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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO CURSO DE PEDAGOGIA ANNA MYKELLENA PEREIRA DE ARAÚJO HISTÓRIAS DE VIDA E O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NATAL 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO CURSO DE PEDAGOGIA

ANNA MYKELLENA PEREIRA DE ARAÚJO

HISTÓRIAS DE VIDA E O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E

ADULTOS

NATAL 2015

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ANNA MYKELLENA PEREIRA DE ARAÚJO

HISTÓRIAS DE VIDA E O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Artigo apresentado ao Curso de Pedagogia, do Centro de Educação, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a conclusão do Curso e obtenção do título de Licenciada em Pedagogia. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marisa Narcizo Sampaio

NATAL 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO CURSO DE PEDAGOGIA

HISTÓRIAS DE VIDA E O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E

ADULTOS

ANNA MYKELLENA PEREIRA DE ARAÚJO

Artigo julgado adequado para obtenção do Grau de Licenciatura em Pedagogia e aprovado em sua forma final, por unanimidade, em 16/12/2015, pela Banca Examinadora.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Marisa Narcizo Sampaio (Orientadora)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

________________________________________________ Prof. Dr. Alexandre da Silva Aguiar (Examinador)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

________________________________________________ Prof. Dr. Francisco Cláudio Soares Júnior (Examinador)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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HISTÓRIAS DE VIDA E O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E

ADULTOS

Anna Mykellena Pereira de Araújo Universidade Federal do Rio Grande do Norte

RESUMO

Este artigo apresenta algumas possibilidades do uso do método autobiográfico, com destaque para as histórias de vida, no processo de alfabetização de jovens e adultos. Traz inicialmente, um panorama histórico que permite conhecer a história deste método investigativo e suas contribuições no contexto educacional. Em seguida, apresenta reflexões acerca das singularidades que envolvem o público participante da Educação de Jovens e Adultos e sua heterogeneidade, envolvendo principalmente as diferenças de ordem etária que acompanham o processo de juvenilização da EJA. Numa perspectiva problematizadora e transformadora da educação, defende o uso das histórias de vida na prática pedagógica como uma forma de promover a reflexão pessoal e coletiva, bem como a valorização de identidades marginalizadas e o respeito pelas diferenças. A pesquisa utiliza-se da análise bibliográfica e faz menção às experiências práticas que revelam o uso deste método investigativo com turmas de jovens, adultos e idosos.

Palavras-chave: Histórias de vida. Educação de Jovens e Adultos. Prática pedagógica.

Histórias de vida como metodologia de pesquisa e sua utilização no contexto

educacional

Autobiografia, biografia, relato oral, depoimento, história e narrativa de vida.

São várias as terminologias utilizadas para identificar estas modalidades da história

oral. Esta pluralidade terminológica, como alertou Inês Bragança (2012), traz

Graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: [email protected].

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dificuldades na definição conceitual do método. Neste artigo, irei me ater de forma

mais específica, ao método autobiográfico, com destaque para as histórias de vida

utilizadas no campo educacional. Assim, farei inicialmente um breve relato sobre o

seu desenvolvimento histórico enquanto abordagem teórico-metodológica.

Bragança (2012), em seu livro Histórias de vida e formação de professores:

diálogos entre Brasil e Portugal, descreve os caminhos percorridos pelas histórias de

vida enquanto abordagem teórico-metodológica, dentro do campo das ciências

sociais e no campo educativo. Registra que inicialmente, ela – a história de vida –

apresentava-se através da comunicação oral, tendo em vista a conservação de

histórias, lembranças e tradições familiares, e ao que se refere à cultura ocidental,

teve seu marco e desenvolvimento mais intenso a partir do século XIX, quando se

constituiu como metodologia de pesquisa nas ciências sociais. A autora, em sua

pesquisa, revela que, embora na Idade Média houvesse gêneros textuais que

trabalhassem essa perspectiva temporal da vida, as pessoas comuns da época, não

faziam uma análise de suas vidas e dos acontecimentos usando a autobiografia

como método e que o período do Renascimento, com a ideia do ser humano no

centro do processo de construção do conhecimento, favoreceu o aparecimento e

fortalecimento das autobiografias.

As narrativas de vida também trazem uma contribuição ao campo da História

quando, baseadas essencialmente na história oral como fonte de pesquisa, auxiliam

na compreensão de fatos, momentos ou contextos históricos (BRAGANÇA, 2012).

Isto porque as narrativas de vida têm como elemento fundamental a subjetividade do

sujeito e seu olhar sobre si mesmo dentro de um contexto histórico. Souza (2007)

defende que, a partir das memórias individuais e coletivas do passado, é possível

entender o contexto social e cultural presente, e mais ainda, é possível repensar o

futuro.

Embora haja muitas diferenciações entre o uso das narrativas de vida nas

diversas épocas, Bragança (2012) afirma que, ao conservar a história a partir de

documentos, relatos, depoimentos, há um elemento comum no método que é “dar

voz àqueles que não foram contemplados pela história oficial”. E no que se refere à

pesquisa histórica, partindo essencialmente das fontes orais, Souza (2007) acredita

que permite aos excluídos da sociedade, tomar parte na história, em geral silenciada

pela história oficial dominante. Assim ele descreve:

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O reconhecimento da legitimidade dessas fontes para a pesquisa em História permitiu que vozes, até então silenciadas pela História tradicional, reivindicassem o direito de falar [...] Assim, os negros, as mulheres, os índios, os homossexuais vão buscar na indagação do passado, a partir de suas memórias individuais e coletivas, as circunstâncias sociais e culturais que o conformaram no tempo presente e que permitem pensar em projetos para o futuro. (SOUZA, 2007, p. 63)

Mantendo um diálogo entre o individual e o sociocultural, Abrahão (2003)

acredita que as experiências dos sujeitos ajudam a universalizar a época histórica

em que vivem. Porém, é preciso considerar que não se deve estabelecer

“generalizações estatísticas”, já que, segundo a autora, o pesquisador trabalha com

as emoções e subjetividades do sujeito, que a partir de uma memória seletiva,

retrata aquilo que para ele é real e significativo.

O método autobiográfico também traz contribuições enquanto metodologia de

pesquisa qualitativa, e tem na vida do sujeito, o ponto de partida para a investigação

e compreensão dos processos históricos e sociais, mas segundo Bragança (2007),

ela não se resume apenas à coleta de dados e informações, ela torna-se um

mediador entre a investigação a que se propõe e a construção do conhecimento,

fazendo a articulação entre vida e historicidade e dando sentido à trajetória de vida

do sujeito.

Quanto à relação entre o pesquisador e o sujeito, para Souza (2007),

O papel do pesquisador não pode limitar-se a tomar notas, pois sua tarefa é a escuta sensível na qual perceba os componentes e dimensões relevantes na vida dos sujeitos que lancem luz sobre problemáticas construídas. (SOUZA, 2007, p. 68)

Desta forma, o pesquisador assume um papel sutil no que se refere à

condução da pesquisa, já que o entrevistado é quem decide o que vai ou não ser

contado, diante do percurso da sua vida e da sua subjetividade (SOUZA, 2007).

Quanto à análise dos dados, Abrahão enfatiza que as narrativas não devem

ser julgadas como verdadeiras ou falsas, visto que elas expressam um ponto de

vista. Mas, a interpretação do investigador representa uma leitura do material a partir

de uma “referência de verdade”, com o objetivo de compreender as narrativas na

perspectiva pessoal/ social do narrador e na perspectiva da dimensão contextual,

sem desqualificar a interpretação do narrador (ABRAHÃO, 2003).

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Deste modo, é possível observar que uma infinidade de aspectos envolve a

realização da pesquisa, e as concepções de análise de dados conduzem a forma de

investigar, analisar e construir informações.

Nesse sentido, compreendemos que as matrizes conceituais, o campo disciplinar ao qual está filiado o pesquisador e a problemática focalizada constituem elementos definidores do desdobramento metodológico e da perspectiva interpretativa adotada. (BRAGANÇA, 2012, p. 57).

No campo educacional, as histórias de vida aparecem com inúmeras

possibilidades na formação de adultos. Tantas, que Bragança (2012) aponta em

seus estudos, uma certa dificuldade de sistematização sobre as análises dessa

perspectiva.

Esta autora destaca a importância de considerar a história das histórias de

vida, a fim de evitar possíveis desvios, dispersões ou imprecisões no que diz

respeito a esta abordagem. Assim, aponta as contribuições dadas por Nóvoa (2002),

ao destacar que na década de 1980, a valorização da educação ao longo da vida

(permanente) e a aprendizagem que envolve também a vida adulta – com crítica à

ideia da infância como idade específica para o processo de formação – permitiu que

o aporte (auto)biográfico se colocasse como possibilidade metodológica, tendo na

Escola de Genebra os estudos iniciais das histórias de vida enquanto metodologia

de investigação e formação, conferindo a ela um estatuto fundador (BARROS,

2013).

Segundo Barros (2013), a história de vida tem sua caracterização no campo

educativo, quando utilizada como um instrumento de investigação e, ao mesmo

tempo, um instrumento pedagógico, tendo a utilização de sua perspectiva teórico-

metodológica atrelada à formação, que é entendida como um processo permanente

ao longo da vida (BRAGANÇA, 2012).

A sua utilização no campo educativo, pretende destacar a subjetividade do

sujeito, considerando-o como produtor do conhecimento, valorizando suas

experiências de vida durante o processo de aprendizagem. Para Barros (2013), o

impacto para a formação de adultos a partir desta abordagem,

[...] relaciona-se com o reconhecimento da centralidade da pessoa adulta nos processos de educação e de formação, motivado, por um

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lado, pelas propostas de construção de um estatuto epistemológico do sujeito, que englobem a subjetividade nos processos de construção de conhecimento, e por outro lado, pela revalorização epistemológica da experiência e a sua consideração consequente nos processos de aprendizagem. (BARROS, 2013, p. 43).

Barros destaca também que essas aprendizagens experienciais, resultantes

do percurso de vida, “são tão ou mais decisivas para a concretização de novas

aprendizagens como as aprendizagens formais derivadas do percurso escolar e

traduzidas por um certificado” (BARROS, 2013, p. 34). Assim, outros espaços, onde

se desenvolvem a vida do sujeito e não só a escola, como instituição formal, são

considerados espaços formativos, uma vez que, “a formação é um processo interior

que liga-se à experiência pessoal do sujeito que se permite transformar pelo

conhecimento”. (BRAGANÇA, 2012).

Para Josso (2010), utilizar essa abordagem no processo de formação, é

pensar tal formação do ponto de vista do sujeito aprendente:

A originalidade da metodologia de pesquisa-formação em histórias de vida diz respeito, em primeiro lugar, à nossa constante preocupação com que os autores de narrativas consigam produzir conhecimentos que tenham sentido para eles e que eles próprios se inscrevam num projeto de conhecimento que os institua como sujeitos. (JOSSO, 2010, p. 33).

O aporte (auto)biográfico na formação de adultos permite que o sujeito

examine sua história, articulando as memórias do passado, experiências do

presente e os projetos de futuro, onde ele, ao se responsabilizar pelo processo de

construção de saberes, tem a possibilidade de construir uma experiência de

transformação tanto pessoal quanto coletiva (BRAGANÇA, 2012).

No campo educacional, essa abordagem, também é utilizada, na perspectiva

de formação de professores, seja iniciante ou continuada. O método (auto)biográfico

permite aos educadores pensar e repensar suas histórias, refletindo a partir de suas

próprias vozes e suas subjetividades, situando-as em um contexto histórico, que

leve em consideração os diferentes aspectos de sua vida como referência para o

seu processo de formação e ação (SOUZA, 2007).

Bragança (2012) acredita que o uso das histórias de vida no processo

educativo possibilita uma mudança de relação com o mundo e um sentimento de

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identidade, de legitimação pessoal e também profissional. Mas alerta quanto à sua

utilização mecânica e meramente descritiva:

As abordagens de pesquisa-formação não buscam na narrativa um ato mecânico ou descritivo, mas, em outra perspectiva, a recriação do passado e a construção do futuro, por meio de um voltar à origem, de um inventário das experiências fundadoras. (BRAGANÇA, 2012,

p. 89).

Elas apresentam-se enquanto possibilidades de construir novas ações a partir

do que foi vivido, retomando o caminho que um dia foi trilhado, e a partir da

mediação pedagógica e da reflexão, constituírem-se como uma experiência

transformadora. Para Barros, elas devem “reconhecer o adulto como produtor do

saber, mais do que um consumidor do saber” (BARROS, 2013, p. 45).

Valorização de identidades outrora marginalizadas.

Diante do exposto até aqui sobre o método autobiográfico e sua utilização na

formação de adultos, acredito que este possa ter grande valia no que se refere à

alfabetização de jovens e adultos que pertencem à modalidade EJA, já que, sendo a

educação de jovens e adultos (EJA) uma modalidade da educação básica, é preciso

considerar que ela deve se realizar com uma metodologia própria, para atender um

grupo especifico e singular de alunos, que se diferencia em grande medida, do

público que frequenta as etapas do ensino fundamental e médio na infância e na

adolescência.

Sobre este aspecto, o Parecer CEB nº 11/2000, declarou:

O termo modalidade é diminutivo latino de modus (modo, maneira) e expressa uma medida dentro de uma forma própria de ser. Ela tem, assim, um perfil próprio, uma feição especial diante de um processo considerado como medida de referência. Trata-se, pois, de um modo de existir com característica própria. (CURY, 2000, p. 26).

Assim, considerando-a como específica e com formato pedagógico próprio

para atender as necessidades do seu público (CURY, 2000), é preciso compreender

quem é este aluno que frequenta as classes da EJA, e o que busca ao voltar para a

escola, ou mesmo ao procurá-la tardiamente pela primeira vez, para então

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podermos enxergar as possibilidades do trabalho com histórias de vida. Martha Kohl

de Oliveira (1999), em pesquisa realizada sobre jovens e adultos como sujeitos de

conhecimento e aprendizagem, nos ajuda a ter uma ideia de quem é esse adulto

que busca a escola:

O adulto, no âmbito da educação de jovens e adultos, não é o estudante universitário, o profissional qualificado que freqüenta cursos de formação continuada ou de especialização, ou a pessoa adulta interessada em aperfeiçoar seus conhecimentos em áreas como artes, línguas estrangeiras ou música, por exemplo. Ele é geralmente o migrante que chega às grandes metrópoles proveniente de áreas rurais empobrecidas, filho de trabalhadores rurais não qualificados e com baixo nível de instrução escolar (muito freqüentemente analfabetos), ele próprio com uma passagem curta e não sistemática pela escola e trabalhando em ocupações urbanas não qualificadas, após experiência no trabalho rural na infância e na adolescência, que busca a escola tardiamente para alfabetizar-se ou

cursar algumas séries do ensino supletivo. (OLIVEIRA, 1999. p. 59).

Sem fazer maiores aprofundamentos em sua pesquisa, a autora também

considera a participação recente de jovens mais ligados ao mundo urbano e que

também trazem consigo uma condição de excluídos da escola (OLIVEIRA, 1999).

Muitos desses jovens vêm das periferias das grandes cidades e municípios rurais e

normalmente, fazem parte da parcela mais empobrecida da população,

apresentando trajetórias frequentes de abandono e retorno à escola. (CARRANO;

BRITO, 2011, p. 3).

Um exemplo deste perfil jovem, que contribui com o processo de juvenilização

das classes da EJA, foi identificado em pesquisa realizada por Senadaht Barbosa

Baracho Rodrigues, no contexto da Escola Municipal Prof ª Almerinda Bezerra

Furtado, em Natal/RN, no ano de 2011. Com suas próprias palavras, a autora

descreve:

[...] jovens que, perante o constante insucesso e por motivos diversos, não conseguiram lograr êxito na escola quando crianças, nunca ou por um curto espaço de tempo se afastaram dela, e como consequência de um desequilíbrio entre idade-ano de escolarização estão entrando cada vez mais jovens na EJA. (RODRIGUES, 2011,

p. 5).

Portanto, ao tentar conhecer o perfil destes alunos que frequentam as classes

da EJA, é importante considerar ademais, essa heterogeneidade crescente, que

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insere as juventudes nas escolas, com perfis diferentes do idealizado e esperado –

como aquele que cumpre as etapas da escolarização regular e se prepara para o

ensino universitário. Aqui, abro um espaço para destacar o termo “juventudes”,

utilizado no plural, por considerar a perspectiva da diversidade ao tratar do assunto.

Assim como Carrano e Dayrell (2003) reconheço a pluraridade que envolve os

sentidos de ser jovem em nosso país, compreendendo a necessidade de “articular a

noção de juventude à de sujeito inserido em determinada realidade social e

histórica.” (CARRANO; DAYRELL, 2003, p. 4). As juventudes utilizadas para este

estudo, referem-se àquelas advindas das classes populares, que mesmo pouco

homogêneas, representam uma condição histórica de exclusão e marginalidade,

onde acredito ter grande impacto o trabalho com histórias de vida, na medida em

que possibilita valorizar o que sabem os sujeitos e não apenas potencializar o que

lhes falta, interrompendo o fortalecimento e a reprodução de um discurso que

acompanha o fracasso e a impotência da escola diante das dificuldades de

aprendizagens dos alunos, como declara Carrano e Brito (2011):

Infelizmente, os jovens da EJA costumam experimentar a sensação do Déjà vu, ou algo como “já vi esse filme antes”, quando percebem que a escola está emitindo sinais de que as dificuldades da aprendizagem tem origens profundas (baixo capital cultural familiar, pobreza, violência do meio etc) e que não resta muita coisa à instituição fazer, tal como ocorreu em algum momento de suas vidas

escolares. (CARRANO E BRITO, 2011, p. 4).

No sentido inverso, o trabalho com histórias de vida pode apresentar-se como

uma boa oportunidade para o repensar de suas trajetórias e o reconhecimento de

suas identidades, tanto por parte dos alunos como dos professores, encorajando

novas formas de aprendizagem que favoreçam a “desaprendizagem das lógicas e

sentimentos relacionados com as possíveis culpas de não ter sabido formular as

respostas corretas que a instituição escolar exigiu em dado momento” (CARRANO;

BRITO, 2011, p. 5)

É importante que a escola também reconheça, no processo de ensinar e

aprender, a multiplicidade entre os sujeitos, que embora pareçam ter perfis

homogêneos, possuem singularidades que se revelam em suas trajetórias de vida.

Os educadores da EJA têm o desafio de trabalhar numa modalidade da educação na qual a homogeneidade dos sujeitos não é a tônica

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dominante. A idéia de homogeneidade – de faixas etárias, de tempos de aprendizagem, de conhecimentos etc – que pode até fazer algum sentido em algumas circunstâncias educacionais, é, por definição, inviável nos tempos e espaços da EJA. Nos espaços da EJA os sujeitos são múltiplos e ainda que existam sujeitos com perfis similares é preciso estar atento para as trajetórias de vida que sempre são singulares e portadoras de potencialidades que podem não se revelarem de imediato. (CARRANO, 2007. p. 65).

O autor revela que “os jovens são mais plurais do que a escola deseja

receber”, que a escola “espera alunos e o que chega são sujeitos com múltiplas

trajetórias e experiências de vivência do mundo” (CARRANO, 2007, p. 65). Neste

sentido, o trabalho com histórias de vida na educação de jovens e adultos abre

possibilidades para uma educação reflexiva e pouco tradicional e conteudista, na

qual o aluno, dotado de consciência, é capaz de pensar sobre si e ser mais que

espectador, mas um recriador do mundo, e o educador, como aquele que crê no

homem e no “seu poder criador” (FREIRE, 2005).

Segundo a Proposta Curricular para o 1º segmento da EJA (2001), o grande

desafio imposto por esta modalidade de ensino é “garantir um acesso à cultura

letrada que lhe possibilite uma participação mais ativa no mundo do trabalho, da

política e da cultura” (BRASIL, 2001, p. 34). Assim, o uso de estratégias que

promovam momentos de reflexão e aprendizagem, que valorizem os conhecimentos

e experiências já vivenciados pelos alunos, podem auxiliar na busca pela vitória

deste grande desafio. A proposta curricular aponta a importância de reconhecer

estas experiências no processo educativo:

É a partir do reconhecimento do valor de suas experiências de vida e visões de mundo que cada jovem e adulto pode se apropriar das aprendizagens escolares de modo crítico e original, sempre da perspectiva de ampliar sua compreensão, seus meios de ação e interação no mundo. (BRASIL, 2001, p. 41).

Ester Calland de Souza Rosa (2006) diz que o trabalho com histórias de vida,

promove boas oportunidades para elaborar conhecimentos sobre si mesmo e um

recurso para “rever conceitos e preconceitos que foram apropriados ao longo da

vida” (ROSA, 2006, p. 16-17), na medida em que, permite que o aluno conheça sua

história e estabeleça relações entre ela e sobre como pensa e encara o mundo.

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O seu uso na prática educativa, além de dar sentido às experiências de vida,

permite que o aluno reconheça-se dentro de um coletivo, repleto de deveres, mas

também de direitos, mantendo contato com outros coletivos que provocam o respeito

pelo outro e suas diferenças. Entretanto, reconheço que mudar atitudes não é uma

tarefa fácil. Ela requer antes de tudo, mudança de pensamento e tomada de

consciência. Não me refiro aqui, à aquisição de conhecimento apenas, mas a um

processo de ação e reflexão que acompanha o movimento da aprendizagem,

tendente ao que Paulo Freire (2005) chamou de libertação:

A libertação autêntica, que é a humanização em processo, não é uma coisa que se deposita nos homens. Não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É práxis, que implica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo. (FREIRE, 2005, p. 77).

O projeto MOVA – Brasil (Inspirado no Movimento de Alfabetização de Jovens

e Adultos, criado por Paulo Freire em 1989), compartilha em publicação de

dezembro de 2010, experiências significativas com o uso de histórias de vida em

classes da EJA e pode, em uma das atividades, exemplificar de forma prática, o que

disse Rosa (2006) na afirmação anterior sobre rever conceitos e preconceitos. A

atividade referia-se a construção coletiva do perfil da turma:

Foi pedido aos(às) educandos(as) que escrevessem numa folha, dados como: nome, sexo, cor, idade, tempo de escolaridade, estado civil, profissão e se possuíam registro na carteira de trabalho. Os itens citados foram expostos no quadro e cada item do perfil era questionado e respondido pelos educandos(as) oralmente. [...] A partir da construção e análise do perfil, percebeu-se que a turma tinha muita dificuldade em assumir sua cor, que no caso, é de maioria negra. Por isso, foram realizadas várias leituras e discussões sobre essa temática. E aproveitando o dia 20 de novembro, foi colocada a questão através da atividade: “Consciência negra, o que você pensa sobre isso?” (PROJETO MOVA- BRASIL, 2010, p. 36-37).

Por isso, concordo com Rosa (2006), quando defende que:

[...] Ao contar histórias sobre si mesmas, as pessoas não apenas resgatam fatos ocorridos, mas também delineiam uma auto-imagem, situam-na em continuidade com o mundo cultural ao qual pertencem e, desse modo, constroem formas de compreender a vida a partir de uma dimensão temporal e circunstancial. (ROSA, 2006, p. 16)

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A prática pedagógica no ensino de jovens e adultos perpassa por muitos

desafios, como a incompreensão das heterogeneidades, a marginalidade, a baixa

autoestima, percursos marcados por sentimentos de incapacidade e inadequação.

Estes desafios, durante a prática pedagógica, precisam ser problematizados e

jamais ignorados, se tivermos a intenção de encontrar o caminho da transformação,

já que, para que ela ocorra, é necessário desenvolver a percepção das contradições

e o desvelamento do mundo (FREIRE, 2005).

Ao introduzir as histórias de vida na prática pedagógica com alunos da EJA,

encontramos um auxílio para que alunos e professores vençam alguns desses

desafios mencionados. Como uma prática que exige a reconstrução de experiências

vivenciais, ela se apresenta muito mais que a simples manifestação da memória,

mas num exercício de reflexão que mantém diálogo entre passado e presente,

permite repensar, mudar e escrever uma nova trajetória. Freire (2005) nos ensina

sobre isto ao dizer que, a concepção problematizadora da educação considera a

historicidade dos homens, e que “o olhar para trás, não deve ser uma forma

nostálgica de querer voltar, mas um modo de melhor conhecer o que está sendo,

para melhor construir o futuro” (FREIRE, 2005, p. 84).

As práticas que envolvem o método autobiográfico reforçam a ação do sujeito

e seu compromisso com o processo educativo, e relaciona-se constantemente com

sua realidade existencial, onde suas experiências pessoais se tornam ferramentas

para o ensino. A Proposta Curricular para o 1º segmento da EJA (2001) menciona o

desafio do professor em manter conexões entre o que se ensina na escola e a vida

dos alunos fora dela, e sugere algumas atividades que podemos desenvolver a partir

do uso das histórias de vida desses alunos:

Ao recuperarem suas histórias de vida, os educandos podem localizar data e local de nascimento, os vários locais de moradia, motivos das mudanças realizadas, situação familiar, vida profissional e escolar e tantas outras informações relevantes. Através dessas atividades, será possível ampliar as noções de tempo e espaço, conhecer unidades de medida do tempo cronológico, de extensão e de área, desenvolver habilidades de orientação e representação espacial, introduzir conceitos relacionados à cultura, ao mundo do trabalho, aos processos migratórios e à urbanização. Essa também pode ser uma oportunidade de prestar aos alunos informações sobre os documentos pessoais (certidão de nascimento e casamento, RG, CPF, Carteira Profissional, Certificado de Reservista etc.), suas utilidades e meios de obtenção. (BRASIL, 2001, p. 175).

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Ao utilizar as experiências de vida no processo educacional de jovens e

adultos, a escola também possibilita a valorização de outros conhecimentos e

estratégias desenvolvidas pelos alunos para sobreviver em meio a nossa sociedade

letrada, principalmente entre aqueles que ainda não foram alfabetizados,

substituindo o preconceito e a discriminação, pelo reconhecimento e valorização de

culturas que se baseiam também na oralidade para contar histórias, criticar, fazer rir

ou refletir, dando prova que a falta de conhecimento sobre o sistema alfabético não

pode ser considerada uma questão cognitiva. Sobre este aspecto, diz o Parecer

CEB (2000):

[...] a ausência da escolarização não pode e nem deve justificar uma visão preconceituosa do analfabeto ou iletrado como inculto ou "vocacionado" apenas para tarefas e funções "desqualificadas" nos segmentos de mercado. Muitos destes jovens e adultos dentro da pluralidade e diversidade de regiões do país, dentro dos mais diferentes estratos sociais, desenvolveram uma rica cultura baseada na oralidade da qual nos dão prova, entre muitos outros, a literatura de cordel, o teatro popular, o cancioneiro regional, os repentistas, as festas populares, as festas religiosas e os registros de memória das

culturas afro-brasileira e indígena. (BRASIL, 2000, p. 5).

Mais do que simplesmente codificar e decodificar letras, é essencial que o

educando, em seu processo de alfabetização, consiga estabelecer relações entre

aquilo que lhe cerca e o que aprende na escola, e para isso, é fundamental que o

educador considere suas experiências vivencias nesse processo. Além de

possibilitar a quebra de estereótipos, utilizar as histórias de vida dos alunos nesse

percurso, contribui para que professores busquem novas práticas para o ensino,

utilizem textos significativos para os alunos e não se limitem a usar as mesmas

práticas, os mesmos materiais, que consideram que alunos são todos iguais e

aprendem da mesma forma, sendo essa uma perspectiva que pode ser totalmente

desmistificada pelas histórias de vida dos alunos. Ela ajudará os professores a

conhecerem o seu público e encontrar estratégias para mediar o processo de

construção de conhecimento e de fato tornar-se um facilitador da aprendizagem,

sem correr o risco de direcionar a sua prática à reprodução das desigualdades

sociais, mas, ser uma reveladora delas.

Em um outro bom exemplo compartilhado no caderno do MOVA – Brasil,

encontramos uma sugestão para essa prática reveladora:

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Nesta atividade, o(a) educador(a) provoca a turma no sentido de cada um contar a origem do próprio nome e depois tentar escrevê-los. Em seguida, o(a) educador(a) trabalha o reconhecimento das letras, mostrando a possibilidade de se escrever outros nomes a partir do nome deles. A partir do nome dos(as) educandos(as), discutem-se características das comunidades dos(as) educandos(as): a cultura local, a religiosidade (como escolha de nomes de Santos para eles ou para os filhos, por devoção ou promessa). Uma possível conclusão para esta atividade é a discussão sobre a importância do registro de nascimento para existir como cidadão, possuir deveres e ter direitos a serviços públicos.

(PROJETO MOVA- BRASIL, 2010, p. 34).

Freire (2005) sugere que, para a realização de uma educação

problematizadora, é preciso partir das relações entre homens-mundo, de situações

vivenciais reais, que não se mostram como fatais, mas apenas desafiadoras. Só

assim é possível, para ele, que os homens sintam-se sujeitos capazes de

transformar e transformar-se. Entretanto, a compreensão desta situação atual, não é

possível de ser alcançada sem um olhar para trás, um olhar histórico que se

pretenda revelador. Portanto, acredito que o papel das histórias de vida no processo

de ensino de jovens e adultos é fundamental para que os alunos se reconheçam

como parte de uma sociedade, que envolve individualidades, mas também

coletividades; que envolve contradições, alienação, disputa e sujeição. Mas, no

entanto, de forma consciente e criativa, também têm poder para agir sobre ela e não

só receber a ação.

Um outro aspecto a ser considerado, e que se refere não somente aos

adultos, mas também aos jovens, é a sua relação com o mercado de trabalho, na

maior parte das vezes informal. São conteúdos escolares que não “conversam” com

as formas variadas de trabalho informal e que carregam consigo pouca esperança

de progresso profissional. A meu ver, a participação desses alunos no mundo do

trabalho, os torna amplamente diferentes dos demais, porém esta é uma

característica pouco respeitada e considerada pela escola que os recebe. Concordo

com Miguel Arroyo (2007), quando discute sobre a instabilidade do tempo para

esses alunos trabalhadores e a rigidez do tempo escolar:

Penso no meu neto que acorda às sete horas e vai para a escola e na parte da tarde faz os deveres. Mas ele não tem nada o que fazer. E como fica o menino da rua? E o adolescente que luta pela sobrevivência? A maior parte dos jovens e adultos da EJA são

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vítimas, exatamente, da rigidez dos tempos escolares desde o pré-escolar e, ainda, teimamos que eles se adaptem à mesma rigidez no tempo da EJA. Será que não há percepção de que não é possível obrigar jovens e adultos que não dominam os seus tempos, que têm que esticá-los, sempre, para poder sobreviver, a modelos rígidos de organização dos tempos escolares? (ARROYO, 2007, p. 13).

Mesmo não sendo esta, uma realidade a que pertencem todos os alunos que

frequentam as turmas de EJA, é importante cuidar que o distanciamento de

questões desta natureza, pode transmitir mensagens que se deixam entender que

somente a escola apresenta-se como um espaço de formação, e que portanto,

pouco sabem aqueles que dela não fazem parte. Carrano e Brito alertam que essas

práticas educativas promovem “a dissociação ecológica entre sujeitos, meios e

culturas de aprendizagem” e que “os espaços de apropriação de saberes e

construção de experiências dos jovens adultos não se limitam apenas ao âmbito

escolar” (CARRANO E BRITO, 2011, p.7):

É preciso, contudo, arrancar da instituição os tempos e espaços para compartir histórias de vida, experiências e projetos de futuro. Isso só é viável se acreditarmos na produtividade de um processo educativo que se permita compartilhar narrativas de vida, refletir sobre percalços enfrentados, sonhos almejados e conhecimentos singulares adquiridos ao longo da vida. (CARRANO E BRITO, 2011,

p. 6-7).

Arroyo (2007), ao tratar das singularidades dos alunos da EJA, denuncia o

modelo escolar tradicional e positivista e defende que é preciso aproximar os alunos

dos movimentos sociais populares, trabalhando com os coletivos que lutam por sua

identidade, sua cultura e memória, para que se alcance os objetivos almejados de

transformação social, libertação e emancipação. Para o autor, é preciso que o

currículo da EJA proporcione oportunidades de os jovens adultos conhecerem os

coletivos a que fazem parte e a saberem sua história, tornando-se não só

conhecedores, mas sujeitos dela. Na experiência do MOVA – Brasil descrita

anteriormente sobre a construção do perfil da turma, foi relatado sobre a inquietação

de alguns alunos, quando eram questionados sobre a participação em movimentos

sociais e partidos políticos:

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Após muita discussão sobre a importância de se falar a respeito daqueles itens, eles(as) entenderam que o Projeto Mova precisava daqueles dados; então, foram respondendo. Nesse momento, muitos relataram histórias ocorridas na época da ditadura militar, fatos que tinham acontecido com eles(as), com familiares ou amigos(as). Isto proporcionou uma aula muito rica com diversos conteúdos. Nesse momento, os(as) educandos(as) também perceberam que, refletindo sobre o contexto atual ou passado, adquirimos novos

conhecimentos. (PROJETO MOVA – BRASIL, 2010, p. 37).

Entendo então que, muitas dimensões envolvem o processo de escolarização,

mas se o que se pretende tem a ver com uma prática transformadora, que busca

entre outras coisas, o fortalecimento das identidades e o reconhecimento dos

sujeitos como cidadãos de direito e seres atuantes, suas histórias de vida jamais

podem ficar de fora neste processo. Do contrário, corremos o risco de apenas

acomodá-los ao mundo, inibir seu poder criador e estimular tão somente a sua

ingenuidade (FREIRE, 2005). Desta forma, legitimar as experiências de vida dos

alunos e utilizá-las no processo educacional, pode, além de apresentar-se como

uma possibilidade de valorização pessoal e coletiva, aproximar os alunos desta

escola que na maior parte do tempo lhes parece estranha e sem sentido. Pensar nas

particularidades destes jovens e adultos é essencial para satisfazer as suas

necessidades de aprendizagem, que constroem habilidades, conhecimentos e

valores necessários para enfrentar o mundo do trabalho e o reconhecimento de si e

do outro em qualquer época da vida.

Assim, através do método autobiográfico, com destaque para o uso de

histórias de vida, encontramos espaço para considerar esses sujeitos em suas

individualidades ao refletir sobre o percurso que seguiram até o momento em que

voltaram para a escola ou a procuraram pela primeira vez. Como já discutido, a

análise de suas experiências como ferramenta de ensino e aprendizagem, aponta

diversas possibilidades para uma educação significativa e transformadora. Suas

chances incluem o repensar de uma trajetória que, ao relacionar-se com o contexto

histórico atual vivenciado pelo aluno, tem a finalidade de contribuir, a partir da

mediação pedagógica, do diálogo e da reflexão, para a construção de uma nova

relação com o mundo, que permeia o reconhecimento de si como sujeito de direito,

mas também seus conceitos e preconceitos. Como esta ferramenta exige que o

aluno participe ativamente do processo formativo – uma vez que será construído por

meio de sua própria história, narrada a partir de sua subjetividade e do que

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considera significativo partilhar – ela permite transformá-lo em protagonista neste

processo.

Nesta perspectiva, a escola não se apresenta como único local formativo do

sujeito, por isso, tem no reconhecimento de suas experiências educativas fora da

escola, uma chance de minimizar o discurso monocultural difundido pela instituição

formal que acaba por transmitir a mensagem de que, aqueles que não se adequam,

devem retirar-se. Utilizar as histórias de vida como ferramenta para o trabalho

pedagógico, exige que alunos e professores aprendam a ouvir a si mesmos, mas

também ao outro, favorecendo o respeito pela diversidade e pelo direito de aprender

concedido a todos, independente do que carregam consigo em sua história. Por

isso, suas experiências e modos de vida, quando partilhados, tornam-se ferramentas

para discussão, reflexão, problematização, reconhecimento, e aprendizagem,

superando dificuldades de um processo educacional tão plural quanto aquele

encontrado no contexto da EJA.

Histórias de vida como forma de lidar com a heterogeneidade etária

As diferenças encontradas nas salas de aula merecem destaque ao tratar

sobre a educação de jovens e adultos. Elas podem apresentar-se como áreas de

conflitos quando não trabalhadas de forma apropriada. E podem significar uma

justificativa para a exclusão daqueles que não respondem adequadamente ao

sentimento homogeneizador existente na escola. As diferenças podem ser várias:

questões culturais, étnico-raciais, gêneros, etc. Porém, me detenho nesta parte do

artigo, às questões de ordem etária, que acompanham o processo de juvenilização

da EJA já tratado neste artigo, e que traz novos desafios para o processo educativo,

anteriormente voltado apenas para o adulto trabalhador. Para este estudo,

considerei as juventudes das camadas populares – que mesmo pertencendo a uma

determinada classe social, não tendem à homogeneização – e que estão em

processo de alfabetização. No entanto, é importante reconhecer que os jovens que

frequentam as classes da EJA não totalizam uma quantidade excessiva nos

primeiros anos do ensino fundamental, onde esse processo escolar de alfabetização

ocorre. A pesquisa amostral realizada pelo PNAD, (pesquisa nacional por amostra

de domicílios) no ano de 2008, revela que este número é expressivamente maior

entre as pessoas de 30 anos ou mais. Se considerarmos jovens aqueles

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compreendidos entre 14 e 29 anos, é possível perceber que eles representam um

total de apenas 18% da amostra utilizada. No entanto, ainda sendo uma pequena

porcentagem, considero que a presença destes jovens nos anos iniciais do ensino

fundamental estimula um olhar sobre suas individualidades para conquista de

processos educativos que sejam para todos, ainda que representados por uma

minoria.

A inserção do jovem nas classes de alfabetização promove o encontro de

gerações distintas que, por apresentarem interesses, costumes, visões de mundo e

valores típicos, se configuram por vezes, como um contratempo na realização do

trabalho pedagógico, gerando conflitos que envolvem não só os alunos, como

também os professores.

A exemplo disto, Rodrigues (2011), destacou em sua pesquisa, no contexto

da Escola Municipal Prof ª Almerinda Bezerra Furtado, em Natal, a fala de dois

alunos adultos - aqui apresentados genericamente como maiores de 18 anos - que

podem representar os possíveis conflitos e incompreensões, expostos até aqui,

quando se referem à presença dos jovens na escola:

Esses meninos atrapalham demais nossa aula. Eles não querem nada e atrapalham aqueles que querem. [...] São sempre os mais jovenzinhos (Mulher, acima de 18 anos). Infelizmente a parte chata da escola é a bagunça e a falta de respeito desses alunos adolescentes, fora isso seria mil maravilhas (Homem, acima de 18 anos).

São jovens e adultos que na maior parte das vezes não se entendem, e têm

nas diferenças um elemento que promove distanciamentos e conflitos. Sobre essas

especificidades dos jovens por vezes mal compreendidas, Carrano e Brito (2011)

afirmam:

As culturas juvenis estão na escola. Isso é um fato e o desconhecimento e incompreensão sobre seus significados para a vida dos jovens é fonte não apenas de ruídos na comunicação, mas também de sacrifício de experiências que poderiam ser potencializadas para aprendizagens no espaço-tempo escolar. Distintos modos de ser e estar dos jovens (falar, fazer, vestir, comunicar, cantar, dançar, pensar em rede e não apenas linearmente etc) são rechaçados de imediato por adultos que, antes mesmo de tentar compreender, rejeitam aquilo que consideram inadequação de comportamento. Muitos jovens não visualizam espaços abertos em que possam compartilhar suas experiências,

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que vão além dos limites escolares e que configuram territórios existenciais plenos de significados, gostemos ou não dos mesmos. (CARRANO; BRITO, 2011, p. 9).

Como vimos, as identidades culturais que acompanham os jovens que

frequentam as classes da EJA, na maior parte das vezes são mal compreendidas

pela escola que conhecemos. Carrano (2007) afirma que esses jovens muitas vezes

transformam os estigmas em símbolos de afirmação coletiva, que são

frequentemente fonte de incompreensões e intolerância, como é o caso dos bonés,

roupas e músicas que tendem a incomodar aqueles que não pertencem ao grupo. A

escola vai apresentando-se, assim, como um espaço pouco interessante para esses

jovens que não encontram nela qualquer identificação ou sentido, uma vez que seu

currículo rígido e formal não atende suas particularidades e nem abre espaços para

a socialização e valorização de suas identidades.

Por outro lado, encontramos os adultos e idosos, que também carregam seus

valores, suas crenças e modos de vida pouco compreendidos pelos jovens

adolescentes. São diferenças marcantes, que traduzem um público altamente

heterogêneo, que carrega consigo uma visão do mundo influenciada por sua história

de vida e sua cultura. Percebo assim, a necessidade de trabalhar na escola essas

diferenças como algo que constrói o sujeito e não como algo que o torna melhor ou

pior que os demais. Um bom exemplo disto, podemos ler no primeiro caderno

temático da coleção Trabalhando com a Educação de Jovens e Adultos (2006),

apresentado pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade

– SECAD:

Os adultos possuem mais experiência que os adolescentes e podem ter acumulado uma maior quantidade de conhecimentos. Talvez sejam menos rápidos, mas podem oferecer uma visão mais ampla, julgar melhor os prós e os contras de uma situação e ter boa dose de criatividade (BRASIL, 2006, p. 5).

Marisa Narcizo Sampaio (2012), em seu artigo, Diferenças e prática

pedagógica na EJA, aborda duas formas de encarar a diferença nos espaços da

EJA. A primeira, de natureza homogeneizadora, percebe a diferença como um

elemento relacionado diretamente à dificuldade do aluno, “a ideia de que há algo a

ser consertado para que todos atinjam o mesmo objetivo padronizado” (SAMPAIO,

2012, p. 6). Em minha experiência fornecida por dois estágios curriculares durante a

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graduação, percebi que esta é uma postura muito própria às turmas de jovens e

adultos, e reflete a ação não só de muitos professores, mas também dos alunos

envolvidos no processo, quando, por exemplo, rejeitavam ou estranhavam novas

formas de aprender que se diferenciavam do modelo ao qual estavam habituados,

ainda que isso servisse para justificar sua “inadequação” ao ambiente escolar. É o

caso da utilização de filmes, debates e conversas, músicas ou ambientes fora da

sala de aula que também se configuram como espaços educativos, mas que têm

seu reconhecimento comprometido pela visão tradicional de que o conhecimento

está unicamente no professor. Ainda no primeiro caderno temático da coleção

Trabalhando com a Educação de Jovens e Adultos (2006), citado anteriormente,

podemos ler:

Especialmente, os alunos mais velhos se mostram resistentes à nova concepção de escola que os coloca como sujeitos do processo educativo, que espera deles práticas ativas de aprendizagem. Muitos, ao se depararem com uma aula na qual são convidados a pensar juntos, em grupo; a resolver desafios diferentes dos exercícios mais convencionais; a ler textos literários; a aprender com a música, a poesia, o jornal; a fazer matemática com jogos e cálculos diversos, construir projetos; estranham, resistem e acreditam não ser esse o caminho para aprender o que a escola ensina. (BRASIL, 2006, p. 9).

Esta visão impressa entre alunos e também professores, fortalece o

sentimento homogeneizador que estabelece formas únicas e aceitáveis de aprender

e por isso também, únicas e aceitáveis de ensinar.

A segunda forma de encarar a diferença, segundo Sampaio (2012), percebe a

diferença como a individualidade de cada um, considerando seus percursos únicos

de aprendizado, e torna-se propulsora de novas práticas inclusivas, o que contribui

para a “criação de inovações na prática pedagógica, não formatadas pelas escolas

em seu modelo clássico, cumprindo um papel revitalizador”. (SAMPAIO, 2012, p. 8)

Ao pensar sobre essas diferenças tão pertinentes e no que já foi discutido até

aqui sobre o uso de histórias de vida nas classes de alfabetização de jovens e

adultos, encontro mais uma razão para a introdução do método autobiográfico no

processo educativo desse público. O seu uso pode apresentar-se como essa

“inovação da prática pedagógica”, ao permitir, a partir do diálogo, da mediatização e

da troca de experiências, a introdução de percursos individuais que ajudam a evitar

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estereótipos tanto de adultos em relação aos jovens, quanto de jovens em relação

aos adultos. Para Carrano e Brito (2011),

Diferentes situações e experiências vividas pelos alunos que ultrapassam os espaços escolares e que são significativas para suas vidas podem servir de catalisadores para novos conhecimentos

escolares (CARRANO E BRITO, 2011, p. 7).

Na experiência compartilhada a seguir, podemos observar, o quanto o

trabalho com o diálogo e a troca de experiências pessoais podem contribuir para a

socialização dos alunos, e a interação entre eles, essencial para o estabelecimento

do respeito mútuo e o trabalho coletivo:

Uma professora, certa vez, decidiu começar o semestre letivo com a seguinte proposta: pediu para que seus alunos formassem duplas e fizessem perguntas uns para os outros para tentar se conhecerem. Sugeriu que falassem seus nomes, idades, explicassem onde moravam e desde quando, falassem de seus pais, maridos e filhos. Feita essa apresentação inicial, cada um teria a tarefa de apresentar o outro para o restante do grupo. Ela sabia que essa era uma forma de aproximar as pessoas do grupo, mas surpreendeu-se quando, durante as apresentações, seus alunos foram criando uma certa intimidade: alguns alunos mais velhos conheciam os pais dos mais novos – lembravam-se, até da ocasião de seu nascimento; sabiam explicar com precisão o local da casa de cada um; compravam no mesmo mercado ou padaria. Uma aluna, dona de casa, disse, ao final da aula, que muitas vezes encontrou outra colega na feira, mas jamais pensou que, um dia, seriam colegas de classe. (BRASIL, 2006, p. 25-25).

Esta experiência deixa clara as possibilidades encontradas quando o

professor permite conhecer os alunos através de seus próprios relatos. Uma maior

interação entre eles, onde pontos comuns são descobertos, pode minimizar as

diferenças e revelar que cada um tem sua história e seus percursos únicos, mas que

em meio a estas singularidades podemos também encontrar intercessões que nos

une.

Em uma outra ocasião, agora voltando ao projeto MOVA – Brasil, no

estabelecimento do perfil de determinada turma, os alunos construíram gráficos para

organizar os dados encontrados, referindo-se ao sexo, etnia, estado civil,

escolaridade, documentação pessoal, profissão e participação social, e ao trabalhar

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com as idades que marcavam o perfil diferenciado da turma, encontraram espaços

para trabalhar conceitos de terceira idade, adulto e juventude.

Percebo assim, que as diferenças existem e são muito evidentes nas classes

da EJA, portanto, não podem ser esquecidas ou negadas pela escola e para isso, é

preciso dialogar de forma constante com outros caminhos percorridos pelos alunos

que vão além da escola – o que pode ser alcançado a partir da utilização do método

autobiográfico, uma vez que, ele, sendo um instrumento de investigação, que

destaca a subjetividade do sujeito e sua individualidade, lança mão de novas

aprendizagens a partir da reflexão do vivido e da escuta do outro, promovendo “a

escuta e a atenção que pode nos lançar para o plano dos afetos, das trocas culturais

e do compromisso político entre sujeitos de diferentes experiências e idades”

(CARRANO, 2007, p. 66).

Mesmo um adulto ou idoso, que já tem um longo caminho traçado, repleto de

experiências e com visão de mundo construída, ou um jovem inserido em práticas

sociais aparentemente estranhas, desvalorizadas e com marcas e símbolos pouco

decifrados pelos adultos, podem, ao se colocarem em um mesmo patamar e

compartilharem seus percursos de vida, encontrar espaços para novos aprendizados

que provém da interação e troca de saberes. Para Sampaio, “nas relações entre os

alunos, quanto mais a diferença é explorada, mais uns aprendem com os outros, o

preconceito diminui e todos ampliam sua visão de mundo” (SAMPAIO, 2012, p. 10).

Como já discutido anteriormente neste artigo, o trabalho com histórias de vida

permite que o aluno se torne sujeito do processo educativo e promove sua atividade

ao utilizar-se de suas próprias experiências para construir novos saberes e

relacioná-los aos conteúdos escolares. E são estas experiências que podem, ao

serem trabalhadas num ambiente que exige a memória de si, mas também o

esquecimento de si para dar voz ao outro, promover aprendizagens que vão muito

além da ordem conceitual, exercitando a tolerância, o respeito pelas diferenças e

introduzindo novas formas de ver o outro, que permite não só a aprendizagem de

conceitos, mas também de atitudes.

Por isto, acredito que, dependendo da intenção da prática educacional, um

olhar para trás pode ser deveras revelador. Numa perspectiva transformadora, ele

pode suscitar perguntas, mas também respostas; pode gerar inquietações e

conflitos, mas também auto afirmação, coragem e reconhecimento. Pode dar voz

àquele que até então, no ambiente escolar, achou que não tinha nada para dizer,

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apenas para escutar, e, assim, numa perspectiva de autorreflexão, permite que os

envolvidos no processo, tanto o que escuta, quanto o que fala, sejam educados pelo

mundo e para o mundo, e ao sentir-se participantes dele, compreendam que por

isso, são também responsáveis por ele.

Considerações finais

No decorrer deste artigo, discuti a utilização do método autobiográfico, com

destaque para o uso das histórias de vida na prática pedagógica de professores

alfabetizadores da EJA. Com a finalidade de dar voz aos alunos e fazer com que

eles tenham um sentimento de pertencimento à escola, a troca de experiências entre

eles pode ser uma aliada no processo de ensino e aprendizagem deste público.

Considerando que a pluralidade é uma marca forte das turmas de EJA, o

enfrentamento dessas diferenças e heterogeneidades como algo de riqueza pessoal

e também coletiva, pode abrir espaços para o fortalecimento das identidades e o

respeito pelas diferenças.

Estudos desenvolvidos por outros pesquisadores permitem identificar as

especificidades deste método investigativo e suas possibilidades no campo

educacional. Na medida em que tem como elemento fundamental a subjetividade

do sujeito e seu olhar sobre si mesmo, ele admite que esse mesmo sujeito torne-se

protagonista e produtor do conhecimento e por isso, também responsável por ele.

Este reconhecimento é muito importante para as turmas da EJA. Marcados por

situações diversas de preconceito, marginalidade, conformismo, baixa autoestima,

os alunos jovens e adultos são, muitas vezes, vítimas da incompreensão dos

sistemas educativos escolares, que não reconhecem suas singularidades, nem

tampouco os conhecimentos que já trazem consigo ao desconsiderar estratégias

para aprendizagens que mantenham conexão com sua vida fora da escola, sempre

potencializando aquilo que lhes falta e favorecendo a sensação de estranhamento e

nenhum pertencimento.

A utilização das histórias de vida no campo educacional reconhece que a

escola não é o único lugar onde o sujeito aprende, que outros espaços se

apresentam como espaços educativos e, portanto, os alunos da EJA quando voltam

à escola, a procuram pela primeira vez, ou até mesmo, os que nunca saíram dela,

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mas enfrentam percalços marcados pela repetência, já possuem conhecimentos que

não foram necessariamente adquiridos no ambiente escolar. O diálogo com esses

saberes pode aproximar os alunos e a escola, e promover uma prática educativa

mais significativa.

Considero que o seu uso serve à concepção problematizadora da educação e

possibilita uma prática reflexiva e transformadora, já que, reconhecendo a

historicidade do sujeito, parte de situações vivenciais reais que por vezes se

mostram desafiadoras e permite o desvelamento e problematização das

contradições sociais, reconhecendo os indivíduos, embora únicos e por isso também

diferentes, possuidores de direitos.

Ainda observei também que, devido à grande heterogeneidade encontrada

nas classes da EJA, há uma profunda necessidade de trabalhar as diferenças como

algo que constrói o sujeito. Embora elas sejam muitas, neste artigo, me restringi às

diferenças de ordem etária, que acompanham a entrada dos jovens às turmas antes

ocupadas predominantemente por adultos e idosos, o que causa conflitos e

julgamentos antecipados. Aqui, também foi possível perceber, como o trabalho com

as histórias de vida dos sujeitos pode ser mais um aliado para vencer tais conflitos,

na medida em que, ao compartilhar e problematizar experiências e modos de vida,

alunos jovens e adultos e professores podem se conhecer melhor e quebrar

estereótipos construídos socialmente, além de reconhecer que os sujeitos não são

todos iguais e, portanto, os percursos de aprendizagem também não o são, o que

permite o desenvolvimento de práticas diversificadas para atender um público que

se apresenta tão plural.

Concluo minhas observações, reforçando a importância de considerar no

processo educativo, especificamente para as classes da EJA, os percursos

individuais dos sujeitos que ainda demonstram acreditar na escola. E numa

perspectiva problematizadora e dialógica, demonstrar que também se tem fé nos

homens e na sua capacidade de pensar sobre o mundo e transformá-lo. (FREIRE,

2005).

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