ANÁLISE E · Sexta-feira | 24deJunhode2016 | Negócios 14 15...

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O grupo comunitário Formiguinha da Boa Morte mantém vivo o tchiloli em São Tomé e Príncipe. As gentes de Lajedos, em Cabo Verde, transformam excedentes da terra em bombons e doçuras. Em Bissau, Nérida agarra nos “panos de pinti” e dá-lhes um toque de design contemporâneo. Estes e outros exemplos estão na publicação “Futuros Criativos – Economia Criativa em Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe”, editada pela ACEP. Futuros criativos Com as mãos da terra do excedente de beterraba nasceu o Bombom de Lajedos, nailhade Santo Antão, emCabo Verde. E agoranão há beterraba que chegue para a procura da guloseima. Na capital da Guiné- -Bissau, Nérida Fonseca transforma o “pano de pinti” em sapatos, malas e acessórios de moda. E no centro do país, em Bafatá, a Associação de Mu- lheres Ponta Nobo resgata técnicas tradicionais da cultura soninké. Em São Tomé e Príncipe, ElisaBarros faz pulseiras a partir de escamas de pei- xes. E o grupo comunitário Formigui- nhadaBoaMorte mantémvivo o tchi- loli, forte manifestação cultural do país. Na Roça Saudade, Joaquim Vic- tore os seus sócios recuperaram acasaonde nasceu AlmadaNe- greiros. E dela germinou um espaço-museu. Nérida, Elisa, Joaquim, o grupo Formiguinha da Boa Morte, as gentes de Lajedos e de Bafatá, entre outros casos, são aponta- dos como agentes de economia criativa na publicação “Futuros Criativos – Economia Criativa em Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe”. Editado pela Associação para a Coopera- ção entre os Povos (ACEP), com o apoio da Fundação Portugal- África e do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, o es- tudo foi apresentado há três semanas em Bissau. Segue-se, no dia 30 de Junho, São Tomé e, em Julho, é a vez de Cabo Verde. “Falamos de três pequenos países com uma economia pou- co diversificada, elevadas taxas de pobreza e de desigualdade, processos de urbanização acelerada, com fortes níveis de desem- prego e desocupação, paraumapopulação maioritariamente jo- vem. Pensamos que aeconomiacriativatem potencial paramu- dar este cenário, aproveitando a cultura, a criatividade e os re- cursos naturais paradar respostaanovos consumos e nichos de mercado”, aponta Fátima Proença, directora da ACEP. Mas, afinal, o que é a economia criativa? Para debater o con- ceito, três equipas de três países reuniram-se durante três dias, no final do ano passado, no Hotel Escola de Cabo Verde, na Ci- dade daPraia, umespaço, ele próprio, criativo. Umaescolade ho- telariae de turismo que é também hotel e áreade refeições, onde os alunos confeccionam cachupas e outras iguarias feitas de mi- lho. Mas, afinal, o que é aeconomiacriativa?, pergunta-se de novo. Não existe uma definição única. Existem várias e misturam-se entre elas. É um conceito dinâmico, em constante evolução, que remonta a 2001 e à proposta de John Howkins, no livro “The Creative Economy: HowPeople Make Moneyfrom Ideas”. Nes- te estudo, optou-se pordefinir“economiacriativaenquanto sec- tor que permite o desenvolvimento de actividades económicas suportadas pelo capital cultural, criativo e artístico; transversal aos contextos culturais, sociais, económicos”, lê-se na publica- ção, realizada em parceria com o Atelier Mar, a Plataforma das ONG emCabo Verde, aFederação das ONG emSão Tomé e Prín- cipe e a Tiniguena, da Guiné-Bissau. NA CASA DE ALMADA NEGREIROS Na estrada que vai para Monte Café, em São Tomé e Prínci- pe, háumacasaencostadaàpovoação Saudade, onde nasceu Al- madaNegreiros. Amoradiade dois pisos, viradaparaumariban- ceirade selvabrutae assente em estacas de madeiramuito altas, tinha desmoronado. Joaquim Victor, guia turístico, e outros jo- vens daRoçaSaudade pegaram nas ruínas, escavaram, desenter- raram louças e histórias davidado artistae transformaram aan- tigacasado “patrão” num centro de arte e cultura. Assim nasceu aCasa-MuseuAlmadaNegreiros, no Parque Naturalde Obô, bem perto dacascatade São Nicolau e do Jardim Botânico. Umacasa que serve gastronomia local, exposições e livros de Almada. “A Casa-MuseuAlmadaNegreiros é umempreendimento de jovens que estão implicados no desenvolvimento dasuacomunidade e que também pretendem gerar rendimentos de manutenção e sustentação. É um bom exemplo das capacidades empreende- doras na nova geração escolarizada e com capacidade de inicia- tiva”, aponta a publicação “Futuros Criativos”. Parao sociólogo Orlando Garcia, envolvido no estudo em São Tomé e Príncipe, “o país pode aproveitar a singularidade de ser umterritório ‘naturista’, comduas ilhas fantásticas, e de ser, tam- bém, um país ‘gourmet’, um país de cacau, de chocolate, de café, LÚCIA CRESPO [email protected]* ANÁLISE página 14 E

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O grupo comunitário Formiguinha da Boa Morte mantém vivo o tchiloli emSão Tomé e Príncipe. As gentes de Lajedos, em Cabo Verde, transformamexcedentes da terra em bombons e doçuras. Em Bissau, Nérida agarranos “panos de pinti” e dá-lhes um toque de design contemporâneo. Estes eoutros exemplos estão na publicação “Futuros Criativos – Economia Criativaem Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe”, editada pela ACEP.

Futuroscriativos

Com asmãos

da terra

do excedente de beterraba nasceu oBombomde Lajedos, nailhade SantoAntão,emCaboVerde.Eagoranãohábeterraba que chegue para a procurada guloseima. Na capital da Guiné--Bissau, Nérida Fonseca transformao “pano de pinti” em sapatos, malas eacessórios de moda. E no centro dopaís, em Bafatá, a Associação de Mu-lheres Ponta Nobo resgata técnicastradicionais da cultura soninké. EmSão Tomé e Príncipe, ElisaBarros fazpulseiras a partir de escamas de pei-xes.EogrupocomunitárioFormigui-nhadaBoaMortemantémvivootchi-loli, forte manifestação cultural dopaís. NaRoçaSaudade, Joaquim Vic-

tore os seus sócios recuperaramacasaonde nasceuAlmadaNe-greiros. E delagerminou um espaço-museu.

Nérida, Elisa, Joaquim, o grupo FormiguinhadaBoaMorte,as gentes de Lajedos e de Bafatá, entre outros casos, são aponta-dos como agentes de economia criativa na publicação “FuturosCriativos – Economia Criativa em Cabo Verde, Guiné-Bissau eSão Tomé e Príncipe”. Editado pelaAssociação paraaCoopera-ção entre os Povos (ACEP), com o apoio daFundação Portugal-Áfricae do Camões – Instituto daCooperação e daLíngua, o es-tudo foi apresentado há três semanas em Bissau. Segue-se, nodia30 de Junho, São Tomé e, em Julho, é avez de Cabo Verde.

“Falamos de três pequenos países com uma economia pou-co diversificada, elevadas taxas de pobreza e de desigualdade,processosdeurbanizaçãoacelerada,comfortesníveisdedesem-prego e desocupação, paraumapopulação maioritariamente jo-vem. Pensamos que aeconomiacriativatempotencialparamu-dar este cenário, aproveitando a cultura, a criatividade e os re-cursos naturais paradarrespostaanovos consumos e nichos demercado”, apontaFátimaProença, directoradaACEP.

Mas, afinal, o que é aeconomiacriativa? Paradebatero con-ceito, três equipas de três países reuniram-se durante três dias,no final do ano passado, no Hotel Escola de Cabo Verde, na Ci-dadedaPraia,umespaço,elepróprio,criativo.Umaescoladeho-telariae de turismo que é tambémhotele áreade refeições, ondeos alunos confeccionamcachupas e outras iguarias feitas de mi-lho.Mas,afinal,oqueéaeconomiacriativa?,pergunta-sedenovo.Não existe uma definição única. Existem várias e misturam-seentre elas. É umconceito dinâmico, emconstante evolução, queremonta a 2001 e à proposta de John Howkins, no livro “TheCreative Economy: HowPeople Make MoneyfromIdeas”. Nes-teestudo,optou-sepordefinir“economiacriativaenquantosec-tor que permite o desenvolvimento de actividades económicassuportadas pelo capital cultural, criativo e artístico; transversalaos contextos culturais, sociais, económicos”, lê-se na publica-ção, realizada em parceria com o Atelier Mar, a Plataforma dasONGemCaboVerde,aFederaçãodasONGemSãoToméePrín-cipe e aTiniguena, daGuiné-Bissau.

NA CASA DE ALMADA NEGREIROSNa estrada que vai para Monte Café, em São Tomé e Prínci-

pe, háumacasaencostadaàpovoação Saudade, onde nasceuAl-madaNegreiros. Amoradiade dois pisos, viradaparaumariban-ceirade selvabrutae assente emestacas de madeiramuito altas,tinhadesmoronado. Joaquim Victor, guiaturístico, e outros jo-vensdaRoçaSaudadepegaramnasruínas,escavaram,desenter-raramlouças e histórias davidado artistae transformaramaan-tigacasado “patrão” numcentro de arte e cultura. AssimnasceuaCasa-MuseuAlmadaNegreiros,noParqueNaturaldeObô,bemperto dacascatade São Nicolaue do JardimBotânico. Umacasaque serve gastronomia local, exposições e livros de Almada. “ACasa-MuseuAlmadaNegreiroséumempreendimentodejovensque estão implicados no desenvolvimento dasuacomunidade eque também pretendem gerar rendimentos de manutenção esustentação. É um bom exemplo das capacidades empreende-doras na nova geração escolarizada e com capacidade de inicia-tiva”, apontaapublicação “Futuros Criativos”.

ParaosociólogoOrlandoGarcia,envolvidonoestudoemSãoTomé e Príncipe, “o país pode aproveitar a singularidade de serumterritório‘naturista’,comduasilhasfantásticas,edeser,tam-bém, um país ‘gourmet’, um país de cacau, de chocolate, de café,

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associados arituais fúnebres e matrimoniais. São panos de co-resfortes,sãopanosquefalam,inspiradosnanatureza,nosani-mais, nos acontecimentos da comunidade. Engenheira infor-máticaapaixonadapelamoda,Néridaaprendeucosturaecrioua própria empresa, a Batista Fonseca, que comercializa os ar-tigos no aeroporto de Bissau. Hábrincos, carteiras, roupa. De-sign contemporâneo misturado com pano tradicional. “Os ar-tigos espelham, de algumamaneira, aidentidade do país, e sãouma janela para a nossa cultura e para a nossa economia”, dizIlsaSá.

É também assim naAssociação de Mulheres PontaNobo,em Bafatá, que se dedica a actividades de tinturaria e resgatatécnicas tradicionais de tingimento de panos característicosda cultura soninké. As receitas das vendas destinam-se aapoiar as actividades agrícolas das associadas e a unidade defabrico de sabão. Valoriza-se o património local. E a memó-ria de um país.

Apartilharpatrimónioestão,também,osNetosdeBandim,“os embaixadores da Guinendadi”, um grupo de jovens, entreosquatroeos30anos,doBairrodeBandimque,atravésdamú-sica, dançae teatro, difundemaculturadaGuiné-Bissau. As re-ceitas das actuações destinam-se à educação e a despesas desaúde dos associados, que são presençaconstante no Carnavalde Bissau, não fosse Bissau terra de “Nturudu”, altura em quese podem cruzar as mais de 30 etnias do país, naquela que é asuamaiormanifestação cultural, commáscaras, pinturas e ca-ricaturas a servirem de sátira à terra. “O Carnaval reúne a ge-neralidade danossacultura, os seus diferentes grupos étnicos,os trajes, a música e até a gastronomia. Há aqui uma valoriza-ção daculturae daprópriahistóriadaGuiné-Bissau”, apontaacoordenadora do estudo. O “Nturudu” é uma das actividadescommaiorpotencialemtermosderesultadoseconómicosnumpaísqueocupao178.ºlugarnoÍndicedeDesenvolvimentoHu-mano e onde, em2010, as taxas de pobrezaabsolutae de extre-mapobrezase situavam em 69,3% e 33%, respectivamente.

“Com este estudo, lançámos umapedra”, diz IlsaSá. Feitoo diagnóstico, são vários os desafios: capacitaros empreende-dores comferramentas de gestão, de logísticae contabilidade;delinearafronteiraentre actividades formais e informais; criarpontes com outras ONG paraestimularaeconomiacriativae,emconjunto, pressionarno sentido de umaharmonização fis-cal e de maiorfacilidade no acesso ao crédito porparte dos pe-quenos empreendedores. Falamos de um país onde a taxa debancarização dapopulação não ultrapassaos 4% e onde o seg-mento das microfinanças está numa fase inicial de desenvol-vimento.

Existem algumas iniciativas que tentam darrespostaaumsistemabancário exclusivo, como o ABBA, banco dasolidarie-dade, fundado por duas mulheres, que disponibiliza três tiposde serviço: conta-corrente, contapoupançae “contaabota”. Arecolha das poupanças é realizada pelos caixeiros móveis queandamde terraemterra. TambémaONGDIVITEC, no Suldopaís, concede créditos aagrupamentos de mulheres paraexer-ceremumaactividade económicanumpaís onde aeconomiaéaltamente dependente do sectorprimário e constituídaessen-cialmente por receitas que vêm da exportação da castanha docajuedaemissãodelicençasdepesca.“São,porém,fundamen-talmente,asdificuldadesdatransiçãodoregimedepartidoúni-co paraademocracia(sucessivos golpes de Estado), cujas con-sequências se fazemsentirnaactualidade, que explicamos ní-veis baixos dos indicadores de bem-estar económico e social”,indicao estudo.

LAJEDOS E OS BOMBONS DE BETERRABANas ilhas e terras de Cabo Verde, há doçuras de Santo An-

tão, bombons de Lajedo e muito mais. Aos produtos da terrajunta-se criatividade. “O nosso mercado é pequeno, existe di-ficuldadeemcriarescala,hálimitaçãodematérias-primas,logo

ANÁLISE

“Todas as festassão boas para nós.Agora resgatámosa romaria denhô Manel, no Norteda Baía das Gatas,em São Vicente”,conta Maria Estrela,do Atelier Mar.

de plantas endémicas únicas. Além disso, é um país pequeni-no, sossegado e está num sítio privilegiado de carga internéti-ca. São Tomé pode serumaplataformade serviços criativos di-reccionados à África Ocidental. Com a vantagem do ‘small isbeautiful’”.

O turismo criativo, responsável e sustentável parece sercentral naemergênciade economias criativas em São Tomé ePríncipe. Aqui e acolá aparecem iniciativas que encaixam nadefinição. É o caso do espaço Mucumbli, criado pelo italianoTiziano Pisoni em Ponta Figo, empreendimento feito com“bungalows”, um restaurante em madeira local, com gastro-nomia que promove produtos da terra, e que oferece progra-mas como observação de baleias, passeios às cascatas e visitasàs roças. Tudo isto em articulação com ONG como a Marapa,conhecida pela sua luta na conservação das tartarugas mari-nhas. É também de esforços conjuntos que se reergueu o JaléEcolodge, junto ao Parque Natural Obô, espaço de ecoturis-mo que estimula passeios no mangal e a observação de tarta-rugas. Agastronomialocaltemaquidestaque, compratos pre-parados porcozinheiros locais e comprodutos das comunida-des envolventes.

Produtos daterra, panos daterra, mãos daterra, danças daterra.Assimécomotchiloli,manifestaçãoculturalsão-tomen-se que está a ser preservada por vários grupos, conhecidos nailha por “tragédias”, como o grupo comunitário FormiguinhadaBoaMorte. “Umcaso que estáemtransição parao universodas economias criativas, apassarde ‘pura’ celebração comuni-táriaparaumdispositivo de autofinanciamento e algumapro-fissionalização”, refere o estudo. Este grupo, fundado em 1955no Bairro da Boa Morte, faz exibições mediante encomenda,tem um projecto pararequalificaro terreiro comunitário e vaiapostaremprodutos de “merchandising”, contaOrlando Gar-cia.Trata-sedeumprojectoemparceriacomaCacau(CasadasArtes Criação Ambiente e Utopias), que é umainiciativado ar-tista plástico e cozinheiro João Carlos Silva, rosto do progra-made culinária“NaRoçacom os Tachos”.

Estas e outras actividades empreendedoras funcionamcomo mecanismos de geração de rendimento, especialmenteimportantesnumpaísdependentedaajudaexterna,ondeapo-breza afecta 66,2% da população e a pobreza extrema atinge11,5%, de acordo como Inquérito sobre o Orçamento Familiar(2010), ocupando o 143.º lugar no Índice de DesenvolvimentoHumano, segundo o relatório de 2015 do PNUD. “Embora setrate de aproximações (não rigorosas), deve destacar-se que aamostraestudada– 47 entidades – permitiu detectar um con-junto de 350 pessoas e profissionais que geram rendimentosnessas entidades, investimentos naordemdos cinco aseis mi-lhões de euros e movimentos anuais que andamperto dos doismilhões de euros. (….) Numasociedade tão micro, estamos pe-rante uma ‘frente’ criativa, uma ‘constelação’ que tem vindo adesenharcaminhosestratégicosnomodelodedesenvolvimen-to do país”, conclui o estudo.

UM “NTURUDU” COM DEZENAS DE ETNIASEm Bissau, Djibril Lytransformou o negócio de umabom-

bade gasolinanaquelaque é hoje amaior salade espectáculosdopaís,oEspaçoLenox,queacolheconcertos,desfilesdemodae outros eventos. “O proprietário acabou por redireccionar onegócio”, contaIlsaSá, colaboradoradaassociação Tiniguenae coordenadorado estudo naGuiné-Bissau, onde foram reali-zadas entrevistas a40 entidades no âmbito do projecto “Futu-ros Criativos”. “Paraamaiorparte dos inquiridos, aapostaemactividades nos sectores criativos representaumapossibilida-de de geração de rendimentos e de emprego e, emalguns casos,umaestratégiadesobrevivência.”Ou,então,estãoligadasaumapaixão pessoal.

É o caso de Nérida Fonseca, com os seus “panos de pinti”(“panu-di-pinti”), característicos das etnias papel e manjacae

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Nérida Fonsecamistura a tradiçãodos “panos de pinti”,característicosdas etnias papele manjaca,com designcontemporâneo.

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precisamos de terumaoutraatitude perante avida: o que é queeu sou capaz de fazer com isto? Nós somos todos importantese cada um tem o seu lugar.” Quem fala assim é Maria Estrela,ouMami, professoranaFaculdade de Ciências Sociais, Huma-nas e Artes naUniversidade de Cabo Verde e membro daequi-pa que estudou a economia criativa nas ilhas de São Vicente,Santo Antão, Santiago e Fogo. No final, o grupo seleccionou55casos. Um dos exemplos estudados nasceu em Lajedos, SantoAntão, terrade montanhas e a“cheirar averde”.

“Adadaaltura, os produtores locais foram incentivados aplantar beterraba, mas houve um embargo das importaçõespor causa de um bichinho chamado mil pés. Como não haviacentro de expurgo, tentámos perceber como é que a beterra-bapodiaser transformadaparaevitar excedente. Geralmen-te, os produtos são convertidos em molhos, ‘pickles’ ou docesmas, neste caso, o doce de beterraba não teve grande aceita-ção. Adoptou-se, então, uma consistência mais espessa, tipobrigadeiro, juntou-se-lhe amendoim, embrulhou-se em pa-péis de bombons, fez-se umaetiquetaprópria, e agoranão há

beterrabaque chegue paraaprocurado Bombom de Lajedos”,graceja Maria Estrela.

Portrásdosbombons,estáaONGAtelierMar,fundadapelocineasta e artista plástico cabo-verdiano Leão Lopes, maridode MariaEstrela, em1979. Elajuntou-se àassociação umpou-comaistarde.Econtaahistóriadoespaço:nopós-independên-cia de Cabo Verde, os jovens que viviam fora do país sentiramumapeloparaareconstruçãodapátriaeregressaram.LeãoLo-pes foiumdeles. Voltoue criou, emSão Vicente, o AtelierMar,então uma cooperativa e espaço de formação que tinha comopólo principal a cerâmica. Aformação absorvia muitos jovenscom problemas socioeconómicos que estavam fora do ensinooficial. “E é aí que começaumaacção mais integradado AtelierMar – que passa a trabalhar nas comunidades de origem des-ses jovens”, contaMariaEstrela. Em1987, o espaço assume-secomo uma ONG na área do desenvolvimento sociocomunitá-rio, actuando em comunidades periféricas de São Vicente e deSanto Antão. “Envolvemos as pessoas na valorização dos re-cursos endógenos, fazemos um acompanhamento no tempo,mas cadacomunidade tem asuaautonomia”, sublinha.

E foi em Lajedos que a ONG desenvolveu um projecto-pi-loto comvárias vertentes de economiasolidária, como o turis-mo combase comunitária. “Parafugirao turismo ‘allincluded’e garantirque o rendimento ficadentro dacomunidade, apró-priacomunidade organizou-se, com o apoio do Instituto Mar-quês de Valle Flôr. Hádez casas de famílias que recebemturis-tas,foicriadoumrestaurante,umnúcleomuseológico,eforamdefinidas rotas, tais como os caminhos da água”, conta MariaEstrela.

Num país com uma população jovem e bastante escolari-zada,asactividadesculturaisparecemterespecialforça,sobre-tudo as que têm por base a música. Festivais existem muitos,tais como o Mindelacte o KriolJazz. E, depois, háagrande fes-taque é afestado Carnaval. Com os seus carros alegóricos, an-dores, trajes, as tradições carnavalescas mobilizam milharesde pessoas e são de umagrande importânciaparaSão Vicente.“Na verdade, todas as festas são boas para nós. Agora resgatá-mos a romaria de nhô Manel, no dia 17 de Junho, na comuni-dade do Norte da Baía das Gatas, em São Vicente. É uma festapopular em homenagem a São Manuel que deixou de ser feitahámais de 30 anos”, contaMariaEstrela.

Romarias e festas, tais como a Festa das Bandeiras da ilhado Fogo, têm forte impacto neste país, onde os empreendedo-resemactividadesculturaispodemrecorrerainstituiçõescomoo Fundo Autónomo de Apoio àCulturae o Banco daCultura.

Segundo MariaEstrela, as iniciativas de economiacriativaem Cabo Verde vivem, na verdade, um bom momento. O Pro-grama de Apoio à Estratégia Nacional de Criação de Empregoem Cabo Verde tem as indústrias criativas como um dos póloscentrais. “Poroutro lado, o novo Governo criouo Ministério daCulturae das Indústrias Criativas. É o reconhecimento oficialde que a cultura, junto com a economia, cria condições de tra-balho”, salienta. “Mas é preciso que estas medidas tenham in-fra-estruturas que dêemcorpo àteoria. É necessário, também,queaprópriasociedadeencareaactividadeartísticacomoumacoisaséria”, salientaMariaEstrela.

Ahistóriade Nérida, de Elisa, de Joaquim, do grupo Formi-guinhadaBoaMorte,dasmulheresdeBafatá,dasgentesdeLa-jedosedemuitosoutrosestãoagoraaserreunidasno“site”Fu-turos Criativos e serão objecto de documentários nos três paí-ses analisados. “São ferramentas de comunicação que podemcontribuir, também, para a definição do programa de reforçodas indústrias criativas que está a ser concebido no âmbito doprogramade cooperação regional UE-PALOP”, indicaFátimaProença.“Acreditamosmesmonaeconomiacriativacomoumaverdadeiraresposta.” W

* na Cidade da Praia, a convite da ACEP

Joaquim Victore outros jovensda Roça Saudadepegaram nas ruínasda casa onde nasceuAlmada Negreirose transformaram-nanum centrode arte e cultura.

Cabo Verde

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