Ano 01 - Número 01 - Junho de 2018

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ExpedienteEditoraMaíra Carvalho

RepórteresAna Luísa RodriguesBarbara MalatoBruna PassosCaio Julius RibeiroCamila MartinsCarolina ViannaGabriel HadadIsabela FialhoJoão LuzLaianny GonçalvesLaura BragaLuan AlvesLuisa NevesLuiz Guilherme RodriguesLuíza BarbozaLuíza MesquitaMaione VidalMaíra CarvalhoMaria Carolina OnoMarina SchefferMarisa WanzellerNatália CarolinoNatália CarolinoPedro FilhusiRafaela SantanaRaquel MesquitaTauan CarvalhoThamy CarvalhoVinicius OliveiraVinicius TolentinoYara Martins

Índice

04 Utopia e UnB: um exercício de pensamento06 O sonho de Darcy09 A Transparência Pública e a Universidade de Brasília12 Democracia e Inclusão: a luta por acessibilidade na UnB19 Conservadorismo nas periferias

50 Saúde Mental na Universidade de Brasília61 Esporte na luta contra a depressão63 Deposite aqui sua ansiedade

Democracia & Política

24 Batalha da Escada: hip-hop, informação e crítica social26 A raça urbana: política de cotas na UnB30 Me diga aonde você vai33 Mulher na Universidade, uma realidade de direito35 Diversidade como estratégia organizacional39 Entendendo a Economia Criativa45 Arte urbana é transformação social: as paredes contam histórias

DiagramaçãoEduardo ArakeGéssica Girão

Diretora de ArteAndreza Aragão

CapaAndreza Aragão

Esta publicação faz parte da matéria Gestão Estratégica da Comunicação para Sociedade, ministrada pela professora Fernanda Martinelli na Universidade de Brasília

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EditorialBuscando novos caminhos

O ensino público é um laboratório excepcional para pensar e trilhar outras possibilidades de ensino,

pensamento e sociedade. Vai além de entregar profissionais competentes nesta ou naquela carreira para o mercado – universidades públicas formam cidadãos, combatem a desigualda-de e conversam com a sociedade.Em tempos de crise orçamentária e congelamento de gastos, é o modelo de educação que está em jogo. Universidades públicas são apresentadas como dis-pendiosas, rebanhos ideológicos sem conexão com a sociedade brasileira. Como se contrapor à esta narrativa? Qual o papel que queremos para o ensino no país, e como queremos priorizar a educação nos orçamentos, no debate pú-blico, na vida de cada cidadão?A Revista 110 nasce como resposta ao cenário polí-tico e socioeconômico atual, fruto da vontade de ex-plorar novos caminhos e reafirmar outros. Realizada pelos alunos de Gestão Estratégica para a Sociedade (2018/1) da Universidade de Brasília, esta edição de inauguração explora a utopia de Darcy Ribeiro, idea-lizador desta instituição, e aborda facetas diversas da vida universitária.Boa leitura!

Maíra Carvalho

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Democracia & Política

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“Art. 208 O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia deI - ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;II - progressiva universalização do ensino médio gratuito:

Utopia e UnB Um exercício de pensamento

É complicado examinar a Universidade de Brasí-lia num vácuo. Precisamos antes contextualizar o

ambiente em que a UnB está inserida. Vamos, então, considerar primeiro o país e o momento que o mes-mo vive.A universidade pública, não apenas a UnB, mas todas as universidades públicas do país, tentam cumprir um modelo onde o Estado é capaz de prover aces-so à educação superior de qualidade para todos os cidadãos que assim desejarem. Afinal, a educação é direito essencial descrito no artigo 6º da constituição federal(1). No artigo 23, inciso V, está previsto ser competência comum da União, Estados e Distrito Federal, propor-cionar os meios de acesso à cultura, educação, ciên-cia, tecnologia, pesquisa e inovação. Prevê, também:

Caio Julius Ribeiro

Com especial atenção ao inciso V, nota-se que o Es-tado só será efetivo em seu dever para com a edu-cação, dentre outras coisas, se garantir o acesso ao ensino superior. A universidade pública e o progra-ma FIES são exemplos de dispositivos usados para atingir tal efetividade.O Brasil ainda está longe de alcançar este objetivo. O acesso às universidades públicas, apesar de gran-de avanço após os sistemas de cotas, ainda é muito maior para as classes mais abastadas. Programas como o FIES podem ser até bem intencionados, mas o grau de inadimplência(2) cresce a cada ano. O que poderia parecer uma conclusão óbvia, quan-do quem tem condições de pagar, estuda de forma gratuita, e quem não tem condição, pega emprésti-mos numa tentativa de fazê-lo.As recentes políticas de austeridade como a emen-da constitucional nº 95 de 2016(3), que limitam o investimento possível na educação superior, criam, ainda, outras barreiras para o melhoramento da universidade pública. É nesse contexto que a UnB se insere. O problema da democracia

Vamos encarar a democracia segundo o conceito de democracia liberal descrito por Hobsbawm(4), no qual há um Estado constitucional que garante o voto universal, direitos, liberdades e rotatividade de entes eleitos pela vontade da maioria. O Brasil, seguindo a tendência global, adota este sistema, que se provou, parafraseando a famosa frase de Winston Churchill,“é a pior forma de governo, exceto quando você conside-ra todas as outras todas as outras que foram tentadas de tempos em tempos”.Teoricamente, todas as faces da sociedade civil seriam representadas como resultado do sufrágio universal. Tais representações debateriam, em con-junto, os problemas enfrentados pela nação, che-gando em soluções, hipoteticamente, justas para toda a população. Na prática, Hobsbawm descreve:

III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade:V - acesso aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa e da criação artíwstica, segundo a capacidade de cada um;Vl - oferta de ensino noturno regular adequado as condições do educando;VII - atendimento ao educando no ensino fundamental através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.§1° O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo:§ 2° O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente;§ 3 ° Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.” (BRASIL, Constituição (1988), 2017)

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“Sabemos desde Tocqueville e John Stuart Mill, que a liberdade e a tolerância para com as minorias frequentemente são mais ameaçadas do que protegidas pela democracia.” (HOBSBAWM, 2007, pg. 99)

No ambiente universitário, isso se transcreve em di-ficuldade de acesso para as minorias, dificuldade de permanência, entre outros. As políticas de aus-teridade mencionadas anteriormente, por exem-plo, resultaram em cortes de bolsas de estágio e au-xílio no ano de 2018, as quais, por muitas vezes, são essenciais para a permanência de alunos de baixa renda na UnB.O cenário político nacional parece preso no passa-do. Ainda estamos debatendo se o melhor para o país é o Estado máximo ou o Estado mínimo. Se dei-xamos o mercado aplicar suas regras sem restrição, ou ainda, se aplicamos restrições que impedem o mercado de se regular em qualquer nível, trazendo esta responsabilidade totalmente para a União. No meio desse embate de ideologias, está um povo à mercê de uma maré de progressos e retrocessos. A esquerda, quando subiu ao poder em 2002, co-meçou uma era de avanços sociais impressionan-tes.Ao mesmo tempo, criou os buracos econômicos que culminaram no impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 2016. A direita, historicamente, traz avanços econômicos, sem se importar com as políticas públicas e sociais que um país grande e di-verso como o Brasil necessita, aumentando o abis-mo financeiro entre as classes mais altas e as mais baixas.Esse cenário de desesperança cria uma apa-tia política prejudicial à democracia. O governo em exercício começa a registrar níveis cada vez meno-res de aprovação. Como Hobsbawm coloca, o Estado se apoia em três fundamentos: o primeiro rege sua soberania sobre qualquer outra entidade dentro de seu território; o

segundo, que o povo aceite a sua soberania; e, finalmente, os serviços que ele provém para a sociedade. Quando o Estado se vê desacreditado, e os servi-ços, como a educação e a segurança, não estão sendo prestados de forma eficiente, sobra ape-nas a soberania e a força. Presenciamos, então, ações como a intervenção militar no Rio de Ja-neiro, que nada mais é, do que uma tentativa do Estado de se impor soberano em seu próprio ter-ritório, frente às forças paramilitares do tráfico, enquanto a população das comunidades já não confia no governo para solucionar os problemas ali vividos, e os serviços, em teoria, constitucio-nalmente garantidos, também não chegam na-quele espaço.A democracia brasileira está enfrentando proble-mas difíceis. Apontar tais problemas e questio-nar o modus operandi democrático, porém, qua-se nunca é feito. O conjunto de valores e crenças atrelados à democracia é tão forte que os políti-cos não tem coragem de fazê-lo, temendo o rico-chete da opinião pública.O desafio, então, é conseguir achar soluções balanceadas que dêem atenção aos problemas sérios das minorias sem prejudicar a economia como um todo. Não sabemos se a democracia brasileira é capaz de resolver estes problemas. Mas estamos cientes de que, entre os sistemas de governo já testados, este é a nossa melhor opção.Perseguindo Utopias

David Harvey(5), em Espaços de Esperança, es-barra no problema da democracia. Quando se refere ao refrão repetido pela mídia de forma in-cessante para defender o livre mercado: “não há alternativa”, o mesmo livre mercado que anda

muito próximo à ideia de democracia liberal, ele colo-ca de forma crítica: “trata-se da racionalidade suprema do mercado versus a tola irracionalidade de tudo que não seja o mercado” (HARVEY, 2000, pg.205). O debate, como descrito anteriormente, continua preso à tal di-cotomia.Vamos, assim como Harvey, então, extrapolar a ideia de que temos sim escolha, e pensar sobre qual dire-ção em opções utópicas para usar como guias sobre que direção seguir. Primeiramente, vamos estabelecer os conceitos do autor de utopias do processo social e utopias do espaço. As utopias do processo social se assemelham ao que Marx propôs para o comunismo. O processo aconteceria de forma perfeita e calculada. As utopias do espaço se aproximam do que a ideia de livre mercado propõe: o espaço seria perfeito e calcu-lado. Ambas têm problemas complementares. As utopias do processo social desconsideram o espaço despre-parado para receber o produto de tal processo. Já as utopias do espaço desconsideram o processo que é necessário para que aconteçam, como o livre merca-do desconsidera o que acontece com a grossa maioria da população, enquanto ele não chega em sua forma auto-regulatória perfeita.Então, temos que usar o que Harvey chama de utopis-mo dialético. As duas maneiras de pensar utopia pre-cisam convergir em algum ponto. Se não é possível perseguir um ou outro tipo somente, sem sofrer con-sequências desagradáveis, então devemos procurar uma solução que as una de forma mais interessante.Começando pela nossa democracia, como chegamos ao ponto em que todos são representados e não só isso, mesmo as menores representações tem espaço e voz suficiente para defender aqueles que os elege-ram? Como governar os desiguais, desigualmente, de forma perfeitamente justa?

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Em uma menor proporção, como Harvey coloca: “vale notar com que frequência é na escala geográfica da vida em pequena escala da cidade que se situam os ideais das organizações utópicas.”(HARVEY, 2000, pg.208), avalia-se então o que se pode pensar em termos de UnB.

Se os espaços que construímos nos constroem, pode-mos reconstruí-los para nos reconstruir.

Se a universidade foi montada de uma forma excludente, devemos repensar o espaço da UnB para então incluir. Os campus de Ceilândia, Planaltina e Gama são um bom exemplo de direção a seguir. No entanto, o número de cursos oferecidos nestes lugares ainda são limitados. O transporte público também não ajuda aqueles que op-tam por cursos que acontecem no campus da Asa Norte. Poderia caber à universidade criar transportes próprios para assistir nessa questão Se os processos que deveriam dar acesso a todos, como o vestibular, deixam de fora os que mais precisam da gratuidade do curso superior, podemos repensar o mes-mo para mudar. Claro que o sistema de cotas é um bom exemplo mas os muros processuais vão além da seleção. Em uma família de baixa renda, a renda de cada morador da casa é essencial à sobrevivência de todos ali. Isso tor-na a permanência em uma faculdade com horários espa-çados por todo o dia e semana muito difícil, pois impos-sibilita, na maioria das vezes, o trabalho. Bolsas auxílio que alcancem um maior número de alunos podem ser uma solução. Uma revisão dos horários das aulas para apenas um turno também. Mais importante é reconhecer que precisamos nos sepa-rar da ideia de que não há solução. A democracia liberal como temos é falha. O livre e frio mercado não é a solu-ção. A igualdade simplista e forçada também não. wPrecisamos repensar a universidade em termos de pro-cesso social e espaço de forma conjunta, para alcançar um nível de igualdade de oportunidade que respeite o que diz nossa constituição. Persigamos, então, a nossa Utopia UnB.

ReferênciasBRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Secretaria de Editoração e Publicações Coordenação de Edições Técnicas, 2017.HOBSBAWM, Eric. Globalização, Democracia e Terrorismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.MORENO, Ana Carolina. Inadimplência do Fies dobra desde 2014, e 41% não pagam as parcelas há mais de três meses, 2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/educacao/noticia/inadimplencia-do-fies-dobra-desde-2014-e-41-nao-pagam-as-parcelas-ha-mais-de-tres-meses.ghtml/>. Acesso em: 12 de jun. 2018.HARVEY, David. Espaços de esperança. São Paulo: Editora Loyola, 2000.

Notas:BRASIL, 2017.MORENO, 2018.Emenda Constitucional nº 95, de 16 de dezembro de 2016. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. (BRASIL, 2017, )HOBSBAWM, 2007HARVEY, 2000

Alexandra Martins/Flickr

Estudantes protestam no Campus da UnB em Ceilândia. Manifestações por melhores condições e pela democratização do ensino são passos importantes na reconstrução do ensino superior no país.

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Pensar a relação da Universidade de Brasília com o conceito de utopia, quais utopias podem ser constru-ídas dentro das paredes dessa universidade e de que forma impactam o ambiente acadêmico e a vida dos membros da comunidade universitária é algo que me parece relevante e necessário.O que é utopia?

1. .Ideia ou descrição de um país ou de uma sociedade imaginários em que tudo está organizado de uma forma superior e perfeita.2. Sistema ou plano que parece irrealizável. = FANTASIA, QUIMERA, SONHO“utopia”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/utopia [consultado em 15-06-2018].

O Sonho de Darcy

No contexto político atual, no qual discursos conservadores, fundamentalistas, preconcei-

tuosos e retrógrados ganham força e coragem para se expressar abertamente, a necessidade e a im-portância do resgate de ideais de realidade positi-vos, que local pode ser mais fértil para a criação de utopias, de sonhos de realidades mais igualitárias do que uma universidade? O ambiente acadêmico, por ser um local onde o pensamento crítico é suscitado, é um dos poucos ambientes de nossa sociedade onde pensar me-lhores perspectivas de futuro é incentivado. A Universidade de Brasília, chamada por muitos de a utopia de Darcy Ribeiro, foi planejada e cons-truída a partir de um plano que a tornou única, tanto em suas estruturas quanto em sua lógica de ensino que se diferencia até hoje da maioria das universidades brasileiras. É um ambiente que se relaciona de forma muito específica e estreita com o conceito de utopia, sendo visto como a concreti-zação de uma utopia educacional dentro de uma cidade também utópica.

Tauan Carvalho

David Harvey (2008) nos apresenta três classifi-cações do conceito de utopia: utopia da forma espacial, utopia do processo social e utopia es-paço-temporal. A primeira, utopia da forma espacial, estabe-lece uma relação entre espaço geográfico e tempo histórico, na qual a geografia controla a possibilidade de mudança social, reprimindo a dialética do processo social, que é o grande princípio da mudança histórica. Isso acontece em nome de uma condição esta-cionária feliz, perfeita e absoluta, ou seja, uma perpetuação dessa utopia de forma cíclica. Harvey utiliza Marin para apresentar um aspec-to positivo deixa por essa “classe” de utopias:

Fundação Darcy Ribeiro/Acervo

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aquilo que Marin põe à nossa disposição é a ideia de que o livre fluxo da imaginação, o “utópico como livre organização espacial”, se tomou, com a iniciativa de More, um fértil recurso de exploração e expressão de uma ampla gama de ideias concorrentes sobre relações sociais, organizações morais, sistemas político-econômicos e coisas desse gênero. (Harvey, 2000, p. 213)

Essa infinita gama de possibilidades nas utopias trouxeram a perspectiva de um conjunto infinito de mundos sociais possíveis, que mostra a enorme capacidade das pessoas de pensar em alternativas socioespaciais. Harvey também apresenta um ponto negativo dessa classe utópica: a sua relação intrínseca com o autoritarismo e o totalitarismo necessários para que se instaurem e se renovem. Porém, comple-menta sua crítica com um apontamento para a necessidade de não se abandonar essas utopias, pois tais atitudes interromperiam o incentivo ao pensamento livre na busca de alternativas à lógica socioespacial vigente na sociedade. O sonho e a realidade

A UnB possui dois momentos a serem analisados como possibilidade de utopia: antes da ditadura militar, nos dois anos nos quais operou segundo as expectativas de Darcy, e outro atual, momento em que a Universidade também passa por grandes dificuldades e que opera a partir da lógica de UnB resultante da ditadura, somada aos anos de modi-ficações pelos quais a mesma passou desde 1985, principalmente levando em conta a expansão da capital com as cidades satélites. O plano original de Darcy Ribeiro para a UnB pos-suía uma lógica de ensino holística, na qual os estu-dantes aprenderiam de uma forma interdisciplinar,

buscando uma formação de conhecimento que, para os intelectuais que a pensaram, seria uma for-mação ideal que buscava “reinventar a educação superior, entrelaçar as diversas formas de saber e formar profissionais engajados na transformação do país”, segundo o site oficial da Universidade de Brasília. Esse desejo de Darcy, entretanto, era criticado por alguns políticos da época, que defendiam a ideia de que Brasília não poderia ter qualquer espaço próximo de si que pudesse apresentar “empeci-lhos” ao funcionamento da máquina pública como greves e agitações diversas. Fator que, aliado a uma quase criação de uma uni-versidade católica que seria bancada pela comu-nidade jesuítica, quase impediu a universidade de ser construída, aproximando-a mais ainda dá ideia de “aparentemente impossível de se concretizar”A partir disso, pode-se analisar que a Universida-de apresentava diversos aspectos alinhados com as características de uma utopia, pois apresentava um modelo de funcionamento julgado ideal por seus criadores, desafiava o formato padrão de en-sino superior. Era uma ilha de suposta superiorida-de do saber: logo, uma utopia.Essas qualidades são atribuídas ao plano de base da Universidade e não é possível afirmar que elas foram absolutamente concretizadas nos dois anos durante os quais a universidade funcionou emba-sada nessa lógica. Sendo assim, não é possível afirmar que a univer-sidade em si foi uma utopia nessa época, pois não está ao alcance dizer se o plano foi integralmente garantido ou não. O que resta nesse caso é atribuir ao plano de UnB o título de utopia.

Seria a criação de Darcy uma utopia da forma espacial?

O projeto base da Universidade de Brasília e seu projeto educacional, pensados por Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, caso analisados de forma isolada, podem ser lidos como utopias do processo, pois, a lógica de funcionamento holístico da universida-de e a lógica aberta dos fluxos educacionais, repre-sentam idealizações de processos sociais que não são pensados de forma espacial. Apesar disso, o fato de a Universidade de Brasília ter sido concre-tizada, ter saído do papel, faz com que a utopia de UnB não possa ser classificada como uma utopia do processo social apenas. As utopias da forma espacial pretendem, tipica-mente, estabilizar e controlar quaisquer processos sociais que possam ser mobilizados no sentido de alterar a realidade local vigente. Isso impossibili-ta a classificação de qualquer universidade como utopia da forma espacial, visto que o objetivo de toda instituição de ensino é promover o conheci-mento, que naturalmente leva à mudança social.

O espaço físico da UnB foi pensado justamen-te para libertar, para suscitar o pensamento e o conhecimento interdisciplinar.

Ou seja, foi pensado para promover a movimen-tação da dialética, um objetivo diametralmente oposto ao objetivo do espaço físico presente nas utopias em questão – o que diferencia a utopia da forma espacial da utopia de Darcy Ribeiro, que se molda ao redor dos questionamentos que recebe. A UnB busca fomentar o conhecimento. Portanto, estimula a mudança histórica, que é um resultado natural dos questionamentos. Esse processo ocor-

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re, inclusive, com suas próprias estruturas, fenô-meno que pode ser observado por meio da cria-ção de uma política de cotas, resultante da análise crítica das estruturas da instituição, feita por um professor. Essa análise resultou na criação de uma política pública que mudou completamente a lógi-ca e a cara da universidade.Já as utopias do processo espacial são definidas por Harvey como idealizações dos processos so-ciais que se expressam em limites meramente tem-porais. São literalmente desvinculadas de todo e qualquer lugar, se manifestando totalmente fora dos limites do espaço físico. Essas utopias, que se contrapõem às utopias da forma espacial, expressam o estado final da hu-manidade, o ápice da existência de forma metafó-rica – ou seja, uma materialidade sofisticada não é considerada. Apesar disso, essa “condição estacionária última como forma espacial [...] é alcançada através de uma concepção particular do processo histórico” (HARVEY, 2000). Em outras palavras, os pensadores nos apresentam suas versões do processo históri-co que levará até a utopia, mas não dizem como ela vai ser ou deve ser. Deve-se levar em consideração a crítica feita por Harvey a essa qualidade de utopia de que ela ten-de a se perder no romantismo dos projetos que são eternamente abertos e nunca chegam a um ponto conclusivo, não se fecham como um projeto, nun-ca sendo passíveis de concretização e apenas esti-

ReferênciasSite oficial da UnB: http://www.unb.br/a-unb/historia?menu=423 acesso em 15/06/2018; Plano orientador da Universidade de Brasília, disponível em: www.dpo.unb.br/index.php?option=com_phocadownload&view=category&download=465:pde-unb-plano-orientador-unb-1962&id=95:1979&Itemid=675Vídeo “Darcy Ribeiro e a fundação da UnB”, que traz trechos do documentário “O Brasil de Darcy Ribeiro”; disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sWVMj1BqttQ, acesso em 15/06/18Vídeo “Darcy Ribeiro e Rubem Alvez (Dabate sobre Utopia)”, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nNzvIQmsaN4 HARVEY, David. Os espaços de utopia. In: HARVEY, David. Espaços deesperança. São Caetano do Sul: Difusão, 2008. p. 181-258 (P, *)O Brasil de Darcy Ribeiro: http://tvbrasil.ebc.com.br/o-brasil-de-darcy-ribeiro/episodio/o-paraiso-perdido

mulando teorizações. Essa crítica vai totalmente de encontro com a proposta de criação ideal da Universidade de Brasília.Somente então, a partir dessa percepção, o autor nos apresenta o conceito de utopia espaço-tem-poral, que incorpora as utopias que devem incor-porar aos seus projetos a produção do espaço e da temporalidade, reconhecendo e mapeando todos os possíveis problemas que esse processo pode acarretar. Caso seja observado o fato de que a Universida-de partiu de um projeto de processo social espe-cífico e se concretizou por meio dos prédios pro-jetados por Oscar Niemeyer, pode-se dizer que a UnB se encaixa como uma utopia espaço-tem-poral, mesmo que consideremos a possibilidade dessa concretização não ter acontecido de forma perfeita. Também é possível argumentar que a Universi-dade passou por processos que alteraram sua utopia original e a aproximaram de uma lógica mercadológica portadora uma utopia própria. Logo, a UnB seria classificada como uma institui-ção reprodutora de uma utopia que não é sua.Tendo em vista o alcance e a complexidade da discussão, gostaria de resgatar a frase de Darcy Ribeiro: “utopia é inventar o país que você quer”, e convidar os leitores a inventarem as Universi-dades que desejam e as utopias que gostariam de ver concretizadas.

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A Transparência Pública e a Universidade de Brasília

É comum associar a falta de informação ou trans-parência pública a regimes autoritários. Quan-

do se pensa em ditadura, por exemplo, logo se pensa também em privações de toda a sorte, sen-do comum a censura, seja ela a de pensamentos, de atitudes ou de informações. Porém, um regime democrático pode não ser a completa oposição de um outro autoritário, prin-cipalmente no que tange à publicação de informa-ções. Se em um caso, o uso da censura é feito pen-sando na manutenção de um sistema político, no outro, a falta de transparência acontece visando a perpetuação do poder nas mãos de poucos. Não é preciso pesquisar extensivamente para se deparar com as dificuldades impostas à sociedade brasileira na busca pelo acesso à informação pú-blica: a atual situação da Universidade de Brasília no que tange à crise orçamentária escancara todos esses obstáculos.O Estado Brasileiro foi erguido sob o sigilo da in-formação. Onde a informação estava escondida é onde estavam os pilares da força e do poder do Estado. A censura, nesse sentido, já foi instrumen-to de controle e impedimento da liberdade de ex-pressão e de exercício da comunicação.

Da ditadura de 1964 à crise orçamentária na UnB, o acesso à informação e a batalha de diferentes grupos na construção de narrativas são determinantes para fortalecer ou corroer instituições e lutas sociaisBruna Passos

É evidente, então, a centralidade da informação na sociedade globalizada e o valor quase imen-surável que ela carrega em si. A população, em geral, consome informação con-tinuamente com o afã de estar a par dos princi-pais acontecimentos. As organizações, por outro lado, perseguem outros tipos de informação, a fim de estarem sempre cientes das possíveis van-tagens que uma compilação de dados mercado-lógicos pode oferecer. E, em uma dinâmica que atribui tamanha importância a um produto, mas que, concomitante, o oferece abundantemente, é sensato ter cautela com sua utilização. De acordo com Milton Santos, as tecnologias que poderiam e deveriam permitir uma ampliação de conhecimento são, em verdade, dominadas por uma minoria de atores políticos-econômicos-so-ciais que, ao contrário, as utilizam para benefício próprio aumentando e aprofundando as desi-gualdades já existentes, revelando, então, a per-versidade da tirania da informação. A tirania se dá tanto pelo papel central que a infor-mação possui na dinâmica social deste momen-to histórico, quanto pelo processo de lapidação pelo qual a informação bruta passa até encontrar

seu destino final – ser notícia. Torna-se evidente, então, a partir do pensamen-to do autor, que a notícia se difere de informação. Enquanto essa carrega em si dados, aquela traz consigo significados, interpretações e ideologias adquiridas durante o processo de lapidação – a construção de narrativas. Narrativas essas dese-nhadas para servir grupos que visam atingir ou manter poderes e não se acanham em desvirtuar o sentido primeiro dos dados, ou em conferir-lhes novas tônicas a fim de torna-los palatáveis aos seus propósitos. Dessa forma, um outro fator torna-se relevante: a verdade. Embora o conceito de verdade possa ser objeto de estudos, toma-se aqui a verdade como sinônimo do factual, da informação-notícia, ou seja, da notícia sem interpretações pré-fabricadas ou induções de qualquer gênero. Não é simples, porém, encontrar a verdade dentre a farta oferta de notícias presente no cotidiano, sendo o mais comum confundir notícia com verdade, ou seja, tomar como fato uma interpretação.Ademais, se apenas confundir notícias e verdades não for o suficiente, há todo um aparato de repe-tição e readequação da narrativa voltado para tor-nar aquela interpretação um fato diante e para a sociedade – a propaganda. Neste contexto esta-belecem-se três elos de poder que podem ou não pertencer a um só grupo, são eles o poder da in-formação, o poder da construção da narrativa e o poder do convencimento. A informação sob sigilo

Em regimes autoritários, seja ditaduras ou totalita-rismos, os três elos costumam pertencer a um só grupo, o Estado. É o Estado o detentor da grande maioria das informações relevantes para aquela sociedade, é ele o curador delas, o construtor das narrativas e é ele, também, o convencedor. O mo-nopólio desses três elos de poder é baluarte na

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sustentação de um regime autoritário. Hannah Arendt deixa clara a escassez de informa-ção que a Rússia totalitária oferecia no pós-guerra, a despeito da quantidade de documentos intactos e quão evidente era o fato de que a falta de infor-mação, seja pela omissão ou por sua manipulação, era uma política de governo.Além disso, a propaganda, dentro de um regime autoritário, é um grande fator que, usando os po-deres de construção de narrativas e convencimen-to, certamente tem um papel central na sustenta-ção daquele regime perante o povo, uma vez que, mesmo para usar do aparato de repressão estatal à disposição do líder, é necessário que as pessoas que fazem parte de qualquer instância do Estado, inclusive a de repressão, estejam convencidas de que aquele regime ou ideologia é realmente o me-lhor caminho a ser seguido. Neste sentido, então, não basta usar da violência contra qualquer tipo de oposição, é necessário ter o verdadeiro apoio popular e, para isso, usar os elos informacionais a fim de fazer a curadoria de informações, construir narrativas que embasem as escolhas estatais, promover uma imagem negativa acerca de ideias opositoras e convencer os cida-dãos sobre qualquer necessidade. Tudo isso ficou evidente no último período ditato-rial vivido no Brasil, em que a propaganda era uti-lizada reiteradas vezes para promover a imagem do governo diante do povo, privar os cidadãos da totalidade de informações – como a existência de grupos de resistência – e a escolha do comunismo como inimigo, junto com a consequente negativa-ção de sua imagem perante a sociedade. Um fato histórico que exemplifica essa importân-cia do monopólio dos elos informacionais se deu quando do sequestro do embaixador norte-ame-ricano, Charles Elbrick, por guerrilhas brasileiras que exigiram, além da troca do embaixador por

15 presos políticos, a divulgação de seu manifesto em redes nacionais de rádio, principais veículos da época. Este manifesto se propôs a denunciar fatos que iam de encontro à narrativa criada pela propa-ganda governamental, causando fissuras na ima-gem do governo perante a sociedade que o apoia-va.A informação na democracia

A transparência pública é um requisito essencial para o Estado Democrático de Direito. Nele, ela é tida como pressuposto de cidadania, participação e controle pela sociedade. À medida que a cultura da transparência pública aumenta na Administra-ção Pública, aumenta o controle social e a partici-pação por parte dos cidadãos. O direito à informação está garantido na Constitui-ção Brasileira de 1988 (CF/88) e é considerado um Direito Fundamental, segundo a Carta Magna. No entanto, esse tema ficou vinte e três anos sem o devido detalhamento sobre o que é a informação pública, como se dá o seu acesso e o papel das ins-tituições públicas para que o direito à informação seja garantido. A Lei de Acesso à Informação (LAI) representou um marco na cultura de transparên-cia na administração pública.A transparência quebra um antigo paradigma: o sigilo como regra. Hoje, as regras são outras: a pu-blicidade e a transparência. O poder público tem o dever de garantir a disponibilidade da informação e a Lei de Acesso a Informação, Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, é o instrumento através do qual se determina que as instituições públicas devam tornar acessíveis as informações públicas.Apesar dos avanços, o manuseio dos elos de poder não é exclusividade de um regime autoritário ou totalitário. A despeito de o monopólio da cadeia de informação não ser comum em regimes demo-cráticos, onde ele é trocado por oligopólios, acar-

retando em diferenças na dinâmica das relações entre os elos de poder, mas objetivando a manu-tenção desses elos nas mãos de poucos. A pesqui-sa de Monitoramento da Propriedade da Mídia, por exemplo concluiu que, no Brasil, apenas 5 famílias controlam 50% dos principais veículos de mídia. Ou seja, a informação continua a ser proprieda-de de poucos, a construção da narrativa perpassa ainda um processo controlado por pouquíssimos e o convencimento perpetua-se a favor de um pe-queno grupo. Dessa maneira, especificamente no caso brasileiro, não muito se difere o regime de-mocrático de regimes autoritários no que tange à cadeia informacional. Além disso, a própria LAI carece de melhor de-mocratização. De acordo com o balanço de 2013 feito pela CGU, 95% das quase 90 mil solicitações foram respondidas - grande parte dos solicitantes (60%) declararam ter curso superior. O que revela um problema, já que, de acordo com a OCDE (Or-ganização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), só 14% da população brasileira tinha ensino superior até 2015.A comunicação pública na UnB

A Universidade de Brasília não demonstra estar plenamente adaptada para o acesso à informa-ção. Mesmo sua transparência passiva – que se dá quando a motivação pela divulgação da informa-ção ocorre por meio de um agente externo – deixa muito a desejar, a descentralização das informa-ções sobre a Universidade dificulta o acesso do público, fazendo necessários vários contatos com diferentes departamentos a fim de descobrir o responsável pelo assunto procurado. Além disso, a demora e respostas contraditórias é algo ainda muito presente. O alarme soado pela reitoria da UnB acerca da impossibilidade de manutenção de serviços pela

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universidade como consequência da falta de ver-ba, por exemplo, encontra oposição no discur-so do Ministério da Educação, que afirma que os repasses à Universidade foram feitos conforme o previsto.

Em meio à batalha de narrativas conflitantes dentro do próprio Estado, docentes e discentes acabam por não saber como proceder, como lutar pela continuidade de serviços e direitos e que mecanismos utilizar para se fazer ouvir neste processo.

Não fosse suficiente a dificuldade encontrada na simples tentativa de saber a real situação finan-ceira da UnB, estudantes acabam por enfrentar, além do aparelho repressivo do Estado, a narrati-va construída pela imprensa que, muitas vezes, se sacia em evidenciar a luta pública dos estudantes contra a situação - como as manifestações e ocu-pações - e não demonstra o mesmo empenho em cobrar respostas mais assertivas do poder público em relação à crise orçamentária.Isso fica evidente nas manchetes dos principais ve-ículos de imprensa no Brasil. A cobertura sobre o protesto dos estudantes da UnB no dia 10 de abril último demonstra a criminalização do movimento estudantil por parte da mídia. O título da matéria feita pelo G1 – portal digital do grupo Globo – é “Alunos da UnB entram em con-fronto com a PM na Esplanada dos Ministérios”, deixando implícito que, sob a perspectiva deste jornal, a iniciativa do confronto foi dos estudantes e, portanto, a Polícia Militar somente reagiu. Outro grande veículo, o Estadão, intitula a matéria sobre o ato da seguinte forma: “Protesto de estudantes da UnB termina novamente em confronto com a PM”, dando a impressão de que é comum confron-tos com a polícia quando se trata de estudantes da Universidade de Brasília.

Tudo isso desqualifica a imagem da Universidade e de seus estudantes perante a sociedade, invisibi-lizando a luta estudantil por uma educação pública de qualidade e, também, por uma universidade mais transparente.E mais, o conflito de narrativas tanto oficiais quan-to na imprensa acaba, não só, por atrapalhar o cor-po discente em busca dos próprios direitos e garan-tias, como também por desarticular iniciativas de luta. Apesar de não ocorrer a completa ausência de empenho, mesmo diante de fortes evidências das prometidas consequências em face da falta de ver-ba – como a demissão de terceirizados e estagiários e a diminuição do contingente de cargos essenciais para o funcionamento das atividades da universida-de – a falta de transparência da reitoria em lidar com o caso junto ao seu próprio conflito de narrativas e à condenação moral dos movimentos estudantis por parte da imprensa, enfraquece a conexão dentro do próprio corpo docente.

Fato é que todas as consequências palpáveis da crise orçamentária não foram suficientes para unir a UnB em um só corpo de luta pela manuten-ção de empregos e atividades.

Não houve consenso nem entre os alunos, nem en-tre os professores. O conflito de narrativas encontrou eco dentro do próprio corpo discente, imobilizando--o quase que por completo. Assembleias estudan-tis supostamente sem quórum para decretar greve andavam lado a lado da aparente inércia do corpo docente, enquanto dentre os poucos cursos que de-cretaram greve estudantil, alguns, como os da Fa-culdade de Comunicação, enfrentaram a clara falta de apoio e respeito por parte de alguns professores. Diante de todo esse cenário, a greve dos servidores e terceirizados se contorce para dar conta, sozinha, da luta de uma universidade inteira.Se torna evidente, portanto, o quão danoso para uma

comunidade a falta de transparência pública pode ser mesmo se tratando de um regime democráti-co. O espaço deixado por uma informação ausen-te e o desencontro de narrativas ecoam dentro da coletividade. Apesar da inércia natural de alguns, não há como condenar aqueles que se negam a agir diante da incerteza, seja por pragmatismo, éti-ca ou o que valha. Se há, neste cenário, alguma certeza é a de que a busca pela verdade é uma batalha que vale a pena ser lutada, como se sua vitória fosse um requisito para a continuidade da luta, sem ela, ou seja, sem aquela informação essencial provida principal-mente pelo Estado, não há afinco suficiente para a manutenção de qualquer movimento. É urgente, portanto, a democratização do acesso à informa-ção como instrumento também de luta social.

Referências:ARENDT, H. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2013BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.__________. Lei nº 12.527. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2odo art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Brasília, DF, 18 de novembro de 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm. Acesso em 14 jun. 2018CGU. Acesso à Informação. Disponível em: <http://www.acessoainformacao.gov.br/> Governo Federal. Acesso em: 14 jun. 2018RIBEIRO, G. Globalization form bellow and the non-hegemonic world-system. In: Gordan, Matheuws, Ribeiro, Gustavo and Vega, Carlos. Globalization from bellow: The world’s other economy. London, Routledge, 2012.MATOS, H. Comunicação pública, esfera pública e capital social. In: DUARTE, Jorge (org.). Comunicação pública: Estado, mercado, sociedade e interesse público. São Paulo: Editora Atlas, 2009.SANTOS, M. Por uma outra globalização. Rio de Janeiro, Editora Record, 2001.

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Democracia e Inclusão: a luta por acessibilidade na UnB

O Programa de Apoio às Pessoas com Necessida-des Especiais (PPNE) foi criado em 1999 e a ini-

ciativa partiu da própria universidade perante a ne-cessidade de atender essas pessoas e assegurar sua inclusão na vida acadêmica, por meio de garantia de igualdade de oportunidade e condições adequa-das para o seu desenvolvimento na universidade.

Ao longo desses 19 anos, muitas barreiras já foram quebradas, tanto nos aspectos físicos quanto nos aspectos sociais, transformando a forma como a instituição pensa essas questões e consequente-mente sua cultura organizacional, tornando a Uni-versidade cada vez mais democrática e inclusiva.

Ainda existem muitas barreiras que precisam ser ultrapassadas, mas o projeto está em progresso, como nos contou a atual Coordenadora do Progra-ma, Thaís Kristosch Imperatori, Assistente Social e parte do programa há 8 anos.

Thaís nos recebeu na sede do PPNE, que fica no Campus Darcy Ribeiro da Universidade de Brasília (UnB), , e contou em detalhes como é o dia-a-dia do

Em meio a uma construção física e social nada inclusiva, surgiu na UnB um programa com objetivo de proporcionar condições de acesso e permanência de pessoas com deficiência na universidade. Carolina Vianna, Gabriel Hadad, Isabela Fialho e Raquel Mesquita

programa e como as questões de acessibilidade são debatidas e enxergadas na Universidade de Brasília.

P: Como surgiu o programa?

R: Os primeiros registros que a UnB tem de estu-dante com deficiência são dos anos 80. Nessa épo-ca começaram as primeiras comissões e grupos de trabalho para estabelecer alguma diretriz e forma de atendimento para estes estudantes, articulando com setores considerados estratégicos como a Faculda-de de Educação a Prefeitura do campus, o Decanato de Assuntos Comunitários, o Decanato de Ensino de Graduação. Em 1999, foi criado o PPNE, que na épo-ca se chama Programa de Apoio ao Portador de Ne-cessidades Especiais, vinculado à Vice Reitoria com o objetivo de estabelecer uma política permanente de atenção às pessoas com deficiência na UnB, prin-cipalmente para os estudantes.

A UnB foi uma das pioneiras no Brasil, dentre as Ins-tituições Federais de Educação Superior, a ter pro-grama que atende a esse público. Essa ação também foi impulsionada por alguns marcos legais, embora a

grande maioria das leis e decretos, principalmente com foco na educação de ensino superior, são dos anos 2000.

Em 2005, há a criação de um programa muito im-portante, o Programa Incluir, que funcionava da seguinte forma: as instituições apresentavam pro-jetos, falando o que precisava, qual seria a ação e colocava uma estimativa de recursos necessário para realização dessa ação, e então eram selecio-nados alguns projetos. Em 2013, esse programa foi incluído no Plano Viver sem Limites, e passou a re-passar um recurso fixo para as universidades.

Em 2010, as ações destinadas para estudantes com deficiência, transtorno global do desenvolvimen-to e altas habilidades foram consideradas como ações de assistência estudantil. Essas ações estão dentro das ações do Programa Nacional de Assis-tência Estudantil, junto com moradia, alimenta-ção, transporte e outras.

A lei que institui as cotas na educação superior foi alterada em 2016, passando a incluir pessoas

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com deficiência. O primeiro vestibular que teve cotas para pessoas com deficiência foi em 2017, e em 2018 entraram mais de 40 estudantes por meio de cotas. Então a gente entende que é esse é outra medida, que garante o acesso, e o acesso é muito importante.

Uma informação interessante, que as pessoas não imaginam, é que segundo o Censo da Educação Superior de 2016, apenas 0,45% dos estudantes matriculados em cursos superiores no Brasil, fede-rais ou privados, são pessoas com deficiência. Ou seja, essa medida de garantia de acesso é muito importante.

P: A demanda do projeto surgiu a partir da insti-tuição ou da sociedade?

R: O Programa surgiu das demandas dos estudan-tes, que entravam e encontravam várias barreiras no decorrer do curso, então nós entendemos que foi um processo motivado pela chegada dos estu-dantes na universidade. Ainda é um número muito pequeno de estudantes. Então em termos de ações, fazer uma ação para poucos estudantes ainda não é compreendido como uma ação necessária.

P: Quem é o público alvo do programa?

R: Estudantes de graduação e pós-graduação com deficiência física, visual, auditiva, intelectual, múlti-pla, transtorno global do desenvolvimento, dislexia e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.

P: O que o programa entende como acessibilida-de?

R: Está em andamento uma comissão que está elaborando a política de acessibilidade da UnB, e estamos tendo algumas discussões sobre o que é acessibilidade.

A gente entende que a acessibilidade se constrói nessas relações cotidianas e tem que promover a participação, a autonomia e a segurança. Então se

o estudante consegue ir de um prédio para o outro na UnB com segurança, com autonomia, se conse-gue participar e frequentar os espaços, se consegue se expressar, então está sendo garantida a inclusão.

Nós sempre falamos que o convívio com a diversida-de enriquece as aprendizagens, porque faz a gente ter um outro olhar e ponto de vista. Um olhar atento e cuidadoso para essas questões da acessibilidade.

P: Qual é o desafio da PPNE hoje?

R: Garantir a eliminação das barreiras relativas à aces-sibilidade que é física, nas comunicações, no aces-so a informações, é acadêmico e perpassa todas as relações cotidianas na universidade, de estudantes, técnicos administrativos e docentes. Pois nós enten-demos que a acessibilidade não tem que ser promo-vida apenas pelo PPNE, ela tem que perpassa todas as relações.

Então pensar em acessibilidade significa considerar desde a instalação de elevador, reforma para colo-car uma rampa, adaptação de banheiros, contrata-ção de intérprete de libras, ter material em braile, ter um professor que tenha compromisso dentro da sala de aula para pensar em metodologias de ensino e avaliação que contemple as especificações dos es-

tudantes, pensar na contratação de profissionais como um concurso que preveja uma prova que permita que um candidato com deficiência pos-sa fazer e ser um servidor da universidade. Então é muito complexo, pois envolve várias dimensões. Esse é o desafio, é construir uma cultura de inclu-são e acessibilidade na universidade. Pois nós já temos a cultura de que a pessoa com deficiência é incapaz, é aquela que tem uma dificuldade e vai ser um aluno problema.

Um dos desafios do PPNE é romper com barreiras atitudinais, que são aquelas que perpassam essas práticas cotidianas nas relações sociais. Muitas ve-zes é necessário a gente conviver com pessoas com uma pessoa com deficiência para quebrar nossos preconceitos e conseguir enxergar a pessoa para além de um determinado diagnóstico, lesão ou li-mitação. E entender que esse processo é construí-do a partir de relações.

P: O acesso ao programa ocorre em todos os campus da Universidade?

R: Só tem o PPNE no Darcy Ribeiro. Existe uma proposta para expandir para os outros campi, mas ainda não foi executada.

P: Com o início do projeto, quais foram as pri-meiras mudanças?

R: Uma coisa muito importante que aconteceu foi a criação de uma resolução em 2003 que trata dos direitos acadêmicos dos estudantes na UnB, é uma resolução específica da UnB. Nessa resolução é colocado que o estudante cadastrado no PPNE tem direito de realizar provas com tempo amplia-do e que é possível fazer adaptações na prova de acordo com a disciplina e com os conteúdos que vão ser avaliados na disciplina, como por exemplo fazer uma prova oral ou no computador. Essa re-solução prevê também prioridade de matrícula e prorrogação no tempo de permanência; Então se o

Somente 0,45% dos estudantes matriculados em cursos superiores no Brasil, sejam federais ou privados, são pessoas com deficiência.Em 2018 entraram mais de 40 alunos com deficiência através do sistema de cotas. O PPNE atende atualmente 125 estudantes com deficiência (excluídos aquele com dislexia e transtorno de déficit de atenção, que somam 137). Ao total são 262 estudantes atendidos. O programa já auxiliou 368 alunos.

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estudante atingir o tempo máximo é possível pror-rogar por mais 50% do tempo máximo do curso. No caso do estudante adquirir uma deficiência no decorrer do curso ele pode solicitar uma mudança de curso, se ele entender que a deficiência impac-tou na forma com que ele vai desenvolver sua ativi-dade profissional. Isso foi um impacto importante.

Nessa época também foram criadas alguma me-didas de acessibilidade física, então tiveram al-gumas reformas. Teve também a implantação da biblioteca Digital e Sonora, que hoje funciona na Biblioteca Central, que inicialmente foi um projeto do PPNE para garantir a acessibilidade de acervo.

Uma coisa que é importante deixar claro: o PPNE não faz suas ações sozinho. Por exemplo tem dois laboratórios na Faculdade de Educação; um de apoio ao deficiente visual e outro que é de libras.

A Universidade tem vários projetos como por exemplo; natação para pessoa com deficiência; tem projeto de nutrição para paraatletas; tem um projeto de dança para pessoa com deficiência; tem um projeto na Letras de audiodescrição de peças, filmes, exposições e museus; na Ceilândia tem o projeto de tecnologia assistiva; tem o projeto da computação, de criação de software para pessoas com autismo. Enfim, vários projetos de pesquisa e extensão na universidade e a gente entende que isso é muito positivo. É mais um argumento que corrobora que a inclusão não ocorre somente pelo PPNE, ela tem que perpassar todas as dimensões da Universidade.

P: Em questões de acessibilidade quais foram as barreiras que já foram quebradas?

R: Os prédios novos já são acessíveis. Por mais que tenham problemas, já foram construídos pensan-do nessa necessidade; Teve a instalação de eleva-dores no ICC; a reforma para ligar o ICC a Bibliote-ca, então as calçadas são novas.

Enfim, a UnB é um espaço muito grande e é difícil garantir a acessibilidade física em todo espaço. Mas a gente vê avanços.

P: Quais são as maiores barreiras (não só físicas) que ainda precisam ser quebradas?

R: Eu diria três, a princípio: aprimorar a questão da acessibilidade comunicacional, que é por exemplo ter mais intérpretes de libras, ampliar a oferta de disciplinas de libras, e ampliar a produção de mate-rial em braile. Pois nós sabemos que a quantidade de estudantes com deficiência que estão chegando, principalmente após a implantação do curso de Lín-guas de Sinais Brasileiras e as cotas nos processos seletivos tem aumentado muito, e é importante que os serviços consigam atender os estudantes de uma forma adequada.

Outra é a formação de professores, pois para ser pro-fessor universitário você não precisa fazer um curso de licenciatura, então é muito comum que o profes-sor tenha um currículo de pesquisa muito bom, mas

CONCEITOSMeritocracia, por Lívia Barbosa

A meritocracia se expressa através das avaliações de desempenho, analisando, comparando e avaliando os resultados de cada um no desempenho de suas tarefas que foram alocadas. Apresenta um sistema de hierarquização por desempenho selecionando as pessoas mais capazes de desempenharem determinadas tarefas. É também uma ideologia que pressupõe que os melhores no desempenho de uma determinada função, em um determinado contexto histórico e social são aqueles que deveriam ocupar postos e posições. Como as Instituições pensam, por Mary Douglas

A antropóloga defende que o ato de discutir temas como cooperação e solidariedade deve partir das instituições, visto que estas são responsáveis pelas tomadas de decisão de uma comunidade. Uma única mente pensante não consegue mudar um ponto de vista, ao contrário de uma instituição.

que não tenha conhecimento de noções de didática e formas de avaliação pois isso não é exigido dele. Nós entendemos que os professores não só devem estar formados mas tem que estar comprometidos em assumir uma função de educador, pois só a ofer-ta de curso não garante que eles vão ter um olhar mais atento. Muito professores ainda têm uma visão de que os estudantes têm que ter quase que super poderes, e que a reprovação e melhor forma de fa-zer com que o estudante estude.

E uma terceira é a quebra de acessibilidade atitudi-nal, que é perpassar todas as dimensões da Univer-sidade, garantir que esse estudante tenha espaço de participação. P

or exemplo, agora está tendo eleição do DCE e quais são as propostas com relação às pessoas com defici-ência? Tem um espaço muito grande para discussão da questão LGBT, de mulheres, dos negros, e qual é o espaço para dar visibilidade para essas pessoas e garantir essa participação?

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P: Existe algum tipo de trabalho externo a UnB, visando beneficiar a comunidade?

R: Esses projetos que eu falei, a maioria são abertos. Aqui no PPNE a gente faz palestras em escolas, nós somos bastante demandados para para explicar como funciona a UnB, como é o ingresso, e em muitos casos os estudantes se surpreendem com a possibilidade de entrar na UnB e fazer um curso superior aqui.

P: Que trabalho é feito com eles para que se sintam capazes de sair da UnB e entrar no mercado de trabalho?

R: A gente não tem tido muito essa continuidade. O que nós fazemos é a divulgação de oportunidade de estágio, nós temos contatos com o Senado, a Enap (Escola Nacional de Administração Pública) e com a Câmara Legislativa, pois eles tem algumas ofertas específicas para pessoas com deficiência na política de estágio deles.

A gente recebeu a pouco tempo uma proposta da Ambev para fazer um workshop específico para pessoas com deficiência. Toda empre-sa precisa cumprir a lei de cotas, e quando alguma empresa quer divulgar vagas aqui na UnB a gente tem o entendimento que nós pre-

cisamos divulgar vagas de nível superior, então a Ambev veio com essa proposta de que eles queriam receber currículo de pessoas ou para estágio ou cargo de nível superior. Nós vamos fazer um oficina na próxima sexta feira para ensinar a fazer currículo e como se co-locar em uma entrevista.

P: A um acompanhamento no ingresso do mercado de trabalho?

R: Não tem, quando os estudantes se formam acaba o trabalho do PPNE.

P: A UnB foi projetada para ser inclusiva?

R: Não. Pois naquela época nem se imagina que pessoa com deficiência iriam chegar na universidade. Naquela época a cultura é que as pessoas com deficiência deveriam ficar em casa, não deveriam nem ir para escola, justamente por esse paradigma da incapacida-de e de que as pessoas com deficiência não precisavam estudar nem trabalhar.

P: Como o assunto é discutido no meio acadêmico?

R: Depende muito do departamento. Tem departamento que nós temos uma abertura maior e outros não, alguns nós temos muitos projetos, então varia muito.

Mas o assunto está cada vez mais sendo discutido, inclusive foi instituído a comissão de acessibilidade da UnB que está construindo um documento e vai trazer essas diretrizes e orientações. Esse é mais um passo bem importante.

COMO PARTICIPAR DO PROGRAMAComo estudante:

O aluno precisa apresentar um relatório médico comprovando a sua condição e depois de apresentado, será chamado para uma entrevista de acolhimento em que será passado como funciona o projeto e a universidade.

Como tutor:

O estudante se apresenta na sede do programa, onde vai preencher um termo de compromisso. Existem 2 formas de tutoria: tutoria voluntária e tutoria remunerada. Em ambas, o estudante recebe 2 créditos ao final do semestre nos moldes de uma monitoria.

Foto: Divulgação

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LEI 13.409, DE 28 DE DEZEMBRO 2016: Altera a lei 12,711 para dispor sobre a reserva de vagas para pessoas com deficiência nos cursos técnico de nível médio e superior das instituições federais de ensino.

DECRETO 7.234, DE 19 DE JULHO DE 2010: Dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil - PNAES.

LEI 11.133, DE 14 DE JULHO DE 2005: Institui o Dia Nacional de Luta da Pessoa Portadora de Deficiência.

LEI 11.126, DE 27 DE JUNHO DE 2005: Dispõe sobre o direito do portador de deficiência visual de ingressar e permanecer em ambientes de uso coletivo acompanhado de cão-guia.

LEI 7.853, DE 24 DE OUTUBRO DE 1989: Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências.

LEI 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996: Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

DECRETO 3.956, DE 8 DE OUTUBRO DE 2001: Promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência.

PORTARIA 3.284, DE 5 DE NOVEMBRO DE 2003, DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO: Dispõe sobre requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências, para instruir os processos de autorização e de reconhecimento de cursos, e de credenciamento de instituições

LEI Nº10.098 DE 19 DE DEZEMBRO DE 2000: Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências.

LEI Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015: É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.

P: Existe cooperação dos alunos da instituição com o projeto? E dos funcioná-rios/professores?

R: Em geral sim.

P: Como é a cultura organizacional da UnB quantos à acessibilidade?

R: A gente tem conseguido ganhar alguns espaços, mas ainda não está consolida-do. Não faz parte da cultura. Mas está no processo e está crescendo.

P: Levando em conta os sistemas de avaliações meritocráticas, os professores avaliam os deficientes acompanhados pelo programa levando em conta suas diferenças físicas e sociais?

R: A gente acredita e defende que sim. Mas nem sempre isso é consensual. Tem duas questões importantes de serem pontuadas. Uma é ignorar a deficiência e con-siderar que todo mundo vai conseguir um mesmo desempenho no mesmo tempo, e isso é uma ilusão pois todos nós somos diferentes, independente de ter ou não deficiência.

A inclusão deveria contemplar toda a diversidade de processos de tempo e formas de aprendizagem. A outra questão é que é necessário ter critérios de avaliação cla-ros e que contemplem formas alternativas de expressar o que foi aprendido nas disciplinas.

A gente encontra um conflito muito grande, desde o processo de ingresso na uni-versidade, que é um processo seletivo que vai levar em conta a meritocracia.

A questão principal é que em alguns casos é possível fazer uma avaliação diferencia-da, como tem na resolução, e em outros casos não é possível. Vou dar um exemplo que vivenciamos: uma das coisas possíveis de ser negociada e avaliada e a possibi-lidade de uma correção diferenciada, então em alguns casos o professor pode cor-rigir uma prova ou trabalho com maior ênfase na lógica que o estudante usou para responder uma determinada questão, então vai ver se ele usou a fórmula certa, se ele usou as informações certas, se ele entendeu o problema, e isso contempla os objetivos daquela disciplina. Em outros casos é necessário que o estudante chegue em um determinado resultado, por exemplo em uma conversa com o um professor de engenharia ele falou que na disciplina dele, não poderia corrigir só consideran-do isso, pois se o estudante errar o cálculo o prédio vai cair. Em outras não.

P: O que precisa ter em uma organização para que se tenha uma cultura demo-crática e inclusiva?

R: A gente precisa ter leis e normas que garantam direitos e que especifiquem as atribuições e responsabilidades de quem vai promover isso. Além disso, a gente pre-cisa ter um equipe que vá fazer esse trabalho, por exemplo as questões da barreiras

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comunicacionais, se não tiver intérpretes de libras a gente não vai conseguir romper com essa barreira. E também formação e orientação.

P: Como mudar uma cultura organizacional de pre-conceito?

R: Eu vou falar quais as medidas que a gente faz aqui. O primeiro passo é um diálogo, conversar, tirar dúvi-da, orientar, mostrar que existe uma legislação, mos-trar as resoluções e pensar em alternativas.

Já aconteceu casos desse diálogo não ter resultados positivos e o estudante precisar entrar na justiça. São casos raros, mas que chegaram a esse ponto. Uma questão que é importante ficar claro é que a discrimi-nação de pessoas com deficiência é crime, da mes-ma forma como discriminação por orientação sexual e racismo. Existe um limite para essas resistências e dificuldades que as vez os professores e inclusive ser-vidores podem impor. O que nós fazemos é orientar, explicar qual é embasamento para as nossas ações, para em um segundo momento se for o caso ir para outras instâncias.

O Programa é uma ferramenta de extrema importân-cia para a construção de uma cultura organizacional mais democrática e inclusiva dentro da Universidade de Brasília, e suas ações tem que ser cada vez mais apoiadas e divulgadas no meio acadêmico, para que as ações realizadas pelo PPNE que geram garantia de acessibilidade sejam cada vez mais eficazes.

Essa é uma via de mão dupla, onde a inclusão acon-tece através do aprendizado e enriquecimento de to-das as partes envolvidas. É preciso que todos enten-dam que pessoas com deficiência tem exatamente o mesmo direito às oportunidades, e que as diferenças e distâncias causadas por sua deficiência devem ser cada vez menores a partir do momento que entende-mos que somos todos iguais.

Referências DOUGLAS, Mary. Como as Instituições Pensam. São Paulo: EDUSP, 1998.<http://www.ppne.unb.br>. Acesso em: 12 de junho de 2018. <http://www.brasil.gov.br>. Acesso em: 13 de junho de 2018. BARBOSA, Lívia. Cultura e Empresas. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.

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Conservadorismo nas periferias

A igreja dentro das comunidades

As esquerdas foram perdendo o voto nas perife-rias, nos últimos anos, quando deixaram de ser

esquerdas. Ou seja, quando perderam proximidade com o que acontecia ali. Quando consideraram que essa proximidade, as quais comunidades criadas alí e igrejas tinham, que os sindicatos tiveram, eram menos importantes eleitoralmente do que televisão e políticas públicas. E ainda pior, quando perderam a imagem de mudança, de renovação e se tornaram moralmente iguais aos políticos tradicionais. Os pastores são os mais próximos dos moradores da periferia; a relação é horizontal. Os mercados que mais crescem nas periferias, nas últimas décadas, são os ilegais e os evangélicos. Deixando claro que as igre-jas são também muito heterogêneas; o liberalismo como base, a teologia de meritocracia para prosperar na vida são, sem dúvida, princípios muito conserva-dores, mas elas estão próximas e isso é reconhecido pela população dalí.Dentre os fatos importantes que precisam ser conside-rados para entender a construção desse pensamento conservador está o crescimento das Igrejas evangé-licas, que nos anos 1970 atraíam 5,2% da população brasileira e, pelo Censo Demográfico do IBGE de 2010,

aumentaram para 22,2%. Tal crescimento veio ma-joritariamente pelas Igrejas neopentecostais, como a Igreja Universal do Reino de Deus, criada em 1977. Hoje os evangélicos são mais de 42 milhões de bra-sileiros, e as estimativas indicam que em 2030 se-rão tantos quanto os católicos.Em uma sociedade conhecida por profundas e his-tóricas desigualdades, a qual se urbanizou rapida-mente e atualmente concentra mais de 85% de sua população nas cidades, sobretudo nos grandes cen-tros urbanos, as Igrejas pentecostais focaram seus esforços no que a mídia passou a chamar de “nova classe média”, ou seja, em 54% da população, um segmento que abrange as famílias com renda entre R$ 1.200 e R$ 5.174 (BARTELT, 2013). A vida dessas famílias está marcada pelas proble-máticas de moradia inadequada, precariedade dos serviços públicos, violência cotidiana e pulveriza-ção dos laços familiares. É nas periferias das gran-des cidades que essa comunidade está, e é aí que se concentra o crescimento do neopentecostalis-mo. O perfil de seus fiéis mostra que na verdade não se trata de uma classe média: 63,7% não ganham mais que um salário mínimo; 8,6% são analfabetos; 42,3% têm ensino fundamental incompleto1.

É na igreja em que essas pessoas vão reencontrar apoio, proteção, um espaço de convívio e uma sensa-ção de pertencimento. Os pastores evangélicos pro-curam confrontar os problemas concretos de seus fiéis com soluções imediatas, e sua Teologia da Pros-peridade afirma que a superação das dificuldades é a comprovação da fé em Deus. Ingenuidade seria pen-sar que é casual o crescimento recente coincidindo com a fase de aumento de renda desse segmento so-cial nos últimos anos.Entre os “novos fiéis” encontram-se milhares de jo-vens, que se afastam do narcotráfico e passam a fre-quentar cultos, deixam de beber e usar drogas, resga-tam sua dignidade, assumem um papel de trabalhador honesto, encontram aí um espaço de recognição pes-soal, de coexistência enquanto comunidade, de cele-bração. Assim, encontram na igreja um caminho, um novo projeto de vida.Esses templos acolhem seus fiéis e os pastores fazem sua pregação de valores e, mais recentemente, sua pregação política. É aí que eles recolhem o dízimo e arrecadam fortunas, como Edir Macedo, fundador da Iurd e presente na lista dos bilionários publicada pela revista internacional Forbes.A exemplo de pregação política, o pastor Silas Mala-

Bárbara Malato

Em São Paulo, Deus é uma nota de cemRacionais MC’s, 2002

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faia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, propaga contra os candidatos que defendem o cha-mados princípios “não-cristãos”, como liberalização do aborto, casamento entre homossexuais, descri-minalização das drogas etc., e combate abertamente candidatos do Psol e do PT.2

A teoria pentecostal diz que cabe à Igreja salvar as pes-soas do mal e se pôr em luta contra Satanás e o peca-do. Se nos anos 1950-1970 essas Igrejas buscavam a cura divina, a partir dos anos 1980 há uma predomi-nância dos rituais de exorcismo. É uma guerra contra o mal e contra o diabo, na qual os fiéis são soldados. É aí que vemos a intolerância manifestando-se para com religiões afro-brasileiras, pois identificam nelas o Satanás e o pecado.

De acordo com o reverendo Carlos Eduardo Calva-ni, da Igreja Anglicana no Brasil, o movimento evan-gélico é um dos maiores perigos para a sociedade brasileira devido ao seu fundamentalismo capaz de elaborar discursos para enganar analfabetos funcionais e levá-los a cometer barbaridades “em nome da fé”. A disputa por corações e mentes na sociedade para catequizar a população em prol de suas crenças e valores e afirmar sua supremacia na sociedade parece guiar seu desempenho no âmbi-to da comunicação e junto às instituições políticas.As Igrejas evangélicas administram 25% das rádios FM. Todo pastor importante tem um templo, uma rádio, um canal de TV. Algumas Igrejas têm edito-ras, produtoras de discos e até agências de viagem.

É cada vez maior o número de horas compradas por essas Igrejas na TV aberta. Tomando como referência a Igreja Universal, podemos observar que ela é uma potência em comunicação: distribui gratuitamente nas ruas um semanário com 1,8 milhão de exempla-res; comprou em 1989 a TV Record, a segunda maior rede de televisão do país; controla mais de vinte emis-soras de TV; transmite seus programas em mais de quarenta estações de rádio. Foi no começo da década de 1990 que a Universal assumiu um protagonismo político e esse investimento em comunicação está to-talmente alinhado a ele. A cúpula da Igreja indica candidatos com base em cri-térios como o número de eleitores de um único local de culto ou distrito. Cada templo tem um candidato para deputado federal e um para estadual. Tais candi-datos são líderes religiosos carismáticos, com orató-ria impecável e, antes de a Universal ter seu próprio partido – o Partido Republicano Brasileiro, que conta hoje com dez deputados federais e 21 estaduais – eles estavam distribuídos por várias siglas.O progresso constante dos parlamentares da Univer-sal tornou-a um exemplo a outras Igrejas, como a As-sembleia de Deus, e deu ensejo à criação da Confede-ração dos Conselhos de Pastores do Brasil, em 2009. Esta organização, de cunho nacional, visa consolidar a força política dos evangélicos, principalmente os pentecostais e neopentecostais, dando sustento a candidaturas de prefeitos e vereadores. Tem-se can-didaturas bastante conhecidas e polêmicas as quais foram apoiadas por essa confederação, tais como a do então prefeito do Rio de janeiro, Marcelo Crivella e do deputado federal Celso Russomanno.A mídia dentro das comunidades

Percebemos ao longo dos anos 1990, na grande mídia, uma composição geral da ideia de vitória capitalista,

Adventistas Central de Porto Alegre/Flickr

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sincronicamente em que avançaram centros difuso-res de ideologias liberais. Ao invés de arrefecerem do ponto de vista da produção de ideias, uma vez que estavam vitoriosos, nos parece que esses intelectu-ais tinham entendimento de que a hegemonia não é fixa, ela precisa ser alimentada dia a dia. Ademais, um conjunto ideológico só se torna hegemônico quando este consegue sair do estrato que o produz e passa a ser a linha de ação do qual vai ser dominado por es-sas ideias, constituindo uma “[...] racionalidade que se faz história” (DIAS, 1996, p. 9). Indubitavelmente a mídia teve - e ainda tem - um pa-pel muito significativo em todo o processo, mas seria ingenuidade supor que ela seja a dirigente responsá-vel por essa maré conservadora. A construção dessa hegemonia se dá no âmbito da sociedade civil, e é aí que devem-se procurar as raízes.Diferente de outros países, em que a identificação com a direita se manifesta de maneira pública, no Brasil, até recentemente, esse alinhamento era mais raro. É preciso pensar com cautela se neste momen-to a direita resolveu “sair do armário” por medo de bullying político (FUCS, 2017), ou simplesmente por encontrar espaço para publicar uma organização já existente e que, finalmente, conseguiu espaço para se tornar também um movimento popular, pelo menos por um curto espaço de tempo. Não é de modo repentino que boa parte da popula-ção é cativada e assume um discurso em que se proje-ta contra o aborto, a favor da redução da maioridade penal, criminaliza o consumo de drogas, reafirma as discriminações contra a mulher, homossexuais e ne-gros, dá seu consentimento silencioso ao extermínio da juventude negra da periferia dos grandes centros urbanos. O certo é que agentes de direita são onipre-sentes, mas nem sempre se assumem enquanto tal. Olavo de Carvalho, considerado um pensador desse público, que encontra identidade de classe sem ter a condição de classe, é posto como “parteiro da direi-

ta”. A matéria da BBC é enfática: “Olavo de Carva-lho, o ‘parteiro’ da nova direita que diz ter dado à luz a flores e lacraias”. Assim começa a matéria:Sobre a cama onde dorme, afixou uma espingarda Remington calibre 12. No cômodo vizinho, ao lado de uma caixa com brinquedos, espalhou mais de 30 rifles de caça. Em frente à mesa onde trabalha, pendurou pistolas e revólveres. É dali que Carvalho faz as transmissões diárias de seu curso de filosofia, escreve para cerca de 500 mil seguidores nas redes sociais e trava os embates que o tornaram uma das figuras mais conhecidas e controversas da corrente que vem sendo chamada de nova direita brasileira

- grupo ao qual, paradoxalmente, diz não pertencer. ´Eu quis que uma direita existisse, o que não quer dizer que eu pertença a ela. Fui o parteiro dela, mas o parteiro não nasce com o bebê’, afirma. ‘Estou contra o comunismo e quero que o Brasil tenha uma democracia representativa efetiva’, diz (FELLETT, 2016, não paginado).

Na fala, vemos uma tentativa de distanciamento, de se colocar como um intelectual tradicional, um ilu-minado que mostra o caminho, como se sua fala não tivesse implicações e responsabilidades, como se não fosse ele inerente de um projeto. Além disso, ele se desloca da condição de classe, não quer ser vis-to com aqueles que possam intensificar sua fala. O

Éderson Luciano/Flickr

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Referências 1 Adriano Senkevics, “A ‘nova classe média’ e o crescimento das Igrejas evangélicas”, 24 out. 2013. Disponível em: <https://ensaiosdegenero.wordpress.com/2013/10/24/a-nova-classe-media-e-o-crescimento-das-igrejas-evangelicas/>.2 “Pastor grava vídeos para explicar em quem ‘cristãos não devem votar’”, Folha de S.Paulo, caderno Eleições, p.4, 21 set. 2016.Conferência – Políticas públicas e políticas sociais no contexto do capitalismo financeiro – Profa. Dra. Berenice Rojas Couto, In IV Colóquio Internacional IHU: Políticas Públicas, Financeirização e Crise Sistêmica.BARTELT, D. D. A “Nova Classe Média” no Brasil como Conceito e Projeto Político. Dawid Danilo Bartelt (org). – Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2013.DIAS, Edmundo Fernandes (Org.). O outro Gramsci. São Paulo: Xamã, 1996. FELLETT, João. Olavo de Carvalho, o ‘parteiro’ da nova direita que diz ter dado à luz flores e lacraias. BBC Brasil a Petersburg (EUA), Brasil, 15 dez. 2016. Disponível em: . Acesso em: 6 jun. 2017.FUCS, José. A ‘máquina’ barulhenta da direita na internet: após ‘sair do armário’, a direita conquista trincheiras importantes nas redes sociais. Estadão [online], São Paulo, 26 mar. 2017. Disponível em: . Acesso em: 6 jun. 2017.MORAES, Marcelo. Bolsonaro: “Serei o candidato da direita à Presidência em 2018”. Estadão [online], São Paulo, 30 dez. 2014. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/marcelo-moraes/2014/10/30/bolsonaro-serei-ocandidato-da-direita-a-presidencia-em-2018/>. Acesso em: 6 jun. 2017

centro deve ser apenas o anticomunismo. Entre-tanto, o autor da matéria chama atenção para a presença de armas em seu cenário. Ou seja, pode ser só um discurso, mas está resguardado pela força armadas de forma muito sugestiva, abrindo assim um espaço para a violência e a justiça com as próprias mãos, a qual passa a ser semeada nas mídias sociais. É oposto ao comportamento de Jair Bolsonaro, que já em 2014 anunciava ao jornal O Estado de São Paulo que “[...] serei o candidato da direita em 2018” (BOLSONARO apud MORAES, 2014, não paginado) e, desde lá, vem construindo sua figura pública demonstrando o que é ser direita: defen-der a homofobia; dissipar a repulsa aos direitos humanos; reapresentar discursos vazios política e economicamente.A hipótese é que a direita não se opõe não por hesitações ideológicas, mas por saber que o que defendem é indefensável, não é um projeto que represente a massa da população. É excludente e embasado na exploração. Há limitações claras nessa tentativa de massificação de um movimen-to que não tem como ser de massa mas, ainda assim, em determinados momentos precisa tor-nar-se massa, fundir-se com ela, mesmo que para isso tenha que apoiar ideias e práticas fascistas.

As políticas públicas e a luta contra o conservado-rismo para evitar a retirada de direitos

Já sabemos que o raciocínio predominante passou a ser: “ou a gente se vira sozinho ou não há saída”. As consequências disso são a despolitização e a visão da política como o campo da corrupção.Segundo Berenice Rojas Couto, professora titular da Faculdade de Serviço Social da PUCRS e membro da Comissão Científica da Revista Textos & Contextos, da mesma instituição, passamos atualmente por uma “volta do pensamento conservador em larga escala no Brasil”. “A reclamação da condição social voltou a ser penalizada” e os mecanismos públicos são postos como ineficientes e corruptos. “Está colo-cado na sociedade que o privado atende melhor às necessidades da população”, completa.Berenice ainda ressaltou que, mesmo com a baixa dos índices de pobreza e de miséria no Brasil, o nível de desigualdade não acompanhou – e esse é um pa-râmetro de eficácia de políticas de proteção social, segundo ela. Para a professora, “a socialização da ri-queza não acontece nem no Brasil nem na América Latina”.Referindo-se à declaração atribuída ao antigo minis-tro da Fazenda Delfim Netto de “fazer o bolo crescer, para depois dividi-lo”, Berenice afirmou que “o bolo cresceu, abatumou e não foi dividido”.

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Cultura & Resistência

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Batalha da Escada:Com seu início na década de 1970, o Hip-Hop é uma subcultura e também gênero musical. Hoje é considerado um movimento que mobiliza periferias e jovens mundo afora, no Brasil não seria diferente. Em grande ascensão no país, como nunca antes, o movimento serve como fonte de entretenimento, informação, e dá voz a quem é, por várias vezes, oprimido. O gênero já ultrapas-sou as barreiras do gueto em vários países, como nos Estados Unidos, que viu em 2017 o gênero ultrapassar o Rock e ganhar o título de o mais escutado no território.Com a expansão da informação através da internet, a cultura Hip-Hop atingiu vários públicos, tra-zendo algo que antes era marginalizado para um ambiente com maior visibilidade. Isso facilitou o crescimento do rap e deu cada vez mais voz ao jovem periférico. Algo que dialoga com o texto A Centralidade da Cultura, de Stuart Hall, no qual é dito que os meios de produção, circulação e troca cultural têm se expandido através das tecnologias e da revolução da informação.As batalhas de rima, parte essencial do Hip Hop, funcionam como entretenimento de diversas comunidades e celeiro daqueles que almejam se tornar músicos do gênero. Antes restrito ao un-derground, as batalhas aproveitaram da internet como instrumento de descentralização da cul-tura e informação – hoje podemos achar com facilidade vídeos destas rodas culturais no Youtube, abrindo temas para um público maior e dando força e atenção ao movimento.Dentro do espaço da Universidade de Brasília, às 18h das quartas-feiras, te-mos uma das maiores batalhas de rap do Distrito Federal. Recebendo pessoas de todo o Distrito Federal, mais uma vez demonstrando o poder de descentra-lização do rap, a Batalha da Escada (BDE) chega a reunir cerca de 400 pessoas na plateia. Este movimento cultural é considerado uma mistura de entreteni-mento, música e crítica social, o diferencial da BDE.Por estar dentro de uma universidade pública, temas muitas vezes esqueci-dos entram em pauta no Teatro de Arena, palco do evento. Em outras bata-lhas de rima, o foco na maioria das vezes é entreter, e o público quer ver os MCs se atacarem. Na BDE, a plateia repudia qualquer ato discriminatório, e os MCs focam bastante em problematizar e trocar conhecimento, fazendo jus ao espaço utilizado.A energia do local é agitante e o ambiente é propício para repassar informa-ções relevantes para os jovens de forma divertida. Nada melhor para retratar o movimento do que rimas e imagens.

Batalha de rap na UnB ganha contornos de crítica social e luta contra opressões

João Luz e Thamy Carvalho

hip-hop, informação e crítica social

Fotos: Thamy Carvalho

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Fala, grita, rima, protestaNão cala, respira, se expressaA vida imita a arte, e a arte imita a vidaMinoria que bate no preconceito usando rima

Prazer, hip-hop, conhecido como voz da ruaOnde mensagem nenhuma se torna avulsaRap é biblioteca, difusão de conhecimentoO estado que te cega não contava com o movimento do oprimido, que vê em freestyle e energia o seu tempo consumido

Batalha da escada é cultura e expressão É a fuga de muitos no país da opressão Na UnB também somos uma aula Temas esquecidos entram em pautaUm MC ataca, o outro respondeDebatendo a informação que a mídia esconde

Tira o menor do crime, e dá pra ele o microfoneAgora ele destrói o sistema, sem que ele te detone Sofrimento de viver? Unicamente inspiração A existência toma forma no palco da revolução Ele já não pode mais ser só um número na cadeiaVirou pensador, e a multidão incendeia

Falo, grito, rimo, protestoNão me calo, respiro, me expresso Sou a voz do rap, represento tudo juntoSou todo moleque que quer mudar o mundo

Prazer, MC, conhecido como mensageiroTransmito em música um sentimento verdadeiroPosso ser mano, mina, branco e pretoPosso ser tudo, eliminando o preconceito Na Escada somos um ser diferenciadoSou o grito de socorro de um povo abandonado

No solo universitário minha alma pega fogoPara quem sofre todo dia, viver é só um jogode sobrevivênciaNa batalha cresce esperança e aparece a crença Hip hop me fez hoje, ser tudo que souFalo em nome de muitos, o rap me criou

ReferênciasA centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. HALL, Stuart.

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A raça urbana: política de cotas na UnBComo uma política de origem polêmica transformou o perfil de aluno da universidadeLaura Braga e Natália Carolina

A nação brasileira, comandada por gente dessa mentalidade, nunca fez nada pela massa negra que a construíra. Negou-lhe a posse de qualquer pedaço de terra para viver e cultivar, de escolas em que pudesse educar seus filhos, e de qualquer ordem de assistência. Só lhes deu, sobejamente, discriminação e repressão. Grande parte desses negros dirigiu-se à cidade, onde encontrava um ambiente social menos hostil. Constituíram, originalmente, os chamados bairros africanos, que deram lugar às favelas. Desde então, elas vêm se multiplicando, como a solução que o pobre encontra para morar e conviver. Sempre debaixo da permanente ameaça de serem erradicados e expulsos (RIBEIRO, 1995, p. 222).

A ausência de pessoas negras, deficientes, indíge-nas, pardas e de baixa renda nas universidades

brasileiras colocou, na última década, a necessidade de políticas educacionais voltadas para inseri-las a esse meio ao qual não tiveram esse acesso mesmo, e principalmente, no ensino superior público.O sistema de cotas explicita que o Brasil, um país cuja população é majoritariamente mestiça, está longe de ser uma democracia racial. Seja no mercado de traba-lho, na política, na educação, seja pública ou privada, os negros e os pobres ainda têm menos oportunida-des e representatividade do que a população branca e mais favorecida financeiramente.

O fato de grande parte dessas pessoas morar em favelas e nas periferias não é coincidência, e sim uma construção social.

Quando uma pessoa está em busca de um empre-go ou uma vaga em uma universidade, a cor da pele pode se tornar um fator determinante. A po-pulação negra é discriminada e excluída pela cor da sua pele, e também porque, em grande parte, é pobre. Tal situação é um absurdo, já que no Brasil, 54% da população é negra, segundo informações do IBGE levantadas em 2017. Ao contrário do que muitos afirmam, as cotas para pobres, indígenas e afrodescendentes nas univer-sidades públicas não geram racismo, sendo o ra-cismo uma pré-condição para sua existência. Ain-da vivemos em uma sociedade racista e as cotas colocam a necessidade de discutir o tema e de fa-zer ações que mudem esse lamentável cenário em que pessoas menos favorecidas são excluídas de direitos.Em 2018, as cotas na Universidade de Brasília (UnB) completam 15 anos. O tema começou a ser deba-tido em 1998, com o caso Ari, até a aprovação em 2003 e finalmente a implementação no vestibular realizado em 2004.Desde o início do processo de aplicação do siste-ma de cotas, diversas mudanças ocorreram nas formas de seleção dos estudantes e na quantida-de de vagas reservadas, processo verificado a par-tir da UnB. O que são as cotas?

Cotas são parte de uma política de ações afirmativas a fim de equalizar as oportunidades para as pessoas sem mínimas condições de igualdade. O ingresso em universidades

Marcello Casal Jr/Agência Brasil

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públicas de pessoas com baixa renda, negras e com condições sociais inferiores mudou essas universidades.

O assunto cotas surgiu quando se constatou que apenas 5% da população negra e de baixa renda conseguia chegar ao ensino superior e concluí-lo.

Um levantamento do Ministério da Saúde em 1998 revelou que, em 1997, apenas 2,2% de pardos e 1,8% de negros, jovens entre 18 a 24 anos, tinham cursado o ensino superior.

Esses índices baixíssimos serviram para chamar a atenção para um grande problema: negros e pobres não cursavam ensino superior. A partir disso, procurou-se entender o motivo dessas pessoas não ocuparem um espaço significativo na graduação e pensar em formas de trazer negros e pessoas com renda baixa para a formação superior.

“Pessoas estavam impedidas de estudar em nosso país por sua cor de pele ou condição social. Se fa-zia necessário, na época, uma medida que pudesse abrir caminho para a inclusão de negros e pobres nas universidade”, disse Teresa Olinda Caminha Bezerra, pesquisadora e doutora em Educação na Universida-de Federal Fluminense (UFF), em entrevista à Revista Fórum em 2014.Com esse reconhecimento, em 2000, o sistema de co-tas ganhou reconhecimento, com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) implementando um sistema de cotas em vestibulares através de uma lei que garantia 50% das vagas para alunos de escolas públicas do Rio de Janeiro. Já o sistema de cotas ra-ciais surge no vestibular aplicado pela UnB, primeira a estabelecer política de cotas para negros.Após a implementação das cotas na UERJ e na UnB, outras universidades foram aderindo à política de ações afirmativas para negros, indígenas, pardos, por-tadores de deficiência e estudantes de escolas públi-

cas. Muitas universidades, entretanto, resistiram a aderir ao sistema de cotas. Apesar de muitos não concordarem ou acharem que seria algo que não duraria muito tempo, as cotas permaneceram por-que se perceberam resultados positivos em todo âmbito universitário.Inicialmente, cada instituição de ensino superior tinha sua própria política e regulamento, coexis-tindo vários modelos de processos seletivos para as cotas. Em 2012, a Lei das Cotas, como é conhe-cida a Lei n° 12.711, determinou que as instituições teriam até agosto de 2016 para designarem 50% das vagas das seleções para alunos vindos de es-colas públicas. Na classificação dessas vagas, tam-bém deveriam levados em conta critérios raciais e sociais, posto que, como a professora da UnB Renísia Filice Marques (2018, p.1) afirma, “as polí-ticas afirmativas, como cotas, são pensadas pelo governo para interferir nessas mazelas. Essas são políticas criadas, especificamente, para tratar os diferentes como diferentes”.

Documentário “A Raça Humana”

O documentário “A Raça Humana” (2010), com direção e roteiro de Dulce Queiroz, foi produzido com a finalidade de debater a política de cotas no Ensino Superior, principalmente, na Universidade de Brasília.No vídeo, é possível notar que o debate se divide em duas posturas em relação ao assunto sobre co-tas raciais: um grupo é contra e o outro é favorável a essa política. É possível ter acesso aos diversos argumentos de ambos os grupos, formados por alunos, professores, reitoria, representantes ne-gros e até mesmo políticos.O assunto, que até hoje não é consensual, gerava ainda mais polêmica e revolta em 2004, ano em que a UnB aderiu ao sistema de cotas. Diversas opiniões aparecem no documentário, que reuniu

especialistas em diversas áreas, a fim de contribuir para relativizar os argumentos e melhor explorar o tema polêmico em questão.Neste caso, é pertinente fazer uma analogia com a questão de cultura organizacional, nos termos que Lí-via Barbosa (1999, p.141) traz em seu texto:A cultura organizacional é alguma coisa que a empresa tem, uma variável interna, ou é parte de um ambiente cultural mais amplo onde se insere a organização, uma variável externa? No primeiro caso, as organizações além de bens e serviços, criariam também produtos culturais, como lendas, ritos, símbolos, mitos e heróis, narrativas de valores a serem transmitidos às novas gerações na medida em que se mostrem válidos. A cultura seria pois um produto das relações entre os indivíduos dentro das organizações. No segundo caso, a cultura seria uma variável externa trazida para dentro das organizações pelos seus membros; logo, o peso das culturas organizacionais na moldagem da realidade seria menos determinante do que se

imaginava. Qualquer que seja a definição, a quebra dessa cultura de uma UnB formada apenas pela elite branca acaba gerando revoltas. Os questionamentos do vídeo reme-tem-se a preconceito, políticas afirmativas, reparação histórica. O grupo contra as cotas utiliza argumentos de que todos são iguais e não é a cor de pele que vai interferir na capacidade de entrar ou não na universi-dade. Também é falado que os cotistas entram com notas muito abaixo da nota de corte do sistema uni-versal, o que seria uma injustiça, já que estão tirando a vaga de quem teve um melhor desempenho no ves-tibular e que, de acordo com eles, mereciam mais. Entretanto, nota-se que aqueles que possuem mais recursos financeiros e melhor qualidade de ensino têm mais opções, podendo entre escolher, incluindo universidades privadas, enquanto aqueles que não possuem recursos financeiros acabam tendo pouca ou nenhuma opção.

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O “conjunto orçamentário” [budget set] representa a extensão da liberdade da pessoa neste espaço, quer dizer, a liberdade de lograr o consumo de vários pacotes alternativos de mercadorias. Esse conjunto orçamentário é derivado com base nos recursos da pessoa (neste caso, o nível de renda e a oportunidade de comprar mercadorias a dados preços). A distinção entre (1) os recursos de que depende o conjunto orçamentário e (2) o próprio conjunto orçamentário é um exemplo simples da distinção geral entre os meios para a liberdade e a extensão da liberdade (neste caso, com tudo visto em termos dos pacotes de consumo que podem ser obtidos) (SEN, 2001, p. 74);

Os argumentos de quem é favorável a cotas se desen-volvem em torno da concorrência justa, já que os iguais vão concorrer com os iguais com as mesmas condi-ções históricas, financeiras e escolares. A persistência do racismo, ainda que de forma mais disfarçada, e a escassa presença de negros e pobres nas universida-des também são argumentos deste grupo.A discussão sobre cotas na UnB foi levantada a partir do Caso Ari, em que o estudante de doutorado do De-partamento de Antropologia da UnB e o primeiro ne-gro em 20 anos a participar do programa de pós-gra-duação foi reprovado em uma matéria obrigatória. Ao tentar pedir revisão, o estudante foi informado de que, se o fizesse, seria reprovado novamente. Quando o professor foi questionado, não soube motivar a repro-vação. Essa história serviu para alertar pessoas, como o seu professor orientador, José Jorge de Carvalho, que na UnB era quase nula a existência de negros por ser uma instituição excludente. A partir daí, este professor propôs a primeira política de cotas para a UnB.O documentário propõe a discussão dos pontos de vistas de diversas pessoas, favoráveis ou não às cotas. Não houve uma conclusão, mas sim a comemoração dos avanços políticos alcançados pelos negros. Oito anos após a estreia do documentário, nota-se que o cenário é outro. As cotas raciais e sociais já são obri-

gatórias para as universidades federais e a repre-sentatividade de negros e pobres na UnB teve um aumento muito significativo.História das cotas na UnB

A UnB, em 2004, foi a primeira instituição de en-sino superior federal a implantar o sistema de co-tas raciais no Brasil, com 20% das vagas de cada curso reservadas para alunos que se autodecla-rassem negros, independentemente de classe so-cial. Além disso, a UnB, através de um convênio com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), co-meçou a realizar um vestibular para indígenas a partir de 2005.

Em 2009, o Partido Democratas (DEM) entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) con-tra o sistema de cotas raciais na UnB, pedindo que as matrículas dos estudantes que haviam passado no vestibular da época fossem suspensas.Roberta Camargo (2009) conversou com a advo-gada voluntária do DEM nesta ação, Roberta Kau-fmann, que disse que a motivação foi a de que a cor da pele não impede que as pessoas negras chegas-sem à faculdade, e sim a péssima qualidade das escolas que os pobres brasileiros frequentavam. O caso se encerrou quando os ministros decidiram que as cotas eram constitucionais, pois eram ne-cessárias para diminuir a desigualdade racial.

Marcello Casal Jr/Agência Brasil

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Com a Lei de Cotas, em 2012, o sistema muda na UnB. A lei exige a criação de cotas sociais, re-servando 15% das vagas da Universidade para os alunos que estudaram em escolas públicas durante o Ensino Médio.15 anos após seu início, nota-se que essas políticas afirmativas tiveram resultado. Em 2017, a Universidade de Brasília possuía mais alunos negros do que brancos (50,6%), como mostra o gráfico ao lado. Nota-se que as possibilidades se ampliaram para aqueles que eram minorias nas universidades, como afirma Matos (2014, p.24):A igualdade entre todos os cidadãos amparada na Constituição Federal não se reflete na realidade. O acesso a bens e serviços é, sabidamente, distinto na sociedade brasileira, seja por preconceitos raciais ou barreiras econômicas. Torna-se clara a maior dificuldade que os estudantes dos dois grupos em questão (baixa renda e negros) têm para serem aprovados no vestibular. Seja pela qualidade de ensino deficitária nas escolas públicas, por questões econômicas, sociais ou raciais. As cotas foram exitosas no sentido de permitir maior acesso desses grupos à universidade, uma vez que sua condição inicial de ensino não é suficiente para prepará-los a fim de concorrerem nos disputados vestibulares.

Apesar de seu início polêmico, esta política co-locou em debate um assunto esquecido pela classe privilegiada que dominava a Universida-de. A política de cotas é uma forma de acolher e dar oportunidades para os excluídos. Hoje é possível notar grupos que antes eram exclu-ídos e discriminados ocupando seus lugares nas instituições públicas brasileiras.

Estudantes pretos, pardos e indígenas na UnB. Fonte: G1

ReferênciasBARBOSA, Lívia. Igualdade e Meritocracia. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999.CAMARGO, Renata. DEM entra com ação no STF contra cotas raciais na UnB. Congresso em Foco. Disponível em: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/dem-entra-com-acao-no-stf-contra-cotas-raciais-da-unb/CARVALHO, Igor. Dez anos de cotas nas universidades: o que mudou? Revista Fórum. Disponível em: https://www.revistaforum.com.br/digital/138/sistema-de-cotas-completa-dez-anos-nas-universidades-brasileiras/GARONCE, Luiza. Universidade de Brasília tem mais estudantes negros que brancos. G1. Disponível em: https://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/universidade-de-brasilia-tem-mais-estudantes-negros-que-brancos.ghtmlMARQUES, Marília. Cotas raciais: 15 anos depois, professora da UnB faz balanço sobre reserva de vagas. G1. Disponível em: https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/cotas-raciais-15-anos-depois-professora-da-unb-faz-balanco-sobre-reserva-de-vagas.ghtmlMATOS, Caio N. Ações afirmativas e o combate ao racismo: dez anos de cotas na Universidade de Brasília. Brasília: Instituto de Ciência Política, 2014.RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.SEN, Amartya. Desigualdade reexaminada. Record, 2001.

Ainda assim, é necessário lembrar que o número de professores negros e pardos na Universidade de Brasília não ultrapassa 2%. As cotas abriram portas para aqueles que conseguiram ter acesso à universidade através delas, mas é necessário não parar por aí.

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Me diga aonde você vaiFalta de planejamento e meios de transporte público prejudicam a mobilidade urbana de trabalhadores e

estudantes do Distrito FederalPedro Filhusi e Vinicius Tolentino

A cidade planejada

Brasília é reconhecida mundialmente por sua arquitetura e urbanismo. Ela é tratada como a cidade moderna do século XX e se diferencia das demais cidades pela sua organização das vias públicas e padronização do território.Isso foi planejado na construção da capital federal, na década de 1950. Lúcio Costa desenvolveu nesse projeto ruas e avenidas largas, viabilizando a mobilidade e o acesso da população. Entretanto, com o aumento da população, o território do Distrito Federal começou a de descentralizar, fugindo do centro de Brasília e criando assim várias cidades satélites, como são chamadas as regiões administrativas (RAs).Diferente do Plano Piloto, localizado no centro de Brasília, as demais RA’s apresentam diversos problemas de mobilidade urbana por falta de planejamento de vias e acessos que facilitem a locomoção da população.

As regiões administrativas e a centralização de oportunidades

Mesmo com o acesso dificultado por essa junção de fatores, o Distrito Federal ainda sofre um outro impacto, que se relaciona diretamente com a acessibilidade aos ambientes: a centralização de serviços, como faculdades e locais de trabalho. Segundo dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (CODEPLAN), cerca de 41,53% dos postos de trabalho estão localizados no Plano Piloto, sendo seguidos pela RA Taguatinga com apenas 7,71%. A centralização desses serviços exige um maior deslocamento da população, gerando assim um maior gasto de tempo com o trajeto casa - trabalho ou faculdade e criando um fenômeno chamado “Migração Pendular”, que se dá quando grande parte da população precisa migrar de uma região para a outra durante o dia, e usando sua cidade de origem como uma espécie de “dormitório”.Ainda dentro desse contexto, as cidades satélites, mais distantes dos postos de trabalho, são ocupadas por pessoas menos favorecidas financeiramente, fazendo assim com que o transporte público seja um dos principais meios de locomoção de grande parte dessa população. Grande parte da frota do transporte

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Imagem das linhas do Metrô Brasília. Fonte: Metrô DF.

público se restringe ao “horário comercial”, sendo reduzido no período noturno (além de não cobrir toda a noite) e em finais de semana e feriados.Um dos meios de transporte bastante utilizados em Brasília, além do ônibus, é o metrô. O sistema metroviário está presente nas regiões administrativas do Plano Piloto, Guará, Águas Claras, Taguatinga, Samambaia e Ceilândia, abrangendo assim apenas uma parcela das RA’s do Distrito Federal. Sua estrutura atualmente é composta por 2 linhas, que utilizam do mesmo trilho até Águas Claras, se ramificando depois para seus destinos finais, como mostra a imagem acima. Tanto o metrô quanto os ônibus de Brasília espelham um dos problemas da mobilidade urbana do Distrito Federal, que é a restrição do acesso ao centro (econômico e cultural) da cidade. Segundo o site do Metrô DF, os horários de funcionamento dos trens se restringem de segunda a sexta, de 06h às 23h30, e aos domingos e feriados de 07h às 19h. Já nas RA’s, tomando como exemplo o

Gama, segundo o DFTrans, o BRT (única linha de transporte público que conecta a cidade ao centro de Brasília), tem seu funcionamento restrito entre 05h e 23h15.Esse modelo de transporte público tende a visar somente o transporte do cidadão entre sua casa e trabalho/faculdade, não abrindo janelas para entretenimento, cultura e lazer.Universidade

No contexto de Universidade, a deficiência na frota e dos horários de transporte afeta diretamente estudantes que residem fora do centro de Brasília, principalmente caso frequentem o período noturno de sua instituição. Como base de comparação, pegamos a linha 0.110, uma das linhas mais utilizadas pelos alunos, que os conecta no trajeto que se estende da rodoviária do Plano Piloto para o campus Darcy Ribeiro, na Asa Norte. No itinerário anexo é possível perceber a redução de horários noturnos em relação aos períodos do dia e a massiva redução aos finais de semana e feriados, sem contar que os últimos horários disponíveis do transporte coincidem com as últimas linhas que estão saindo do Plano Piloto com destino às RA’s de origem desses estudantes, impossibilitando o retorno a casa para aqueles que por qualquer que seja o motivo, tenham se entendido um pouco mais no ambiente. Esse fenômeno fica ainda mais gritante quando passamos a tratar dos campus situados nas satélites, como FGA (Gama), FCE (Ceilândia) e FUP (Planaltina). Por estarem localizados fora do eixo central, e muitas vezes com poucas linhas de transporte público de acesso, acabam distanciando cada vez mais os alunos de atividades de lazer, sejam elas no próprio campus, ou agindo de forma integrada aos outros. Desse modo, o estudante acaba ficando refém do trajeto casa - universidade.Vale ressaltar aqui, que o transporte é um serviço essencial, conforme diz a Constituição de 1988 e tal privação

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contribui para a redução de oportunidades, impedindo o acesso a equipamentos e serviços que estão disponíveis apenas, ou em maior quantidade, nas regiões centrais.Possíveis caminhos

As atuais condições de mobilidade urbana e de acesso aos serviços no Distrito Federal excluem significativa parcela da população às oportunidades que o centro oferece, contribuindo para perpetuação de pobreza e de exclusão social.É necessário pensar que, de pouco adianta programas sociais, incluindo aqueles dentro da Universidade, se a parcela da população que deveria ser favorecida não consegue ter o acesso para tal.Por fim, deve-se tomar que a implementação dessas políticas não se resolvem apenas no âmbito técnico, mas também na esfera política, na qual o conflito de interesses é inevitável, entrando aqui na necessidade do fortalecimento e aperfeiçoamento das instituições democráticas, tão fragilizadas nos dias de hoje.Essa reflexão visa contribuir para que as questões de mobilidade e acesso a serviços de transporte público sejam consideradas e entrem nas agendas de políticas públicas do Distrito Federal.

ReferênciasDFTrans. DF no ponto. Disponível em: <https://www.sistemas.dftrans.df.gov.br/horarios/> Acesso em: 10 de junho de 2018METRÔ DF. Horário de Funcionamento. Disponível em: <http://www.metro.df.gov.br/?page_id=8762> Acesso em: 10 de junho de 2018CODEPLAN. Pesquisa Distrital por amostra de domicílios. Disponível em: <http://www.codeplan.df.gov.br/wp-content/uploads/2018/02/PDAD-Distrito-Federal-1.pdf> Acesso em: 10 de junho de 2018PEC 74/2013. Nova Redação ao ART. 6º da Constituição Federal, para introduzir o transporte como direito social. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/115729> Acesso em 13 de junho de 2018GOMIDE, Alexandre de Ávila. MOBILIDADE URBANA, INIQÜIDADE E POLÍTICAS SOCIAIS. Disponível em: <http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/4511> Acesso em 13 de junho de 2018

Fonte: DFTrans

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Mulher na Universidade, uma realidade de direito

O ensino superior foi teoricamente criado para atender exclusivamente a população masculina, excluindo de todo nível de estudo as mulheres. Através desta razão, as

mulheres precisaram entrar em uma luta para conquistar seu direito de educação nesta área, mas ainda que tenha ganho algumas partes por outro lado há alguns desafios que as desanimam.O ensino superior no Brasil começou em 1808 após a chegada da família real, mas apenas em 1879, depois da Reforma Leôncio de Carvalho, a qual modificou o Ensino Primário e Secundário, além do ensino Superior que os direitos começaram a ampliar, e neste momento a mulher passa a ter esse direito citado. Mesmo com a reforma em vigor, só em 1887 que a primeira mulher conclui uma graduação no país, Rita Lobato Velho Lopes (1867-1954), na Faculdade de Medicina da Bahia. Devido a globalização, a busca por parte de todos os gêneros pela educação e espaço no mercado de trabalho, só em 1918 que a primeira mulher, Maria José Rabelo Castro Mendes (1891-1936), ingressou no serviço público federal do país, Itamaraty, no cargo de diplomata.A dedicação das mulheres brasileiras para conquistar seus direitos como um geral acontece desde anos atrás, com destaque na virada dos séculos 19 e 20, onde houve um grande movimento na década de 1960, e deixou marcas de revoluções no quesito costumes. Houve grandes mudanças nos espaços sociais devido as manifestações deste sexo, conquistas em lugares e posições antes inexistentes ou proibidos para elas. Houve conquista em cargos importantes, inclusive políticos, que incentivaram debates e mudanças na relação de gênero. Em 1970, através da ampliação das universidades no Brasil, as mulheres conseguiram entrar de forma expressiva no sistema se ensino universitário do país. É neste momento que o ensino superior consegue crescer dentro da população. A cultura organizacional do Brasil era extremamente machista e proibia a participação das mulheres no ambiente de trabalho, caso não fosse cuidar da casa. Os recentes dados históricos nos levam a tentar perceber que a cultura está recebendo a participação da mulher na esfera pública, principalmente nos últimos anos, onde a mulher consegue reivindicar seus direitos e lutar pelo espaço na sociedade.

A presença de mulheres no ensino superior cresce cada vez mais e atinge novos patamares históricos.Rafaela Santana

Embora a legislação em vigor, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, deixe assegurado a Igualdade de oportunidades entre mulheres e homens no mercado de trabalho, a prática exerce ações diferenciadas para mulheres e homens, decorrentes de estereótipos e papéis sociais de gênero. A evolução das mulheres em direção a postos de trabalhos pode ser explicada pelo aumento no nível de escolaridade, uma vez que é mais elevada na população em geral de na PEA. De acordo com

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Referências

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BIAZI, Gabriela - Lugar de mulher é na universidade? - 2017. Disponível em: <http://terracoeconomico.com.br/lugar-de-mulher-e-na-universidade> Acesso em: 11, Junho, 2018.

Mulheres nas universidades: por que precisamos aprender a contar? - 2016

pesquisa do IBGE, em 2009 a parcela de mulheres que possuíam curso de nível

superior completo era de 19,6% da PEA, superior aos homens, 14,2%.

A busca das mulheres por ensino superior tem crescido a cada ano e isto é notável em algumas estatísticas. A população feminina conquistou 60% das vagas para estudantes nos centros universitários brasileiros, cerca de 53% entre os mestres e 47% entre os doutores . Na Universidade de Brasília (UnB), o número de mulheres representa a maioria dos alunos, 51% e as áreas da saúde e ciências humanas e sociais são as mais procuradas, presença equivalente a 51,1% e 76%, respectivamente. As mulheres estão conquistando seu espaço na UnB, uma vez que é a primeira vez que a universidade tem uma reitora mulher, Márcia Abraão, em vigência desde 2016, um cargo até então conquistado apenas por homens. Ainda que uma mulher esteja em um cargo alto dentro da Universidade, apenas 29,3% dos cargos de chefia, como de decanatos, órgãos complementares, centros e unidades acadêmicas, da UnB são ocupados por mulheres. A busca das mulheres pela educação de ensino superior é maior a cada ano que passa, o que resulta no fato de Brasília ser o único lugar do país onde as mulheres ganham, em média, mais do que os homens. O Ministério do Trabalho levantou que as mulheres do DF ganham em média R$ 5.261,80. Já os homens recebem salário de R$ 5.196,10. O fator ensino superior contribui para maior participação no mercado da população feminina. A entrada da mulher no mercado de trabalho tem sido tendência nos últimos anos, o que contribuiu para o aumento este campo. A participação das brasileiras neste cenário cresce e em 2014, cerca

de 21 milhões de mulheres já trabalhavam com a carteira assinada, o que influencia na tarefa de sustentar 37,3% das famílias do país. É importante criar uma forma de trabalho mais diversa e inclusa, pois amparar mulheres com grandes talentos é gerar estímulos para carreiras brilhantes, além de ser necessário. Esta atitude contribui para que as organizações construam um futuro inovador. Não é fato de que todos os direitos para as mulheres foram conquistados, pois ainda existe violência e discriminação de gênero. A conquista da inserção das mulheres nas universidades aconteceu a partir de um processo longo e de muita luta. As dificuldades enfrentadas, entre elas o preconceito e a construção social, colaboraram para o difícil processo de educação na área do ensino superior para o público feminino.Falar de gênero nas universidades é garantir que todos e todas sejam respeitados e respeitadas independente de suas escolhas e afetos, por isso é necessário que todos tenham oportunidade de estudo.

Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/sociedade/mulheres-nas-universidade-cristiane-brasileiro-fala-porque-precisamos-aprender-a-contar> Acesso em: 11, Junho, 2018.

BASÍLIO, Ana Luiza - A igualdade de gênero pressupõe uma sociedade justa para meninos e meninas - 2016 - Disponível em: <http://educacaointegral.org.br/reportagens/igualdade-de-genero-pressupoe-uma-sociedade-justa-para-meninos-e-meninas/> Acesso em: 19, Abril, 2018.

CARASCO, Daniela; CORTÊZ, Natacha - Ser mulher no Brasil machuca - 2018 - Disponível em: <http://universa.uol.com.br/especiais/ser-mulher-no-brasil-machuca/> Acesso em: 23, Abril, 2018.

CORREIO BRAZILIENSE - Histórias revelam desafios e recompensas de ser mulher - 2011 - Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2011/03/08/interna_cidadesdf,241596/historias-revelam-desafios-e-recompensas-de-ser-mulher.shtml> Acesso em: 18, Abril, 2018.

DONAGGIO, Angela; MIDORE, Fabiane - O valor de uma mulher no mercado de trabalho - 2017 - Disponível em: <https://epoca.globo.com/economia/noticia/2017/07/o-valor-de-uma-mulher-no-mercado-de-trabalho.html> Acesso em: 20, Abril, 2018.

INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA - Estudo detalha avanços femininos no mercado de trabalho - 2016 - Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=27349> Acesso em: 18, Abril, 2018.

PORTAL BRASIL - Mulheres são maioria da população e ocupam mais espaço no mercado de trabalho - 2015 - Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/03/mulheres-sao-maioria-da-populacao-e-ocupam-mais-espaco-no-mercado-de-trabalho> Acesso em: 18, Abril, 2018.

ROLIM, Lilian Nogueira - A inserção da mulher no mercado de trabalho brasileiro - 2018 - Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/blogs/brasil-debate/a-insercao-da-mulher-no-mercado-de-trabalho-brasileiro > Acesso em: 18, Abril, 2018.

VASCONCELLOS, Mateus - Mulher no Brasil: uma história de desigualdade e superação - 2017 - Disponível em: <http://observatorio3setor.org.br/carrossel/mulher-no-brasil-uma-historia-de-desigualdade-e-superacao/> Acesso em: 18, Abril, 2018.

CALIL, Léa Elisa Silingowschi. História do direito do trabalho da mulher. Ed. LTr, 2000. 80 p.

CALIL, Léa Elisa Silingowschi. Direito do trabalho da Mulher. Ed. LTr. p. 15

BARBOSA, Lívia. Igualdade e meritrocaria- 4ª edição. Ed. Fundação Getúlio Vargas.

MOTTA, Débora. Pesquisa analisa a trajetória de inserção das mulheres no ensino superior - 2014. Disponível em: <http://www.faperj.br/?id=2748.2.6> Acesso em: 13, Junho, 2018.

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Diversidade como estratégia organizacional

A antropologia trouxe uma nova perspectiva organizacional para as empresas,

desenvolvendo estudos sob uma ótica organizacional que possibilitaram que servisse como agente de consultoria para diversas empresas e instituições. Segundo Lívia Barbosa em Igualdade e Meritocracia, essa mudança foi fundamental para entender que as transformações no mundo são refletidas nas relações de trabalho para além do modo de produção industrial. O pluralismo cultural e étnico foi apenas uma das demandas nas organizações que refletem os conflitos e contradições da vida moderna.A autora indica que o capital é um forte motivador de mudança nas organizações. Variações nas quais tentam adaptar as relações de trabalho, liderança, subjetividades nas relações de produção e serviços, a fim de conseguir um desempenho satisfatório econômico. Contudo, limitar as transformações que estão acontecendo nas organizações ao capital não satisfaz um conjunto de novas perspectivas organizacionais, como por exemplo a preocupação de algumas instituições refletirem sobre diversidade sexual, de gênero, de etnia e racial da sociedade nas próprias organizações.

Criada em 2013, a Diretoria da Diversidade na Universidade de Brasília abre espaços de acolhimento e apoio para grupos menos favorecidosYara Martins e Vinicius Oliveira

Enquanto algumas empresas escolhem a diversidade como estratégia organizacional para fins mercantis, as Universidades públicas e outras instituições sem fins lucrativos entendem a diversidade como uma estratégia pautada em questões de cunho social. Com uma população universitária de 50.703 pessoas, nos quais 37.071 são alunos de graduação e 7.599 de pós-graduação, a Universidade de Brasília criou no ano de 2013 a Diretoria da Diversidade em resposta as transformações sociais que estão acontecendo na nossa sociedade, com um diálogo aberto com seus docentes, discentes e técnicos administrativos. O objetivo desta diretoria é de atender demandas de alunos que historicamente foram inseridos em contextos sociais estruturados por mecanismos de manutenção de poder que oprimem a permanência desses nessa instituição. A DIV promove e estimula debates que viabilizam e integram os grupos sociais aos quais eles pertencem, além de oferecer suporte para que os mesmos concluam seus estudos na faculdade e se articulem enquanto minorias políticas.

Em contraposição com um discurso meritocrático, desenvolvido na década de 1950 pelo inglês Michael Young, no qual entende-se que a meritocracia é uma valorização do mérito individual sob a relevância e complexidade da origem social e cultural de cada indivíduo, a DIV compreendeu que para darmos oportunidades que auxiliem na permanência de estudantes de específicos grupos sociais em situação de vulnerabilidade, seria necessário atender a suas demandas e oferecer ferramentas de acordo com cada perfil. Foram desenvolvidas quatro coordenações: coordenação da diversidade sexual, coordenação da questão indígena, coordenação da questão negra e coordenação dos direitos da mulher.

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A coordenação da diversidade sexual (CODESEX) procura estimular o diálogo entre a comunidade acadêmica acerca da sexualidade. A partir de um padrão heteronormativo no qual diversas instituições estão estruturadas por motivos históricos e culturais, a DIV abre um espaço de acolhimento para os alunos que não se identificam como pessoas heterossexuais e cisgêneras. Essa é uma medida que percorre pela própria equipe de trabalho no qual cria estratégias organizacionais nas quais refletem suas diretrizes sociais. Além de oferecer apoio a alunos que queriam produzir eventos com essa temática, palestras, mesa redondas, a CODESEX possui grupos de acolhimentos no qual atende, todo semestre, alunos que foram expulsos de casa ou que sofrem abusos psicológicos por não estarem enquadrados na heteronormatividade imposta pela sociedade. Eles são assistidos por psicólogos e assistentes sociais da diretoria e são integrados entre eles para criarem uma rede de apoio que possa ajudá-los enquanto estudantes e enquanto cidadãos que devem ter seus direitos garantidos.

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A coordenação da questão indígena (COQUEI) possui, como uma de suas diretrizes, o desenvolvimento de processos de reintegração aos alunos indígenas, como o acolhimento destes e uma perspectiva organizacional que possa utilizar uma coordenação de gestão compartilhada com os mesmos. De acordo com a obra Cultura e Empresas da cientista social Lívia Barbosa, uma coordenação em que escuta, acolhe os diversos conhecimentos e opiniões de todos os membros, como a proposta da COQUEI com a gestão compartilhada, contribui de forma enriquecedora para as organizações. Para autora, uma coordenação interna voltada para metas claramente definidas que são desenvolvidas de uma forma vertical, sem a participação de outros membros, é recorrente nas organizações, contudo são problemáticas para as mesmas.

A coordenação da questão negra (COQUEN), aliada ao pioneirismo da UnB na base teórica e prática das cotas para alunos negros, busca comprometer-se com o fortalecimento de ações afirmativas na faculdade. O trabalho se fortalece no desenvolvimento de valores que contemplam a igualdade entre todos os alunos para além de estruturas racistas.Um dos trabalhos com destaque é o Mês da Consciência negra. Realizado em novembro de cada ano, a COQUEN promove diálogos na academia e o empoderamento de alunos negros na instituição. Eles chamam especialistas das mais diversas áreas dentro do tema da questão negra, mostrando enquanto organização, uma instituição preocupada com esses alunos, levando em consideração as revoluções culturais na nossa sociedade.

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A coordenação dos direitos da Mulher (CODIM) promove ações que fortaleçam e reconheçam estudantes enquanto pessoas com suas identidades de gênero que devem ser respeitadas, e combatem o sexismo e a violência institucionalizada na faculdade. Esta coordenação utiliza de estratégias organizacionais na manutenção da diversidade com a articulação com outras áreas da faculdade, como a ouvidoria da UnB e a parceria com a Casa da Mulher Brasileira e membros do judiciário.A CODIM realiza atendimento psicossocial e possuem uma forte política para o fim violência de gênero na universidade. São realizadas reuniões com professoras, alunas, técnicas, membros dos coletivos feministas e do DCE. Uma política acadêmica é mapear os cursos, disciplinas, grupos, pesquisas sobre gênero na UnB a fim de integrar e promover o conhecimento desses estudos enquanto comunidade acadêmica.

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Susana Xavier, diretora da DIV, conversou com a Revista 110 e contextualizou o atual cenário da diretoria.(Revista 110): Como surgiu a Diretoria da Diversidade da Universidade de Brasília?Susana: A DIV foi criada em 2013 por meio do Ato da Reitoria 0488, depois de uma brutal agressão física a uma estudante lésbica no estacionamento da Universidade. Depois do ocorrido, o Ministério Público intimou a Universidade de Brasília para criar medidas de combate a violências e opressões. Desta maneira, surgiu a DIV.110: A DIV presta apoio técnico para a graduação, mas e a pós-graduação? Também faz parte?Susana: Nós atendemos toda a Comunidade Universitária, independente do veículo, estudantes, docentes, técnicos e terceirizados. Todas as pessoas que buscam o serviço são atendidas.110: Além do Campus Darcy Ribeiro, a DIV também está presente nos Campus da Ceilândia, Gama e Planaltina?Susana: Nós não conseguimos colocar postos nos quatro Campus, pois não temos pessoal suficiente. Estamos trabalhando com uma defasagem muito grande de pessoal. Na medida do possível, fazemos rodas de conversas e seminários nos outros Campus em datas específicas.110: Quais são as principais estratégias para lidar com este problema?Susana: Enfrentamos este problema definindo prioridades, seja recursos, condições de trabalho e de

pessoal. As decisões sobre definição de prioridades são realizadas com muita transparência envolvendo discentes, docentes, técnicos, terceirizados e toda a Comunidade Universitária em geral.110: Qual é o perfil dos estudantes que mais procuram a DIV?Susana: No que se refere a coordenação indígena, esta coordenação tem a competência de acompanhar esses alunos desde o acesso pelo vestibular até o final da formação, então o acompanhamento pedagógico, didático entre os professores, o diálogo aberto sobre suas especificidades e metas acadêmicas, como seus desempenhos e sofrimento, se difere da relação com outras coordenações. Pois essa relação é constante e por isso temos reunião toda sexta-feira e roda de conversa duas vezes por semana. Então estes alunos estão sempre muito próximos da coordenação.Os demais estudantes, eu poderia falar que o contato se dá geralmente por termos de vulnerabilidade, seja por conta de alguma violência sofrida ou por questão socioeconômica. Como temos quatro coordenações, na medida que a DIV tem mais visibilidade, tem mais procura e por isso não é possível fazer um recorte agora para saber qual é o maior público devido a não mensuração do alcance da diretoria nestes alunos e as diferentes formas que trabalhos com cada grupo social.110: Já foram alguns anos de trabalhos realizados, em que momento a DIV está agora?Susana: A DIV começa a se consolidar agora em

2018. Desde quando foi criada, ela passou por vários processos de falta de espaço, pessoal, orçamento e recursos. No ano de 2017, foi a primeira vez que a DIV começou a ter orçamento, embora pequeno. Conseguimos fazer nossas ações. Para melhorar a visibilidade da DIV, a Faculdade de Comunicação está nos apoiando com prestação de consultoria. Os números dizem muito, depois de uma maior visibilidade os números de processos, denúncias e atendimentos cresceram.110: No site da DIV mostra seus vários projetos, programas e ações. Quais estão funcionando de fato?Susana: Todos os Programas, ações e cursos da DIV estão em pleno funcionamento, toda nossa agenda está sendo executada.110: A DIV está ligada na estrutura organizacional do Decanato de Assuntos Comunitários (DAC) e da Reitoria. Qual política de incentivo é feita pela parte superior para o desenvolvido da DIV?Susana: Apesar de toda a crise que se abateu nas Universidades Federais em todo País, nós estamos recebendo todo apoio em nossas políticas, estratégias e agendas. A DIV tem recebido muito apoio da parte da DAC e Reitoria, muito mais do que em gestões anteriores.110: O Diretório Central dos Estudantes está em um processo eleitoral. Você acha que essa questão deveria estar na pauta das chapas candidatas?Susana: As relações humanas e os direitos humanos, devem ser pautas do movimento estudantil.

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Pois compreendemos que há questões que institucionalmente podemos abarcar e resolver, mas também que há questões em que as próprias lideranças estudantis têm que debater nos espaços da universidade, nos CAs, com os docentes de forma em geral, para melhorar as relações humanas. Em uma universidade, um corpo estudantil tem que assumir uma responsabilidade na construção dessas relações também, juntamente com a comunidade acadêmica.110: A DIV tem algum projeto para os próximos anos? Qual é a expectativa?Susana: O nosso maior projeto é consolidar a DIV como um espaço institucional que presta serviços de qualidade a comunidade no que se diz respeito ao combate a violência e opressões. Como aprovar todas as nossas políticas nos conselhos da Universidade, de modo que fique um legado. Para que cada gestão não comprometa a continuidade de um trabalho consistente e comprometido com a universidade. Como por exemplo as políticas de moradia para indígenas, políticas de combate ao

racismo e entre outras que devem ser aprovadas nos conselhos para garantir sua execução e manutenção. Tudo que estamos criando tem como por objetivo essa aprovação.Sabe-se que Universidades públicas trabalham com temas de diversidade voltados para questões de cunho social. Não obstante, é preciso refletir se o impacto social que a DIV faz está sendo suficiente, afinal o serviço prestado ainda não está presente em todos os Campus. Levando em consideração a quantidade de estudantes em situação de vulnerabilidade na comunidade acadêmica, fica claro a necessidade de desenvolver novas estratégias com impactos sociais mais eficientes.Mesmo com todos os desafios, a DIV é um exemplo de como programas e ações voltadas ao respeito e ao convívio com as diversidades, contribui para um espaço plural e acolhedor. É fundamental que Instituições desenvolvam estratégias organizacionais possibilitando discussões de gênero, raça, etnia e orientação sexual para fortalecer mudanças sociais.

Referências:Anuário Estatístico da Universidade de Brasília , 2017.BARBOSA, Livia. Cultura e Empresas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. (P, *)BARBOSA, Livia. Igualdade e Meritocracia: a ética do desempenho nas sociedades modernas. 4 ed. Rio de Janeiro: FGV, 2008. (P) Cap. 3 e 4. (P, *)YOUNG, Michael. The rise of the meritocracy: 1970-2033: essay on education quality. Middlesex: Penguin, 1961. Pesquisa da CODEPLAN sobre os Microempreendedores da cultura no DF: https://www.agenciabrasilia.df.gov.br/wp-conteudo/uploads/2018/01/meis_associados_a_cultura.pdfRelatório de economia criativa 2010: economia criativa uma, opção de desenvolvimento. – Brasília: Secretaria da Economia Criativa/Minc; São Paulo: Itaú Cultural, 2012.Panorama da economia criativa no Brasil - TD 1880. IPEA. Brasília: Rio de Janeiro: Ipea, 2013. Pesquisa sobre a economia criativa no Brasil.Observatorio da Economia Criativa no Distrito Federal: http://www.obecdf.org/index.php/observatorio/o-obvervatorio

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Entendendo a Economia Criativa

Você já ouviu falar em Economia Criativa? Se ainda não ouviu, este é o momento de ficar por dentro: em 2013, estimava-se que a Economia Criativa formal representava 1,2% e 2% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e aproximadamente 2% da mão de obra e 2,5% da massa salarial formal. Além disso, uma pesquisa realizada pelo IPEA (2013) apontou que os trabalhadores em economia criativa ganham mais e são mais escolarizados que a média.No processo de compreensão da Economia Criativa faz-se necessário diferenciar alguns conceitos, como Indústria Criativa X Indústria Cultural e Inovação X Criatividade. Indústria Criativa x Indústria Cultural

A Indústria Cultural nasceu no período pós-guerra uma crítica radical do entretenimento de massa por membros da Escola de Frankfurt liderada por Theodor Adorno e Max Horkheimer. Já o conceito de Indústria Criativa é recente, surgiu na Austrália em 1994 com o lançamento do relatório Creative Nation: Commonwealth Cultural Policy.O conceito em si ainda é polissêmico, mas segundo a UNCTAD (2010), por exemplo, as indústrias

Num contexto de crise mundial, o setor de produtos e serviços criativos cresce exponencialmente e se fortalece no Distrito Federal e na Universidade de BrasíliaLuisa Neves e Marina Scheffer

culturais são consideradas como as indústrias que “combinam a criação, produção e comercialização de conteúdos que são intangíveis e culturais por natureza. Estes conteúdos são tipicamente protegidos por direitos autorais e podem assumir a forma de bens ou serviços”. Ainda segundo a UNCTAD, “as indústrias criativas são vastas no espaço, lidando com a interação de vários setores. Estes setores criativos variam desde aqueles enraizados no conhecimento tradicional e cultural – tais como artesanato, festividades culturais – a subgrupos mais tecnológicos e orientados a serviços – tais como audiovisual e as novas mídias” (IPEA, 2013). Tendo isso em vista, percebe-se uma mudança no viés de que cultura, criatividade e indústria são conceitos antagônicos, como na época da Escola de Frankfurt. Em resumo, enxerga-se, atualmente, que as indústrias culturais formam um subconjunto das indústrias criativas.Inovação x Criatividade

Ao falar sobre inovação e criatividade, muitas vezes ocorre confusão entre os dois termos. Vamos lá: a criatividade, basicamente, caracteriza-se como o uso

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de ideias para produzir novas ideias, enquanto a inovação reflete mudanças estéticas ou artísticas, e está mais associada à originalidade, que significa criar algo do nada ou refazer algo que já existe.Impactos sócio-econômico-culturais

À parte de toda a retomada histórico-conceitual do termo, do ponto de vista de desenvolvimento econômico a Economia Criativa tem se mostrado uma potência. Considerada de alta elasticidade-renda (que mede a variação percentual na quantidade demandada de um determinado bem, diante de uma variação percentual na renda do consumidor), a Economia Criativa resistiu firmemente à crise. Esses resultados foram alcançados por conta da diversificação econômica que a Indústria Criativa promove, de forma simbólica, com as novas tecnologias. Além dos aspectos econômicos apresentados, as iniciativas na abordagem de economia criativa muitas vezes fortalecem a cultura, como valores e tradições e tem grande papel no aumento da coesão social e inclusão. Este reforço tem, como consequência, o potencial de gerar atividade turística.A Economia Criativa no DF

Os dados do IPEA demonstram a importância crescente da Economia Criativa no Brasil, mas ela também já demonstrou ter um grande impacto na economia do Distrito Federal. Veja alguns dados que a CODEPLAN (Campanha de Planejamento do Distrito Federal) levantou sobre os Microempreendedores da cultura no DF no ano de 2017.Além desses dados, outro marco importante para a economia criativa do Distrito Federal foi a candidatura de Brasília à Rede de Cidades Criativas, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), feita em abril de 2017. A cidade entrou como concorrente na área de design pela proposta do Plano Piloto e todos seus projetos arquitetônicos. O então secretário de Turismo, Jaime Recena, explica no portal da secretaria que “[o] design está desde o nascimento da nossa cidade, no dia a dia, passando por várias áreas criativas do DF, como a gastronomia, artesanato, arquitetura”.O movimento dentro da UnB

Dentro deste cenário de uma cidade com proposta de ser cultural e criativa, a Universidade de Brasília não poderia ficar de fora. Buscando promover essa temática, a UnB implantou o Observatório da Economia Criativa no Distrito Federal (OBEC-DF), coordenado pelo Departamento de Artes Visuais, que articula com diversos parceiros acadêmicos, públicos e privados. Está clara a tentativa do Governo e da Universidade de se tornarem um referencial de criatividade, porém, a visão dos estudantes sobre esta realidade ainda é de incertezas.

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A Revista 110 conversou com alguns estudantes da Faculdade de Comunicação para entender mais sobre a visão deles. Foram entrevistados estudantes que trabalham em três perfis de empresas: empresas criativas e função criativa; empresa criativa; e função não criativa e profissional autônomo.

110: Você considera a Faculdade de Comunicação criativa?JOÃO MORETTI (diretor de marketing em empresa de publicidade): Não, não acho que a FAC seja uma instituição criativa, acho uma faculdade extremamente engessada em teoria, onde você tem basicamente matérias teóricas com provas. É uma faculdade que não te dá liberdade para criar.GABRIELA RAMOS (trainee de atendimento na área de publicidade): Acredita que a FAC seja sim criativa pois existem muitos projetos que deixam o estudante sair da sala de aula e deixam a imaginação fluir melhor do que só em trabalhos de apresentaçãoKALLYO (videomaker em empresa de finanças): No sentido da faculdade, com certeza sim, visto que a troca de experiências, pessoas novas e possibilidade de criar algo próprio são bem incisivas e presentes. Porém, se for pelo lado acadêmico, acho o ensino ainda bem mecânico e arcaico, logo, poucos estimulantes da criatividadeMAÍRA CARVALHO (Micro Empreendedor Individual): Acho que a faculdade de comunicação tem alunos criativos, mas não sei se ela é criativa em si. Eu acho que o pessoal tem boas ideias mas esse foco é muito profissional por um lado, e algumas outras matérias muito teóricas e eu acho que isso prejudica.

110: E quanto a UnB, você acredita que ela seja uma instituição criativa?JOÃO: Não mesmo, não existe suporte a criatividade artística. A universidade é muito básica em resoluções de problemas e não pensa em formas criativas. A comunidade acadêmica não se sente à vontade para ser criativa, pois há muita burocracia e regras.GABRIELA: Acredito que sim, a UnB têm muitas possibilidades de projetos criativos. Como no período de greve, por exemplo, tiveram vários workshops com a proposta de fugir da sala de aula convencional.KALLYO: Bastante. A universidade, como um todo, traz a tona a criatividade do aluno para as questões de incentivo e expressão. Tanto que se você andar pela UnB, vc nota as diferentes identidades de cada centro acadêmico e o quão personalizável cada espaço é, um reflexo direto da criatividade que é estimulada de todos os alunos. Uma pena que isso quase sempre não se repita dentro da sala de aula.

110: Você considera importante a existência de projetos criativos dentro da UnB? Por que?KALLYO: Sim. Autonomia e um gosto do mundo real são necessários para o real preparamento lá fora, no mercado de trabalho. Projetos criativos lhe dão o desafio de resolvê-lo com poucos recursos e ultilizando poucos profissionais que no futuro vão atuar junto com você. É muito necessário e deveria haver maior incentivo!JOÃO: Sim! Acredito que esses projetos desenvolvem intelectualmente os alunos, e transformam o ambiente acadêmico em um local de grande produção.MAÍRA: Acho essencial que os projetos existam porque eles fazem com que os alunos da graduação e da pós sejam empoderados. Acho importante o estudante fazer o máximo de projetos possíveis. Tentar cobrir o máximo de habilidade de projetos antes de decidir o que gostam e não gostam.

João é diretor de marketing e Gabriela trainee de atendimento, ambos da empresa júnior de publicidade DoisNoveMeia, e exercem funções que são consideradas criativas. Já Kallyo é videomaker em uma empresa considerada “não criativa”.

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Arte urbana é transformação social: as paredes contam histórias

Abrangendo a diversidade cultural da cidade, estudantes aproveitam o espaço acadêmico para deixar sua marca e contar sua história.Laianny Gonçalves, Luíza Barboza e Maria Carolina Ono

Muito mais que um desenho, um pixo ou uma gravura na parede, as artes urbanas

espalhadas pela Universidade de Brasília são instrumentos de comunicação, expressão, resistência e manifestações culturais, sociais e políticas. Mesmo com o passar do tempo e a virada cultural (Stuart Hall, 1997), a arte de rua ainda sofre preconceito e dificuldade de ser reconhecida como um elemento da cultura urbana, até mesmo em um ambiente acadêmico, como a UnB.O grafite moderno teve sua criação na cidade de Nova York no movimento conhecido como contracultura. No Brasil, em meio aos movimentos de protesto contra a ditadura dos anos 70, a presença de expressões artísticas questionando o cenário atual começam a surgir e dentre elas a arte urbana e desde então tem se retratado o cenário social e político do país. Apesar de não ser um trabalho reconhecido pela maioria, isso não desanima os artistas independentes que tentam mostrar a importância e relevância desse trabalho para a sociedade.

Seja por meio de grafites ou performances, as intervenções

de arte urbana estão presentes a todo momento

e praticamente em todos os cantos da Universidade de

Brasília (UnB).

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Em abril de 2017, a UnB decidiu pintar os prédios da instituição, cobrindo pichações e grafites que há anos faziam parte do cenário da universidade. A reação dos estudantes, em sua maioria, foi negativa. Na época, o Centro Acadêmico de Comunicação Social (Cacom) manifestou-se publicamente através da página do Facebook em nota intitulada “Repúdio à higienização do Instituto de Ciências Centrais (ICC)”, onde se declararam repudiando a ação e afirmando que a pintura dos muros “desrespeita a memória e a história de lutas que universidade já enfrentou”.Stuart Hall (1997), em a Centralidade da Cultura, propõe questionamentos sobre a regulação da cultura e como questões morais estão cada vez mais sendo fortemente reguladas pelo Estado.“Seja o que for que tenha a capacidade de influenciar a configuração geral da cultura, de controlar ou determinar o modo como funcionam as instituições culturais ou de regular as práticas culturais, isso exerce um tipo de poder explícito sobre a vida cultural” (1997) HALL, Stuart. Regular a forma como a cultura é difundida torna a sociedade cada vez mais influenciável por aqueles que tem ela em suas mãos, permitindo moldar seu funcionamento. O reconhecimento dessas manifestações por parte da universidade como algo construtivo aproxima o conhecimento científico da empiria. Já o contrário, apenas afasta a voz das ruas da construção de um conhecimento muito mais amplo e popular. Em Por que as comunicações e as artes estão convergindo?, a escritora, pesquisadora e professora Lucia Santaella propõe uma visão contemporânea da comunicação não sendo entendida apenas como comunicação de massa. E as artes, não se restringindo ao universo de belas-artes.“Alimentar o separatismo conduz a severas perdas tanto para o lado da arte quanto para o da comunicação. Por que perde a arte? Porque fica limitada pelo olhar conservador que leva em consideração exclusivamente a tradição de sua face artesanal. Por que perde a comunicação? Porque fica confinada aos estereótipos da comunicação de massa. ” (2005) SANTAELLA, Lucia.

Nos postes, nos muros, nas escadas, podemos contemplar intervenções artísticas na Universidade de Brasília. É rotineiro encontrar esses trabalhos enquanto se caminha pelo Instituto Central de Ciências (ICC)

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Entender as intervenções urbanas como arte e entender que as informações das ruas são manifestações culturais é parte do processo de desmistificação das manifestações artísti-cas.

E nesse sentido, a arte urbana constitui um papel importante na comunicação com a sociedade. Conversamos com alguns dos artistas que utilizaram as paredes da UnB para contar histórias. Um deles foi Gustavo Azevedo, vulgo “Gu da Cei”, artista natural da Ceilândia e estudante do curso de Comunicação Organizacional. Um dos recentes trabalhos produzidos por Gu da Cei foram lambe-lambes feitos a partir de fotografias escaneadas e reveladas por meio de um método químico histórico de 1842, chamado cianotipia. As pessoas representadas nessas imagens são artistas que tem sua trajetória marcada pela Ceilândia, maior quebrada do Distrito Federal. Para Gustavo, a representação da arte urbana para universidade é “a extensão dos questionamentos, das pesquisas e ideias para além dos muros invisíveis e visíveis da Universidade, para colocar isso como intervenção na rua”.

“A arte urbana é a extensão dos questionamentos, das pesquisas e ideias para além dos muros invisíveis e visíveis da universidade” - Gu da Cei Pietra Sousa para o projeto “DA

QUEBRADA”, série de vídeos e intervenções urbanas onde artistas que tem sua trajetória marcada pela Ceilândia

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Gustavo nos conta que a sua motivação para a sua série “Na Quebrada” foi a invisibilidade que os artistas de Ceilândia sofrem a partir do esquecimento de suas vivências e da cultura periférica. “A arte e a cultura existem além do Plano Piloto. Existem além dos museus e das instituições elitizadas. [O objetivo do meu trabalho é] mostrar um pouco dessa arte e cultura que é produzida na Ceilândia, ainda mais por eu ser de lá”. Quando perguntado sobre a manutenção da arte urbana dentro da UnB, Gustavo afirma que “a importância da permanência dessas artes e dessas intervenções dentro da universidade é mostrar que é possível levar uma pesquisa da universidade para a sociedade, buscar uma contribuição.”

“Quando se tem arte pela universidade, ela toma atenção

do público automaticamente transformando o modo das pessoas de olhar pro mundo” - Kaíra Soriano

Referências: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e--arte/2016/12/18/interna_diversao_arte,561597/arte-urbana-e--poesia.shtmlhttps://www.metropoles.com/entretenimento/professor-da-unb--pedro-russi-defende-a-pichacao-como-arte-urbanahttps://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4102836/mod_resour-ce/content/0/Por%20que%20as%20comunicac%CC%A7o%C-C%83es%20e%20as%20artes%20esta%CC%83o%20convergin-do.pdfhttps://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/revis-ta/2018/06/03/interna_revista_correio,685327/arte-e-grafite-nas--paredes-da-unb.shtmlhttp://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/8o-encon-tro-2011-1/artigos/520Brasil%2520expressoes%2520da%-2520diversidade%2520contemporanea.pdf/at_download/file&ved=2ahUKEwioia3nl9TbAhWFlJAKHWWrBMUQFjAAegQI-BRAB&usg=AOvVaw1nypvN0gc4AgaAN5krlHAqStuart Hall, A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo

Para Kaíra Soriano, outra artista que tem intervenções registradas nas paredes da UnB, “a arte urbana representa a voz dos alunos e a necessidade de ocupar o que é nosso”. Ela acredita que esta é uma maneira de espalhar as ideias dos estudantes para o público direta ou indiretamente. Seu trabalho de ocupação da área urbana, seja com desenhos ou frases de luta, pretendem deixar sua marca em locais que ela não está o tempo todo. Para ela, “o alcance da arte de rua não é elitista igual arte de galeria, na arte de rua todos têm acesso”. O que ela considera mais transformador e importante da arte de rua dentro da universidade é que essa é uma ferramenta de comunicação e expressão política, algo para expandir a mente.

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Saúde

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Saúde Mental na Universidade de Brasília

Em meio às árvores e flores e ao ambiente iluminado, quem visita o Instituto de Ciências Biológicas (IB) da Universidade de Brasília (UnB) “não imagina a pressão psicológica vivida por estudantes e professores dentro dos prédios”, afirma Fernando Magela, 21 anos, Bacharel em Biologia, agora estudante de Licenciatura. O relato é de que, em apenas um semestre em 2017, ao menos três alunos do departamento cometeram suicídio. Após a morte de um colega que, na visão de Fernando, demonstrava ser uma pessoa alegre e saudável, ele tomou uma atitude: “Eu mandei um email super desaforado para todos os professores do Instituto falando “Olha, a gente tem um problema, a gente precisa fazer alguma coisa, precisamos fazer algo pela saúde mental aqui”. A questão não afeta apenas uma das mais de 70 Unidades Acadêmicas da Universidade. A professora Jeniffer Toledo, do curso de Licenciatura em Química, levou rodas de

Tragédias envolvendo discentes da UnB com transtornos psicológicos aumentam e a grande questão é: como prevenir e não apenas remediar? Ana Luísa Rodrigues, Camila Martins, Luan Alves, Marisa Wanzeller e Natália Carolino

conversa e acompanhamento profissional para o Instituto de Química com intuito de evitar tragédias que pudessem voltar a ocorrer. “No final do ano passado uma aluna, devido ao sofrimento psíquico, chegou a tentar se matar (...) eu a vi desmaiada e os funcionários do pronto socorro fizeram uma lavagem estomacal, eu fiquei bastante chocada. Daí me questionei, quantos alunos estão passando por problemas parecidos? A gente vai ficar ignorando até quando?”.O caso mais recente de suicídio na UnB ocorreu neste mês (junho) com a estudante Letícia Lisboa, do Instituto de Ciências Sociais (ICS), no Campus Universitário Darcy Ribeiro. Em nota divulgada no portal acadêmico, o ICS junto à reitoria dizem que “com o apoio do Instituto de Psicologia e de outros atores da comunidade, estão tomando medidas para dar voz e apoio aos estudantes, docentes, técnicos e familiares sobre o ocorrido”.

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Demanda por suporte psicológico

Com função de auxiliar os Departamentos na realização das atividades práticas para a formação profissional e acadêmica dos estudantes, desde 1975, existe o Centro de Atendimento e Estudos Psicológicos (CAEP), vinculado ao Instituto de Psicologia. Entretanto, a demanda pareceu ultrapassar a capacidade estrutural do projeto. Segundo Fernando, após o assassinato da estudante Louise Ribeiro e o suicídio de outros colegas, houve uma maior mobilização no IB em relação ao problema. Isso viabilizou algumas reuniões com psicólogos do CAEP. Os relatos dos profissionais eram de que “A UnB mal tem psicólogo no CAEP suficiente para atender os alunos assim, do jeito que a gente tem feito. Já é difícil fazer do jeito que a gente faz, trazer um atendimento mais intenso ainda é impossível com a quantidade de funcionários, com a quantidade de estagiários, com tudo mais’”, relata Fernando.Em contrapartida, no Instituto de Química, a experiência com o CAEP tem sido outra. O Centro está acompanhando as atividades propostas e a Comissão de Saúde Mental (formada para realizar atividades periódicas). “Nós estamos com o CAEP itinerante acontecendo todas as terças-feiras de manhã no meu laboratório. (...) [O] pessoal do CAEP mantém o contato para conseguirmos trazer palestras e para que as pessoas saibam para onde ir quando tiver uma demanda dos estudantes”, conta a professora Jeniffer.

“Eu fiquei tão estressado, agitado e ansioso, que minha sobrancelha caiu” conta Fernando Magela, que passou por uma rotina de muitas pressões emocionais e compromissos

O Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília possui um grande e belo jardim,

mas ninguém imagina que, dentro dos prédios cercados por flores e árvores, a pressão

psicológica seja tão grande.

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COMO FALAR SOBRE SAÚDE MENTAL DENTRO DA UNIVERSIDADE

OFERECER ORIENTAÇÃO

PROMOVER DISCUSSÕES

PROFESSOR X ALUNO

Quais medidas as Universidades podem implementar para a manutenção da saúde mental? Confira algumas sugestões a seguir:

Atendimento psicológico eficaz e disponível a todos os estudantes, grupos de conversa, unidades de apoio, preparação dos educandos em seus primeiros meses para se familiarizar com o ambiente universitário e suas demandas são algumas opções de como orientar e ajudar nossos alunos.

Palestras, espaços e eventos que incentivem o diálogo e a reflexão a respeito de transtornos psicológicos e que auxiliem a entender os efeitos do espaço universtário na vida do estudante.

Mais compreensão e cooperação na relação professor-aluno! Pensar em metodologias humanizadas, com cuidados e aberturas à conversar e responsabilidades emocionais.

VALORAR O QUE INTERESSAFoco no aprendizado e não somente em notas, sem estímu-los à competição e pressão por resultados/méritos. Buscaruma reitoria e administração que não trate alunos como nú-meros, que combata assédios moral e sexual por parte de professores e funcionários de forma efetiva!

FLEXIBILIDADE E EMPATIAPensar em uma rotina mais democrática e equilibrada é achave: semestres planejados mais organizadamente emrelação aos conteúdos, que possibilitem atividades para descanso da mente e até redução de carga horária. Lembrar que somos seres humanos e não máquinas. Empatia é tudo.Em cada detalhe!

Infográfico: Bárbara

Fernando buscou por ações que “fossem além de resposta a um problema”, pois chegou a experimentar, ele mesmo, os sintomas de uma rotina abarrotada por compromissos acadêmicos e pressões emocionais. “Eu estava terminando o bacharelado, iniciando a licenciatura e estudando para concurso, eu fiquei tão estressado, agitado e ansioso, que minha sobrancelha caiu”. Conta o estudante, em seu 5º ano de Universidade. “A princípio eu não sabia o que era, procurei uma dermatologista e ela me contou que era estresse. Só então eu percebi que eu estava muito sobrecarregado”. Por ter encontrado no Yoga ajuda para curar suas próprias perturbações, o estudante levou ao Instituto de Biologia aulas acessíveis, com a intenção de auxiliar os colegas. “Eu tentei, porém falhei, organizar uma semana de saúde mental. (...) Eu já fazia Yoga, por conta da minha vida, e aí eu fiquei na busca de achar uma professora que pudesse atender o instituto. Na época, eu queria que fosse de graça, mas aí a gente conseguiu combinar um valor muito baixo, de R$15 por mês para uma aula semanal”. Hoje, Fernando não frequenta mais às aulas, mas o projeto continua. Ele conseguiu realizar algo que acreditava dever partir da Universidade, mas como não veio, preferiu colocar em ação ao invés de esperar. “A UnB não tem prevenido, ela só tem remediado e remediado bem mal”.Bruna Maculan ministra aula de Yoga há 15 anos e ficou comovida com a situação no Instituto de Biologia da UnB quando foi abordada por Fernando. “Eu tinha uma aula gratuita no Parque Olhos D’água que estava tendo uma média de 50 pessoas (...) aí eu falei que não tinha como fazer gratuito aqui também, pois já tenho minha aula gratuita, mas coloquei um valor simbólico, é bem acessível”. As aulas ocorrem desde agosto do ano passado, no próprio IB, e Bruna já notou resposta dos alunos não apenas no âmbito corporal: “muitos me falam que a respiração ajuda na hora da prova ou na hora de se concentrar em alguma coisa”. A professora ministra uma modalidade que ela chama de Hatha Yoga Contemporâneo. “Eu mesclo umas técnicas de respiração, as técnicas corporais, o relaxamento e a meditação”. Além de trabalhar com técnicas que desenvolvem os alunos individualmente, Bruna busca incentivar também a interação entre eles durante as aulas. “Sou de São Paulo e, quando cheguei aqui, percebi que em Brasília é meio que cada um por si. Por isso, tento usar a aula como uma forma de voltarmos o nosso olhar para o outro e pensarmos mais no outro”, diz a professora.

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Yoga como prática terapêutica no tratamento da saúde mentalA yoga é uma modalidade que, por meio de técnicas de respiração, posturas e meditação, cria uma relação entre corpo e mente. Estudos indicam que a prática desta atividade pode ter efeitos semelhantes aos de antidepressivos e psicoterapia. Com a técnica de respiração (Pranayama), a yoga pode auxiliar na oxigenação do sangue, bem como permitir que partes do corpo possivelmente nunca antes notadas, sejam colocadas em foco, como atenção à respiração. Tanto quanto a meditação, a terapia reequilibra o sistema nervoso e diminui os picos de estresse.

Aulas de Yoga começaram a ser ministradas no Instituto de Ciências Biológicas em agosto de 2017, e desde então ajuda alunos de diferentes cursos da

universidade a enfrentarem as pressões de uma rotina estressante.

A Yoga pode ser praticada em grupos, estimulando a interação entre as pessoas e estendendo o olhar ao próximo.

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Globalização, totalitarismo e saúde mentalVivemos um momento difícil na universidade. Entretanto, a UnB é apenas um recorte de um problema social que o mundo enfrenta hoje. Para além de seus pontos positivos, a globalização trouxe consigo também uma face não muito explorada e dialogada. A corrida por um crescimento socioeconômico individual e coletivo de um país, por exemplo, faz com que qualquer outra coisa seja menos importante do que isso. O problema se torna ainda mais claro quando o assunto se volta a carreiras profissionais, e é aqui que entra a universidade como apenas uma das várias etapas cogitadas quando o objetivo é “ser alguém na vida”. Trata-se de uma sociedade mundial que vive em prol de uma corrida meritocrática onde a linha de chegada nunca é o bastante. O contexto social impõe um comportamento progressista às pessoas e a análise que se propõe aqui é: não seria esse um modelo muito similar a um totalitarismo psicológico? Tanto Hitler quanto Mao Tse-Tung são figuras protagonistas se tratando de totalitarismo. Em ambos os governos, terror e controle psicológico foram quesitos fundamentais para que conseguissem se instituir e liderar, bem como fizeram. O contexto de globalização em analogia com o totalitarismo se restringe ao fato de que: existe um poder vigente em todo o mundo, que obriga, psicologicamente, os indivíduos a seguirem inacabáveis disputas progressistas. Por fim, se trata de uma obediência voluntária que se apoia em uma coerção psicológica e social, e mantém a relação entre dominante (globalização) e dominado (indivíduos).No meio de toda a pressão social, existem os jovens que estão ainda mais expostos a tais condições por estarem em uma fase da vida instável, de transição e muitas decisões. Os depoimentos dos estudantes e os relatos de recentes acontecimentos são prova da desumanidade imersa no sistema. Os fatos confirmam a ideia de que, realmente, nada é mais importante do que crescer profissional, intelectual e economicamente.

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Andréa Maranhão é professora no IB, trabalha na UnB há 22 anos, e foi Diretora do curso de Biologia por quatro anos, tendo seu mandato encerrado no dia 1º de março de 2018. A docente foi quem enfrentou, enquanto representante institucional, as situações decorrentes no caso do assassinato da estudante Louise e de suicídio de outros alunos. Andréa, junto à professora Cristina Castro-Lucas, da área de Empreendedorismo e Inovação, contam em entrevista como tem sido a abordagem do Instituto perante à UnB, como um todo, e aos alunos do IB. Confira:Revista 110 - Fernando Magela nos contou que aqui no Instituto Biologia a pesquisa científica começa desde cedo o que difere bastante de alguns cursos, onde a iniciação científica não é muito estimulada. Profa. Andréa Maranhão - Aluno de Biologia que não faz iniciação científica praticamente não tem futuro. Ou ele faz iniciação científica ou iniciação docência se ele for um aluno da licenciatura, obviamente. Estágio em laboratório você tem que estar a partir do 2º ou 3º semestre pra experimentar e ver o que gosta. Na Biologia você pode trabalhar com planta, animal, molécula, microorganismo, é muita coisa. Eu sou bióloga e não tenho a menor condição de dar uma aula de botânica ou zoologia se eu não estudar muito. 110 - O aluno Fernando Magela comentou conosco que a pressão para crescer dentro do curso é muito grande. Profa. Andréa - Tem que ser. Mas olha, isso sempre foi, tá? Hoje em dia, quando vocês começam a falar de pressão parece até que é uma coisa negativa, mas não é. É meio mandatório para ser um biólogo (...).Nós temos um programa aqui no Instituto de Biologia que tem sido cada vez mais, vamos dizer assim, aditivado ou repensado e estimulado, que é um programa de acolhimento aos estudantes.

(...) Quando eu fui Diretora, Coordenadora de Curso, eu sempre falava para os alunos aproveitarem a universidade, é a última vez que vocês serão estudantes, tem que aproveitar muito. Eu sempre disse, você pode fazer o que quiser, inclusive não estudar, o que eu não aconselho, mas pode também não estudar. Gente, Legião surgiu aqui, Paralamas surgiu aqui, nessa Universidade, então tem muita coisa que acontece além da Biologia.(...) A gente fala isso, e também fala da questão dos estágio, pois é importante que eles descubram o que gostam. Eu mesma até achei que iria fazer biologia molecular de plantas, mas eu aprendi que eu odeio a área de botânica, e aí eu fui trabalhar com anticorpos, e adoro o que eu faço. Mas se eu não tivesse experimentado, como eu iria saber?Prof. Cristina - O que eu percebo hoje, é que a pressão vem muito mais de dentro pra fora do que de fora pra dentro. Porque assim, todos nós passamos por frustrações, mas eram frustrações diferentes. Prof. Andréa - Acho que a diferença é que nós sabíamos como lidar com essas frustrações. Nós sabíamos que iríamos errar, até porque todo mundo erra (...).Então, nós fazíamos esse acolhimento e já chamávamos a atenção para essa questão de curtir muito a universidade, pois essa é a última chance que vocês têm, depois é a hora de vocês ficarem preocupados com mestrado. E aqui é assim: vai fazer mestrado? Ou vou abrir uma startup? Ou vou ter quer ir pro mercado de trabalho? E aí começa a cobrança de casa. Também, nas formaturas, todas as vezes em que eu discursei, falei: “Pai e Mãe, vocês estão achando que acabou? Isso aqui é só o começo, o tempo de começar a estudar tudo de novo”.

A pressão que vem de dentro é maior que a de fora?

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São vários caminhos a se seguir dentro da universidade. E a pressão não vem apenas da universidade, o estudante carrega em si vários problemas familiares, pessoais, como qualquer outro indivíduo. Muitas vezes esses alunos chegam na faculdade pensando que vai ser um local de acolhimento e acabam se frustrando nesses pontos.Profa. Andréa - O acolhimento sempre foi feito aqui no Instituto, quando nós tivemos a morte da Louise, que foi uma coisa muito impactante para todos, para os estudantes em si e etc., a gente começou a fazer mais que isso, e aí nós tivemos 3 casos de suicídio de estudantes nossos (...). Isso mexeu muito com todos nós, tantos professores quanto alunos, pois foi em um período de tempo muito curto. Eu falo sobre isso muito tranquilamente, inclusive falei nos conselhos enquanto eu era diretora, que isso estava acontecendo em tudo quanto é canto, e tem gente que não fala e não cuida. Nós estávamos falando e cuidando. E fiquei muito brava, pois tudo que eu falei foi usado politicamente para dizerem que aqui no IB era onde o povo se matava, mas não é só aqui, o povo se mata aqui como pode se matar em qualquer outro canto. Nós temos que fazer algo para que não matem mais, eu não quero que ninguém se mate. Nós fomos buscar ajuda na psicologia, no grupo do professor Marcelo Tavares que é conselheiro da UNESCO sobre isso, fomos aprender (...). Ele propôs toda uma dinâmica de acolhimento que hoje é feita em três sessões, onde a gente faz de tudo, desde apresentações, fazer a turma interagir, o que é uma coisa muito importante feita em grupos de apoio (...).Mas veja, eu não acho que seja obrigação da universidade, mas se fizerem algo, talvez contribua para a saúde mental. Nós fazemos até dinâmica para eles ficarem interagindo. Na primeira, nós fazemos algo chamado de reconhecimento, onde nós pedimos para os alunos interagirem perguntando ao outro coisas como: Que cor você gosta? Você gosta de fazer o que? Por que você faz Biologia? Onde você mora? Você vem pra UnB de carro? Como se você tivesse conhecendo a pessoa, quebrando o gelo (...). Na segunda, nós sentamos todos juntos em roda e a gente faz um levantamento de expectativas: O que

eu espero da UnB? Quando eu entrei na UnB, o que eu queria? Quais são meus medos? (...) E o terceiro é o que eu vou fazer para atingir minhas expectativas e superar meus medos. E aí depois nós fechamos explicando como é a orientação do curso, o que a gente sugere. Nós só podemos sugerir que eles façam aquilo que nós já fizemos, porque eu já passei por isso e me dei bem, e estou feliz em ver aonde eu cheguei (...).Passamos a fazer esse acolhimento junto com o Programa de Tutoria, onde os professores de diversas áreas, somos em torno de 150, então uns 60 ou 70 se prontificaram a tutorar calouros, que são uns 120. Eu não vou dizer que o programa funciona 100%, eu por exemplo, estou com três (alunos), e só uma entrou em contato, mas os alunos são livres pra não querer, mas se quiserem, nós estamos à disposição. (...) Existem professores que levam chá pra tomar na sala, conversam.Profa. Cristina- A orientação nem sempre é emocional, porque as vezes eu não quero falar sobre isso, mas por exemplo, eu passo pela minha aluna e digo: “E aí, como tá o semestre?”, ela não tá fazendo nenhuma disciplina comigo esse semestre, mas eu questiono e acabo vendo se tá tudo bem. 110 - Vocês acompanham pelo curso todo?Profa. Andréa - Assim, a ideia é acompanhar no primeiro semestre, mas quando tem a liga, é impossível largar. Profa. Cristina - (...) Esse projeto criado na direção da Andréa foi um dos projetos mais interessantes que eu já vi, muito similar ao método utilizado nas universidades americanas.Profa. Andréa - É o counselor. (...) Esse programa de tutoria é muito bom na interação dos alunos, e sem contar que,

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depois de todos os eventos, nós ficamos super antenados nessa questão. Então claro que a gente detecta alguns casos, detectamos algum ou outro aluno que está mais problemático (...). Nós sabemos da existência do CAEP, então nós divulgamos. Eu sei que o CAEP é para atender crises, então, se está em crise, a gente tenta conseguir lá. Inclusive eu tenho o telefone de todo o pessoal de lá. (...) e na época da direção eu até estava meio cansada com isso, porque de um jeito ou de outro acaba nos consumindo. Não é trivial lidar com isso o tempo inteiro. (...) Uma das coisas mais interessantes nisso, e eu acho que todo mundo tem que saber, é que nós professores também temos nossos limites. A gente não consegue! Por exemplo, um dos casos de suicídio, nós detectamos tudo, tudo que nós falamos pra vocês foi feito. A orientadora chegou perto, só faltava perguntar se estava tomando o remédio. Tinha grupo de apoio de estudantes ligando

e perguntando o tempo inteiro como estava, mas teve uma hora que ele decidiu e foi isso. E a sensação é horrível, porque é uma sensação de falha.Profa. Cristina - No sentido de escapou da sua mão mesmo!Profa. Andréa - (...) a gente, por exemplo, começou a chamar algumas reuniões com o pessoal da psicologia para sentar com os professores e o estudantes, separados inclusive, para ter uma abordagem de um lado e de outro, e a gente tentar entender os nossos limites. Eu, professora, não fui treinada para lidar com isso, eu não sou psicóloga. (...) Então assim, eu acho que a gente tem que ter muita clareza dos limites, eu aprendi muito isso para mim mesma. O pior pra mim foi o da Louise, alí foi um horror! Profa. Cristina - E a Andréa foi diretora e ela fez tudo, foi ela que chegou aqui 7h e pouco da manhã, procurando carros, conversou com o menino que cometeu o assassinato.

Após fatalidades no Instituto de Biologia, professores criaram o Programa de Tutoria, o qual eles adotam alguns alunos e se mostram muito mais preocupados com a saúde mental dos estudantes.

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Profa. Andréa - Interroguei o menino que matou a Louise, peguei as fitas de vídeo…Profa. Cristina - Quando o pai chegou ela ia de carro em carro apavorada de abrir um porta malas e encontrar. Então, ela realmente, foi absurdamente atuante nisso. Mas de novo, aconteceu aqui, poderia ter acontecido em qualquer outro lugar.Profa. Andréa - Mas até você se convencer disso, a culpa é muito grande (...). O pai dela me acalmou muito no enterro dela, (...) o pai dela me dizia para ficar calma, pois ela amava isso daqui. E aí a gente também tem que saber o que fazer, porque eu até postei, e eu nem sou de postar no facebook, eu falei: “Biólogo planta árvore, então vamos plantar uma árvore e fazer um jardim”, então hoje nós temos o jardim, a gente tem o acolhimento das pessoas.110 - Inclusive eu vi que tem um carrinho de mão rosa, tem alguma relação?Profa. Andréa - Rosa era a cor da Louise, ela se vestia de rosa, ela era um pontinho rosa na sala, e aí assim, aquilo tem a ver com o jardim, que está sofrendo com o corte do pessoal da jardinagem, e a gente não está conseguindo dar uma manutenção legal. (...)

110- Mas o carrinho foi uma homenagem?Profa. Andréa - Sim, nós primeiro plantamos o ipê como uma homenagem...Profa. Cristina - Foi uma homenagem lindaProfa. Andréa - Sim, uma homenagem linda e não política. Essa é outra coisa que me irrita profundamente, quando esse tipo de coisa é utilizada politicamente. (...)Profa. Cristina - Agora em março fez dois anos da morte da Louise, e foi muito traumático para todo nós, (...) tudo foi muito repensado a partir dela. Cuidados com todos nós, viramos uma comunidade, por exemplo, temos um grupo no whatsapp chamado Professores do IB, e quando acontece alguma coisa, um comunica o outro.Profa. Andréa - Quando aconteceu o caso do suicídio da Letícia, na hora nós já estávamos sabendo e o pessoal já começou a perguntar: “Gente, vocês estão sentindo alguma coisa na sala de aula de vocês?”, “O que vocês fizeram?”. Aí uma fala pra outra, porque são muitas mulheres: “Ah, eu comentei com os meus alunos, porque dois deles falaram”, e uma outra disse: “Legal, vou tentar na minha sala também”. Sabe, nós vamos dando ideias uns para os outros.Profa. Cristina - Porque de novo é o que a Andréa falou, nós não fomos preparados para isso. E todo início de semestre, nós fazemos um evento de acolhimento…Agora, nem todos os professores participam, tem professor que quer ser tutor? Não! E aí alguns ficam bravos com esses que não são? Sim! Mas, gente, não é obrigação!Profa. Andréa - Assim como não é obrigação os alunos aceitarem. É um trabalho voluntário como outro qualquer. A gente conversa muito com eles sobre o curso, até porque alguns chegam com a dúvida de ser o que eles queriam fazer, até porque no primeiro semestre são matérias de base, o que desencoraja um pouco alguns deles. (...)

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110 - Qual a importância de projetos como a tutoria na vida do estudante?Profa. Andréa - Eu não tenho uma métrica, como cientista eu teria que medir o antes e depois para poder definir o resultado. Eu espero que a gente esteja contribuindo para que, não sei, os alunos tenham mais norte aqui dentro, se sintam mais acolhidos, e se sintam mais seguros para tomarem suas próprias decisões. Inclusive pra dizer que não quer fazer biologia e fazer outra coisa, e se sentir à vontade para trilhar seu próprio caminho, seja ele qual for. (...) O que eu sei é que de lá pra cá nós não tivemos mais nenhum caso terminal.Profa. Cristina- E hoje estamos muito ligados.Profa. Andréa - Nós mantemos a nossa antena ligada para detectar qualquer vestígio nos alunos.Profa. Cristina - (...) com o dia a dia, a gente esquece; hoje nós estamos tanto no celular, que nós não vemos mais que o outro tá triste ou mal, então eu não consigo mais ver um indivíduo, eu só vejo um monte.Profa. Andréa - Minha filha me diz que é muito de não saber o que é real ou o que é facebookiano, é não conseguir diferenciar as coisas que leva as pessoas a isso. Acho que quando teve o último suicídio, que foi o rapaz que tinha sido nosso aluno, mas tinha abandonado, entrado em condição e tal, mas enfim, estava por aqui, chegou-se a se montar na administração (...) lá no CEPE (Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão) junto com o pessoal da psicologia, eu falei: “gente, nós temos que fazer alguma coisa maior, como criar pontos de apoio, porque o CAEP daqui a pouco não vai dar conta, e não é culpa deles, eles não vão dar conta mesmo. E aí a gente forçou essa administração agora a montar uma comissão, algumas pessoas foram chamadas, o DEG (Decanato de Ensino de Graduação), o gabinete da reitora, e nada aconteceu. E isso me deixou muito “P” da vida, porque aí depois acontece um negócio desse na universidade, como eu soube de algumas coisas

110 - Esses casos então chegam a reitoria e eles muitas vezes não se posicionam? Como é isso?Profa. Andréa - Eu falei no CEPE, eu sou representante do IB no CEPE. É lá que a gente tem que cuidar dessas coisas, e aí eu peguei o microfone logo depois que tinha acabado o terceiro caso que nós tivemos aqui. Eu falei “Olha, nós estamos fazendo algumas ações lá no IB, mas não é possível que a gente vá conviver com esses casos que têm acontecido”, e eu sabia que tinha acontecido um na computação, um na engenharia, eu nem falei isso (...). Principalmente, o que eu gostaria, do mesmo jeito que a gente tem o CAEP, a gente tem um núcleo de psiquiatria, nós estamos precisando de psiquiatras e de envolver a Faculdade de Medicina, porque em alguns momentos isso tem sido requerido. Então, pra onde a gente vai? Eu tenho que ficar pedindo? Pra quem? Profa. Cristina - A maioria (dos alunos que precisam de ajuda) a gente acha, mas e se um outro diretor tá mais acomodado e não sabe o que fazer? E deixa quieto?Profa. Andréa - Então eu propus que fosse feita uma comissão onde fosse estudado isso, onde pudesse ser criado um portfólio de ações. (...) Até por exemplo, um exemplo pragmático, um professor da psicologia diz que se a gente tivesse psicólogos educacionais ou treinamentos em psicologia educacional junto das coordenações de curso, eles conseguiriam detectar antes da crise pelo menos 99% dos casos porque ele vai vendo o desempenho, e ele vê uma quebra em algum ponto e já se atenta, chama o aluno para conversar, pode ser que seja algo casual, mas pode ser que seja uma crise. Mas aí, claro que eu não tenho a ilusão de que a gente vai ter um psicólogo para cada departamento. Minha sugestão foi muito simples, você tem o SOU (Serviço de Orientação ao Universitário) (...) Olha a minha proposta: se eles começassem a rodar e treinar os funcionários das coordenações de graduação e de pós-graduação depois, que também tem alguns casos, para identificar e encaminhar para eles. Aí passariam um mês no IB, fazendo revisão de tudo, dos históricos dos meninos. Acabou aqui, detectou alguém, vai pra outro departamento, criando um sistema de rodízio em que não precisa necessariamente

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contratar esse pessoal agora, até porque se a gente ficar esperando contratar a gente nem começa. (...) [Eu] falei “Cara, vamos fazer um levantamento dos servidores da Universidade que são psicólogos educacionais, e que poderiam fazer isso, de repente a gente consegue em pouco tempo, um ou dois anos no máximo, estar com essas coordenações treinadas e organizar um fluxo de como fazer, e aí contrata mais psicólogos. E nada aconteceu, a minha ideia não foi considerada. Durante o semestre, existem horários em que os coordenadores se disponibilizam para conversar com os alunos (...) Nossos servidores trabalham conosco a anos, e são super atenciosos, nossa coordenação é estruturada, eu só queria ter um treinamento para ter essa visão, ver o que a gente tem que olhar, porque se você disser pra gente o que a gente tem que olhar, a gente olha, e talvez a gente detecte e consiga prevenir. (...) se a gente sentar para fazer um brainstorm, outras ideias factíveis irão surgir. E eu fiquei muito chateada porque a gente propõe as coisas, e aí acontece um negócio desse. O prédio em que ocorreu a morte da estudante Letícia é igual ao do Gama, e aí eu mandei um email para o prefeito, a caixa d’água tem uma escada que deve ser cerrada, é preconizado em edificações que a escada externa tem que ter uma escada de apoio para você acessar. A do Gama é cerrada, acredito que a da Ceilândia também e a daqui não é. Mas não obtive resposta. Profa. Cristina- (...) eu acho que uma das primeiras coisas é essa discussão mesmo. Quando é que nós vamos cobrar, nós, Universidade como um todo, vamos cobrar que a gente tenha esse diálogo? O que não é falar sobre suicídio, não adianta mais eu falar

da morte em si, porque o suicídio, pelo protocolo, não se fala, porque isso é uma onda. Profa. Andréa - Temos que falar sobre o que me faz ser feliz. Olha, quando a Louise morreu a gente foi plantar a árvore, porque biólogo planta árvore. Nesse jardim já foram ministradas duas disciplinas, uma sobre germinação de sementes do cerrado e outra sobre manejo de ecossistemas do cerrado, e, para mim, essa é a função da universidade. Eu não tô esquecendo a Louise, eu não tô esquecendo do que aconteceu, nem da tragédia, mas eu estou convertendo isso naquilo que a gente sabe fazer (...).Mas assim, eu acho, que na realidade a gente tem que dar a volta por cima nessa história, mas dar a volta por cima com aquilo que a gente sabe fazer. Se nós somos professores é porque gostamos de gente, gostamos de alunos, eu adoro dar aula, me divirto fazendo isso. E me dá prazer dar aula, pesquisar e estar em um laboratório. Então, se a gente faz o que a gente gosta eu tenho que ir por esse caminho, não tenho que inventar.

ReferênciasTORRE, Eduardo Henrique Guimarães; AMARANTE , Paulo. Protagonismo e subjetividade: a construção coletiva no campo da saúde mental. Disponível em: <https://www.scielosp.org/scielo.php?pid=S1413-81232001000100006&script=sci_arttext&tlng=>HOBSBAWN, Eric. Globalização, democracia e terrorismo. Disponível em: <https://drive.google.com/drive/folders/0B1fUkp8DOraGbGQxNEZlbXhSaGM>ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Disponível em:<https://drive.google.com/drive/folders/0B1fUkp8DOraGbGQxNEZlbXhSaGM>FERREIRA, Nathalia Rocha. Formas de dominação da massa e governos totalitários: Hitler e Mao Tse-Tung. 2008. 69f. Trabalho de Conclusão de Curso - Centro Universitário de Belo Horizonte - UNI - BH. 2008. Disponível em:<https://unibhri.files.wordpress.com/2010/12/nathc3a1lia-ferreira-formas-de-dominac3a7c3a3o-da-massa-e-governos-totalitc3a1rios_hitler-e-mao-tse-tung.pdf>NASCIMENTO, Abimael F. Totalitarismo como violência em Hannah Arendt. Disponível em: <http://fajopa.com/contemplacao/index.php/contemplacao/article/view/134> Saúde mental depende de bem-estar físico e social, diz OMS em dia mundial. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/saude-mental-depende-de-bem-estar-fisico-e-social-diz-oms-em-dia-mundial/>

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Esporte na luta contra a depressão

A prática de atividades físicas beneficia corpo e mente e pode ser instrumental para o combate de doenças como a depressão

Maione Vidal

O que é depressão?

A depressão é uma doença ou um distúrbio afetivo, que atinge a humanidade desde suas origens, atingindo a autoestima, também o sentimento de inferioridade, tristeza, pessimismo, combinando entre si e aparecendo com extrema frequência por períodos prolongados.A depressão é um dos transtornos mais frequentes na população. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), ela já se tornou a doença mais incapacitante em todo o mundo. A doença pode causar diversos tipos de prejuízos, em todos os âmbitos da vida: social, financeiro, profissional, econômico e, claro, na saúde, já que geralmente está associada ao surgimento de doenças crônicas, como o diabetes e a hipertensão.Isso também pode estar relacionado com o sedentarismo e a má alimentação, pois os indivíduos que sofrem de depressão costumam perder o ânimo que tinham antes da doença, ficando sem vontade de realizar até mesmo as atividades mais rotineiras. A queda da capacidade física e mental acaba aumentando o risco de mortalidade, por isso, é importante que os pacientes tentem não restringir totalmente suas atividades recreativas e exercícios físicos.Sintomas

A falta de sociabilidade e interesse social não são sintomas da depressão e sim uma consequência da doença que já existia. Não existe uma forma exata de diagnosticar a depressão, porém, os indivíduos que têm esta doença apresentaM alguns sintomas clássicos como: ansiedade, angústia, falta de interesse social, desânimo, humor depreciativo, sentimentos de medo, indecisão. A depressão também pode ser associada a pensamentos suicidas.

A depressão poderá também ter sintomas físicos, como: dores de barriga, má digestão, azia, flatulência, diarreia, dores de cabeça, e outras dores sem qualquer explicação, e ainda ganho de peso ou perda de peso em um curto espaço temporal.Tratamento

O tratamento consiste no uso de antidepressivos, a base do tratamento, geralmente inclui medicamentos, psicoterapia ou uma combinação dos dois. Cada vez mais, as pesquisas sugerem que esses tratamentos podem normalizar alterações cerebrais associadas à depressão.É incontestável que o tratamento com uso de medicamentos é necessário em muitos casos, como quando o paciente para de fazer todas as atividades de sua vida e tem tendências suicidas. A medicação pode ser útil no curto e no médio prazo, mas a longo prazo parece ter a mesma eficácia que os outros tratamentos não médicos.Com base nas informações já citadas, devemos optar pelo tratamento médico da depressão somente quando há uma gravidade necessária, como as citadas acima, com a busca de tratamento combinados ou de uma terapia psicológica.Enquanto não se decide qual o tratamento deve

seguir, você deve estar ciente de que o esporte pode ajudar em várias situações. Em pessoas sem quaisquer sintomas de depressão (poderia inibir sua aparição), ou com uma leve depressão, distimia ou outros distúrbios do humor não tão graves, (síndrome pré-menstrual, depressão sazonal, tristeza, ansiedade, medo, estresse).Vantagens de escolher o esporte

– O esforço físico prolongado afasta os pensamentos negativos e terríveis, característicos da depressão.– Após trinta minutos de esforço sustentado, você entra em um estado em que os pensamentos são espontaneamente criativos ou positivos. Eles se tornam menos conscientes de si mesmos e são guiados pelo ritmo do esforço.– Mihaly Csikszentmihalyi, o pesquisador do “estado de fluxo” argumenta que o que mantém o bom funcionamento neste estado é levar nossos esforços até o limite, mas não além.

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– Não há necessidade de ser jovem para tirar proveito dos exercícios. Pessoas deprimidas entre 50 e 67 anos, com uma caminhada diária de no mínimo 30 minutos, já conseguem obter um efeito terapêutico antidepressivo.– O exercício tem um impacto positivo sobre o cérebro emocional, sobre as endorfinas e seus derivados. A nível de comparação, o ópio, a morfina e a heroína, fornecem imediatamente uma sensação de bem-estar, também por intermédio das endorfinas, mas com efeitos secundários muito desagradáveis.– Quando o cérebro emocional é estimulado, as atividades do sistema imunológico também são.Para o exercício físico ter estes efeitos terapêuticos:

– Deve ser regular.– Não há necessidade praticá-lo de forma exagerada.– Comece suavemente e o corpo irá ditar o ritmo; sempre tente alcançar o seu limite, mas não vá além.– Exercícios em grupo são ainda mais eficazes.– Escolha um esporte e pratique-o em qualquer lugar que quiser.Onde praticar esporte na UnB ?

Um dos principais argumentos de não praticar esportes ou algum tipo de atividade física é: “não tenho tempo”. A UnB, junto a Diretoria de Esportes e Lazer (DEL/DAC) da instituição, estimula a comunidade interna e externa a praticar esportes nos espaços disponíveis da instituição. Seja a nível competitivo ou apenas como uma forma de lazer, fazendo o indivíduo usufruir dos benefícios da prática de exercícios dentro de uma instituição federal de ensino.A UnB conta com várias opções de esportes a ser praticado, além de várias palestras informativas. A modalidade mais procurada é a natação.“Nadar na Universidade de Brasília é mais que uma opção de lazer. Desde o início de 2018, o Clube de Natação oferece aulas da modalidade, de segunda a sexta-feira, no Centro Olímpico. As turmas têm capacidade para até 16 pessoas e estão disponíveis da adaptação até níveis de condicionamento mais avançados. As inscrições estão abertas para as comunidades interna e externa.As aulas estão disponíveis entre 12h e 14h. Até o fim do mês, as atividades também serão ofertadas entre 6h e 8h e das 18h às 20h. Cada sessão dura de 50 a 60 minutos. A mensalidade é de R$ 80 para dois treinos semanais e de R$ 95 para três treinos. Dez por cento das vagas são destinadas a bolsas integrais para pessoas atendidas pelos programas de Assistência Estudantil da UnB.”

ReferênciasHospital Israelita A. Einstein.l; <https://www.google.com.br/amp/s/amenteemaravilhosa.com.br/esporte-depressao-cura-emocional/amp>. Acessado: 07/06/2018Reportagem: Hugo Costa, da DEL/DAC 12/06/2018 <https://www.noticias.unb.br/publicacoes/124-esporte-e-cultura/2329-clube-de-natacao-oferece-aulas-no-centro-olimpico >acesso: 12/06/2018

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Deposite aqui sua ansiedadeExplorando o impacto da universidade na saúde mental de seus estudantesLuíza Mesquita e Luiz Guilherme Rodrigues

Do ponto de vista estratégico, essa foi a missão estabelecida pela Universidade de Brasília como parte de sua cultura organizacional e como pretende ser reconhecida e percebida por seus funcionários, alunos, por outras organizações e pela sociedade. Segundo o livro Cultura e Empresas (2002) da antropóloga Lívia Barbosa, a cultura organizacional é o expoente da esfera simbólica dentro do âmbito organizacional. Atualmente, possui caráter de posicionamento e de direção, visto que oferece um norte perante as incertezas, ensina seus participantes a lidarem com fatores externos e promove a integração interna, indicando a forma correta de pensar e sentir em relação aos problemas.

Barbosa conceitua em seu livro que, nas últimas duas décadas, a concepção de cultura organizacional tem privilegiado categorias como cultura, ética, visão holística do ser humano, por exemplo, visando estabelecer um conjunto de valores compartilhados que motivem seus integrantes a agirem em movimento coeso. São tecnologias gerenciais com impacto concreto nas organizações - uma forma que encontraram de sobreviver à contemporaneidade. Quando se trata de uma instituição pública, tais comprometimentos possuem peso e expectativas ainda maiores, visto que é um setor que deve se comprometer em servir os cidadãos no sentido de permitir que exerçam seus direitos. Mas até que ponto essas diretrizes se limitam ao campo da estratégia? Quais as consequências do descumprimento dos objetivos estipulados?A sociedade contemporânea, por diferentes fatores, vem apresentando números crescentes de pessoas com transtornos psicológicos como depressão e ansiedade. Popularmente, diz-se que vivemos o ‘’mal do século’’. A própria UnB, nos últimos tempos, tem sido marcada por episódios trágicos que fazem urgente o debate acerca de assuntos relacionados a saúde mental e ao bem-estar dos jovens. E qual tem sido seu posicionamento perante esse cenário?

Ser uma instituição inovadora, comprometida com a excelência acadêmica, científica e tecnológica

formando cidadãos conscientes do seu papel transformador na sociedade, respeitadas a ética

e a valorização de identidades e culturas com responsabilidade social.

A Universidade abriga um universo complexo com conjuntura própria, heterogêneo e com diferentes tipos de autonomias, o que torna cada vez mais delicada a responsabilidade em conduzir suas atividades no sentido único traçado, o que pode gerar resistências e conflitos. Dentre os vários elementos possíveis, a RESPONSABILIDADE SOCIAL foi um dos fatores escolhidos para representar valores que a Universidade acredita. Mas, o que os estudantes têm a dizer sobre algumas práticas sofridas dentro dos campi? Pensando nisso, no dia 08 de junho de 2018, a Revista 110 propôs uma intervenção social em uma das áreas mais movimentadas da Universidade de Brasília, o Instituto Central de Ciências da ala Norte. Disponibilizamos uma caixa, papéis e canetas, e um cartaz com os dizeres ‘’deposite aqui sua ansiedade’’. Queríamos ouvir esses estudantes sem interferências externas, de uma forma direta, segura e anônima, onde pudessem escrever livremente sobre tudo aquilo que lhes causam ansiedade e como é a sensação de estar ansioso. Acreditamos no poder da escrita como forma de materialização destes pensamentos e de registro duradouro desses sentimentos que não devem ser ignorados. Curiosamente, mesmo não impondo este enfoque, questões relacionadas à vida universitária apareceram em massa. Ambientes que estabelecem a competitividade; busca pela excelência; o medo de

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“A greve tem me gerado grande adoecimento psíquico. Aliado a isto, está a mudança de curso que pleiteio. Há uma latente vontade de

abandonar minha graduação e abandonar o mercado de trabalho.” errar; a exaustão devido a imensas demandas e curtos prazos para realizar as atividades, foram algumas das situações descritas nos papéis. Com base nesse experimento social, o ensaio ANSIEDADE INSTITUCIONALIZADA busca reproduzir artisticamente a ansiedade desenvolvida por práticas comuns na UnB. Um assunto tão delicado merece um olhar diferenciado. Números, gráficos e estatísticas não conferem a sensibilidade que as pessoas precisam, e dificilmente contribuem para o desenvolvimento de empatia e aproximação àqueles que não sofrem com esses transtornos. Vale ressaltar que todos estamos sujeitos a este quadro. Com a proposta de estética dinâmica e caótica, a busca pela representação através das fotos, escancara o grito de tantas vozes silenciadas pelo sistema. Esse ensaio foi um compilado das pequenas denúncias anônimas que ganharam forma e expressão a fim de trazer à tona a responsabilidade que devemos uns aos outros. A saúde mental não deve ser a moeda de troca para a excelência.Todos os atores que se voluntariaram a participar do ensaio são diagnosticados com o transtorno de ansiedade.Referência BARBOSA, Lívia.Cultura e Empresa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, ed: 2002

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“A sensação de não ser boa o suficiente profissional e academicamente . De que o meu desempenho não cumprirá minhas as expectativas. Essa

ansiedade me paralisa e travo mesmo antes de começar. Sofro muito e quando eu faço tenho menos tempo e vejo como sofri sem precisar. Apesar de

saber que isso acontece o ciclo se repete, muitas e muitas vezes.”

“Sinto ansiedade quando penso que devo me provar em qualquer atividade que participo, caso contrário todos vão pensar que sou uma fraude. E eu sei que eu sou.”

“A comparação com o meu desempenho acadêmico com quem consegue se sair melhor nesse mundo universitário. Inseguranças

com o futuro...”

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“...toda vez que eu tenho crise, fico comendo as minhas unhas.”

“TUDO.”

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“Quantidade imensa de demanda universitária, em prazos curtos, matérias distantes do que é realmente a vida. Tudo isso me faz sentir inadequada e

insuficiente. Sinto que não pertenço a este lugar. A ansiedade bate forte, entro em crise e aí não consigo fazer nada do que me cobram. Sentimento de culpa.”

“Me sinto sufocado, pressionado e sem rumo. Os trabalhos em grupo me

diminuem muito e eu fico sem voz.”

“Me sinto inútil na universidade, me sinto burra e impotente. Me sinto incompleta e muito atrás dos meus amigos. Não tenho um pingo de vontade de vir à universidade.”

“Preciso passar em cálculo e contabilidade porque não tenho certeza do meu curso e isso só me atrasará pra descobrir se realmente é isso que eu quero. Não quero ter que fazer vestibular de novo.”

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