Anistia Politica e Justica de Transicao No 2 Dezembro de 2009
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Governo Federal
Ministrio da Justia
Comisso de Anistia
REVISTA ANISTIA POLTICA E JUSTIA
DE TRANSIO
Presidente da RepblicaLuiz Incio Lula da Silva
Ministro da JustiaTarso Genro
Secretrio-ExecutivoLuiz Paulo Teles Barreto
Presidente da Comisso de AnistiaPaulo Abro Pires Junior
Vice-presidente da Comissso de AnistiaSueli Aparecida Bellato
Secretria Executiva da Comisso de AnistiaRoberta Vieira Alvarenga
Coordenador Geral da RevistaMarcelo D. Torelly
As opinies contidas nos textos desta revistaso de responsabilidade exclusiva de seus autores,no caracterizando posies oficiais do Ministrioda Justia, salvo se expresso em contrrio.
As fotos contidas nesta edio foram cedidas pelo ArquivoNacional, bem como por Gilney Amorim Viana e PauloRoberto Jabur, para a exposio fotogrfica 30 Anos deLuta pela Anistia no Brasil: Greve de Fome de 1979, tendosido previamente publicadas na obra Fome de Liberdadede Gilney Viana e Perly Cipriano e no Catlogo da referidaexposio fotogrfica.
A Comisso de Anistia agradece a todos.Os cartazes alusivos a diversas campanhas pela anistia,ocorridas no Brasil e no exterior, que esto contidos nestaedio integram o acervo do Centro de Documentao eMemria da Universidade Estadual Paulista (Cedem/Unesp).
Os nomes contidos na capa desta edio sode anistiados polticos pela Comisso de Anistiae constituem uma justa homenagem a todosque lutaram pela democracia no Brasil
Nesta edio, trabalharam como revisores dos textos
aprovados para publicao os Conselheiros Tcnicose Editoriais abaixo colacionados:
Conselho Editorial
Antnio Manuel Hespanha (Universidade Novade Lisboa Portugal), Boaventura de Sousa Santos(Universidade de Coimbra Portugal), Bruna Peyrot
(Consulado Geral Itlia), Carlos Crcova (Universidade deBuenos Aires Argentina), Cristiano Otvio Paixo ArajoPinto (Universidade de Braslia), Dani Rudinick(Universidade Ritter dos Reis), Daniel Aaro Reis Filho(Universidade Federal Fluminense), Deisy de Freitas LimaVentura (Universidade de So Paulo), Eduardo CarlosBianca Bittar (Universidade de So Paulo), Edson CludioPistori (Memorial da Anistia Poltica no Brasil), Ena deStutz e Almeida (Universidade de Braslia), Flvia Carlet(Projeto Educativo Comisso de Anistia), Flavia Piovesan(Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo), JaimeAntunes da Silva (Arquivo Nacional), Jessie Jane Vieira de
Sousa (Universidade Federal do Rio de Janeiro), JoaquinHerrera Flores (in memorian), Jos Reinaldo de Lima Lopes(Universidade de So Paulo), Jos Ribas Vieira (PontificaUniversidade Catlica do Rio de Janeiro), Marcelo DalmsTorelly (Coordenador-Geral), Maria Aparecido Aquino(Universidade de So Paulo), Paulo Abro Pires Junior(Presidente), Phil Clark (Universidade de Oxford Inglaterra), Ramon Alberch Fugueras (Arquivo Geral daCatalua Espanha), Rodrigo Gonalves dos Santos(Comisso de Anistia), Sandro Alex Simes (CentroUniversitrio do Estado do Par), Sean OBrien(Universidade de Notre Dame Estados Unidos), Sueli
Aparecida Bellato (Comisso de Anistia)
Conselho Tcnico
Aline Sueli de Salles Santos, Ana Maria Guedes,Ana Maria Lima de Oliveira, Andr Amud Botelho, DanielaFrantz, Eduardo Miranda Siufi, Egmar Jos de Oliveira, ElzaCarolina de Oliveira Martini, Henrique de Almeida Cardoso,Joaquim Soares de Lima Neto, Jos Carlos M. Silva Filho,Juvelino Jos Strozake, Kelen Meregali Model Ferreira,Luana Andrade Bencio, Luciana Silva Garcia, Marcia Elayne
Berbich de Moraes, Mrcio Gontijo, Mrcio Rodrigo P.B.Nunes Cambraia, Maria Emlia Guerra Ferreira, Marina SilvaSteinbruch, Mrio Miranda de Albuquerque, MarleideFerreira Rocha, Muller Luiz Borges, Narciso FernandesBarbosa, Paula Danielli Rocha Nogueira, Paulo Abro PiresJunior, Prudente Jos Silveira Mello, Rita Maria de MirandaSipahi, Roberta Camineiro Baggio, Roberta Vieira Alvarenga,Roberto Flores Reis, Rodrigo Gonalves dos Santos,Tatiana Tannus Grama, Vanderlei de Oliveira, VinciusMarcelus Rodrigues Nunes, Virginius Jos Lianza daFranca, Vanda Davi Fernandes de Oliveira.
Projeto Grfico
Ribamar Fonseca
Editorao eletrnicaSupernova Design
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Sueli Aparecida BellatoConselheira desde 06 de maro de 2003Nascida em So Paulo/SP, em 1o de julho de 1953, religiosada Congregao Nossa Senhora Cnegas de Santo Agostinhoe advogada graduada pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie de So Paulo, com intensa atividade nas causassociais. J trabalhou junto ao Ministrio Pblico Federal narea de Direitos Humanos, foi assistente parlamentar e atuouno processo contra os assassinos do ambientalista ChicoMendes. membro da Comisso Brasileira de Justia e Paz daConferncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
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Aline Sueli de Salles SantosConselheira desde 26 de fevereiro de 2008Nascida em Caapava/SP, em 04 de fevereiro de 1975, graduada em Direito pela Universidade de So Paulo,mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos
em Servio Social pela Universidade Catlica de Salvador.Atualmente membro do Grupo Tortura Nunca Mais daBahia e membro da Coordenao do Projeto Memorial daAnistia e Direitos Humanos da Bahia.
Edson Claudio Pistori
Conselheiro desde 13 de janeiro de 2009Nascido em Rondonpolis/MT, em 15 de maro de 1977, graduado em Direito pela Universidade Federal deUberlndia e mestrando na mesma instituio. Foi Assessorda Subsecretaria de Planejamento e Oramento doMinistrio da Educao e da Secretaria-Geral da Presidnciada Repblica. Atualmente professor da Escola Nacional deAdministrao Pblica (ENAP).
Egmar Jos de OliveiraConselheiro desde 26 de abril de 2004Nascido em Jaragu/GO, em 02 de agosto de 1958, graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Anpolis.Atualmente advogado militante em So Paulo e Gois,atuando em causas trabalhistas e de direitos humanos.
Ene de Stutz e AlmeidaConselheira desde 22 de outubro de 2009Nascida no Rio de Janeiro/RJ, em 10 de junho de 1965, graduada e mestre em Direito pela Universidade doEstado do Rio de Janeiro e doutora em Direito pelaUniversidade Federal de Santa Catarina. Professora daUniversidade de Braslia, onde atualmente coordenadora
do curso de graduao em Direito. vice-presidente doConselho Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Direito(CONPEDI), na gesto 2009-2011.
Henrique de Almeida CardosoConselheiro desde 31 de maio de 2007Nascido no Rio de Janeiro/RJ, em 23 de maro de 1951, o representante do Ministrio da Defesa junto Comissode Anistia. Oficial de artilharia do Exrcito pela AcademiaMilitar de Agulhas Negras (AMAN), bacharel em CinciasEconmicas e em Cincias Jurdicas, pela Universidade doEstado do Rio de Janeiro.
Jos Carlos Moreira da Silva FilhoC lh i d d 25 d i d 2007
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Luciana Silva GarciaConselheira desde 25 de maio de 2007Nascida em Salvador/BA,em 11 de maio de 1977, graduada em Direito pela Universidade Federal daBahia e mestre em Direito Pblico pela Universidade doEstado do Rio de Janeiro. Advoga para a organizaono-governamental Justia Global que atua junto CorteInteramericana de Direitos Humanos da Organizao dosEstados Americanos (OEA).
Mrcia Elayne Berbich de MoraesConselheira desde 23 de julho de 2008Nascida em Cianorte/PR, em 17 de novembro de 1972, advogada graduada em Direito pela Pontifcia UniversidadeCatlica do Rio Grande do Sul (PUCRS). especialista,mestre e doutoranda em Cincias Criminais, todos pelamesma instituio. integrante do Conselho Penitenciriodo Estado do Rio Grande do Sul desde 2002. professora
da Faculdade de Direito de Porto Alegre (FADIPA).
Mrcio GontijoConselheiro desde 21 de agosto de 2001Nascido em Belo Horizonte/MG, em 02 de julho de 1951, advogado pblico de carreira e pertencente aos quadrosda Consultoria Jurdica do Ministrio da Justia desde 1976. representante dos anistiados polticos na Comisso deAnistia. Graduado em Direito pela Universidade Federal deMinas Gerais, o decano da Comisso de Anistia, tendo aindaacompanhado a criao da Comisso Especial de indenizaodos familiares dos mortos e desaparecidos polticos.
Marina da Silva SteinbruchConselheira desde 25 de maio de 2007Nascida em So Paulo/SP, em 12 de abr il de 1954, graduada em Direito pela Faculdade de Direito de SoBernardo do Campo/SP. Atuou como Defensora Pblica daUnio por 22 anos.
Maria Emilia Guerra FerreiraConselheira desde 22 de outubro de 2009Nascida em Manaus/AM, em 22 de outubro de 1944, religiosa da Congregao de Nossa Senhora cnegasde Santo Agostinho. Psicloga graduada pela Faculdadede Filosofia, Cincias e Letras Sedes Sapientiae de So
Alagoas e possui especializao em Direitos Humanos pelaUniversidade Federal da Paraba. advogado militante nasreas de direitos humanos e de segurana pblica.
Prudente Jos da Silva MelloConselheiro desde 25 de maio de 2007
Nascido em Curitiba/PR, em 13 de abril de 1959, graduado em Direito pela Universidade Catlica do Parane doutor em Direito pela Universidade Pablo de Olavide(Espanha). Advogado trabalhista de entidades sindicais detrabalhadores desde 1984, atualmente leciona no Cursode Ps-Graduao em Direitos Humanos do Centro deEstudos Universitrios de Santa Catarina (CESUSC).
Rita Maria de Miranda SipahiConselheira desde 22 de outubro de 2009Nascida em Fortaleza/CE, em 23 de fevereiro de 1938, graduada em Direito pela Faculdade de Direito daUniversidade do Recife. servidora pblica aposentada pelaPrefeitura do Municpio de So Paulo. Possui experinciaem Planejamento Estratgico Situacional e j desenvolveutrabalhos na rea de gesto como supervisora geral dedesenvolvimento de pessoal da Secretaria do Bem EstarSocial da Prefeitura de So Paulo.
Roberta Camineiro BaggioConselheira desde 25 de maio de 2007Nascida em Penpolis/SP, em 16 de dezembro de 1977, graduada em Direito pela Universidade Federal de Uberlndia,
mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinose doutora em Direito pela Universidade Federal de SantaCatarina. Atualmente professora adjunta na Faculdade deDireito da Universidade Federal de Uberlndia/MG.
Rodrigo Gonalves dos SantosConselheiro desde 25 de maio de 2007Nascido em Santa Maria/RS, em 11 de julho de 1975, advogado graduado e mestre em Direito Pblico pelaUniversidade do Vale do Rio dos Sinos. professor daFaculdade de Direito UNIEURO/DF.
Vanda Davi Fernandes de OliveiraConselheira desde 26 de fevereiro de 2008N id E t l d S l/MG 31 d j h d 1968
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OS 14 PRESOS POLTICOS DO RIO DE JANEIRO NO PTIO DO PRESDIO FREI CANECA NO 32 ODIA DE GREVE DE FOME.EM P: PAULO ROBERTO JABUR, GILNEY VIANA, CARLOS ALBERTO SALES, JESUS PAREDE SOTO, JORGE SANTOS ODRIA,
JORGE RAYMUNDO, ANTONIO MATTOS E PERLY CIPRIANO. SENTADOS: PAULO HENRIQUE LINS, ALEX POLARI,NELSON RODRIGUES, MANOEL HENRIQUE PEREIRA, JOS REZENDE E HELIO DA SILVA
CRDITO: PAULO JABUR
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INTELECTUAIS CONVERSAM COM OS PRESOS POLTICOS NO PTIO DA PRISO: JORGE RAYMUNDO, MANOEL HENRIQUE FERREIRA,PERLY CIPRIANO, DARCY RIBEIRO, ANTONIO HOUAISS E OSCAR NIEMEYER
CRDITO: PAULO JABUR
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DOCUMENTOS
18 ENTREVISTA
20 QUANDO A DEMOCRACIA RETORNA, A JUSTIA REPENSAOS DIREITOS DAS VTIMAS: LOUIS JOINET RESPONDE
24 A LEI DE ANISTIA, A CONSTITUIO E OS DIREITOSHUMANOS NO BRASIL: LENIO STRECK RESPONDE
30 DOSSI: MEMRIA
32 MEMRIA HISTRICA: O PAPEL DA CULTURANAS TRANSIES
FLIX RETEGUI
50 A DOR DOS RECOMEOS: LUTA PELO RECONHECIMENTOE PELO DEVIR HISTRICO NO BRASIL
PAULO ENDO
64 A REPRESENTIFICAO DO AUSENTE:MEMRIA E HISTORIOGRAFIAFERNANDO CATROGA
90 BLOW UP DEPOIS DAQUELE GOLPE: A FOTOGRAFIANA RECONSTRUO DA MEMRIA DA DITADURADOUGLAS ANTNIO ROCHA PINHEIRO
110 ESPECIAL: AS CARAVANAS DA ANISTIA
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190 JUSTIA TRANSICIONAL EM RUANDA: A BUSCAPELA RECONCILIAO SOCIAL
SIMONE RODRIGUES PINTO
218 WALTER BENJAMIN E NSGIACOMO MARRAMAO
234 JUSTIA TRANSICIONAL, DIREITOS HUMANOS E
A SELETIVIDADE DO ATIVISMO JUDICIAL NO BRASILALEXANDRE GARRIDO DA SILVA E JOS RIBAS VIEIRA
268 A ANISTIA NO PROCESSO DE TRANSIO EM SERRA LEOAGIOVANNA MARIA FRISSO
292 ENTRE AS JUSTIAS RETRIBUTIVA E RESTAURATIVA:
FRAGMENTOS EM TORNO DO DEBATESOBRE A JUSTIA DE TRANSIO LUIZ MAGNO PINTO BASTOS JUNIOR E THIAGO YUKIO GUENKA CAMPOS
322 POSITIVISMO, REALISMO E MORALISMO JURDICOS NO DEBATE SOBRE A RESPONSABILIZAO PENAL PARA
OS CRIMES DA DITADURA MILITAR LAURO JOPPERT SWENSSON JUNIOR
344 DOCUMENTOS
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Essa reunio que ocorreu no teatro Ruth
Escobar no era autorizada, tivemos
de suspender um espetculo e pedir
a solidariedade dos espectadores pelo
cancelamento da apresentao para que
se pudesse realizar o meu colquio,
e assim foi feito.
para que no se repitam mais os fatos do
passado. isso.
CEO Como membro da Comisso
de Anistia do Brasil, gostaria de saber
como o senhor v a questo da anistia
especificamente em nosso pas?
LJ A Comisso de Anistia em seu pas
algo de grande importncia, mas no encerra
a questo, pois no se trata de simplesmente
conceder a anistia, o que fundamental
abertura dos arquivos.Cest fundamental!
E desse ponto de vista, a Comisso
da Anistia do Brasil teve uma deciso
governamental muito corajosa, de apresentar
publicamente a verdade. isso que permite
virar a pgina. fazer uma justia da verdade,
colocar a justia junto histria.
Por isso, estou muito satisfeito com a
Justia e com a importncia que adquiriu
essa Comisso, pois uma caminhada
muito difcil, principalmente em funo de
muitas pessoas terem desaparecido so
tantos amigos e companheiros brasileiros,
argentinos e chilenos que desapareceram!
A lh ti
CRDITO: EGMAR OLIVEIRA
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CEO Porm, mesmo com a verdade,
resta a questo dos desaparecidos...
LJ Sim, resta a necessidade de encontrar
os corpos dos desaparecidos e isso o
mais difcil. No sei como feito no Brasil,
mas a maneira mais eficaz de encontrar os
corpos ou vestgios com a cooperao
dos agentes da polcia poltica, porque os
chefes no cooperam nunca, normal.
Mas no me parece uma questo para ser
respondida agora, talvez seja respondida
muitos anos depois ou ao longo da histria.
Sem a cooperao deles a questo fica
mais difcil ainda.
CEO Outra questo que est sendo
discutida no Brasil a responsabilizao
dos torturadores do perodo da Ditadura
Militar, pois h um entendimento de que
a Lei de Anistia de 1979 no anistiou os
torturadores e o Supremo Tribunal Federal
brasileiro ter que se posicionar, pois
a Ordem dos Advogados do Brasil est
questionando essa matria desde o ponto
de vista constitucional.
LJ Eu penso que a situao igualmente
complexa. Nas transies, primeiro
preciso ateno com a democracia, com
as eleies. A minha opinio que essa
questo da responsabilizao algo que
vir com o tempo, mais isso ainda est
muito longe. Essa questo tipicamente
um dos grandes problemas da histria
para toda a humanidade, mas sabe-se que
um dia ou outro a Justia saber o que
se passou. Saber tudo, passo a passo,
importante. Eu preferiria que a justia
fosse feita naquele momento, como na
Argentina, depois desse perodo no
necessariamente. O problema bsico
como fazer a Justia se j se passou a
ili M i i t i i l
FONTE: PRESOS POLTICOS RECEBEM VISITA DE ORGANIZADORES DO PARTIDODOS TRABALHADORES (PT). DA ESQUERDA PARA DIREITA: HEITOR DE SOUZASANTOS (PRESIDENTE DO SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE RIO
BONITO), DEP. EDSON KHAIR (MDB-RJ), LUIZ INCIO LULA DA SILVA (PRESIDENTEDO SINDICATO DOS METALRGICOS DE SO BERNARDO DO CAMPO), MANOEL
HENRIQUE FERREIRA, GILNEY VIANA, YARA PONTES, WAGNER BENEVIDES(PRESIDENTE DO SINDICATO DOS PETROLEIROS DE MINAS GERAIS).
CRDITO: PAULO JABUR
DOSSI ARTIGOSENTREVISTA DOCUMENTOSESPECIAL
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DOSSIMEMRIA
ARTIGOSACADMICOS
ENTREVISTA DOCUMENTOSESPECIALCARAVANAS DA ANISTIA
ENTREVISTA
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LENIO STRECK
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esquerda e direta do direito). Mas
no deve ser assim. Por isso tem razo
Ronald Dworkin, jurista norte-americano,
cujas posies se aproximam das de
Gadamer com as quais concordo , para
quem os argumentos no direito devem ser
de princpio e no de poltica (ou de moral).
No importa a concepo moral que o
juiz tem sobre determinada matria; pode
i t l ( t i t )
mesmo ps-iluminista), o direito deve ser
utilizado apenas para proteger o dbil
contra um Estado mau. Alm disso, os
tratados internacionais, para a corrente
contrria punio da tortura (nos termos
da discusso posta), no se aplicariam
ao caso brasileiro. possvel at que
alguns juristas, no ntimo, sejam a favor
da punio. Entretanto, um eventual apoio
tese da reavaliao da lei de anistia
para punir torturadores poderia coloc-los
em contradio, exatamente em face da
predominncia, no Brasil, das teses que
fundamentam ainda um classicismo
penal. Adianto, aqui, minha posio, no
sentido de que tais concepes esto
equivocadas e desfocadas do Estado
Democrtico de Direito, em que at
mesmo o direito penal deve ser utilizado
para a transformao da sociedade.
IHU A Lei da Anistia, no que concerne
absolvio de torturadores, pode ser
considerada legitima?
LS Penso que nenhuma lei poderia
considerar a tortura como crime poltico,
i l it li it t A L i 6 683/79
CRDITO: ACERVO DE FOTOS DO PROGRAMA DIREITO& LITERATURA VEICULADO PELA TV JUSTIA E TVE/RS
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do que isso, nenhuma lei pode proteger
de forma deficiente ou insuficiente os
direitos humanos fundamentais. O Estado
Democrtico de Direito tem o dever de
proteger os direitos dos cidados, tanto
contra os ataques do Estado como dos
ataques dos demais cidados. No direito
constitucional do segundo ps-guerra
denominamos isso de Schutzpflicht. No
caso, a Lei da Anistia, se interpretada no
sentido de que poderia englobar a tortura,
violaria o princpio da proibio de proteo
deficiente, que os alemes chamam de
Untermassverbot. Sendo mais claro: o
Estado deve proteger os direitos humanos
de forma adequada. Assim, mesmo um
acordo ou um pacto no podem acarretar/
ratificar essa deficincia na proteo.
Em termos hermenuticos, uma lei pode
ser nula, ilegal ou inconstitucional por
vrias razes. Se ela for excessivamente
rigorosa, pode estar violando o princpio da
proteo de excesso (bermassverbot ).
Por exemplo, se o Brasil aprovasse uma
lei prevendo uma pena mnima de 10
anos para quem furta. Essa lei seria
i tit i l J l i f d fi i t
Lei da Anistia e as leis subsequentes o que
estas no previam.
Mesmo que a Constituio atual seja
posterior Lei de Anistia, isso no significa
que o Parlamento brasileiro poderia ter
aprovado qualquer tipo de lei que protegesse
deficientemente ou insuficientemente os
direitos humanos das vtimas do regime
militar. Os limites j estavam l, conforme
se pode ver nos tratados internacionais
dos quais o Brasil era firmatrio naquela
poca. Logo, se o Brasil se comprometeu
a punir com rigor a tortura, seria incoerente
que aprovasse uma lei inocentando
aqueles que praticaram esse tipo de crime
(que, insista-se, no crime poltico). To
importante essa questo relativa fora
dos tratados internacionais na ordem interna
que o Supremo Tribunal Federal utilizou-
se das regras da Organizao das Naes
Unidas de tratamento de prisioneiros para a
regulamentao do uso de algemas, inclusive
com a edio de Smula Vinculante. Assim,
a interpretao que acabou vencedora
durante todos esses anos de que a
i ti b t b t t f
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MEMRIA ACADMICOSCARAVANAS DA ANISTIA
fatalmente, ser inconstitucional, por
proteger insuficientemente bens jurdicos
fundamentais, como a vida, no caso do
homicdio, ou a dignidade da mulher, no
caso do estupro. Assim, a lei, por si s, j
seria inconstitucional; mas uma eventual
aplicao dessa lei (por exemplo, se ela
fosse considerada legtima por alguns
tribunais) seria inconstitucional do mesmo
modo. A lei pode ser inconstitucional, e a sua
interpretao tambm o pode.
No caso da Lei da Anistia, ser ilegal,
nula, qualquer interpretao que estenda
os seus efeitos para alm daquilo que
nela est previsto: a anistia aos crimes
polticos. Portanto insisto , nem
necessrio bulir com a lei; o problema
est na sua generosa interpretao,
que deu azo a que se considerassem,
indevidamente, anistiadas todas as pessoas
que participaram das aes contra e favor
do regime.
IHU O que significa e qual a importncia
de reabrir a discusso em torno da Lei da
A i ti 30 d i ?
Se que ser reavaliada passar
pelo Poder Judicirio, como ocorreu na
Argentina, onde foi declarada a nulidade
da Lei da Obedincia Devida, exatamente
porque esta havia anistiado aqueles que
praticaram a tortura. A Suprema Corte
contraps Lei da Obedincia Devida
os tratados internacionais firmados pela
Repblica Argentina. E veja-se que um dos
componentes do Tribunal um dos mais
importantes penalistas do mundo, Eugnio
Ral Zaffaroni. Portanto, para aqueles que
acham que uma eventual punio aos que
praticaram tortura no Brasil fere o princpio
da anterioridade da lei penal ou outro princpio
tit i l b t i t
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IHU O senhor disse que a Lei da Anistia
comprometeu os direitos humanos
quando permitiu a aplicao da tbula
rasa, no separando o joio do trigo. Se a
lei fosse revista, como seria possvel essa
separao? Torturadores e guerrilheiros
seriam julgados de maneiras diferentes?
LS A Lei da Anistia e as subsequentes
no falaram em anistiar qualquer ato de
tortura; apenas abrangiam crimes polticos.
O que falei, em outra entrevista, que
o problema se deu na aplicao tbula
rasa, a sim misturando o joio e o trigo.
Consequentemente, em muitos casos,
beneficiamos o joio. Veja-se que a questo
das reparaes veio apenas anos depois da
Lei de 1979 (ressalvo aqui minhas crticas
a alguns exageros ocorridos nos valores de
algumas indenizaes).
Com relao segunda parte da pergunta
(punio aos guerrilheiros), a Lei 9.140
deixa claro que o Regime Militar no era
um Estado de Direito. Esse o ponto fulcral
da discusso.
C t t l it l t t
Vivemos hoje, no Brasil, os reflexos da
impunidade desse perodo?
LS Talvez inconscientemente estejamos
sendo refns desse olhar generoso que
fizemos com a Lei da Anistia, permitindo
isso que chamo de interpretao tbula
rasa. Por que refns? Porque no estamos
conseguindo punir os crimes que colocam
em xeque os objetivos da Repblica.
visvel que no estamos querendo usar
o direito penal para jogar duro com a
delinquncia assptica (colarinho branco
etc.). Vejam as leis aprovadas nos ltimos
anos: alamos o crime de fraude licitao
a crime de menor potencial ofensivo
(paga-se cesta bsica); na mesma linha,
consideramos mais grave o ato de subtrair
galinhas (quando praticado por duas pessoas)
do que as condutas consubstanciadoras de
crimes como a lavagem de dinheiro e de
delitos contra as relaes de consumo e o
sistema financeiro; tambm construmos
uma benesse para os sonegadores de
tributos que, de certa forma, transforma a
sonegao fiscal em uma rentvel aposta
sem riscos penais , bastando o pagamento
d l d i d i
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estabelecer-se como o nico jogo possvel na
vida poltica do pas. A consolidao da
democracia, como se denomina esse segundo
momento, constitui um processo mais amplo
e complexo que se orienta para a implantao
da democracia como o nico regime vlido
para administrar o poder e resolver os
antagonismos consubstanciais para toda a
sociedade livre1.
Os termos transio e consolidao designam,
assim, fundamentalmente, uma evoluo
institucional e dirigem o olhar para as condutas
dos atores sociais e polticos organizados e
para o contexto de possibilidades e restries
normativas e pragmticas que guiam essas
condutas. Em muitos casos, o fennemo assim
descrito tem um ar de restaurao: haveria uma democracia perdida para recuperar, haveria regras
que foram violentadas e cujo imprio necessrio restabelecer e, sobretudo, como premissatcita, haveria um contexto sociocultural que foi pervertido pela ordem autoritria e que, esta uma
vez desaparecida, depura-se e reativa-se em uma criativa confluncia com as transformaes
institucionais e jurdicas da sociedade.
relevante perceber, no obstante, que em muitos dos pases que experimentam transies
para a democracia a partir de situaes de autoritarismo ou de violncia, este ltimo fator o da
trama cultural e o das relaes sociais que tal trama sustenta sumamente dbil. Isso certo,b t d i d d l it i d di id d fl di lt d
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polticas. No obstante, h que se entender o cultural, nessa ordem de reflexes, antes como
uma dimenso da arquitetura sociopoltica da construo da democracia do que como um domnio
autnomo ou como um reino a parte. Um simples exemplo pode bastar para sustentar esse
ponto. Desde um ponto de vista jurdico e poltico, a cidadania uma condio de titularidade
efetiva de direitos aparece como o resultado da implantao de certas regras de jogo no plano
normativo e institucional. Desde um olhar sociocultural que entenda a democracia como um
regime de relaes sociais de certa espcie, a cidadania constitui a estrutura molecular de tal
regime e no est definida somente pela titularidade de direitos seno tambm pela vigncia de
um conjunto de representaes, de imagens e de ideias na imaginao pblica e, portanto, na
vida cotidiana.
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Como dimenso da organizao de uma sociedade, o territrio da cultura est distante de ser
plano e uniforme. Pelo contrrio, o desenho simblico da sociedade abarca diversos estratos. So
parte desse desenho simblico os valores e as imagens oficialmente declaradas e rotineiramente
proclamadas como socialmente aceitveis. A se encontram, por exemplo, a normatividade legal
positiva, assim como as narrativas da histria peruana transmitidas e repetidas no sistema educativo
pblico e privado. Entretanto, em estratos mais profundos, aparecem outras camadas desse desenho
simblico: as ideologias, enquanto ideias manifestas e de carter interpretativo e propositivo sobre
o bem coletivo; os discursos, entendidos como um conjunto bsico de representaes articuladas
que contribuem para uma certa gramtica social e que delimitam o territrio do dizvel; e, nos planos
mais profundos, as identidades constitudas como uma certa forma de estar frente ao mundo
social, frente ao mundo dos objetos e frente ao mundo intersubjetivo da relao com as pessoas.
Em uma sociedade em que o exerccio dos direitos fundamentais precrio, a consolidao de
uma democracia em longo prazo depende, entre outras coisas, das representaes sociais e da
adequao destas a um regime de vida cidado. Se a cultura um dos espaos mais importantes
da reproduo social, a mobilizao dos recursos simblicos que compem essa cultura sempre
gravitar sobre o tipo de ordem poltica produzido e reproduzido. Que classes de modificaes
no plano da organizao simblica de uma sociedade resultam indispensveis para esse fim? E
identificadas essas mudanas, em que medida e por que meios podem produzir-se?
nesse plano de anlise que convm situar o papel da memria como ingrediente de processos
de democratizao, isto , experincias sociais que vo mais alm da substituio de atores no
exerccio do poder. A memria da violncia aparece como um recurso simblico que se pe em
ao para a elaborao de resultados polticos de longo prazo.
Para abordar essa questo, convm deter-se sobre o lugar o locus da memria da violncia. Isto h b i t i d f l i f di
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os crimes cometidos no contexto da luta contra o apartheid; a da Guatemala, que, depois de
seus acordos de paz, estudou os crimes acumulados durante trs dcadas de guerra civil; e a
de El Salvador, que se ocupou de esclarecer as violaes de direitos humanos durante o conflito
armado interno que ocorreu nesse pas durante a dcada de 1980.
A esse conjunto de experincias, e de certo modo herdando o conhecimento acumulado por elas,
se somou, no incio da dcada de 2000, a Comisso da Verdade e Reconciliao de Peru. Durante
26 meses, tal comisso investigou os crimes e violaes de direitos humanos cometidos no Peru
entre 1980 e 2000, tanto pelas organizaes subversivas o PCP - Sendero Luminoso e o MRTA
quanto pelas organizaes estatais encarregadas de combat-las as foras armadas, a polcia
e, favorecidas pelo Estado, as organizaes de autodefesa.
Originalmente, essas organizaes foram entendidas como um precedente, um complemento
ou, no pior dos casos, como um substituto da ao judicial que ali, por restries polticas
e materiais, no era possvel ser realizada plenamente ou resultava invivel. Nesse esprito,
as comisses e a verdade que elas se encarregavam de buscar foram compreendidas como
uma via para esclarecer os fatos ocorridos durante um passado de violncia ou de represso
autoritria. Seu domnio era o da realidade ftica. Sua contribuio, primeira vista, era a de
sentar as bases para o funcionamento de uma poltica democrtica institucional depois de umaguerra ou de uma ditadura sangrenta. Pouco a pouco, porm com firmeza, foi-se estendendo
a natureza e a concepo das comisses da verdade e elas puderam ultrapassar o territrio da
investigao forense.
A atividade das comisses da verdade, o produto de seu trabalho e a perspectiva que elas abrem
tm sido reconhecidas cada vez mais como processos de produo cultural. Se, todavia,
possvel debater acerca do quo objetiva ou quo plena a verdade que uma organizao desseti t t l d h l it d t d i d t d
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portador de um significado que se apoia em fatos organizados para ir mais alm deles. Foi apontado
muitas vezes que uma diferena crucial e insupervel entre os gneros da forma narrativa conto
e romance, dentro dos limites do cnone literrio tradicional e os fatos reais da sociedade
reside no carter fechado, completo, organizado e significativo do narrado frente inevitvel
inconsistncia e vacuidade do sucedido. Entre narrativa e experincia existiria, assim, um claroelemento diferencial que poderia ser entendido como muralha, mas, tambm, preferivelmente,
como nexo. Com efeito, entre os fatos e sua verso narrativa se encontra a ineludvel e constante
produo de sentido por parte das pessoas, sejam elas um criador literrio ou qualquer sujeito,
individual ou coletivo, de uma experincia social. A vida em sociedade descansa, assim, para
efeitos prticos, sobre uma atividade interpretativa permanente e generalizada da a pertinncia
e a necessidade de uma hermenutica do socialmente sucedido e narrado. A partir dessa
hermenutica, o texto narrativo compreendido por sua diferena, sua oposio e tambm suaorigem em fatos episdicos, ao mesmo tempo em que percebido como um fornecedor de
forma e sentido organicidade e significado: densidade simblica para a experincia coletiva.
a, finalmente, onde reside a promessa de uma sociologia do fato narrativo e o interesse de
uma narratologia dos fatos sociais2.
Certamente, os usos da narrativa literria no so originais no sentido de carecer de uma fonte
anterior; eles so, melhor, um reflexo codificado, racionalizado, sujeito a certas tcnicashistoricamente mutveis, incorporado a um sistema de prestgio institudo de estratgias
culturais alheias ou preexistentes institucionalidade literria. A produo mitolgica, as lendas
que fundam linhagens e comunidades nacionais3, as histrias sagradas e as doutrinas de
salvao pertencem, todas elas, mesma famlia. Tambm formam parte dela, sem dvida,
as verses narrativas que produzem ou utilizam os Estados ou os setores poderosos para dar
sustentao simblica a um regime poltico ou a certa forma de administrar dita sociedade.
E, por conseguinte, a produo narrativa resulta, por definio, numa forma de competncialti t i t t id t l i d lib l i l ti bili
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que est em jogo em uma eleio e os temas e problemas pelos quais a sociedade se mobiliza
e apresenta demandas ao regime poltico.
Que tipo de produo cultural uma comisso da verdade pe em ao quando elabora uma
narrativa da violncia? Tal narrativa , desse ponto de vista, uma derivao e uma superaoda rendio cientfica em relao aos fatos que pretendem objetividade. Na verdade, o relato
da violncia que ela produz possui diferentes estratos. Em alguns deles, se pretende cumprir
com o princpio da objetividade desde uma concepo ilustrada e positivista da verdade: aqui, a
organizao que leva adiante um processo de
busca da verdade pretende fazer proposies
contrastveis ou falseveis, no sentido que
Karl Popper deu lgica da investigaocientfica. Isso ocorre, por exemplo, no intento
de oferecer mediante procedimentos de
anlise e inferncia estatstica uma estimativa
certeira da quantidade total de vtimas tal
como, notoriamente, o fizeram a Comisso da
Verdade e Reconciliao do Peru e a Comisso
de Esclarecimento Histrico da Guatemala.Noutro estrato, que no pretende situar-se
no plano da demostrao cientfica positiva, a
busca oficial da verdade apela a outras formas
de objetividade ou, mais bem, da verossimilitude4: aqui se encontra o discurso jurdico de uma
comisso sustentado, por um lado, nas evidncias encontradas e, por outro, em um pensamento
categorial e sujeito a regras de inferncia muito rigorosas mediante as quais se outorga um
significado e reivindica-se consequncias para tais evidncias: a descrio de uma conduta comod i d t ti d i d d i l d di it h t i t
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ltimo estrato, o mais distante das pretenses de objetividade cientfica, mas que nem por isso
supe uma concesso arbitrariedade: o plano da interpretao poltico-moral dos fatos, que se
realiza a partir de uma tomada de partido a favor de certos valores que so as posices de princpio
a partir da qual se realiza a busca oficial da verdade: respeito aos diretos humanos, democracia,
paz, igualitarismo, equidade, humanitarismo. Nesse ltimo plano, a narrativa da violncia chegaa ser no somente portadora de uma proposio sobre as responsabilidades e sobre o sentido
social da tragdia como tambm incorpora a reivindicao de certa moralidade pblica, cujo
centro normativo so as noes de democracia, de reconheciminto e de dignidade.
interessante notar que no relato final, abrangente, que termina por confeccionar uma comisso
da verdade, todos esses estratos se encontram inter-relacionados. As verdades apresentadas em
um deles se apoiam na verdade apontada nos outros. Por exemplo, a qualificao de certa condutacomo sendo um crime de lesa-humanidade violaes de direitos humanos cometidas de maneira
sistemtica ou generalizada depende da reconstruo da violncia em termos quantitativos.
E a asseverao de que o processo de violncia se sustenta em relaes sociais discriminatrias,
incluindo racistas, pode ser sustentada em uma anlise clara das condutas distintas dos atores
armados frente a suas vtimas, condutas analisadas contraluz das categorias da tipificao penal.
Assim, as circunstncias em que a guerra suja de um ou de outro lado, expressa em assassinatos
e desaparecimentos seletivos em alguns casos, ou em massacres ou mesmo em genocdio emoutros casos, do motivo para uma argumentao mais slida sobre as premissas discriminatrias
com as que operam tais atores de acordo com a populao contra a qual vo atuar.
Essas narrativas tm, como toda narrativa, certos ncleos de sentido particularmente relevantes.
Apesar de uma narrativa da violncia discorrer sobre muitos aspectos distintos do processo, sua
significao maior seu ncleo argumental encontra-se em alguns temas centrais. razoavel
afirmar que no caso do Peru, como no caso da Guatemala, esse tema, complexo e amplo em si d bilid d A i i i d f t l i d i l i
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de no estar completa em apenas uma faceta no um discurso forense especializado, nem
tampouco uma demonstrao de percia etnogrfica ou uma expresso abstrata de moralidade ,
mas de estar constituda por temas e motivos concorrentes.
certo, contudo, que esse objeto narrativa que aqui se define como estritamente textual j levaem si mesmo as marcas de certas prticas sociais. um axioma das experincias de busca oficial da
verdade: a tecnologia da verdade que se estabeleceu como prtica habitual sempre performativa,
na medida em que a verdade se constri sobre a base dos testemunhos das vtimas. A tomada de
depoimentos no somente um ato de produo textual, mas tambm uma relao social particular:
dar voz s vtimas equivale, em geral, em virtude da tradicional demografa da violncia6, a dar voz
aos excludos, aos desprovidos de voz inclusive em tempos de normalidade. Assim, a produo da
narrativa da violncia implica uma relao social de reconhecimento e, do ponto de vista das vtimas,de constituio ou fortalecimento enquanto sujeitos polticos e sociais.
Existem, no obstante, problemas de outra natureza implcitos na tecnologia da verdade que, por
no ser o tema central deste trabalho, so simplemente registrados. Se a narrativa da violncia
se constri sobre a base dos testemunhos das vtimas, resta determinar quem que classe de
sujeito social organiza a narrativa, com que categorias analticas, com que propsitos e at
com que sintaxe. Por ser elucidado pela anlise textual dessas narrativas, o problema seguirsendo qual espcie de relao social que diviso de trabalho se personifica no texto que
contm a narrativa produzida. O encontro entre quem aporta a matria-prima da verdade e quem
a organiza em unidades de sentido com o arsenal metodolgico prprio do mundo acadmico:
marcos tericos, hipteses, regras de evidncia e aparatos demonstrativos que podem ser
um compromisso equitativo ou um arranjo hierrquico no qual as exigncias da eficcia dado
que a verdade produzida deve ser capaz de produzir efeitos jurdicos superam as exigncias
da representatividade do relato: esse relato, portanto, passa a falar no lugar das vtimas em vezd f l f l l S d id i bl d lti
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Colocadas de lado essas importantes
questes relativas produo do
texto que chamamos de narrativa da
violncia, convm fixar-se em outro
problema to ou mais importantepara as relaes entre cultura e
consolidao da democracia. Se
a narrativa pertence ao mundo do
textual, ela requer outro tipo de
existncia social para converter-se
em um recurso ativo da reproduo
ou da transformao cultural de umasociedade. O objeto textual que
denominamos narrativa se v complementado, expandido e ativado por um objeto social uma
prtica a qual chamamos memria.
As relaes entre narrativa e memria apresentam um tema de reflexo crucial para as polticas
culturais em uma sociedade que tenta construir democracia depois de haver atravessado um
perodo de violncia com massivas violaes de direitos humanos.
O problema pode ser apresentado resumidamente assim: uma narrativa da violncia fiel aos fatos
e que, ao mesmo tempo, concorde com certos valores tico-polticos, dentre os quais a democracia
e os direitos humanos so os principais, pode ser produzida como parte dos arranjos institucionais
prprios da transio poltica, quando tais arranjos preveem a constituio de uma comisso da
verdade ou de algum outro mecanismo orientado correo do registro histrico da violncia. Assim,
por exemplo, na Guatemala e em El Salvador, a criao de comisses da verdade foi estabelecidad d 8 t P i d i d d d f i t d d
BN( 2)\ )a&,%)0%) " %)a%"S( %(/)X( N(&, e/.+( Z'"0W+&,%(/ !(/( )#) ')/%()X&'e'&( ,"'&(#S &,%" ZS'"02)/%cI#" )N N)Nh/&(G/)!/),)0%(-1" ,"'&(#'"N!(/%[(.( W+) 01"Z ,"N)0%) +N '"0*+0%".) '"0%)b.",
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isto , convert-lo em memria: representao social compartilhada que no somente um conjunto
de contedos de enunciados com pretenses de verdade sobre o passado violento ou repressivo
, seno tambm, e fundamentalmente, uma fonte de crtica e deslegitimao de certas prticas
sociais precedentes certo tipo de relaes entre Estado e sociedade; certa forma de encarar a luta
poltica; certos hbitos e retricas que determinam a relao entre as diversas classes sociais e osconglomerados tnicos da nao e, naturalmente, uma demanda de transformao de tais prticas.
Em seus aspectos mais formais e mais apegados linguagem poltico-institucional, essas demandas
cobram a forma de recomendaes atinentes ao nunca mais: reparaes, processamento penal dos
crimes, garantias de no repetio, reformas institucionais. Em seus aspectos menos formais, mas de
maior consequncia para uma transformao cultural da sociedade para a democracia, essa memria
quer trabalhar e pressionar sobre a dimenso simblica das relaes entre as pessoas: orienta-se a
retardar as fronteiras do dizvel e do pensvel, estigmatizar a retrica e o lxico do autoritarismo eda discriminao, induzir uma nova e distinta articulao do discurso pblico. Em suma, a memria
enquanto elemento para a produo cultural da sociedade trabalha na ampla dimenso do que, desde
a sociologia das prticas sociais de Pierre Bourdieu, se conhece como habitus, princpios de gerao
e de estruturao de prticas e representaes que podem ser objetivamente reguladas e regulares
sem ser em absoluto o resultado da obedincia a regras, adaptadas objetivamente a seus fins sem
que isso suponha uma percepo consciente dos fins e um domnio manifesto das operaes
necessrias para alcan-los e, em vista disso tudo, serem coletivamente orquestradas sem ser oproduto da ao organizadora de um diretor de orquestra9.
Nessa apreciao dos poderes da narrativa e da memria da violncia, no deve ser omitido, por
ltimo, o seguinte fato: a organizao textual do passado violento produzido por uma comisso
da verdade entra em relao competitiva ou de complemento e ampliao com esse potente
produtor de cultura que o trabalho historiogrfico acadmico e sua projeo no acadmica, em
forma de vulgata histrica, sobre as pessoas e seus sentidos comuns10. Os tpicos que compemt l tid tit i t t lh l t d i l i d
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e tambm dos protagonistas do conflito, ao mostrar as metamorfoses dos
elementos em disputa, ao construir a diferena entre o que tem a ver com
estratgias deliberadas e o que tem a ver com consequncias inesperadas de
interaes complexas, ao imputar responsabilidades, permitiria romper com a
memria mtica e seria um ponto de apoio para a conformao de uma memriareconhecida e compartilhada.
As comisses da verdade tm por funo produzir um relato histrico desse tipo.
Essas comisses do muita importncia memria, mas ajudam a estrutur-la
arraigando-a na temporalidade concreta []11
O fragmento citado postula, ademais, uma posio duplamente problemtica para o relato histricoelaborado por uma comisso da verdade. Possui uma relao contenciosa no somente com as
memrias oficiais postuladas por uma institucionalidade poderosa, como tambm com o que
Pcaut denomina de memria mtica, que seria a praticada pelos atores e as vtimas do processo de
violncia. Trata-se de uma memria que no atende a diferenas cronolgicas, que no discrimina
entre o imediato e os fatos que deram origem violncia, e na qual os acontecimentos especficos
que poderiam servir de referncias temporais apenas ocupam um lugar reduzido, mesmo quando no
momento parecerem reproduzir uma modificao importante no curso das coisas. Conclui Pcautque essa memria popular, pautada pelo imediato, tambm est feita de esquecimento12.
Frente a ela, como resulta claro, a narrativa organizada que produz uma comisso da verdade
no cumpre apenas a funo de dar sentido, mas tambm de dar sentido poltico e, para mais
informao, sentido democrtico rememorao do passado. Esse um elemento que convm
ter presente quando se faz o cotejo entre memrias surgidas imediatamente da voz das vtimas e
memrias intermediadas no substitudas nem sequestradas por outras estratgias culturaisd d t t l i bli i l d i tit i lid d d i
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somente uma gramtica da deferncia, no sentido de regras que do lugar a infinitos jogos de
linguagem, se no algo mais concreto: convices manifestas e socialmente legtimas sobre a
superioridade e a inferioridade dos sujeitos13. Em outro plano, mais profundo, essa desigualdade
sustentada por uma memria eficaz parte de nossa linguagem pblica. Ela , nesse caso, um
ingrediente central das formaes discursivas dominantes, isto , de uma matriz de significado ousistema de relaes lingusticas na qual se geram processos discursivos reais 14. A desigualdade ,
assim, uma regra de nossa comunicao coletiva, uma premissa em virtude da qual nos entendemos.
E, por fim, no cabe descartar sua eficcia em um ltimo nvel, ali onde o social e o idiossincrsico
se unem, o da constituio das identidades, isto , da autocompreenso e da autopercepo das
pessoas e de suas percepes mais ntimas e difceis de alterar acerca de seu lugar seu status no
mundo social. Desse modo, uma poltica cultural que referenda o princpio da desigualdade, ou que
no o combata, resulta sumamente nociva na medida em que tais polticas podem ser pensadascomo tecnologias da identidade, isto , como uma srie de discursos e prticas que determinam os
parmetros culturais de validao do sujeito na sociedade15.
Desse ponto de vista, o problema da subalternidade uma condio de subordinao to radical que
abarca a privao de voz e conduta ou que se define por tal privao 16como forma perversa de
configurar identidades em sociedades ps-coloniais resulta em uma questo crtica tanto na explicao
dos processos de violncia atroz quanto nas possibilidades de passar da cessao das aes armadasa uma sociedade que possa ser denominada democrtica em algum sentido relevante17.
5;5y@6
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espcie da poltica pblica. J foi dito que essa no a nica acepo possvel: cabe meditar,
tambm, sobre uma poltica da cultura entendida como o processo de competncias e conflitos
que ocorrem em torno do desenho simblico da sociedade.
Uma poltica cultural, no sentido de poltica pblica, consiste basicamente na mobilizaodeliberada e planejada de recursos simblicos por parte de um agente com capacidade de ao
poltica principalmente o Estado para conseguir um resultado previsto que, ainda que ocorra
primeiramente no plano simblico, chamado a repercutir sobre outros planos ou dimenses da
organizao social, como a poltica ou a economia.
Exposto dessa forma o problema, no fcil apontar apenas um lugar para a memria da
violncia. Ela pode ser insumo ou recurso da poltica cultural, bem como pode ser parte do seuresultado. preciso questionar se essa poltica cultural feita servindo-se de uma narrativa
da violncia que j se converteu em memria, ou se feita com a finalidade de converter a
narrativa em memria.
Tomando como exemplo a situao peruana atual, ambas hipteses so apreciveis, pois uma
questo importante quanto difcil construo da democracia no Peru refere-se ao bloqueio
da memria da violncia e ao perigo de que a narrativa reconstruda no logre transcendersua condio textual. Ao mesmo tempo, cabe se perguntar de que maneira, no caso de ser
instaurada uma memria social da violncia, esta poderia alimentar uma poltica cultural
com fins especficos, tais como processos de ampliao da cidadania, luta contra a pobreza,
educao para a paz e para a democracia, projetos de desenvolvimento humano ou outros. A
questo nesse caso seria, em suma, de que maneira os contedos simblicos da memria
passam a ser um insumo para a elaborao de polticas pblicas ou polticas de Estado em
geral no pas. Entre elas, no se pode desconhecer a importncia essencial das polticas ded d i t i E t d t t i i l i
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autoritrio de Fujimori19. Essa expresso refere-se aos relatos que do aos militares um papel
salvador frente ameaa () e ao caos criado por aqueles que intencionam subverter a nao,
os mesmos que em etapas posteriores colocam a nfase sobre os xitos pacificadores () ou
sobre o progresso econmico20. Carlos Ivn Degregori sintetiza assim o contedo da memria
salvadora no Peru durante o governo de Fujimori:
Anuncia-se por um lado que o Peru um pas pacificado e com futuro, mas como se o
regime estivesse inseguro de poder conquistar limpamente esse futuro, nos adverte,
ao mesmo tempo, que a violncia poltica continua ou que seu reincio uma ameaa
sempre iminente. Outra forma de nos dizer que segue sendo indispensvel 21.
O papel destacado das foras armadas e do regime um aspecto fundamental dessa memriaque sustenta imaginrios sociais e prticas polticas. Outro aspecto importante reside em suas
omisses: essa memria unilateral oculta a existncia de vtimas e de sequelas, ao mesmo
tempo em que anula a percepo da violncia como um processo que, ainda que composto de
fatos e atos com responsveis particulares, ilustra tambm a falncia da sociedade como tal. Ao
reduzir o problema a apenas um episdio a derrota estratgica do PCP-Sendero Luminoso e
ofuscar responsabilidades e sequelas, essa memria permite equiparar a cessao das aes
armadas ideia de paz. Assim, ao confinar o problema aos seus aspectos mais episdicos,anula tambm as possibilidades de aprendizagem social a partir da tragdia e permite que a
transio poltica seja vista e abordada somente em termos de revezamento no poder e respeito
bsico s instituies oficiais. O dispositivo cultural produzido durante o regime autoritrio
essa memria salvadora constitui-se em um instrumento de desarme ideolgico da transio
ou priva-a de um poderoso recurso simblico que poderia imprimir-lhe um impulso de reforma
mais ambicioso.
F t i l d l t t ti d id l C i d
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se apresenta como um recurso com chances de competir com xito com a memria ainda
vigente. A produo dessa narrativa , j, uma pea germinal de uma poltica a desenvolver-se
mais amplamente; mas para que isto ocorra preciso que tal narrativa tranforme-se de objeto
textual a objeto social, isto , memria.
Em que sentido seria essa narrativa um recurso para polticas culturais a servio da consolidao
democrtica? Para perceber isto, convm mostrar os contedos dessa narrativa. O ex-presidente
da CVR, Salomn Lerner Febres, sintetizou estes contedos em algumas proposies centrais:
Em uma sntese extrema, cabe dizer que a CVR apurou:
Que o nmero de vtimas fatais mortos e desaparecidos duplicavam a cifra mais1 -pessimista prevista antes de seu trabalho. Falava-se, no pior dos casos, em 35 mil vtimas
fatais, mas segundo as estimativas foram quase 70 mil.
Que o principal mas no nico responsvel por essa tragdia foi o Partido Comunista2 -
do Peru Sendero Luminoso (PCP-SL), por ter iniciado a violncia contra o Estado e a
sociedade peruanos; por haver concebido a assim chamada guerra popular com uma
metodologia terrorista e por vezes genocida, que negava todo valor intrnseco vidahumana; e por ter ocasionado, como resultado dessa metodologia, a maior quantidade de
mortos reportada CVR.
Que as violaes de direitos humanos cometidas pelas organizaes subversivas 3 -
principalmente o PCP-SL e pelas foras de segurana do Estado no foram isoladas.
Tais violaes execues extrajudiciais, desaparecimentos, torturas, violaes sexuais
e outras foram massivas e se perpetraram, em certos lugares e momentos, de maneirai t ti / li d fi i d lit d l h id d
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hbitos de excluso, discriminao e racismo na sociedade peruana. Esses hbitos se
manifestaram na opinio pblica sob a forma de certa indiferena tragdia vivida pelos
peruanos das regies rurais dos Andes e inclusive se expressaram em decises de
governo. A Comisso entendeu que a deciso de pagar um certo custo social com a vida
de peruanos humildes para combater o PCP-SL, assumida pelo arquiteto Belaunde Terry, uma clara expresso desse racismo.
Que a verdadeira paz e a democracia sero enraizadas no pas somente se se colocar6 -
em prtica um vasto processo de transformao mudana institucional e de cultura
cvica que deixe para trs o padro de excluso e discriminao antes assinalado. Assim,
a reconciliao no Peru h de ser o resultado da exposio plena da verdade, o exerccio
da justia na forma de reparaes s vtimas e punio aos culpados e a concretizao deprofundas reformas institucionais.22
Esta narrativa tenta amarrar assim, em apenas um argumento, as responsabilidades concretas e
as responsabilidades gerais, a existncia de vtimas e os padres de relao social subjacentes
s tragdias e a noo de que a experincia da violncia um desafio fundamental realmente
existente da sociedade peruana.
4 76Ex=364 3454 @;3B@74
A poltica da cultura em torno do tema da violncia gira ao redor dessa batalha entre, pelo
menos, duas memrias. Uma delas um recurso eficaz para a manuteno do status quo
tanto no que se refere s polticas de Estado quanto no que diz respeito s relaes bsicas
entre a populao. A outra poderia ser prevalecer um adequado dispositivo para mobilizari bli t f d li d ti t t i i i
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a implantao do modelo liberal, aquele segundo o qual a cidadania se constitui mediante
o acesso ao mercado e a afirmao efetiva como sujeito econmico em tal mercado. Em
ambos casos estamos diante de estratgias polticas e econmicas de construo da cidadania
inteiramente diferentes das chamadas estratgias culturais dirigidas ao mesmo fim23.
Toda estratgia cultural baseada na memria necessita lidar com o fato rotundo do silncio
como dispositivo retrico bsico. Em sociedades que experimentam transies e exerccios
institucionais de memria, a linguagem pblica mais influente estatal e no estatal pode
resistir a incorporar os elementos de uma nova narrativa e, desse modo, a dar-lhe atestado
de existncia social. Com efeito, no caso peruano, um dado fundamental a ausncia dos
legados da violncia e suas lies responsabilidades, situao das vtimas, a problemtica
da excluso no debate pblico corrente, assim como a impermeabilidade das velhasexplicaes sobre os problemas do pas frente aos elementos que poderiam contribuir para
uma nova memria.
Do ponto de vista de uma poltica cultural e de seus possveis efeitos sobre o regime poltico e
econmico de uma sociedade como a peruana e como muitas outras que tm tido experincias
histricas comparveis, importante perguntar-se qual a diferena central entre a memria
oficial persistente e a nova narrativa proposta. As divergncias so muitas e fundamentais, mash uma de valor germinal. A memria herdada e predominante simplifica e d por superado
o problema da violncia ou do autoritarismo. Como dispositivo cultural, essa memria prope
um encerramento do passado e uma concentrao das funes do Estado em projetos futuros
sem conexo perceptvel com o legado da violncia, tais como o crescimento econmico. Ao
contrrio, a narrativa proposta como base de uma nova memria abre um problema a ser atendido
pelo Estado: a afirmao de uma continuidade entre um passado de violncia e um presente de
anomia atua como rudo perturbador que questiona os ganhos da transio democrtica e lhet t f i l
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sobreviventes , mas que, no raro, soobram no caldo grosso do imperativo do esquecimento
que nos impe a repetio continuada de tudo o que no pode ser dito, compreendido e revelado
sobre o terrvel.
Embora nunca tenha tematizado diretamente o assunto da resistncia ditadura, evidenteque, de algum modo, estamos sempre em sua rbita quando falamos da polcia militarizada, dos
abusos cometidos contra o corpo do cidado pelas foras do Estado, da impunidade que recai
sobre dezenas de milhares de homicdios dolosos no Brasil e do atraso brasileiro em relao ao
acesso aos seus arquivos, testemunhos e devida lembrana e respeito por seus mortos.
Tanto em Flvio Tavares, cujo interldio entre suas experincias e sua narrativa possvel foi de 30
anos, como em Graciliano Ramos, cuja escrita encontrou refgio nas pginas virgens aps 10anos, em Memrias do Crcere, e em Ottoni Fernandes, cujo testemunho s foi publicado em
2004, 27 anos depois de sua libertao do crcere da ditadura, vemos revelado o hiato que se
abre entre um corpo em dor e o horizonte incerto da palavra e da linguagem.
So nesses escritos que se evidencia aquilo que persiste como palavra violentada e a urgncia
em reconhecer, nessa mesma palavra ferida, a vontade de, j tendo sobrevivido, fazer viver o
que restara, o que sobrevivera. Isso indica, ao mesmo tempo, que o Brasil ainda carece dasmemrias desse perodo, no apenas de anlises ou documentos, mas do relato vivo da memria,
dos testemunhos fundados na experincia que busca sua vociferao em meio a tudo o que a
arbitrariedade, a escria e parte da sociedade civil haviam acreditado ter calado de uma vez e para
sempre. Por isso, a publicao dos testemunhos desse perodo aparece sempre como um sinal
de vida e esperana e espero que muitos mais ainda sejam escritos e publicados, preenchendo
vrias estantes das bibliotecas brasileiras.
D l d h d lt bi id d l t i
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Lembro-me agora da natureza de um importantssimo movimento social que se organiza e se
irradia a partir do Jardim ngela em So Paulo, que sempre procuro relembrar. 1
H ali uma passeata no dia de finados, um culto coletivo e uma celebrao social que renem
milhares de pessoas todos os anos. Em meio s matanas sumrias que ocorrem nas periferiaspaulistanas todos os dias (homicdios cometidos entre civis, homicdios cometidos pela polcia
ou pelo trfico), o movimento realiza seu sepultamento coletivo numa caminhada que percorre
as ruas da zona sul at chegar ao cemitrio So Lus, onde tantos foram enterrados sem nome,
sem serem velados e como indigentes. A eles foi privado o reconhecimento dos que lhes eram
caros e queridos e o direito de ritualizar a perda, prantear seu morto e esparramar flores em torno
de sua lpide. Mortos de morte matada.2
disso tambm que se fala quando se discute a memria e o esquecimento. A persistncia de
aspectos perenes da ideologia e o modus operandidos militares no Brasil, que elegem como
seus inimigos os prprios cidados das cidades brasileiras, inimigos internos perseguidos
em muitas das prticas do sistema policial e judicirio brasileiro. A suprema perverso do
poder militar no Brasil, que sempre apontou suas baionetas para seus prprios cidados, seus
inimigos internos, torna-se paradigmtica em policias militares de prestgio no pas, como
as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), que criadas para combater a guerrilha urbana,permanecem atuando nos mesmos moldes, ostensivamente armadas e intrusivas, durante o
perodo ps-ditadura.
Essa experincia a de ter o estado contra o cidado cala. Tal como um pai que abusa e
sevicia de seu filho. Autoridade mxima que por sua ao funda e mantm repetidamente
a experincia do desamparo. Quando isso ocorre, o traumtico se instala em sua mxima
potncia e se indiscriminam as fronteiras entre o agressor e o agredido, o protetor e o protegido,ti l 3
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Maurice Blanchot4sugere que a palavra escrita, aps a catstrofe, s pode ser fragmentria,
indicial, como se o estatuto de verdade da palavra escrita tivesse se desfeito diante dos genocdios
que o pensamento foi incapaz de prever e, depois, de faz-los dizer.
Acredito que esse esforo adicional, por vezes fragmentrio, representa a presena de umadefesa inconsciente e de um desejo concomitante que sempre nos acompanha a partir do
momento em que nos reconhecemos num pas sobejamente violento, que nos impe a
pergunta: poderemos viver sem a violncia?
Esse conflito est, inequivocamente, sempre presente em todos ns, mas encontra sua
maturidade na pena daqueles que decidiram falar, escrever e lutar, sofrendo da prpria luta, do
prprio imperativo de ter de dizer e de no poder esquecer o insuportvel. Isso transparece naspalavras de Flvio Tavares: lutei com a necessidade de dizer e a impossibilidade de escrever.5
o impasse frequente na escrita dos testemunhos.
Tendo tudo para contar, sempre quis esquecer.6 Desejo implcito de que no fosse mais
necessrio falar sobre isso e apesar disso, ter de falar para no mais ter de falar.
Ao constatar essa necessidade, hoje, talvez mais do que nunca, no uma euforia que noscomove, mas a perseguio de uma dor que ainda est longe de encontrar seu lenitivo e que nos
deixa sempre com uma certa inconformidade diante do espelho, do que vemos e no que vemos
o que somos e o que nos tornamos e o que poderemos vir a ser.
A distncia temporal entre o terrvel vivido antes e o agora, a presena perene de um complexo
conjunto de fatos e experincias que provocaram imensa dor e sofrimento em tantos e
consequncias em todos, mesmo naqueles inconscientes disso, e que geraram a experinciai dit l d t l t t d d h i t d i i
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como se o filho morto fosse uma alucinao psquica, um estado onrico permanente diante da
negao insistente do fato por todos sua volta. Um sonho traumtico sem destinatrio e sem
escuta possvel, uma condenao compulsiva ao seu prprio pesadelo.
< >@
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No uma imagem distorcida que se v, mas uma imagem sofrida que foi imposta e que mutila
e destri o direito de viver o frugal sem culpa ou desmerecimento. A imagem que se v refletida
no espelho j no mais prpria, mas reveladora do peso imenso da histria de tantos, ao mesmo
tempo impossvel de ser negada e impossvel de ser dita. No h palavras. Um no s palavras.
Ento cada um de ns, de algum modo torturados, omissos, testemunhas, familiares, homens
e mulheres brasileiros, somos domados por uma imagem que nos foi capturada do espelho
e que determina que uma vida comum, aparente e ingnua ser muito difcil de ser vivida
desde ento.
Olhar no espelho agora vasculhar, todos os dias, no s os sinais no corpo que no so mais
ingnuos e carentes de significao, na busca de uma imagem apresentvel de si a tiracolo;olhar nos faz testemunhas agora de um saber de si, do mundo e dos outros que permanece
secreto e deliberadamente escondido. O corpo, sua imagem refletida no espelho, passa a ser
uma prova, uma ltima prova de uma histria que no se pode perder, mas que , ao mesmo
tempo, imensamente difcil de guardar.
Permanecem vivos no corpo ainda vivo todos aqueles que um dia se foram e cujos sinais
inequvocos de sua presena esto nos gestos, em alguma dobra de pele, no olhar profundorefletido que agora fitamos, j que no esto mais em lugar nenhum: desaparecidos, foragidos,
suicidas. Para o corpo, nunca mais o mundo das veleidades, das futilidades e do simulacro. O
corpo se tornou o imperativo de uma verdade definitiva e grave. Para esse corpo-enigma, o
testemunho como tarefa, nunca mais carnaval.
Possivelmente por isso, talvez, que o carnaval continua sendo nosso principal produto
de exportao. Expondo um corpo aparentemente liberto, porm, no raro, patrocinado poril lid d t id d Al i i t t i t
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momento em que outros trabalham para mais uma vez silenciar o grito. Novamente dezenas de
reunies e eventos que tm lotado auditrios em muitos lugares revelam que talvez estejamos
prontos para reconhecer o que fizemos, o que no fizemos e o que fizeram de ns e de nossos
amigos, irmos, filhos, filhas, pais, avs.
Se for assim, e esperamos que seja, cada um desses encontros ser mais uma celebrao. No
mais de palavras que se chocam umas contra as outras, mas de falas que encontram escutas
e produzem sentidos infinitamente livres do silenciamento e do enclausuramento a que foram
relegadas no Brasil at agora. Palavra livre para um corpo-enigma.
Para aquelas mdias que no Brasil ainda se esmeram em evitar o incontornvel e criar falsas e
fracas polmicas em torno do vazio ideolgico que propagam e insuflam, seria instrutivo queconsultassem as pginas e a verso on-lineda mais importante revista alem, a Der Spiegel 7, que
no cessa de apresentar novas informaes sucessivamente descobertas sobre a calamidade
nazista. Recentemente, a Der Spiegelnoticiava a possibilidade de responsabilizao dos pases
parceiros e aliados da Alemanha nazista no extermnio dos judeus. Luta infinita e perptua.
O compromisso de no deixar em paz o passado de atrocidades tarefa de todo bom jornalismo.
Ao bom jornalismo seria dada a tarefa de revelar os desejos no confessos do tecido social que
se esgara para encobrir o que vil. Sem cinismo, nem covardia.
Porm, no Brasil, no raro a indignao se transmuta em vergonha, a dor em silncio e a verdade
pblica em assunto privado. Isso porque o indignado, o machucado e a vocao pblica so tratados
at hoje como veleidades do terrorismo que insistem em tirar as pessoas de sua paz privada,
comprada a peso de ouro. O indignado, o machucado e a esfera pblica so envolvidos com o
manto da pobreza, do equvoco e do desprezvel e como tais podem e devem ser degradados.
Fi f il t t d i i di t i b d li i ti d
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Corpo sujo corpo aprisionado e indignado.Talvez, o que vemos no espelho ser sempre um
corpo no completamente limpo, at que a sujeira seja percebida e significada, j que no pode
ser eliminada com gua e sabo. Corpo sujo que tambm nos mantm mais ou menos imunes
ao arbtrio e violncia.
34=7>@B6=:4 :
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minhas mos e as teve nas suas, e as contemplou, foi pura tibieza, como se estivera
acunhando um pssaro no oco das mos. E disse com voz baixa, porm firme: tens
as mos grandes como minha neta. Ficamos em silencio e logo repetiu: tens as
mos grandes como a minha neta.
Eu era um beb de 20 dias quando passou o que se passou. Ele me viu s duas
vezes. No me soltava. Sustentava minhas mos com o mesmo cuidado e a mesma
segurana com que se toca um pssaro assustado. O juiz lhe repetiu o mesmo que
acabara de me dizer: que as anlises genticas davam 99,99% de probabilidade de
incluso. Porm, o velho no me soltava.
Depois me disse: Minha netinha tem uma pinta nos quadris em forma de azeitona.E me soltou e ficou me olhando, esperando, talvez, que ali mesmo no despacho do
secretario abaixasse as calas para que ele pudesse ver essa mancha espantosa
que sempre odiei. A mulher que me criou dizia que era enjoo. Coisa de gente velha.
Que quando estava grvida teve enjoos de azeitonas negras e que por isso eu havia
nascido com essas marcas, a marca do enjoo.
Eu acreditei.
Meu av me disse que meu pai adorava minha pinta. Que cada vez que me trocava
as fraldas, me dava um beijo ali. Meu pai pintava e meu av conta que ele dizia que
era uma mancha de tinta da China com a qual ele havia me marcado para sempre.
minha me dava um pouco de pena pensar que talvez eu nunca iria querer colocar
biquni, por culpa da pinta. Tinha razo, porm meu pai dizia que essa pinta era como
sua assinatura ao p de seu quadro mais bem sucedido, que era eu.
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fossem enfim significadas a partir de marcas e inscries j existentes e enigmticas:
a pinta na forma de uma azeitona nos quadris. Seria essa a marca do enjoo que designava a
impossvel metabolizao da me postia diante de uma azeitona preta que lhe fora impossvel
de digerir. Expresso inconsciente da fantasia da negao da origem de seu beb e do
imperativo de ter de devolv-lo ao seu devir, devir estancado, assim que ele foi sequestradode seus pais.
< ; 3454 >;7>;5B=J43@M>634 :< >@
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Ester e Jochen Gerz foram contrrios. Ao
final, o monumento contra o fascismo fora
enterrado completamente e dele h apenas
um vestgio e uma plaqueta ao lado que explica
o que se passou com a obra e o processode seu desaparecimento. O fundamental era
proceder ao seu apagamento radical e no a
alguns desenhos ou letras grafadas na obra.
Esse espetculo que se distendeu no tempo
(sete anos) entre 1986-1993, que marcou em
sua superfcie cerca de 70 mil assinaturas, esthoje inteiramente soterrado, desaparecido.
Aquilo que permanece visvel apenas uma
prova de sua passagem. Um vestgio do
acontecimento que o monumento foi capaz
de gerar.
Jacques Derrida11
, numa observao notvel,definira a pulso de morte, na oposio
binria sugerida por Freud (pulses de vida
e morte), como a pulso que apaga seus
prprios traos. Destacava ento que um
dos efeitos mais devastadores da pulso
de morte era o esmaecimento da prpria
histria e com ela do prprio devir. A pulsod d t i f d l d t
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A coluna de chumbo cravada na terra, junto com as marcas que foi possvel lhe imprimir,
sobrevive latente como marcas de uma decifrao impossvel abaixo da terra. Sua histria
ser informada por uma plaquinha ao lado do ex-monumento, do antimonumento, que mal
informar sobre a experincia de sete anos que acompanhou a sua realizao. Ela refaz o que
os fascismos assumem como tarefa: apagar os prprios traos e, desse modo, atingir a histriaem seu devir, deixando em seu lugar uma pfia informao de sua passagem.
Horst Hoheisel outro artista alemo que tem seu trabalho dirigido para o debate sobre o
esquecimento e a memria. Ele esteve no Brasil em 2003, onde exps desenhos no museu
Lasar Segall, realizando tambm trabalhos sobre a ditadura militar no Brasil que foram expostos
no Centro Maria Antnia, na exposio intitulada Janelas da Memria.
Gostaria de destacar um de seus trabalhos, antimonumentos, que Horst Hoheisel realizou em Kassel,
na Alemanha. a reproduo de uma fonte doada cidade de Kassel por um negociante judeu
chamado Sigmund Aschrott, construda em 1908. Em 1939 foi destruda pelas foras nazistas em
recusa manuteno de um presente doado por um judeu. Apenas a base da fonte permaneceu.
Em 1983, sobre a mesma base, a mesma runa, Horst Hoheisel props reconstruir uma reproduo
da fonte, enterr-la de cabea para baixo e depois tamp-la com vidro, colocando sobre ela grades
de metal. O sistema hidrulico dela foi invertido de modo a no vermos a gua sendo ejetada paracima como numa fonte comum, mas atravs das grades de metal v-se a gua vertendo para baixo,
continuamente, e se pode ouvi-la. No so as guas triunfantes de uma fonte projetadas ao ar
alegremente, mas algo que mais se assemelha lgrimas vertendo para o profundo, infinitamente.
Um debate foi suscitado sobre o porqu da obra no ser reconstruda tal como era, j que,
embora invertida, a fonte foi reconstruda na ntegra. Hoheisel observou que ela poder sim
ser reinvertida, no dia em que houver uma nova conscincia entre o povo alemo sobre ost i t t l h l t
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FONTE: WWW.CHGS.UMN.EDU/MUSEUM/MEMORIALS/HOHEISEL/FOUNTAIN.HTML(LTIMO ACESSO EM 30/10/2009)
FONTE: WWW.CHGS.UMN.EDU/MUSEUM/MEMORIALS/HOHEISEL/FOUNTAIN.HTML(LTIMO ACESSO EM 30/10/2009)
FONTE: WWW.CHGS.UMN.EDU/MUSEUM/MEMORIALS/HOHEISEL/FOUNTAIN.HTML(LTIMO ACESSO EM 30/10/2009)
FONTE: WWW.CHGS.UMN.EDU/MUSEUM/MEMORIALS/HOHEISEL/FOUNTAIN.HTML(LTIMO ACESSO EM 30/10/2009)
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Esses so exemplos que, do meu ponto de vista, recriam a prpria linguagem do traumtico e
seu estatuto compulsivo. Nessas obras extraordinrias no se trata de reparar o irreparvel, nem
de reverter o irreversvel, mas de produzir representaes inditas sobre o que no pode ser dito,
apoiando-se na imagem a representao obtusa e imperfeita sobre o terrvel.
So inverses, reinvenes e estratgias de significao que reinventam a prpria linguagem
e propem um novo devir no seio de uma histria que, por sua vez, est sempre prestes a ser
soterrada. Reproduzir seu soterramento , de certo modo, constranger seu prprio mecanismo
de apagamento como se, escurecendo a escurido e mergulhando mais fundo no profundo, um
novo e inusitado cenrio se pusesse mostra iluminando o porvir.
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recordaes coletivas, objeto, portanto, do socilogo e no do historiador, esse estudioso de
coisas definitivamente mortas.
Essa posio reproduz a atitude clssica da escola de Durkheim em relao historiografia,
neste caso traduzida na defesa de uma radical separao entre a histria e a memria, opoque reenvia aquela para o campo frio da erudio de arquivo. Alm do mais, a histria seria una,
enquanto existiriam tantas memrias coletivas como os grupos sociais que as geravam. E elas
caracterizar-se-iam por serem memrias vivas, ao invs do objeto do historiador que ne peut
faire son uvre qu condition de se placer dlibrment hors du temps vcu par les groupes qui
ont assist aux vnements, qui en ont eu le contact plus ou moins direct, et qui peuvent se les
rappeler (M. Halbawchs, 1997; Franois Hartog, 2003).
Tambm para Lucien Febvre (1953) ou para Marrou (1954), a memria sacralizaria as
recordaes, enquanto o discurso historiogrfico constituiria uma operao intelectual crtica,
que desmistificaria e secularizaria as interpretaes, objetivando-as por meio de narraes que
ordenam causas e efeitos sequenciais, de modo a convencerem que a sua representaodo
passado verdadeira (Krzysztof Pomian, 1999).
Num outro registo e sem deixar de as distinguir, Pierre Nora (1984) situou o projeto coletivo, quecoordenou Les Lieux de mmoire(1984-1993) , entre Histoireetmmoire, sinal evidente
de que, se no as opunha, tambm no as fundia, mas que se servia de ambas. Por outro lado,
so conhecidas e pertinentes as posies que Ricur tomou na contenda: para ele, a memria
e a histria (incluindo a historiografia) mantm uma relao que, na perspectiva da inevitvel
presena de horizontes de pr-compreenso no questionamento historiogrfico, consente pr-se
la mmoire comme matrice de lhistoire (Paul Ricur, 2000).
P d d t t t E t h
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em Niceia), ir alargar essa tecnologia at ao
hodierno predomnio da visualizao, percebe-
se por que que, como contrapartida, esse
processo foi debilitando a capacidade individual
(e colectiva) de reproduo oral da memorizao,dfice compensado, porm, pela escrita e
pela imagem. Superabundncia que, porm,
provocou novos tipos de esquecimento.
Para T. Todorov, tal aculturamento, de longa durao, foi acelerado pelas sociedades nascidas
do impacto cientfico-tcnico e da legitimao da sociabilidade poltica, que prescindiram da
tradio, como se estivessem escoradas no primitivo contrato social. Em sua opinio, noussommes passs, comme disent les philosophes, de la htronomie lautonomie, dune socit
dont la lgitimit vient de la tradition, donc de quelque chose qui lui est extrieur, une soci