Ano 4 - Número 4 Dezembro de 2008 Pelo direito de ser criança · uma educação voltada para a...

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Observatório de Educação em Direitos Humanos completa seu primeiro aniversário Ano 4 - Número 4 - Dezembro de 2008 Apesar da fiscalização, 1,2 bilhões de crianças trabalham no Brasil Violência infantil: pais são os principais agressores Pelo direito de ser criança Estatuto da Criança e do Adolescente completa 18 anos, mas antigos problemas ainda assombram a infância

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Observatório de Educação em Direitos

Humanos completa seu primeiro aniversário

Ano 4 - Número 4 - Dezembro de 2008

Apesar da fiscalização, 1,2 bilhões de crianças trabalham no Brasil

Violência infantil: pais são

os principais agressores

Pelo direito de ser criançaEstatuto da Criança e do Adolescente completa 18 anos, mas antigos problemas ainda assombram a infância

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Neste ano, em que se comemoram os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Hu-manos e o 18º aniversário do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, o Jornal Agente dedica uma edição especial sobre os direitos da criança e as violências das quais elas ainda são vítimas. É claro que não estamos mais numa época em que se desconheciam as peculiaridades do mundo infantil e nem se reconhecia a criança como um ser humano completo do ponto de vista moral, ou seja, capaz de sentir-se feliz e realizado em cada fase do desenvolvimento. Ou ainda estamos? Outrora a infância não tinha sentido em si mesma; era vista apenas como passagem necessária e incômoda para a fase adulta. Outrora? A educação do dever e da lágrima expressa em corretivos corporais, tornou-se abominável e coisa do passado. Será? A educação formal era sinônimo de selecionar, de excluir e eliminar. Não é mais?Convivemos com profundas contradições. De um lado, temos pais e professores mais sintonizados com as conquistas teóricas da psicologia sobre a infância; podemos contar com uma Constituição e legislação específica e avançada, como o ECA, para proteger e garantir um desenvolvimento digno para nossas crianças; desenvolvemos instituições com propósito recuperar os desvios ocorridos na formação dos adolescentes. Por outro lado, todavia, a infância está sendo traída de muitas maneiras num mundo repleto de promessas de felicidade para as crianças.Os assuntos pautados, para esta edição do Jornal Agente, focam dois aspectos da rea-lidade latino-americana, com consequências socialmente dramáticas, em especial para as

crianças: a miséria fruto da desigualdade e o consumismo. Nas regiões mais pobres, como o Semiárido brasileiro, onde vivem 11 milhões de crianças, a taxa de mortalidade infantil ainda é muito alta, 350 mil crianças não frequentam a escola, outros 390 mil adolescentes são analfabetos e, além disso, 317 crianças e adolescentes trabalham, segundo publicação da Unicef, em 2003, no Recife. Assim infância é traída até mesmo no direito de brincar.

A infância traídaEditorial

Prof. Dr. Clodoaldo Meneguello Cardoso

Observatório de Educação em Direitos HumanosDepartamento de Ciências Humanas

Jornal

Produção de alunos de Comunicação Social / JornalismoFaculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação.

Unesp-Bauru

Projeto gráfico – editorial e reportagensAngelita de Souza

Elaine Trevisan de MendonçaFelipe Ibrahim

JulianaHeiffig PenteadoKaren Barbarini

Vinícius Lousada

Professor e Jornalista responsávelÂngelo Sottovia Aranha

[email protected]

Av. Eng. Luiz Edmundo Carrijo Coube, nº 14-01CEP 17.033-360 – Vargem Limpa – Bauru-SP

Dezembro de 2008

Coordenador do Observatório de Educação em Direitos Humanos

No cenário urbano, em todas as camadas sociais, a criança e o adolescente também não estão livres de diversas formas de violência. Atitudes de omissão e atos de violên-cia física ou psicológica ainda vitimizam muitas crianças e adolescentes no interior da própria família. Além violência explícita, há ainda, no mundo doméstico, aquela vio-lência camuflada em bem querer, quando as crianças são transformadas em pequenos consumistas vorazes de brinquedos e roupas, estimulados pela mídia em parceria com pais, que muitas vezes buscam compensar sua ausência com presença de presentes. Neste contexto, já é tempo de perguntar: quais novos espaços e instituições criamos, na cidade, para o lazer e o desenvolvimento da criança e do adolescente, além da an-tiga escola? Embora a superação das desigualdades sociais somente seja possível com profundas mudanças na política e na economia, a educação também tem sua parcela de responsabilidade na construção de uma democracia social no Brasil. Trata-se de uma educação voltada para a cultura de respeito aos direitos fundamentais do ser hu-mano e, portanto, comprometida com transformação da realidade latino-americana, ainda marcada por desigualdades, violência e por uma mentalidade cultura patriarcal e autoritária. Acreditando que a reconciliação com a infância traída começa na própria educação infantil, o Jornal Agente coloca este número no conjunto de instrumentos a ser utilizado por professores, no projeto “Cultivando os valores humanos na educação infantil e fundamental’’, em desenvolvimento na cidade de Bauru pelo Observatório de Educa-ção em Direitos Humanos da Unesp, em parceria com a Secretaria da Educação do Município.

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Felipe Ibrahim

A transformação é a meta do Observatório de Educação em Direitos Humanos

“É preciso força pra sonhar e perceber/Que a estrada vai além do que se vê(...)”

Além do que se vê, Los Hermanos

10 de dezembro de 2007. Bauru. I Encontro de Di-reitos Humanos da Unesp. Assim, começa a caminhada do Observatório de Educa-ção em Direitos Humanos da Unesp (OEDH). Um proje-to ousado que busca através da capacitação de docentes e estudantes compreender os direitos humanos e criar uma cultura de transformação.

O começoOs primeiros passos para

a criação do Observatório fo-ram dados em 2004, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Associação de Universidades – Grupo Montevideo (AUGM) iniciam um projeto de capacitação em Direitos Humanos de pro-fessores em diversas áreas do conhecimento. Durante o encontro em que se discu-tiu Universidade e Direitos Humanos, realizado em Bue-nos Aires, em 2006, surge a necessidade de “promover a construção de um Observa-tório de Direitos Humanos”. Em 2007, a AUGM divulga o

projeto de OEDH para as 21 universidades que, até então, integravam o grupo. Dentre os países que constituem a AUGM estão Argentina, Bo-lívia, Chile, Paraguai, Uruguai e o Brasil, (integram o grupo de universidades brasileiras a UNESP, UNICAMP, USP, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSM, UFSC e a UFSCar.

Na UNESP os estudos para a implantação começa-ram em agosto de 2007 e, em dezembro, durante o evento em Bauru, é formalizada e criação do Observatório de Educação em Direitos Hu-manos da UNESP, sob a co-ordenação do professor Clo-doaldo Meneguello Cardoso. Já aquecido, para enfrentar a “estrada”, o projeto come-ça a implantar suas metas.

Capacitação e formaçãoO Grupo de Estudos em

Educação em Direitos Huma-nos é a aposta inicial. Reunin-do alunos dos cursos de Peda-gogia, Psicologia, Jornalismo e Rádio e TV, dentre outros, o grupo promove reuniões se-

manais no Departamento de Ciências Humanas (DCHU) do campus UNESP/Bauru. Por meio de leituras de textos, análises de vídeos e materiais relacionados aos Direitos Hu-manos, alunos e professores buscam refletir sobre os te-mas, abrem espaço para a dis-cussão, visando à formação de uma tão esperada (e necessária) “cultura de transformação”. Segundo Cardoso, “o grupo de estudos alimenta a idéia inicial da necessidade de capa-citar alunos e professores em educação e direitos humanos”.

Integração das universidades

Visando a criação de um banco de dados para dispo-nibilizar material educativo o OEDH cria um site (www.oedh.unesp.br) com um con-teúdo abrangente e atualiza-do. Pensando na proposta de “Ensino, Pesquisa e Exten-são”, todo o conteúdo do site está disponível para consulta e isso inclui documentos, textos e artigos; os principais eventos de DH no Brasil e América -

Latina; livros, pesquisas desen-volvidas; além de programas de rádio e fotos dos projetos e eventos do Observatório da UNESP. A proposta do OEDH, como enfatiza Cardo-so, é a de que todas as univer-sidades da AUGM criem seus próprios bancos de dados para divulgarem seus trabalhos em direitos humanos, criando-se assim, uma rede para troca de informações entre essas universidades e a promo-ção da integração entre elas.

OEDH: produzindo conhecimento

O campus da UNESP de Bauru é composto por três faculdades: a Faculdade de Ciências, a Faculdade de Engenharia e a Faculdade de Arquitetura, Artes e Comu-nicação. Os projetos de edu-cação em direitos humanos pretendem mostrar que as diversas áreas do conheci-mento têm relação direta com os direitos humanos, e incen-tivam para que todas as áreas passem a pensar os direitos humanos como uma neces-

sidade de todos, e percebam que seu conteúdo tem rele-vância para a matemática, a química, as artes, biologia, etc.

Sendo assim, o OEDH inicia o planejamento de um projeto que atenda a esta ne-cessidade: integrar o conteú-do de direitos humanos a to-das as áreas do conhecimento.

Além disso, o OEDH promoveu nesse seu primeiro ano uma série de atividades e marcou presença em eventos. Em setembro deste ano, na cidade de Araraquara, parti-cipou do I Congresso Latino-Americano de Educação em DH, e também do II Encon-tro de DH da UNESP, o mes-mo encontro que no ano pas-sado deu início à caminhada do Observatório da UNESP.

A matéria especial sobre os projetos do Observatório você lê nas páginas 3 e 4 do Agente.

Assim, o Observatório de Educação em Direitos Hu-manos da UNESP completa seu primeiro ano, definindo o seu espaço e estabelecendo as necessidades de uma educa-ção para os direitos humanos.

Fotos: Felipe Ibrahim

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O projeto Humanização é um programa de TV que tem como objetivo divul-gar, através de um progra-ma no formato digital e de cunho interativo ,os Direi-tos humanos. Para isso o programa em fase de expe-rimentação em 2008 e 2009, promoverá entrevistas com especialistas, informes, re-portagens, noticiários, exi-bição de filmes, sugestões culturais entre outros qua-dros relacionados ao tema. A exibição do programa

inicialmente será transmiti-do pela WEB TV da FAAC, e será veiculada também através do site www.oedh.unesp.br e visa futuramen-te um espaço na TV Unesp que ainda esta em proje-to de desenvolvimento. O público alvo do projeto são os jovens, professores, membros da comunidade universitária e comuni-dade em geral, e entida-des sindicais e populares.

O projeto é uma par-ceria da FAAC, Faculda-

de de Arquitetura, Artes e Comunicação / Unesp-Bauru, com o Departamen-to de Ciências Humanas / Núcleo Pela Tolerância, Departamento de Comu-nicação Social e a FAAC WEB TV. Tem quatro alu-nos participantes, que cur-sam Jornalismo ou Radio e TV, dentre os quais três são bolsistas. A coordena-ção do projeto é feita pelos professores Dr. Clodoal-do Meneguello Cardoso e MS. Willians C. Balan.

O Observatório em ação

Quais as informações sobre Direitos Humanos na Unesp? Quais os grupos atuantes? Quais as pesquisas e os pro-jetos de extensão em anda-mento? O que houve de pu-blicação recente em Direitos Humanos? Qual a inserção da temática no ensino de gradua-ção e pós-graduação?O trabalho de construção de um banco de dados sobre “direitos humanos na Unesp” começou de imediato após a instalação do OEDH em dezembro de 2007. O levan-

tamento de dados, realizado neste primeiro ano, já está dis-ponibilizado em: www.oedh.unesp.br O banco de dados concentra-se nas seguintes áreas: 1) núcleos: identifica-ção dos grupos relacionados ao tema existentes na Unesp; 2) pesquisas: em andamento e concluídas, e linhas de pes-quisa em cursos de pós; 3) ensino: presença da temática de Direitos Humanos em dis-ciplinas de graduação e de pós; 4) extensão: projetos de do-centes e do OEDH; 5) even-

tos: calendário e informações; 6) publicações: livros de do-centes da Unesp e parcerias. 7) intercâmbio & bolsas: informes sobre se oferece na Unesp; 8) outras produções: jornais, vídeos, programas de rádio e TV etc. Além do banco de dados, o site do OEDH disponibiliza documentos básicos sobre Direitos Humanos, acervo de textos especializados em Edu-cação em Direitos Humanos, links importantes para sites, organizações e cursos on line.

HUMANIZAÇÃO: UMA INICIATIVA DIGITAL PARA A VEICULAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Elaine Trevisan

OEDH DISPONIBILIZA BANCO DE DADOS NA INTERNET

Clodoaldo M. Cardoso

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Primeiros projetos do Observatório de Educação em Direitos Humanos

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No rádio, o OEDH es-treou, neste ano, o programa “Trans-formação” que vai mostrar os direitos humanos com uma linguagem simples e descontraída, em progra-mas curtos (de 15 minutos) usando também música e poesia como inspiração para os temas de DH. O objetivo do Trans-formação é utilizar o rádio, um meio de impor-tância já reconhecida pela so-ciedade, e que agora com as novas tecnologias aliou-se à Internet. O programa Trans-formação entra na grade de produtos desenvolvidos pelo OEDH a partir de 2009, mas dois programas já estão dis-poníveis para serem baixa-dos, ou escutados no próprio

É preciso destacar o pro-jeto “Cultivando os DH na Educação Básica em Bau-ru”, que tem como objetivo promover encontros entre professores e diretores das escolas públicas municipais, de Bauru, para uma espécie de grupo de estudos, criando um ambiente de troca de ex-periências entre os mestres, e fonte de conhecimento para a formação pedagógica. Se-gundo a professora da EMEF Lourdes Colnaghi, Sonia Leão, não existe uma maté-ria específica para os direitos humanos no ensino básico e fundamental, mas que os

conteúdos de DH são discu-tidos por meio de histórias, filmes infantis e peças de teatro. A diretora, Rosana Ap. Orsini Bernardi, da EMEI Carlos Corrêa Vianna, diz que a partir dos primeiros conflitos que acontecem em sala de aula já se começa a discutir temas como respeito ao próximo, companheirismo e disciplina, tudo de uma forma que a criança entenda que aquilo é um ensinamento para a boa convivência dela com os amiguinhos de classe.

Todas as professoras ad-mitem que na sua formação os direitos humanos não

site do observatório (www.oedh.unesp.br). Baseando o conteúdo dos programas na temática dos Direitos Huma-nos, o Trans-formação pre-tende discutir diversos temas como a infância, violência, os 60 anos da declaração dos direitos humanos, e muito mais, tudo de uma manei-ra que atraía a atenção dos ouvintes não só da UNESP, mas também de toda a comu-nidade envolvida com edu-cação e direitos humanos, e interessados nestes temas. O programa ainda conta com entrevistas com especialistas, poesia e música, mostrando que os DH podem fazer par-te do nosso cotidiano de uma forma inteligente e agradável.

CULTIVANDO OS DIREITOS HUMANOS: TRABALHO COM EDUCADORES

DA EDUCAÇÃO INFANTIL E FUNDAMENTAL DE BAURU

TRANS-FORMAÇÃO: EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS NAS

ONDAS DO RÁDIOFelipe Ibrahim

Felipe Ibrahimforam privilegiados, e que este curso é uma maneira de conhecer e atualizar os con-hecimentos, a fim de passá-los aos outros professores, que passarão estes ensinamentos aos seus alunos. A profes-sora Rosângela Ap. Dias de Souza é diretora da EMEI Prof. Carlos Gomes Melo, e propõe que o que se aprende em cursos, como o do Cul-tivando os DH na educação básica, deve ser repassado a todos os funcionários da es-cola, organizando reuniões periódicas com os profes-sores e pais, além de ativi-dades lúdicas com os alunos.

Foto: Divulgação

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Há 18 anos, foi criada uma das mais avançadas leis brasileiras, que proporcionou mudanças consideráveis na garantia dos direitos de crian-ças e adolescentes, mas que ainda precisa superar inúme-ros desafios para ser plena-mente respeitada e cumprida.

Os primeiros passos rumo ao Estatuto da Criança e do Adolescente foram dados ao longo da década de 1980, a partir de um novo pensamen-to social pós-ditadura militar e de um movimento nacio-nal que recolheu mais de 6 milhões de assinaturas favo-ráveis a um artigo que esta-beleceu os direitos humanos para meninos e meninas na Constituição Federal de 1988, atribuindo deveres ao Estado, à sociedade e à família, tor-nando a criança e o adoles-cente prioridades absolutas.

Mobilizações internas e medidas políticas externas culminaram em um contexto favorável para a promulgação da Lei 8.609 (ECA), composta

por 267 artigos que represen-tam a transformação de como se entende a questão da crian-ça e do adolescente no país.

Pelo extinto Código, o “menor” era considerado produto de uma “situação irregular”, fruto de uma pos-sível desestruturação fami-liar, propenso a condutas “ameaçadoras e perigosas”. O antigo Código de Meno-res associava a delinqüência à pobreza, desconsiderando e encobrindo as reais dificulda-des encontradas no processo social e de desenvolvimento de crianças e adolescentes.

Meninos e meninas de baixa renda eram considera-dos “objetos” carentes da tu-tela do Estado, o que gerava uma postura assistencialista, e, principalmente, represso-ra, no tratamento dado a esse segmento da população. Para Maria Orlene Daré, sub-coor-denadora do Conselho Regio-nal de Psicologia (CRP-SP/Bauru), “os trabalhos realiza-dos para a criança e o adoles-

cente eram de caridade, como se eles não fossem sujeitos capazes, mas seres humanos que mereciam migalhas”.

A partir de 1988, o Códi-go de Menores tornou-se juri-dicamente incompatível com a nova Constituição Federal. Os “menores infratores ou aban-donados” eram na verdade vítimas da falta de proteção. Com a criação do ECA, passa a valer a “doutrina de proteção integral” e não mais a “dou-trina de situação irregular.”

Crianças e adolescentes são reconhecidos como sujei-tos de direitos, em condição especial de desenvolvimento, que devem desempenhar pa-péis ativos na sociedade. O assistencialismo é substituído pela promoção de trabalhos que emancipem a criança e o adolescente, com a previsão de plena garantia de seus di-reitos humanos fundamentais.

Para Orlene, contextos de violação ao ECA são pro-venientes de uma estrutura social marcada por desigual-

dades e discriminações, prin-cipalmente sociais, e pela cor da pele. “As crianças e os ado-lescentes que têm seus direitos negligenciados ou corrompi-dos vêm de famílias que nor-malmente também já foram esquecidas, carentes de políti-cas públicas”. Diz ainda que, apesar da demanda ser muito grande e os problemas serem muito graves, algumas políti-cas, principalmente por parte do governo Federal, têm sido adotadas, e alguns avanços po-dem ser notados, como a im-plantação do SUAS (Sistema Único de Assistência Social), com o trabalho de territoria-lização por meio do Centro Regional de Assistência So-cial (CRAS) e do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS).

Com a implantação do ECA, foram criados tam-bém os Conselhos Tutelares

e os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente (CDCAs). Os conslheiros tu-telares têm a função de garan-tir a execução da lei e atuam no atendimento direto aos meni-nos e meninas. Os CDCAs são compostos por representantes do governo e da sociedade civil e trabalham na articula-ção de políticas públicas. Os Conselhos estão presentes em mais de 90% dos municípios brasileiros. No entanto, em muitos casos, a infra-esturtura e a qualificação das equipes técnicas ainda são precárias.

Orlene afirma que o Brasil já conta com uma legislação de prevenção e proteção à criança e ao adolescente satis-fatória e moderna. Segundo a psicóloga, para que os direitos sejam respeitados e um futu-ro mais igualitário e justo seja garantido, basta que o ECA seja, de fato, posto em prática.

A maioridade do ECALei garante respeito a meninos e meninas, mas falta maior comprometimento

Vinícius Lousada

...à vida

...à alimentação

...à família

... à cultura e à educação

Toda criança tem direito...

...ao lazer

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A reeducação de in-fratores sempre gerou controvérsias. Nos casos de crianças ou adolescen-tes que se envolvem em delitos, o ECA é o ins-trumento jurídico que propõe medidas socioe-ducativas criadas para a reintegração desses jovens.

No Art. 112 estão pre-vistas cinco medidas para os casos em que foi verificada a prática de ato infracional: I - advertência; II - obriga-ção de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em esta-belecimento educacional.

O primeiro parágrafo desse artigo diz que a me-dida aplicada ao adolescen-te levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravida-

de da infração. Mas, apesar de previstas no estatuto, as medidas sócio-educativas não são aplicadas correta-mente e hoje a proteção ao adolescente infrator ainda é um dos maiores problemas de aplicabilidade do ECA. Cada vez mais é recorrente o uso das internações, como comenta a sub-coordena-dora do Conselho Regional de Psicologia (CRP-SP/Bauru) Maria Orlene Daré: “a última medida deveria ser usada em casos graves, mas nós sabemos que é a mais usada. Qualquer deli-to que o nosso corpo jurí-dico julga, acaba aplicando a medida da internação”.

A Fundação Casa, an-tiga Febem, é a instituição que promove o atendimen-to ao adolescente infra-tor. Está ligada à Secreta-ria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania e

não pode ser considera-da como estabelecimento penitenciário, pois o prin-cipal objetivo é aplicar as diretrizes do ECA e rein-tegrar o jovem à sociedade.

O regimento interno da Fundação determina a garantia de proteção inte-gral dos direitos dos ado-lescentes, responsabilidade solidária entre a sociedade, o Estado e a família; inte-gridade física e segurança. No entanto, na prática a es-trutura não funciona assim.

Os adolescentes infrato-res deveriam ser internados de acordo com a faixa etá-ria, de acordo com o delito cometido e isso não acon-tece; os adolescentes que já estão saindo da fundação e outros que estão chegando ficam no mesmo espaço e o tratamento dado não é nem de longe educativo.

“São muitas as denún-

Reeducação sim. Violência Não

Juliana Penteado

Após 18 anos de sua promulgação, o ECA ainda encontra resistência em di-versos setores, seja por falta de conhecimento, de en-tendimento ou até mesmo de familiaridade com o que prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente. Segundo a psicóloga Orlene Daré, entre alguns professores da rede básica de ensino, a situação não é diferente.

A sub-sede de Bauru do Centro Regional de Psi-cologia desenvolveu ações em algumas escolas públi-cas de Bauru e Pederneiras,

na tentativa de apresentar e debater o Estatuto com os educadores. “A resistência por parte de alguns profissio-nais foi bastante grande. Eles afirmam que o ECA garan-te direitos para as crianças e adolescentes, mas não impli-ca nos deveres que devem ser cumpridos por eles e isso te-ria ocasionado num aumento do desrespeito do aluno em relação ao professor”, obser-va Orlene, lembrando que o objetivo do ECA é proteger e garantir os direitos de crian-ças e adolescentes e não criar regras a serem cumpridas

nas escolas. “Cada estabele-cimento de ensino deve defi-nir suas normas internas, que não devem infringir o que diz o Estatuto”. A psicóloga afirma que existem proble-mas sociais ligados à violên-cia e ao próprio sistema edu-cacional. “É inevitável que essa realidade reflita na esco-la, já que ela representa uma unidade do universo social, mas isso não tem qualquer tipo de ligação com o ECA”.

Para Orlene, o raciocínio que culpa o ECA pelo com-portamento dos estudantes nas escolas segue a mesma

lógica sem fundamentos re-flexivos de que “direitos hu-manos servem apenas para bandidos”. “Aí fica mui-to fácil arranjar culpados: associa-se a criminalidade com condições sociais e cor de pele. Mas ninguém ques-tiona o que essa sociedade produz. Essa sociedade con-sumista na qual a mídia valo-riza apenas quem pode com-prar. Quem não pode, não tem valor algum”, ressalta.

A psicóloga defende a importância do ECA e ex-plica que o Estatuto não foi criado para atrapalhar a

Professores devem ser agentes fiscalizadoresVinícius Lousada

atuação dos professores. “Os educadores precisam entender que eles podem usar o ECA a seu favor, e que é muito importante que sejam trabalhados e desenvolvidos o conheci-mento e a familiarização com a lei”. Na visão de Orlene, os professores de-vem desempenhar um pa-pel importante na denún-cia de casos de violação aos direitos de crianças e adolescentes, principal-mente os que podem ser detectados nas relações dentro das salas de aula.

cias sobre casos de agres-são, tortura e até uso de ele-trochoques, violando todos os direitos humanos”, rela-ta o advogado e membro da Comissão de Direitos Hu-manos, Dorival Aparecido Mansano. Ele ainda lem-bra que a única diferença evidente entre a Fundação Estadual do Bem-estar do Menor (FEBEM) e a Fun-dação Casa está nos nome, pois a infra-estrutura conti-nua a mesma, uma estrutu-ra de repressão e violência.

A falta de políticas pú-blicas para tentar resolver os problemas sociais deixa marcas nos adolescentes que vão para a Fundação Casa. Eles não são reabili-tados para o convívio social e a maioria acaba voltando por cometer novas infra-ções. O respeito ao desen-volvimento e à ressociali-zação fica preso no papel.

Fundação casa não cumpre a legislação estabelecida pelo ECA

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A publicidade comercial tem como seu maior objetivo vender, e usa todos os artifí-cios para alcançá-lo. Estimu-lar o consumismo inconse-qüente, sem necessidade e de artigos supérfluos é atribuição freqüente na vida da maioria dos profissionais da área de publicidade. Mas, em meio a esse movimentado mundo da persuasão publicitária es-tão a criança e o adolescente

que, ainda em desenvolvi-mento e, logo, mais vulnerá-veis, são estimulados desde pequenos para aceitarem o consumismo exacerbado.

As consequências dessa influência na vida dos jovens são cada vez mais visíveis: obesidade infantil, erotização precoce, consumo precoce de tabaco e álcool, estresse fami-liar, banalização da agressivida-de e da violência, entre outras.

Para o mercado, as crian-ças não são apenas consu-midoras em formação, mas também representam um grande potencial de influên-cia nas famílias brasileiras. Os comerciais atuais se vol-tam para os pequeninos não somente para a venda de produtos infantis, mas para vender a maioria dos produ-tos consumidos pelos adultos.

O desejo de proximidade

da criança diante do mun-do adulto e a realização dos pais ao satisfazerem seus fi-lhos fazem com que crianças e adolescentes palpitem em 80% das compras de uma família brasileira, com exce-ção para os planos de seguro, combustíveis e produtos de beleza. Por isso, são os prin-cipais alvos das publicidades.

Proteger a criança e o adolescente dessas influências

mercadológicas é fundamen-tal para proteger o bom de-senvolvimento da cidadania nesses futuros adultos. E tam-bém para que no futuro não tenhamos mais uma socieda-de que persegue um conceito de qualidade de vida vendido, mas que tenha a qualidade de vida como uma prática a ser vivida independentemente de novos produtos a serem com-prados.

A TV que cria os jovens que copiam

“Ah... compra, pai!”80% das decisões de compras são influenciadas pelas crianças

Elaine Trevisan

Elaine Trevisan A crítica ao que se vê na TV, por parte dos familiares, é essencial na formação da criança

Foto: Elaine Trevisan

A mídia, de maneira geral, articula-se de acordo com seu público, e em relação às crian-ças não é diferente. A produ-ção dos programas infantis se articula de acordo com os sig-nos do universo infantil, ou, pelo menos, assim deveria ser. Mas nem sempre a linguagem usada nos programas infantis é apropriada para a faixa etá-ria a que se dirigem. Por ou-tro lado, sem dúvida alguma, os programas são apropriados para a venda, com uma lingua-gem comercial, a linguagem da audiência.

Quanto mais os progra-mas utilizam a linguagem adulta ou própria para públi-cos acima da faixa etária a que são recomendados, mais eles chamam a atenção das crian-ças. “Elas ficam encantadas com universo adulto a partir dos oito anos”, conta Regina Aranha, produtora dos clássi-cos programas infantis da TV Cultura, que foram muito pre-miados, pois tinham conteúdo educativo e uma linguagem formulada por profissionais das áreas de pedagogia, psico-logia e das áreas especificas de

cada programa.Usar uma linguagem ade-

quada às crianças é essencial, pois elas estão em formação e tudo o que possa participar de suas vidas cotidianas pode somar ou subtrair no seu pro-cesso de desenvolvimento.

A linguagem adequada para crianças em idade pré-escolar deve conter termos simples e conhecidos. Com crianças mais velhas, a lingua-gem pode ser mais elaborada, desde que contextualizada, de forma a permitir que a criança compreenda, sem explicações repetitivas.

A influência da mídia so-bre a criança e o adolescen-te é muito grande. Alguns críticos, como a jornalista Raquel Paiva, especializada em mídia, tem até uma visão mais acentuada: “A influência da mídia sobre a criança e o adolescente é total em todos os sentidos”, defende e ainda completa: “Pai e mãe são os responsáveis por uma crian-ça/adolescente, inclusive pelo consumo da produção midiá-tica. O que vemos hoje é uma inversão, a produção midiática

é quem se responsabiliza pela formação da criança e os pais complementam ou, então, se atém apenas a garantir o con-sumo”.

Na tentativa de proteger os direitos dos futuros ci-dadãos, o governo propôs a classificação indicativa, muito contestada pelas grandes emis-soras de TV, que não queriam se adequar a ela por poderem se prejudicar financeiramente.

Com a classificação, os responsáveis e educadores podem selecionar o conteúdo televisivo com base em sua classificação indicativa e, até mesmo, denunciar os progra-mas que estejam classificados de maneira errada. “A classi-ficação deve ser usada como guia para os pais saberem o que o programa contém, an-tes de verem o programa pro-priamente dito. As crianças podem ser protegidas da in-fluência, por vezes perniciosa, da televisão, através da inter-mediação de adultos”, lembra Regina Aranha.

A mídia esta criando a criança e o adolescente que consumam seus produtos sem

se preocupar se, no futuro, es-ses jovens serão bons ou ruins para a sociedade, ela os cria para que sempre continuem consumindo seus produtos. O problema está no ato da crian-ça copiar o que aprende com a TV e, nesse caso, ela pode ser influenciada tanto por um de-senho meigo quanto por um

filme violento.Portanto, cuidar para que

não se formem cidadãos cria-dos pela TV e que a copiem é, não só, uma atribuição dos responsáveis, mas também da sociedade que não reclama e aceita sem qualquer questio-namento os produtos ofereci-dos pela mídia.

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Fiscalização não elimina a exploração de criançasO trabalho atrapalha a infância saudável de 1,2 milhão de brasileirinhos

Angelita Souza e Juliana Penteado

Todo trabalho que gere renda e que não envolva o lúdico é considerado traba-lho infantil e é proibido para menores de 14 anos, segundo o ECA. A partir dos 14 o ado-lescente pode trabalhar como aprendiz em atividades peda-gógicas. Aos 16 anos, não é considerado adulto, mas pode trabalhar, desde que não seja à noite, em condição de perigo ou insalubridade e desde que não atrapalhe a jornada esco-lar.

Segundo a assistente so-cial da Vara da Infância e da Juventude de Bauru, Maria Inês Fontana, a falha do ECA está em não tratar do trabalho na faixa etária dos 16 anos, cabendo à CLT legislar sobre isso. “O ECA tem uma lacuna no que tange o trabalho in-fantil, pois remete a questão à CLT, que lida com adultos e não com adolescentes. En-tão, o trabalho infantil não é regido nem pelo estatuto e nem pela CLT”, explica Maria Inês.

Mesmo com a fiscalização e os programas de combate ao trabalho infantil, ainda há,

segundo a Pesquisa Nacio-nal de Amostra de Domicílio (PNAD), mais de 1,2 milhão de crianças com idade entre 5 a 13 anos trabalhando.

O trabalho impede que as crianças tenham o mesmo desenvolvimento que as ou-tras que não trabalham. No lugar da bola vemos a enxada, o brincar de casinha dá lugar às responsabilidades reais de cuidar de uma casa. Nas ci-dades do interior, a mão-de-obra infantil está na lavoura e no trabalho doméstico, já nos grandes centros ela se concen-tra nas ruas, com a venda de doces em semáforos, distri-buição de panfletos, coleta de recicláveis e ainda com a ex-ploração sexual comercial e o tráfico de drogas.

O perfil médio da criança que trabalha é formado por meninos negros ou pardos, de família de baixa renda e que moram em áreas rurais do Norte e Nordeste, mas a reali-dade do trabalho infantil tam-bém atinge outras regiões. Em Piratininga, próximo a Bauru, crianças foram encontradas trabalhando em carvoarias e

lavouras. Em Jaú muitas crian-ças atuam na terceirização do setor calçadista. “As famílias trabalham em casa e as crian-ças acabam ajudando, têm contato com cola e tesoura”, conta Maria Inês.

A educação e a renda dos pais são fatores importantes na decisão sobre a inserção da criança no mercado, pois cerca de 30% das crianças que trabalham são de família cujos pais não têm escolaridade al-guma, conforme o IBGE.

Bolsa Família ameniza mas não resolve

Na tentativa de eliminar o trabalho infantil, o governo federal lançou o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). Em Bauru, o PETI trabalha articulado com o Programa “Nenhuma Criança na Rua” e atende 655 crianças e adolescentes. A co-ordenadora Priscila Medina Pitta diz que “esse número já chegou a 950 crianças, mas graças ao programa, vêm re-duzindo”.

Programas como o Bolsa

Família vêm ao encontro da proposta de erradicar o tra-balho infantil, já que a prin-cipal condição para que as famílias recebam o benefício é que os filhos estudem. Mas nem sempre é o que aconte-ce, pois, para muitas famílias, o valor recebido com o bene-fício é menor do que a renda que as crianças têm quando trabalham. Ir à escola não sig-nifica educação de qualidade. As crianças costumam traba-lhar no período oposto ao das aulas e gastam suas energias no trabalho e não no seu de-senvolvimento, o que gera um

déficit educacional. Para a assistente social

Maria Inês, a falta de políticas públicas piora essa realidade: “os programas assistencialis-tas trouxeram boas mudan-ças, mas não emancipam as famílias, que se acomodam e mantêm os filhos no trabalho informal”. Além disso, há um aspecto cultural que até hoje valoriza o trabalho infantil como forma de educar para a vida, afastando da ociosidade e da criminalidade. “Os pais ainda acham que é melhor criança trabalhando do que na rua”, conclui Priscila Pitta.

Brincadeira é coisa sériaA importância do brincar no desenvolvimento das crianças

O capítulo II do ECA garante à criança e ao adoles-cente o direito de “brincar, praticar esportes, divertir-se”. Mais que um direito, o ato de brincar é importante para o desenvolvimento físico e psí-quico da criança. Além disso, contribui para o processo de socialização dos pequenos, através de atividades coleti-vas, e para o aprendizado e

desenvolvimento de habilida-des básicas.

Segundo a psicóloga Maria Celeste Rodelli, “a criança que não brinca tem mais chances de apresentar problemas de relacionamento, dificuldade de trabalhar em grupo e de-senvolve pouco de sua criati-vidade e iniciativa”,

A idéia difundida popu-larmente limita o ato de brin-

car a um simples passatempo, mas especialistas reforçam o quanto é importante a partici-pação da família e da escola na brincadeira das crianças. “Em casa, a brincadeira fortalece o vinculo afetivo familiar e a auto-estima das crianças. Na escola, os jogos e brincadeiras são ferramentas fundamentais para a aprendizagem”, explica Maria Celeste.

Angelita Souza

Foto: Julia Giglio

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Pais das crianças são os principais agressores

Casos como o de Isabella Nardoni, que teria sido arre-messada do sexto andar do prédio em que morava por seu pai e sua madrasta, trazem à tona uma discussão muito delicada, a da violência contra a criança. Fatos como esse são mais comuns do que se ima-gina. Milhares de crianças são mal tratadas diariamente por pessoas que deveriam protegê-las, como a família ou os pro-fessores. Dados da Sociedade Internacional de Prevenção ao Abuso e Negligência Infantil (SIPANI) mostram que 12% das 55,6 milhões de crianças brasileiras menores de 14 anos são vítimas de algum tipo de violência doméstica por ano, o que dá uma média de 18 mil crianças agredidas por dia.

A maioria dos casos de vio-lência infantil é cometida pelos pais da criança, e de acordo com dados do Departamen-to de Serviço Social da UnB, em 70% dos casos, a mãe da criança é a agressora. Segundo a psicóloga Adriana Aparecida Felix Providella, do Centro In-tegrado de Atenção a Pessoas Vítimas de Violência (CIAVI/Bauru), isso ocorre, em parte, como consequência do novo papel da mulher na sociedade. O excesso de atividades a que as mulheres são submetidas faz com que elas se estressem mais e descontem seu estresse nas crianças. Nesses momentos, o que deveria ser uma palmadi-nha corretiva, se transforma em agressões físicas graves.

Mas não só de agressão física é constituída a violência infantil. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente tudo que possa prejudicar a integri-dade da criança, fazer com que sua alta estima seja abalada é considerado violência. Aban-

A infância ameaçada pela violência

dono, violência psicológica, xingamentos, negligência tam-bém são consideradas formas de agressão. Segundo a assis-tente social do CIAVI, Ellen Cristina Mogioni de Souza, muitas vezes a violência física está associada à violência psi-cológica.

Além disso, existe a vio-lência sexual infantil, também conhecida como abuso sexu-al. Ela é praticada por pessoas próximas à criança, geralmente pessoas em quem ela confie, como o pai ou o padrasto. O abusador se aproveita da situ-ação de proximidade e impõe medo na criança, ou faz com que ela se sinta culpada por ter prazer, e assim a mantém calada. Segundo estatísticas do CIAVI, em cerca de 11% dos casos de abuso sexual infantil, o abusado tem menos de 1 ano de idade. “São pais, padrastos, tios e irmãos mais velhos que abusam”, conta Adriana, lem-brando que são raros os casos de agressores femininos.

A maior dificuldade nessa luta contra a violência e o abu-so sexual infantil deve-se à im-punidade. Embora a legislação brasileira puna adequadamen-

te os agressores das crianças – como observa o advogado Dorival Aparecido Mansano, membro do Comitê de Direi-tos Humanos da OAB – ainda existe uma grande dificulda-de de a denúncia ser feita, e quando é feita é muito difícil provar a agressão sexual. Em muitos casos não ocorre a re-lação sexual completa. A falta de provas, e o fato de muitos adultos não acreditarem na palavra das crianças, dificul-tam significativamente o pro-cesso de punição.

Abusos sexuais e violência infantil são muito prejudiciais à formação da criança. “Tudo que não é esperado para a idade da criança vai refletir posteriormente na vida dela”, ensina Adriana. Existem pes-soas que não conseguem es-tabelecer relacionamentos na idade adulta em consequência de abusos sofridos. Já no caso de violência, pessoas agredi-das podem se tornar violen-tas quando adultas, muitas vezes com inclinação para a criminalidade, o que culmina numa contínua degradação de sua autoestima, e num trauma cada vez maior.

Foto: Karen Barbarini

Núcleo de Apoio Inte-grado (NAI) é um sistema de punição para adolescen-tes em São Carlos/SP criado para reintegrar jovens infra-tores à sociedade, de uma forma diferente da Funda-ção Casa, por exemplo. No NAI não se vê o adolescen-te como um agressor, mas como alguém que está sendo constantemente agredido, uma vez que faltaram a ele família, estado e socieda-de. Assim, o núcleo tenta resgatar a identidade desses jovens.

Todos os casos em que crianças ou adolescentes se envolvem com infrações são encaminhados para o NAI, onde essas crianças recebem toda a atenção que precisam para saírem do mundo do cri-me. Geralmente, esse infrator é recebido logo após seus primeiros delitos, e o NAI promove um atendimento que garante não só a devida repressão da criminalidade, mas também uma oportuni-dade de reintegração com a sociedade.

A rapidez do NAI se deve ao fato de que todos os órgãos que estariam envolvi-dos no processo de punição do adolescente estão no mes-mo espaço, na mesma sala, inclusive: assistência social, polícia civil, polícia militar, a defensoria pública, conselho tutelar, conselho municipal da criança e do adolescente, entre outros. O caso é ana-lisado com riqueza de deta-lhes, e é feito um trabalho de forma preventiva, que evita que os jovens voltem para a criminalidade.

Para isso, os jovens con-tam com atividades nesse projeto, como as de educa-

ção, esporte, saúde, lazer. Como punição, cumprem as medidas sócio-educativas impostas pelo juiz; serviço comunitário, liberdade assis-tida, semi-liberdade e inter-nação, dependendo da gravi-dade do caso.

O projeto funciona bem em São Carlos, tanto que já está sendo modelo para ou-tras cidades da região. Pro-va disso são os índices de-crescentes. Em 1998, antes da implantação do projeto, ocorreram 15 homicídios praticados por crianças e adolescentes em São Carlos. Já em 2005, com o Núcleo de Atendimento Integrado funcionando, esse índice caiu para um homicídio.

Antes do projeto, cerca de 30 menores eram inter-nados na Fundação Casa por ano em São Carlos. Em seis anos de funcionamento, a média é de 6 ou 7 por ano .

Já o número de atendi-mentos cresce, uma vez que a capacidade do NAI foi am-pliada para atender também crianças e adolescentes com comportamento inadequa-do, mas que não chegam a ser delitos, como casos de adolescentes que faltam às aulas, discutem na escola ou são indisciplinados em casa.

Conforme os atendimen-tos aumentam, o número de prisões por crimes graves cai. No ano de 2006, foram regis-tradas 61 prisões, numa cida-de de 220 mil habitantes.

O Núcleo de Atendi-mento Integrado foi premia-do pelo Ministério da Justi-ça em 2007 como o projeto mais eficaz do Brasil para a reinclusão social de jovens e adolescentes que se envolvem com o mundo do crime.

NAI ressocializa crianças e adolescentes infratores

Sistema de punição de São Carlos tem obtido resultados exemplaresKaren Barbarini

Karen Barbarini

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A infância na América LatinaContinente oferece condições precárias de vida para suas crianças e adolescentes

As estatísticas mostram que a criança latino-ameri-cana vive numa situação que pode ser caracterizada como de abandono. Cerca de um milhão de crianças latinas já sofreram abusos sexuais, e os índices de prostituição infan-til retratam essa realidade. Na América Latina, essa situação é comum, tanto que a região é uma das maiores exportado-ras de meninas para a explo-ração sexual, especialmente no México, República Domi-nicana, Equador, Guatemala, El Salvador, Paraguai, Bolívia e Colômbia. Isso, sem contar os casos de turistas que visi-tam esses países em busca do turismo sexual infantil, facil-mente perceptível no nordes-te brasileiro, por exemplo.

Os maus tratos às crian-ças latinas não se limitam às questões sexuais. A pobreza muitas vezes faz com que abandonem suas escolas para

trabalhar em situações pre-cárias. De acordo com a Or-ganização Internacional do Trabalho, aproximadamente 22 milhões de menores de 14 anos trabalham em longas jornadas na região. Somente uma em cada cinco crianças frequenta a préescola, e cerca de um quarto das matricula-das não terminam o ensino fundamental. Dependendo do país, essa estatística pode se elevar representando a metade das crianças. Em pa-íses mais desenvolvidos do bloco, como Brasil, Argen-tina e México, somente 33% terminam o ensino médio. A maior evasão escolar nesses países está nas camadas mais pobres da população. Para se ter uma idéia da situação de países mais pobres, na Nica-rágua, por exemplo, mais de 35% dos estudantes de 13 a 18 anos não estão nas salas de aula e metade da população

do país é analfabeta ou não concluiu o ensino primário.

Paradoxos vergonhososMas há casos ainda mais

graves de omissão. 21 mi-lhões de crianças menores de cinco anos não têm acesso à água potável na América La-tina. Esse número equivale a um terço do número total de crianças nessa faixa etária. Há também carência no serviço de saneamento básico, que não atende 42% das crianças latinas. Essa situação é alar-mante, porque essas carências podem gerar desnutrição e, por consequência, mortalida-de infantil. A desnutrição é uma das principais causas de morte infantil na região, e so-mada com diarreia e doenças respiratórias mata cerca de 190 mil crianças latino-ame-ricanas por ano. Essas crian-ças morrem de desnutrição e a região em que vivem é uma das maiores produtoras de ali-

mentos no mundo. A Argen-tina, por exemplo, é a quinta maior produtora de alimentos no mundo, mas um quinto de suas crianças são desnutridas.

Em contrapartida aos dados trágicos da América Latina, cresce o número de estudos e de entidades inte-ressadas em mudar essa situ-ação. As conclusões apontam para uma solução nada fácil de ser atingida. Para a crian-ça latino-americana poder se estabelecer e gozar os seus direitos, é necessário que o grupo familiar tenha estru-tura para cuidar das crian-ças, que haja uma melhora significativa na educação, e que a distribuição de renda gere a base para tudo isso acontecer. A pesquisadora da Universidad de La República (Udelar/Urugay), Mariana Blengio, afirma que vemos diariamente a desintegração do núcleo familiar, e que to-

das as instituições interna-cionais veem a família como o núcleo essencial da vida da criança. Essa desestruturação não se refere à separação de pais ou pais homossexuais, por exemplo, mas sim à falta do cumprimento do papel da família, que não pode deixar de proteger, de alimentar e de educar.

Esses valores têm que ser resgatados, e essa será a fun-ção da educação no processo. Para o venezuelano Ramon Casanova, da Universidade Central da Venezuela, a escola é o centro da vida democráti-ca. Como existe um descaso com a educação ética e mo-ral, a falta desses valores gera uma progressiva crise dos meios de coesão social, que culmina na situação deplorá-vel em que não só as crianças vivem hoje, mas também mi-lhares de seres humanos ao redor do mundo.

Na América Latina...

80 mil menores morrem assassinados por ano

6 milhões de crianças sofrem agressões graves

7 milhões de crianças vivem nas ruas

21 milhões de crianças não têm acesso à agua potável

22 milhões de menores de 14 anos trabalham em longas jornadas

Dados: O

NG

World V

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Karen Barbarini

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Uma pula corda. Outra se esconde no esconde-esconde.Ele corre. Ela pega-pega.Meninos que brincam.Meninas que brincam.

Todo dia é dia de criança!

No Brasil: criança.Na Inglaterra: child.No Panamá: niño.Criança é no Sul: guri.Em sampa: moleque.Em Hokaido eu ainda não sei.Criança pula, ri, cai e chora.E é sempre criança!

Criança também tem seus problemas.Adulto pensa que é fácil.O que eu serei quando crescer?O que Papai Noel vai me trazer?Tenho dever de casa para terminar!Tenho um novo jogo pra jogar!(Antes que mamãe resolva comigo brigar)Estes versos têm brincadeiraEstes versos têm rima.São versos de cores: coloridos versos...

Criança tem direito!

...à Vida

...Educação

...Alimentação

...Saúde

...Respeito

...Dignidade

...Liberdade!

Criança pode tudo isso e muito maisCriança cresce um dia e cria versosCriança cresce um dia e cria um mundo novo!Criança brinca agora, e chora agora.Criança pode tudo, criança pede tudo!...Cultura...Lazer...Esporte- Direito à convivência familiar e comunitária- Direito à profissionalização!

Criança é para a vida toda.E unidas em tantos lugares diferentesElas criarão um mundo agora:

Unidas-Crianças...

Aninha está em Palmas,Peter está em Amsterdã,Anike está na Suécia,Antônio está em Angola,Artur está em São Paulo, Satiko está na Coréia,Sarah está em Nova Iorque,Sofia está na França,Dolores está na Guatemala,Aoyun está em Pequim,Gregory está em Sidney,Elisabeth está em Frankfurt,Carolina está em Madrid,

Todas agora de mãos dadas...E o mundo de repente: Uniu-se numa ciranda infinita.

Criança, Kind, Child, Barn, Niño, đứa trẻ, Lapsi, 子供

Felipe Ibrahim

Foto

s: Fe

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Ibra

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