro (SJRJ), na AvenidaRio Branco, cerca de 100 servi-dores se reuniram para se mani-festar e discutir sobre a aprova-ção do reajuste salarial da cate-goria. As informações de Brasíliasobre a aprovação do PL 6613são preocupantes. De acordocom o coordenador da FenajufeValter Nogueira Alves, que estevena Capital junto com o diretorsindical Marcelo Neres, nos dias1º e 2 de dezembro, o panoramapolítico para aprovação do rea-

juste dos servidores do Judiciá-rio Federal é de que a categorianão receberá qualquer aumento.A informação foi obtida pelo co-ordenador junto aos deputados.

“Cezar Peluso não tem feitoabsolutamente nada a favor dosservidores da Justiça. Inclusive,mesmo a verba de R$ 1 bilhãoque estaria designada para umpossível aumento do Judiciáriopode não ser destinada para estefim porque Peluso não se mexe.Com isso até essa verba pode serdestinada para o custeio de ou-tros gastos da Justiça Federal. Asituação é difícil. A previsão é de

que não haja nenhum reajuste”,ressaltou Valter Nogueira Alves,no ato público.

Diante do contexto político, odirigente sindical Roberto Pon-ciano fez uma avaliação do mo-mento da greve e apelou para aconsciência crítica dos servido-res da Justiça Federal. Para ele, agreve do Judiciário precisa defato acontecer. “Existe uma difi-culdade de compreensão da ca-tegoria que não entende quegreve é greve. É instrumento deluta. É para parar. É para que-brar estatística. Não ter produ-ção. Agora greve que bate re-corde de produção não incomo-da. Se eu fosse o Cezar Peluso,mediante aos números de pro-dução do Judiciário ia quereruma greve todo ano. Essa grevenão incomoda em nada o presi-dente do STF. E por isso, que aprevisão está em aumento zero”,pontuou Ponciano.

De acordo com os deputa-dos, Cezar Peluso espera queo presidente Lula marque umareunião para tratar do reajus-te dos servidores da JustiçaFederal. O servidor da JustiçaFederal, Mário Cesar Pacheco,também pontuou a acomoda-ção da categoria. “Os servido-res precisam ter a noção dograu de instrução que temos.Na vara que trabalho, 40% dosfuncionários tem pós-gradua-ção. Nós somos responsáveispela ordem pública, a distribui-ção da Justiça. A categoria pre-cisar se valorizar. O PL 6613não é apenas um projeto de re-ajuste, mas significa a manu-tenção da qualidade de vidados servidor, do trabalho daJustiça e do atendimento à po-pulação”, frisou ele.

No ato público, os servidores decidiram que vãoparalisar as atividades por duas horas em todos oslocais de trabalho, das 12h às 14h. Agora é tudo ounada. A palavra de ordem é quebrar a produtividadedo Judiciário na prestação de serviço a populaçãopara pressionar o presidente do STF.

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6 Ano IV – número 31 – novembro e dezembro 2010http://sisejufe.org.br

PCS

Fotos: Valcir Araujo/FenajufeLeonor Costa*

Pressionar o presidente doSupremo Tribunal Federal (STF),ministro Cezar Peluso, a agilizaras negociações com o presiden-te da República, Luiz Inácio Lulada Silva, para garantir a aprova-ção do PL 6.613/20009, foi omote do ato público realizadona tarde de 24 de novembro, emBrasília. Cerca de 2 mil servido-res de vários estados e do Distri-to Federal se concentraram naporta do STF, por volta das 15h,para promover uma manifesta-ção, inicialmente convocada peloSindjus-DF, mas incorporada pelaFenajufe ao calendário nacionalde greve em defesa da revisãosalarial dos servidores do Judici-ário Federal e do MPU. O Rio deJaneiro enviou uma delegação.

Com apitos, faixas e bandeiras,os servidores, após a manifesta-ção no STF seguiram em dire-ção ao Palácio do Planalto, ondetambém fizeram novo ato públi-co. Ao atravessar a pista que se-para a sede do governo federaldo STF, os manifestantes para-ram o trânsito, no centro doPoder da Capital Federal. Gritan-do palavras de ordem, como“PCS Já” e “servidores na rua, Lulaa culpa é sua”, eles foram barra-

Servidores cobram de Pelusoe Lula avanço nas negociações

dos pelos seguranças do Palá-cio do Planalto.

Na avaliação do coordenadorda Fenajufe Zé Oliveira, a mani-festação cumpriu o seu objeti-vo, com as atividades no STF ena sede do governo federal. “Onosso foco era exatamente cha-mar a atenção da cúpula do Ju-diciário e do Executivo e conse-guimos fazer isso no ato, inclu-sive com grande repercussão na

imprensa por conta da manifes-tação na porta do Palácio do Pla-nalto. Agora esperamos que oministro Peluso se reúna com opresidente Lula e conclua a ne-gociação que garanta a aprova-ção do projeto no CongressoNacional”, ressalta Zé.

Para Iracema Pompermayer,coordenadora da Fenajufe e pre-sidente do Sinpojufes-ES, a ma-nifestação em Brasília teve um

papel fundamental, pois ocor-reu às vésperas de uma reuniãoda Fenajufe com o ministro, quedeve dar uma resposta sobre oandamento das negociaçõesque vêm sendo realizadas juntoao governo. “Na minha avalia-ção, houve uma demonstraçãode força e perseverança da ca-tegoria no sentido de não arre-dar o pé na defesa do projeto daforma como foi encaminhadopelo STF, sem qualquer altera-ção de mérito que venha atra-palhar sua aprovação”.

“Estamos aqui para cobrar ocompromisso que o presidenteLula assumiu com o presidentedo Supremo Tribunal Federal,ministro Cezar Peluso, de nego-ciar o reajuste da categoria. Es-tamos sem aumento desde2006”, disse o coordenador Dê-nis Lopes, durante entrevista ajornalistas que cobriam a mani-festação.

Delegação fluminense: Sisejufe enviou servidores para ato em frente ao Supremo Tribunal Federal

Pressão: representantes de todo o País querem o cumprimento do acordo de antes das eleições *Imprensa da Fenajufe

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Ano IV – número 31 – novembro e dezembro 2010 7http://sisejufe.org.br

Leonor Costa*

BRASÍLIA – Contatos feitos estasemana pela Fenajufe com al-guns parlamentares próximosao governo comprovam que ainércia do presidente do Supre-mo Tribunal Federal (STF), Ce-zar Peluso, coloca em risco aaprovação do PL 6613/09 ain-da este ano. Em todas as con-versas realizadas os deputadosafirmaram que não há acordono Ministério do Planejamentoe nem na equipe econômica dogoverno federal para incluir aprevisão do PCS na proposta deLei Orçamentária Anual e, se-gundo eles, somente uma Semtítulo 1negociação efetiva en-tre Peluso e o presidente Lulaserá capaz de mudar o cenáriode impasse.

Na manhã de quinta-feira, 2de dezembro, o coordenadorda Fenajufe Valter Nogueira Al-ves e o diretor do Sisejufe Mar-celo Costa Neres conversaramcom o deputado Gilmar Macha-do (PT-MG), vice-líder do gover-no na Comissão Mista de Orça-mento, para saber como andamas conversas referentes à previ-são orçamentária do PCS. Oparlamentar, que já havia con-versado com os dirigentes sin-dicais um dia antes e ficado dedar um retorno a respeito doassunto, informou que há, defato, uma resistência do Minis-tério do Planejamento e daequipe de transição do próxi-mo governo em votar qualquerprojeto, no Congresso Nacional,que represente novas despesascom funcionalismo público.

Na conversa com Machado,Valter falou das dificuldades nas

Falta de empenho ameaça aprovação do PL 6613

Diretores do Sisejufe fazem pressãoem Brasília pelo PCS e deputadosda bancada governista apontam asdificuldades de aprovar arevisão salarial

negociações e da preocupaçãoda categoria com os prazos doCongresso Nacional. O parla-mentar se comprometeu na reu-nião de quarta, 1º de dezembro,a falar com setores do governofederal para ajudar nas negoci-ações sobre o Plano de Cargos eSalários. No entanto, na reuniãodo dia 2 de dezembro, GilmarMachado ressaltou que, diantedas dificuldades, só há algumapossibilidade de o projeto servotado se o presidente do STFnegociar diretamente com a Pre-sidência da República.

Outro deputado procuradopelo coordenador da Fenajufe epelo diretor do Sisejufe, foi Cláu-dio Vignatti (PT-SC), a quem soli-citaram apoio nas interlocuçõesjunto ao governo federal. Valterlembra que o deputado desem-penhou papel importante à épo-ca do PCS3, em 2006, e que esteano foi um dos deputados cogi-tados para ser o relator do PL6613 na Comissão de Finançase Tributação (CFT).

O parlamentar de Santa Cata-rina mostrou preocupação quan-to ao prazo apertado do Con-gresso Nacional, com a proximi-

dade do recesso parlamentar,mas se comprometeu a procu-rar a liderança do Governo naComissão Mista de Orçamento;o presidente da CFT, deputadoPepe Vargas (PT-RS); e o relatordo PCS, deputado Ricardo Ber-zoini (PT-SP).

PCS na proposta de Lei Orça-mentária Anual. Se isso aconte-cer, segundo Pepe, o relator doprojeto na CFT apresentaria seuparecer de imediato para servotado.

Berzoini, Magela e JoãoPaulo falam das dificuldades

Na mesma linha de conversarcom deputados influentes nogoverno, o coordenador Antô-nio Melquíades (Melqui) tambémfez vários contatos essa semanana Câmara.

O primeiro procurado pelodirigente da Federação foi o de-putado pelo PT de São Paulo JoãoPaulo Cunha, na noite de terça-feira, 30 de novembro. Apósouvir as argumentações de Mel-qui a respeito dos impasses noprocesso de negociação paravotar o PL 6613, o parlamentar,que já foi presidente da Câmarados Deputados, confirmou o quejá vem sendo dito por setores doPalácio do Planalto e por algunsdeputados da bancada gover-nista: que não há qualquer acor-do fechado ainda para incluir aprevisão do PCS no orçamento eque a orientação da equipe eco-nômica é cortar gastos e nãoaprovar projetos que causemimpactos financeiros.

Embora tenha falado das difi-culdades, João Paulo disse par-ticiparia de uma reunião da equi-pe de transição da presidenteeleita e que “sondaria” qualquerinformação a respeito da revi-são salarial dos servidores doJudiciário Federal. Ele se com-prometeu a ajudar nas negocia-ções e dar retorno à Fenajufe.Na noite do dia 1º, Melqui tam-bém falou, separadamente, comos deputados Geraldo Magela(PT-DF) e Ricardo Berzoini (PT-SP). Os dois deputados falaramda resistência por parte do go-verno em aprovar o projeto edisseram, ainda, que não foi fe-chado nenhum acordo entre acúpula do Judiciário e o Paláciodo Planalto.

Presidente da CFT ressaltaimportância de um acordo

entre Lula e PelusoNa noite de quarta-feira, 1º de

dezembro, Valter Nogueira eMarcelo Neres foram ao gabine-te do deputado Pepe Vargas (PT-RS), presidente da CFT, solicitarque o parlamentar ajude nasconversas com o governo fede-ral em defesa da aprovação doPL 6613/09.

O parlamentar gaúcho afir-mou que é fundamental que oministro Cezar Peluso e o presi-dente Lula fechem um acordourgente e incluam a previsão do

Valter NogueiraAlves (à esquerda)e Marcelo CostaNeres (abaixo)falaram comdiversosparlamentaresnos dias 1º e 2de dezembro,em Brasília

*Imprensa da Fenajufe

Fotos: HF

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8 Ano IV – número 31 – novembro e dezembro 2010http://sisejufe.org.br

Jurídicas Decisão foi do STJ ao analisar recursos da União e de servidora

Servidor(a) tem direito a licença para acompanharcônjuge aprovado em concurso de outro estado

O servidor público tem direitoa licença para acompanhamen-to do cônjuge se este for apro-vado em concurso público paraoutra localidade. Contudo, oexercício provisório só seráconcedido se o servidor preen-cher os requisitos constantes daLei n° 8.112/1990 – que a ativi-dade seja compatível com o car-go anterior e que o cônjuge tam-bém seja servidor público, civilou militar. O entendimento é da5ª Turma do Superior Tribunalde Justiça (STJ) ao analisar recur-sos especiais propostos pelaUnião e pela servidora interessa-da (que foi representada pela as-sessoria jurídica do Sintrajufe).

A solicitação da licença partiude servidora ocupante do cargode analista judiciário no Tribu-nal Regional do Trabalho da 4ªRegião, de Porto Alegre. Por con-ta da mudança do seu maridopara Queimados (RJ), decorren-te de aprovação em concursopúblico, ela solicitou administra-tivamente a concessão da licen-

ça por motivo de deslocamentodo cônjuge com exercício pro-visório em outro cargo. O pedi-do foi negado pela via adminis-trativa e também, judicialmente,na primeira instância.

No recurso apresentado ao Tri-bunal Regional Federal da 4ª Re-gião, o tribunal concedeu ape-nas o direito a licença não-remu-nerada, mas não aceitou o pedi-do para o exercício provisório emcargo compatível com a função.A decisão foi contestada por re-curso especial da servidora e daUnião. Esta última, queria a nãoconcessão do benefício, mesmoque não remunerado. Já a servi-dora, além de solicitar o exercí-cio provisório, se opunha à fixa-ção dos honorários advocatíciosdefinidos pelo juiz.

Quanto aos honorários, a Tur-ma negou o pedido, tendo emvista jurisprudência sobre otema. “Esta Corte Superior deJustiça possui entendimento fir-mado no sentido de que, apósanálise equitativa do juiz, os ho-

norários advocatícios, quandovencida a Fazenda Pública, po-dem ser arbitrados em valor fixoou em percentual incidente tan-to sobre o valor da condenaçãocomo sobre o valor da causacorrigido monetariamente”, ex-plica o voto da relatora, minis-tra Laurita Vaz.

Proteção à famíliaNo mais, a Turma garantiu a

licença, inclusive com a deter-minação de exercício provisó-rio em outro órgão. Segundoos ministros, o pedido em ques-tão é diferente da remoção (pre-visto no artigo 36, parágrafoúnico, inciso III, alínea a, da Lein° 8.112). Nesse caso, o cônjugedeve ser servidor público e odeslocamento se dá por interes-se da administração pública.

Na análise, a Turma conside-rou também a proteção à famí-lia assegurada pela Constitui-ção. Para a ministra, “não háespaço para juízo discricioná-rio da Administração”, uma vez

terem sido preenchidos os re-quisitos previstos na lei. Segun-do a relatora, quando houver odeslocamento para outro esta-do ou para o exterior, a licen-ça, sem remuneração, deve serconcedida, ainda que o cônju-ge ou companheiro não sejaservidor, ou, sendo, que a trans-ferência tenha se dado em fun-ção de ter logrado aprovaçãoem concurso público.

Em relação ao exercício pro-visório, a Turma entende queele só é possível quando existira possibilidade de o servidorexercer atividade compatívelcom o cargo anteriormenteocupado no órgão de origem;e que o cônjuge ou companhei-ro também seja servidor públi-co, civil ou militar. No caso daservidora em questão, ela ocu-pará cargo provisório compa-tível com suas funções no TRFda 1ª Região.

Fonte: Sintrejufe-RS

Para comemorar o Dia Inter-

nacional da Pessoa com Defi-

ciência, a Comissão de Defesa

dos Direitos da Pessoa com

Deficiência (CDPD) da OAB-RJ

promoverá no dia 3 de dezem-

bro o seminário “Convenção

sobre Direitos das Pessoas com

Deficiência – Conquistas e De-

safios”. O evento é uma inicia-

tiva do advogado Geraldo No-

gueira, presidente da CDPD,

atuante do movimento de luta

das pessoas com deficiência.

Com a presença do presiden-

te da OAB– RJ, Wadih Damous,

do diretor do Centro de Infor-

mação das Nações Unidas no

Brasil (Unic-Rio), Giancarlo

Summa, e da superintendente

Seminário da OAB discute a adoção da Convenção da ONUsobre direitos das pessoas com deficiência no Brasil

do IBDD, Teresa Costa d’Amaral,

entre outros, o encontro deba-

terá a atualidade da legislação

brasileira frente à convenção das

Organizações das Nações Uni-

das sobre os direitos das pesso-

as com deficiência, aprovada em

dezembro de 2006 e ratificada

pelo Brasil em março de 2007.

O seminário será realizado na

sede da OAB, na avenida Mare-

chal Câmara, 150, 9º andar, a

partir das 10h, e terá dois pai-

néis. O primeiro, “Convenção

sobre Direitos das Pessoas com

Deficiência: Conquistas e Desa-

fios”, terá palestras do desem-

bargador Ricardo Tadeu da

Fonseca, do TRT-PR, e de Daniel

Sarmento, procurador regional

da República, e a coordenação

da advogada Priscila Nogueira,

membro da CDPD.

O segundo painel, “Atualização

da Lei 7.853 frente à Convenção:

Histórico, Aplicabilidade e Possi-

bilidades Jurídicas”, terá pales-

tras de Teresa Costa d’Amaral,

superintendente do IBDD e Luis

Claudio da Silva Rodrigues Frei-

tas, presidente da Associação

dos Deficientes Visuais do Esta-

do do Rio de Janeiro – Adverj, e

a coordenação de Geraldo No-

gueira, presidente da CDPD.

Durante o evento, será lança-

do o manual “Compreendendo

a Convenção sobre Direitos das

Pessoas com Deficiência”, traba-

lho encomendado pela Unic–Rio,

que pretende traduzir o texto

jurídico da Convenção numa lin-

guagem acessível que universa-

lize seu acesso pela sociedade.

“A ideia de realizar este se-

minário é mandar um recado

claro para a população e o ju-

diciário: nossos direitos não

são apenas uma marca no

chão do estacionamento. Es-

tamos botando o peso da OAB

na discussão dos direitos das

pessoas com deficiência”, de-

fine Geraldo Nogueira, lem-

brando que esta é a primeira

vez que a Ordem promove di-

retamente um encontro para

discutir o tema.

Fonte: OAB Rio

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Ano IV – número 31 – novembro e dezembro 2010 9http://sisejufe.org.br

Marlene de Lima*

O professor do reforço faltou.Voltei da escola em disparada.Era meu aniversário. Ia mostrarà Vivi minha linda bicicleta, Belle.

Trancaram de chave a portada frente. Com a campainha en-guiçada, melhor pular a janela,que ficava encostada durante odia. Meu pai teria ido ao clubeacertar detalhes para a festa.

Mamãe ocupada com a igreja.Aguardavam a chegada de doisfrades da Bahia para ajudar nosocorro aos desabrigados daschuvas.

A casa em silêncio. Marinita, aempregada ruivinha, devia estarcochilando. Meus tênis pisavammacio no corredor. Já na sala dejantar, ouvi uma voz masculina,vinda de um dos quartos.

Seria ladrão? Falava-se muitoem bandidos. Na certa, bateu emMarinita e ia roubar nossas coi-sas. “Logo hoje, dia da minhafesta.” Uma porta rangeu. Meenfiei debaixo da mesa.

De repente, um tropel. Mari-nita passou correndo, só de cal-cinha e sutiã. Logo atrás dela,um homem se movia devagar,como um caçador sem pressa.Nu e arfante. Magro, cara aver-melhada, dentes que não lhecabiam na boca. Dava boas gar-galhadas.

Eu ia sair e pedir ajuda para acoitada, mas fui surpreendidapelas risadas, lá no quarto dosfundos. Então era uma brincadei-ra? A alegria da empregada sina-lizava uma felicidade que pairavaacima dos meus onze anos.

Minutos depois, ela e o inva-sor se calaram. Saí rápido, sempegar a Belle, e me sentei na pra-ça perto de casa. Peguei umarevistinha na mochila, mas aspalavras se misturavam. O queestaria acontecendo no quartoda Marinita?

Domingo de manhã, meio so-nolenta, ouvi um falatório nasala. Minha mãe agradecia. “Óti-mo vocês terem atendido o nos-so chamado! Temos muito tra-balho pela frente.” “Demoramos

Oficina Literária

a chegar porque, antes, passa-mos no lugar onde eu e Arcanjonascemos e crescemos.” “Claro,irmão Daniel. Hoje vamos nosreunir com o padre Jorge.”“Deus nos enviou para confor-tar os necessitados.” CompletouArcanjo. “Vou mandar prepararum lanchezinho para vocês.”

Saí do quarto e engoli o café,sem olhar para a empregada. Nodia anterior, nenhum de nós iaficar em casa. Por isso, ela cha-

mou o namorado. Papai, quan-do soubesse, ia mandá-la de vol-ta para a família miserável emBrejo Verde. Senti pena dela e,mais ainda, raiva daquele den-tuço safado que flanava nu pelacasa dos outros.

Empurrei Belle para a saída.Mamãe e os religiosos riam dealguma história engraçada. Quissair de fininho. Ela me viu e fezquestão de me apresentar. “Ve-nha aqui, Lucinha. Frei Daniel e

Frei Arcanjo são de Brejo Verde,imagine, a terra da Marinita. Elesvieram...”

Não ouvi o resto. Meus olhosbateram em Arcanjo, que nomomento exibia uns enormesdentes gargalhando da piadaboba. O esforço avermelhava seurosto, e o pano da batina bam-boleava alheio ao meu espanto.

*Servidora aposentada do TRT-RJ.

B E L L EB E L L E

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10 Ano IV – número 31 – novembro e dezembro 2010http://sisejufe.org.br

O Núcleo de Aposentados ePensionistas do Sisejufe marcoupresença no “Programa de Pre-paração para a Aposentadoria”desenvolvido pela Justiça Fede-ral. Convidada para expor suaexperiência, a coordenadora donúcleo, Lucilene Lima, e servido-ra aposentada do Tribunal Re-gional do Trabalho (TRT), foiuma das palestrantes do eventono dia 19 de novembro, no foroda Avenida Venezuela. A iniciati-va serviu para mostrar aos servi-dores do Judiciário que a apo-sentadoria não é um castigo esim uma vitória na vida do tra-balhador. Para Lucilene, que tra-balhou 34 anos e oito meses,aposentadoria não é sinônimode inatividade, porque estimulao crescimento pessoal.

“Minha vida de aposentada,longe de ser inativa, é movimen-tada com a agitação das netas,que diariamente almoçam emminha casa, com minha dedica-ção aos interesses da família eàs minhas missões de sindicalis-ta”, declara a coordenadora donúcleo, que é casada há 38 anos,tem três filhos e quatro netas.

Na palestra, Lucilene fez umrelato de seus 13 anos anos deaposentadoria. Ela reconheceuque não houve um planejamen-to para parar de trabalhar. Daí,ressaltou a importância do pre-paro e da implantação de umprograma para os funcionáriosque estão prestes a se aposen-tar. “Minha aposentadoria nãofoi programada. Não existia estetipo de programa e eu não mepreparei. De repente, com oanúncio do nascimento da mi-nha primeira neta, tomei a deci-são e dei entrada no pedido de

Núcleos Servidora aposentada do TRT fala sobre a experiência no movimento sindical

Coordenadora de núcleoapoia Programa de Preparação

para Aposentadoria no Judiciário

aposentadoria, que em regra le-vava meses para ser deferido.Para minha surpresa, em menosde 15 dias, a concessão saiu noD.O.”, lembra.

Longe da repartição, Lucile-ne contou aos servidores queparticiparam do Programa quedescobriu novas frentes de atu-ação, sem necessariamente fi-car parada em casa. Além deajudar a cuidar das netas, viuna atividade de voluntária um

caminho a ser seguido. “Umbelo dia, ouvi uma notícia queme despertou a atenção. Erasobre um curso para Voluntá-rios do SOS Vida. Era aquilo queeu queria. O curso foi dado nofinal daquela semana, num sá-bado e domingo. Fui nos doisdias, me habilitei e comecei umanova fase da minha vida. Basta-vam duas horas por semana. Fuiselecionada para as segundas-feiras. Cumpria meu compro-

misso semanal com muita satis-fação”, relatou.

O trabalho voluntário ocupouespaços na vida de Lucilene, atéque o sindicalismo também pas-sou a fazer parte da vida da ser-vidora aposentada do TRT. Aoser convidada a fazer parte deuma chapa que concorria àseleições do Sisejufe, ela se viudiante de um dilema.

“Fui convidada para participarde uma chapa para concorrer àdireção do Sindicato dos Servi-dores das Justiças Federais. Gen-te, logo eu que tinha aversão asindicato, que não suportavaaquela algazarra, que desciapara chamar os colegas paravoltarem ao trabalho... O que éque eu ia fazer em sindicato? Achapa foi a vencedora e eu metornei sindicalista de carteirinha.Aprendi a andar no Congresso,a entrar e sair de gabinete dedeputado e senador, levando opleito da categoria. Como dire-tora, passei a coordenar o Nú-cleo de Aposentados e Pensio-nistas e, há mais de 5 anos man-temos uma reunião por mês,sempre na última terça-feira,onde procuramos oferecer pa-lestras, entretenimentos e con-fraternização com os aniversa-riantes do mês. Sempre com um‘lanchinho’, um bolo e refrige-rante”, conta a dirigente sempresimpática e com um sorriso con-tagiante.

Lucilene Lima mostrou quesendo aposentada é possível teratividades que permitem o cons-tante crescimento pessoal e aconstrução de uma sociedademelhor e mais fraterna.

Imprensa Sisejufe.

Foto: Henri Figueiredo

LUCILENE: “Minha vida de aposentada, longede ser inativa, é movimentada com a agitaçãodas netas, com minha dedicação aos interessesda família e as minhas missões de sindicalista”

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Ano IV – número 31 – novembro e dezembro 2010 11http://sisejufe.org.br

Núcleos Aposentados e Pensionistas fazem o último encontro de 2010

Tatiana Lima*

A qualidade de vida e a pro-moção da saúde foi o tema doúltimo encontro do ano peloNúcleo dos Aposentados e Pen-sionistas do Sisejufe. A tradicio-nal reunião aconteceu no dia 30de novembro, às 15h, no audi-tório do Sisejufe, com a presen-ça da assistente social SandraRabello, coordenadora das ati-vidades de extensão da Univer-sidade Aberta da Terceira Idade(UnATI/UERJ).

Na palestra, Sandra explicousobre a necessidade de praticaratividades para a manutenção dasaúde e a longevidade. Para ela,o brasileiro não tem o costumede programar a velhice, mas essecuidado é necessário porqueenvelhecer exige cuidados espe-ciais e o custo é alto. Portanto, énecessário pensar precocementesobre o envelhecimento paragarantir um futuro de qualida-de de vida. “Infelizmente enve-lhecer é caro. Seja no Brasil, naArgentina, na França ou nos Es-tados Unidos. O envelhecimen-to necessita de recursos e depolíticas públicas efetivas paragarantir o bem estar da popula-ção idosa”, diz a assistente soci-al Sandra Rabello.

Envelhecer com qualidade de vida

Na UnATI, a população damelhor idade tem disponíveiscursos para a população a par-tir de 60 anos de idade. São maisde 50 atividades de saúde, lín-guas estrangeiras, atividades li-vres como teatro e dança, co-nhecimentos gerais, atividadesfísicas e culturais, além de ofici-nas com conhecimentos especí-ficos para a terceira idade. To-dos os cursos são gratuitos. As

inscrições estão abertas até o dia17 de dezembro. Todas as ofici-nas são realizadas no epaço daUnATI, localizado dentro daUERJ. Para inscrição e mais in-formações no site http://www.unati.uerj.br/.

A diretora sindical LucileneLima, achou a palestra esclare-cedora. “A maioria das pessoasnão sabem da existência daUnATI. Mas a instituição desen-

volve atividades e projetos quesão importantes para nós, os‘3G’”, brinca Lucilene. Para ela,a atividade fechou com chave deouro o encontro do Núcleo dosAposentados e Pensionistas doSisejufe. “Tentamos sempre tra-zer atividades e palestras quepossam contribuir para infor-mar e melhorar a qualidade devida dos servidores”, destaca.

A UnATI também tem ativida-des para outras gerações. Umworkshop para atender a popu-lação com idade inferior há 60anos é realizado todas as quar-tas-feiras, das 14h às 19h, noauditório 91, da UERJ. “A socie-dade é eclética. Por isso, temosatividades multidisciplinarespara abraçar todas as geraçõese provocar a troca de saberes”,conta Sandra Rabello.

Além da palestra, os servido-res aposentados também pude-ram tirar dúvidas referentes aoconvênio do Sisejufe com a Uni-med Rio. A empresa promove a“Carência Zero” para os servido-res sindicalizados. No final doevento, foram sorteados exem-plares da Cartilha do Idoso“Acessibilidade e AtendimentoPrioritário a Pessoa Idosa” e doEstatuto do Idoso.

Sandra Rabello, coordenadora das atividadesde extensão da Universidade Aberta daTerceira Idade (UnATI/UERJ), falou das maisde 50 atividades de saúde, línguasestrangeiras, atividades livres como teatro edança, conhecimentos gerais, atividadesfísicas e culturais, além de oficinas comconhecimentos específicos para a terceiraidade. Todos os cursos são gratuitos * Da Redação.

Fotos: Tatiana Lima

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12 Ano IV – número 31 – novembro e dezembro 2010http://sisejufe.org.br

A CIDADE EM CONFLITO

A crise no Rio e o pastiche midiáticoNa quinta-feira, 25 de novembro, o antropólogo e

cientista político Luiz Eduardo Soares publicou em

seu blog uma análise sobre o conflito que se

instalou no Rio de Janeiro após atentados

incendiários de traficantes e a resposta das forças

de segurança. Ex-secretário Nacional de

Segurança Pública, em 2003, Luiz Eduardo foi um

dos profissionais que plantaram a semente do

Programa Nacional de Segurança Pública com

Cidadania (Pronasci) que, por sua vez, redundou

na instalação das Unidades de Polícia Pacificadora

(UPP’s) no Rio de Janeiro. Luiz Eduardo coordenou

a área de segurança pública do Rio de Janeiro

entre 1999 e 2000, durante o governo de Anthony

Garotinho, época em denunciou a “Banda Podre”

da Polícia do Rio. Foi demitido por Garotinho, ao

vivo no RJTV, após uma polêmica que nada tinha a

ver com o real combate ao crime. Nesta análise

sobre o conflito das últimas semanas no Rio de

Janeiro, que os leitores de Ideias em Revista

podem encontrar na íntegra em

luizeduardosoares.blogspot.com, o cientista

político critica a espetacularização da “guerra ao

tráfico” e alerta para o risco iminente das áreas

“livres do tráfico” serem dominadas por milícias

Luiz Eduardo Soares*

(1) Recebi muitos telefonemas,recados e mensagens. As cha-madas são contínuas, a tal pon-to que não me restou alternati-va a desligar o celular. Ao todo,nesses dias, foram mais de cempedidos de entrevistas ou decla-rações. Nem que eu contassecom uma equipe de secretários,teria como responder a todos emuito menos como atendê-los.Por isso, aproveito a oportuni-dade para desculpar-me. Crei-am, não se trata de descortesiaou desapreço pelos repórteres,produtores ou entrevistadoresque me procuraram.

(2) Além disso, não tenho in-formações de bastidor que me-reçam divulgação. Por outrolado, não faria sentido jogarpelo ralo a credibilidade queconstruí ao longo da vida. E issopoderia acontecer se eu aceitas-se aparecer na TV, no rádio ounos jornais, glosando os discur-sos oficiais que estão sendo di-fundidos, declamando platitu-des, reproduzindo o senso co-mum pleno de preconceitos, oudivagando em torno de especu-lações. A situação é muito gravee não admite leviandades. Por-tanto, só faria sentido falar sefosse para contribuir de modoeficaz para o entendimento maisamplo e profundo da realidadeque vivemos. Como fazê-lo emalguns parcos minutos, entre-cortados por intervenções delocutores e debatedores? Comofazê-lo no contexto em que todopensamento analítico é editado,truncado, espremido –em umapalavra, banido – para que rei-nem, incontrastáveis, a exaltaçãopassional das emergências, asimagens espetaculares, os dra-mas individuais e a retórica pa-radoxalmente triunfalista do dis-curso oficial?

(3) Por fim, não posso maiscompactuar com o ciclo sempre

repetido na mídia: atenção à se-gurança nas crises agudas e ne-nhum investimento reflexivo einformativo realmente denso econsistente, na entressafra, istoé, nos intervalos entre as crises.Na crise, as perguntas recorren-tes são: (a) O que fazer, já, ime-diatamente, para sustar a explo-são de violência? (b) O que apolícia deveria fazer para ven-cer, definitivamente, o tráfico dedrogas? (c) Por que o governonão chama o Exército? (d) A ima-gem internacional do Rio foimaculada? (e) Conseguiremosrealizar com êxito a Copa e asOlimpíadas?

Ao longo dos últimos 25 anos,pelo menos, me tornei “as aspas”que ajudaram a legitimar inúme-ras reportagens. No tópico, “es-pecialistas”, lá estava eu, tentan-do, com alguns colegas, furar obloqueio à afirmação de umaperspectiva um pouquinho me-nos trivial e imediatista. Muitasdessas reportagens, por sua ex-celente qualidade, prescindiriamde minhas aspas – nesses casos,reduzi-me a recurso ocioso,mera formalidade das regrasjornalísticas. Outras, nem comtodas as aspas do mundo se sus-tentariam. Pois bem, acho quejá fui ou proporcionei aspas osuficiente. Esse código jornalís-tico, com as exceções de praxe,não funciona, quando o tematratado é complexo, pouco co-nhecido e, por sua natureza, re-belde ao modelo de explicaçãocorrente. Modelo que não nas-ceu na mídia, mas que orientaas visões aí predominantes.Particularmente, não gostariade continuar a ser cúmplice in-voluntário de sua contínua re-produção.

Eis por que as perguntas men-cionadas são expressivas do po-bre modelo explicativo corren-te e por que devem ser conside-radas obstáculos ao conheci-mento e réplicas de hábitosmentais refratários às mudanças

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Ano IV – número 31 – novembro e dezembro 2010 13http://sisejufe.org.br

O Jornal Nacional, na quinta,25 de novembro, definiu ocaos no Rio de Janeiro,salpicado de cenas de guerrae morte, pânico e desespero,como um dia histórico devitória: o dia em que aspolícias ocuparam a VilaCruzeiro. Ou eu sofri umsúbito apagão mental e metornei um idiota contumaz eincorrigível ou os editores doJN sentiram-se autorizados atratar milhões detelespectadores comocontumazes e incorrigíveisidiotas. Ou se começa a falarsério e levar a sério atragédia da insegurançapública no Brasil, ou serápelo menos mais dignofurtar-se a fazer coro à farsa

Foto: Latuff

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14 Ano IV – número 31 – novembro e dezembro 2010http://sisejufe.org.br

A CIDADE EM CONFLITOinadiáveis. Respondo sem a ele-gância que a presença de umentrevistador exigiria. Serei, porassim dizer, curto e grosso,aproveitando-me do expedien-te discursivo aqui adotado, emque sou eu mesmo o formula-dor das questões a desconstruir.Eis as respostas, na sequênciadas perguntas, que repito parafacilitar a leitura:

(a) O que fazer, já, imediatamen-te, para sustar a violência e resol-ver o desafio da insegurança?

Nada que se possa fazer já,imediatamente, resolverá a inse-gurança. Quando se está na cri-se, usam-se os instrumentos dis-poníveis e os procedimentosconhecidos para conter os sin-tomas e salvar o paciente. Sedesejamos, de fato, resolver al-gum problema grave, não é pos-sível continuar a tratar o paci-ente apenas quando ele já estána UTI, tomado por uma enfer-midade letal, apresentando umquadro agudo. Nessa hora, par-te-se para medidas extremas, dedesespero, mobilizando-se ocanivete e o açougueiro, semanestesia e assepsia. Nessa hora,o cardiologista abre o tórax domoribundo na maca, no corre-dor. Não há como construir umnovo hospital, decente, eficien-te, nem para formar especialis-tas, nem para prevenir epidemi-as, nem para adotar procedi-mentos que evitem o agravamen-to da patologia. Por isso, o pri-meiro passo para evitar que asituação se repita é trocar a per-gunta. O foco capaz de ajudar amudar a realidade é aquele apon-tado por outra pergunta: o quefazer para aperfeiçoar a segu-rança pública, no Rio e no Bra-sil, evitando a violência de todosos dias, assim como sua intensi-ficação, expressa nas sucessivascrises?

Se o entrevistador imagináriointerpelar o respondente, afir-mando que a sociedade exigeuma resposta imediata, precisade uma ação emergencial e nãoaceita nenhuma abordagem quenão produza efeitos práticosimediatos, a melhor resposta

seria: caro amigo, sua atituderepresenta, exatamente, a pos-tura que tem impedido avançosconsistentes na segurança pú-blica. Se a sociedade, a mídia eos governos continuarem se re-cusando a pensar e abordar oproblema em profundidade eextensão, como um fenômenomultidimensional a requererenfrentamento sistêmico, ouseja, se prosseguirmos nos re-cusando, enquanto Nação, a tra-tar do problema na perspectivado médio e do longo prazos, noscondenaremos às crises, cadavez mais dramáticas, para asquais não há soluções mágicas.

A melhor resposta à emergên-cia é começar a se movimentarna direção da reconstrução dascondições geradoras da situa-ção emergencial. Quanto aoimediato, não há espaço paranada senão o disponível, acessí-vel, conhecido, que se aplicacom maior ou menor destreza,reduzindo-se danos e prolon-gando-se a vida em risco.

A pergunta é obtusa e obscu-rantista, cúmplice da ignorânciae da apatia.

(b) O que as polícias fluminen-ses deveriam fazer para vencer,definitivamente, o tráfico dedrogas?

Em primeiro lugar, deveriamparar de traficar e de associar-se aos traficantes, nos “arregos”celebrados por suas bandas po-dres, à luz do dia, diante de to-dos. Deveriam parar de negoci-ar armas com traficantes, o queas bandas podres fazem, siste-maticamente. Deveriam tambémparar de reproduzir o pior dotráfico, dominando, sob a for-ma de máfias ou milícias, terri-tórios e populações pela forçadas armas, visando rendimentoscriminosos obtidos por meioscruéis.

Ou seja, a polaridade referidana pergunta (polícias versus trá-fico) esconde o verdadeiro pro-blema: não existe a polaridade.Construí-la – isto é, separar ban-dido e polícia; distinguir crime e

polícia – teria de ser a meta maisimportante e urgente de qual-quer política de segurança dig-na desse nome. Não há nenhu-ma modalidade importante deação criminal no Rio de que seg-mentos policiais corruptos este-jam ausentes. E só por isso queainda existe tráfico armado, as-sim como as milícias.

Não digo isso para ofender ospoliciais ou as instituições. Nãogeneralizo. Pelo contrário, seique há dezenas de milhares depoliciais honrados e honestos,que arriscam, estoica e heroica-mente, suas vidas por saláriosindignos. Considero-os as pri-meiras vítimas da degradaçãoinstitucional em curso, porqueos envergonha, os humilha, osameaça e acua o convívio inevi-tável com milhares de colegascorrompidos, envolvidos na cri-minalidade, sócios ou mesmoempreendedores do crime.

Não nos iludamos: o tráfico,no modelo que se firmou no Rio,é uma realidade em franco de-clínio e tende a se eclipsar, der-rotado por sua irracionalidadeeconômica e sua incompatibili-dade com as dinâmicas políticase sociais predominantes, emnosso horizonte histórico. Inca-paz, inclusive, de competir comas milícias, cuja competênciaestá na disposição de não seprender, exclusivamente, a umúnico nicho de mercado, comer-cializando apenas drogas –masas incluindo em sua carteira denegócios, quando conveniente.O modelo do tráfico armado,sustentado em domínio territo-rial, é atrasado, pesado, antie-conômico: custa muito caromanter um exército, recrutarneófitos, armá-los (nada disso énecessário às milícias, posto queseus membros são policiais),mantê-los unidos e disciplina-dos, enfrentando revezes detodo tipo e ataques por todosos lados, vendo-se forçados adividir ganhos com a banda po-dre da polícia (que atua nas milí-cias) e, eventualmente, com oslíderes e aliados da facção. Éexcessivamente custoso impor-

O foco capaz de ajudar a mudar arealidade é aquele apontado por outrapergunta: o que fazer para aperfeiçoara segurança pública, no Rio e no Brasil,evitando a violência de todos os dias,assim como sua intensificação, expressanas sucessivas crises?

Foto: Latuff

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Ano IV – número 31 – novembro e dezembro 2010 15http://sisejufe.org.br

se sobre um território e umapopulação, sobretudo na medi-da que os jovens mais vulnerá-veis ao recrutamento comecema vislumbrar e encontrar alter-nativas. Não só o velho modelo écaro, como pode ser substituí-do com vantagens por outromuito mais rentável e menos ar-riscado, adotado nos países de-mocráticos mais avançados: avenda por delivery ou em dinâ-mica varejista nômade, clandes-tina, discreta, desarmada e pa-cífica. Em outras palavras, é me-lhor, mais fácil e lucrativo prati-car o negócio das drogas ilícitascomo se fosse contrabando oupirataria do que fazer a guerra.Convenhamos, também é muitomenos danoso para a socieda-de, por óbvio.

(c) O Exército deveria participar?Fazendo o trabalho policial,

não, pois não existe para isso,não é treinado para isso, nemestá equipado para isso. Masdeve, sim, participar. A começarcumprindo sua função de con-trolar os fluxos das armas nopaís. Isso resolveria o maior dos

problemas: as armas ilegais pas-sando, tranquilamente, de mãoem mão, com as bênçãos, a me-diação e o estímulo da bandapodre das polícias.

E não só o Exército. Tambéma Marinha, formando uma Guar-da Costeira com foco no con-trole de armas transportadascomo cargas clandestinas oudespejadas na baía e nos por-tos. Assim como a Aeronáutica,identificando e destruindo pis-tas de pouso clandestinas, con-trolando o espaço aéreo e apoi-ando a PF na fiscalização dascargas nos aeroportos.

(d) A imagem internacional doRio foi maculada?

Claro. Mais uma vez.(e) Conseguiremos realizar

com êxito a Copa e as Olimpía-das?

Sem dúvida. Somos ótimos emeventos. Nesses momentos, apa-rece dinheiro, surge o “espíritocooperativo”, ações racionais eplanejadas impõem-se. Nossocalcanhar de Aquiles é a rotina.Copa e Olimpíadas serão um su-cesso. O problema é o dia a dia.

Palavras FinaisTraficantes se rebelam e a ci-

dade vai à lona. Encena-se umdrama sangrento, mas ultrapas-sado. O canto de cisne do tráfi-co era esperado. Haverá outrosmomentos análogos, no futuro,mas a tendência declinante éinarredável. E não porque exis-tem as UPPs, mas porque cor-respondem a um modelo insus-tentável, economicamente, as-sim como social e politicamen-te. (…) (As UPPs) não terão futu-ro se as polícias não forem pro-fundamente transformadas. Afi-nal, para tornarem-se políticapública terão de incluir duasqualidades indispensáveis: escalae sustentabilidade, ou seja, te-rão de ser assumidas, na esferada segurança, pela PM. Contu-do, entregar as UPPs à condu-ção da PM seria condená-las àliquidação, dada a degradaçãoinstitucional já referida.

O tráfico que ora perde podere capacidade de reprodução sóse impôs, no Rio, no modelo ter-ritorializado e sedentário emque se estabeleceu, porque sem-

Quando o tráfico dedrogas no modeloterritorializadoatinge seu pontohistórico de inflexãoe começa,gradualmente, abater em retirada,seus sócios – asbandas podres daspolícias –prosseguem fortes,firmes,empreendedores,politicamenteambiciosos,economicamentevorazes, prontos afixar as bandeirasmilicianas de suahegemonia

Foto: Latuff

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16 Ano IV – número 31 – novembro e dezembro 2010http://sisejufe.org.br

A CIDADE EM CONFLITO

pre contou com a sociedade dapolícia, vale reiterar. Quando otráfico de drogas no modelo ter-ritorializado atinge seu pontohistórico de inflexão e começa,gradualmente, a bater em reti-rada, seus sócios – as bandaspodres das polícias – prosse-guem fortes, firmes, empreen-dedores, politicamente ambici-osos, economicamente vorazes,prontos a fixar as bandeiras mi-licianas de sua hegemonia.

Discutindo a crise, a mídia re-produz o mito da polaridadepolícia versus tráfico, perdendoo foco, ignorando o decisivo:como, quem, em que termos epor que meios se fará a reformaradical das polícias, no Rio, paraque estas deixem de ser incuba-doras de milícias, máfias, tráficode armas e drogas, crime violen-to, brutalidade, corrupção?Como se refundarão as institui-ções policiais para que os bonsprofissionais sejam, afinal, valo-rizados e qualificados? Comoserão transformadas as polícias,para que deixem de ser reativas,ingovernáveis, ineficientes naprevenção e na investigação?

As polícias são instituições ab-solutamente fundamentais parao Estado democrático de direi-to. Cumpre-lhes garantir, naprática, os direitos e as liberda-des estipulados na Constituição.Sobretudo, cumpre-lhes prote-ger a vida e a estabilidade dasexpectativas positivas relativa-

mente à sociabilidade coopera-tiva e à vigência da legalidade eda justiça. A despeito de sua im-portância, essas instituições nãoforam alcançadas em profundi-dade pelo processo de transiçãodemocrática, nem se moderni-zaram, adaptando-se às exigên-cias da complexa sociedade bra-sileira contemporânea. O mode-lo policial foi herdado da dita-dura. Ele servia à defesa do Es-tado autoritário e era funcionalao contexto marcado pelo arbí-trio. Não serve à defesa da cida-dania. A estrutura organizacio-nal de ambas as polícias impedea gestão racional e a integração,tornando o controle impraticá-vel e a avaliação, seguida por ummonitoramento corretivo, invi-ável. Ineptas para identificar er-ros, as polícias condenam-se arepeti-los. Elas são rígidas ondeteriam de ser plásticas, flexíveis

O que as polícias fluminenses deveriam fazer paravencer, definitivamente, o tráfico de drogas?Em primeiro lugar, deveriam parar de traficare de associar-se aos traficantes, nos “arregos”celebrados por suas bandas podres, à luz do dia,diante de todos. Deveriam parar de negociararmas com traficantes, o que as bandas podresfazem, sistematicamente. Deveriam também pararde reproduzir o pior do tráfico, dominando,sob a forma de máfias ou milícias, territóriose populações pela força das armas, visandorendimentos criminosos obtidos por meios cruéis

e descentralizadas; e são frou-xas e anárquicas, onde deveri-am ser rigorosas. Cada uma de-las, a PM e a Polícia Civil, são duasinstituições: oficiais e não-ofici-ais; delegados e não-delegados.

E nesse quadro, a PEC-300 évarrida do mapa no Congressopelos governadores, que pagamaos policiais salários insuficien-tes, empurrando-os ao segundoemprego na segurança privadainformal e ilegal.

Uma das fontes da degrada-ção institucional das polícias é oque denomino “gato orçamen-tário”, esse casamento perversoentre o Estado e a ilegalidade:para evitar o colapso do orça-mento público na área de segu-rança, as autoridades toleram obico dos policiais em segurançaprivada. Ao fazê-lo, deixam defiscalizar dinâmicas benignas(em termos, pois sempre há gra-ves problemas daí decorrentes),nas quais policiais honestosapenas buscam sobreviver dig-namente, apesar da ilegalidadede seu segundo emprego, mastambém dinâmicas malignas:aquelas em que policiais corrup-tos provocam a insegurançapara vender segurança; unem-se como pistoleiros a soldo emgrupos de extermínio; e, no li-mite, organizam-se como máfi-as ou milícias, dominando peloterror populações e territórios.Ou se resolve esse gargalo (pa-gando o suficiente e fiscalizando

a segurança privada, banindo ainformal e ilegal; ou legalizandoe disciplinando, e fiscalizando obico), ou não faz sentido buscaraprimorar as polícias.

O Jornal Nacional, nesta quin-ta, 25 de novembro, definiu ocaos no Rio de Janeiro, salpica-do de cenas de guerra e morte,pânico e desespero, como umdia histórico de vitória: o dia emque as polícias ocuparam a VilaCruzeiro. Ou eu sofri um súbitoapagão mental e me tornei umidiota contumaz e incorrigível ouos editores do JN sentiram-seautorizados a tratar milhões detelespectadores como contuma-zes e incorrigíveis idiotas.

Ou se começa a falar sério elevar a sério a tragédia da inse-gurança pública no Brasil, ouserá pelo menos mais digno fur-tar-se a fazer coro à farsa.

Foto: Latuff

Foto: Tatiana LimaFoto: Tatiana Lima

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Ano IV – número 31 – novembro e dezembro 2010 17http://sisejufe.org.br

Um fim de semana em defesa

da vida. Debates acalorados

marcaram o primeiro Seminário

Estadual da Campanha Contra a

Violência e Extermínio de Jovens

do Rio de Janeiro, realizado no

Colégio Assunção, em Santa Te-

resa, nos dias 15, 16 e 17 de ou-

tubro. Construir uma agenda

popular de segurança pública

com a inserção dos debates de

educação, saúde, cultura, espor-

te, comunicação, reforma agrá-

ria e meio ambiente foi uma das

principais deliberações aprova-

das. A proposta de constituição

de grupos de trabalhos temáti-

cos também foi outro importan-

te encaminhamento decidido.

Na sexta, depois da exibição

do documentário “Elas da Fave-

la”, Solange Rodrigues do ISER

Assessoria, e Erika Gloria, da Pas-

toral de Favelas, coordenaram a

roda de conversa sobre política

de segurança pública no esta-

do. As Unidades de Polícia Paci-

ficadora (as UPPs) foram o foco

do debate. Os jovens levantaram

questões sobre o cotidiano de

violência que atinge a juventude

no estado. A preocupação com

a falta de políticas públicas de

educação, saúde, cultura, mora-

dia, geração de emprego foi um

consenso entre os participantes.

Da mesma forma, ressaltou-se a

necessidade de combinar o de-

bate de segurança com um ar-

cabouço de intervenção social

do Estado nas comunidades que

se afaste da lógica das armas e

da criminalização da população

pobre e negra.

Numa mesa de análise de con-

juntura se problematizou o qua-

dro da violência e do extermínio

da juventude. Antes das apresen-

tações da professora de Histó-

ria da UFF Virgínia Fontes e da

antropóloga Regina Novaes, co-

ordenadora regional da pesqui-

sa Juventudes Sul-Americanas,

foi exibido vídeo de uma confe-

rência de Vera Malagutti, Secre-

tária Geral do Instituto Carioca

de Criminologia (ICC) e profes-

sora de Criminologia da Univer-

sidade Cândido.

Na sequência, os participantes

compartilharam experiências e

Seminário condena políticas de segurançaque legitimam extermínio e propõe alternativas

vivências de resistência juvenil.

Desse painel participaram Mari-

lene, do grupo Mães de Acari,

Marcelão do Movimento dos

Trabalhadores Desempregados,

Mano Teko da Associação de

Profissionais e Amigos do Funk

e Gabriel Jaste da coordenação

da Pastoral da Juventude do Rio

de Janeiro. Cada relato abriu ho-

rizontes e trouxe novas perspec-

tivas de ação.

Grupos temáticos sobre os três

eixos da campanha foram reali-

zados no último dia do seminá-

rio. Essas discussões se desdo-

braram na definição de bandei-

ras de luta e em muitas propos-

tas objetivas. Apontou-se a ne-

cessidade de desenvolver um

novo olhar sobre a violência com

a constituição de políticas de

segurança pública que defen-

dam a vida em sua plenitude. A

integração das diversas frentes

de lutas sociais, a valorização na

campanha da dimensão ecumê-

nica e do diálogo inter-religio-

so, assim como daqueles que

não têm religião, além do culti-

vo da memória como forma de

resistência e afetividade, são al-

guns dos princípios reforçados

pelos participantes.

Outras bandeiras assumidas

são a do tratamento público

para dependentes químicos (em

especial, viciados em crack), hu-

manização do sistema peniten-

ciário, fim do auto de resistên-

cia, elaboração de um projeto

de cidade inclusiva e democráti-

ca, constituição de mecanismos

de controle social da mídia e for-

talecer a relação com os meios

alternativos de comunicação

para promover uma informação

libertadora e comprometida

com a defesa da vida.

O principal encaminhamento

organizativo foi a criação dos

grupos de trabalho de forma-

ção, mobilização e monitora-

mento da mídia. Os participan-

tes do seminário se dividiram

dentre os três espaços e terão a

missão de planejar e executar

tarefas apontadas pela plenária

final do seminário. A realização

de um encontro de formação,

audiência pública sobre a políti-

ca de segurança, atualização de

página eletrônica de denúncia

de casos de violência contra os

jovens, são apenas algumas das

propostas. Como os grupos for-

mados são abertos, novos cola-

boradores, tanto indivíduos

quanto organizações, podem e

devem se integrar.

A equipe de organização do

evento foi mantida como uma

espécie de coordenação estadu-

al da campanha, somando-se

ainda representantes indicados

por cada GT. A atividade foi or-

ganizada pela PJ – Pastoral da

Juventude, PJE – Pastoral da Ju-

ventude Estudantil, CRB – Con-

ferência dos Religiosos/as do

Brasil, Congregação das Religi-

osas da Assunção, Pastoral de

Favelas, Instituto de Juventude

Dom Luciano Mendes, ISER As-

sessoria, MST – Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Ter-

ra, CEAV – Centro de Atendimen-

to às Vítimas de Violência, CDDH

– Centro de Defesa dos Direitos

Humanos de Petrópolis, Presi-

dência e Vice-Presidência da

Comissão de Direitos Humanos

da ALERJ. O evento ainda con-

tou com o apoio da Fase, do Sin-

dipetro-RJ, do Sepe-RJ, da ASDU-

ERJ e do Sisejufe.

Evento, apoiado pelo Sisejufe, teve comoprincipal encaminhamento organizativo acriação dos grupos de trabalho de formaçãopolítica, mobilização social e monitoramentoda mídia para que paute o extermínio dejovens. Outras bandeiras assumidas são a dotratamento público para dependentesquímicos (em especial, os viciados em crack),humanização do sistema penitenciário, fimdo auto de resistência e elaboração de umprojeto de cidade inclusiva e democrática

Fonte: Comissão de Comunica-ção do Seminário Estadual da

Campanha contra a Violência e Extermínio de Jovens.

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18 Ano IV – número 31 – novembro e dezembro 2010http://sisejufe.org.br

INTERNACIONAL

A volta do pêndulo

Texto e fotosVinicius Souza*

Maria Eugênia Sá*

Enganaram-se os profetas do fimda dicotomia esquerda-direita com aqueda do Muro de Berlim. Na Europae EUA, afundados pela crise econô-mica que poderia significar a derro-cada final do neoliberalismo, paísesantes considerados de primeiromundo fazem a clara opção pelo ca-pital, financiando os bancos e inves-tidores enquanto arrocham salários,cortam benefícios e elegem os estran-geiros como o inimigo da economia.As consequências têm sido manifes-tações como na França, na Espanha ena Inglaterra, ou mesmo nações à bei-ra do caos como a Grécia. A bola da vezé a Irlanda, mas Portugal também estána alça de mira do “socorro” do FMI.O receituário é bem conhecido poraqui: redução do investimento públi-co, aumento da idade para aposenta-doria, diminuição no número de fun-cionários públicos, enfraquecimentodo poder do Estado... As alternativasmais à esquerda (como maior distri-buição de renda, fortalecimento domercado interno e controle de capi-tais) estão fora de discussão.

Enquanto isso, na América Latinahá um certo refluxo da onda “esquer-dista” que levou ao poder presiden-tes como Lula, Evo Morales e HugoChávez. Depois da fraude eleitoralno México, o governo ilegítimo deFelipe Calderón, do partido de direi-ta Ação Nacional (PAN), aprofundoua política de integração econômicacom os Estados Unidos levando àmaior recessão da história do país(diminuição do PIB em 6,7% em2009). Com isso, a empresa capita-lista por excelência, o comércio dedrogas ilícitas, passou a movimentarestimados 45% da renda bruta anualdo México. No modelo de “guerra

Talvez nunca a esquerda tenha sido tãoesquerda e a direita tão direita na AméricaLatina como agora. E a mídia hegemônicapermanece do lado em que sempre esteve

contra as drogas” implementadocom apoio dos EUA que investiramna iniciativa US$ 1,8 bilhão desde2008, perto de 30 mil pessoas per-deram suas vidas nos últimos quatroanos, sendo que 12 prefeitos foramassassinados somente em 2010.Com as leis trabalhistas “flexibiliza-das” desde os anos 1990, os traba-lhadores tem que escolher entre sa-lários de fome com jornadas medie-vais ou tentar a sorte com os “coyo-tes” para viver como ilegais do outrolado da fronteira. Por outro lado, Car-los Slim, o homem mais rico do mun-do segundo a Forbes, que comproudo governo a Telmex, em 1990, econtrola a Embratel e a Claro no Bra-sil, acaba de fazer uma oferta para ter100% da Net. O objetivo é unir aqui eno México TV e banda larga à telefo-nia fixa e celular.

Em Honduras, a simples propostade um plebiscito para reformar a cons-tituição, que segundo alguns pode-ria aproximar o país do “Socialismodo Século XXI” de Chávez, levou aogolpe que teve forte participação dosempresários locais da comunicação(uma das primeiras providências foiderrubar o sinal de veículos “não-ali-nhados”) e apoio velado dos EUA para

derrubar o presidente eleito Manu-el Zelaya. Outra questão de fundo foia adesão do país à esquerdista Alian-ça Bolivariana para as Américas(Alba), que se contrapõe à AliançaLatino-Americana de Livre Comércio(Alca), impulsionada pelo governoestadunidense. Nos 17 meses des-de o golpe, Honduras segue numapermanente crise econômica, sani-tária (a dengue está totalmente forade controle) e humanitária. A im-prensa golpista tenta esconder, massão milhares os torturados, pelomenos 140 estudantes, professorese líderes sociais e políticos foramassassinados e há centenas de exila-dos. Entre os jornalistas que seopõem ao governo, dez já forammortos desde julho de 2009.

Na Colômbia também não há nadade novo. O recém-eleito presidenteJuan Manuel Santos (num pleito commais de 56% de abstenção no segun-do turno e inúmeras denúncias defraudes), é ex-ministro da Defesa deÁlvaro Uribe e membro da famíliaproprietária do principal jornal do país(o El Tiempo), da mais importanterevista semanal de política e varieda-des (La Semana), de uma rede de rá-dios, um canal de TV com previsõesmeteorológicas e em breve um novocanal de TV aberta de abrangêncianacional. A aliança com os EUA, queestão implantando novas bases mili-tares no país apesar da inconstituci-onalidade proferida pela SupremaCorte local, segue firme no Plan Co-

lombia, de enfrentamento exclusiva-mente militar do narcotráfico e dasguerrilhas. Já o partido de esquerdaPolo Democrático Alternativo(PDA), denunciou no início de no-vembro que ao menos 50 políticosesquerdistas, sindicalistas, dirigen-tes sociais, camponeses, indígenase defensores dos direitos humanosforam mortos apenas nos primeiros90 dias de governo Santos. A denún-cia foi feita numa conferência noEquador e, claro, não ilustrou as pá-ginas de La Semana.

Já no Chile, a coalizão de esquerdaConcertación perdeu em janeiro apresidência que ocupava desde o fimda ditadura Pinochet há 20 anos. Vá-rios fatos concorreram para a volta dadireita ao poder com a eleição domega-empresário Sebastien Piñera.Para começar, o conservadorismoestava reunido em torno de Piñera,enquanto os progressistas se dividi-ram entre o representante oficial daConcertación, o ex-presidente depouco destaque Eduardo Frei, JorgeArrate, que foi ministro de Frei, eEnríquez-Ominami, que também erada coalizão até 2009. Além disso,assim como no Brasil não houve cres-cimento econômico no Chile em2009, devido ao agravamento da cri-se nos EUA e Europa, levando a umaqueda na popularidade da ex-presi-dente socialista Michelle Bachelet.Também ajuda bastante o fato dePiñera, irmão de um ex-ministro dotrabalho do ditador Augusto Pino-

Colômbia: novo presidente é dono

de conglomerado midiático

Futuros distintos: Bachelet acabou o governo com altos índicesde aprovação popular, mas, ao contrário de Lula, não fez o sucessor

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Ano IV – número 31 – novembro e dezembro 2010 19http://sisejufe.org.br

chet, ser o dono de um dos principaiscanais de TV do país, a Chilevisión.Não é a toa que ele ficou tão à vonta-de em frente às câmaras durante todoo resgate dos 33 mineiros soterradospor meses devido à falta de seguran-ça geral nas centenas de minas decobre chilenas.

Nos países que têm mantido a op-ção pela esquerda nas urnas, as ten-tativas de golpes e desestabilizaçãopela direita e pela mídia hegemôni-ca continuam. Depois do golpe civil-militar-midiático de menos de 48horas em 2002 na Venezuela, tãobem representado no documentário“A revolução não será televisiona-da”, dos irlandeses Kim Bartley eDonnacha O’Briain, ocorreram ou-tras situações graves no continente.Na Bolívia em 2006, o envio do em-baixador estadunidense Philip Gol-dberg, que já havia trabalhado “coin-cidentemente” na Bósnia durante aguerra civil que desmembrou a anti-ga Iugoslávia e depois no Kosovo noperíodo em que a província se sepa-rou da Sérvia, seria um forte indicati-vo da estratégia encampada pelosmeios de comunicação do país andi-no de separação das províncias dachamada Meia Lua, as mais ricas danação. A ideia, que contava com pro-gramas eleitorais de TV produzidosnos EUA e pesquisas fajutas, preten-dia primeiro tentar revogar nas urnas

a constituição bolivariana de EvoMorales em seu início de governo.Se não desse certo, era sempre pos-sível tentar impulsionar uma guerracivil para pedir a intervenção de tro-pas de paz da ONU como aconteceuno Haiti.

Em setembro desse ano, foi a vezde Rafael Correa, presidente duasvezes eleito no Equador e responsá-vel por uma estabilidade política rarano país, enfrentar nas ruas policiais emilitares amotinados. Ele chegou aser atingido por uma bomba de gáslacrimogêneo e rasgar a camisa paramostrar o peito nu numa janela desa-fiando os revoltosos a matá-lo. Cor-rea ficou retido por um tempo numquartel cercado e teve de ser resga-tado por militares fieis ao governoconstitucional de Quito. Como seapurou depois, boa parte dos milita-res e policiais que aderiram ao movi-mento golpista teriam sido engana-dos por uma campanha de desinfor-mação empreendida por meios de co-municação da direita equatoriana, osquais mentiram sistematicamentesobre pequenas mudanças nos sol-dos dos membros dos serviços desegurança pública. “O que aconteceunão é por alguns dólares. É uma claratentativa de conspiração, coordena-da com o fechamento do aeroporto,com a tomada das antenas, com a in-terrupção da TV Equador”, afirmou o

presidente na sacada do palácio pre-sidencial logo após sua libertação.

Na Argentina, segue o enfrenta-mento diário entre as elites capita-neadas pelo Grupo Clarín, que reú-ne jornais como o Clarín e o La Naci-ón, a Rádio Miter, o Canal 13 de Bu-enos Aires, as TVs a cabo Multica-nal e Cablevisión, portal e provedorde internet e outros meios de comu-nicação, e a presidente Cristina Kir-chner, que promulgou a polêmicaLey de Medios. Apesar de ainda res-tarem alguns recursos nos tribunaisargentinos, a lei proposta há um anoentrou em vigor no último mês desetembro e, entre outras coisas,estabelece que uma mesma empre-sa não pode possuir canais de TVaberta e a cabo, além de reduzir de24 para dez o limite das concessõesde rádio e TV em mãos de um mes-mo proprietário. Pela nova legisla-ção, o espectro comunicacionaldeve ser dividido em três partesiguais para atender o governo, osetor privado comercial e a socieda-de civil organizada. Também foi bar-rada a entrada indiscriminada dascompanhias telefônicas no mercadode TV. Aos oligopólios midiáticos,restam menos de dez meses agorapara vender algumas de suas empre-sas e se adequar às novas regras. Ouentão para derrubar o governo deCristina e impor de volta as “leis dolivre mercado”.

Não há dúvidas de que as eleiçõespresidenciais no Brasil também sedesenrolaram fortemente impacta-das por esse cenário continental.Mais do que PSDB, DEM e PPS, foi

Globo, Folha e Veja que coordena-ram a campanha de extrema direitade José Serra. Basta ver a enxurradade denúncias vazias nos jornais, odesespero das capas de revistas e aridícula montagem do episódio da“bolinha de papel” em incríveis seteminutos do Jornal Nacional! Mas as-sim como na Venezuela, Bolívia eEquador, a disputa não se encerrounas urnas. A Folha de S.Paulo e o Glo-bo já conseguiram acesso ao proces-so da ditadura militar contra a agorapresidente eleita Dilma Rousseff.Certamente esperam que os tortu-radores tenham conseguido no iní-cio dos anos 1970 “informações”para usarem contra ela que seus ba-talhões de “repórteres investigati-vos” não conseguiram nos últimostrês anos.

Ao mesmo tempo, a Velha Mídiaponta suas baterias contra o semi-nário internacional para discussãoda regulação da mídia convocadopelo ministro Franklin Martins, daSecretaria de Comunicação Social,contra o Plano Nacional de BandaLarga, que vem sendo gestado hámeses, e contra as propostas daConferência Nacional de Comunica-ção, que contou em 2009 com a par-ticipação ativa de mais de 30 mil ci-dadãos. Sem deixar de acusar todotempo, claro, o presidente Lula e apresidente eleita Dilma de avessosà liberdade de expressão, quase quecom os mesmos termos que usamcontra Hugo Chavéz de forma inin-terrupta há quase dez anos.

Nos países que têm mantido aopção pela esquerda nas urnas,as tentativas de golpes edesestabilização pela direita e pelamídia hegemônica continuam. (…)Não há dúvidas de que as eleiçõespresidenciais no Brasil tambémse desenrolaram fortementeimpactadas por esse cenáriocontinental. Mais do que PSDB,DEM e PPS, foi Globo, Folha e Vejaque coordenaram a campanhade extrema direita de José Serra

*Jornalistas.

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Para fazer uma análise dos

ganhos da população feminina

com a eleição de Dilma à presi-

dência, o site de CartaCapital en-

trevistou a cientista social dedi-

cada à temática do feminismo e

política, Tatau Godinho. Ela

acredita que “as questões rela-

cionadas aos direitos das mulhe-

res vão ser colocadas na agenda

política de forma muito mais co-

tidiana”. Mas isso também de-

pende de uma presença mais for-

te do movimento de mulheres

para que sejam feitas mudan-

ças no sentido progressista. E

avisa: “o campo da oposição

provavelmente se apoiará em

uma agenda conservadora em

relação aos direitos das mulhe-

res, como já ocorreu nas elei-

ções.” Ideias em Revista, re-

produz, com autorização de

CartaCapital, esta entrevista.

Texto e FotosCarlos Latuff

G ÊNERO

“A concentração masculinanas redes de direção é brutal”

Em entrevista à repórter Paula Thomaz, dosite de CartaCapital, a cientista social TatauGodinho faz uma análise da situação damulher na política, fala sobre desigualdadede gêneros e da postura da oposição diantede uma mulher na presidência. Desde oinício da campanha eleitoral Dilma Rousseffgerou uma expectativa entre as mulheresbrasileiras em relação à questão femininana política. Passado o segundo turno econhecido o resultado, o Brasil ganha umamulher como presidente, a primeira dahistória, eleita com 56% dos votos válidoscontra 44% para o oponente José Serra

Como você vê a situação damulher hoje na política em ter-mos de participação e de políti-cas voltadas ao gênero feminino?

Tatau Godinho – A presençadas mulheres na política tem au-mentado nos últimos anos. Emtermos de políticas públicas,questões específicas voltadas àsaúde das mulheres, o combateà violência e mesmo uma amplia-ção nos horizontes profissionaistêm sido alvo de atenção dos go-vernantes. Mas uma alteraçãomais profunda nas desigualdadesentre homens e mulheres aindaestá por vir.

Quanto à participação, no en-tanto, os espaços da política maisinstitucionalizados ainda são umgueto masculino. Fala-se muitona necessidade da presença dasmulheres, mas o fato é que dire-ções dos partidos, no parlamen-to, nos cargos executivos e de di-reção, as mulheres ainda apare-cem como uma exceção.

E isso reflete uma realidade

presente em, praticamente, todasas outras áreas da sociedade. Ocomando das empresas, as dire-ções dos jornais, de outros mei-os de comunicação, por exem-plo, ainda são lugares onde apresença das mulheres é quasesimbólica.

Existem mais mulheres quehomens no Brasil, a mulher éresponsável, em muitos casos,pela educação dos filhos, temcontribuição efetiva na socieda-de, tem um dia internacionaldedicado a ela. Por que quandose trata de política tudo isso pa-rece se reduzir?

TG – A ampliação da presençadas mulheres no mundo públi-co, isto é, fora do âmbito da fa-mília, continua totalmente vincu-lada a uma sobrecarga colocadasobre elas em relação ao cotidia-no, à vida familiar, ao cuidadocom as pessoas. As mulheres as-sumem novas tarefas, mas mui-to pouco se alterou nas relaçõesde poder. E a política é o espaçoconcentrado das dinâmicas depoder na sociedade. É ali quesão definidos boa parte dosgrandes grupos de interesses,dos destinos dos países. Obvia-mente, as disputas políticas nãoocorrem apenas nos espaçostradicionais ou institucionais.Mas é um sintoma da fragilida-de da democracia a exclusão tãorecorrente das mulheres.

Quais os avanços poderão serconquistados pelas mulheres, napolítica, com a eleição de DilmaRousseff à presidência da Repú-blica?

TG – Sem dúvida uma mulherna Presidência da República járepresenta, de saída, uma que-bra de barreiras. O principal car-go político do país é uma refe-

rência necessária para os deba-tes, as articulações políticas, paraas mais diversas áreas em tornodas quais a sociedade se mobili-za. Tem uma influência impor-tante, também, no imagináriosocial em relação às mulheres.Mas as mudanças mais concre-tas, em termos de políticas, de-pendem da insistência que a pre-sidenta tiver em fortalecer umaagenda voltada para a igualda-de. As questões relacionadas aosdireitos das mulheres vão ser co-locadas na agenda política deforma muito mais cotidiana. E émuito importante uma presençamais forte do movimento de mu-lheres para que isso seja feito emum sentido progressista. O cam-po de oposição, provavelmente,se apoiará também em uma agen-da conservadora em relação aosdireitos das mulheres, como jáocorreu nas eleições. Por isso,para garantir um avanço, acredi-to que seja necessário que a so-ciedade se mobilize no sentidode possibilitar um efetivo avançode direitos. Dilma Rousseff temum histórico de atuação rompen-do espaços em áreas muito fe-chadas às mulheres e, acredito,que isso dará a ela uma boa ex-periência de como lidar em umambiente adverso.

O que muda na bancada femi-nina no Congresso com a eleiçãode Dilma?

TG – As deputadas e senadorastêm uma oportunidade inédita defortalecer sua voz no Congresso.Mas é preciso se apoderar dossinais indicados pela futura pre-sidenta, de que valoriza o aumen-to da participação política dasmulheres, e consolidar novas li-deranças nas disputas concretasque compõem o dia a dia do Con-

Ano IV – número 31 – novembro e dezembro 2010

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gresso. Esse é um momento pri-vilegiado para que as parlamen-tares mulheres reforcem sua pre-sença e, mais especialmente, paraque a bancada feminina apareçacomo uma forte articuladora dereivindicações de políticas que in-cidam sobre a desigualdade en-tre mulheres e homens. Para issoé necessário que a atuação sepaute por uma plataforma am-pla, que não fique apenas em te-mas de menor incidência, ou nasáreas que são consideradas tradi-cionalmente mais receptivas àparticipação das mulheres. Háquestões fundamentais em rela-ção ao mundo do trabalho, noâmbito da política econômica ede desenvolvimento, da previdên-cia, ou a reforma política e parti-dária, como mencionado anteri-ormente, que são muito impor-tantes. Isso vai depender da atu-ação das parlamentares compro-metidas com essa agenda. Ampli-ar o número de mulheres é muitoimportante, mas mudanças reaispara as mulheres só ocorrerão seisso se combina com uma agendade propostas e reivindicaçõespara alterar as condições de desi-gualdade e discriminação vividaspelas mulheres.

Em reunião de transição dosministérios na segunda-feira 8,Dilma anunciou que quer maismulheres no primeiro escalão dogoverno. O que achou dessa ati-tude da presidente?

TG – É muito positivo que Dil-ma tenha acenado, logo de iní-cio, com a importância de ter uma

presença maior das mulheres emcargos chaves do governo. Comcerteza os partidos vão resistir.Afinal, dois corpos não ocupamo mesmo lugar no espaço. Nemna física nem na política. E a con-centração masculina nas redesde direção é brutal. Não são ape-nas os dirigentes partidários. Issoinclui os quadros do parlamen-to, das direções sindicais, das uni-versidades ou outras entidades dasociedade. A insistência da presi-denta em compor um governocom maior presença de mulheresobrigará os partidos, e toda a so-ciedade, a discutir a questão.

Em outros países, houve umprocesso semelhante. Como naEspanha, por exemplo. E issocria, de fato, possibilidades demudanças.

Falando de gênero, para vocêas mulheres são iguais aos ho-mens, têm necessidades especí-ficas ou lhes faltam alguns privi-légios concedidos aos homens?

TG – Quando se fala em igual-dade entre mulheres e homens,o sentido é a igualdade social epolítica. É evidente que na socie-dade os homens têm imensosprivilégios em todos os âmbitos:renda mais alta, acesso a melho-res postos e empregos, mais tem-po de lazer, dominam os espa-ços de poder político e econômi-co na sociedade. E isso se articu-la com todas as vantagens quetêm no campo da vida pessoal efamiliar, em relação ao cuidadocom os filhos, ao trabalho domés-tico, e nas questões ligadas à se-

xualidade. É isso que é precisomudar. Há um pensamento con-servador que atribui às mulheresum papel centrado na materni-dade e na família. Isso é cultiva-do. É um mecanismo que justifi-ca a falta de responsabilizaçãomasculina. Assim os homens fi-cam livres para o poder, enquan-to as mulheres cuidam da sobre-vivência. É essa a divisão que pre-cisa ser superada na sociedade.Naturalizar o papel das mulhe-res na família, na maternidade,nas funções do cuidado é negaràs mulheres a posição de igual-dade e racionalidade e, em últi-ma instância, deixar as funçõesde direção e poder efetivos dasociedade, a elaboração da cul-tura e da ciência para os homens.

Chegaremos a um dia em quea desigualdade de gêneros serásuperada?

TG – Eu acredito que sim. Parauma superação efetiva das desi-gualdades é preciso uma mudan-ça mais geral. A sociedade capi-talista absorve e rearticula as re-lações de dominação compondouma dinâmica de desigualdadeque favorece a exploração, aconcentração de renda, a manu-tenção de padrões de opressãoem diversos níveis. A superaçãoda desigualdade de gêneros éuma perspectiva libertária, deuma sociedade livre com sereshumanos vivendo em plenitudesuas capacidades. E isso exige amudança do modelo de socieda-de atual, em que as desigualda-des são parte da organizaçãonecessária das relações sociais.Mas isso não significa jogar asreivindicações para um futurodistante e abstrato. É preciso in-vestir para que as mudanças se-jam implantadas desde agora.Toda mudança é um processopolítico e social que envolve tam-bém conflitos. E nós não pode-mos deixar de enfrenta-los.

Qual tem sido a importância daSecretaria de Políticas para Mu-lheres desde a sua criação?

TG – A criação da Secretaria dePolíticas para as Mulheres foi umainiciativa muito importante dogoverno. Ela buscou construiruma agenda para todo o gover-no. Em algumas questões, como

a proposta de implantar umapolítica de combate à violênciasexista, os avanços são mais cla-ros. Em outras áreas, ainda hámuito o que fazer. Os esforçosda SPM em coordenar um planogeral de políticas para as mulhe-res são significativos e as dificul-dades são muito grandes. É ne-cessário uma consolidação mai-or dessa política no próximo go-verno.

Como você acredita que a so-ciedade brasileira enxerga a fal-ta do primeiro cavalheiro ao ladode Dilma?

TG – Essa é uma discussão quedemonstra o grau de conserva-dorismo na sociedade. Afinal, adiscussão só existe porque osespaços de poder são considera-dos lugares para os homens enão para as mulheres. O cargode primeira-dama é a pior sim-bologia do atraso em relação àsmulheres: significa que o lugarpara elas é de esposa, e não dedirigente. É a reafirmação de quepara as mulheres o espaço legíti-mo é o mundo privado e não aesfera pública, como é o caso dapolítica. Além do mais, isso aindase combina com o clientelismoque enxerga a política de assis-tência social como caridade enão como direito!

Chama a atenção o quanto mes-mo os setores pretensamente maismodernos da sociedade reforçamesse papel e esse lugar para asmulheres. E, inclusive, criticam asmulheres que se recusam a acei-tar esse papel. Que, sendo maisinformal, é tudo de atrasado, demedíocre e de “brega”.

Uma mulher na presidência tem,além de tudo o mais, a vantagemde nos livrar dessa discussão.

Chamar Dilma de presidente oupresidenta faz diferença?

TG – É uma questão simbólica.Não é decisiva mas possibilitamarcar o significado da eleiçãode uma mulher para a presidên-cia. E forçar um pouquinho a Lín-gua Portuguesa a se adaptar aum mundo de homens e mulhe-res também nos cargos, carrei-ras e funções antes ocupadosapenas por homens.

Foto: CUT Nacional

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TEIA DE IDEIAS

A LIBERDADE CONTROLADAPELA MÍDIA E PELA MORAL

Em abril de 2000, portanto hámais uma década, um então ra-pazote engravatado chamadoSérgio Lewin, presidente do Ins-tituto de Estudos Empresariais(IEE), abria 13º Fórum da Liber-dade, realizado na Federaçãodas Indústrias do Rio Grande doSul (Fiergs). O único convidadode esquerda era o então gover-nador gaúcho Olívio Dutra (PT),que quatro anos depois se tor-naria o primeiro ministro dasCidades de Lula. O jovem Lewindefendeu o que chamou de “ego-ísmo racional, social e economi-camente empreendedor do ca-pitalismo” e, de uma maneiragrosseira, criticou o governadorque assistia ao discurso da pri-meira fileira, dizendo que Olívionão poderia, com o ideário deseu partido, “desafiar a lei dagravidade”.

Último a falar, Olívio Dutraadvertiu os participantes para aingenuidade da crença de que oEstado não deve participar ati-vamente da vida econômica. Ecompletou: “Por desafiar a lei dagravidade, foi que a humanida-de pôs a voar pelos céus do pla-neta toneladas de aço chamadasaviões”. Vaias para Olívio. Na se-quência a mediadora (?), a jor-nalista-diretora da RBS (afiliadada Globo no Sul) Ana Amélia Le-mos, criticou o governador porter sido “descortês” com o jo-vem anfitrião. Aplausos para AnaAmélia. Entre os que aplaudi-ram, um dos convidados: o filó-sofo e jornalista de ultradireitaOlavo de Carvalho. Pano rápido.

Em 22 de novembro de 2010,em Belo Horizonte, no HotelMercure, a “setorial” mineira doIEE promoveu um novo Fórumda Liberdade, este em parceriacom o Instituto Millenium – quereúne luminares da plutocraciabrasileira e expoentes da ala

mais conservadora da direitacristã. O evento começa, comode praxe, com os discursos dosfundadores do IEE e, em segui-da, o empresário Roberto Civita,presidente do Grupo Abril (dosemanário Veja), recebe o “Prê-mio Liberdade”. Também há umgovernador na plateia – a estre-la do evento, Antonio Anastasia(PSDB).

O chefão da Veja cita AdamSmith e critica a regulação damídia. Aplausos. Anastasia, parafrustração geral, defende umEstado forte. Mas não é vaiado.Entre os convidados, a senado-ra ruralista Katia Abreu (já cha-mada de “miss desmatamento”no Congresso) e o “príncipe”dom Bertrand de Orleans e Bra-gança – que discursa aberta-mente contra a reforma agrária,ainda que nos marcos estabele-cidos na Constituição. Em en-contro recente do Instituto Mil-lenium em São Paulo, noticiadopor Ideias em Revista, ArnaldoJabor e William Waak discursa-ram em frente ao chefe JoãoRoberto Marinho. Cabe lembrarque, a partir de 2011, uma dasnovas senadoras da Repúblicaserá Ana Amélia Lemos (PP-RS),que por anos dirigiu os interes-ses da RBS/Globo em Brasília.

O jornalista Renaud Lambert,do Le Monde Diplomatique fran-cês, lembra que “desde a viradado século, as vitórias eleitoraisda esquerda na América Latinasuscitaram dúvidas pertinentessobre a possibilidade de mudan-ça efetiva a partir da tomada depoder”. Por isso, segundo ele,desde janeiro deste ano a Uni-versidade Nottingham, na Ingla-terra, tenta fornecer explicaçõespara a série de vitórias eleitoraisda esquerda ou centro-esquer-da na maior parte dos países la-tino-americanos.

A chegada aos poderes execu-tivos estaduais, provinciais e na-cionais da esquerda, desde Olí-vio em 1999 – que deu as condi-ções de nascimento ao FórumSocial Mundial –, fizeram com

que as camadas conservadorasda sociedade se reagrupassem.Ainda que tenham demoradouma década para reagir, ao me-nos na América Latina, a últimacampanha eleitoral – cujo tomobscurantista, persecutório econservador foi chancelado porJosé Serra – se encarregou dereanimar os conservadores, oumelhor, os novos conservado-res ou, ainda, os neoconserva-dores brasileiros. São os auto-denominados “cidadãos debem”, brancos (ou quase bran-cos), cristãos, heterossexuais eajustadíssimos ao sistema patri-arcal de sociedade que não ad-mite, sob a sombra de sua mo-ral, debate feminista, defesa deigualdade racial e social, defe-sa de livre orientação sexual ouquestionamentos ao “direitosagrado da propriedade”, mes-mo que improdutiva.

OBAMA “THE SOCIALISTNIGGER”, O TEA PARTY

E A XENOFOBIA EUROPEIA

Nos Estados Unidos, três dospré-candidatos à Presidênciapelo Partido Republicano traba-lham para o conglomerado mi-diático Fox Broadcasting Com-pany. A estrela é ex-candidata avice-presidente nas últimas elei-ções Sarah Palin – em cujos co-mícios, no Alaska, se pregava oassassinato de Obama. O estadodo Arizona, com mais de 400 mil

imigrantes não documentados,aprovou uma lei que obriga aqualquer imigrante andar o tem-po inteiro com sua documenta-ção sob pena de prisão e extra-dição.

O Tea Party (Partido do Chá),grupelho ligado ao Partido Re-publicano, é financiado por bili-onários, prega uma linha políti-ca “libertária” – que nos EUAsignifica quase nenhum Estado–, e tem conseguido angariarsimpatias entre republicanos,democratas e independentescom um discurso de combate ao“perigo vermelho” do negro so-cialista Obama.

Nas eleições legislativas demeio de mandato, Obama levouuma lavada, perdendo a maioriana Câmara e ficando a poucosvotos na frente no Senado. Nãopor acaso, no meio de novem-bro, dias depois da derrota nasurnas, o secretário de Defesa deObama, Robert Gates, afirmouque “um ataque ao Irã uniria oPaís”. Ora, ora. Ainda que o ho-mem Obama seja um moderado(o mesmo que arrastou multi-dões em Berlim ainda pré-can-didato, falando de paz) não podeagora escapar do sistema beli-cista e imperial que preside.

De acordo com a professorade Relações Internacionais daUniversidade Federal de SãoPaulo (Unifesp), Cristina Sorea-nu Pecequilo, a crise nos EUA foi,e continua sendo, produto de

A escalada neoconservadoraHenri Figueiredo* Nesse imbróglio mundial, os antes

“esquerdistas” Hillary Clinton e Obama,tornam-se perseguidores de Assange,um anti-herói louro que flerta com adesobediência civil, cuja ideia nasceujustamente os EUA com Emerson e HenryDavid Thoreau – este último inspiradorde Gandhi mas também citado pelos“libertários” do Tea Party!

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paradigmas internos e externosrelacionados a consumo, estru-turas de produção, relações so-ciais, disputas socioeconômicas,superextensão imperial, proble-mas educacionais e de distribui-ção de renda que opõem doisprojetos de Estado e desenvolvi-mento: o de Obama que repre-sentava a retomada e atualiza-ção do Estado de Bem Estar e daeconomia (o “grande Estado”) eo tradicional republicano (o “pe-queno Estado”). A este “peque-no Estado” agregou-se a cruza-da religiosa e antigoverno queperpassa a política nos EUA des-de, pelo menos, 1994.

Em setembro, a Suécia – ondese desenvolveu a social-demo-cracia e o conceito de Estado deBem Estar –, viveu um retroces-so histórico com uma grandevotação do partido de extremadireita “Democratas da Suécia”– que pela primeira vez chegaao Parlamento daquela monar-quia nórdica. A direita populistateve avanços nas últimas eleiçõestambém na Dinamarca, Holan-da, França, Suíça, Áustria, Hun-gria, Itália e Bélgica. A tendên-cia em todos esses países é de,assim como ocorre no Tea Par-ty, aumentar a força dos grupospolíticos que pregam aberta-mente a xenofobia, a aversão aestrangeiros.

Depois da crise financeiramundial de 2008, em quenaufragaram os preceitos edogmas neoliberais, a zona doEuro só não se esfacelou porcausa da âncora que é a Ale-manha nesse contexto. Na Gré-cia, como mostramos na últi-ma edição, o FMI agora dá ascartas. Portugal e Espanha es-tão a um passo de terem detomar medidas de “austerida-de fiscal”, eufemismo para ar-rocho salarial e corte de direi-tos. Até a famosa fleuma britâ-nica se esfumou quando o pre-mier David Cameron decidiutriplicar as anuidades univer-sitárias para conter o déficitpúblico – estudantes tomaramas ruas de Londres e um grupodestruiu a sede do Partido Con-servador, do primeiro-minis-tro, em novembro. Na França,a popularidade do direitistaNicolas Sarkozy vai ladeiraabaixo e cada vez mais ele de-pende da prima donna CarlaBruni para angariar simpatia.

SUÉCIA ACIONA INTERPOLCONTRA ASSANGE,

DO WIKILEAKSOlhando para o ânimo do elei-

torado na Suécia, não é tão difí-cil entender como o País se tor-nou a base de caça ao jornalistae ciberativista australiano, comcidadania sueca, Julian Paul As-sange, de 39 anos. Fundador eum dos nove membros do con-selho consultivo do WikiLeaks,site de denúncias e vazamentode informações secretas sobreos governos, o hacker Assangetornou-se uma celebridademundial ao divulgar pelo seu siteas imagens de militares dos EUAexecutando, de um helicóptero,civis iraquianos desarmados edois repórteres da Reuters. De-pois disso, sucederam-se muitosoutros vazamentos de informa-ções confidenciais, inclusive en-volvendo comentários e opi-niões da “diplomacia” america-na sobre o Brasil.

A Interpol emitiu mandado decaptura internacional contraAssange, procurado pela Suéciano âmbito de um inquérito so-bre suposta “violação e agres-são sexual”. O New York Timeso chama de “fugitivo”. Recen-temente Assange perdeu a ci-dadania sueca e está à procurade um País que o receba. Emfins de novembro foi divulgadoque o Equador teria oferecidoabrigo e proteção a Assange.Depois de pressões internacio-nais, o presidente Rafael Cor-rea desautorizou seu vice-chan-celer, Kintto Lucas, e retirou oconvite.

Julian Assange, através do Wi-kiLeaks divulgou opiniões da di-

plomacia americana sobre di-versas lideranças mundiais e evi-denciou que os diplomatas nor-te-americanos agem como es-piões sob o comando da Secre-tária de Estado Hillary Clinton.Em relação ao Brasil, os docu-mentos mostram críticas feitaspelo ex-embaixador CliffordSobel ao Plano Nacional de De-fesa anunciado pelo presiden-te Lula, em dezembro de 2008.E elogios rasgados ao ministroda Defesa Nelson Jobim – queseria, segundo eles, “um dos lí-deres mais confiáveis do País”,tendo, inclusive, passado segre-dos de Estado de países amigosdo Brasil para os estadunidenses.

O sociólogo Emir Sader, dian-te das informações reveladaspelo WikiLeaks, analisa que ter-minada a guerra fria, com a de-saparição de um dos campos ea vitória do outro, as máquinasde guerra não foram desmon-tadas. A Otan, nascida suposta-mente para deter o “expansio-nismo soviético” foi recicladapara combater os novos inimi-gos: o “terrorismo”, o “islamis-mo”, o “narcotráfico” etc. “Osdocumentos publicados (no Wi-

kiLeaks) confirmam tudo o queos aparentemente paranoicosdifundiam sobre os planos e asações dos EUA no mundo. (…)Qualquer compreensão domundo contemporâneo quenão leve em conta, como fatorcentral, a hegemonia imperialnorte-americana não capta oessencial das relações de poderque regem o mundo. A leiturados documentos é uma aula so-bre o imperialismo contempo-râneo”, escreve Sader.

BEM-VINDO AOADMIRÁVEL MUNDO NOVODiante da onda neoconserva-

dora em contraposição ao cres-cimento das forças de centro-esquerda, tivemos de esperar atéa campanha eleitoral que elegeuDilma para ver se reagrupar emnosso País as forças moralistas,misóginas, xenófobas e racistas.A onda iniciada em São Paulocontra os nordestinos foi umexemplo. A recidiva sulista dosseparatistas – ainda que eles nãotenham votos e parece que nemse interessam em tê-los –, é ou-tro exemplo. Nesse imblóglio

mundial, os antes “esquerdistas”Hillary Clinton e Obama, tornam-se perseguidores de Assange, umanti-herói louro que flerta com adesobediência civil, cuja ideianasceu justamente os EUA comEmerson e Henry David Thoreau– este último inspirador de Gan-dhi mas também citado pelos “li-bertários” do Tea Party!

Um lugar comum cabe nessahora: a História se repete comofarsa. Na edição janeiro de 1939,a revista Time estampou em suacapa Adolf Hitler como a “Pessoado Ano” de 1938. Hoje, em de-zembro de 2010, Julian Assange,o “apátrida”, o “fugitivo”, o jo-vem hacker que ousou desafiar oImpério, está na lista de nomea-dos para a tradicional eleição darevista norte-americana. Assangecompete, entre outros, com Oba-ma, Lady Gaga e os 33 mineiroschilenos. É o mundo visto e or-ganizado pelos olhos da mídia –nossas vidas como subproduto daindústria cultural na era da in-formação instantânea.

Fico imaginando o que nãodeve pensar hoje o rapazote en-gravatado, lá do início do texto,diante da história contada pelojornalista Antonio Luiz Costasobre a reunião do G-20, emSeul: “Timothy Geithner, secre-tário do Tesouro dos EstadosUnidos, propõe ao Grupo dos 20uma regra que limitaria a 4% doPIB os déficits ou superávits na-cionais de conta corrente. Ovice-chanceler da China, Cui Ti-ankai, responde que ‘a imposi-ção artificial, de uma meta nu-mérica, só nos lembra da era daseconomias planificadas’.” Comodisse Antônio Costa, ironia pou-ca é bobagem.

*Da Redação.

JULIAN ASSANGE: fundador do WikiLeaks é procurado pela Interpol

http://wikileaks.org/

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Dyonne Boy*

Recentemente, o Morro daSerrinha, em Madureira, temganhado o noticiário com notí-cias de uma guerra não maisparticular. Mas sua história, demais de 100 anos, mistura polí-tica, arte e tradição como pou-cas comunidades da cidade.

Isto porque muitos dos ho-mens que fundaram e moravamna Serrinha, no início do séculopassado, trabalhavam no cais doporto e lideraram movimentospolíticos no centro da cidade.Assim aconteceu com a funda-ção de um dos primeiros sindi-catos do país, o “Resistência”,fundado em 15 de abril de 1905,representando os arrumadoresdo cais do porto. Estes estivado-res também criaram blocos or-ganizados de carnaval, como o“Prazer da Serrinha”, a partir doqual, mais tarde, uma dissidên-cia iria formar a Escola de Sam-ba Império Serrano.

A atmosfera na comunidade,por volta dos anos 40, que con-jugava organização sindical, cul-tura popular tradicional e ren-da, gerou um ambiente propí-cio para as associações comuni-tárias principalmente de basecultural. Era através dos encon-tros festivos e eventos comuni-tários que, aos poucos, os mo-radores iam se articulando econquistando direitos para acomunidade.

As ladainhas, os blocos de car-naval, os pastoris, as casas deumbanda, o samba de partido-alto, o calango e o jongo da Ser-rinha ficaram famosos, atraindoa visita de intelectuais, políticose artistas do outro lado da cida-de para suas rodas de samba,festejos e umbandas.

Assim sucedeu a relação deamizade entre seu Zacarias deOliveira e o ministro Edgar Ro-mero, nome até hoje da princi-pal avenida de Madureira. Seu

CULTURA

Do cais do porto à Serrinha: política e arte

Zacarias era funcionário daCompanhia da Limpeza Urbanae cabo eleitoral de Edgar Rome-ro, com quem fez grande ami-zade. Quando este ganhou umaeleição, ofereceu àquele umemprego melhor, mas Zacariaspreferiu, ao invés do emprego,que fosse instalado o sistema deágua encanada na Serrinha, poisos moradores tinham de ir bus-cá-la em Madureira e Irajá.

Mano Elói Antero Dias, Silas deOliveira, Aniceto Menezes1, Pe-dro Monteiro, Seu Antenor2,Mano Décio da Viola3, MestreFuleiro4, entre outros, eram al-guns destes ilustres “operáriosartistas” que fizeram da experi-ência do cais do porto um dife-rencial na organização culturale na formação da identidade co-munitária. Compuseram diversasmúsicas, entre sambas, jongos,choros e partidos-alto sobre aSerrinha, formando um verda-deiro hinário de louvor à comu-nidade. Devido ao talento des-tes artistas, e em especial de Si-las de Oliveira, considerado opoeta maior da Serrinha e reco-nhecido como o inventor dosamba-enredo, o morro de Ma-

dureira difundiu uma auto-ima-gem positiva que remetia a umlocal bucólico, familiar e acolhe-dor, ao mesmo tempo que for-talecia, internamente, a identi-dade e o sentimento de perten-cimento de seus moradores. Masesse movimento tinha tambémuma função política.

Um dos mais importantes mo-vimentos surgidos na comunida-de foi a fundação do ImpérioSerrano, escola até hoje adora-da e prestigiada por seus mora-dores. O nascimento da novaescola de samba, que seria cam-peã por quatro anos consecuti-vos à data de sua fundação, ele-vou o nível de organização docampeonato, alterando a estru-tura, inclusive, de suas principaisadversárias, Mangueira e Porte-la. As escolas de samba eram atéentão mais parecidas com blo-cos carnavalescos, e naqueleano de 1947, o recém-nascidoImpério Serrano inovou ao mon-tar um desfile com samba-enre-do com fantasias corresponden-tes ao tema, divididas em alas,além de ter o financiamento dosdesfiles pagos pelos próprios as-sociados, à diferença das demais

escolas cujos principais subsídi-os vinham da contravenção.

Foi na casa da família Oliveirana Rua Balaiada, no coração domorro da Serrinha, sob o signoda liberdade de opinião, que aideia de Sebastião de Oliveira, oMolequinho, estivador do caisdo porto, filho de Zacarias deOliveira, organizador de blocose eventos comunitários e funda-dor da própria comunidade, setornou realidade: saiu reunindonum caderno as assinaturas dosque o apoiavam e, em 23 demarço de 1947, Molequinho,com seus irmãos, compadres eamigos, fundou a agremiaçãoinovadora na forma de gestão.Ninguém mais poderia dar or-dens sem aprovação de um con-selho.

Para a existência da nova es-cola foi fundamental o apoio e aexperiência de Elói Antero Dias,presidente do sindicato dos ar-rumadores da estiva, composi-tor, jongueiro, pai de santo e fi-gura muito influente nas rodascidade. Mano Elói Antero Dias,como presidente do Resistência,fez do sindicato uma espécie de“clube negro” onde privilegiava

Tia Maria do Jongo, Luiza Marmello, Lazyr Sinval, Deli Monteiro: linha de frente feminina do Jongo

Fotos: alcinoo giandinotto

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moradores da Serrinha, Madu-reira, Vaz Lobo, Quintino, Cam-pinho, Oswaldo Cruz e adjacên-cias para a filiação ao sindicato.Isto porque, sendo parentes e/ou“cumpadres”, tais estivadoreseram os principais financiadoresda escola de samba da comuni-dade, contribuindo com cerca de1/3 de sua renda para a escola.

O sindicato não era combati-vo, tinha um foco mais organi-zacional, e teve seu auge de or-ganização na década de 40 e 50,época em que Elói era presiden-te. Apesar de não morar na Ser-rinha, Elói frequentava suas ca-sas e festas e sua filha casou-secom o filho do influente Zacari-

as Oliveira, João de Oliveira, co-nhecido como João Gradim, ir-mão de Molequinho, Tia Mariado Jongo e D. Eulália. Seu genrofoi o primeiro presidente danova agremiação, e Mano Elói,como era chamado, não poupouesforços para que o Império Ser-rano se impusesse, desde o pri-meiro momento, como uma es-cola nova e diferente.

Na década de 50, havia no lo-cal uma peculiar concentraçãode artistas, como o genial Silasde Oliveira (“inventor do samba-enredo”), Dona Ivone Lara,Mano Décio da Viola, AnicetoMenezes, Molequinho, Darcy doJongo, além de Mano Elói. Du-

A atmosfera nacomunidade, por voltados anos 40, queconjugava organizaçãosindical, cultura populartradicional e renda,gerou um ambientepropício para asassociaçõescomunitáriasprincipalmente de basecultural. Era através dosencontros festivos eeventos comunitáriosque, aos poucos, osmoradores iam searticulando econquistando direitospara a comunidade

1- Aniceto Menezes (1912-1993), o Aniceto do Império,nasceu no bairro do Estácio eera considerado o maior impro-visador da história do sambacarioca. Fundou o Império Ser-rano com Mestre Fuleiro e Mo-lequinho, sendo orador da es-cola. Certa vez, na década de70, foi desafiado por um jovemsambista e sua mãe a improvi-sar versos na quadra do BlocoCarnavalesco Cara de Boi, noMaracanã. Em poucos minutos,mãe e filho foram “massacra-dos” pelas inúmeras rimas cria-tivas de Aniceto que passou en-tão a pedir temas para a pla-teia. Ficou a noite toda impro-visando. O genial artista, con-tudo, lançou seu primeiro LP,“Quem samba fica”, apenascom 65 anos.

2- Antenor dos Santos nasceuem Minas Gerais e faleceu noRio de Janeiro. Era famoso naSerrinha por “dar” o jongo nodia 29 de junho, dia de São Pe-dro.

3- Baiano de Santo Amaro, Dé-

cio Antônio Carlos (1909-1984),o Mano Décio da Viola, ainda pe-queno mudou-se para o Rio deJaneiro. Morou no Morros de San-to Antônio e, em seguida, no Mor-ro do Castelo. Foi um típico meni-no de rua do centro da cidade:dormiu ao relento, vendeu água,jornal, bilhetes e foi morar de fa-vor com uma família no Catumbi.Frequentou as principais rodas desamba da cidade até gravar seuprimeiro samba “Vem, meu amor”e ficar conhecido na cidade nadécada de 1930. Suas primeirasmúsicas, como a de outros com-positores populares, eram vendi-das para que pudesse sobreviver.

4- Antônio dos Santos (1911-1997), o Fuleiro, nasceu no bair-ro do Andaraí, no Rio de Janei-ro, filho de Paulino dos Santose Teresa Benta dos Santos, aVovó Teresa, jongueira do tem-po do cativeiro que faleceu em1979 com 115 anos de idade.Vovó Teresa fora empregadadoméstica do marechal Deodo-ro da Fonseca. Mestre Fuleiroficou famoso no mundo do sam-ba como Mestre de Harmoniado Império Serrano.

rante este período, aumentaramconsideravelmente as importa-ções e exportações brasileiras,fazendo com que houvesse “maistrabalho do que trabalhador no

sindicato e consequentementemais dinheiro em caixa.

*Coordenadora executivado Jongo da Serrinha.

Sebastião Molequinho: fundador do Império Serrano,carteirinha número 1 da escola, irmão de Tia Maria do Jongo

Comunidade da Serrinha: registro da última festa junina organizada pela ONG Jongo da Serrinha

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Cultura Vem para portela Iá Iá, Vem para Portela Iô Iô, terás o céu, amor e paz no coração

Roberto Ponciano*

No próximo dia 10 de dezem-bro os tambores vão soar fortena 19ª Edição do Botequim doSisejufe.

A Velha Guarda da Portela, amais tradicional do Rio de Janei-ro, e o cantor e compositor Mar-quinhos de Oswaldo Cruz, umdos idealizadores do Trem doSamba e do Dia Nacional doSamba, vão nos levar “numaonda que corta a avenida de es-pumas e nos arrasta a sambar”.

No GRES Sisejufe, que terá seuensaio na Associação dos Em-pregados do Comércio [Av. RioBranco, 120].

O Encontro da Família Porte-lense, com a famosa Feijoada daTia Surica, resgatou o samba dequadra no Rio de Janeiro e in-centivou a que Mangueira, Im-pério Serrano e Salgueiro fizes-sem também sambas de quadracom suas Velhas Guardas.

Marquinhos foi um dos artífi-ces desta retomada, que surgiuem 2000. Numa conversa docompositor com sua esposa De-nise e alguns amigos e amigasportelenses, foi lançada a ideiado resgate da Família Portelen-se através da feijoada. Segundoo próprio Marquinhos, em en-trevista concedida ao portal Por-tela Web: “A ideia inicial era reu-nir os antigos e os novos porte-lenses. Conversei com “seu” Car-los (Carlinhos Maracanã – expresidente da escola) e falei quedeveríamos convidar a VelhaGuarda para abrir a feijoada”.

Com a concordância do presi-dente, Marquinhos de OswaldoCruz, sua esposa Denise e ÁureaMartins (também da Velha Guar-da e que estampa a capa destanossa edição de fim de ano) fo-

Uma noite em Azul e Branco

Encontro da Família Portelenseserá na quadra do GRES Sisejufe

ram de casa em casa reunindoas pessoas para a primeira feijo-ada. No primeiro dia foi um even-to “pequeno” que reuniu 300,400 pessoas, todos de azul ebranco, e alguns choraram.Hoje reúne milhares e ocupa oPortelão.

Este evento foi uma espécie deretomada do samba de quadracarioca, aquele que os compo-sitores da escola faziam duran-te a semana e levavam na qua-dra para cantar com a comuni-dade. Deu tão certo que, alémdas outras feijoadas de escolastradicionais, também existe umconcurso anual de samba dequadra.

Hoje o Encontro da FamíliaPortelense é um território depertencimento onde se cele-bram a raiz e a tradição. Re-centemente Monarco e Mar-quinhos fizeram um chama-

mento a todos os portelensespela preservação das tradiçõesda Feijoada da Família Porte-lense e respeito “ao territóriosagrado do samba”.

Marquinhos diz que aprendeuque “o respeito aos mais velhose às tradições é fundamental nosamba”. E prossegue: “A grandemaioria que vem à quadra, prin-cipalmente de longe, vem paraver a Velha Guarda. Ela é a atra-ção principal. Um lugar, umaescola que deu Paulo da Portela,Alvaiade, Manacéia, Candeia,Monarco e tantos outros temque ser respeitada. A importân-cia dessa localidade e da insti-tuição Portela para a história dosamba é incontestável. Por issoo “território sagrado do samba”.(...) A Portela é referência e devecontinuar sendo, inclusive paratodas as outras feijoadas que vi-eram depois. (...) A Portela ainda

é, principalmente na pessoa demestre Monarco, referênciaquando se fala em tradição dosamba. Monarco e a Velha Guar-da da Portela. Monarco é hoje oque Paulo foi naquele momentode fundação da Escola. Que oCandeia também foi depois.”

Este tipo de samba, tradicio-nal e requintado, joia rara, seráo ponto alto de nossa festa defim de ano. Venha celebrarnossa cultura e identidade co-nosco.

“Abram alas, deixem a Portelapassar, é voz que não se cala, écanto de alegria no ar!”

Certamente você conhece umsamba da Velha Guarda e nemsabe que conhece... veja trechosde alguns deles: Numa estradadesta vida eu te conheci, ó flor...Quero viver como um passari-nho... Leva um recado a quemme deu tanto dissabor... Deixe-me ir preciso andar, vou por aí aprocurar rir para não chorar...Eu sou o samba! A voz do morrosou eu mesmo sim senhor... Sealguém perguntar por mim, dizque fui por aí... Portela é umafamília reunida, falo de cabeçaerguida com grande satisfação...Abre a janela formosa mulher,cantava o poeta cantador... Pelaporta aberta de um coraçãomagoado... Eu quis te dar umgrande amor, mas você não seacostumou a vida de um lar, oque você quer é vadiar... Vousambar na Portela em plena ave-nida, libertar a alegria oprimidada vida.

Para terminar, fica o convite:vem para Portela Iá Iá, vem paraPortela Iô Iô, terás o céu de amore paz no coração!

Convites à venda no Sisejufe – Festa 10 dedezembro, a partir das 19h30min, na Galeriados Empregados do Comércio, Av. Rio Branco120 – 2º andar. R$ 20 para sindicalizadose R$ 20 para acompanhante de sindicalizado.R$ 40 para não sindicalizados

*Diretor do Sisejufe.

Foto: Henri Figueiredo

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Zumbi, o Almirante e a Consciência NegraMaria Júlia Nogueira*

Neste ano, no mês de novem-bro, além do Dia Nacional daConsciência Negra, dia 20, esta-remos comemorando, no dia 22os 100 anos da Revolta da Chi-bata, liderada pelo Almirante Ne-gro, João Cândido Felizberto. Arebelião foi desencadeada pormelhores salários e contra oscastigos corporais na Marinha,e conseguiu acabar com um dosgrandes símbolos da escravidão– que perdurava 32 anos após aassinatura da Lei Áurea –, ape-sar de ter sido violentamente re-primida pelas autoridades, quedescumpriram a palavra empe-nhada nas negociações.

Esta data deve entrar para ocalendário sindical, pois certa-mente foi um dos mais signifi-cativos movimentos de traba-lhadores brasileiros que se or-ganizaram para lutar por me-lhores condições de vida, salá-rios e dignidade, marcando de-finitivamente o fim do modeloescravista nas relações de tra-balho a partir da concepção queos trabalhadores são sujeitosde direitos.

A legislação trabalhista forma-lizada por Getúlio Vargas, a par-tir das demandas dos comunis-tas e anarquistas, organizadosem sindicatos, certamente so-freu influência dos avanços pro-tagonizados pelos marinheirosnegros que ousaram enfrentaras elites republicanas e defen-der seus direitos.

Os trabalhadores e trabalha-doras do Brasil encerram o anode 2010 com um balanço posi-tivo: mês a mês o desempregodiminuiu, acelera-se a ascensãosocial de parcelas imensas dapopulação, os programas soci-ais tiram milhões da miséria e osinserem no mercado consumi-dor. Milhares de filhos de traba-lhadores chegaram às universi-dades através do ProUni, o êxo-do rural diminuiu porque o Pro-

Questão Racial Em 22 de novembro, se comemora o centenário da Revolta da Chibata

naf permite o desenvolvimentoda agricultura familiar, a indús-tria, a construção civil, o comér-cio, os serviços batem recordesde crescimento em contratações.

Negros e brancos que lutamcontra o racismo têm na apro-vação do Estatuto da IgualdadeRacial uma razão a mais paracomemorar. Embora esta nãoseja a lei dos nossos sonhos, nãohá como negar que significouimportante avanço na luta con-tra o racismo e pela promoçãoda igualdade racial.

Nem tudo são flores, entretan-to. A cada conquista em direçãoa um país mais justo e igualitá-rio, há a reação dos grupos so-ciais secularmente beneficiadospelo Estado, pela exploração dotrabalho escravo e discrimina-ção à que os negros foram sub-metidos desde a abolição, quereagem de forma violenta, ten-tando de todas as formas impe-dir qualquer avanço.

O comportamento destes se-tores no debate a respeito dascotas, na aprovação do Estatutoda Igualdade Racial e na oposi-ção que fazem aos programas

sociais, dá a medida do quantoestão decididos a perpetuaremas diferenças, discriminações,injustiças e o abismo social en-tre negros e brancos que, desdeos tempos coloniais, são as mar-cas do nosso país.

Ao rememorarmos os 100anos da Revolta da Chibata e os315 anos da Morte de Zumbi dosPalmares, temos que estar cons-cientes que muito ainda preci-samos conquistar e que a lutapor um país sem nenhum tipode discriminação é longo e difí-cil, pois quem se beneficia dasinjustiças lança mão de todas asarmas possíveis para manterseus privilégios.

Um exemplo disso foi a limi-nar solicitada e obtida pela Ci-esp, presidida por Paulo Skaf,suspendendo o feriado do dia20 de novembro na cidade deSão Paulo para todas as suas 10mil empresas associadas. A de-cisão foi do desembargador Ve-nício Sales, do Tribunal de Justi-ça de São Paulo. Na cidade deGuarulhos, ação semelhante à deSão Paulo suspendeu o feriadodesde 2007. A Prefeitura da ci-

dade recorreu, mas o julgamen-to de mérito até hoje ainda nãofoi realizado.

Tal liminar ameaça o feriadoem todos os lugares onde ele foiconquistado.

Que o espírito de Zumbi e JoãoCândido ilumine nossas cabeçaspara que a luta contra a discri-minação racial cresça e sejaabraçada por todo o movimen-to sindical, por todo homem emulher que sonha e constrói umpaís melhor.

Ao rememorarmosos 100 anos daRevolta da Chibatae os 315 anos daMorte de Zumbidos Palmares,temos que estarconscientes quemuito aindaprecisamosconquistar e que aluta por um paíssem nenhum tipode discriminação élonga e difícil, poisquem se beneficiadas injustiçaslança mão detodas as armaspossíveis paramanter seusprivilégios

*Secretária Nacional deCombate ao Racismo da CUT.

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28 Ano IV – número 31 – novembro e dezembro 2010http://sisejufe.org.br

ANÁLISE

Monteiro Lobato, o racismoe uma falsa polêmica

Nossa indústria de escândalos precisa de urgente renovação.Depois do “Ministério da Educação acéfalo” que só acertouem 99,94% das provas do ENEM, há uma polêmica sobreMonteiro Lobato que, aliás, será do agrado dos quereclamam do Fla x Flu entre lulismo e antilulismo. Desta feita,há governistas e oposicionistas em ambos os lados dapolêmica. Isto não a torna, evidentemente, mais interessante

Idelber Avelar* mo explícito, ódio a povos oua orientações sexuais etc.,sancionadas e apresentadascomo normais no contextoem que a obra foi escrita ouno interior dela (e qual é a re-lação entre obra e contextoem cada caso, claro, é um vas-to problema), sejam lidos cri-ticamente e não replicadoscomo modelo pelos alunos.Não é tão fácil como parece.No caso de Monteiro Lobato,é imensamente difícil.

O deputado Aldo Rebelo diz:“Se o disparate prosperar, ne-nhuma grande obra será lidapor nossos estudantes, a nãoser que aguilhoada pela restri-ção da ‘nota explicativa’ — acomeçar da Bíblia, com suasnumerosas passagens acercada “submissão da mulher”, edos livros de José de Alencar,Machado de Assis e Gracilia-no Ramos; dos de Nelson Ro-drigues, nem se fale. Em to-dos cintilam trechos politica-mente incorretos”.

O deputado Aldo Rebelo vivenum mundo onde todas asdiscussões acerca da culturase dão num terreno ameaça-do, pelo estrangeirismo ou

pelo politicamente correto. Odeputado tem uma concepçãoestática, patrimonialista decultura nacional. Para ele, opassado é uma coleção de sa-cralidades intocáveis. É ooposto de uma concepçãobenjaminiana acerca do que éo pretérito.

A comparação feita porAldo, entre Lobato e NelsonRodrigues, é estapafúrdia, porignorar o contexto em que sefaz o pedido de parecer aoMEC: o da obra “Caçadas dePedrinho” em salas de aulasdo ensino fundamental e mé-dio. Ora, salvo engano meu,não há garotos de 4º ou 5º anolendo “Vestido de noiva” ou“Bonitinha, mas ordinária”nas escolas públicas ou parti-culares brasileiras. Se eles seintroduzem à obra de Nelsonna adolescência tardia ou de-pois, na faculdade, essa situa-ção não tem nada em comum,entendamos, com um garotonegro ou mulato de 10 ou 11anos de idade sendo introdu-zido social, coletivamente àpesada linguagem racista quese encontra em parte da obrade Monteiro Lobato. Tenho

tentado ser contido mas, comvossa permissão, sugiro quesó uma besta-quadrada ou ummalintencionado não enxergaisso.

Pois muito bem, dados osfatos de que 1) Monteiro Lo-bato é peça chave da nossa tra-dição literária, especialmentecanônico e fundacional para aliteratura infantil; 2) uma obracomo “Caçadas de Pedrinho”está eivada de linguagem pe-sadamente racista; 3) essa lin-guagem não vem de um “vi-lão” da história depois puni-do, mas é sancionada pelaobra, posto que enunciadapor Emília, a personagem que-rida, central, convidativa àidentificação; coloca-se aí umproblema nada simples para oeducador. Quem acha que ésimples que faça, por gentile-za, o exercício de imaginar al-guns dos trechos animalizado-res de negros, citados peloSergio Leo, numa sala de aulacom, digamos, 20 ou 22 cri-anças brancas ou branco mes-tiças e 3 ou 4 crianças negrasou negro mestiças. Imagine,monte seu plano de aula e meconte. É uma situação que

Aldo Rebelo, o professorDeonísio da Silva, AugustoNunes e dezenas de tuiteirosfizeram uma tempestadenuma xícara d’água contra umasuposta “censura” sofridapelo autor de Urupês. Em co-mum entre todos eles, a au-sência de qualquer citação doparecer que foi pedido aoMEC sobre “Caçadas de Pedri-nho” (ou, no caso de Aldo, apresença de citações distor-cidas do texto). O blogueirodo Serra, que eu saiba, aindanão surtou com o tema, masnão duvide. Se, depois de leralgo da obra infantil de Loba-to, você ler o parecer do MECsobre o tema, perceberá apobreza da indústria do es-cândalo.

O pedido de parecer recebi-do pelo MEC se relaciona comalgo comum no ensino deobras literárias, em especialpara jovens ou crianças: a con-textualização necessária paraque epítetos, comportamen-tos discriminatórios, racis-

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Ano IV – número 31 – novembro e dezembro 2010 29http://sisejufe.org.br

tem o potencial de ser tre-mendamente traumática paraa criança.

O que fazer, então? Nin-guém, em nenhum momento,falou em “proibir” ou “censu-rar” Lobato. Em nenhum mo-mento se falou sequer deemendar o texto de Lobato,coisa com a qual eu, particu-larmente, não teria grandesproblemas, desde que fossebem feito.

Na verdade, basta ler o raiodo parecer do MEC para verque, concorde-se com o tex-to ou não, ele está escritodentro de um espírito razoá-vel: fornecer ao educador ins-trumentos (introdução, notasao pé de página etc.) que con-textualizem epítetos e carac-terizações que hoje são ina-ceitáveis em nossa interaçãosocial. O parecer não está es-crito em jargão de especialis-ta, mas está informado pelaleitura de alguns dos melho-res estudiosos de recepção

de misoginia pode ser lido deforma feminista, emancipató-ria. Mas estas duas últimastarefas, em sala de aula, sãomenos explosivas e comple-xas que a primeira, posto queno caso de Lobato você estálidando com garotos de 10, 11anos de idade.

Um aparato de notas é o mí-nimo a que um professor temdireito para trabalhar com asperorações racistas de Emí-lia numa sala de aula do sécu-lo XXI. Inventemos escânda-los mais inteligentes. Aque-les baseados na sacralizaçãodos documentos de culturapassados estão ficando meiotediosos.

Suponho estar óbvio que oparecer do MEC sequer deses-timula (que dirá proíbe) a ado-ção de “Caçadas de Pedrinho”ou de qualquer outra obra deLobato. (...). De minha parte,eu não sei se adotaria o livroou não. Optei por dar aulaspara adultos, em parte, para

Nenhuma obra literária estácompletamente “solta”, “livre” dos valoresde sua época e nenhuma grande obra ésimplesmente um reflexo desses valorestampouco. Cada obra rearticula, reescreve,chacoalha, reinterpreta os valores de seutempo. Em outras palavras, o mesmoMonteiro Lobato cujos diálogos estãoeivados de racismo pode servir paraquestionar o racismo. O mesmo Conradque está encharcado de colonialismopode servir para questionar a empreitadacolonial. O mesmo Nelson Rodrigues queestá empapado de misoginia pode ser lidode forma feminista, emancipatória. Masestas duas últimas tarefas, em sala deaula, são menos explosivas e complexasque a primeira, posto que no caso deLobato você está lidando com garotosde 10, 11 anos de idade

de obras literárias no Brasil,como Marisa Lajolo (que, alémde ser estudiosa de estéticada recepção, é autora de umartigo importante sobre onegro em Lobato).

O parecer explica, em lin-guagem clara, algo que é am-plamente consensual entreestudiosos de literatura: quenenhuma obra literária estácompletamente “solta”, “li-vre” dos valores de sua épocae que nenhuma grande obra ésimplesmente um reflexodesses valores tampouco.Cada obra rearticula, reescre-ve, chacoalha, reinterpreta osvalores de seu tempo. Em ou-tras palavras, o mesmo Mon-teiro Lobato cujos diálogosestão eivados de racismopode servir para questionar oracismo. O mesmo Conradque está encharcado de colo-nialismo pode servir paraquestionar a empreitada co-lonial. O mesmo Nelson Ro-drigues que está empapado

não ter que tomar decisõescomo esta (como sou um ho-mem de muitos vícios, prefi-ro lecionar para gente que jáadquiriu algum). Eu provavel-mente não a adotaria numcontexto em que os garotosnegros fossem pequena mino-ria em sala de aula. Eu estariamais à vontade para adotá-la(porque Lobato realmente émuito bom) se eu sentisseque estou equipado para tor-nar o texto um instrumentode debate do próprio racis-mo. É sempre caso a caso. Oparecer do MEC não substituia decisão de cada professor.Só oferece elementos parasubsidiá-la.

*Professor, Dept. of Spanishand Portuguese – Tulane

University – New Orleans.A íntegra deste texto

com todos os linkssugeridos pelo autor em

http://migre.me/2jeVC.

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30 Ano IV – número 31 – novembro e dezembro 2010http://sisejufe.org.br

Prendam a EmíAh, Stanislaw, que saudade,

Stanislaw! Que falta que você,Sérgio Porto, e o Aparício, nossogrande Barão de Itararé nos fa-zem. Com todos estes comedian-tes reacionários que só sabemfazer piadas de direita contra oBolsa Família, vocês dois, libertá-rios, teriam material de sobra,não só na política, mas dos pró-prios “humoristas” sem imagina-ção e sem alma para fazer piadasdaquelas de se gargalhar no ve-lório. Queria ver vocês se empa-turrando no anedotário com aúltima falsa polêmica da políticanacional.

Não digo do relatório do MEC,que nada falou de demais, aocontrário, apenas contextualizouo ensino de Monteiro Lobato emsua época histórica, mas digo dabatalha sobre ele que depois so-breveio. A batalha sobre o supos-to racismo de Monteiro Lobatopreencheu o noticiário da im-prensa, na falta de coisa melhorpara falar, subiu a tribuna do ple-nário da Câmara, e misturou, emambos os lados, comunistas, an-ticomunistas, liberais, pós-libe-rais, antitudo, a favor de tudo,pós-modernos, pós-socialistas,pós-macumbeiros, anti-escotei-ros, fazendo uma bandalheira nacabeça de muita gente. Isso deveestar fazendo que muita mãe fujados livros do bom Lobato comoevangélico foge de despacho naencruzilhada!

Nos momentos de ardor patri-ótico do bom Aldo Rebelo, defen-dendo arduamente Lobato daproibição que não houve, eu che-guei mesmo a pensar naquelesmomentos de galhofa do Febea-pá, quando uma determinada Câ-mara dos Vereadores tentou re-vogar a lei da gravidade.

Do outro lado, num treslouca-do ataque a Lobato, alguns pa-trulheiros de plantão estão dis-

postos a criar o socialismo eu-gênico. Já que não consegui-mos criar o socialismo na práti-ca, ao menos pratiquemos aTcheca Stalinista. Nossos bonspatrulheiros vermelhos, depoisde denunciarem Chico por ma-chismo, porque em “A Ópera doMalandro” o personagem prin-cipal é um cafajeste que roubae usa o dinheiro da mulher ex-plorada, agora querem libertarTia Nastácia da cozinha. Temgente que quer um mundo ver-melho, quer o paraíso marxista,com todo mundo vestido deanjinho e entoando a Internaci-onal.

Vamos regenerar o Max, per-sonagem malandro da Ópera:ele só vai tomar todinho, vai sefiliar ao PCB, vai tratar a prosti-

tuta Margot (que agora com cer-teza não seria mais uma prosti-tuta, mas uma camarada soció-loga ou assistente social forma-da via ProUni) de “meu amor”,sem nunca encostar a mão nelae nunca conhecerá outra mu-lher, afinal adultério é machis-mo, e nenhum militante do mo-vimento social trai sua camara-da – são mais fiéis que os funda-mentalistas do Opus Dei! Sexo,só com as camaradas vermelhas!Abaixo todo o machismo daobra de Chico, a Lapa boêmianunca existiu! Censure-se “Mu-lheres de Atenas”, símbolo mai-or do machista Chico (por maisque em várias entrevistas Chicotente explicar mil vezes que oexemplo das mulheres de Ate-nas não era para ser seguido...

patrulhas ideológicas não en-tendem de sarcasmo e ironia).

Fica muito parecido com a idi-otice da ditadura militar que noauge do AI-5 mandava censurar“O vermelho e o negro” de Sten-dhal (vermelho e negro só podeser livro anarco-comunista!),censurava Eurípides e exaravaordem de prisão contra um talde Aristófanes, que tenta subver-ter a moral e os bons costumes!Mas bastava Chico mudar seunome para Julinho da Adelaidee todas as suas músicas eram li-beradas!

Mostrar as contradições dasociedade nunca foi racismo,varrer para debaixo do tapete,sim. Construir um paraíso noimaginário, aliás projeto já so-nhado desde Platão, que na sua

Fulgêncio Mostrar as contradições da sociedade nunca foi racismo, varrer para de

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ília!

sociedade totalitária de a Repú-blica queria censurar Homero!

Daqui a pouco vai sair umaordem de prisão para Emília, quealém de tudo é símbolo machis-ta. Afinal de contas, ser bonecaexalta o caráter submisso femi-nino. Emília será mandada parauma plantação de repolhos naqual fará reeducação ideológi-ca e recitará Marx e Lênin. O Vis-conde de Sabugosa vai virar ca-marada Sabugosa e vai entrarpara o MST. Dona Benta vai terseu sítio expropriado e será exi-lada em Miami junto com los gu-

sanitos de Fidel, tia Nastácia, res-gatada pelo poder do ProUniserá uma doutora socióloga, queescreverá sua tese sobre as pro-fundas mudanças advindas nocampo brasileiro, desde que

derrubamos o sítio do PicapauAmarelo e o transformamos nosítio do Picapau Vermelho Cole-tivizado. Quindim, Cuca e todosos outros bobos personagensdo imaginário popular serãosubstituídos pela leitura de “QueFazer” e assim entraremos todosno céu de Marx-Engels-Lênin.Tudo isto no Brasil agrário dadécada de 20 do século passa-do, que com certeza não tinhacozinheiras negras advindas daescravidão... eram todas precur-soras do feminismo irredentistado século 21!

Para findar, vamos reescrevera história, como o fez Stálinmandando pintar as fotos daRevolução para retirar Trotskydelas. Cartola? Nunca foi portei-ro ou lavador de carros, cama-rada Cartola, formado na Uni-versidade de Moscou, grandecompositor clássico, influencia-do por Beethoven, na verdade,era doutor em Ciências Sociais ena suas horas vagas fazia músi-ca popular revolucionária.

Sinceramente, a este patrulha-mento todo, ainda prefiro “Ca-çadas de Pedrinho!”

Dona Benta vaiter seu sítioexpropriado eserá exiladaem Miami juntocom losgusanitos deFidel, tiaNastácia,resgatada pelopoder doProUni seráuma doutorasocióloga

*Fulgêncio Pedra Branca éalcoólatra, hipocondríaco e escre-

ve de graça para esta página porfalta de coisa mais útil que fazer.

A exposição lógica, agradá-vel e sedutora que Regina He-lena Machado já exibira em es-crito anterior (Medida Provisó-ria ou a Medida do Poder, Rio,1997), investe, lá como aqui,em tema que domina com faci-lidade, embora a muitos assus-te: nada mais é a Constituiçãosenão instrumento jurídicoposto à disposição da Política.No atual estágio de nossa ain-da incipiente democracia, vê-se os detentores ocasionais doPoder (ainda que nele investi-dos pelo votopopular) viabili-zando juridica-mente, atravésde sucessivasemendas cons-titucionais, assuas ideologiasde concepçãodo Estado a ser-viço de postula-dos econômi-cos eventuais,aparentementeesquecidos de que a Constitui-ção não se resume ao texto.

As emendas constitucionaisdedicam-se, quase todas, à re-forma do aparato do Poder epouquíssimas portam instru-mentos para a efetivação dosdireitos fundamentais, estes,sim, as legítimas causas e finsdo Poder do Estado. A Consti-tuição está muito além do seutexto. Dela são extraídas pelooperador do Direito as normasde conduta dos agentes soci-ais – governantes ou não – nabusca da preservação dos va-lores da nacionalidade e da ci-dadania, estes somente ao al-cance dos membros da comu-nidade que podem compreen-der, ainda que superficialmen-te, o intrincado jogo do Poder.

Aqui se examina com profici-ência a crise do Estado, o neoli-beralismo, a globalização, a ex-

“Reforma do Estado ouReforma da Constituição?”

Regina Helena Machadotécnica judiciária aposentada do TRE

periência jurídica de outros pa-íses também em transição paraum patamar de democracia mui-to superior a este em que vive-mos. [Nagib Slaibi Filho]

UM DESAFIOO livro de Regina Helena Ma-

chado apresenta sobretudo umdesafio. Que tem por destina-tários não só os profissionais eestudiosos do Direito, mas so-bretudo todos os brasileiros ebrasileiras que tenham um mí-nimo de consciência da cida-

dania e do ideal delutar por mudan-ças que um dia vi-rão no rumo deuma Nação De-mocrática no sen-tido formal e nomaterial; em queo desenvolvimen-to e o progressosejam gozadospor todos e nãopor minorias pri-vilegiadas; em que

haja liberdade e livre mercado,mas limitada aquela e regula-do este em favor do interessecoletivo e do bem estar comum:em que o Povo, enfim, seja su-jeito da História, não apenaselegendo seus dirigentes empleitos isentos de fraudes e in-fluência do poder econômico,mas participando diuturna-mente da marcha do Estado,em todas as esferas, inclusivena vigilância e na cobrança dequem exerça autoridade emseu nome. Utopia? Sim. Masque vale a pena ser persegui-da. E, lendo-se com atenção aobra em berlinda, adquirir-se-ão preciosos elementos instru-mentais para o Bom Combate.[Luiz Felipe Haddad]

Dica Jurídica

O livro pode ser lido em: http://

jus.uol.com.br/revista/texto/

17116/reforma-do-estado-ou-

reforma-da-constituicao.

ebaixo do tapete, sim

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32 Ano IV – número 31 – novembro e dezembro 2010http://sisejufe.org.br

Movimento Sindical Central cobra maior interlocução com nova equipe econômica

Isaías Dalle*

Logo, a única alternativa é

ampliar os investimentos pú-

blicos em políticas sociais,

aprofundar a ação do Estado e

aplicar maciçamente recursos

no desenvolvimento de seto-

res como a educação e a saú-

de e na valorização permanen-

te do salário mínimo e da ren-

da dos trabalhadores.

A conclusão, resultado dos

debates realizados na manhã

do dia 30 de novembro, du-

rante a primeira parte da reu-

nião da Executiva Nacional da

CUT, contraria o discurso que

a equipe econômica do futu-

ro governo vem sustentando

nos últimos dias.

“Estamos ouvindo o discur-

so de que é preciso reduzir os

gastos de custeio, limitar os

investimentos nas políticas

publicas e sociais. Ao mesmo

tempo, a Dilma, que foi eleita

pelo povo brasileiro, prome-

te erradicar a miséria. Para

isso, tem de investir na edu-

cação, na saúde, tem de ter

Estado”, comentou o presi-

dente da Central, Artur Henri-

que, na abertura da análise de

conjuntura, que seria condu-

zida pelo coordenador técni-

co do Dieese, Clemente Ganz

Lúcio, logo depois.

“A Dilma não foi eleita para

CUT critica discurso de corte de gastos

fazer o mesmo. Ela foi eleita

para aprofundar as mudanças”,

afirmou ainda Artur. Portan-

to, a CUT deve cobrar do fu-

turo governo, desde já, a ga-

rantia de uma interlocução

permanente, um canal formal

de diálogo. “Queremos uma

outra forma de enxergar o

movimento social e sindical.

Eu não quero discutir só pau-

ta de reivindicações. Eu que-

ro discutir projeto de País.

Nós temos propostas. Quere-

mos ter influência política nos

rumos do desenvolvimento”,

disse o presidente da Central.

Crescimento no horizonte.E a distribuição?

Com o objetivo de disputar

os rumos do futuro governo,

Clemente Ganz Lúcio desafiou

a audiência a pensar num pro-

jeto de dez anos. E fez um

prognóstico: “Temos grande

chance de um crescimento

econômico continuado na

média de 4%, 4,5% ao ano. Se

acontecer, viveremos uma

experiência inédita: nunca ne-

nhum de nós viu isso aconte-

cer. Se isso se confirmar, nos-

sa renda média de 10 mil dóla-

res por ano poderá chegar a

20 mil dólares”.

Média, lembrou Clemente,

não quer dizer muito. “Se

nossa renda média é de 10 mil

dólares por ano, cadê a parte

da maioria?”, provocou. “Va-

mos querer chegar a esse ce-

nário dos próximos 10 anos

mantendo a concentração de

renda que temos hoje?”.

Para ele, na estratégia de

“pressão continuada” da CUT,

a educação pública deve ser

prioridade. “Não vamos nos

iludir com a possibilidade de

que os pobres façam revolu-

ção em suas vidas com uma

educação pobre. Do ponto de

vista de nossa estratégia, não

vejo nada em patamar mais

elevado”. Clemente lembrou

que o despertar da consciên-

cia de classe depende da edu-

cação popular de qualidade.

Brasil versus criseO coordenador técnico do

Dieese voltou a defender uma

estratégia de médio e longo

prazo da queda consistente da

taxa de juros como imprescin-

dível para mudanças necessá-

rias na questão do câmbio e

nos reflexos para uma políti-

ca industrial. Para ele, a ques-

tão do controle da inflação,

hoje exercido apenas pela taxa

básica de juros, deve ser en-

carada a partir de novos ins-

trumentos. Propôs como

exemplos a desindexação das

tarifas públicas e um progra-

ma de segurança alimentar.

A mudança macroeconômi-

ca é mais importante ainda se

observada a crise econômica

internacional e a onda direi-

tista que tenta varrer os direi-

tos dos trabalhadores em di-

versos países.

“Se o Brasil sobreviveu à cri-

se, foi especialmente por ter

acreditado no fortalecimento

do mercado interno”, comen-

tou Clemente.

Fonte: Imprensa CUTRio.

42 ANOS DO AI-5

Democracia eliberdade sempre:CUT promove grandeato nacional no Rio

A manifestação, marcadapara a sede da ABI, às17h, acontece no dia 13de dezembro, em que ofamigerado AI-5 (AtoInstitucional nº 5), tidocomo o golpe dentro dogolpe, completa 42 anos.Durante o evento, serálançado o Prêmio CUT-Democracia e LiberdadeSempre, através do qual acentral, todos os anos,sempre dia 13 dedezembro, homenagearápersonalidades eentidades destacadas naluta contra a opressão eem defesa da democracia.A CUT Nacional decidiurealizar a manifestaçãoem reunião de suaExecutiva Nacional,realizada dias 17 e 18deste mês. A direção dacentral consideroufundamental dar umaresposta à onda deataques da mídia e dossetores conservadores dasociedade contra a geraçãode brasileiros e brasileirasque, com coragem eabnegação, resistiu àditadura, muitas vezescom o sacrifícioda própria vida.

A eleição de Dilma Rousseff foiconduzida pela esperança deaprofundar as mudanças. Entre asexpectativas para o futuro governo,uma vem das promessas que aprópria Dilma fez: erradicara miséria do Brasil até 2014

*Imprensa CUT Nacional.

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Ano IV – número 31 – novembro e dezembro 2010 33http://sisejufe.org.br

Movimento Social Geração de trabalho e renda também deve ser uma meta dos moradores

Tatiana Lima*

Quando Ideias em Revista che-gou na Ocupação Manoel Con-go, localizada na rua Alcino Gua-nabara, no centro do Rio, osmoradores estavam apreensivos.Uma carta da Petrobras haviachegado com a informação deque a ocupação perdera o pra-zo para entrega de documentosà empresa. Com isso, a verba deR$ 980 mil destinada à ManoelCongo não havia sido aprovada.Perder essa verba significaria ofim do sonho de autossustenta-bilidade de 42 famílias, partedelas com renda entre zero atrês salários mínimos.

Após consultar os advogadosda ONG Justiça Global, foi des-coberto que a carta se referia auma antiga matrícula. A verbapara a reforma do 1º andar doprédio, onde funcionará umcentro cultural e um restauran-te com gestão dos próprios mo-radores da Manoel Congo, estágarantida. Tudo não passou deum susto. O projeto de habita-ção, trabalho e renda do coleti-vo de moradores, integrantes doMovimento de Luta pela Mora-dia, está garantido.

Essa narrativa serve para ilus-trar que a luta das centenas debrasileiros sem teto é complexa.Um dos principais entraves paraprédios no centro urbano dascidades não serem destinados àmoradia – em especial para fa-mílias na faixa de renda de 0 a 3salários mínimos – é o argumen-to precoce de que os morado-res não terão condições de ar-car com os custos de manuten-ção do prédio: o pagamento decontas de água, luz, etc.

A luta dos movimentos de lutapela reforma urbana, não é so-mente por habitação, mas umprojeto urbanístico de cidadeque viabilize a uma real melhoranas condições de vida do traba-lhador, incluindo essas famíliasde fato no perímetro urbano. E

O teto chegou. Agora é preciso garantir o resto

isto passa, necessariamente, porgeração de renda, emprego ecidadania, além da moradia. “Areforma urbana é mobilidade,trabalho e ocupação. Isso é oque permite a permanência dasfamílias, porque todas precisamtrabalhar para se sustentarem ese locomover na cidade. E asoportunidades de emprego es-tão na região central”, explica amoradora Maria de Lourdes.

A assinatura do contrato decompra do imóvel, no dia 28 deoutubro, pelo governo estadu-al, enfim, chegou. Essa é a pri-meira vez que um prédio doINSS é adquirido por um gover-no estadual para ser destinadoà habitação no Brasil. “A organi-

zação, pressão constante e lutados moradores da Manoel Con-go mostraram ao governo quenão somos um grupinho de pes-soas sem teto. Somos 8 milhõesde brasileiros sem teto, trabalhoe cidadania. Somos o vácuo deanos de políticas públicas”, con-clui Maria de Lourdes.

Mas foi o resultado de umaluta constante das famílias. “Fo-ram três anos combatendo aburocracia dos mecanismos degoverno. Ocupamos o INSS, aSecretaria Nacional de Patrimô-nio e União, a Caixa Econômica,a conferencia do Ministério dasCidades, as ruas, enfim. Essa as-sinatura resulta do esforço deum coletivo que tem o objetivo

Pela primeira vez, um

prédio do INSS foi

adquirido por um governo

estadual para ser destinado

à habitação no Brasil. “A

organização, pressão

constante e luta dos

moradores da ocupação

Manoel Congo mostraram

ao governo que não somos

um grupinho de pessoas

sem teto. Somos 8 milhões

de brasileiros sem teto,

trabalho e cidadania.

Somos o vácuo de anos de

políticas públicas”, diz a

moradora Maria de Lourdes

Fotos: Coletivo de Comunicação Assentamento Urbano Utopia e Luta

Prédio Alcindo Guanabara, na Cinelândia,ocupado há três anos por 42 famílias sem teto

não de lutar por lutar. Mas delutar e conquistar”, ressalta Ma-ria de Lourdes, moradora daocupação Manoel Congo e inte-grante do Movimento Nacionalde Luta pela Moradia (MNLM).

No total, a compra e reformado prédio Alcino Guanabara,onde fica a ocupação está orça-da em R$ 2 milhões. A ocupaçãorecebeu verbas do governo fe-deral (R$ 700 mil), e do governoestadual (R$ 1,3 milhão). Porém,no projeto governamental nãohá destinação de verba para areforma do 1º andar, onde fun-cionará o restaurante e o cen-tro cultural que está no projetoda ocupação Manoel Congo. Emdecorrência desta falta do recur-so, o governo não concluía oprocesso de compra do imóvel.O argumento era que apenasquando todo o orçamento parareforma estivesse garantido, oprédio poderia ser adquirido.Por isso, o coletivo de morado-res através do edital do Progra-ma de Cidadania e Renda da Pe-trobras, tentaram conseguir orestante do dinheiro necessáriopara execução das obras.

Lourdes fala aos moradores em ato na CEF, em 28 de outubro *Da Redação.

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34 Ano IV – número 31 – novembro e dezembro 2010http://sisejufe.org.br

D E M O C R AT I Z A Ç Ã O D A C O M U N I C A Ç Ã O

Encontro da Associação Mundial de Rádios Comunitáriasdiscute a criminalização das rádios no mundo

Tatiana Lima*

Treze de novembro de 2010, LaPlata, Argentina. A Décima Confe-rência Mundial das Rádios Comuni-tárias (Amarc10), cujo tema foi “De-mocratizando a palavra para demo-cratizar a sociedade”, termina e con-clui: a criminalização das rádios co-munitárias a partir do monopólio dascomunicações ocorre em todo omundo. De diversas formas, seja naÁfrica, Ásia-Pacífico, Europa ou nasAméricas, o direito humano à comu-nicação é negado. Durante cinco dias,de 8 a 13 de novembro, essa e outrasrealidades foram a tônica das inter-venções de mais de 600 radiodifuso-res, que participaram da conferên-cia. O relator da ONU, Frank La Rue,defendeu o direito à comunicação ecriticou o castigo penal a radialistas.Para ele, o Estado tem que regular osmeios de comunicações de maneiraigualitária com garantias de partici-pação para todos os atores. “O usonão autorizado de frequências acon-tece porque o Estado não reguloucom base nos princípios de igualda-de e justiça”, afirmou La Rue.

O relator da ONU considerou ina-ceitável que um comunicador noMéxico tenha sido sentenciado hádois anos de prisão. “É inaceitávelque alguém seja julgado e condena-do por exercer a liberdade da expres-são. Isto é o regresso à inquisição daIdade Média”, afirmou.

Maria Pia Matta, primeira mulhere cidadã latino-americana eleita emassembleia realizada na conferênciapara a presidência do conselho daAssociação Mundial das Rádios Co-munitárias (Amarc), apelou para umamaior solidariedade com as emisso-ras perseguidas em vários países.“Em todo o mundo os representan-tes de rádios comunitárias, indepen-dentes e livres são criminalizados eperseguidos. Os meios comunitári-os permitem visibilizar as relaçõesde poder presentes na sociedade.Sãos essenciais ao direito humano acomunicação”, disse Maria.

O direito à comunicação e à liber-dade de expressão consta no Artigo 19da Declaração Universal dos DireitosHumanos. Na prática, o monopólio dascomunicações, especialmente na Amé-rica Latina, cerceia esse direito.

MonopólioA enorme concentração de emis-

soras de rádios e TVs nas mãos depoucos é um dos grandes problemasquando o assunto é liberdade de ex-pressão. Essa é a opinião do relatorespecial da ONU sobre Direito à Li-berdade de Opinião e Expressão.Para Frank La Rue, são três os desafi-os ao direito à comunicação nesteséculo.

Na avaliação do relator, é necessá-rio mudar legislações que censuram,acabar com a perseguição aos jorna-listas e instalar o princípio da plurali-dade e da universalidade na comuni-cação. O maior entrave para isso, afir-mou La Rue, é a concentração de ve-ículos. O conceito de liberdade deimprensa é praticamente um consen-so no mundo, mas não inclui os radi-odifusores comunitários. Porém, LaRue alertou que é necessário com-preender que a liberdade de expres-são é direito individual e também édireito dos grupos.

Para ele, quando um grupo nãoconsegue acessar um meio de comu-nicação, muitos direitos são nega-dos. Por exemplo, se os povos indí-genas não podem se expressar emsua língua vão perder o direito a man-ter a cultura tradicional. O relator éresponsável por receber denúnciassobre violações ao direito à comuni-cação e relatar os casos em um infor-me anual aos governos sobre liber-dade de expressão. O problema dacriminalização dos radiodifusores. Éuma realidade no Brasil que se repe-te em outros países. O relator da ONUdefende o estado como regulador nacomunicação. Mas afirma que as san-ções deveriam ser definidas peloDireito Civil e não como crimes, pormeio do Direito Penal.

Frank La Rue opinou que as rádioscomunitárias não devem ter um pa-pel menor na radiodifusão. E essefato passa pelo direito de transmitirem potência igual a das rádios públi-cas e comerciais. Por isso, as leis nãodeveriam determinar um limite emprincípio. No Brasil, a potência máxi-ma é de 25Watts. Na Bolívia é de50Watts. E a nova lei de meios apro-vada no Chile, delimitou 90% do es-pectro para as rádios comerciais eapenas10% para as rádios comunitá-rias. Na Conferência de Comunicaçãorealizada em 2009, no Brasil, a rup-

tura do monopólio das comunica-ções foi exposto como uma necessi-dade por entidades de direitos hu-manos e de comunicação.

Segundo o coordenador da Socie-dade de Animação e ComunicaçãoSocial (Saks) Sony Esteus, a concen-tração dos meios de comunicaçãoprejudica a circulação de informaçõesnos momentos de calamidade. Sonycontou que após o terremoto de ja-neiro no Haiti, as emissoras comer-ciais geraram desinformação e culpa-ram a população pelo desastre natu-ral. Para se ter ideia, chegavam a dizerque o desastre foi um castigo divinopelos pecados cometidos pela popu-lação. Segundo dados oficiais, no Hai-ti existem cerca de 290 meios de co-municação, entre rádios e TV. Dessas,somente 35 são comunitárias.

A nova Lei de Meios da Argentina,que foi tema em tantos debates, éposta como uma referência para ga-rantir a igualdade no resto do conti-nente e outras regiões da rede daAmarc. Pela lei argentina, o espectroé dividido de forma igualitária: 25%são para meios comercias, 25% parameios públicos e 25% para as comu-nitárias. Antes de ser aprovada pelossenadores, a nova lei foi intensamen-te discutida. Implementada, ela podetrazer modificações sensíveis nopanorama e ainda contagiar paísesvizinhos, como Brasil, a aprovaremdispositivos semelhantes que ata-quem oligopólios. A nova lei rece-beu o apoio de centenas de organi-zações sociais, de amplos setores dacultura, agremiações e universida-des, além da relatoria de Liberdadede Expressão da Organização dos Es-tados Americanos (OEA) e da Unes-co. Por isso, a lei argentina se tornouuma referência.

Comunicaçãoé um direito humano

A palestrante Maica Lagman, doprojeto Rainbow Rights, das Filipi-nas, contou que em seu país os mei-os comerciais apresentam uma visãodistorcida dos homossexuais. Estaprática reforça o preconceito já exis-tente na sociedade. As rádios comu-nitárias contribuem para quebraressa visão e possibilitam mais diálo-go com a sociedade. Emocionada,Maica Lagman reafirmou que é impor-

tante mostrar que os homossexuaissão pessoas comuns.

Já Margareth Sentamu, da rádiocomunitária Mama, da África, narroucomo o meio alternativo serve deinstrumento na luta das mulherescontra o machismo. Ela disse que emUganda as mulheres são despreza-das e só aparecem nos meios de co-municações comerciais quando sãovítimas de violência. O país tem 170rádios e apenas três são comunitári-as. Do total de 170 emissoras, só duassão administrada por mulheres.

O vice-presidente da Amarc Ásia-Pacífico, Ashish Sen, citou entremuitos exemplos de transformaçãona sociedade a partir da comunica-ção, uma rádio indiana construídapor mulheres dalits. Os dalits estavamabaixo do sistema social de castas naÍndia, impedidos de tocar pessoas deoutra casta. Com a rádio, as mulheresconseguiram recuperar as práticas deagricultura e alimentação que estavamperdendo. E assim revalorizaram ossaberes da sua comunidade, recupe-rando a identidade local.

João Malerba, presidente do con-selho da Amarc Brasil, acredita quediscutir a questão da centralidadedos meios de comunicação é o mes-mo que intervir diretamente no di-reito humano à comunicação. “É agarantia fundamental de todos direi-tos. Especialmente, das minorias,porque a comunicação mexe direta-mente na formação das consciênciasdos povos. E não é necessário garan-tir somente o direito à comunicação.As pessoas devem ter o direito de ser

Maria Pia: Nova presidente da AMARC

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Ano IV – número 31 – novembro e dezembro 2010 35http://sisejufe.org.br

informado e também de produzir in-formação”, enfatizou.

Para Pía Matta, “as rádios comuni-tárias têm o poder de radicalizar asdemocracias a partir da valorizaçãoda diversidade, que é a riqueza dademocracia”. Também enfatizou anecessidade de mostrar os conflitose os interesses em todo tipo de ma-nifestação. E conclui: “Devemos po-litizar as diferenças”.

Valéria Belozercovsky, da AmarcArgentina, disse que este é o momen-to de se comprometer “em recupe-rar o ar que pertence a todos e todas”.Citando o exemplo de uma mulhercomum, trabalhadora rural, que tam-bém participa em uma rádio comuni-tária, Valéria lembrou que as emis-soras visibilizam as pessoas e as co-munidades.

“Comunitárias”precisam ser comunitáriasA preocupação com o uso indevi-

do das rádios comunitárias e das suaspráticas, foi tema de preocupação dapesquisadora Maria Cristina Mata, daUniversidade Nacional de Córdoba,na Argentina. Para ela, quem nãopode se comunicar perde a identida-de. Por isso, as rádios comunitáriastêm um papel fundamental na vidadas pessoas e das comunidades.

Segundo ela, as emissoras têm opoder de recuperar e valorizar ossaberes tradicionais além de forta-lecerem as demandas do povoquando dão voz aos cidadãos. Ma-ria Cristina pontuou a importânciada comunicação para manter o po-der. Então, para ela é bom que exis-tam as rádios comunitárias quemostram os interesses e disputam

o poder com os meios empresariais.Contudo, a pesquisadora chamou

a atenção dos mais de 600 radialistaspara a diferença que existe entre dis-cursos e práticas. Maria Cristina en-fatizou o desafio da pluralidade paraque as rádios comunitárias não repi-tam as práticas das empresas de co-municação que tanto criticam. “Asrádios comunitárias precisam estaratentas aos movimentos sociais quesurgem e devem se dispor a dar visi-bilidade as suas lutas, a ser plurais”.A pesquisadora enfatizou que estediscurso é bastante aceito e fácil defazer. Mas alertou que não é semprea realidade. “É difícil abrir os micro-fones para os que têm ideias diferen-tes das nossas”, afirmou.

A radialista Benilde Nhalevilo, doFórum Nacional de Rádios Comuni-tárias de Moçambique, explicou quemuitas rádios comunitárias em seupaís, na prática, não são geridas pe-las comunidades. “Existem rádios naverdade que possuem lideranças ali-adas ao governo vigente. Dessa for-ma, você percebe no discurso queeles não representam a comunidadee sim um partido político. Assim, nãoé comunitária. É de um grupo de pes-soas”, adverte ela.

No Brasil, existem muitos casos derádios que se dizem comunitárias,mas são usadas por políticos e orga-nizações religiosas. O resultado éque a maioria delas acabam sendo tra-tados como rádios piratas tanto pelamídia quanto por setores da socieda-de. Pela legislação brasileira, umarádio pode demorar até 15 anos paraser legalizada.

Para o representante da Amarc-Brasil, João Malerba, um dos exem-

plos que podem explicitar a necessi-dade entre na prática o discuso decomunitária está no incentivo aoempoderamento das mulheres nasrádios. E a questão da sustentabili-dade, para ele, esta ligada diretamen-te nisso. “A mulher tem jornada du-pla, tripla na sociedade. A questão dovoluntariado nas rádios traz um pro-blema diretamente nisso. Porque amulher quer participar, mas ela játem uma jornada muita pesada. Se asrádios são autossustentáveis, o tra-balho da mulher pode ser a atuaçãona rádio. O voluntariado acaba impe-dido a participação da mulher”, con-clui. O novo conselho eleito durantea conferencia da Amarc, em assem-bleia tem 12 integrantes. Apenas trêssão mulheres.

Quarenta princípios parademocratizar a comunicação

A carta final da Amarc10 definiu 40princípios para a regularização das rá-dios comunitárias. Os pontos foramvotados por mais de 600 radialistas po-pulares. “As rádios comunitárias cons-troem um espaço público onde diferen-tes atores se expressam com o objeti-vo de acelerar as mudanças sociais eaprofundar a democracia”, diz o docu-mento. A carta também ressalta quepapel das rádios no desenvolvimentohumano e na inclusão de setores ex-cluídos como mulheres, campesinos epessoas com deficiência.

Como parte dos desafios, a pro-posta faz um alerta sobre a transiçãodigital: “As modificações nas tecno-logias não asseguram por si só a di-versidade e qualidade dos meios decomunicação. As possibilidadesoferecidas pela tecnologia não de-

vem gerar mais exclusão”, diz acarta da Amarc.

As propostas de declaração daAmarc10 aponta diretamente que“os governos da América Latina de-vem dar permissão ao funcionamen-to das rádios e parar com a persegui-ção penal contra a radiodifusão nãoautorizada porque esta é uma polí-tica repressiva que silencia os maisfrágeis”. O presidente da Autorida-de Federal de Serviços de Comuni-cação Audiovisual, Gabriel Mariot-to, afirmou que para garantir os di-reitos dos cidadãos de comunicar-se é preciso que a legitimidade dasrádios comunitárias vá de mão dadacom a legalidade.

Amarc atua em 110 paísesA Amarc é uma ONG internacional

que atua no movimento internacio-nal de rádios comunitárias. Possuicerca de 4 mil membros associadosem mais de 110 países. Seu objetivoé apoiar e contribuir para o desenvol-vimento da rádio comunitária e par-ticipativa, em consonância com osprincípios da solidariedade e da coo-peração internacional. Foi fundadaem 1983, em Montreal, no Canadá.

Esta é a primeira vez que se reali-za um encontro mundial da Amarc naAmérica do Sul. A expectativa é deque o ponto de vista das rádios daAmérica Latina influenciem aindamais a rede mundial a partir desteevento. As associadas também ele-gerão os novos cargos políticos narede da entidade.

Da Redação com informações

Valéria Belozercovsky,

da Amarc Argentina,

disse que este é o

momento de se

comprometer “em

recuperar o ar que

pertence a todos e

todas”. Citando o

exemplo de uma mulher

comum, trabalhadora

rural, que também

participa em uma rádio

comunitária, Valéria

lembrou que as

emissoras visibilizam

as pessoas e as

comunidades

da agência Pulsar.

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36 Ano IV – número 31 – novembro e dezembro 2010http://sisejufe.org.br

OPINIÃO

Contra a descaracterização daatividade de Oficial de Justiça

Paulo Roberto Tavela*

Um breve retrato da realidade do trabalhode um Oficial de Justiça na cidade do Riode Janeiro, escrito por um servidorhá 30 anos na função

ber jurídico que cada questãode per si o exige, sem ser desu-mano.

Ainda, importa dizer que é oOficial de Justiça um dos sujei-tos da relação jurídica proces-sual, cujas responsabilidadesmais se aproximam das do Juiz,certo que o representa no tra-balho de campo, trabalhandosozinho, à maioria das vezes lon-ge do fórum, com pessoas dosmais variados níveis sociais, ten-do que ter uma série de qualida-des para poder desempenharcom exatidão suas obrigações.Tudo sem falar na periculosida-de, mormente quando adentraem favelas, fato comprovado in-clusive por mim (acredito quetambém por outros colegas). Noexercício da função, já fui assal-tado duas vezes, além de ter sidopor diversas vezes interpeladopor marginais armados quandoem diligência.

Congratulo-me com toda aclasse dos Oficiais de Justiça Ava-liadores (OJA), em especial, os daJUSTIÇA FEDERAL, por, pelo menos,dois grandes motivos:

1º – Pela enorme abnegaçãoao trabalho que, muita das ve-zes superando a capacidade la-borativa de cada um, se con-substancia quando temos umamédia mensal que gira em tornodos 12 mil mandados cumpri-dos. É imprescindível observarque não são diligências, que secomputadas, fatalmente chega-ríamos às 24 mil. É fato, não sechegaria aos números mencio-nados se não houvesse dedica-

ção e trabalho de cada um.Como se vê, o estigma de que oOficial de Justiça “não trabalha”,fenece aos números que se apre-sentam.

2º – Num momento em que asociedade se vê cercada portantos escândalos de corrupção,somos nós, Oficiais de Justiça,alvo de diversas agressões ver-bais dos executados mais des-temperados, tais como: “Pagarimposto pra quê? Para rouba-rem!”. Agressões difíceis de se-rem provadas por trabalharmossolitariamente. São nesses mo-mentos que reluz a altivez de serOficial de Justiça, promovendoconfiabilidade ímpar à JUSTIÇA aque serve, aliás, o que é umaobrigação, porém, aos olhos doExecutado serve como respostade dignidade e, quiçá, como vir-tude nos dias atuais.

Uma vez demonstrada sucin-tamente a importância e a dig-nidade do Oficial de Justiça,cabe salientar a realidade atualque tem imperado no seu coti-diano, senão vejamos:

Se considerarmos que umareforma, em princípio, deveráser implementada por dois fa-tores básicos, quais sejam: a) Orendimento do trabalho não es-tar satisfatório e, b) Implantaçãode melhorias, veremos que o atu-al contexto se torna inócuo quan-to à letra “a”, cujo número ‘1º’supramencionado, demonstrade maneira inequívoca a produ-ção laborativa do Oficial. Já quan-to ao segundo, letra ‘b’, o que severá em breve, se é que já nãoesta acontecendo, é a queda dequalidade do trabalho e a demo-ra no cumprimento das diligên-cias em razão das atuais exigên-cias. Senão vejamos:

I – A diminuição do prazo

para cumprimento dos manda-dos tem se tornado um fantas-ma, pois que, a tendência atualé de não se correr risco com apermanência dos mesmos, evi-tando-se assim o pesadelo de umprocedimento administrativo.Consequência: diligências me-nos acuradas e devoluções compedido de novos prazos paracumprimento do ordenado, oque torna a máquina judiciáriamais lenta, tirando a excelênciada prestação jurisdicional denossa instituição, tudo acresci-do por um plantão ordináriocujo absurdo de OJA’s convoca-dos em nada contribui para agi-lizar a aplicação do direito aocaso concreto. Cumpre lembrarRUI BARBOSA ao se expressar:

“JUSTIÇA TARDIA, NÃO É JUSTIÇA”.

II – Em virtude do implementa-do, há hoje três frentes de tra-balho às quais o OJA tem neces-sariamente que se submeter.Assim, como PRIMEIRA, que se dáquando de sua presença à insti-tuição, para receber mandados,passá-los para o “Sistema Apo-lo”, gerar guia de remessa, e ago-ra, confeccioná-los. Não custalembrar, até porque é do conhe-cimento de todos, as dificulda-des corriqueiras que o Sistemamencionado apresenta, geran-do por vezes um caos, aumenta-do pela a fila de espera dos cole-gas que desejam trabalhar. Situ-ação nunca antes passada quevem a comprometer a excelên-cia e condições de trabalho. Porfim, não resta dúvida quanto àsdificuldades apresentadas pelosAnalistas/Executantes de Manda-dos quanto às várias situaçõesque se insurgem desde da certi-ficação digital à confecção demandado. Fato é que não temsido negado auxílio aos que têm

Não se pode perder de vista aMISSÃO DA JUSTIÇA FEDERAL, queacima de tudo é A PRESTAÇÃO JU-

RISDICIONAL, não só como instru-mento de manutenção da PAZSOCIAL, seu objetivo maior dou-trinário, mas também pela bus-ca de sua efetivação, respaldadapor uma QUALIDADE DE EXCELÊN-

CIA para com o destinatário. Ojurisdicionado, por vezes, ao sesentir injustiçado, regride, numatentativa de fazer justiça pelaspróprias mãos, descartando oEstado Democrático de Direitocomo instituição legal, que, atra-vés do Poder Judiciário, é o ór-gão capacitado à resolução dosconflitos sociais de importânciajurídica.

Como se vê, se a paz social de-pende da jurisdição, não pode-mos nos enganar que se ela nãoé prestada com a devida quali-dade, livre de pressões e apolíti-ca, rumos outros contrários aoescopo maior da jurisdição po-derá percorrer a sociedade.

Com efeito, se o Judiciário de-termina o que de direito na re-solução dos conflitos jurídicos,não há como se questionar aimportância do Oficial de Justi-ça, servidor que, na prática,como longa manus da autorida-de judicante, executa o que dedireito lhe é ordenado, devendoseu procedimento ser cumpri-do dentro das estritas ordensque recebe, com firmeza, edu-cação, dignidade, com todo sa-

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dificuldades, mas expressõescomo: “Isto foi dado no curso..”,causam um certo desconforto aquem seguiu todos os ditamesexigidos de um curso que foidado em tempo recorde, sem apossibilidade de poder repeti-loao final. Isto posto, provavel-mente não se pode dizer que foipedagogicamente correta suaimplementação.

Como SEGUNDA frente de tra-balho temos, também a meu ju-ízo, a mais importante missão,certo que o OFICIAL DE JUSTIÇA-

AVALIADOR REPRESENTA O JUIZ notrabalho de campo, ou seja,cumprindo fora do fórum o quelhe é ordenado e, como tal, deveter consciência da importânciada representação, exigindo desi as qualidades que já expuse-mos acima.

Finalmente, a TERCEIRA frentese consubstancia quando o OJAjá confeccionou em sua residên-cia as peças resultantes dos atosque teve de cumprir (certidões,autos, avaliações e tantas outrasque se façam necessárias), istoporque é praticamente impos-sível a elaboração de uma certi-dão ou ato mais complexo quan-do inúmeros colegas estão a suavolta esperando ansiosos porum computador vago, assim, atecnologia do pen drive é a solu-ção para que os computadoresnão fiquem ocupados por maistempo.

Conclusão dos fatos: o OJA

passou a ter três jornadas de tra-balho DISTINTAS, quais sejam: na

JUSTIÇA FEDERAL, na ‘RUA’ e emCASA.

Acresce dizer que, no tocanteà jornada de trabalho, não hámais horário nem dia para queo OJA exerça sua função, com aaplicação constante do dispos-to no § 2º , do art. 172, do Di-gesto Processual Civil Brasileiro,na maioria dos mandados (prin-cipalmente nos de execuções fis-cais), não raro se trabalha à noi-te, domingos e feriados, enquan-to os colegas de outros cargostêm o repouso merecido. Emlato sensu, podemos dizer que otrabalho do oficial de justiçadorme com ele em casa.

Cabe ainda ressaltar, comocapítulo à parte na jornada detrabalho, além dos plantões nor-mais, os chamados PLANTÕES DE

SOBREAVISO que são enfrentadospelos colegas com espírito pú-blico ímpar, que como verdadei-ros heróis, varam as madruga-das no cumprimento das ordensjudiciais, sem dúvida alguma,ARRISCANDO A VIDA PARA QUE A JUS-

TIÇA SE CONCRETIZE, numa cidadeem que a própria polícia se aco-varda diante da criminalidade,conforme tem noticiado a mídia.

Assim, não há como desconhe-cer que o plantão de SOBREAVISO

É UM PLANTÃO DIFERENCIADO, nãoimportando a quantidade demandados, mas sim, a tensão,apreensão e, porque não dizer,o temor quanto ao procedimen-to para que a ordem judicial sejacumprida, o que, inclusive, paraser levada a efeito pode perdu-

rar toda à noite, fato tambémacontecido com o Oficial que aesta subscreve.

III – Impende ainda dizer doreal aproveitamento da transfor-mação das sub-áreas em regi-ões, sendo pelo que observoentre os colegas, duvidosa talmedida, que, pragmaticamente,tem demonstrado em nada con-tribuir para agilizar o cumpri-mento das ordens judiciais, atése mostrado contraproducenteface às maiores distâncias per-corridas de veículos, numa cida-de em que sabidamente o trân-sito a qualquer hora é caótico,ou quando pelo aumento daspenosas e longas caminhadas,mormente pelos que trabalhamna Região Centro. A tudo se somaque a modificação implantadaestá contribuindo para que o OJA

ao trabalhar em área tão exten-sa, perca a identidade local deconhecer a numeração irregu-lar de determinadas ruas, os le-vantamentos das vielas não cons-tantes de guias de ruas, a ajudade associação de moradores, etantos outros fatores que a prá-tica tem revelado em proveitoquando de diligências na mes-ma área. Observe-se, tudo semfalar do alto preço que se podepagar por trabalhar em locaisnão habituais... Conclusão: “Amelhor área de trabalho é aque-la que o OJA já conhece”, não sóem termos de produtividadecomo de segurança pessoal.

Inegável que, não obstante oscolegas mais novos tenhamgrande saber jurídico, entendoque também não se pode pres-

cindir da experiência que os lon-gos anos de trabalho concede-ram aos mais velhos, que, co-mungando esforços com os quechegam, prestam-lhes não só aprática essencial ao desempenhoda função, como, de resto, a ele-vada estima pela instituição, peloque, deve-se levar em conside-ração o porquê do grande nú-mero de pedidos de contagemde tempo de serviço com vista àaposentadoria.

Por derradeiro, não se podeperder de vista que o serventuá-rio também é um PATRIMÔNIO PÚ-

BLICO, e, como tal, deve ser cui-dado não se lhe expondo a ris-cos desnecessários, estresse,pressões e tanto outros fatoresque possam afetar sua saúde fí-sica e mental a determinar afas-tamento do trabalho, até porque,quem perde é o Poder Público.Quanto a nós, Oficiais de Justi-ça, cabe não só verificar a esta-tística de mandados cumpridos,mas também a médica que, quan-do aponta números excessivosde afastamentos, deve sensibili-zar a Administração na investi-gação das causas prováveis.

Destarte, motiva-me este pe-queno opúsculo RETRATAR nãosó a realidade do trabalho doOJA, na busca de soluções efe-tivas para um melhor desem-penho, como também o enor-me apreço, e porque não di-zer, o amor que em mais de 30anos de trabalho se consolidouem meu coração pela institui-ção que me recebeu ainda jo-vem, por concurso público, ehoje, já com poucos mesespara aposentadoria, sinto-mena obrigação de passar a im-portância do cargo aos maisnovos, cuja missão maior,como já dissemos, a represen-tação de um JUIZ FEDERAL, quenão pode ser relegada a ativi-dades outras e plantões des-necessários que em nada con-tribuem para celeridade da Jus-tiça, mormente uma de excelên-cia em qualidade como é a daJUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA NO

RIO DE JANEIRO.

Conclusão dosfatos: o Oficial deJustiça passou ater três jornadasde trabalhodistintas, quaissejam: na JustiçaFederal, na “rua”e em casa

A diminuição do prazo para cumprimentodos mandados tem se tornado umfantasma, pois que, a tendência atual é denão se correr risco com a permanência dosmesmos, evitando-se assim o pesadelo deum procedimento administrativo.Consequência: diligências menos acuradase devoluções com pedido de novos prazospara cumprimento do ordenado, o quetorna a máquina judiciária mais lenta,tirando a excelência da prestaçãojurisdicional de nossa instituição

*Oficial de Justiça – AvaliadorExecutante de Mandado.

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