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DANIEL GRIZANTE DE ANDRADE ANIMAÇÃO COMPUTADORIZADA A IMAGEM EM MOVIMENTO EXPANDIDA NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DIGITAIS Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica PUC–SP Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Comunicação e Semiótica – Signo e Significação nas Mí- dias, sob a orientação da Professora Doutora Giselle Beiguelman SÃO PAULO 2007 1

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DANIEL GRIZANTE DE ANDRADE

ANIMAÇÃO COMPUTADORIZADA

A IMAGEM EM MOVIMENTO EXPANDIDA NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DIGITAIS

Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica

PUC–SP

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Comunicação e Semiótica – Signo e Significação nas Mí-

dias, sob a orientação da Professora Doutora Giselle Beiguelman

SÃO PAULO

2007

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RESUMO

A presente dissertação tem como objetivo a pesquisa e mapeamento das mudanças sofri-

das pela animação em seus processos criativos e produtivos com o crescente uso da computação e

com o surgimento de novos meios de comunicação digitais. Devido à abrangência do termo ”a-

nimação”, decidiu-se priorizar uma linha histórico-evolutiva do que conhecemos como cinema de

animação. Para tanto, foram analisadas obras contemporâneas de animação que utilizam a tecno-

logia computacional de forma inovadora para a linguagem, a exemplo de trabalhos de artistas

como Mark Napier, Marius Watz, Zachary Lieberman, Ckoe, Hans Hoogerbrugge e Motomichi,

além das séries de animaçãos para internet Stainboy, Ninjai e Cinema Bulbo e dos filmes Waking

life, Ryan, Ghost in the shell, entre outros. As análises deram-se a partir da constatação deleuzia-

na de que a imagem em movimento, da qual a animação não se distingue, é produção de pensa-

mento e, portanto, resulta de uma sutil relação entre linguagem, meios, tecnologia, intenções poé-

ticas, estéticas e formações éticas, revelando verdadeiras formas de reflexão. A partir destas aná-

lises, surgiram três grandes temas de suma importância para a compreensão desta animação pro-

duzida mediante a utilização da computação: o movimento criado a partir de códigos de progra-

mação, a imagem em movimento sintética e os novos meios de recepção da animação e sua influ-

ência no processo criativo. Constatou-se que a animação, linguagem historicamente ligada aos

meios tecnológicos, ocupa hoje lugar de destaque na atual produção audiovisual, já que suas a-

bordagens do movimento são plenamente compatíveis com os conceitos contemporâneos de

construção da imagem em movimento.

Palavras-chave: animação; desenho animado; cinema de animação; computação gráfica;

arte tecnologia; comunicação digital.

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ABSTRACT

The objective of this thesis is the research and mapping of the changes undergone by

animation with the increased use of computer technology in the creative and productive processes

and the advent of new digital communication media. Due to the range of the term animation, an

historical-evolutive line known as authorial animation was priorized. For this, contemporary

works of animation with innovative use of computer technology were analyzed, including works

from artists such as Mark Napier, Marius Watz, Zachary Lieberman, Ckoe, Hans Hoogerbrugge

and Motomichi Nakamura, as well as animation series for the Internet such as Stainboy, Ninjai

and Cinema Bulbo, and movies such as Waking Life, Ryan, Ghost in the Shell Innocence, among

others. The analysis is based on Deleuze’s theory of moving images (from which animation is not

distinguished), as production of thought that result in a subtle relationship between language,

media, technology, poetic intentions, esthetics and ethics, revealing true forms of reflection. From

this analysis, three major themes, all extremely important for the comprehension of this kind of

computer animation, emerged: the movement created through code, the synthetic moving image

and the new media in animation and its influence on the creative process. It was established that

Animation –a language historically connected with technological media - occupies today an im-

portant place in current audiovisual production since its approach of movement is fully compati-

ble with contemporary concepts of constructing moving images .

Keywords: animation, cartoon, authorial animation, computer animation, art technology, digital communication.

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SUMÁRIO

Introdução........................................................................................................................ 6

Capítulo 1 – Sobre o conceito de animação ................................................................... 10

Capítulo 2 – Animação e meios de comunicação digitais ............................................. 22

Animações cíclicas: GIF animado ..................................................................... 22

Animações vetoriais: Flash ................................................................................ 27

Séries animadas na internet ............................................................................... 35

A animação vinda dos games ............................................................................. 44 Capítulo 3 – A imagem sintética da animação computadorizada. ................................. 47

Imagem foto-realista .......................................................................................... 50

Suspensão de níveis de realidade ....................................................................... 53

Meta-imagem ..................................................................................................... 66

Capítulo 4 – Interatividade e código ............................................................................. 70

Interatividade em narrativas ............................................................................. 72

Programação de comportamentos .................................................................... 80

Movimentos colaborativos ................................................................................ 86

Movimentos autogenerativos ............................................................................ 89

Animação “ao vivo” ......................................................................................... 95

Conclusão ...................................................................................................................... 100

Desilusões do movimento................................................................................... 111

Bibliografia ................................................................................................................... 118

Relação de imagens....................................................................................................... 126

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INTRODUÇÃO

A animação, criada no final do século XIX, sofreu diversas transformações durante seus

aproximados 100 anos de existência, em grande parte devido à evolução da tecnologia, dos mate-

riais e, conseqüentemente, das técnicas empregadas em sua realização. Desde a descoberta do uso

da película de acetato – usada para desenhar com o auxílio da transparência – até a utilização da

computação tridimensional, a linguagem alterou-se e hoje ocupa, com crescimento expandido,

um lugar de importância nas diversas mídias e na produção cultural.

Ela se faz presente em quase todas as produções cinematográficas atuais; afinal, a cada

filme produzido pela indústria do cinema, mais efeitos especiais são aplicados, mais cenários são

construídos digitalmente e mais animações de movimentos impossíveis de se realizarem por ato-

res reais são incluídos.

Basta ligarmos a televisão para ver que lá também a animação tornou-se fundamental; a-

lém de em seu lugar mais tradicional, os desenhos animados matinais, ela ocupa espaço de impor-

tância na publicidade, nas vinhetas promocionais, nos efeitos especiais dos seriados, nos telejor-

nais, na programação visual dos canais. Na internet, ela também é comum: nas animações de si-

tes, botões, banners e nas peças multimídia. Nas artes visuais, tem também seu lugar nos traba-

lhos de artistas contemporâneos que lidam com o vídeo, cinema e com a arte computacional.

Segundo Lúcia Santaella, na pós-modernidade, “a cultura midiática propicia a circulação

mais fluida e as articulações mais complexas dos níveis, gêneros e formas de cultura, produzindo

o cruzamento de suas identidades”;1 assim, a animação parece-me sintomática de seu tempo pós-

moderno – afinal, vê-se em constante movimento entre e sobre diversas propostas de trabalhos

artísticos e comerciais e perde, assim, a noção de determinação de suas próprias fronteiras com as

demais linguagens. Ocorre a diluição de seu uso em outros processos não familiares a sua prática

comum, do modo que estávamos acostumados. É claro que esta diluição vem ocorrendo durante

um longo espaço de tempo e, agora, estamos vivenciando um período no qual é possível perceber

com certa nitidez as mudanças que a animação sofreu nos últimos anos.

1 SANTAELLA, L. (2003). Culturas e artes do pós-humano: Da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Pau-lus, p. 59.

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A tecnologia digital revigorou-a, no final do século XX, não somente no que se refere às

questões da estética do movimento animado, mas também nos processos de produção. Os pro-

gramas de animação tridimensional e os programas de interpolação de movimento de imagens

vetoriais, além de criarem novas questões sobre a imagem em movimento, também facilitaram e,

de certa forma, democratizaram a criação e a produção de obras audiovisuais deste tipo.

Portanto, a tendência contemporânea é a crescente produção de animação por um número

cada vez maior de profissionais e artistas de diversas áreas do conhecimento. É provável que cada

vez mais vejamos a animação utilizada na comunicação audiovisual. Trata-se da democratização

dos processos da animação ou, como nos explica Santaella, da mudança do papel de público para

o de produtor cultural2 exercido pelas pessoas – que possibilitou essa mudança tão drástica na

relação entre realizadores e público. Por este motivo, mais do que nunca, faz-se necessário o pen-

samento crítico e teórico sobre a linguagem da animação e seu desenvolvimento, já que, em seus

100 anos de existência, pouco se produziu neste sentido. Salvo algumas boas exceções, a grande

maioria da produção intelectual nesta área ficou restrita a estudos históricos, técnicos ou classifi-

catórios, principalmente no que se refere à animação produzida no computador.

É com o intuito de contribuir com o pensamento teórico sobre a animação produzida na

contemporaneidade que esta dissertação busca traçar um pensamento crítico sobre a produção

recente e celebrar realizadores e sua obras, que exploram e pressionam os limites da animação

com tudo o que lhes chega às mãos.

Mesmo diante deste universo de novas possibilidades que se apresentam, muitos animado-

res continuam produzindo com base em antigos moldes, utilizando-se dos computadores apenas

como potencializadores dos já tradicionais processos de produção. Por outro lado, há esta série

de criadores que vem produzindo animações digitais de forma exploratória e repensando a ani-

mação diante das novas configurações que se apresentam, dentro e fora do universo da animação,

como, por exemplo, Celia Eid e suas animações interativas não narrativas; Chris Landreth, com

sua exploração da imagem tridimensional; Mamoru Oshii, com a discussão das relações de ho-

mem versus máquina, expressa em longas animados de apuro técnico grandioso; Richard Linkla-

ter e Bob Sabiston e sua vetorização da vida; Mark Napier, com seus trabalhos colaborativos em

ambientes de rede; Hans Hoogerbrugge e sua animação de séries interativas; entre outros. Com

2 Idem, op. cit, p. 59.

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isso, aos poucos, a linguagem ganha novos aspectos, trava diálogo com outras linguagens e se

estabelece como um dos modos mais comuns de produção e comunicação audiovisual da con-

temporaneidade.3

É a partir da análise de alguns destes trabalhos, entre outros, e da produção de algumas a-

nimações durante o processo de elaboração desta dissertação, que se buscou a pesquisa e mapea-

mento das mudanças sofridas pela animação com o advento da tecnologia digital, em seu proces-

so de produção e com o surgimento de novos meios de comunicação digitais nos quais a anima-

ção pode ser vinculada.

O critério de seleção deste corpus levou em conta, em primeiro lugar, obras em animação

inscritas no âmbito do conceito de animação computadorizada, independentemente da área da

comunicação a que elas mais se vinculam. Isto implica que, para fazer parte deste corpus, as

animações deveriam usar de modo exploratório os recursos da computação. Em segundo lugar,

deu-se preferência a produções que se aproximam do chamado cinema de animação, ou seja,

animações que parecem seguir a linha evolutiva do desenho animado autoral e/ou da animação

experimental e, em alguns casos, do entretenimento. Com isso, exclui-se uma vasta produção de

animações relacionadas diretamente ao design e à publicidade, por exemplo.

Com a análise destas animações e posterior agrupamento de temas que surgiam aqui e ali,

chegou-se a três temas predominantes, que nos pareceram de extrema importância para a com-

preensão de aspectos distintos e importantes das mudanças desenvolvidas por esta nova anima-

ção. São eles: a animação nos meios de comunicação digitais, a imagem sintética da animação

computadorizada e a interatividade e o uso de código neste tipo de animação. Com isso, cria-se a

abrangência da pesquisa em três níveis – um mais referente à relação entre linguagem, meios de

comunicação e tecnologia; outro, em relação às qualidades da imagem em movimento resultantes

do processo de produção da animação computacional; outro ainda, relacionado diretamente à

matéria de construção da animação, no caso o código como fonte do movimento e suas implica-

ções. Estes três temas são explorados em três capítulos desta dissertação, tendo como ponto de

partida a análise das animações selecionadas: capítulos 2, 3 e 4.

3 A respeito do papel da animação na criação audiovisual contemporânea, ver capítulo 4, “Illusions”, de

MANOVICH, L. (2001). The Language of new media. Cambridge & Londres: MIT Press. E o ensaio de REYES, J. A. A. (2005), Entre la práctica artística y la experiencia fílmica: la animación como suspensión de niveles de realidad, exposição "Secciones Animadas" no Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia.

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As análises, no interior destes temas, são também divididas em assuntos importantes para

a compreensão da abrangência das mudanças proporcionadas pela animação computadorizada.

Com efeito, são discutidos assuntos como as animações cíclicas e vetoriais, as séries online, o

machinima; a imagem foto-realista, a suspensão de níveis de realidade e a meta-imagem na ani-

mação; a interatividade em narrativas animadas, a programação de comportamentos para o mo-

vimento, os movimentos colaborativos e autogenerativos; e, finalmente, a animação “ao vivo”.

O que será visto a partir daqui é um mapeamento analítico, crítico e abrangente sobre as-

pectos distintos destas novas possibilidades na animação, tendo como ponto fundamental a dis-

cussão do processo de realização das obras em questão e sua inserção nos meios de comunicação

digitais. Os trabalhos realizados e as animações analisadas, em sua maioria, estão disponíveis no

CD encartado a este volume. Os links de acesso às obras, caso tenham funcionamento online,

estão também disponíveis no mesmo local.

Antes disso, no entanto, fez-se necessária a reflexão a respeito do conceito de animação;

afinal, no título desta dissertação usa-se a expressão “animação computadorizada: a imagem em

movimento expandida nos meios de comunicação digitais”. Por este motivo, convém nos esten-

dermos um pouco sobre a discussão a respeito do problema epistemológico apresentado pelo

conceito de animação, hoje, além de sobre a conceituação de “animação computadorizada” e,

finalmente, sobre o que é “imagem em movimento expandida”.

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Capítulo 1

SOBRE O CONCEITO DE ANIMAÇÃO

Atualmente, ao se falar de animação, a grande maioria das pessoas parece compreender do

que se está falando, e, rapidamente, associa-a às produções dos estúdios Disney, Pixar ou Aard-

man, assim como àquelas assistidas em canais a cabo, como a Cartoon Network ou a Nickelode-

on. No entanto, não somente nestes locais mais comuns ao imaginário sobre a animação é que ela

está contida. Para as pessoas mais diretamente relacionadas ao uso do termo – seus artistas, pro-

dutores e pesquisadores – o uso da palavra animação abrange um conjunto muito maior de possi-

bilidades de realização. Ela é usada para qualquer tipo de imagem em movimento que não esteja

inserida na chancela do cinema ou do vídeo, ainda que, atualmente, seja difícil encontrar filmes

que não façam uso de efeitos especiais em algum momento; portanto, esta abordagem já se mos-

tra ineficiente logo na conceituação inicial. A quantidade de manifestações da animação é gigan-

tesca. Desde o motion graphic presente nos canais de televisão – como chamado no universo do

design – até as imagens animadas na internet, feitas em flash ou constituídas por simples gifs,

passando pelos desenhos animados de personagens vindos do cartum e, ainda, pelos trabalhos de

arte tecnológica, realidades virtuais, videogames, efeitos especiais no cinema comercial, além de

tantas outras manifestações que, na dúvida, são consideradas animação.

Durante seus mais de 100 anos de existência, diversos rótulos foram associados à anima-

ção. No Brasil, durante muito tempo, foi comum o uso da expressão “desenho animado”. O termo

até que dava conta, de certa forma, das manifestações mais conhecidas por aqui, geralmente as

animações asssistidas pela televisão. Com o tempo, usou-se em menor número, principalmente

entre especialistas e, no circuito dos festivais, o chamado “cinema de animação”, que dava conta

de abarcar as manifestações de diversas técnicas e a animação como arte, assim como o cinema.

Finalmente, nas últimas duas décadas do século XX, adotou-se ”animação”, este sim um termo

muito mais abrangente, usado indiscriminadamente para qualquer tipo de manifestação audiovi-

sual considerada não-cinema.

Em outros países, a escolha do vocabulário foi semelhante. No Reino Unido, até a segun-

da metade da década de 1960, usava-se cartoon, semelhante ao nosso “desenho animado”, para

designar aquelas produções voltadas ao público infantil. Com a chegada do filme Submarino a-

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marelo, a indústria cultural viu-se diante de uma manifestação de desenho animado com claro

apelo adulto, mesmo que isso viesse acontecendo já havia muito tempo, e passou a chamar toda

produção mais adulta e experimental de animation.4

Christiane Paul, em seu livro Digital Art, fala da animação como um “gênero que resiste

às classificações, muito pelo fato de misturar disciplinas e técnicas e de ainda existir no limite

entre entretenimento e arte”.5 A animação, surgida da mistura entre a técnica cinematográfica e o

desenho, classicamente relacionado às artes plásticas, sempre se apresentou nos limites das fron-

teiras entre arte, cinema e pura técnica artesanal. E hoje, com a dissolução de fronteiras entre os

próprios meios, mais do que nunca, ela sofre ao se posicionar como uma manifestação de carac-

terísticas próprias, sendo considerada, em muitos casos, uma prática presente em diversos meios.

A dificuldade de compreensão do que é a animação dá-se até mesmo entre seus artistas.

Dick Arnall, famoso animador britânico e uma das figuras que leva adiante a experimentação no

campo da animação, fala da dificuldade em abranger sob o mesmo termo experiências como as

animações da Pixar, um filme como Sin City6 ou as animações de seu projeto Animate!,7 devido

ao fato de que a própria prática de produção destas obras, por seus resultados finais, ser tão dis-

tinta, realizada para fins tão diversos. O autor propõe a “morte da animação”. Não daquela que

vemos, mas sim do modo como é chamada. Idéias como as de Arnall encontram eco em diversos

estudos desenvolvidos durante os últimos anos sob o impacto das novas mídias na prática da a-

nimação.8

O professor e curador Mark Langer parte da teoria de Francis Fukuyama9 de que a histó-

ria é composta de conflitos entre sistemas que competem, e de que a animação e o cinema eram

sistemas que competiam até pouco tempo atrás; afinal, o entendimento de ambos era construído

sobre a distinção entre a geração de imagem definida pela oposição entre um e outro, entre as

imagens geradas sem referente e as imagens indexais. Uma oposição entre um cinema indicial e

4 ARNALL, D. (2005). [online] Death to animation. Disponível em

http://www.animateonline.org/editorial/2005/08/death-to-animation. Acesso em 28/3/2007. 5 PAUL, C. (2003). Digital art. Nova York: Thames & Hudson, p. 110. 6 2005. Dir. Frank Miller e Robert Rodriguez, Troublemaker Studios. 7 Animate! é um projeto do Arts Council England e do Channel 4 Television, que financia projetos de animação

experimental no Reino Unido. http://www.animateonline.org/ 8 ARNALL, D., op.cit. 9 No caso específico, o autor está usando a teoria exposta no livro The end of History and the last man,

de Francis Fukuyama.

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um cinema simbólico. Com efeito, a partir do momento em que as tecnologias digitais tornaram

esta distinção entre os dois sistemas quase nula, já que não se pode mais diferenciar com precisão

quando uma imagem é referencial ou não, concretizou-se o fim da história de ambos, não devido

à supremacia de um dos lados, mas pelo surgimento de um novo sistema.10 Langer aponta, aqui,

para o cinema de filmes em que os efeitos especiais passam despercebidos pelo grande público.

São filmes nos quais é significativa a importância do estatuto de verossimilhança das imagens

animadas para que exista o efeito de construção perfeita de uma realidade, ainda que plenamente

ficcional. Assim é com os dinossauros de Jurassic Park, os vôos, saltos, lutas e cenários de Ma-

trix, as grandes batalhas entre gigantescos exércitos em O senhor dos anéis, ou mesmo com o

saco plástico flutuando ao vento de Beleza americana,11 e em incontáveis outros filmes.

Para compreendermos melhor o problema da conceituação da animação com o advento da

tecnologia digital, voltaremos um pouco no tempo e tentaremos buscar ao longo dele algumas

constatações que possam nos ajudar.

A idéia de animação tem sua origem embrionária nas pesquisas sobre movimento e sobre

a visão, datadas do final do século XIX, a partir do desenvolvimento de dispositivos óticos-

mecânicos, como a lanterna mágica, a câmara escura, o fenaquistoscópio, o zootroscópio ou as

experiências de cronofotografia de caráter científico de Étienne-Jules Marey e Eadweard Muy-

bridge, além do famoso Teatro Óptico de Emile Reynaud, um dos grandes responsáveis pelo es-

tabelecimento da animação quanto espetáculo. O desenvolvimento destas pesquisas seria impor-

tante para o surgimento do cinema e da animação, que, num primeiro momento, apresentam-se

numa progressão indistinta entre si, como se, precisamente, neste período da história, tanto um

como a outra fossem a mesma coisa. Somente haveria alguma distinção no momento em que os

cartunistas entraram no universo das imagens em movimento e desenvolveram o que conhecemos

hoje como animação. Naquela época, estes profissionais do desenho dominavam várias páginas

dos suplementos dominicais dos jornais, mundo afora, e se sentiram atraídos pela possibilidade

de fazer com que seus desenhos se movimentassem. Foi com os trabalhos inaugurais dos dese-

10 LANGER, M. (2002). [online] The end of animation history. Disponível em

http://asifa.net/sas/articles/langer1.htm. Acesso em 28/3/2007. 11 Sobre os filmes: Jurassic Park, 1993, dir. Steven Spielberg, Amblin Entertainment/Universal; The Matrix, 1999,

dirs. Andy e Larry Wachowski, Warner Brothers; O senhor dos anéis,, 2001, dir. Peter Jackson, Wingnut Films; Beleza americana, 1999; dir. Sam Mendes, Dreamworks, Cohen Productions.

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nhistas James Stuart Blackton, Emile Cohl e Winsor McCay12 que a animação ganhou vida e

tomou, então, um rumo diferente, porém paralelo ao cinema.

Enquanto nos Estados Unidos os desenhos eram animados em frente à câmera, na Alema-

nha e no Leste europeu, durante o mesmo período, foi a tradição das marionetes que despontou a

sua frente.13 Surgia o stop-motion – animação realizada com objetos tridimensionais, na mesma

prática do quadro-a-quadro dos desenhos animados. Mesmo que, com o stop-motion, fosse per-

mitido criar imagens animadas pela manipulação de objetos tridimensionais, e portanto físicos, o

termo animação servia para ambas as técnicas – o que nos leva a pensar que a animação era com-

preendida não pela imagem que era apresentada, mas pela natureza do movimento representado.

Afinal, o que distinguia a animação do cinema era o fato de que, no primeiro, construía-se o mo-

vimento pela manipulação quadro-a-quadro dos elementos a ser movimentados a partir de uma

síntese de um movimento previamente analisado, ou em processo de análise. Já o segundo cons-

truía o movimento a partir da captação de um movimento que ocorre por força própria, no qual a

câmera, num processo mecânico, é responsável pela síntese de um movimento não analisado.

Portanto, neste momento histórico, fica claro que o conceito de animação é construído a partir

desta diferença de modo de construção do movimento em relação ao cinema – o que permitiu

que diversas técnicas distantes do desenho fossem emolduradas no sistema da animação.

A partir de então, a animação foi expandindo seus limites. Apareceu em diversos traba-

lhos experimentais que passavam longe da lógica dos cartuns. Trabalhava-se no âmbito do expe-

rimentalismo abstrato, de materiais e suportes, de técnicas e conceitos da lógica do movimento.

Conquistavam-se espaços nas artes plásticas, na programação comercial e na pesquisa científica,

principalmente com a computação gráfica presente nos grandes centros de estudos em computa-

ção. Com o crescente acesso às tecnologias de produção, a animação tomou contato com diversas

outras áreas que pareciam distantes do universo da produção cinematográfica, e sua concepção

começou mudar aos poucos sem que percebêssemos.

As fontes teóricas sobre animação oferecem diversas respostas para a difícil questão do

real significado da palavra. Difícil, pois, se colocássemos três televisores, dois mostrando filmes

12 Os filmes inaugurais são, respectivamente: Humorous phases of funny faces (1906), Fantasmagoria (1908) e Little

Nemo (1911). 13 BARBOSA JÚNIOR, A.L. (2002). Arte da animação, técnica e estética através da história. São Paulo: Editora

Senac, p. 83.

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de cinema e um de animação, possivelmente qualquer pessoa saberia apontar qual deles é uma

animação (desconsiderando hoje as animações em computação gráfica de alta semelhança com a

realidade fotográfica); no entanto, quase ninguém conseguiria formular uma resposta compreen-

sível a esta pergunta.

Gene Deitch, um dos artistas remanescentes dos estúdios da UPA14, formula uma resposta

que considero a mais representativa do que se acreditou ser a animação durante muito tempo: “O

registro de fases da ação imaginada, criadas individualmente e de modo que atinja a ilusão de

movimento quando exibido num constante e predeterminado ritmo, ultrapassando aquele da per-

sistência da visão humana”.15

No entanto, Deitch deixa de fora desta formulação uma idéia do senso comum referente à

animação como gênero. E ainda coloca a persistência da visão humana como fator determinante,

ainda que saibamos, hoje, que o movimento cinemático não se dá por este fenômeno e sim por

outro, chamado phi, um fenômeno psíquico no qual duas imagens ligeiramente distintas, exibidas

uma após a outra, com um intervalo de tempo determinado, resulta em que a percebamos como

uma única imagem.16

Para Charles Solomon17, “a animação não é a arte dos desenhos que se movimentam, mas

sim a arte dos movimentos que são desenhados. O que ocorre entre cada quadro é mais importan-

te do que ocorre em cada um”

Dada a necessidade de avaliar a validade das diversas idéias relacionadas à animação du-

rante sua história, decidi juntar os elementos constantes nas formulações encontradas às idéias

sobre a animação presentes no senso comum, aqui representado pela definição de dicionários. Foi

montada, então, uma formulação geral, abrangente, em que a animação seria:

14 A United Productions of America foi um estúdio criado na década de 1940, famoso por seu estilo gráfico e pela

animação limitada que desenvolveu, em oposição ao estilo Disney, que vigorava na época. 15 DEITCH, G. (2001). [online] Animation – What the heck is it? Artigo publicado pela Animation World Network.

Disponível em http://mag.awn.com/index.php?ltype=cat&category1=Tutorials&article_no=630. Acesso em 15/5/2006. Tradução nossa.

16 VERNON, apud MACHADO, A. (1997). Pré-cinemas & pós-cinemas São Paulo: Papirus, p. 20. 17 SOLOMON, apud WELLS, P. (1998). Understanding animation. Nova York: Routledge, Taylor & Francis Group.

p 10. Tradução nossa.

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Gênero cinematográfico no qual se dá a ilusão de vida a imagens estáticas a partir da

movimentação artificial num processo quadro-a-quadro, pela sobreposição destas em relação

ao tempo.

Antes de continuarmos, faz-se necessária a explicação de alguns termos mais técnicos re-

lacionados ao processo de construção da animação presentes nesta formulação colocada, que se-

rão utilizados ao longo da dissertação. Na animação clássica, as imagens a ser sobrepostas em

relação a um tempo são chamadas “quadro”. “Quadro-a-quadro” significa que, para realizar a

animação, o animador deverá montar um quadro por vez, numa seqüência lógica do movimento

em relação ao tempo convencionado para que a ação se realize. Para efeitos de simplificação da

compreensão deste texto,convencionou-se pensar na relação 24 quadros para cada segundo de

animação. Esta escolha deu-se pelo fato de este número ser usado para as projeções cinematográ-

ficas em película. Note-se, no entanto, que ele pode variar conforme quesitos técnicos de cada

tecnologia empregada para a reprodução de imagem em movimento. Assim, na televisão, sistema

NTSC, utilizam-se aproximados 30 quadros por segundo. Nos sistema PAL, 25 quadros. Ainda

assim, muitos animadores escolhem relações temporais distintas de acordo com sua necessidade

e, posteriormente, convertem-na para os formatos de exibição. É o caso da animação publicitária,

por exemplo, que utiliza normalmente 15 quadros por segundo, ou de animadores independentes,

como Bill Plympton, que, para facilitar seu trabalho solitário, utiliza seis quadros por segundo.

Animadores que trabalham com web, normalmente, fazem suas animações em 12 quadros por

segundo.18

O uso da palavra “imagem” na formulação do conceito de animação, ao invés de desenho,

por exemplo, dá-se devido ao fato de existirem diversos tipos de animações com técnicas varia-

das. Portanto, nem sempre as animações são compostas de desenhos. Um claro exemplo disto é o

stop-motion, em que os objetos é que serão animados. Assim, a palavra “imagem” abrange toda

e qualquer imagem captada, seja de um desenho, de um boneco, ou mesmo de um ser vivo.

Voltemos ao conceito de animação. Comecemos a análise desta formulação logo pelo iní-

cio, ou seja, a animação quanto “gênero cinematográfico”. Muitas vezes, a animação foi compre-

endida como parte constituinte do cinema e, então, colocada como um gênero deste – conceito

18 A escolha de 12 quadros por segundo é considerada padrão em softwares como o Macromedia Flash.

15

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este vigente no senso comum. Assim como existe a comédia, a ficção, o drama, o film noir, o

western, o suspense, o terror, a comédia romântica, o épico etc, existiria também o gênero anima-

ção, fato que pode ser atestado até hoje em locadoras de filmes menos esclarecidas, ou em críti-

cas publicadas em jornais.

A construção dos gêneros usa como critério o conteúdo dos filmes, ou seja, depende da

constituição das narrativas. É verdade que, em alguns casos, um tipo específico de narrativa pos-

sui recursos visuais próprios, como é o caso do film noir ou do western. Portanto, poderíamos

pensar na construção dos gêneros a partir de dois critérios, o primeiro, mais importante, é a narra-

tiva (inclui-se aqui o conteúdo da história a ser contada e o modo como é tratado o tema). O crité-

rio secundário, portanto complementar, seriam os recursos visuais presentes.

Fica claro que a animação pode manifestar qualquer tipo de narrativa e, portanto, pode ser

qualquer um destes gêneros, ao mesmo tempo em que é animação. Apenas difere dos demais por

seus recursos visuais particulares. Esta distinção não ocorre somente quanto a estes, mas há outra

diferença que nos parece mais importante: o modo de realização cinematográfica, ou seja, o pro-

cesso de construção da imagem em movimento. Ainda que clara a não-adequação da animação às

estruturas do gênero, a idéia de animação como pertencente a este sistema cinematográfico ainda

permanece no senso comum. No entanto, percebe-se que a animação não se adapta aos critérios

estabelecidos pela lógica do sistema de gêneros no cinema como uma de suas possibilidades iso-

ladas.

Dando continuidade a nossa análise da formulação proposta, a idéia que segue é a da a-

nimação como “ilusão da vida”. De fato, o termo tem suas origens no início do século XX e vem

do latim animare, que significa “dar vida a”. No início dos anos 80, um célebre livro lançava e

confirmava em público a idéia de animação desenvolvida pelos estúdios Disney, reiterada pela

grande fama do estúdio norte-americano, tanto por suas produções comerciais como por sua pes-

quisa e desenvolvimento significativos no que se refere à técnica da animação. O conceito então

lançado por Ollie Johnston e Frank Thomas era de que a animação seria a ilusão da vida,19 o dar

vida ao inanimado. A idéia é que o artista-animador, por meio da manipulação seqüencial da i-

magem, criaria a ilusão da vida.

19 JOHNSTON, O. e THOMAS, F. (1995) The illusion of life: Disney animation. Nova York: Disney Editions.

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O conceito então tido como verdadeiro mostra-se insuficiente para abarcar todas as for-

mas de manifestação animada; afinal, basta lembrar que, no cinema, aquele mesmo, usado na

diferenciação à animação para efeitos de compreensão de ambos, é composto de imagens estáti-

cas, fotogramas, que, dentro do aparato tecnológico, constroem o movimento ao sintetizar a aná-

lise registrada anteriormente. Também a técnica da rotoscopia, na qual a animação é realizada

sobre material previamente registrado a partir de movimentos espontâneos, é considerada anima-

ção; no entanto não é o artista-animador que manipula a imagem quadro-a-quadro, da forma con-

ceitual pura, e sim a máquina. Há um processo intermediário, algo que, talvez, para aqueles que

acreditam neste conceito, tirasse a pureza da complexidade da linguagem da animação.

Levando-se em conta a pequena confusão entre idéia de ilusão de vida e a idéia de cine-

ma, chegamos então à noção de que esta ilusão de vida específica da animação seja dada pelo

fato de os animadores construírem as imagens que ganharão movimento a partir da análise do

movimento, num processo de escolha de momentos específicos necessários para o movimento,

pela sobreposição de momentos únicos, de poses que, colocadas em seqüência, dariam a ilusão de

movimento, já que, se usado o movimento espontâneo, teríamos o cinema.

Em seus comentários sobre A evolução criadora e Matière e mémoire de Bergson, Deleu-

ze afirma que a animação seria, assim como o cinema, composta de instantes quaisquer, de forma

oposta à idéia clássica do movimento construído a partir de momentos únicos, que resultariam na

ilusão do movimento. Afirma:

[...] se ele [o desenho animado] pertence inteiramente ao cinema é porque aqui o desenho não

constitui mais uma pose ou uma figura acabada, mas a descrição de uma figura que está sempre

sendo feita e desfeita, através do movimento de linhas e de pontos tomados em momentos

quaisquer de seu trajeto. O desenho animado remete a uma geometria cartesiana e não uma ge-

ometria euclidiana. Ela não nos apresenta uma figura descrita num momento único, mas a con-

tinuidade do movimento que descreve a figura.20

20 DELEUZE, G. (1985). Cinema 1: a imagem-movimento. São Paulo: Brasiliense, p. 14.

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Deleuze constata, então, que se o cinema, e, portanto a animação, não é movimento cons-

tituído de momentos únicos e sim de instantes quaisquer; ele “[...] não seria mais o aparelho aper-

feiçoado da mais velha ilusão, mas, ao contrário, o órgão da nova realidade a ser aperfeiçoada.21

Para os animadores, a idéia de instantes quaisquer pode parecer, a princípio, equivocada;

afinal, no ofício da animação, trabalha-se normalmente com o conceito de quadro-chave, prática

que persiste até hoje nos programas de animação computadorizada. Os quadros-chave são mo-

mentos especiais do movimento. São momentos de saída e de chegada, ápice ou base. Por exem-

plo, numa caminhada, os momentos de quadro-chave são: a posição em que a pessoa está mais

baixa e a que está mais alta; o momento em que o pé toca o chão e em que sai do chão; os ângu-

los máximos de abertura das pernas e braços; os momentos médios de transição entre

os extremos.

A princípio, parece-nos então que a animação é constituída de momentos únicos, de ins-

tantes especiais que constroem o movimento. No entanto, nem só destes instantes é feita a anima-

ção. Encontrados os momentos especiais, o passo seguinte na concretização de uma animação é a

construção dos desenhos intermediários.22 Aí, sim, a hipótese levantada por Bergson e compre-

endida por Deleuze parece correta; afinal, se a animação fosse composta de momentos únicos,

como pode parecer, haveria uma hierarquia das imagens na construção do movimentona qual as

imagens dos quadros-chave seriam mais importantes que as imagens intermediárias. Não é isso

que ocorre.

Os instantes privilegiados não são, na prática da animação, todos os 24 desenhos que

compõem um segundo de movimento; são somente aqueles momentos especiais, de síntese do

movimento sugerido. Digamos que sejam aproximadamentes 1/3 do total de desenhos. Os outros

2/3 são os desenhos intermediários. Se fizéssemos um teste para verificar a importância dos dese-

nhos e retirássemos apenas um deles da seqüência, descobriríamos que o movimento não se con-

cretiza ou, ao menos, algo fica fora de ordem. Portanto, todos os instantes que compõem o mo-

vimento animado são necessários. Não há uma hierarquia dos quadros no movimento construído.

Agora, sim, finalmente, chegamos à confirmação da hipótese colocada: a animação é composta

21 Idem, op. cit. 22 O método de animação aqui apresentado não é o único existente e sim o mais utilizado, conhecido como Pose to

pose. Existem outros como o Straight Ahead, em que não se utiliza o conceito de quadro-chave. Para informações mais precisas sobre os métodos, verificar WILLIANS, R. (2001). The Animator's Survival Kit. Nova York: Faber and Faber, pp. 61-69.

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do instante qualquer. Fica descartada então a idéia de ilusão da vida proposta pelos artistas da

Disney. O resultante de uma animação não é uma ilusão, é uma realidade com existência própria.

É com que parece concordar Maria Estela Graça, ao afirmar que “o filme estaria no mundo no

mesmo nível do espectador, tal como o mundo está no filme, naqueles que o observam e naqueles

que o fizeram. A expressão e a presença tomariam o lugar da representação”.23

Constatar isso é dizer que o cinema é muito mais que representação, é falar na imagem

como pensamento puro, na imagem com existência própria, fundada num sistema específico.

Sendo assim, a animação, assim como o cinema, seria capaz de criar novas realidades modifica-

das e, portanto, muito de nossos problemas quanto ao que seja a animação poderiam ser resolvi-

dos. Afinal, se não há diferença entre cinema e animação, pois ambos são compostos dos tais

instantes quaisquer, então a idéia formulada por Bergson e atualizada por Deleuze cabe perfeita-

mente em nossa atual compreensão de ambos os sistemas como um único, com base na qual fica

mais e mais impossível estabelecer a distinção entre o que é animação e o que é cinema. Desta

forma, um dos critérios mais amplamente difundidos e aceitos para a conceituação da animação

cairia por terra, pois a concepção que a diferenciava do cinema – que se tratava de uma criação a

partir da síntese do movimento, de uma ilusão da vida – não pode mais ser aplicada.

Então, restaria apenas a idéia de que o particular na animação seria a imagem em movi-

mento, produzida por um processo manual quadro-a-quadro. Neste sentido, os animadores são

exemplo de um antropocentrismo extremo, que vem perdendo força nas últimas décadas, mas que

teve importância significativa em boa parte do século passado. Os animadores, como manipula-

dores deste processo de quadro-a-quadro, muitas vezes colocaram-se como os criadores mais

puros, já que se acreditava que a animação dava vida às coisas. Movimentar é dar existência viva.

Animar, afinal, como se dizia, é “dar vida a”.

Ao longo dos séculos, o homem percebeu que já não é tão necessário para a existência das

coisas; sabemos, hoje, que não somos o centro, que não existe o gênio criativo. Se este sentimen-

to já faz parte de nossa cultura, não poderia ser diferente com a animação. Sintomático deste

tempo citado, a animação hoje também parece não depender tanto do gênio criativo do artista e, é

claro, que isso pode e deve ser relacionado também ao advento da tecnologia digital.

23 GRAÇA, M. E. (2006). Entre o olhar e o gesto: elementos para uma poética da imagem animada. São Pau-

lo:Editora Senac– São Paulo, p. 43.

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A pesquisa aqui apresentada pretende abranger um panorama das modificações sofridas

pela animação, hoje, com o advento da computação. Esse panorama será apresentado nos capítu-

los 2, “Animação nos meios de comunicação digitais”; 3 “A imagem sintética da animação com-

putadorizada”.; e 4, “Interatividade e código”. No entanto, antecipo resumidamente alguns tipos

atuais de animação que nos ajudam a compreender por que pensar a impossibilidade de compre-

endê-la como processo quadro-a-quadro, já que se trata de práticas de animação nas quais esta

relação foi modificada drasticamente. Identifico aqui apenas dois exemplos para ilustrar a ques-

tão: animações algorítmicas e a interpolação de movimento.

Animação algorítmica é toda aquela que, no âmbito da operação da informação digital, é

produzida a partir de rotinas autogenerativas – ou seja, os movimentos são produzidos a partir de

algoritmos matemáticos constituídos de regras especificadas pelo programador. Aqui, não exis-

tem quadros-chave, apenas uma rotina de um movimento com existência própria que obedece a

regras particulares e se movimenta por conta própria. Já na interpolação de movimento, processo

comum a todos programas de animação computacional, existe o quadro-chave. No entanto, con-

siste na produção automática, por meio da máquina, das imagens intermediárias aos quadros-

chave. Assim ocorre na computação gráfica tridimensional e na vetorial. Não é mais o artista

quem participa do processo quadro-a-quadro, mas processos internalizados na máquina são res-

ponsáveis por grande parte do trabalho.

Seriam estas consideradas animações? Mais uma vez, o senso comum aprova, e até mes-

mo animadores profissionais diriam que se trata de uma animação. Pois bem, parece-nos então

que, hoje, não se pode dizer que uma das características que diferencia a animação seja a opera-

ção quadro-a-quadro. Mais uma vez, nosso conceito é desqualificado.

Completamos, então, a análise do que conhecemos por animação nos antigos moldes. Per-

cebe-se que os problemas com o termo são muitos, e as dúvidas em relação a sua utilização ocor-

rem agora com força renovada, devido às novas possibilidades abertas pela computação. A ani-

mação, mais do que nunca, mostra-se tão amplamente usada e discutida nas mais diversas mídias

que a dificuldade que temos em conceituá-la parece até natural, já que, nitidamente, trata-se de

uma época de transição entre valores que definem as muitas áreas da comunicação.

Ainda que o termo se mostre incapaz de dar conta de todas as manifestações atribuídas à

animação, ainda assim, no título desta dissertação, utiliza-se o termo “animação computadoriza-

da”, haja vista a impossibilidade de se construir uma classificação melhor, já que nos encontra-

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mos em pleno processo de mudança. Com efeito, decidiu-se pela convenção, enquanto ainda po-

demos nos lembrar do que foi a animação. Acrescentamos a palavra ”computadorizada” com o

intuito de separar uma porção das manifestações que estejam trabalhando diretamente no ambien-

te computacional e que sejam apenas possíveis no âmbito de uma cultura digital, de rede, de có-

digo. A opção de não usar “animação digital” deve-se, principalmente, ao fato de que toda e

qualquer produção atual está inserida, de certa forma, no âmbito da tecnologia digital, seja na

finalização, na distribuição, ou na própria produção. O uso de “computadorizada” parece-me

mais diretamente ligado às características que serviram de critério para a escolha dos trabalhos

estudados neste espaço.

Utilizou-se também a sugestão dada de modo provisório por Dick Arnall, para se referir a

esta nova produção audiovisual: the extended moving image,24 ou, como se observa no subtítulo

deste trabalho, “a imagem em movimento expandida”.

O que se segue é um estudo analítico e crítico da abrangência das manifestações desta i-

magem em movimento expandida, que deve contribuir para a reflexão do que é a animação hoje e

do que pode ser da animação num futuro próximo. Antes de resolver qualquer problema sobre o

que seja, afinal, a animação, o texto que segue pretende lançar mais elementos nesta discussão.

24 ARNALL, D., op.cit.

21

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Capítulo 2

ANIMAÇÃO NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DIGITAIS

A tecnologia digital não só alterou a prática da animação, mas também permitiu o cresci-

mento exponencial de novos meios de comunicação digitais que vêm transformando a animação

em seus formatos e conteúdos. A cada novo meio que permite a utilização de relações espaço-

temporais, a animação adapta-se, para ser inserida, e hoje, quase sempre, temos sua

presença garantida.

Se, durante os 100 anos da história da animação escrita durante o século XX, ela esteve,

na maior parte do tempo, vinculada ao meio cinematográfico e, posteriormente, à televisão, a

partir do final do século, durante a década de 1990 e no início do século XXI, a explosão de for-

matos e novos meios fez com que fosse vista nas mais diversas mídias, em diversos usos. Mas o

que nos interessa aqui não é o modo pelo qual essa expansão ocorreu e sim as mudanças da ani-

mação devido às relações de mútua influência entre novo meio-tecnologia-linguagem, mesmo

que não saibamos a ordem pela qual estes três vetores entram em ação para efetuar uma mudança

significativa no que conhecemos como animação. A cada novo meio que permite a exibição de

animações e a cada nova tecnologia, percebe-se também uma mudança na linguagem. São aspec-

tos do movimento criado na animação que se tornam mais ou menos inclinados para cada tipo de

novo meio.

Definitivamente, um dos meios que mais apresentou novas formas da animação foi a in-

ternet, e devemos a ela, em grande parte, o crescimento da atenção dada à animação neste início

de século XXI.

Animações cíclicas: GIF animado

Uma das primeiras possibilidades da animação no âmbito da web foi o GIF25 animado.

Este tipo de formato de animação nada mais é do que um único arquivo digital de imagem no

25 Graphics Interchange Format. Formato de arquivo de imagem de alta compressão. Muito utilizado no início da

internet, principalmente por sua capacidade de reproduzir seqüências de imagens em ciclos, possibilitando a ani-mação.

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qual se armazenam diversas imagens que são apresentadas numa relação de tempo, ou seja, esti-

pula-se um valor para que o arquivo mude da imagem de visualização para a próxima imagem na

ordem estabelecida pelo animador, como se fosse uma rápida apresentação de slides temporizada.

O formato de imagens GIF permite o uso de até 256 cores e, portanto, necessita de poucos bytes

para ser construída. Com isso, e como no início do uso da internet a velocidade de transmissão

das informações era muito lenta, o formato GIF mostrou-se um modo eficiente de apresentação

de imagens em movimento nesse novo meio. As animações neste formato deveriam ser simples,

para que pudessem ser visualizadas mais facilmente, com maior rapidez.

Ainda que, hoje, a velocidade de transmissão de dados da internet esteja muito maior que

naqueles meses iniciais, algumas características do GIF persistem e nos permitem analisar com

maior precisão o que é a animação realizada neste formato, mesmo que, atualmente, o GIF seja

mais um recurso mantido por nostalgia daqueles que cresceram acessando a internet. Afinal, ou-

tros formatos permitem uma aproximação mais diversificada com a animação no ambiente

da web.

Alguns aspectos do GIF fazem com que ele tenha características muito próprias, que in-

fluenciam no processo de criação e na recepção. Se pensarmos no movimento criador, os forma-

tos de arquivos podem ser entendidos como matéria, compreendida aqui como “tudo aquilo a que

o artista recorre para a concretização da obra”.26 A matéria apresenta resistências, ou seja, limites

que se colocam como uma função dicotômica: a) oferecer barreiras para a concretização de um

projeto poético; e b) oferecer direcionamentos para a criação. O formato GIF apresenta suas limi-

tações materiais bem claras: usa 256 cores; é constituído de imagens bitmap27; trata-se de um

arquivo leve e de carregamento rápido; e, finalmente, é cíclico.

As animações cíclicas são aquelas que, ao final de seu movimento, retornam ao início

construindo assim um movimento contínuo, que tende ao infinito. Durante toda a história da ani-

mação,o movimento cíclico sempre foi usado e muito explorado. Em aparelhos como o fenas-

quistiscópio (1832), de Joseph Plateau,28 e o praxinoscópio (1877), de Émile Reynaud,29 o uso

26 SALLES, C.A. (1998). Gesto inacabado: processo de criação artística. São Paulo: Fapesp / Annablume, p. 66. 27 Mapa de bits. Tipo de imagem construída a partir da descrição de cada pixel que a constitui. 28 MANNONI, L. (2003). A grande arte da luz e da sombra: arqueologia do cinema. São Paulo: Editora Unesp,

p. 221. 29 Idem, op. cit., p. 361.

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de animação cíclica era extremamente necessário, já que se tratava de animações construídas com

poucos desenhos – 16 na primeira e 12 na segunda – e que, para ser visualizadas com maior rigor,

deveriam prolongar seu movimento por mais tempo, além, é claro, dos aparelhos funcionarem

numa lógica mecânica da roda.

Mais tarde, quando a animação invadiu os televisores e a concorrência no que se refere a

angariar o público infantil acirrou-se, houve a necessidade de agilizar o processo de produção das

séries animadas. Mais uma vez, recorreu-se às animações com movimento cíclico, pois, com

poucos desenhos, era possível criar um longo movimento que poderia ser usado livremente du-

rante todo o episódio e – por que não? –, por toda a série.

Para uma animação tornar-se cíclica, ela deve ser planejada para tal. O planejamento

consta em construir o movimento para que, ao final, ele se reinicie. Assim, em animações que

usam desenhos, o último desenho da seqüência deve ser o antecessor do primeiro, de modo que a

continuidade ocorra. Em animações interpoladas pelo computador, a posição final dever ser in-

terpolada para a posição inicial. É sempre assim: uma ligação animada entre a última parte do

movimento e a primeira.

O funcionamento dos arquivos em formato GIF é cíclico. Assim que a última imagem é

mostrada, volta-se para a primeira, continuamente. Mesmo que a animação não seja planejada

para ser cíclica, quando colocada num arquivo GIF animado ela será apresentada em relação de

continuidade. Deste modo, toda animação em formato GIF animado ganha uma característica: a

repetição. Os movimentos neste formato são sempre repetições e nos inclinam a assumir valores

relacionados a isto, como, por exemplo, o tédio, a rotina, o infinito, a teimosia, a obstinação e a

vida – afinal, esta é constituída de diversos ciclos: ciclos de procriação, sistemas orgânicos cícli-

cos como o respiratório, o circulatório, o digestivo, os ciclos das estações do ano e outros ciclos

na natureza.

A característica cíclica do GIF é uma resistência da matéria no processo de criação artísti-

co. Afinal, faz com que tudo o que seja criado nesta matéria receba características dela própria. O

interessante deste fato é o uso que o animador faz dessa característica, que invariavelmente estará

presente em sua animação.

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Em Corrimento,30 uma animação realizada para o projeto Calhau31 durante esta pesquisa,

a idéia do ciclo torna-se importante para a constituição do sentido do trabalho. A animação con-

siste em um banner32 em GIF e em Flash, que deveria se adequar às normas de visualização e

peso estabelecidas pelos sites participantes do projeto. Afora isto, bastava saber que os banners

seriam inseridos diretamente nos espaços ocupados pela publicidade, em páginas de serviços no-

ticiosos.Deste modo, a idéia de Corrimento foi trabalhar com as particularidades dessa mídia es-

pecífica e com a prática de acesso a este tipo de site.

Os banners animados são sempre cíclicos; afinal, trata-se de um objeto inserido em pági-

nas web com seu tempo de visualização dependente de sistemas de rotatividade inscritos no pró-

prio site ou do tempo de acesso estabelecido pelo visitante. Por este motivo, a animação realizada

é cíclica. Trata-se do desenho de uma silhueta humanóide vazada, centralizada e isolada. Aos

poucos, dois fios de sangue correm a partir de onde seriam suas narinas. Este sangue desce até a

base da silhueta e começa a preencher seu espaço vazado até que o complete, e, finalmente, a

silhueta se esvazia, retornando ao início.

A idéia, então, era subverter a mensagem publicitária realizando um banner que não ofe-

recesse nenhuma mensagem prática, direta. Trata-se de uma animação mais contemplativa, que

faz com que a curiosidade se volte para a revelação do que está ocorrendo, objetivando, assim,

mudar o tempo de visualização comum deste tipo de página informativa; ao mesmo tempo, tam-

bém chama a atenção pelo uso de cores claras e pela ausência de texto, já que as mensagens pu-

blicitárias em banners, normalmente, vinculam cores fortes e texto evidente.

A imagem criada dá lugar a reflexões investigativas narrativas. O motivo do sangramento,

a internalização ou externalização do corrimento etc. Aqui, a animação cíclica transforma a ação

em uma ação corriqueira: não se trata apenas da repetição da animação, mas da recorrência do

corrimento ad infinitum. A animação, no caso deste banner, possibilitou a criação de um trecho

narrativo que suscita questões, devido à criação de uma imagem misteriosa que não se resolve e

que se mostra recorrente. O resultado é um processo de contemplação e posterior angústia.

30 Esta animação pode ser encontrada na mídia encartada no final deste volume. 31 O Projeto Calhau é uma infiltração que ocupa os buracos da programação de anúncios de serviços noticiosos on-

line, com banners criados por artistas convidados. Mais informações em http://netart.incubadora.fapesp.br/portal/calhau

32 Formato de mídia publicitária comum à internet, já totalmente integrado às páginas web.

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Fig.1 - Alguns frames da seqüência da animação de “Corrimento”.

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Animações vetoriais: Flash

Outros formatos de igual importância também surgiram na internet, como as animações

em Flash. O Macromedia Flash é um programa de animação vetorial para internet lançado em

1996. Originalmente criado para o desenvolvimento de sites com animação interativa, o Flash

acabou sendo adotado pelos animadores que, antes, desenhavam no papel e se sentiram diminuí-

dos com a ascensão da animação em softwares 3D. Mais do que isso, o Flash passou a ser uma

ferramenta de acesso simplificado para uma multidão de pessoas que passou a realizar desde

pequenas animações para sites até experiências interativas, séries de animação online ou, mesmo,

produções tradicionais de animação, como filmes e séries para a televisão.

A rápida ascensão do Flash deve-se primeiramente, a meu ver, a seu pioneirismo no uso

de animações vetoriais; em segundo lugar, por seu modo intuitivo de lidar com a animação, com

ferramentas de fácil acesso e operações que permitem a facilitação do processo de criação

do movimento.

A utilização da imagem vetorial foi um modo inteligente de pensar uma forma de realizar

animações para a internet sem que fosse necessário o uso de pesadas imagens bitmaps. A imagem

vetorial é construída a partir de vetores matemáticos, ou seja, ao invés de termos uma imagem

construída a partir de informações pixel a pixel, temos uma imagem construída a partir da relação

entre pontos, de vetores que constroem a imagem. Ao invés de armazenar dados para cada um

dos pixels da imagem, o computador armazena informações de lógica de construção matemática,

possibilitando que o arquivo utilize uma quantidade de bytes muito menor. Já que se trata de uma

imagem matemática, possibilita também a modificação dessas imagens por meio da alteração de

valores destas informações lógicas.

O Flash foi responsável pela introdução de diversas ferramentas inovadoras para a anima-

ção 2D, mesmo que este não fosse o objetivo central dos produtores do software. O mais impor-

tante, certamente, é a interpolação automática de movimento em dois níveis: a interpolação de

objetos e a interpolação shape, na qual o software calcula as imagens intermediárias da animação

de formas se presta a uma estética da metamorfose. A interpolação trabalha com a lógica do vetor

e nada mais é do que a produção automática das imagens necessárias para criar um movimento

entre duas imagens de características distintas. Assim, é possível marcar apenas a posição inicial

e final de uma esfera, para que o software se responsabilize por marcar todas as outras posições

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intermediárias desta esfera e, assim, construa um movimento de acordo com o sistema

da animação.

Outro importante recurso disponível que se apresentou ao animador foi a ferramenta de

desenho do software. Com ela, os traços podem receber características que auxiliam na qualidade

do desenho. O traço, no momento de sua realização, pode ser automaticamente suavizado pelo

software que, ao reforçar as curvas e eliminar a linha quebrada, faz com que o desenho fique mais

arredondado e leve. O mesmo recurso pode ser mudado para que o traço, ao invés de reforçar as

curvas, reforce as linhas retas e quebras. Mesmo depois de o desenho ser realizado vetorialmente,

é possível ainda aplicar suavizações de curvas ou de retas, eliminar pontos, simplificar

a imagem etc.

Ainda pensando sobre os recursos do Macromedia Flash, dois itens merecem ser comen-

tados: a biblioteca de objetos e o ActionScript.33 Este último é uma linguagem de programação

orientada para objetos dentro do próprio software e integrada a produção de animações. Isso per-

mitiu ao Flash introduzir interatividade em suas animações 2D.

A biblioteca do Flash permite armazenar todos os objetos utilizados na animação para que

possam ser reutilizados sempre que necessário. Com o uso da biblioteca, o software faz com que

seus arquivos de animações sejam relativamente menores no que se refere à quantidade de bytes

utilizados. Afinal, um objeto guardado nela pode ser utilizado várias vezes, mas apenas armaze-

nado uma vez na memória do computador.

Apresentados os principais recursos disponíveis no Flash, basta lembrar agora do que ha-

víamos dito anteriormente ao falar do GIF: as mudanças ocorrem em três níveis sobrepostos –

meio-tecnologia-linguagem. Assim, estes recursos apresentados anteriormente não passaram ape-

nas como inovações no aprimoramento qualitativo e produtivo do processo da animação, mas

também influenciaram (ou foram influenciados?) por novos modos de pensar a animação, sua

adequação a novos meios e a novas possibilidades estéticas.

A verdade é que, depois do Flash, não podemos mais conceber a animação 2D da mesma

forma como a concebíamos no processo tradicional, mesmo sabendo que este já utilizava recur-

33 O ActionScript é uma linguagem de programação baseada na ECMAScript, linguagem fonte do também conhecido

Java Script, portanto são muito semelhantes em diversos aspectos.

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sos digitais, pois os softwares de aprimoramento do processo de animação já eram conhecidos

desde os anos 1980.

O uso do Macromedia Flash, com suas ferramentas de desenho e animação vetorial, para-

lelo à qualidade técnica dos novos meios (internet, principalmente) pode ser apontado como si-

multâneo a um fenômeno ocorrido na animação 2D e no cartum: a simplificação das formas, dos

movimentos, das cores e até das narrativas.

Os dois tipos de interpolação de movimento no Flash necessitam da simplicidade das

formas para melhor funcionar. Se a escolha é pela tradição da animação limitada e, portanto, pela

interpolação de objetos, os personagens devem ser separados por peças; então, seu desenho per-

mite formas mais regulares, imagens simplificadas. Se a escolha é pela interpolação de formas, os

desenhos devem também ser simples na forma, porém a quantidade de detalhes deve ser muito

menor. Os recursos de automatização oferecidos no processo da animação do Flash levam a um

design de personagens específico. Trata-se de adequações do design para o bom funcionamento

da lógica do software.

Assim, o comentado fenômeno acabou por criar um verdadeiro segmento na criação de

personagens. Chamado de design contemporâneo de personagens, este estilo surgiu a partir da

cultura dos ícones, pictogramas e infográficos, amplamente estudados pelos designers como as

formas mais simples possíveis de representar universalmente alguma informação.

A exploração desta simplicidade gráfica, reduzindo a imagem e o movimento a poucas in-

formações, é um dos assuntos mais interessantes do trabalho de Motomichi Nakamura.34 O artista

japonês radicado nos Estados Unidos, trabalha apenas com três cores: preto, branco e vermelho.

Há ausência de detalhes em seus personagens – aproximam-se muito dos pictogramas. A univer-

salidade da imagem criada por Motomichi permite que seu trabalho estenda-se por diversos mei-

os; assim, há manifestações suas em camisetas, pinturas, impressões em grande formato e anima-

ções. Sua produção de imagens em movimento difunde-se, indiscriminadamente, por videocli-

pes, games, vídeos promocionais, VJing35 e instalações em galerias de arte e festivais de novas

mídias.

34 No site do artista é possível visualizar seus diversos trabalhos: http://www.motomichi.com/. Acesso em

28/3/2007. 35 Motomichi apresenta suas animações como VJ em performances de mixagem de vídeo.

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As animações de Motomichi são realizadas no Macromedia Flash e, portanto, apresentam

muitas das características do software aqui comentadas. A forma simplificada de suas criações e a

ausência de detalhes permite o uso de interpolação automática de formas proporcionado pelo

software, ainda que o artista opte pela simplificação também da animação utilizada. Assim, os

movimentos gerados são sempre mínimos, por vezes intuitivos ou apenas sugeridos. Toda a ex-

travagância da técnica da animação e seus alongamentos e achatamentos, princípio da onda, ti-

ming, balanço, curvas de ação, antecipações, ações secundárias, impacto etc.,36 que têm como

função aproximar o movimento animado da “ilusão de vida”, são deixados de lado por Motomi-

chi, mais interessado no movimento mínimo, na ausência da sobreposição de níveis de significa-

do e na objetividade das ações.

Ao contrário da lógica da rápida legibilidade dos pictogramas, as animações de Motomi-

chi, apesar de simples no desenho e no movimento, tratam de assuntos complexos e normalmente

não dão respostas fáceis às questões escolhidas pelo artista. Em Evoë, série de quatro animações

concebidas para ser expostas em videoinstalação, o artista trabalha com ciclos que interpretam

quatro trechos do texto As bacantes, de Eurípedes. O ciclo ocorre sob sons produzidos pelo músi-

co Otto Von Schirach, enquanto o fragmento de texto escolhido é mostrado na parte inferior das

telas.

As relações entre textos e imagens são sutis, sugeridas, com exceção da terceira animação,

a mais narrativa das quatro, cuja relação com o texto é direta, mostrando claramente a representa-

ção de Dioniso iludindo Perseu a ir de encontro às bacantes, para ali ser mutilado pela fúria das

mulheres, incluindo sua própria mãe. Ainda assim, para aqueles que desconhecem a obra de Eu-

rípedes na íntegra, a compreensão da cena animada por Motomichi é percebida em outro nível,

pois é apenas relacionado ao texto exposto na própria animação. A relação direta deste texto com

as imagens animadas revelam a disposição do artista em explorar temas presentes na obra origi-

nal – como a perda do autocontrole, a derrota pela arrogância e dissimulação de intenções e sen-

timentos –, atualizando-os e afirmando-os como verdades atemporais ao colocá-los em ciclos

infinitos de imagens em movimento de construção simplificada, com pouquíssimas informações

visuais. 36 A técnica da animação e a explicação dos recursos para a criação da “ilusão de vida” foram amplamente explora-

das pelos animadores durante esse primeiro século de existência da linguagem e podem ser conferidas em livros clássicos como BLAIR, P. (1994). Cartoon animation. Tustin: Walter Foster Publishing;, e WILLIANS, R. (2001). The Animator's Survival Kit. Nova York: Faber and Faber.

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Fig. 2 - As quatro animações de Evoë. Na primeira, o nascimento de Dioniso; na segunda, a arrogância de Perseu; na terceira, Dioniso leva Perseu à morte pelas mãos de suas bacantes; e, na quarta, a crença nos deuses do Olimpo.

Todos os trabalhos artísticos em animação de Motomichi seguem esta poética, ou seja, o

artista esforça-se para resolver suas questões relacionadas a verdades inescapáveis ao homem

como ser social, como o medo, a violência, a dissimulação etc., a partir de sua estética auto-

imposta. Tal estética está diretamente ligada ao imaginário contemporâneo influenciado pelo de-

sign de sinalização e – por que não? –, pela própria prática da animação para novas mídias, em

ferramentas plenas de significado como o próprio Macromedia Flash. Manovich explica:

Um código também oferece seu próprio modelo de mundo, seu próprio sistema lógico, ou uma

ideologia; mensagens culturais posteriores ou linguagens inteiras criadas a partir dele serão li-

mitadas pelo acompanhamento deste modelo, sistema ou ideologia do mesmo código.37

37 MANOVICH, L. (2001). The language of new media. Cambridge e Londres: MIT Press, p.. 64. Tradução nossa.

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O que o autor procura explicitar é que a escolha de um software não segue apenas crité-

rios de ordem prática ou estética, mas também ideológicos. No entanto, não somente o software

apresenta seus valores, mas também as mídias. Assim, se, na afirmação de McLuhan,38 “o meio é

a mensagem”, o autor parece entender mídia e tecnologia como uma coisa só, Lovejoy, atuali-

zando a idéia ao afirmar que, na Net Art, conteúdo e contexto estão estritamente ligados,39 parece

considerar, com o uso da palavra “contexto”, tanto a mídia na qual a obra é apresentada como as

tecnologias empregadas na construção da obra.

É impossível dissociar uma obra de seu processo de realização e de seus meios de veicu-

lação. Estes fazem parte da geração do sentido da obra e contribuem para a compreensão do ato

criador, da criação e mesmo do próprio autor.

[...] o conteúdo de uma obra de arte é o resultado da colaboração entre um artista/programador e

o programa de computador, ou, se o trabalho for interativo, entre o artista, o programa de com-

putador e o usuário.40

Fig. 3 e Fig. 4 - As obras Walk e Drops, de Motomichi Nakamura, que exploram temas

como o medo e a impossibilidade de redenção. 38 MCLUHAN, M. (1964). Os meios de comunicação como extensão do homem. São Paulo: Cultrix, p. 21. 39 LOVEJOY, M. (2004). Digital Currents: Art in the Electronic Age. Nova York: Routledge, p. 223. 40 MANOVICH, L. Op. cit., p. 67. Tradução nossa.

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Em outro trabalho produzido paralelamente à pesquisa desta dissertação, alguns recursos

do Flash também foram explorados, mas principalmente seu uso para novos meios, no caso o

celular. Mobile preacher41 consiste de uma série de animações para celular. Os episódios são

construídos a partir da sobreposição de três elementos, basicamente: vídeos capturados com a

câmera do próprio celular, animações de personagens em Flash e o som de discursos históricos.

Os vídeos capturados são de objetos do entorno que remetem às formas típicas do personagem de

cartum. Geralmente, são elementos presentes no cotidiano que nos remetem a alguma caracterís-

tica da simplificação visual cômica, como, por exemplo sorrisos, orelhas, olhos etc. Estas ima-

gens são sempre capturadas em ambientes isolados. As formas dos personagens nos objetos são

identificadas por um desenho animado sobreposto ao vídeo. Trata-se de um desenho animado

vetorial que reforça a visualização do cartum na imagem capturada. Este personagem parece pro-

ferir um discurso escolhido.

Fig. 5 - À esquerda, uma imagem capturada com a câmera do celular.

À direita, a inserção da animação nesta imagem.

Os personagens então criados e inseridos na imagem capturada dão a impressão de esta-

rem no próprio entorno do aparelho celular. Falam diretamente à pessoa que o segura, por meio

do som de trechos editados de discursos históricos. Os trechos escolhidos são sempre descontex-

tualizados e seu recorte acaba transformando-os num discurso de consolo ou de aconselhamento

destinado ao espectador.

41 Esta animação pode ser encontrada na mídia encartada no final deste volume.

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No caso do episódio apresentado nas imagens acima, o discurso selecionado foi o de pos-

se do governo de John F. Kennedy, em 20 de janeiro de 1961. Segue-se o trecho do discurso:

“With a good conscience our only sure reward, with history the final judge of our deeds, let us go

forth to lead the land we love, asking His blessing and His help, but knowing that here on earth

God's work must truly be our own”.42

Esta animação foi pensada no âmbito da mobilidade. Seu sentido somente é construído na

manipulação cotidiana dos aparelhos de celular e na visualização da animação no próprio. A idéia

surgiu da observação de uma prática constante dos usuários deste tipo de aparelho: em momentos

de espera, solidão ou isolamento, recorre-se, cada vez com maior freqüência, aos aparelhos mó-

veis (celulares, handhelds), como a uma espécie de companhia, para passar o tempo, para suavi-

zar a espera. Olha-se a agenda, joga-se um game, tiram-se fotos etc. O aparelho torna-se um pon-

to de imersão.

Mobile preacher pretende ocupar esses momentos com a presença virtual dos personagens

e seus discursos, inseridos em detalhes de ambientes de isolamento; apesar disso, reconhece-se

sua inviabilidade, devido a seu caráter irônico.

O Flash é usado aqui para a construção das linhas definidoras deste personagem de car-

tum. Por meio das simples e limpas linhas vetoriais disponibilizadas pelo software, cria-se uma

sobreposição visível entre animação e imagem fotográfica, não deixando dúvidas de que se trata

de uma sobreposição artificial, dando assim sinais de seu caráter irônico. O software, enquanto

prática, permite também o armazenamento das formas desenhadas em sua biblioteca, principal-

mente para a sincronização entre imagem e discurso, por meio do uso de bocas distintas, que são

aplicadas conforme a identificação sonora das sílabas no discurso oral.

Aqui, vale anotar uma constatação de processo. Registrados nos mais diversos livros so-

bre a técnica da animação estão os procedimentos clássicos para a animação do chamado lip sync.

Trata-se de regras claras para fazer com que seu personagem fale de modo sincronizado com o

som. Normalmente, usam-se de 9 a 11 tipos de aberturas e articulações da boca para a construção

de qualquer diálogo.Vale lembrar que estas técnicas sempre determinam-se com base na prática

de animações para o cinema, em película fílmica a 24 quadros por segundo. No caso de Mobile

preacher, como se tratava de uma animação feita para celular, usou-se a quantidade de quadros

42 Discurso obtido em http://www.americanrhetoric.com/ . Acesso em 23/8/2006.

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por segundo usada atualmente nos vídeos reproduzíveis por esta mídia; neste caso, 8 quadros por

segundo. Com isso, ao aplicar a técnica do lip sync foi constatado que, a esta quantidade de qua-

dros por segundo, é possível somente marcar na imagem os sons mais fortes, que sabemos tratar-

se das vogais. Deste modo, houve uma adaptação da técnica para apenas cinco bocas de constru-

ção de diálogo, ou seja, para as cinco vogais.

As sobreposições construtivas – vídeo capturado pela câmera do celular, animação vetori-

al, cartum, discursos políticos históricos, visualização em aparelhos móveis – pretendem criar

uma espécie de crítica à prática de uso dos celulares e aos textos de auto-ajuda. Afinal, imprime

uma tentativa de criação de afetividade entre homem/máquina/espaço, ao passo que o que cresce

mesmo é a descartabilidade das tecnologias, relações e lugares.

O Flash tornou-se uma potente ferramenta de animação devido a sua adaptabilidade às di-

versas mídias, como o celular, por exemplo. Fica claro também que, hoje, a animação manifesta-

se numa diversidade incrível de locais, o que possibilita novas formas de produzir, criar e cons-

truir sentidos a partir da linguagem.

Séries animadas na internet

No mesmo ano em que surgiu o Flash, começaram a aparecer na internet diversas anima-

ções realizadas por pessoas normalmente sem experiência no processo de animação tradicional.

Eram designers e programadores que tinham fácil acesso e compreensão do software e que per-

ceberam as possibilidades de criação audiovisual com essa nova ferramenta e com um novo canal

de exibição possível para este tipo de produção. Com o tempo, as produções individuais foram se

profissionalizando e surgiu, então, uma grande quantidade de séries on-line. Algumas usavam a

internet como um meio para testar a popularidade, tendo como objetivo central a transposição da

série para a televisão. Essa transposição acabou nunca acontecendo.

A internet tem suas qualidades e limitações, que fazem com que as produções de anima-

ção realizadas neste meio sejam relevantes neste meio, exceto se forem recriadas e adaptadas para

outros usos. Assim, incontáveis séries surgiram e pereceram, passaram, repletas de uma efemeri-

dade comum às novidades das novas mídias. As ferramentas evoluíram, os computadores ficaram

mais potentes e a velocidade de troca de informação da web cresceu cada vez mais. As séries

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então de sucesso logo se tornavam antigas, limitadamente realizadas. É claro que muitos se per-

deram nas questões de como ganhar dinheiro com series online, e outros as utilizaram como port-

folios pessoais no âmbito da web, usando a popularidade como moeda de troca em

negociações offline.

No entanto, desta explosão de séries de animações direcionadas para a web e devido à ex-

ploração dos recursos do Flash descritos acima, surgiram diversas questões estéticas, processuais,

mercadológicas e de conteúdo que nortearam a produção de animação do final dos anos 1990 até

o recente início do século XXI. O que se segue é a discussão destas questões a partir de

alguns exemplos.

Um dos fatos mais claros surgirdos desta adoção do Flash como software de animação 2D

foi o retorno do uso e pesquisa da chamada animação limitada. Segundo John Halas,43 a anima-

ção limitada é um método econômico e rápido de produção de desenhos animados. Ela possui

algumas características como a redução do número de desenhos por segundo; a separação dos

personagens em partes que podem ser animadas separadamente; o uso de enquadramentos que

poupam áreas que deveriam ser animadas, como pernas num personagem andando, por exemplo;

o uso de sete bocas básicas para lip sync; e, como dito anteriormente, o uso de ciclos animados.

Basta olharmos para séries como Scooby Doo para percebermos que diversos movimentos

seguiam esta lógica e foram reutilizados durante toda a série. O estúdio responsável por essa sé-

rie, o Hanna-Barbera, foi um dos que mais usaram este tipo de recurso, tendo se tornado conheci-

do entre os profissionais como o estúdio que implementou a animação limitada em séries como

Flinstones, Jetsons, Manda-Chuva, Zé Colméia e Catatau, Corrida Maluca, entre outros.

Os recursos disponíveis no Flash, citados anteriormente, os problemas de velocidade de

transmissão de dados na internet e, ainda, a maior quantidade de produções individuais ou em

pequenos grupos, contribuíram para este retorno das técnicas da animação limitada de forma tão

intensa que o desenho animado, de modo geral, adotou a estética inerente a esse tipo de animação

como uma estética contemporânea.

Assim, os personagens tornaram-se mais geométricos, com divisões claras entre as partes

constituintes do corpo, para que fosse possível animar separadamente cada segmento e armazenar

na biblioteca as diversas partes que poderiam ser reutilizadas e recompostas em outras situações, 43 HALAS, J. (1990). The Contemporary animator. Londres: Focal Press, p. 48.

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ao longo da série inteira. As linhas de construção tornaram-se mais pesadas, para que a divisão

fosse clara. Os cenários voltaram a ser ricamente trabalhados, para que contribuíssem para um

enriquecimento da imagem na composição final. Voltou-se a utilizar muitos ciclos, diálogos, re-

cursos de câmera e enquadramentos econômicos. A grande maioria das animações de sucesso

produzidas em Flash seguiam esta fórmula, e não demorou para que outros meios assimilassem e

adotassem estética similar, mesmo que os processos de produção fossem outros. Deste modo,

com a popularização dos canais infantis de televisão a cabo como a Cartoon Network, a Nickelo-

deon, a Disney Channel, entre outros, a estética das animações produzidas em Flash segundo pa-

drões da animação limitada tornou-se padrão na produção comercial. Desenhos como Meninas

Superpoderosas, Du, Dudu e Edu, Padrinhos mágicos, Kim Possible, Bob Esponja, South Park,

entre muitos outros produzidos no início do século XXI, são emblemáticos desta estética influen-

ciada pelo uso da animação na web, especificamente por meio de animações em Flash.

Não só a necessidade de produção rápida com baixa infra-estrutura, por vezes até solitá-

ria, levaram ao surgimento desta segunda onda de animações limitadas, mas também os próprios

recursos oferecidos pelo Flash, discutidos acima, facilitaram seu ressurgimento. Com a bibliote-

ca, é possível armazenar as animações em partes separadas que podem ser reutilizadas a qualquer

momento. Para realizar a animação destas peças, a interpolação automática poupa muito trabalho,

pois trabalha bem com objetos determinados. A biblioteca ainda possibilita o armazenamento de

três tipos de objetos: gráfico, botão e clipe. Este último nada mais é do que a possibilidade de

guardar na biblioteca animações cíclicas, outra importante característica da animação limitada.

Um bom exemplo desta modalidade de animação, comum na internet na virada do século,

é Cinema Bulbo.44 Trata-se de uma série de animações online que utiliza um personagem com

um bulbo na cabeça. A série, ironicamente, utiliza a animação limitada tipicamente em Flash para

criar um visual que mistura os clássicos da animação em preto-e-branco, como os primeiros fil-

mes do personagem Mickey, de Walt Disney. Com isso, cria uma relação entre a precariedade

dos recursos do Flash (se observada do ponto de vista da animação tradicional, quadro-a-quadro)

e a precariedade das primeiras animações, precursoras e experenciais, da técnica desenvolvida no

decorrer do século, ainda que o uso dos recursos da animação limitada seja mais diretamente li-

gado à produção televisiva dos anos 1960.

44 As animações podem ser vistas em http://www.bulbo.com/

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Fig. 6 - Abertura e uma cena do episódio “Bulboland” de Cinema Bulbo, do animador por Xeth Feinberg.

Em Cinema Bulbo, o personagem principal passa por situações tipicamente exploradas

das animações precursoras do desenho animado, nas quais recorre-se a um humor inocente, já

que o personagem apresenta sempre uma visão positiva quanto a todos os problemas que enfren-

ta. Bulbo é colocado em situações exploradas pela produção cinematográfica da época, como

viagens a Pré-História, à praia, à floresta, a casas mal-assombrada, ao Egito etc. Todas as adver-

sidades que se apresentam são ultrapassadas com simplicidade e leve humor. No entanto, em al-

guns momentos, o autor lembra-nos de que não se trata de uma replicação das animações de épo-

ca, mas de uma apropriação irônica com o uso tecnológico vigente. Assim, em “Down & Out”,

Bulbo perde toda sua fortuna, aventura-se na realidade da miséria e acaba tendo uma idéia, em

uma visita a uma vidente: inventa a internet e, claro, tira patente. Em “Castaway”, Bulbo perde-se

e vai parar numa ilha deserta. Encontra, lançada ao mar, uma caixa vinda do estado norte-

americano da Flórida, cheia de votos “perdidos” para Al Gore, adversário de George Bush nas

eleições de 2000.

Em Cinema Bulbo, a exploração dos recursos oferecidos pela biblioteca e pelas ferramen-

tas de desenho do Flash é parte importante na construção do sentido da série, pois estes contribu-

em não só para o aprimoramento do processo de produção como para que o animador construa

esta interessante relação irônica entre as tecnologias da animação e a história.

Já em Stainboy,45 incursão do cineasta Tim Burton ao universo da animação online, uma

pequena série de seis episódios narra a história de um jovem super-herói que tem o poder de cau-

45 As seis animações da série podem ser vistas em http://www.atomfilms.com/films/tim_burtons_stainboy.jsp.

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sar manchas e é usado pelos órgãos públicos de Burbank para resolver casos especiais. A anima-

ção de Stainboy segue parâmetros semelhantes aos de Cinema Bulbo, como o uso da biblioteca

para o reaproveitamento de animações cíclicas. No entanto, o desenho é um pouco mais livre das

ferramentas do Flash, repleto de imperfeições próximas aos desenhos feitos à mão. Além disso,

há a exploração das animações de shape e de máscara para criar o efeito das manchas que carac-

terizam o poder do herói. O Flash realiza o processo de intervalar as formas das manchas por

meio da determinação de pontos de referência e de quadros-chave da animação.

Fig. 7 - Stainboy enfrenta Staregirl na famosa série de animações on-line de Tim Burton.

Mais uma vez, é o uso consciente e experimental da ferramenta correta proporcionada pe-

lo software que possibilita uma adequação perfeita entre a obra e o meio, em todos os sentidos,

seja na própria estética estabelecida pelas produções dominantes, seja no que que se refere às

necessidades técnicas ideais para atingir um público do meio em questão. Desta forma, Stainboy

mostra-se um excelente exemplo da exploração criativa das possibilidades de animação ofereci-

das pelo software e da consciência do meio e do tempo no qual está inserido.

A exploração dos recursos de software também levou ao conhecimento dos produtores de

obras em animação a possibilidade da criação de animações tradicionais para o novo meio. Atu-

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almente, com o aperfeiçoamento do software nas suas constantes atualizações (o Macromedia

Flash, por exemplo, comprado pela Adobe, encontra-se já em sua versão de número 8) e com o

aumento do acesso à banda larga na internet e aos periféricos de qualidade profissional a preço

acessível, caso dos tablets,46 a possibilidade da produção de animações 2D mais próximas da

técnica tradicional tornou-se fato.

Uma produção que ganhou fama na internet por conseguir uma abordagem muito próxima

da animação tradicional sem se furtar ao uso de novas ferramentas da animação computadorizada

foi a minissérie em 12 episódios Ninjai.47 Trata-se da história de uma criança espadachim extre-

mamente talentosa que vaga solitária por locais de natureza exuberante. Ao longo de seu percur-

so, acaba se defrontando com adversidades, principalmente com um líder de clã que nutre um

profundo ódio pelo jovem guerreiro. A animação raramente se utiliza de recursos da discutida

animação limitada. A construção do movimento dá-se pela técnica tradicional, quadro-a-quadro.

Os cenários são detalhados – imagens bitmap que nos lembram cenários típicos de animações dos

Estúdios Walt Disney. Até mesmo a linguagem cinematográfica é explorada a cada segundo da

animação, preocupando-se com elementos como a montagem, enquadramentos, movimentos de

câmera etc.

Devido à exploração de todos estes recursos, os episódios de Ninjai ocupam muitos bytes

de memória e, portanto, levam mais tempo do que o normal em séries para internet para serem

carregados nos computadores. Ainda assim, o tamanho não é tão elevado e, com o aumento pro-

gressivo da largura de banda do acesso a internet e simultâneo crescimento da exploração da a-

nimação tradicional nos softwares de animação para web, a série, de certa forma, parece ter sido

pioneira neste tipo de exploração e, talvez, tenha se tornado referência para a fase seguinte da

animação na internet, que vem surgindo modestamente – a de animações mais elaboradas, volta-

das às técnicas tradicionais.

Outro fator interessante de ser observado em Ninjai é o fato de a série não apresentar um

autor. As animações e toda a produção são sempre apresentadas como realizadas pelo “Ninjai

Gang”. Nas poucas informações a que se tem acesso sobre o grupo, principalmente no próprio

site da série, sabemos que ele é formado por pessoas de diversas localidades e que não se trata de

46 Mesas digitalizadoras que tornam possível usar uma caneta para desenhar diretamente no computador, sem inter-

médio do papel e do scanner. 47 A série está disponível em http://www.ninjai.com.

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profissionais do mercado da animação, mas de pessoas que possuem empregos bem distintos e,

nas horas vagas, produzem a série.

Fig. 8 - Ninjai – Uso de cenários detalhados em bitmap e da tradição da animação quadro-a-quadro.

Produções deste tipo tornaram-se mais freqüentes na medida em que a internet possibili-

tou a comunicação e troca de informações digitais em âmbito mundial. Com isso, a criação cole-

tiva passou a ser possível também e realizada com grande facilidade, mesmo a distâncias geográ-

ficas continentais. O estabelecimento de coletivos tão necessários às grandes produções e mesmo

de interesse contemporâneo na relação e sobreposição de habilidades e conhecimentos tornou-se

simples, de fácil alcance e muito utilizado em diversas produções de animação computadorizada.

Consciência do meio e do tempo pode ser vista também nas animações e trabalhos de

Ckoe.48 A série Itching Hands, auto-intitulada, “animações de dez segundos”, foi realizada entre

2002 e 2005 para a internet e, posteriormente, tornou-se disponível para celulares. Trata-se de 69

animações feitas em Flash, com situações resolvidas em apenas dez segundos. A escolha por uma

duração padrão é uma imposição processual que, à medida que limita as narrativas a cenas, obri-

48 O as animações da artista podem ser vistas em seu site: http://www.ckoe.net/

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ga a artista a resolver as animações dentro de um formato específico que exclui diversas outras

possibilidades.

Mais do que apenas uma imposição narrativa e estética, trata-se de uma questão técnica e

do meio. Afinal, animações de dez segundos dificilmente ocupam tanto espaço em bytes; portan-

to, torna-se de fácil acesso na internet. Além disso, o formato é propício para uma visualização

inserida nesse cotidiano que nos dá a sensação de ser cada vez mais acelerado e ocupado.

A escolha de adequação ao meio resultou, no caso de Ckoe, em interessantes abordagens

para a animação. Na maior parte dos episódios, temos apenas pequenas ações, que se prolongam

por cerca de sete segundos e, nos três segundos finais, sofrem alguma interrupção ou resolução.

No máximo, chegamos a pequenas cenas. Toda a série poderia ser assumida como animações de

situação, que resultam em acontecimentos fantásticos, como no episódio 4, “Nature”, em que o

personagem é devorado por um pequeno passarinho; humor nonsense ou negro, como em 12,

“Magician”, no qual um mágico aparece magicamente para realizar um número de serrar uma

mulher ao meio; o número não dá certo e o mágico some novamente; ou simplesmente constituí-

das de um ato cotidiano, banal, como um suspiro de satisfação no episódio 18, “I’d wish...”.

No episódio 5, “Old lady”, uma senhora caminha lentamente em seu andador em direção a

uma casca de banana localizada no chão, logo à frente, em seu percurso. O clichê de desenhos

animados está pronto. No entanto, o episódio termina antes da chegada da senhora na casca de

banana; afinal ela anda muito lentamente e os dez segundos de animação não são suficientes para

que ela cumpra todo o movimento imaginado. A seqüência prolonga-se para o próximo episódio,

no qual, mais uma vez, Ckoe utiliza uma inversão de clichê. Em 6, “Banana”, a senhora aproxi-

ma-se da banana. Quando chega bem perto, a banana ganha vida e começa a dançar.

Fig. 9 - Episódios 5, “Old lady”, e sua continuação 6, “Banana”, da série Itching hands.

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As soluções encontradas por Ckoe para resolver seus dez segundos são conjugadas em

três elementos que constituem o sentido de cada episódio: a animação, o som e o título. Assim,

em 25, “Unfortunate”, um rapaz prepara-se para um espirro. Quando o espirro chega, ele é impul-

sionado para trás. A câmera corrige para o lado onde o rapaz se deslocou, para revelar que seu

impulso o levou a ser perfurado pelo bico de um grande pássaro. Então, despreocupado, assovia.

A associação da animação, reforçada pelo som das fases do espirro e depois pelo assovio ganham

sentido quando associados ao título – unfortunate, em português, poderia ser compreendido co-

mo infelicidade. Esses três elementos juntos são responsáveis e complementares para a criação do

efeito cômico desejado, inscrito nos dez segundos estabelecidos como unicidade da série.

Fig. 10 - Seqüência do episódio 25, “Unfortunate”.

A série Itching hands de Ckoe é mais um exemplo de uma cuidadosa abordagem da lin-

guagem da animação nos novos meios; afinal, a autora utiliza os recursos disponíveis na lingua-

gem e nas ferramentas de animação computadorizada sem deixar de lado a preocupação com o

meio no qual ela será exibida, demonstrando uma familiaridade com a prática cotidiana de utili-

zação dos novos meios. Mais uma vez, é a relação entre ferramenta, meio e linguagem que resulta

em novas e interessantes abordagens para a animação.

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A animação vinda dos games

A presença da animação e da linguagem cinematográfica nos games possibilitou também

o surgimento de um fenômeno que parece ser precursor de uma prática a se tornar comum, nos

próximos anos, nos meios comerciais: a produção de animações (e por que não de cinema?) a

partir de imagens construídas no interior dos games. Trata-se do Machinima.

O Machinima é o cinema produzido em tempo real em ambientes 3D virtuais. Trata-se da

mistura da animação, do cinema e do game development.49 Os filmes são gravados em tempo

real dentro dos ambientes dos games por meio do registro da imagem. Por isso, há a necessidade

da interpretação de atores virtuais (manipulados ou não por jogadores), cenários, câmeras, diálo-

gos, efeitos sonoros, edição, como no cinema tradicional. Este tipo de cinema existe há aproxi-

madamente dez anos e diversas das suas comunidades online divulgam-no e ensinam a realizá-

lo; estas também exibem centenas de novas criações que aparecem a cada dia na internet.

Um dos Machinima mais conhecidos é Red vs Blue.50 Trata-se de uma série de Machini-

ma que utiliza o game Halo51 como fonte de geração de imagens. Para produzi-lo, os autores u-

sam o game em sua versão multiplayer,52 com diversas pessoas participando do game ao mesmo

tempo. Um dos participantes ganha o papel de câmera, enquanto os outros são os atores. A ima-

gem da tela daquele será registrada para que seja posteriormente editada e transformada em um

filme. Neste caso, Red vs Blue é uma mistura de ação teatral, ao vivo, com a interpretação e tra-

balho corporal de figuras virtuais dependentes tanto da habilidade dos jogadores em movimentá-

las como do conjunto de animações já prontas e internalizadas no game, programadas pelos ani-

madores, assim como pela própria estrutura comportamental do ambiente no qual estão inseridos

– ainda acrescida da linguagem cinematográfica presente nas escolhas de visualização da imagem

do game e em sua manipulação pelo jogador. O resultado, ao menos no exemplo citado, é uma

animação de movimentos claramente programados, sem uma grande variedade de opções de atu-

ação, na qual o roteiro e a edição ganham importância expandida para sobrepor-se à simplifica-

49 Machinima.org. Disponível em http://www.machinima.org/ . Acesso em 15/3/2007. Sobre o game development,

ver Capítulo 4: Interatividade e código. 50 A série Red vs Blue pode ser vista em http://rvb.roosterteeth.com/home.php. 51 A primeira versão de Halo é datada de 2001 para o console Xbox. Criado pela Bungie Software. 52 Os games multiplayer são aqueles que possibilitam, por meio da conexão em rede, que diversos jogadores partici-

pem do game ao mesmo tempo, no mesmo ambiente virtual.

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ção das imagens, o que se pode observar se forem utilizados critérios de avaliação de um cinema

de massas.

Fig. 11 - Red vs Blue – No Machinima, a estética da

animação acaba sendo a estética dos games.

A prática do Machinima já foi assimilada pela indústria dos games e, hoje, suas empresas

incentivam a produção de obras desse tipo por meio de sua divulgação em sites especializados e

em promoções de lançamentos. Um bom exemplo é o game The movies.53 Trata-se, em primeiro

plano, de um simulador de estúdios de cinema hollywoodianos. No entanto, dentro do próprio

game, há a possibilidade de se produzirem os filmes de seu estúdio a partir de critérios estabele-

cidos pelo jogador, como o roteiro, a escolha dos atores, figurino, direção de atores, operação de

câmera, edição, direção de arte etc. Neste caso, a riqueza de elementos prontos e a possibilidade

de sua customização permitem a criação de filmes mais complexos que os criados em Red vs

Blue, por exemplo, ainda que restritos pela dinâmica do jogo, que, por mais que apresente uma

grande maleabilidade, ainda assim restringe-se a um universo específico dimensionado pela pro-

gramação de animação e de comportamentos. Mesmo assim, no caso de The movies, a idéia de

interpretação dos papéis é deslocada totalmente para a programação, com possibilidades de aces-

so a um banco de movimentos para os personagens, conforme o tipo de cena, filme, clima etc. 53 Lançado em 2005 pela Activision e Lionhead Studios.

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A proliferação do Machinima na internet levanta questões pertinentes ao futuro tanto da

animação quanto do cinema e pode ser um primeiro sinal de um tipo de audiovisual que, em mé-

dio prazo, poderá vir a ser padrão da indústria do entretenimento. Trata-se de um cinema feito

inteiramente no computador, a partir de modelos já prontos, tanto de atores como de cenários,

movimentos, assim como de ferramentas que reproduzem os elementos padrão da linguagem e do

processo de produção cinematográfico. Este audiovisual permanece numa deriva entre a anima-

ção o cinema e o videogame. Apesar de ser live-action, como os americanos costumam chamar os

filmes gravados em tempo real, ao vivo, é totalmente gerado a partir de animações prontas, e sua

interface, estética e criação de ambientes, remete diretamente ao universo do videogame.

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Capítulo 3

A IMAGEM SINTÉTICA DA ANIMAÇÃO COMPUTADORIZADA

As primeiras experiências humanas com a imagem em movimento deram-se a partir de

desenhos. Os aparelhos ótico-mecânicos como o fenasquistoscópio de Plateau, o estroboscópio de

Stampfer, o praxinoscópio de Reynaud, todos eles, eram baseados na animação pelo seqüencia-

mento de imagens desenhadas. Mas até então o cinema propriamente dito ainda não se manifes-

tava. Mais tarde, com a vinculação do processo fotográfico à construção do movimento, princi-

palmente pelas pesquisas de Muybridge e Marey e, depois, com as máquinas de captura dos

Lumière e Thomas Edison, cada vez mais o interesse voltou-se para o que viria a ser o cinema

fotográfico, de captação da imagem de um “real empírico”.54 A animação somente se desvincula-

rá do cinema no momento em que as pesquisas com o movimento criado a partir do desenho ga-

nhem força, principalmente com a curiosidade de alguns cartunistas do final do século XIX e

início do XX, que sentiram a necessidade de que suas criações se movimentassem e se tornaram

pioneiros no desenvolvimento da linguagem da animação.

A imagem construída na animação é proveniente de distintas naturezas. Se compreender-

mos a produção das imagens a partir da idéia dos três paradigmas discutidos por Santaella,55 i-

magens pré-fotográficas, fotográficas e pós-fotográficas, poríamos afirmar que a animação pos-

sui, em sua maior parte, uma produção artesanal, construída a partir da observação dos movimen-

tos naturais interpretados em desenhos, e portanto teríamos um pensamento pré-fotográfico. No

entanto, para que o montante de imagens artesanalmente produzidas fosse visualizado numa rela-

ção temporal, o que permite que exista o movimento, era necessária a mecanização do processo

de projeção destas imagens. Para tanto, fazia-se necessário o registro fotográfico de cada um dos

desenhos na película fílmica, para posterior reprodução.

Apesar de se tratar apenas de uma parte do processo de mecanização necessário para a vi-

sualização da imagem em movimento, a máquina de registrar essas imagens, no caso a câmera de

cinema, possui, internalizada em seu mecanismo, uma série de conceitos que de uma forma ou de

54 SANTAELLA, L. e NÖTH, W. (1997). Imagem: cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras, p. 167. 55 Idem, op. cit., p. 157.

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outra acabam transformando o desenho antes confeccionado em algo novo.56 Com efeito, a partir

do registro da animação desenhada quadro-a-quadro, os desenhos recebem os valores da câmera e

podem ser modificados por ela na medida em que ela é utilizada para enquadrar, movimentar-se,

aproximar-se, distanciar-se etc.

É verdade que não só de desenhos é feita a animação. No caso da animação stop-motion,

por exemplo, a captura e enquadramentos das imagens dão-se mais claramente no momento do

registro dessas imagens pela câmera; portanto, de certo modo, parece se tratar de uma animação

mais fotográfica que aquelas com desenhos, ainda que não deixe de lado o aspecto artesanal, com

a confecção de bonecos ou o próprio processo quadro-a-quadro.

As imagens construídas no processo de animação passam pela suspensão do automatismo

da funcionalidade do registro da imagem pela câmera.57 Assim, se no cinema todo o automatismo

da máquina-câmera é utilizado para a captação do movimento, na animação é sua suspensão que

permite sua construção. A manipulação da imagem dá-se principalmente antes do registro foto-

gráfico no processo da animação, enquanto, no cinema, principalmente com a edição, há uma

manipulação posterior a captação – mais voltada para a narrativa e para o sentido dado às ima-

gens. É verdade que na animação também há edição e que, de uma forma ou de outra, no cinema

também há manipulação por diversos fatores muito conhecidos e difundidos, como a presença de

atores com ações ensaiadas, cenografia, trucagens, enquadramentos, movimentos com a câmera

etc. A presença da câmera já é uma forma de manipulação da imagem em movimento.

Um bom exemplo para pensarmos sobre esta questão é a técnica do pixilation. A técnica

consiste na animação de seres humanos, em que o animador manipula atores posicionados adian-

te da câmera utilizando-os como verdadeiros bonecos de animação de carne e osso, alterando

suas posições e registrando quadro-a-quadro o movimento animado. Esta técnica é plenamente

explorada e difundida pelos animadores Norman McLaren em seus filmes Neighbours, e A chair

tale,58 e por Jan Svankmajer em Jídlo59. No resultado final da imagem em movimento, o que

diferencia uma animação nesta técnica de um filme é apenas a estranheza dos movimentos, nor- 56 A idéia de internalização de conceitos na máquina fotográfica é de Vilém Flusser e pode ser mais detalhadamente

compreendida em FLUSSER, V. (2002). Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotogra-fia. Rio de Janeiro: Relume/Dumará.

57 GRAÇA, M. E. (2006). Entre o olhar e o gesto: elementos para uma poética da imagem animada. São Paulo: Editora Senac– São Paulo, p. 144.

58 1952 e 1957, respectivamente. 59 1992.

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malmente distantes da realidade físico-motora. A natureza da imagem captada tanto em um quan-

to no outro é a mesma; no entanto, o que ocorre é a manipulação anterior à fotografia, quadro-a-

quadro, no caso do pixilation. É a construção artesanal do movimento em contrapartida à cons-

trução automatizada pela câmera no caso do filme cinematográfico. Deste modo, apesar das se-

melhanças na imagem, uma obra produzida em pixilation não deixa de ser uma animação.

A animação computadorizada é considerada hoje como uma linguagem que trabalha com

imagens no paradigma pós-fotográfico. Isso significa que, para serem produzidas, não necessitam

mais de um referente material. Com efeito, nem mesmo seu suporte é material, muito menos físi-

co-químico e maquinal como na fotografia, mas se trata de um suporte cuja base é a estreita rela-

ção entre computador e tela de vídeo, mediados por sistemas abstratos, modelos preestabelecidos,

algoritmos. Não opera sobre uma realidade física, mas sobre um substrato simbólico: a informa-

ção.60 As imagens da animação computadorizada, principalmente aquela realizada nos softwares

3D, mas também as dos softwares de animação 2D vetorial, são imagens independentes de fato-

res externos, ausentes do espaço perceptivo. Elas são criadas e animadas a partir de abstrações

matemáticas; apesar da ilusão que temos, ao manipular estes softwares, de que estamos operando

diretamente sobre a imagem, na verdade, ao deslocar um elemento da imagem, por exemplo, es-

tamos nos valendo de um modelo matemático inscrito no software, ainda que este possa ser mo-

dificado.

Basta entendermos que o substrato dessa animação computadorizada é um modelo.

A modelização consiste em criar um objeto virtual, definido matematicamente no espaço-

tempo do computador, criado pela mente a partir de juízos perceptivos (conceito de objeto) e

códigos de representação e não como percepção visual. Trata-se de construir imagens conceitu-

ais, nas quais o ponto de vista vem por último, ao contrário da fotografia.61

Este tipo de animação e sua produção imagética, mais do que representação de um movi-

mento visualizado, trabalha com a lógica dos movimentos, seus valores, suas regras. São movi-

mentos conceituais. Mas o que isso muda realmente na imagem que vemos da animação compu-

tadorizada? O que diferencia essa daquelas outras construídas no quadro-a-quadro da câmera

cinematográfica?

60 SANTAELLA e NÖTH, op. cit., p. 166. 61 PLAZA, J e TAVARES, M. (1998). ProcessoscCriativos com os meios eletrônicos: poéticas digitais. São Paulo:

Hucitec, p. 40.

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É verdade que os softwares de animação 3D (mas também os de animação 2D, que hoje já

adotam sistemas similares) usam elementos conhecidos de anos de desenvolvimento da fotografi-

a, cinema e animação, e que, muitas vezes, parecem-nos tão-somente ferramentas de aprimora-

mento de formas já antigas de produção. Afinal, grande parte das estruturas da linguagem cine-

matográfica está lá, como as câmeras, iluminação, enquadramentos etc. Até mesmo filtros que

simulam lentes, profundidade de campo, limitações fotográficas se mostram presentes. Estes

softwares produzem imagens baseadas na perspectiva clássica, na linguagem cinematográfica, na

fotografia. Seus movimentos respeitam as afirmações da física. Tudo isso criado a partir de mo-

delos matemáticos. Manovich simplifica perfeitamente isto ao falar da cultura visual contempo-

rânea: “[...] a cultura visual da era da computação é cinematográfica em sua aparência, digital em

sua matéria e computadorizada em sua lógica”.62 É exatamente assim que se comporta a anima-

ção computadorizada: seu lado visível é de influência cinematográfica, sua matéria não é palpá-

vel, de natureza digital e, finalmente, suas bases construtivas são da lógica matemática. Ainda

assim, mesmo com uma grande influência de outras linguagens, algo de novo acontece com a

imagem em movimento desta animação computadorizada que a distingue das formas anteriores

de sua construção.

Deste ponto, partimos para duas possibilidades de construção dessa imagem em movi-

mento que a diferencia das formas precedentes: a aproximação incondicional à realidade fotográ-

fica e daí ao hiper-realismo e, a suspensão de níveis de realidade.63

Imagem foto-realista

A cada ano, a animação 3D fica mais próxima da experiência cinematográfica. A imagem

produzida nos softwares chega a tal grau de perfeição que em diversos casos, ao observar uma

imagem, ficamos na dúvida se se trata de algo capturado pela lente de uma câmera ou construída

62 MANOVICH, L. (2001). The language of new media. Cambridge e Londres: MIT Press, p. 180. Tradução nossa. 63 Suspensão de níveis de realidade é uma designação de Juan Antonio Alvarez Reyes em REYES, J.A.A. (2005).

Entre la práctica artística y la experiencia fílmica: la animación como suspensión de niveles de realidad. Texto da exposição “Sesiones Animadas” do Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia. Madri, 2005.

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totalmente no computador. A verdade é que hoje, recursos de animação são utilizados em filmes

comerciais sem qualquer ligação com o universo da fantasia ou da ficção científica. Busca-se um

realismo fotográfico para suprir deficiências do aparato de captação cinematográfico, ou para

facilitar a construção de imagens dificilmente alcançáveis por meios tradicionais. Assim, é co-

mum o uso da computação gráfica na construção de cenários, animais ou em objetos de difícil

manipulação física. É claro que nos filmes fantásticos torna-se possível o movimento absurdo,

como um salto que alcança a altura de um prédio. É possível, com a computação gráfica, constru-

ir uma imagem perfeitamente verossímil. É possível até mesmo simular efeitos, ou defeitos, do

aparato cinematográfico para que a imagem se torne mais parecida com a experiência fílmica.

A verdade é que, ao ter como fonte de construção da imagem, o que chamamos anterior-

mente de modelos, principalmente na animação computadorizada, torna-se possível uma maior

aproximação com a “realidade empírica”, já que não somente buscam-se as características do

visível, mas também os conceitos abstratos que regem aquela realidade. Deste modo, se a ima-

gem fotográfica é dita realista, a imagem da computação gráfica poderia ser chamada de hiper-

realista.

A imagem sintética é livre de limitações da visão humana ou da câmera. Ela pode ter resolução

e nível de detalhes ilimitados. Está livre de efeitos de profundidade de campo – conseqüência

inevitável do uso de lentes - assim tudo sempre está focado. Ela também é livre de granulações

tanto da película cinematográfica quanto da percepção humana. Suas cores são mais saturadas e

suas linhas nítidas acompanham a economia da geometria. Do ponto de vista da visão humana,

ela é hiper-real. E ainda assim é completamente realista. A imagem sintética é o resultado de

uma visão diferente, mais perfeita que a humana.64

A possibilidade de criação de imagens hiper-realistas em movimento é o principal fator

que faz com que hoje não possamos distinguir com certeza absoluta a natureza de uma imagem.

O cinema, de captação, fica praticamente indistinguível da animação, como discutido no capítulo

“Sobre o conceito de animação”. “O genuinamente cinematográfico teria visivelmente acabado, e

isto seria assim por já não ser possível distinguir entre imagens naturais ou de síntese.”65

64 MANOVICH, op. cit., p. 202. Tradução nossa. 65 GRAÇA, op. cit. p. 46.

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Dahucapra Rupidahu, uma animação de apenas sete minutos apresentada ao público em

2004 e dirigida pelos então estudantes Thibault Bérard e Vincent Gautier, conta de forma docu-

mental a história de um típico animal que habita regiões montanhosas, em picos. Os animais são

uma espécie de cabra que, por caminhar a vida toda nos picos e se movimentando horizontalmen-

te, acabaram por desenvolver as duas patas de uma das laterais do corpo maiores que as outras

duas. É claro que tal animal não existe. Quase todo o filme é construído em animação, incluídas

as as cabras, que são personagens modelados no computador e animados. A imagem é tão seme-

lhante à realidade fotográfica que passamos a acreditar na existência do animal. O tom documen-

tal também reforça a ilusão. Apenas próximo ao final o filme, começam-se a apresentar situações

progressivamente cômicas e, então, percebemos que se trata de uma ficção.

Esta animação trabalha muito bem com os conceitos discutidos anteriormente, sobre o hi-

per-real. A semelhança com a realidade fotográfica é tão intensa que, em por boa parte da anima-

ção, cremos naquela imagem, confundimos realidade fotográfica com realidade empírica. Con-

fundimos animação com cinema de captação. Acreditamos que tais animais realmente existam.

No caso, os autores usam esta qualidade da imagem sintética para criar, em primeiro lugar

a credibilidade da imagem vista pelo espectador. Depois da imersão do espectador no texto do-

cumental, aos poucos se cria um efeito de descoberta que causa nele uma reação bem-humorada,

por ter sido iludido, ou de auto-estima, por ter descoberto tudo antes dos outros espectadores.

Fig. 12 - Dahucapra Rupidahu. Realismo fotográfico na animação.

A animação hiper-real não deve ser compreendida apenas como uma forma de suporte à

imagem cinematográfica de captação analógica. Ela deve ser vista como uma possibilidade de

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“captar a estrutura das coisas da natureza, ampliando nossa consciência de realidade”.66 A ima-

gem em movimento da animação computadorizada possibilita uma compreensão maior das estru-

turas do real; ao mesmo tempo, sua existência estremece os alicerces que sustentam nossa crença

na imagem fotográfica e na nossa própria noção de realidade. É aí que nos cabe começar a falar

da citada “suspensão de níveis de realidade”.

Suspensão de níveis de realidade

O curador da exposição Sesiones Animadas,67 Juan Alberto Álvarez Reyes explica:

A que contribui a utilização da animação? Para começar, suspende, em elevado grau, a realida-

de e faz com que o espectador adentre em um mundo diferente, o desarmando de suas preven-

ções sobre a ordem das coisas e permitindo não só a fantasia, a fabulação ou a ficção, mas tam-

bém através dela e ante a queda de barreiras por parte do público, facilita a introdução do sim-

bólico.68

Ao falar deste modo sobre as possibilidades que a animação oferece, sabemos que Reyes

não está apenas se pronunciando sobre a animação computadorizada, mas sobre a animação como

um todo, da animação enquanto prática. No entanto, se pensarmos neste conceito de suspensão de

níveis de realidade da imagem em movimento produzida em tecnologia digital, depois da discus-

são do hiper-real, realizada anteriormente, chegaremos à conclusão de que a possibilidade de uma

hiper-realidade traz também a possibilidade da criação de novas realidades modificadas totalmen-

te verossímeis, já que, como afirma Manovich, “além da aparência visual, a simulação nas novas

mídias pretende modelar realisticamente como os objetos e os humanos agem, reagem, se mo-

vem, crescem, evoluem, pensam e sentem”.69

Explicando melhor: na animação computadorizada, não só nos preocupamos com o como

o movimento das coisas irá aparecer visualmente, mas também com qual é a lógica deste movi-

mento, quais são os conceitos que regem este corpo em movimento, quais as resistências e forças

envolvidas naquele ambiente, como será a reação deste corpo nos encontros inevitáveis com ou-

66 PLAZA e TAVARES, op. cit., p. 35. 67 Cf. nota no 63. 68 REYES, op.cit., p. 5. Tradução nossa. 69 MANOVICH, op.cit., p. 182. Tradução nossa.

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tros etc. Assim, a imagem da animação computadorizada é uma imagem não só preocupada em

assemelhar-se com um movimento, mas também em entender esse movimento a partir das abstra-

ções que o regem. Deste modo, a verossimilhança dessas realidades criadas na animação compu-

tadorizada é de um grau superior às animações “analógicas”, já que muitos outros fatores são

explorados além da visualidade do movimento.

Aliás, pela primeira vez, neste texto, foi citada a palavra “simulação”. Sabemos que a i-

magem da computação gráfica é uma imagem deste tipo. Para Julio Plaza e Mônica Tavares,70 a

imagem sintética da computação gráfica é uma simulação, pois se trata de uma representação sem

referente. Este tipo de imagem, ao ser construída a partir da modelização dos objetos, “adquire

todo o potencial de evocação e significação do mesmo objeto, e portanto, de mediação simbóli-

ca”. Assim, a simulação possui informações não verificáveis, já que não possui referente e, por-

tanto, não é verdadeira, mas verossímil.

Assim sendo, a imagem da animação computadorizada é uma imagem de simulação que

modela conceitos de realidades empíricas, possibilitando a construção de novas realidades veros-

símeis. A suspensão de níveis de realidade.

Hoje, já não é incomum encontrarmos produções, mesmo as comerciais, que exploram es-

sa criação de realidades verossímeis a partir da animação computadorizada. Os maiores exemplos

são filmes que ainda usam atores, mas que buscam em diversos outros elementos a construção de

uma realidade própria ao universo do filme. São elementos como a cenografia, os movimentos de

objetos e personagens, os enquadramentos, os efeitos especiais, a câmera, a cor, a fotografia etc.,

que fazem com que atores de carne e osso filmados em fundo verde sejam inseridos em realida-

des totalmente distintas daquela à qual pertencem.

Um dos exemplos mais interessantes é Sin City, filme de Robert Rodrigues e Frank Miller

lançado em 2005. Baseado nas graphic novels do próprio Frank Miller, o filme posiciona-se en-

tre uma conflituosa relação da linguagem dos quadrinhos com a linguagem cinematográfica. O

que se tentou realizar foi a tradução mais próxima possível das histórias desenhadas por Miller

para o cinema, de modo que foi necessário um constante processo de negociação entre as duas

linguagens, que acabou resultando num filme extremamente contemporâneo e talvez paradigmá-

tico para a compreensão do atual estado da arte do cinema e da animação.

70 PLAZA e TAVARES, op. cit., p. 49.

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O que temos em Sin City é a construção de uma realidade específica por meio da compo-

sição de animações, efeitos especiais, finalização e filmagem com atores de carne e osso. Trata-se

de um mundo em preto-e-branco, de contrastes extremos, no qual apenas algumas cores destacam

a originalidade de certos personagens, como, por exemplo, a prostituta Goldie, com seus cabelos

dourados e lábios vermelhos que a fazem ser a mulher que se destaca naquele universo mono-

cromático. Ou o Assassino Amarelo, cujo terrível odor está simbolizado em sua pele amarelada.

Muitos são os filmes lançados na atualidade que lidam com a criação de realidades verossímeis,

como, por exemplo, Sky Captain and the World of Tomorrow,71 Casshern,72 Avalon,73 entre mui-

tos outros.

Fig. 13 - Sin City. Imagem segue a visualidade dos quadrinhos.

Mas a suspensão de níveis de realidade não ocorre somente em filmes com atores. Exis-

tem diversos casos de animação, hoje, que poderiam ser compreendidos como bons exemplos da

criação de universos particulares por meio da animação computadorizada. Uma das animações

contemporâneas mais ousadas é Ghost in the shell 2: Innocence.

Lançado em 2004 e dirigido por Mamoru Oshii – famoso diretor japonês de animes, res-

ponsável pelo já clássico Ghost in the shell, e outros como Avalon e PatLabor – em Ghost in the

shell 2: Innocence, baseado no mangá homônimo de Shirow Masamune, o diretor arriscou. Além

de o texto possuir dezenas de citações, o filme apresenta roteiro nebuloso, diálogos complexos, 71 Lançado em 2004, com direção de Kerry Conran. 72 Lançado em 2004, com direção de Kazuaki Kiriya. 73 Lançado em 2001, com direção de Mamoru Oshii.

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mistura de animação computadorizada com tradicional, além de pouco se referir à tradição japo-

nesa de animação.

O filme começa com uma citação retirada do livro de um escritor francês do século XIX,

Villiers de L’isle-Adam, L’Eve future:74 “Se nossos deuses e esperanças não são nada além de

fenômenos científicos, então devemos dizer que nosso amor igualmente o é”. Esta é apenas a

primeira das muitas citações que aparecerão durante o filme, de Descartes a Milton, dos Grimm a

Confúcio, Salmos, Darwin, Shelley etc. Sempre frases proferidas pelos andróides, personagens

principais do filme. A idéia da construção por citação é um resgate do texto Villiers. Lá, a an-

dróide Hadaly possui um fonógrafo no peito, em lugar dos pulmões, onde mantém gravados diá-

logos, frases e palavras que serão usados na construção de seu discurso. Esta citação de abertura

já dá sinal do assunto tratado pelo diretor no filme que se segue. Mamoru Oshii explora de forma

densa o efeito intelectual causado pela constante evolução tecnológica das máquinas em relação

ao homem e suas implicações.

Para tal, levanta diversas questões relacionadas, como a responsabilidade e o apego às cri-

ações tecnológicas, questionando a prática comum do abandono das tecnologias ultrapassadas –

as pessoas no filme livram-se de seus andróides (seres dotados de um tipo de inteligência) quando

um novo modelo é lançado. Há uma cena em que a população, numa espécie de ritual social,

queima em uma grande pira seus andróides antigos. Isto nos lembra que, talvez, num futuro não

muito distante, teremos de lidar com o apego emocional a seres vivos artificiais, questão discuti-

da por Eduardo Kac em seu trabalho GFP Bunny75, ao levantar a polêmica do coelho modificado

geneticamente, tratado como animal de estimação.

Indícios deste problema do apego já podem ser percebidos hoje, no cotidiano. Afinal, es-

tamos estritamente dependentes de equipamentos eletrônicos responsáveis por processos impor-

tantes da natureza humana, como a memória, e, no entanto, livramo-nos facilmente de um equi-

pamento em benefício de um novo lançamento. Será que nosso descaso com os produtos da tec-

nologia é o que nos faz sustentar nossa importância como seres humanos num universo composto

inteiramente de informação? Deve se perguntar o diretor de Ghost in the shell 2: Innocence.

74 Existe uma versão deste livro traduzido para o português: A Eva futura. São Paulo: Editora da Universidade de São

Paulo, 2001, com tradução de Ecila de Azeredo. 75 Sobre a obra de Eduardo Kac vale consultar seu site pessoal em http://www.ekac.org/gfpbunny.html

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Outra interessante questão relacionada ao tema central do filme é a necessidade humana

da multiplicação, da criação de um semelhante. Em determinado momento, um hacker que já não

possui corpo físico profere um discurso para os dois principais personagens do filme, o andróide

Batou e cyborg Togusa, levantando a idéia de que o único conforto humano está na duplicação de

si mesmo, desde a criança brincando com bonecas de modelos humanos, passando pela procria-

ção até o desenvolvimento de andróides à imagem humana. O humano acredita na duplicação

como meio para entender sua própria existência. Isso nos lembra o assunto tratado anteriormente,

da animação computadorizada como tentativa de compreensão de uma realidade a partir de sua

simulação em imagens em movimento. Também nos lembra de um dos assuntos centrais da tec-

nologia digital: a capacidade de multiplicação sem original, o que leva a questões da negação ao

direito de autor, por exemplo.

Fig. 14 - Um dos andróides de Ghost in the shell descartado por seu antigo proprietário.

O diretor, certamente, está ciente das implicações destes assuntos tratados em seu filme na

linguagem da animação. A técnica utilizada foi a mistura da animação tridimensional – para ce-

nários, efeitos especiais, câmeras, animação de objetos e veículos – e da animação tradicional em

2D, desenhada, para os personagens, ainda que o tratamento dado a essa animação seja também o

digital. Na animação destes personagens, buscou-se uma realidade de movimentos, mesmo que o

modelo de personagens seja o oriental. Neste ponto, percebe-se que ocorre uma ocidentalização

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dos traços, tornando o filme mais internacional e dando sinais do distanciamento do universo

padronizado do anime desejado pelo diretor. A animação dos personagens abdica das particulari-

dades e características mais marcantes da animação desenvolvidos ao longo dos 100 anos de sua

história – como o exagero e o deslocamento extremo da realidade física –, para construir este

todo, levando em consideração a linguagem cinematográfica e o movimento real, assim permitin-

do um alto nível de credibilidade construída. Os movimentos dos personagens são muito próxi-

mos aos movimentos captados pela câmera de cinema, com um equilíbrio perfeito entre pesos,

deslocamentos e intensidades de velocidade.

Os cenários recebem tratamento semelhante. No entanto, a técnica selecionada é a da a-

nimação tridimensional. As escolhas estéticas beiram o realismo fotográfico, mas a imagem digi-

tal é usada para a construção de realidades expandidas. O filme trabalha com quatro localidades,

principalmente: a cidade, a visão a partir de veículos voadores, a mansão do hacker e o navio. A

cidade lembra facilmente o tipo de futuro explorado em Blade Runner, filme de 1982, de Ridley

Scott (Ghost in the shell passa-se aproximadamente em 2030). Trata-se de uma cidade escura,

repleta de letreiros luminosos, úmida. O visual é noir, carros de design dos anos de 1940 e 1950,

arquitetura nova-iorquina. Esta cidade, de visual denso, é construída pela computação gráfica

numa sensível relação entre realidade fotográfica e desenho. O resultado é uma imagem que se

relaciona perfeitamente com o design dos personagens e seus movimentos animados, que, por sua

vez, parecem, no que tange à animação tradicional, buscar valores conceituais iguais aos busca-

dos com a animação tridimensional nos outros elementos do filme. É o que se pode ver também

nos cenários do navio.

Já nos outras duas localidades, temos uma construção um pouco distinta. Nas cenas onde

os personagens estão voando em veículos, a construção dos cenários de cidades vistas de cima

lembra a arquitetura industrial, mas totalmente abstrata. Batou, o andróide, fala, ao olhar para a

cidade do alto: “Se a essência da vida é a informação que se espalha através dos genes, sociedade

e cultura não são nada mais que sistemas de memória gigantescos”. Depois acrescenta: “[...] a

cidade é um imenso dispositivo de memória externalizada”. A idéia de uma cidade como memó-

ria externalizada pode também ser levada em conta dentro da mansão do hacker.. Lá, os cenários

flertam diretamente com a tecnologia digital. A imagem é mais nítida, nosso campo de visão é

expandido. Existe um nível de detalhamento muito elevado. As cores são luminosas. O tempo lá

dentro é parado; os pensamentos, cíclicos. Parece uma grande memória imóvel, armazenada. Não

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é à-toa que se trata de uma construção do próprio hacker, que parece fundido neste espaço virtu-

al. Dentro de sua mansão, perdemos a consciência de realidade, e a animação tridimensional usa-

da neste caso é elemento importante para a construção desta qualidade da imagem no interior

da mansão.

Fig. 15 - Dentro da mansão do hacker, o tempo é estático. As imagens transbordam seu caráter digital.

O que estou querendo demonstrar aqui, com a descrição e breve análise do caso de Ghost

in the shell 2: Innocence, é que a animação computadorizada contribui significativamennte para a

construção destas realidades verossímeis. No caso deste filme, em particular, as questões levanta-

das são potencializadas pelo uso da computação gráfica e se valem desta construção estética e

pragmática de um universo funcional para elevarem suas questões a uma relação entre textos,

imagens e construção cinematográfica. A imagem em Ghost in the shel 2l: Innocence é de tal

modo crível que a construção de um todo76 dá-se de modo extremo, não somente como a criação

de uma realidade aperfeiçoada, mas como uma realidade particular com funcionamento e dinâmi-

ca próprios e complexos.

Ghost in the shell 2: Innocence é um filme muito denso. Ao construir um filme em ani-

mação, buscando uma proximidade com o cinema e com o realismo fotográfico, mesmo que ape-

76 A imagem cinematográfica como construção de um todo pode ser vista em DELEUZE, G. (1985). Cinema 1: a

imagem-movimento. São Paulo: Brasiliense.

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nas no que se refere ao movimento, ele está nos querendo mostrar mais do que uma direção de

arte eficiente. Está completamente ciente das novas configurações observadas na pós-

modernidade e sabe construir uma imagem forte o suficiente para mostrar que a animação, assim

como outras linguagens, mudou e passa por um processo emergente, no qual nos perguntamos, a

cada momento, qual o papel do homem e qual o da máquina na construção da obra. Ao final, ao

colocar um humano adulto, uma criança segurando uma boneca, um andróide e um cão clonado,

todos se olhando num silêncio arrebatador, Mamoru Oshii termina, em uma cena singela, com

uma questão ainda maior: Somos capazes de compreender/aceitar nossa verdade como

seres humanos?

Em 1999, os artistas Pierre Huyghe e Phillipe Parreno iniciaram um projeto chamado No

ghost just a shell, uma alusão clara ao filme de Mamoru Oshii; no caso o primeiro Ghost in the

shell, de 1996, também um filme de extrema importância, já que se tornou um sucesso no Oci-

dente, apesar de tratar de um tema complexo, precursor das questões tratadas em Innocence e

importante também para a animação, como um dos primeiros a usar com sucesso a sobreposição

entre animações 2D e 3D. No Ghost just a shell, teve início com a aquisição de um modelo 3D de

uma personagem vendida por uma empresa japonesa especializada na confecção de personagens

para o mercado publicitário e de entretenimento. Os artistas compraram o personagem, uma garo-

ta adolescente com orelhas élficas, por apenas US$ 482, e a denominaram AnnLee.

A comercialização de modelos tridimensionais é uma prática comum na indústria da ani-

mação, afinal possibilita uma aceleração do processo de produção, já que uma das partes mais

complexas da construção da imagem digital tridimensional é a criação de um modelo de persona-

gem funcional. Isso esboça uma possível prática futura de compra e venda de modelos inteligen-

tes, se algum dia viermos a ter uma inteligência artificial muito próxima à mente humana. A ver-

dade é que hoje os modelo são vendidos vazios. São concepções visuais e funcionais totalmente

sem profundidade existencial, sem “alma”. São cascas vazias.

No filme de Mamoru Oshii, a alma seria o Ghost do título e a o corpo artificial, a shell. O

filme todo, resumidamente, gira em torno da personagem da major Motoko, um andróide que

tem dúvidas a respeito de que sua inteligência seja uma alma. No fim, acaba se juntando a uma

consciência e tornando-se um ser livre do Shell. Na obra de Parreno e Huyghe, o que temos é um

modelo comprado, uma casca sem alma, um No ghost just a shell, que ganha profundidade exis-

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tencial na medida que seu modelo é disponibilizado para que outros artistas o usem livremente.

As imagens resultantes do uso de um modelo tridimensional são praticamente infinitas, já que é

possível manipulá-las através do código. AnnLee foi ganhando traços de personalidade e uma

existência a cada obra em que era usada.

A personagem adquiriu uma profundidade existencial quando, finalmente, o último passo

para sua ascensão foi dado: os artistas decidiram libertá-la, pois havia sido comprada, e os direi-

tos de uso eram de posse da dupla. Para tanto, os direitos foram transferidos para a própria perso-

nagem, selando assim sua vida. – afinal, ninguém mais poderia produzir algo a partir de seu mo-

delo –, mas ao mesmo tempo libertando-a, dando-lhe existência própria.

Os artistas transformam uma espécie de brincadeira (comprar um personagem e disponibi-

lizá-lo para os amigos usarem) em um complexo enigma semiótico, legal, existencial, moral e

cultural.77 A obra revela discussões como o apego às criações tecnológicas e a pluralidade da

imagem digital, sua flexibilidade e universalidade.

Um dos trabalhos realizados com o modelo de AnnLee, One million kingdoms, de Pierre

Huyghe (2001), utiliza de forma interessante as particularidades da imagem digital para construir

uma obra que critica exatamente nossas concepções de ficção/realidade relacionadas,

principalmente no caso dos trabalhos de Huyghe, à fusão entre experiência presencial e

televisiva. O trabalho consiste de um vídeo no qual a personagem AnnLee, numa presença

fantasmagórica, é lançada num ambiente lunar. A voz de um narrador profere fragmentos de

textos de Neil Armstrong ao caminhar na lua e trechos de A viagem ao centro da Terra, de Júlio

Verne. As montanhas, ao fundo da imagem, crescem e decrescem conforme a tonalidade da voz

do narrador, numa típica animação de representação sonora – conhecida como gráfico de ondas.

Os sinais na obra são claros: AnnLee, um personagem que ganha existência a partir de sua

inserção na cultura, caminha sobre uma superfície, construída a partir do som da voz de um nar-

rador que profere textos de viagens exploratórias a locais inóspitos, sendo que a sobreposição

destes textos revela uma sobreposição entre experiência e ficção e até mesmo entre séculos, já

que a obra de Verne data de 1864 e o discurso de Armstrong, de 1969. O que Huyghe faz é criar

uma realidade a partir da relação entre ficção e experiência. Um lugar que AnnLee – um objeto

77 TANNER, M. (2003). No Ghost Just a Shell. [online] Artigo publicado em

http://www.stretcher.org/archives/r3_a/2003_02_10_r3_archive.php.

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ficcional que ganhou vida a partir da experiência – explora e onde se defronta com a transforma-

ção constante do espaço, de acordo com a força dos discursos.

Fig. 16 - AnnLee explora um ambiente lunar. As montanhas ao fundo são construídas pelo som da voz do narrador.

Tudo isso criado a partir de imagens sintéticas, com um modelo preestabelecido de ordem

das coisas – alteração do espaço por meio do som. Há a configuração de um funcionamento dessa

imagem e a sobreposição dos sentidos, tanto do simbólico quanto da própria animação computa-

dorizada. Assim, a imagem criada por Huyghe é potencializada pelos próprios recursos utilizados

por sua construção. A imagem sintética da animação computadorizada, neste caso, é necessária

para a confluência de todos estes sentidos dados pelos artistas em suas escolhas constitutivas da

obra. É esta imagem que é responsável por criar um espaço-tempo único, uma realidade específi-

ca que nos faz refletir sobre a nossa.

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O computador nos desvela aspectos do real que estão além do espectro visível. Mediante esses

aparelhos informatizados, pode-se captar a estrutura das coisas da natureza, ampliando nossa

consciência de realidade.78

De forma totalmente distinta das anteriormente citadas experiências de suspensão de ní-

veis de realidade pelo uso da animação computadorizada, encontra-se o filme Waking life. Apre-

sentado ao público em 2001, o filme, dirigido por Richard Linklater com animação dirigida por

Bob Sabiston, utiliza a técnica de rotoscopia digital.

A rotoscopia é uma técnica de animação desenvolvida pelos irmãos Max e Dave Fleischer

em 1915.79 A essência da técnica era o uso dos movimentos previamente captados na câmera

para a posterior animação sobre os frames captados. Deste modo, a animação resultante tornava-

se muito próxima dos movimentos captados com a câmera cinematográfica.

Na rotoscopia dos Fleischer, a seqüência de frames captados pela câmera posteriormente

era projetada quadro-a-quadro, numa espécie de vidro onde o desenho era realizado tendo como

fundo a imagem projetada. Assim também, era possível copiar os movimentos da câmera.

A técnica sempre foi muito polêmica, pois, apesar de visualmente assemelhar-se à anima-

ção, os movimentos captados pela câmera parecem contradizer o próprio conceito da linguagem,

ao menos durante grande parte do século XX. É claro que o animador, ao animar tradicionalmen-

te, baseia a construção do movimento a partir da observação dos movimentos “ao natural”, ou

seja, há a intermediação do órgão sensitivo da visão e o posterior embate do sistema motor do

corpo para a tradução destes movimentos observados em imagens. O que ocorre na rotoscopia é

também uma intermediação, porém de ordem mecânica, na qual a câmera fica responsável por

esta primeira parte de referenciar o movimento a partir da captura dos frames. Depois, é a ação do

animador sobre esses frames que constituirá a qualidade da rotoscopia, portanto da afirmação da

obra como animação ou não. A verdade é que a rotoscopia é sempre algo perigoso. A chance de a

imagem resultante causar uma espécie de desconforto é grande, devido em parte à nossa cultura

visual, acostumada a ver o cinema e a animação como coisas bem distintas.

78 PLAZA, J e TAVARES, M. (1998). Processos criativos com os meios eletrônicos: poéticas digitais. São Paulo:

Hucitec, p. 35. 79 CRAFTON, Donald, apud BARBOSA JÚNIOR, A.L. (2002). Arte da animação, técnica e estética através da his-

tória. São Paulo: Editora Senac, p. 69.

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Com o advento da animação computadorizada, novas formas de rotoscopia surgiram. A

mais comum e amplamente utilizada no cinema comercial é a motion capture. Neste tipo de ro-

toscopia, um ator é conectado ao computador a partir de sensores espalhados por diversos pontos

do corpo. Esses sensores são utilizados para interpretar o movimento realizado por ele e transmi-

ti-los para o modelo do personagem no computador, que possui os pontos de movimento seme-

lhantes aos do ator. Com isso, conforme o ator se movimenta, o personagem digital também

o faz.80

Os personagens animados na técnica de motion capture apresentam uma maior interação

com personagens interpretados com atores humanos, pois seu movimento fica mais próximo ao

executado pelos atores. A técnica é muito utilizada no cinema, hoje, para a interação de persona-

gens humanos com personagens fantásticos. Como vemos, trata-se de uma transposição da técni-

ca dos Fleischer para a animação computadorizada. No entanto, o que ocorre é a intermediação

lógica do computador no processo, interpretando os movimentos humanos e passando-os para o

modelo estruturado em sua memória, ainda com a possibilidade de intervenção por parte do ani-

mador.

Waking life utiliza uma outra técnica de rotoscopia digital. Segundo Bob Sabiston, o ani-

mador responsável pela técnica empregada, trata-se de uma rotoscopia interpolada. A realização

desta animação deve-se ao uso do software Rotoshop, desenvolvido pelo próprio estúdio de Sa-

biston. A idéia é muito simples. Consiste num software de rotoscopia que permite a visualização

de um vídeo digital quadro-a-quadro e possui recursos de animação interpolada, como aquela já

discutida aqui, quando falamos do Macromedia Flash. Ao contrário do que parece, a animação

resultante não é automática, necessita do trabalho de um animador que irá desenhar cada frame

diretamente no computador, sobre as imagens capturadas e se fazendo valer do recurso da inter-

polação automática de formas e cores, lembrando que se trata de uma imagem vetorial.81

O filme apresenta uma abordagem não narrativa e é composto de diversas cenas, normal-

mente discursos. Na maior parte, temos a presença de um interlocutor – personagem central do

filme. O teor dos discursos é existencialista. Os personagens expõem suas visões de diversos te-

mas da vida contemporânea, como a arte, a filosofia, o cinema, a sociedade etc. Os discursos são

80 WHITE, Jane. “Performance animation”, in LAYBOURNE, K. (1998), The animation book. Nova York: Three

River Press, p. 260. 81 Mais sobre o software pode ser encontrado em http://www.flatblackfilms.com.

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proferidos no fluxo do pensamento, e é normal que o espectador apenas consiga apreender alguns

trechos, idéias, palavras. Mas a intenção de Linklater é esta mesmo. O filme propõe uma desco-

berta da vida a partir da experiência de sobreposição de pontos de vista, crenças e idéias num

fluxo flutuante, até mesmo lisérgico, de informações discursivas. Tudo isso devidamente acom-

panhado pelas escolhas estéticas do filme, como o uso de câmera na mão, movimentos de deriva

e closes excessivos, associados à imagem da rotoscopia digital de cores e formas flutuantes, pla-

nos descolados e interpretações de idéias em animação.

O filme foi gravado com câmeras digitais, numaprodução simples, pois as imagens seriam

retrabalhadas na animação. Após a captura das imagens, foi editado, e finalmente iniciou-se o

processo de rotoscopia. Como o filme é composto de diversas cenas com personagens e temas

específicos, elas foram divididas entre os animadores, que obtiveram liberdade para realizar a

rotoscopia de acordo com suas interpretações particulares. O resultado é uma animação que tam-

bém muda sua abordagem visual a cada cena; no entanto, há uma unidade no movimento, devida

à rotoscopia, e na qualidade da imagem, dada pelo software de interpolação.

Fig. 17 - Diferentes abordagens dos animadores para o mesmo personagem no uso do software Rotoshop.

O software utilizado no processo da rotoscopia, no caso deste filme, não o é apenas como

ferramenta de aprimoramento do processo de animação. A interpolação dos movimentos realiza-

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da pelo software atua diretamente na geração de sentido da obra como um todo. É o tipo de ima-

gem sintética produzida numa confluência de valores relacionados às escolhas poéticas de Lin-

klater, que faz com que Waking life configure-se como uma realidade singular, no caso um uni-

verso de informações flutuantes e sobrepostas que buscam uma mudança no espectador com

base na experiência de construção de seu próprio discurso.

Fica claro que a rotoscopia realizada neste software atua diretamente no processo criativo

dos animadores, que passam a absorver sua funcionalidade, resultando numa imagem animada

inscrita no universo de possibilidades da lógica computacional daquele software específico. Com

isso, esta imagem sintética produzida nesse tipo de animação acaba por expor valores inscritos na

própria lógica interna da ferramenta utilizada.

Apesar de depender da captura de imagens “ao vivo” e da ação dos animadores num pro-

cesso quadro-a-quadro, a rotoscopia interpolada de Waking life parece agir sobre a imagem de

forma a compreendê-la como área de cores em multicamadas de sobreposição. Isso acaba consti-

tuindo um modo de se pensar a imagem e a animação de forma distinta daquela de outros tipos de

rotoscopia. Uma animação mais próxima da pintura. Uma pintura em movimento.

Meta-imagem

Se, por um lado, vimos que a animação computadorizada pode se direcionar para um

realismo fotográfico e, portanto, jogar com a ilusão de realidade modificada, e por outro lado que

essa mesma animação é capaz de suspender níveis de realidade com obras em que se busca uma

lógica própria de funcionamento constituindo a construção de um todo coerente, não levamos em

conta ainda as animações computadorizadas que revelam em sua imagem aspectos de sua própria

construção e assumem a imagem da computação gráfica como matéria de sua constituição. São

animações que buscam enfatizar os limites da própria linguagem. São meta-imagens.

Na história da animação, não são difíceis de encontrar casos de animações que exploraram

esses limites. Talvez a mais conhecida e um dos melhores exemplos seja o episódio “Pato Furio-

so”, da série de animações para tevê dos Looney Tunes. Neste episódio, dirigido pelo lendário

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animador Chuck Jones,82 o personagem Patolino é colocado numa situação de diálogo direto com

seu animador e com a linguagem da animação. Assim, o pato enfrenta mudanças de cor e forma;

é colocado em diversos cenários diferentes, sempre contradizendo a ação e o figurino do perso-

nagem; confronta o fundo branco, vazio; possui seus sons alterados, como uma viola que não

produz som nenhum para, logo depois, emitir um som de metralhadora; encontra a si mesmo nos

outros frames da película fílmica e, finalmente, é amassado pelo frame; tudo para revelar-nos

depois que seu animador era seu maior rival, Pernalonga.

Em “Pato Furioso”, o que temos é uma animação que está falando sobre sua própria

linguagem. Patolino confronta-se com diversos aspectos da produção do desenho animado,

inclusive com os próprios clichês que este universo criou. Trata-se de uma imagem que remete a

sua própria produção e ao seu próprio universo.

Esse é o caso de Cubic tragedy. a animação de curta metragem de Ming-Yuan Chuan, de

2005. No “curta”, uma personagem poligonal sente-se infeliz com seu visual. Decide então, para

se modificar, usar uma espécie de kit de maquiagem, que, na verdade, contém ferramentas típicas

dos softwares de modelagem 3D. Com as ferramentas, opera ações comuns de modelagem até

que se atrapalha e acaba, ironicamente, ficando presa numa operação de undo. Na computação

gráfica, o visual poligonal é uma visualização transitória, que ocorre somente durante o processo

de produção da animação. É uma forma de fácil manipulação de um modelo tridimensional para

posterior renderização.

No caso de Cubic tragedy, a meta-imagem é utilizada com o intuito de criar um efeito

cômico, principalmente relativo ao cotidiano do animador que trabalha com softwares de anima-

ção tridimensional. A imagem, no curta, busca falar da própria experiência de animar com as

ferramentas digitais. A imagem poligonal revela parte do processo deste tipo de animação e, por

isso, assume-se como uma criação computacional. O uso deste tipo de imagem sintética, no caso

deste filme, é parte constituinte do próprio roteiro, já que seu sentido somente se dá pela conjun-

ção do aspecto visual com as ações do personagem.

82 Charles M. Jones, o Chuck Jones, talvez tenha sido o maior responsável por imprimir um estilo único aos desenhos

dos estúdios Warner. Podemos considerá-lo uma das figuras principais no desenvolvimento do desenho animado no século XX e sua conquista gradual do universo adulto.

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Fig. 18 - Cubic tragedy – Polígonos expostos.

Outra animação que também procura trabalhar com a estética do 3D é Ryan. O curta de

Chris Landreth, vencedor na categoria curta em animação do Oscar 2005, assume esta estética

comum aos softwares de animação tridimensional, numa espécie de documentário em animação

sobre o animador canadense Ryan Larkin.

As imagens produzidas por Landreth em computação gráfica exploram o que ele chama

de “realismo psíquico”.83 O design dos personagens segue uma lógica da personalidade para a

construção física; além disso, durante todo a filme, pequenas animações desenvolvidas a partir

dos corpos dos personagens interpretam sentimentos e aspectos da personalidade, como criativi-

dade, dor, angústia, medo, vergonha, piedade, conforme se desenvolvem no decorrer do filme.

As imagens produzidas inscrevem-se numa cultura visual da animação tridimensional, de-

senvolvida desde a segunda metade do século XX, época de aperfeiçoamento dos softwares em

questão. Por isso, a imagem resultante flerta com o universo de imagens já produzido na história

da computação gráfica. Apesar do discurso do autor, de que seu trabalho resulta numa “realidade

psíquica”, a imagem que Ryan nos revela, mais do que uma configuração de uma realidade espe-

cífica, mostra uma imagem de experimentação estética e de pesquisa a respeito dos limites de

software. Portanto, a meu ver, inscreve-se mais neste terceiro tipo de imagem sintética da anima-

ção computadorizada, aquela onde a imagem fala do próprio processo e de suas próprias qualida-

des como produção computacional.

83 RYAN, THE SPECIAL EDITION DVD..., 2006.

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Fig. 19 - À esquerda, Ryan, social e criativamente destruído. À direita, duas fases do humor de Chris.

As imagens em Ryan mostram-se como imagens sintéticas, assumem suas características e

possibilidades. Este sentido dá-se principalmente pelo fato de se tratar de um documentário em

animação. A história desenvolvida no curta é a visão de Chris Landreth sobre o animador Ryan

Larkin; portanto, em nossa cultura de documentários, a imagem deveria ser de registro, princi-

palmente no caso de um documentário construído a partir de entrevistas. No entanto, Chris Lan-

dreth remete-nos a uma desilusão com o status de “real” da imagem documental, ao utilizar as

imagens sintéticas em seus limites, que se prolongam até o limite de suas possibilidades. Trata-se

de uma imagem sintética muito distante da ilusão. Imagem como imagem.

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Capítulo 4

INTERATIVIDADE E CÓDIGO

Uma das manifestações mais contundentes do cinema de animação foi a animação expe-

rimental. Presente desde o surgimento do cinema, o experimentalismo possibilitou a pesquisa do

ato fílmico como nenhuma outra abordagem do universo cinematográfico. Negligenciados tanto

pelo universo das artes plásticas como pelo do cinema, nomes como Oskar Fischinger, Lotte Rei-

niger, Len Lye, Norman McLaren, John e James Whitney e Jan Svankmajer, hoje, são lembrados

e vistos como figuras decisivas para a compreensão da experiência cinematográfica neste seu

primeiro século de existência. Decisivos, pois mostraram que o cinema e, portanto, a animação,

não são somente constituídos daquele cinema de linhagem griffithiana, narrativa, que foi escolhi-

do para atingir as massas e a comercialização. É claro que não desmerecemos este tipo de cine-

ma, pois trata-se apenas de um tipo possível, com seus valores, dentro de um universo de possibi-

lidades. Mas aquilo para o que queremos chamar a atenção aqui é a pesquisa de um cinema não

só pensado dentro da caixa preta da sala de projeção e dentro do pensamento do espectador, mas

também um cinema visto como produção de movimento, como imagem pensada em sua relação

de espacialidade e temporalidade, pensada como negociação entre homem e aparato tecnológico.

Atualmente, com a revolução tecnológica dos processos de animação, alguns destes as-

pectos encontrados nessa produção experimental foram resgatados e, hoje, diversos teóricos vêem

as manifestações que trabalham com a criação de movimento nas novas mídias como uma pro-

dução que segue as pesquisas dessa época; assim como nas décadas de 60, 70 e 80, a animação

experimental parecia seguir o modo de pensar a animação dos pioneiros, como afirmou George

Griffin em 1978:

Um novo método de fazer filmes animados veio à tona na última década,e, com ele, uma nova

geração de artistas que utilizam o meio primariamente para a auto-expressão. Os novos anima-

dores assumem responsabilidade direta por quase todos os aspectos do processo fílmico: con-

cepção, desenho, filmagem e até mesmo a construção da truca. Essa reivindicação da autoridade

criativa contrasta bruscamente com o sistema de linha de produção impessoal da indústria de

desenhos animados dos estúdios e traz a animação de volta ao seu impulso experimental origi-

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nal conforme corporificado nas obras de Winsor McCay, Emile Cohl, Hans Richter e Oskar

Fischinger.84

Com a introdução da computação pessoal no processo da animação, a rapidez da produção

e a redução de profissionais é fato certo. Deste modo, mais do que nunca, hoje é possível encon-

trarem-se numerosos artistas que conseguem produzir uma obra de animação solitariamente, a

partir dos recursos disponíveis e dos processos de produção da animação internalizados nos soft-

wares especializados – ainda que, devido ao sincretismo da produção atual, parcerias com profis-

sionais de áreas distintas apresentem-se como necessárias, como a parceria entre programadores,

matemáticos, geneticistas, cineastas, fotógrafos, músicos, entre outros.

Mais do que uma ligação com a tradição experimental da animação por meio das qualida-

des proporcionadas pela atual tecnologia, parece haver um vínculo no tipo de pesquisa realizada.

É verdade que muitas foram as preocupações dos artistas das décadas anteriores. No entanto, tal-

vez uma de suas características mais interessantes tenha sido a do trabalho desenvolvido para

compreender, afinal, do que se tratava o movimento e, portanto, o próprio ato fílmico.

Certamente, as duas maiores novidades da animação computadorizada para a pesquisa

experimental do movimento, em relação às formas anteriores de produção da imagem animada,

são a interatividade e o código.

Pela primeira vez na história da animação, é possível que o espectador participe do pro-

cesso de construção do movimento animado por meio de recursos provindos da tecnologia digi-

tal. Desde o simples clicar e escolher do mouse em animações para internet até o controle absolu-

to de personagens nos jogos para videogame, e passando ainda pelas experiências de VR85 e uso

de sensores, a animação interativa hoje já é uma realidade bem aceita nos mais diversos círculos,

seja na pesquisa acadêmica, seja na criação artística, e principalmente na produção comercial.

E essa interatividade dá-se pela própria natureza da tecnologia vigente, pois esta é desen-

volvida a partir do que chamamos de “código”. Este, por sua vez, consiste no próprio substrato da

tecnologia digital. Trata-se da fonte lógica e abstrata na qual todos os recursos de softwares são

construídos. 84 LAYBOURNE, K. (1998), apud GRAÇA, M. E., op. cit., p. 18. Trecho de entrevista com George Griffin datada

de 1978. 85 Virtual Reality ou realidade virtual, como ficaram conhecidas as experiências de imersão em ambientes

tridimensionais a partir do uso de interfaces físicas.

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Deste modo, o código permite ao animador pensar na lógica do movimento, já que o cons-

trói a partir da abstração do que nutre o movimento. Permite construir o movimento a distância

do tradicional processo quadro-a-quadro e, ainda, programar comportamentos relacionados à in-

teratividade ou a movimentos autogenerativos. A verdade é que o conceito de código é o grande

responsável pelo crescente problema que temos com o tradicional conceito de animação, pois sua

introdução faz-nos repensar o processo de construção do movimento animado, além de levantar a

questão da semelhança da animação com o cinema nestes tempos de imagem sintética.

Nesta pesquisa, as animações que se mostraram mais inovadoras e quebram violentamente

paradigmas da animação clássica – como fomos conhecendo com o passar do século XX – são

certamente estas apresentadas aqui neste capítulo. São animações que usam o código como meio

principal da compreensão do movimento. São animações que transformam nossa forma de pensar

sobre a linguagem e sua prática. São animações que devem ditar novos caminhos para a

futura produção.

Interatividade em narrativas

Em Neurotica, uma série de animações para web disponíveis no site Modern living,86 o

artista Hans Hoogerbrugge trabalha com 99 episódios restritos a uma única cena, nos quais um

personagem, alter ego do próprio artista, encontra-se em situações próprias do cotidiano: o hu-

mor do dia-a-dia; os problemas, crises e paranóias da vida privada.

Num breve início, as animações eram ciclos realizados em GIF87 animados. Depois, a

partir do episódio 28, elas começaram a ser realizadas em Macromedia Flash e acrescidas de inte-

ratividade. A interatividade proposta pelo artista é a mais simples possível. Trabalha somente

com respostas vinda do mouse, basicamente o clique, mas também com a operação de mouse

over, em que o ponteiro do mouse apenas toca a imagem para que esta responda. Ao longo das 99

animações, as idéias e o uso tecnológico foram amadurecendo. Por volta do episódio 50, a intera-

tividade passa a dar à pessoa que está interagindo o controle de alguns elementos da animação,

86 O site do artista pode ser encontrado em http://ml.hoogerbrugge.com/. Acesso em 26/3/2007. 87 Sobre o GIF ver nota 25.

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como o início e o fim das ações, a mudança de ação e, em alguns casos, a composição visual das

cenas.

Apesar da relativa simplicidade, é interessante notar como a interatividade entra aqui co-

mo elemento importante de construção da obra, possibilitando uma abordagem completamente

distinta no trabalho do animador. No caso específico de Hoogerbrugge, as animações realizadas

por ele permitem espaços de penetração da ação de quem manipula no percurso do movimento

pretendido. Deste modo, ao invés de pensar numa animação como uma ação fechada em si mes-

ma, com início, meio e fim, o animador é obrigado a criar estágios do movimento, porém levando

em consideração que estes devam, de algum modo, dar continuidade a um movimento anterior, e

é claro, desconsiderando a possibilidade de trabalhar com o corte de cena, que possibilita a mu-

dança do movimento mais brusca.

No episódio 68, chamado “Obedient”, o funcionamento da animação está diretamente

vinculado ao movimento do mouse em sentido descendente sobre a figura representando o artista.

Conforme se movimenta o mouse neste sentido, frame a frame, a animação vai sendo rodada. A

velocidade do movimento do mouse reflete na velocidade da animação, e caso a interação não

ocorra, nada acontece na imagem. A animação consiste num movimento de subjugação, no qual a

figura animada abaixa-se perante a pessoa que interage. Deste modo, ocorre a subjugação da

figura em frente ao interagente, pois é este que obriga a figura a realizar o movimento por meio

da ação e do direcionamento do mouse. É o controle da animação dado à interação que cria senti-

do ao trabalho.

Fig. 20 - “Obedient”

73

Em 92, “Levitation”, mais uma vez, é a interação que contribui para a construção da

animação. Aqui, o alterego do artista é apresentado em queda livre. Apenas a ação de clicar sobre

a imagem faz com que a queda termine num impacto sobre o solo, com o posterior retorno ao

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imagem faz com que a queda termine num impacto sobre o solo, com o posterior retorno ao mo-

vimento anterior. O controle da duração da queda, neste caso, permite a construção de diversas

significações distintas de seu conceito, por meio da ação do interagente. Uma queda que pode ser

simplesmente cômica, ou, conforme a duração escolhida, tornar-se uma queda metafórica, con-

templativa, dramática etc.

Fig. 21 - “Levitation”

Em 55, Slip-up, o personagem começa parado no centro do quadro. Ao colocarmos o

mouse sobre ele, uma animação de desequilíbrio começa a ser reproduzida. Mais uma vez, a inte-

gridade do personagem fica nas mãos do interagente, pois basta retirar o mouse de cima dele para

que ocorra sua queda. O artista constrói mais uma situação na qual a animação realizada depende

totalmente da interação para ocorrer, criando-se assim uma relação complexa entre a ação, a figu-

ra do artista e o papel da pessoa que está interagindo. Não só a animação depende dela, mas tam-

bém a própria sorte do personagem.

Fig. 22 - “Slip-up”

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Já em 51, “Nervous”, a interação permite criar um conjunto diferente a cada combinação

e, assim, também alterar o grau de nervosismo do personagem, conforme indica o título do episó-

dio. Trata-se dele sentado numa cadeira, imóvel. É permitido ao interagente acionar cinco anima-

ções distintas e independentes. São os quatro membros do homem e a cabeça. A interação dá-se

por meio de um clique nestas partes, que “liga” ou “desliga” o movimento. Com isso, são várias

as combinações possíveis entre as partes que resultam numa animação distinta a cada vez. A inte-

ração, aqui, leva-nos a experimentar as possibilidades de sentido dadas pela animação.

Fig. 23 - “Nervous”

O som também entra como elemento importante nesta equação entre o personagem,

animação e interagente. Hoogerbrugge pontua todo e qualquer movimento com efeitos sonoros e,

quando necessário, utiliza sons colocados no plano de fundo com o objetivo de reforçar a criação

de um ambiente que contribui com o sentido que quer dar ao trabalho. No entanto, em alguns

trabalhos, o som ganha papel de destaque. É o caso de 98, “Prelude”. Neste episódio, temos a

figura do personagem em frente a um piano. Ao passarmos o mouse sobre a imagem dele, mani-

pulamos a animação de forma a avançar um frame. Cada frame está associado a uma nota da mú-

sica em questão. Ao controlarmos o tempo dessa animação, controlamos também a música que o

personagem toca, mais especificamente os tempos da composição musical. É o interagente que

será responsável pela duração da animação, da composição musical e, finalmente, do prelúdio

anunciado pelo título do trabalho.

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Fig. 24 - “Prelude”

Na série de animações Neurótica, somos colocados em posição de investigadores desta

natureza do próprio artista e sua vida privada. Nós o vemos como um objeto a ser investigado e

testado por nossa ação, descobrimos a cada episódio um pouco desta vida moderna na qual está

inserido, com suas angústias, questionamentos e paranóias diárias. Por meio da ação interativa,

somos colocados numa posição confortável de análise do outro, experimentando e manipulando a

ação e descobrindo assim sentidos novos por meios da manipulação de durações, composições,

combinações de movimentos. Em Neurotica, mais do que uma auto-análise, o que o artista pro-

põe é ser analisado, e para tal usa a interatividade em sua animação para dar poder ao interagente,

acrescido do uso obrigatório do personagem alterego e de composições centralizadas nele, que

invariavelmente está em posição frontal no quadro, pronto para sofrer as experiências por meio

do mouse.

O trabalho de Hoogerbrugge já esboça uma interatividade narrativa; no entanto, suas

animações são restritas a cenas únicas e, portanto, ficamos apenas com a interação diretamente

nas ações, num primeiro nível de narrativa. Já no trabalho Se taire, si ça vous chante, de Célia

Eid, podemos encontrar um outro nível de interatividade, uma relacionada também à narrativa na

questão dos caminhos percorridos e escolhas do personagem.

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Os trabalhos de Célia Eid88 chamam a atenção principalmente por um fator: o uso explo-

ratório dos recursos tecnológicos computacionais a favor de suas escolhas estéticas e de lingua-

gem. Em Arrêts fréquents, é a manipulação da imagem bitmap89 por meio de softwares que simu-

lam ferramentas de pintura e técnicas de animação; em Ce n’est pás facile e Se taire, si ça vous

chante, é o uso da interpolação automática de movimento, sendo que ainda neste último temos a

exploração da interatividade.

Se taire, si ça vous chante é uma animação de narrativa fragmentada centrada em um

personagem humanóide, composta de diversos segmentos acessados por meio de ações do mouse

que levam a pontos sem saída, a retornos e resoluções. Aqui, a interatividade é usada no nível da

narrativa. O interagente visualiza as animações e lhe é permitido decidir qual caminho percorrer,

mesmo que o trabalho da artista não dê coordenadas, nem sequer sinais apontando para onde se

está indo. As opções levam a locais imprevisíveis, às vezes retornam a pontos já visualizados. No

entanto, não se trata de uma navegação aleatória, as opções são minuciosamente planejadas pela

artista, preocupada em criar sentidos distintos a cada passagem de segmentos.

Fig. 25 - Se taire, si ça vous chante, de Célia Eid. A interatividade permite uma narrativa não linear.

A imersão proporcionada por este tipo de narrativa com interatividade faz com que bus-

quemos os limites dentro da própria obra construída pelo artista. É uma mistura de coadjuvação e

buscas pessoais dentro de um universo estabelecido pelas escolhas narrativas, visuais e de pro-

gramação. Não que este tipo de interatividade seja exclusiva da animação computadorizada; ao 88 Os trabalhos da artista podem ser acessados em seu site pessoal: http://mapage.noos.fr/celiaeid/ 89 Mapa de bits. Tipo de imagem construída a partir da descrição de cada pixel que a constitui.

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contrário, pode ser encontrada em diversos locais. Trata-se até de um uso padrão da mídia digital,

inscrita no conceito de link. No entanto, devemos considerar também a possibilidade das narrati-

vas interativas para a animação, já que esta pode estar presente em diversos projetos, e isto faz

com que o animador pense em mais uma questão a ser tratada ou assimilada.

Neste ponto, o das narrativas que utilizam recursos de interatividade, é que a animação se

aproxima de outros objetos midiáticos. Mais uma vez, temos as fronteiras entre as linguagens

borradas. Trata-se da relação clara de sobreposição entre a animação, as histórias em quadrinhos

online e os games. Dependendo do ponto de vista adotado, uma obra produzida em animação,

com narrativas interativas pode ser compreendida em qualquer uma destas áreas descritas, e até

pode ser considerada as três ao mesmo tempo.

Nos quadrinhos, com a profusão de obras online, não demorou muito para que as histórias

começassem a ser desenvolvidas com quadros animados. Em um primeiro momento, apareceram

os GIFs animados, que logo foram substituídos pelas animações no software Flash. Hoje, o que

podemos ver é uma grande quantidade de histórias em quadrinhos que preservam algumas carac-

terísticas de seu original impresso, usando, por exemplo, os balões de diálogo e composição de

diversos quadros seqüenciais numa mesma página. No entanto, é comum que esses quadros so-

fram pequenas e simples animações, em alguns casos relacionadas ao clique do mouse. A intera-

tividade neste tipo de projeto vai desde o mais simples virar de página, que agora é condicionado

a transições entre quadros, até a escolha de caminhos para dar seqüência à história, como na ani-

mação de Célia Eid ou em experiências literárias anteriores como o livro-jogo.

Já nos games, o assunto complica-se. Sabemos que o universo do game é inteiramente

construído a partir de imagens geradas pela animação e que é um dos maiores exemplos de pro-

cesso imersivo, devido à interatividade, principalmente em games como Grand Theft Auto,90 no

qual o personagem controlado pelo jogador é solto num ambiente tendo uma certa liberdade para

realizar aquilo que bem entender, dentro dos limites do jogo, é claro. O trabalho do animador que

produz animações para games consta em realizar movimentos padronizados que serão controla-

dos pela manipulação do joystick. A animação destes movimentos é programada previamente e

associada a entradas específicas de informações vindas do aparelho, como, por exemplo, a inten-

sidade do deslocamento do botão direcional que resulta num tipo diferente de deslocamento do 90 Game produzido pela Rockstar Games e considerado uma das maiores revoluções de no que se refere à “jogabili-

dade” dos games de terceira pessoa. O primeiro da série a ser mais diretamente responsável foi Grand Theft Auto III, lançado em 2002.

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personagem. Assim, se pressionarmos com força, o personagem corre; se formos delicados. ele

anda. Cada um dos outros botões são associados a movimentos específicos e dependem também

dos ambientes nos quais se localizam no jogo, da resposta do espaço físico do game e da relação

com outros personagens não jogadores.

Deste modo, a animação criada para um game leva em conta princípios específicos do

meio, como a relação com a interface de controle e com os demais elementos presentes no ambi-

ente. Este trabalho é normalmente conhecido como game development. Trata-se da criação destes

ambientes e da programação de seus comportamentos, associados de modo geral às leis da física.

Assim, não é necessário que tudo seja animado, permitindo que as coisas se movimentem a partir

de regras estabelecidas, como, por exemplo, as de impacto, peso, equilíbrio, direção etc.

Outro aspecto importante para se pensar a animação nos games é a programação da câme-

ra. A imagem cinematográfica é, hoje, padrão na visualidade e no funcionamento dos games,

sendo até mesmo considerada um dos elementos constitutivos da qualidade da obra e critério para

a classificação deste no que se refere à divisão de seus gêneros. O controle dessa câmera geral-

mente está associado ao próprio controle do personagem do jogador. Normalmente, ela se adapta

aos movimentos realizados, esboçando a idéia de campo de visão do personagem. A câmera e,

portanto o plano, o enquadramento e seus movimentos, são elementos constituintes da linguagem

da animação, herdados da linguagem cinematográfica – mais um elemento a ser contemplado

pelo animador que trabalha com a animação nos games.

Pelo fato de a animação presente nos games estar diretamente relacionada à ação do joga-

dor e, portanto, inscrita no conceito de interatividade, este novo animador que aparece na nossa

cultura é aquele que realiza os movimentos dos personagens sem ter conhecimento preciso da

duração das ações. Ele sempre trabalha com ciclos animados, ou seja, suas animações sempre

retornam ao local de onde partiram. As animações realizadas dentro desta perspectiva trabalham

com o movimento infinito, mas podem ser controladas pela ação do jogador, mestre absoluto dos

movimentos programados para o personagem. A simples associação da animação a ambientes

interativos resulta numa extensa mudança de abordagem do processo de realizá-la; afinal, ela

passa a levar em conta, em primeiro lugar, o controle do outro sobre a duração dos movimentos,

ou, pelo menos, das cenas, como no caso de Se taire, si ça vous chante, de Célia Eid.

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Programação de comportamentos

Yasuo Ohba é exemplo do conceito de autor de animação da forma mais clássica que e-

xiste, pois seu trabalho enquadra-se naquele tipo de produção plenamente aceita nos circuito de

festivais de animação. De aspirações experimentais, o animador trabalha exclusivamente com

imagens abstratas realizadas a partir de softwares de animação tridimensional. Anjyu (2001)91 é

um curta-metragem, se é que se pode utilizar esta denominação, já que a animação foi feita em

computador e, portanto, não há metragem alguma, devido à ausência de película. Nesta anima-

ção, vemos o movimento de espirais construídas com formas de características similares a pêlos.

A cor predominante é o branco, com pequenas variações tonais necessárias para a construção de

volume. As formas são retorcidas pelo movimento, giram em espirais, reagem ao que parece ser a

força do vento.

Fig. 26 - Anjyu

Segundo o próprio animador,92 a criação de seus trabalhos ocorre a partir da construção

de uma ferramenta específica no software de 3D. No caso de Anjyu, trata-se de uma ferramenta

que estabelece parâmetros para a criação de elementos com características físicas de pêlos. Essa

91 O filme pode ser visto no seguinte endereço eletrônico: http://www.archive.org/details/Anjyu2001. Acesso em

28/3/2007. 92 Em entrevista concedida ao site Japan Media Arts Plaza. Disponível em

http://plaza.bunka.go.jp/english/festival/backnumber/winners_i/p23/ohba.html. Acesso em 28/3/2007.

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chamada ferramenta nada mais é do que pura programação de algoritmos responsáveis por tradu-

zir para a lógica matemática os comportamentos dos pêlos, de acordo com critérios de sua exis-

tência segundo o pensamento físico e biológico. Depois de estabelecida essa ferramenta, aplicada

sobre o software 3D, o passo seguinte do artista é manipulá-la a partir de sliders que controlam os

valores de cada uma das características inscritas por ele. Com a manipulação desses valores, o

artista chega a novas possibilidades de movimento e de atuação daqueles elementos. Num pro-

cesso bem experimental, Ohba captura possíveis cenas criadas pela ferramenta, a partir de suas

seleções de valores. Essas cenas serão finalmente selecionadas e editadas com o som.

O animador, neste caso, trabalha num processo puramente experimental. No entanto, as

condições da experimentação são controladas, pois, de certo modo, são os critérios estabelecidos

pelo código que irão ditar o universo de possibilidades que aquela ferramenta oferece. A anima-

ção em si é construída pela ferramenta e, portanto é ela que anima; assim, trata-se do verdadeiro

animador. Ainda assim, este código foi escrito pelo artista, responsável também pela escolha de

cores, pela entrada e modificação de valores em caráter experimental dentro do próprio código e,

finalmente, pela edição.

Todo o trabalho de animação em Anjyu está centrado no estabelecimento destes critérios

de movimento dados pelo código, pelo comportamento que esses objetos assumem. Diferente de

animar cada um dos quadros da animação num jogo de erros e acertos pela experiência da criação

do movimento a partir da relação entre tempo e espaço, a prática da animação, aqui, é a da cons-

trução da lógica do movimento. É a tentativa de chegar à essência do movimento e, a partir daí,

explorar as diversas possibilidades desta lógica específica ao passo que são testados seus limites.

É inegável que a animação computadorizada tem mudado, no caso de produções que fa-

zem uso do código, não só aspectos importantes do processo de produção, mas também o próprio

pensamento sobre o movimento e o posicionamento do artista diante da própria produção. A ani-

mação Anjyu é sintomática de um período de buscas por sistemas invisíveis e o esgotamento des-

tes, de compreensão de suas possibilidades de sobreposição e relações infinitas com

outros sistemas.

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Outro bom exemplo deste tipo de animação que utiliza código para estabelecer compor-

tamentos para a animação é Animusic.93 O projeto, que de fato dá nome à empresa e à série de

animações de Wayne Lytle, consta de videoclipes musicais realizados totalmente em animação

3D. As músicas apresentadas são tocadas pelos próprios instrumentos dos quais os sons provêm.

São instrumentos criados em 3D que seguem a lógica daqueles conhecidos e popularizados; no

entanto, apresentam características próprias e construções inusitadas. Os sons são produzidos

também por robôs, em poucos casos, ou mesmo mediante feixes de luz ou de energia.

Fig. 27 - Dois videoclipes de Animusic – Resonant chamber e Pipe dream 2 (2005).

As animações de Animusic inscrevem-se no universo da animação de entretenimento,

vinda talvez da antiga tradição de construção da imagem em movimento a partir de músicas, da-

tada no início do uso do som na película cinematográfica com Steamboat Willie,94 obra dos Estú-

dios Disney que primeiro alcançou sincronização de som e imagem perfeita,95 atingindo sua re-

presentação máxima em Fantasia,96 do mesmo estúdio. Com efeito, a prática da construção de

relações de sincronicidade e complementaridade entre imagem animada e som é objeto de estudo

de diversos artistas que buscam compreender, por exemplo, como se dá a construção de sentido a

partir da apreensão visual e auditiva sobreposta, o jogo das intensidades dadas por sua relação ou

mesmo as possibilidades de tradução entre ambas.

Se Steamboat Willie foi referência em sincronicidade de som e imagem, as animações de

Wayne Lytle podem vir a ser referência num novo tipo de sincronicidade, desta vez uma lógica

93 Site do projeto: http://www.animusic.com/. Acesso em 27/3/2007. 94 WALT DISNEY (1929). Ub Iwerks. 95 BARBOSA JUNIOR, A. L. (2002), op. cit., p.. 104. 96 Estúdios Disney, 1940.

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ou realista, pois a impressão que temos é de que a própria animação está gerando os sons tocados,

detalhadamente. Cada som corresponde a um elemento da imagem que se movimenta. Tal perfei-

ção de sincronicidade entre as imagens e os sons dá-se pelo uso do software MIDImotion, desen-

volvido pelo próprio animador.

A produção de sua série de musicais segue uma seqüência distinta da maioria das anima-

ções em 3D. A música é composta pelo animador para depois ser decomposta pelo software, que,

ao contrário do que usualmente encontramos, não trabalha com respostas visuais a características

sonoras como graves e agudos, como, por exemplo, as tecnologias de visualização de som – pre-

sentes nos players, softwares de edição e tratamento de som e nos plug-ins –, mas trabalha com a

análise nota a nota da composição musical. Esta análise realizada pelo software será usada para

criar uma relação entre as notas da música e animações específicas na imagem tridimensional.

Desta forma, as notas são associadas a movimentos na animação em uma lógica de funcionamen-

to de um instrumento musical, na qual cada local e cada configuração do instrumento são respon-

sáveis pela produção de um som distinto.

Deste modo, há aqui três níveis de animação. Em um primeiro, a animação realizada pelo

animador que estabelece movimentos dos objetos virtuais tridimensionais e, com isso, cria todas

as possibilidades de movimentos inscritos nos objetos. Esta parte é animada tradicionalmente no

software de animação tridimensional. O segundo nível de animação é aquele produzido pelo

software MIDImotion, que analisa a música e a transforma em sinais que irão determinar a se-

qüência dos movimentos previamente animados no nível anterior. Finalmente, há um terceiro

nível, no qual são estabelecidos movimentos de câmera, enquadramentos e edição, além da fina-

lização de qualquer movimento em bloco, ou seja, movimentos que detenham uma posição de

agrupamento dos movimentos anteriores, como, por exemplo, um instrumento que se mova como

um todo, ou um robô que é deslocado espacialmente e carrega consigo toda a animação progra-

mada em seu corpo.

O sincronismo perfeito entre som e imagem é dado pela programação inscrita no software

MIDImotion. Com isso, a impressão que temos ao visualizar a animação é a de que são realmente

os instrumentos que estão gerando o som, e não imagens que estão ilustrando a produção sonora.

As animações de Lytle criam uma nova forma de percepção musical, possibilitando aos leigos em

relação à música que percebam melhor seu funcionamento e se sensibilizem quanto às qualidades

sonoras, por meio do uso das imagens. É distinta de uma apresentação ao vivo, pois sua imagem

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é mais didática que aquelas realizadas num espetáculo musical, por exemplo, já que sempre ve-

mos na tela todos os sons sendo realizados pelos instrumentos que trabalham para ser vistos pelo

espectador e não são dispostos ou agem em função da necessidade do músico que os manipulam

numa apresentação ao vivo. Além deste fator, as músicas produzidas, apesar de possuírem diver-

sas camadas sonoras, são relativamente simples, pois não apresentam ruídos ou complicações que

possam prejudicar a legibilidade de sua produção. Todos estes fatores fazem com que Animusic

trabalhe na expansão dos limites da percepção da lógica musical a partir de algoritmos, anima-

ções e linguagem cinematográfica.

Uma das maiores referências na web, de animações feitas a partir de programação, é o

Yugop.97 O site do designer e engenheiro Yugo Nakamura oferece uma grande quantidade de

animações em Flash ou Shockwave98 cujo movimento apresenta algum aspecto relacionado a

uma programação por código e, em alguns casos, à interatividade. De certo modo semelhante à

idéia do game development discutida anteriormente, as animações em yugop.com trabalham com

a configuração de ambientes comportamentais nos quais a ação da animação dá-se com base em

regras limitadas. Em alguns casos, a ação humana por meio de interatividade aciona os movimen-

tos e, em outros casos, o próprio código lança o início do movimento a partir de

recursos randômicos.

Um claro exemplo de animação interativa em que um ambiente comportamental estabele-

ce os limites a ser explorados pelo interagente é Border. O trabalho apresenta-se como uma sim-

ples tela dividida ao meio por uma linha reta, sendo a metade superior branca e a inferior preta.

Ao deslocarmos o mouse sobre este limite entre os dois espaços iniciamos um movimento líquido

que continuará se movimentado até que voltemos à imagem inicial, estática. A animação, neste

caso, está na programação de um comportamento para essa borda entre as duas metades. Essa

linha, que no início se apresenta parada, ao sofrer contato com o cursor do mouse detecta não só

suas coordenadas, mas também sua intensidade, e reflete este movimento no seu próprio. A pro-

gramação dá o comportamento de um movimento de líquido, como se fossem ondas. A partir da

interação, a intensidade das ondas irá se reduzindo até atingir a linha estática novamente, ou, caso

o interagente continue deslocando a borda, novos movimentos irão ocorrer.

97 Os trabalhos de Yugo Nakamura estão disponíveis em http://www.yugop.com/. Acesso 26/3/2007. 98 Formato de arquivo para conteúdo multimídia interativo construído no Macromedia Director.

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Fig. 28 - Border

A animação é realizada por quem está manipulando a obra, não pelo animador, que foi

responsável por agenciar a produção de movimento a partir da disponibilização online desse am-

biente comportamental, onde estabeleceu as regras e qualidades do movimento dentro de um uni-

verso fechado de possibilidades.

Os trabalhos Oval X 3 e Line X 50 são semelhantes, no entanto trabalham com comporta-

mentos cujas regras são mais simples. Ambos usam a idéia do mouse como um atrator da trajetó-

ria de imagens. No primeiro caso, são três círculos que, em movimento espiral diferenciado um

do outro, seguem as coordenadas do mouse. No segundo caso, são linhas finas, como fios de ca-

belo, que seguem o cursor também em movimento espiralado. Nos dois casos, o percurso realiza-

do é registrado ao permanecer na tela, permitindo sobreposições de trajetórias e elementos gráfi-

cos. O que se consegue, aqui, é dar ao interagente o controle dos elementos que fazem parte da

configuração visual da obra, ou seja, o movimento e a imagem, possibilitando que a pessoa expe-

rimente as diversas qualidades deste movimento e o veja acontecer por meio das trajetórias regis-

tradas. Também por meio destas, é possível construir uma composição gráfica pela sobreposição

de imagens e trabalhar com intensidades, volume e forma, como num processo de pintura.

No caso específico de ambos os trabalhos, há a sobreposição clara de dois elementos que

contribuem para a construção da animação – em primeiro plano, a animação espiralada dos

elementos gráficos escolhidos feita pela programação e, em segundo plano, o movimento dado

pelo interagente ao cursor do mouse, ou seja, a primeira é uma animação propriamente dita, no

âmbito de um movimento por comportamentos estabelecidos; já a segunda é responsável pela

entrada de informações relativas a coordenadas, posição inicial e final de um movimento.

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Fig 29 - Oval X 3 e Line X 50

Estes dois planos sobrepostos são os responsáveis pela configuração da imagem animada

que se seguirá, uma animação que ocorre em tempo real e só tem sentido mediante a interação

feita aqui e agora. Uma animação feita e vista no presente que vai deixando as marcas de seus

movimentos passados, como um registro comparativo e compositivo da imagem das trajetórias.

Talvez pudéssemos chamá-la de uma animação “ao vivo”, pois quebra o paradigma de animação

como a conhecemos, como um trabalho de construção quadro-a-quadro, os quais, mais tarde,

quando colocados em seqüência temporal, possibilitam a visualização do movimento. O processo

tradicional da animação é colocado no passado e a visualização do movimento se dá no presente.

No caso dessa animação “ao vivo”, a construção e a visualização dão-se no presente, ainda que

não seja visível a figura do animador e, sim, a do interagente. No entanto, iremos explorar mais

profundamente este assunto em breve, quando serão discutidos alguns trabalhos de Zachary Lie-

berman.

Movimentos colaborativos

Em Gasbook 10: Movement, de Yugo Nakamura, outro aspecto da animação computado-

rizada é testado: a animação a partir da colaboração entre usuários. Neste trabalho, o artista usa

um vídeo em formato quadrado de uma criança sorrindo. Ele é seccionado em seis áreas, como

num jogo-da-velha. Ao posicionar o mouse em qualquer uma destas áreas, esta sofre uma ampli-

ação, que reflete no tamanho das outras áreas, pois o todo do vídeo permanece intacto. A seguir,

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as áreas voltam ao tamanho original. Com isto, é possível distorcer a imagem do rosto a partir da

manipulação das proporções das diversas partes constituintes do todo. No entanto, o que difere

este trabalho dos demais é seu caráter colaborativo.

Fig. 30 - Gasbook 10: Movement

A manipulação destas proporções por parte de um interagente pode ser gravada no siste-

ma. Ao manipulá-las, a pessoa trabalhará sobre a animação já feita por alguém anteriormente; sua

colaboração também será gravada, e assim por diante. Não só as ampliações são gravadas, mas

também o posicionamento do cursor do mouse das pessoas que manipularam anteriormente, se-

guido de seu nome. Deste modo, a animação resultante será sempre uma colaboração entre as

várias pessoas que acessaram o site. A construção da animação desta deformação das formas no

rosto da criança presente no vídeo é resultado de uma negociação entre os interagentes que, numa

relação de conflito ou acordo, estabelecem os movimentos transformadores das proporções da

figura. Aqui, o recurso tecnológico possibilita a uma mesma animação ser criada a partir da cola-

boração de várias pessoas, num processo de sobreposição das contribuições sobre um único mate-

rial. O resultado reflete as intenções de cada participante a partir dos movimentos realizados indi-

vidualmente e a partir das relações construídas com os demais.

Em p-Soup,99 de Mark Napier, é-nos apresentada uma tela azul onde nada acontece. No

topo da imagem, alguns ícones básicos como círculos e quadrados de cores diferentes aguardam

para ser manipulados. Escolhe-se uma das formas presentes nesse menu e, ao se clicar no quadro

azul, um som é reproduzido e a forma escolhida ganha movimento a partir do ponto clicado. Tra-

99 O site de Mark Napier disponibiliza seus trabalhos e se encontra em: http://www.potatoland.org/. Acesso em

28/3/2007.

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ta-se de um movimento simples, constando apenas de uma mudança de escala e cor que, chegan-

do a seu limite, retorna ao ponto inicial, para logo depois se mover novamente, construindo um

ciclo durante um tempo. A cada retorno, o som novamente é tocado.

Fig. 31 - P-Soup

Ao colocarmos mais do que uma forma na tela simultaneamente, suas animações acabam

se encontrando e da sua sobreposição nascem novas animações. O mais interessante é que este

ambiente criado por Napier pode receber diversos usuários ao mesmo tempo. Todas as pessoas

conectadas ao site, no mesmo instante, conseguem observar a ação dos demais usuários enquanto

realizam as suas próprias. A junção da ação de todos os interagentes no ambiente cria uma espé-

cie de sinfonia visual e sonora, já que os sons continuam se repetindo conforme as animações

voltam a seu ciclo. Cada área do quadro azul é dotada de uma tonalidade sonora; assim, ao clicar

tem-se também o controle sobre o tipo de som a ser tocado. O resultado é a visualização da ação

conjunta de diversas pessoas na produção de uma animação de formas abstratas. Em primeiro

plano, há uma animação simples e dedicada a cada elemento gráfico, no entanto, o cruzamento

das animações devido à iniciativa dos participantes resulta em outras animações, inesperadas.

A tecnologia, no caso de p-Soup, possibilita a implementação de um ambiente multiusuá-

rio onde recursos simples, como a animação cíclica de formas básicas e a produção de notas mu-

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sicais, são usados pelas pessoas conectadas ao sistema para a criação de relações entre formas e

sons, que, quando animadas, sobrepõem-se, formando novas relações. É a criação de uma anima-

ção abstrata e experimental de origem remota, ao vivo, e colaborativa entre diversos animadores.

Talvez Napier estivesse mais interessado em falar sobre pintura em p-Soup; afinal, as a-

nimações param em algum momento, deixando apenas os rastros do movimento e permanecendo

com uma composição gráfica semelhante a uma pintura abstrata. No entanto, não se pode ignorar

os fatos de esta pintura ocorrer em animação e de a sobreposição destas ser a causa da configura-

ção gráfica do frame estático posterior aos movimentos; além disso, talvez, mais importante do

que este frame, seja o conflito de autoridade entre a animação das formas e entre as próprias pes-

soas conectadas ao sistema num mesmo instante.

Movimento autogenerativo

Em Claygrid, Yugo Nakamura parece disposto a criar um contraste. Realiza uma simples

animação stopmotion com massinha. Trata-se de uma esfera que dá origem à outra esfera, como

num processo de mitose.100 Essa animação é usada como unidade mínima de um ambiente em

expansão em um ciclo infinito de reprodução e união. Este ambiente, que surge no formato de um

grid, é construído por programação. Cada esfera que surge dá origem à outra esfera, que dá ori-

gem à outra, e assim por diante. Quando quatro esferas semelhantes em tamanho encontram-se

lado a lado, como quatro pontas de um quadrado, outra animação stopmotion surge, juntando as

esferas em uma única, e condensando seus volumes. E assim prossegue a animação, até que reste

apenas uma esfera, e tudo se inicia novamente com sua duplicação.

Trata-se da mistura do processo simbolicamente mais manual da animação, o stopmotion,

com a construção deste grid por meio de uma programação – o mais atual modo de realizar ani-

mação e ainda nada manual. A programação é responsável por alguns comportamentos estabele-

cidos (quatro esferas semelhantes transformam-se em uma única maior) e pelo processo randômi-

co criado, pois a expansão do grid dá-se de forma aleatória. A cada vez que visualizamos a ani-

mação, sua construção será distinta até que se unifique em uma esfera. Mais uma vez, Nakamura

100 Processo de divisão celular conservativa, no qual há a duplicação de cromossomos para o surgimento de uma nova célula idêntica à primeira.

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trabalha com a sobreposição de animações; no entanto, no caso de Claygrid, não há interatividade

e, sim, um processo generativo. Em primeiro plano, há a animação manual, o stopmotion – a

transformações das esferas. Em segundo plano, há a animação programada, generativa, responsá-

vel por dar conta de criar a cada acesso uma construção distinta deste grid. Duas lógicas de mo-

vimento são sobrepostas, a realizada pelo homem e a realizada pela máquina.

Fig. 32 - Claygrid

Claygrid, de Yugo Nakamura, é uma animação autogenerativa, ao menos em um de seus

níveis. Isso quer dizer que ela funciona por conta própria e toma as próprias decisões em algumas

questões relativas a seu movimento, como o início, o fim e a direção, por exemplo. Ainda assim,

esse tipo de autogenerativismo é bastante simples, já que trabalha apenas com um direcionamento

randômico e com condições de posicionamento das animações stopmotion. Para analisarmos mais

de perto a animação autogenerativa, devemos voltar nossa atenção para os trabalhos de

Marius Watz.

Se a animação só é animação por causa da manipulação quadro-a-quadro pelo animador

da imagem a ser movimentada, o que poderíamos falar das animações de Marius Watz? O artista

norueguês trabalha com a denominada “arte generativa”. No entanto, para a presente pesquisa, o

que interessa discutir a respeito de seu trabalho é o que há de animação em suas obras. Ao visua-

lizá-las, fica claro: trata-se de uma imagem animada, normalmente abstrata. Mas, ao conhecer um

pouco mais seus trabalhos, descobrimos que os movimentos realizados, sejam eles metamorfoses

ou crescimentos orgânicos, são inteiramente animados por meio de código de programação. É o

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caso de Neon organic101 (2005). Neste trabalho, visualizamos estruturas semelhantes a raízes que

crescem e se movimentam. Conforme evoluem, as imagens se assemelham a redes neurais.. Na

verdade a imagem é construída por meio de pequenas esferas coloridas que dão forma às raízes.

Toda a animação deste movimento de crescimento foi realizada em tecnologia Java.102

Assim, não há um processo manual quadro-a-quadro, mas a construção de uma lógica de movi-

mento, que por meio de valores randômicos dá à animação existências distintas, de vida própria,

a cada visualização da obra.

Fig. 33 - Neon organic

Mais uma vez, o que encontramos é uma animação “ao vivo”. Não há um processo de

construção deste movimento previamente colocado à visualização do mesmo. Conforme o movi-

mento é construído pelo sistema codificado, visualizamos a animação, em tempo real. Tratando-

se de um movimento que acontece no tempo da visualização, seria isso animação ou um movi-

mento puro?

101 O trabalho pode ser visualizado em: http://www.unlekker.net/proj/05vattenfall/. Acesso em 28/3/2007. 102 Linguagem de programação orientada para objetos, desenvolvida pela Sun Microsystems em 1990.

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Nossas dúvidas em relação à validade da obra enquanto animação podem ser esclarecidas

se lembrarmos que o movimento na animação tradicional dá-se, da mesma forma, somente

quando visualizada. Por mais que o animador desenhista trabalhe sobre o papel, modificando ou

substituindo uma imagem por outra, no processo quadro-a-quadro aquele movimento só ganhará

seu estatuto quando for visualizado. Antes da projeção, um filme animado é apenas uma seqüên-

cia de desenhos ou imagens.

Além disso, a produção desta animação generativa de Marius Watz dá-se, de certo modo,

num processo quadro-a-quadro. É verdade que a velocidade do movimento está mais relacionada

à velocidade do processamento do computador do que à conexão com qualquer valor estabelecido

de quadros por segundo; no entanto, não podemos desconsiderar o fato de o código de programa-

ção estar construindo uma imagem atrás da outra por meio da modificação da iluminação dos

pixels na tela do monitor.

Os trabalhos de Marius Watz, assim como os de muitos outros artistas que trabalham com

imagens animadas por código de programação, levantam questões como: o papel do artis-

ta/animador na construção da obra; a possibilidade de estabelecer padrões e regras para a realiza-

ção de movimentos; a visualidade do código; e a movimentação de informação dentro dele. As

motivações da produção de tais obras esbarram sempre em questionamentos de ordem contempo-

rânea, seja no que se refere à mudança de processos de produção relacionados à tecnologia ou nas

novas configurações que o movimento pode atingir, a sua construção ou a sua existência enquan-

to movimento. O próprio artista, falando sobre a arte generativa, comenta os possíveis propósitos

deste tipo de produção:

É importante reconhecer que existem várias razões pelas quais artistas são atraídos para o trabalho ge-

nerativo. Alguns querem explorar questões científicas num contexto artístico, alguns estão procurando

criar soluções impossíveis na animação tradicional ou no design interativo, outros estão interessados

puramente em forma e estrutura. Eu conheço vários artistas (incluindo eu mesmo) que falariam que o

código é a única maneira que eles tem de expressar suas idéias estéticas. O computador é democrático,

já que remove a necessidade de habilidade manual.103

103 PETERSEN, T. (2005) [online] An interview with Marius Watz: generative art now. Disponível em

http://www.artificial.dk/articles/watz.htm. Tradução nossa.

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É bem verdade que a democratização proporcionada pelo computador da qual fala é rela-

tiva; afinal, ao passo que se anula a necessidade de uma habilidade manual, como o desenho, cri-

aram-se outras: o conhecimento de uma linguagem de programação, de lógica algorítmica ou

pelo menos de um software específico para o que se deseja realizar. Entretanto, é importante veri-

ficar nessa afirmação de Watz que as motivações para a existência de trabalhos deste tipo são

distintas e que não se trata de produções gratuitas. Afinal, é simples dizer que um movimento

gráfico gerado pelo computador não é animação, pois contradiz alguns dos princípios de base da

fundamentação da linguagem. O mais difícil é compreender que a animação mudou, que seus

processos de produção mudaram e, devido não só à evolução tecnológica proporcionada pela

animação computadorizada, mas também às aspirações e preocupações da produção artística con-

temporânea que não permitem mais um entendimento inocente ou romântico do uso tecnológico,

assim como a alienação em relação a ele.

Em Four, quatro animações autogenerativas interativas de Mark Napier, o artista parece

trabalhar diretamente com a questão do movimento. Ainda assim, sua prática parece proceder da

pintura, e, ao falar sobre a obra, comenta a relação entre imagem, movimento e algoritmo:

Na pintura, cada pincelada registra o movimento da mão do artista. A pintura é o resultado de

movimentos de sua mão, acumulados durante certo tempo. No software, é o algoritmo, não a

pincelada, que cria a natureza visual do movimento. De certo modo, um algoritmo é também

uma forma de registro, mas não o de um movimento. Um algoritmo é um conjunto de instru-

ções que descrevem ações e relações lógicas. É o registro de diversas ações potenciais que po-

dem ser acionadas quando um algoritmo é executado.

Prossegue, referindo-se mais especificamente às quatro animações de Four:

O algoritmo é um registro das decisões feitas pelo artista, que permitem ou inibem possibilida-

des, por exemplo, para criar fortes atrações ou repulsões, para diminuir a velocidade de um mo-

vimento ou aumentá-la. Nestes trabalhos eu programei potencialidades para certos tipos de mo-

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vimento: atração, órbita, quique, slow motion, fast motion, rotação, linearidade. Essas qualida-

des são os alicerces desta obra, mas o que vemos na tela é movimento. É ação sobre o tempo.104

A afirmação de Mark Napier é importante para refletirmos sobre a quebra de paradigma

do processo da animação tradicional com o advento da tecnologia digital, que permite a criação

do movimento a partir do estabelecimento de suas ditas potencialidades. Assim, no processo de

criação desta animação algorítmica, generativa e, no caso, interativa, não há o registro de ima-

gens seqüenciais que, mais tarde, quando apresentadas em relação a um tempo pelo aparato tec-

nológico, irão criar o movimento, e sim o registro de uma lógica do movimento que será usada

pelo computador para criar essas imagens seqüenciais à medida que as apresenta temporalmente.

As idéias de Mark Napier sobre a relação algoritmo, imagem e movimento lembram-nos também

do processo de game development descrito anteriormente, pois se trata de um processo semelhan-

te, em que se cria uma lógica de ação e movimento num ambiente e suas configurações visuais. O

interagente age dentro desse ambiente, cercado pelas limitações propostas pela programação.

O pensamento do artista pode ser visto neste seu trabalho. Trata-se de quatro animações

interativas e autogenerativas realizadas em tecnologia Java. Em hoopsnake - a segunda animação

do grupo –, visualizamos uma fita cinza sobre um fundo branco. O trabalho “usa forças gravita-

cionais e de mola para criar inerentemente um sistema caótico. Sua busca pela estabilidade resul-

ta num movimento perpétuo”.105 Em meio ao cinza da fita, é possível identificar pontos verdes

que servem de locais onde é possível interagir. Ao clicar e manipular um destes pontos, inserimos

uma nova força naquele ambiente. A fita responde a essa nova força a partir de sua lógica de mo-

vimento. Seus movimentos deixam um rastro, imagem passada dos locais que já esteve, além de

registrar suavemente todos os espaços que percorreu, lembrando-nos das relações entre movi-

mento e registro da pincelada na pintura, mencionados pelo artista. O rastro possibilita a compre-

ensão daquele movimento como gesto e a noção do movimento construído pela seqüencialidade

das imagens.

A programação é usada como meio de criação de uma animação de movimento perpétuo.

A interatividade permite que haja manipulação de forças neste ambiente estabelecido pelo código

e que se visualize a influência de uma força externa em um sistema de movimento próprio. 104 NAPIER, M. [online]. Motion. Disponível em http://www.potatoland.org/four/about.html. Tradução nossa. 105 Ibidem.

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Fig. 34 - Four–-Hhoopsnake

Animação “ao vivo”

Pensar numa animação “ao vivo” já nos pareceu, em um primeiro momento, algo no mí-

nimo desconcertante, já que, tradicionalmente, a animação sempre aparece como algo pronto,

final, no estágio de ser apresentada e digerida pelo público. O processo de produção destas ima-

gens em movimento mostra-se anterior ao movimento propriamente dito. Tem-se a idéia da cons-

trução de um movimento que só será visualizado na projeção, ou pelo menos, para sermos um

pouco mais atuais, num momento que não o de animar. Assim, tanto no uso da película fílmica

quanto na animação direta no computador, em softwares como o Flash, que permitem um previ-

ew simultâneo, separa-se bem o tempo da construção do tempo da visualização do movimento.

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Messa di voce106 (2003), de Golan Levin e Zachary Lieberman, e Drawn107 (2005), de

Zachary Lieberman, são performances que trabalham uma espécie de animação “ao vivo” espeta-

cularizada. Uma animação-performance.

Em Messa di voce, dois vocalistas abstratos são colocados num palco com uma projeção

servindo de fundo. O contraste entre os dois e o fundo faz com que quase os vejamos como som-

bras. Um software é usado para capturar cada detalhe dos sons produzidos pelos vocalistas e tra-

duzi-los em respostas visuais animadas que aparecem na projeção. O sistema também dispõe uma

câmera que capta a posição da cabeça deles. Assim, a animação resultante da produção de seus

sons é expelida da área da cabeça na projeçãoe, portanto, temos a impressão de que os sons ani-

mados saem do próprio aparelho vocal. A performance é composta de 12 cenas, nas quais explo-

ram-se aspectos diferentes do som relacionado à imagem animada.

Fig. 35 - Messa di voce

O formato é de um espetáculo: palco, vocalistas, fundo com projeção, cenas e platéia. As

imagens projetadas, com movimento a partir da boca dos vocalistas, são construídas na hora, com

todas suas especificidades, como velocidade, cor, percurso, duração etc., determinadas pelas

especificidades do som produzido, como o timbre e a altura. 106 Um dossiê sobre a obra pode ser encontrado em http://tmema.org/messa/. Acesso em 28/03/2007 107 Um dossiê sobre a obra pode ser encontrado em: http://thesystemis.com/drawn/index.html. Acesso em 28/3/2007.

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É inegável que a imagem projetada é animação; afinal, há a produção de movimento a

partir de um algoritmo previamente estabelecido que resulta em animações por vezes semelhantes

a efeitos especiais – no âmbito do cinema –, ou de referência direta da linguagem dos cartuns. Na

verdade, cada cena utiliza-se de um algoritmo distinto com princípios iguais, porém com resulta-

do visual diferente. Em uma cena, o som produzido resulta em esferas pretas que mudam de diâ-

metro conforme a altura do som. As esferas ganham atributos espaciais para se relacionar umas

com as outras. Em outra cena, o som produz uma onda líquida. Em outra, o resultado visual é

uma espécie de fumaça. Enfim, os algoritmos utilizados em cada uma das cenas são construídos

previamente, e daí o estabelecimento do tipo de movimento possível no interior do ambiente cri-

ado por eles e de como será sua relação com a produção de sons.

O que temos então é uma animação que acontece “ao vivo”, por meio de três elementos

complementares que estabelecem a imagem que será animada pelo computador e projetada para o

fundo do palco. Trata-se da voz, sua posição de origem e o código de programação determinado

para a cena em questão. A voz é responsável, na maioria dos casos, a inserir parâmetros que serão

usados pelo sistema. A posição de origem da voz será o ponto de origem da animação e lhe con-

fere direcionamento. Finalmente, o algoritmo toma os dados de voz e posição captados, calcula

segundo a lógica estabelecida e, finalmente, produz um movimento que é então projetado. Todo

este processo ocorre na velocidade dos fatos, pois o processamento da máquina permite que haja

resposta imediata do sistema.

O processo de produção desta animação dá-se em presença de uma platéia. O momento

em que se faz é o momento em que se vê o movimento acontecer. Isto implica uma animação “ao

vivo” e performática. Não há o registro dos quadros e, portanto, há a impossibilidade de rever a

mesma animação. Mais do que uma animação “ao vivo”, é possível ver também o esforço do

animador no mesmo momento em que os movimentos animados são produzidos. No caso, trata-

se de dois vocalistas abstratos que estão produzindo as animações com suas vozes e corpos. O

esforço físico é visto lado a lado com o movimento produzido. Se, na animação clássica, o filme

projetado apagava a ação do animador, omitindo a relação do corpo do animador com o processo

de produção e com o movimento produzido, relegando esta relação a esforços interpretativos,

nesta animação performática é a interessante relação entre a fisicalidade do corpo (gestual e sono-

ra) e o movimento animado que se mostram como elemento fundador de um novo modo de olhar

para a imagem em movimento expandida. A mistura entre movimento físico e programado, sua

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sobreposição, dinâmica e, principalmente, a possibilidade de se relacionarem em sua produção é

que fazem com que experiências como Messa di voce sejam importantes para refletirmos sobre o

movimento como um todo – ou seja, falarmos em movimento referindo-nos ao mesmo tempo ao

corpo e àquele construído. Esta relação pode ser vista também em Drawn, porém de

modo distinto

Drawn, de Zachary Lieberman, também é uma performance. No entanto, não há uma re-

lação com o corpo que se movimenta e produz sons, mas com o corpo que desenha. Inspirado

pelos Lightning sketches do final do século XIX, na performance, o artista desenha e anima seus

desenhos em frente a uma platéia. Os Lightning sketches eram filmes nos quais desenhistas se

apresentavam em frente a um quadro. Seu mais famoso representante foi James Stuart Blackton.

Com a prática de parar a câmera, realizar pequenas alterações e continuar gravando – recursos

primitivos de stopmotion anteriormente usados, principalmente por Georges Méliès –, os dese-

nhos transformavam-se em objetos reais e vice-versa. A sensação do público era de que algo má-

gico estava ocorrendo; afinal, com a presença do artista, todo o cerimonial do espetáculo de má-

gica se mostrava.

Em Drawn, o artista desenha com nanquim sobre um papel em frente ao público. Uma

câmera digitaliza o desenho realizado e, a partir daí, o artista pode movimentá-lo com os dedos.

Para tanto, a câmera captura o posicionamento de sua mão. Um sistema é responsável por mistu-

rar as duas imagens: a do vídeo capturado ao vivo – a mão do artista – e a do desenho digitaliza-

do. Essa imagem sobreposta é projetada para o público. Na mistura das duas imagens, o sistema

considera a mão como um elemento que convive no mesmo espaço do desenho digitalizado. A

partir de então, de acordo com o movimento da mão do artista e com o algoritmo selecionado, os

objetos digitalizados respondem com movimentos e sons ao contato da mão do artista.

A sensação de espetáculo de mágica permanece na performance de Lieberman, pois o de-

senho – traços detidos sobre o papel – parece ganhar vida a partir de movimentos próprios e res-

postas sonoras e físicas à presença da mão do artista. No entanto, o que chama atenção em Drawn

é a presença do animador se relacionando com o desenho e a animação num processo de constru-

ção desta imagem animada que se dá na exibição. Mais uma vez, o lugar do animador, portanto

do processo de produção, é levado ao momento final, entendamos assim, da seqüência de vida de

uma obra animada. Mais do que isso, Drawn é uma obra que se apresenta no fazer, com todas

suas dúvidas, escolhas e ações, e, a cada apresentação, uma performance distinta é realizada.

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Os movimentos programados são simples, mas o sistema oferece a possibilidade da cria-

ção de ciclos, o que permite ao artista construir composições animadas, em que diversos dese-

nhos interagem no espaço. Além dos movimentos, há também o som. Para cada movimento dos

desenhos, um efeito sonoro é realizado de acordo com critérios estabelecidos na programação. Na

performance, também há a presença do músico Pardon Kimura, responsável por produzir sons ao

vivo que são acrescentados aos efeitos sonoros produzidos pelo próprio sistema. Segundo o pró-

prio Lieberman, a parceria segue um propósito:

O objetivo central é uma relação extremamente sutil entre desenhos animados e som, onde es-

boços, rabiscos e gestos misturam-se a um ambiente sonoro com o objetivo de criar uma espé-

cie de música densa e animada. O resultado é uma paisagem enigmática e divertida tanto na i-

magem quanto no som.108

Tanto em Drawn quanto em Messa di voce, podemos identificar o conceito de realidade

expandida. Chamamos de realidade expandida as ações que usam recursos tecnológicos para a-

perfeiçoar determinadas experiências. Na realidade expandida, há sempre esta adição do limite

humano aos limites programados da máquina. A soma de ambos os campos de possibilidades

permite uma experiência de realidade acima do comum, ou seja, expandida. Em Messa di voce, é

a habilidade vocal que ganha aspectos visuais. Em Drawn, é o desenho que ganha a dimensão do

movimento e do som. A tecnologia, nos dois casos, é diretamente responsável pela configuração

dessa realidade expandida, e a animação computadorizada é o meio pelo qual esses trabalhos es-

tabeleceram construir suas identidades.

108 LIEBERMAN, Z. (2005) [online] Drawn. Disponível em http://thesystemis.com/drawn/index.html. Acesso em

28/3/2007. Tradução nossa.

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CONCLUSÃO

A presente conclusão se apresenta em duas formas distintas e complementares. Uma é o

texto desenvolvido logo abaixo e a outra é um trabalho realizado próximo à conclusão desta pes-

quisa. A descrição detalhada do processo de realização do trabalho encontra-se no final do texto,

e ele em si pode ser visto na mídia encartada neste volume.

A animação sempre guardou uma relação estreita com seu processo. Se, por um lado, a

idéia inicial de preservar a animação como mágica, com o olhar voltado para as imagens resultan-

tes, existe até hoje em resquícios do imaginário coletivo, por outro, a idéia de olhar para a anima-

ção como um processo de construção imagética no qual este é tão importante quanto a imagem

resultante é ainda mais valiosa atualmente, para pensarmos nas novas configurações que a anima-

ção apresenta devido, mais do que nunca, ao uso da tecnologia, no caso a digital.

A animação vista como mágica pode ser compreendida apenas pelo ocultamento do pro-

cesso em um campo de mistérios. Se, no cinema e no vídeo, o referente é claro, pois se sabe que,

ao olharmos para a imagem compreendemos que aqueles atores são de carne e osso e que, portan-

to, aquele material foi obtido a partir de algo previamente existente e não de uma fonte obscu-

ra,109 na animação o referente é normalmente incerto. Muitas vezes, o referente pode até ser real,

de “carne e osso” como se diz, mas surge então o movimento sem referente que traz novamente a

incerteza sobre sua origem.

Deste modo, com o ocultamento do processo, Georges Méliès, no período de passagem do

século XIX para o XX, quando cinema e animação confundiam-se, criava a ilusão de mágica com

seus filmes: pessoas arrancavam ou inchavam suas cabeças; seres alienígenas sumiam em nuvens

de fumaça, ou mesmo notas musicais eram lançadas ao espaço como se tivessem existência pal-

pável. Assim, ao ocultar o processo de realização de suas obras, Méliès conseguia operar efeitos

mágicos em seus filmes, como transformações, mutilações, desaparecimentos etc. Méliès talvez

possa ser considerado o fundador do cinema de ficção. Muito desta fascinação pelas realidades

109 Apesar das atuais controvérsias a este respeito, conforme discutido nos capítulos 1 – “Sobre o conceito de anima-

ção”, e no capítulo 3 – “A imagem sintética da animação computadorizada”.

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ficcionais e o mistério que circunda suas criações permanece ainda hoje no chamado

senso comum.

É muito comum encontrar pessoas que ainda não têm a mínima idéia de como se faz um

filme, muito menos uma animação. Crianças custam a compreender que seus heróis animados da

televisão não possuem uma existência semelhante à delas. No entanto, o processo, ao longo da

história da animação, mostrou-se cada vez mais importante para sua produção e para os

próprios artistas.

Já em uma das obras fundadoras da animação, Little Nemo, de Winsor McCay, iniciava-se

o filme com encenações no qual uma espécie de desafio ao desenhista era realizado. McCay era

um renomado cartunista autor da série Little Nemo in Slumberland, publicada em sua maior parte

no New York Herald, de 1905 a 1914., e conhecido por ser um incansável desenhista de traços

primorosos. No filme, McCay é desafiado por seus colegas cartunistas a dar vida a seu persona-

gem mais famoso. Ele propõe então a realização de 4 mil desenhos em um mês, para que seja

possível movimentar seu personagem. Então lhe trazem tonéis de tinta, pacotes e mais pacotes de

papel. McCay é visto em sua mesa de trabalho, com pilhas de papel e uma máquina que, por meio

de uma manivela, faz com que os desenhos girem, para que possa visualizar como se comportam

em seqüência – uma espécie de máquina de teste, onde era possível visualizar os desenhos numa

ordem a uma determinada velocidade. Ele fica lá, desenhando quadro a quadro sua animação.

Finalmente, após alguns contratempos, apresenta o resultado aos amigos.

Logo nas primeiras obras de animação, já temos a revelação de seu processo, e este, aqui,

já se mostra de grande importância para o artista, a ponto de ser encenado e montado junto à ani-

mação como resultado. Ao longo da história da animação, muito se produziu a partir das refle-

xões sobre o processo e sempre foi clara a relevância deste para o resultado final da obra.

Se, no cinema, há divisões de gêneros por tipo de narrativa ou por duração da obra, assim

como na literatura, na animação a divisão é por técnica empregada. É comum encontrarmos hoje,

em qualquer livro sobre animação, uma divisão básica dos tipos de animação por técnica, como

numa lógica de gêneros cinematográficos. Assim, subdivide-se a animação em alguns tipos: tra-

dicional 2D, 3D, stopmotion, cut-out, no vidro com areia, no vidro com tinta, na película, pixila-

tion, etc. São muitas formas possíveis de se realizar uma animação e, ao mesmo tempo, resultam

em manifestações distintas o suficiente para constituírem uma espécie de gênero. Um gênero

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construído sobre o modo pelo qual a obra foi realizada e sobre a qualidade imagética do resultado

final. Fica claro como é importante para os animadores o seu processo.

Um dos maiores animadores franco-canadenses, Norman McLaren, ficou conhecido por

levar este tipo de fascínio pelo processo ao extremo. “Da obra de McLaren sobressai o esforço

continuado em explorar exaustivamente todas as possibilidades expressivas dos elementos de

codificação e de suporte do discurso fílmico.”110 Ao longo de sua vida, McLaren contribuiu mui-

to para a história da animação, sempre inovando em seus processos de realização, tanto na esco-

lha de materiais como no modo de tratá-los. McLaren criou novos meios de se fazer e pensar a

animação a partir de um discurso totalmente ligado à produção técnica, mas, no entanto, de valor

artístico e até mesmo comercial impecáveis. Em Dots,111 por exemplo, McLaren usa a banda de

áudio presente na película cinematográfica para desenhar o som. Cria uma relação entre espaça-

mentos, intensidades e cores com os sons produzidos pelo projetor. Mais uma vez, é na observa-

ção do processo e do aparato tecnológico que o animador encontra suas motivações e assuntos.

Quando se fala em processo na animação, hoje, é comum logo pensarmos em diagramas

dos mais diversos tipos presentes nos livros sobre animação que se esforçam para explicar passo

a passo como ela é feita. Estes diagramas sempre são lineares e objetivos, fato até compreensível,

já que normalmente este processo é pensado numa perspectiva industrial, pois a animação, assim

como o cinema, é um campo mais seguro como trabalho coletivo.

Apesar das diferenças, estes diagramas sempre apresentam como etapas distintas o pro-

cesso de criação e o de produção. Se, por um lado, o uso dos diagramas ajuda a organizar o traba-

lho em esquema industrial, por outro confunde o pensamento sobre o processo de realização da

animação em âmbito geral e no pensamento teórico. Usamos processo de “realização”, pois não

poderíamos manter esta diferença colocada pela lógica dos diagramas segundo a qual há um pro-

cesso de criação e outro de produção. Na animação, assim como nas mais diversas áreas da co-

municação, ambos os processos poderiam ser compreendidos como simultâneos, talvez como

um só.

Basta lembrarmos de outra questão importante ao pensar o processo de criação artística: a

questão forma versus conteúdo. Sempre que pensamos em conteúdo, estamos no plano mental. O

conteúdo é manifestação do pensamento, é conceito. Já a forma é palpável, visível, construída. 110 GRAÇA, M. E. (2006), op. cit., p. 38. 111 Dots, 1940, National Film Board of Canadá.

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Segundo esta lógica classicamente aplicada a estes diagramas processuais, poderíamos afirmar,

então, que o processo de criação está diretamente ligado ao conteúdo e o processo de produção à

forma. Afinal, no processo de criação, o conteúdo seria pensado e planejado; no de produção,

executado, materializado. Isto justificaria a perspectiva do processo industrial diagramático como

um modo válido de se pensar o processo de realização de animações em qualquer tipo de produ-

ção. No entanto, outra visão sobre a relação forma e conteúdo parece-me mais correta, como es-

clarece Cecília Almeida Salles:112

Não se pode tratar forma e conteúdo como entidades estanques. Se, por um lado, vê-se o conte-

údo determinado ou falando através da forma, isto é, a forma como um recipiente de conteúdo,

não se pode negar que a forma é a própria essência do conteúdo. É a visão de forma como poe-

sia feita de ação e não mero automatismo.

Portanto, se forma e conteúdo estão tão ligados que sua existência e sua dependência so-

brepõem-se, os processos de criação e produção, comumente colocados em áreas opostas nos

diagramas processuais da animação, poderiam ser compreendidos apenas como um único proces-

so, um processo de realização. E isso se torna evidente a um simples olhar sobre o próprio pro-

cesso da animação. Se a ilusão do completo planejamento desta é lugar-comum no pensamento

prático, a verdade é que, a cada momento da animação, em cada flipagem,113 em cada frame de-

senhado, em cada linha de código escrita, em cada quadro-chave marcado, a animação é refeita e

testada, escolhas são feitas, mudanças realizadas. Na animação, mais que em qualquer outro pro-

cesso de realização artística, a ação de testar é mais que evidente, é explícita. Afinal, o artista

somente consegue visualizar o mais simples e curto resultado de seu trabalho parando de manipu-

lar seu objeto para realizar um teste com seu material produzido. A matéria do animador é o mo-

vimento; no entanto, enquanto o faz, visualiza apenas o estático. Ele manipula, testa, e reinventa

num ciclo que poderia ser infinito se a animação não tivesse de ficar pronta em algum momento.

112 SALLES, C. (1998). Gesto inacabado: processo de criação artística. São Paulo: Fapesp/Annablume, p..73. 113 Flipagem é um termo usado na animação tradicional 2D , em que o animador segura uma seqüência curta de de-

senhos com uma das mãos e, com a outra, executa um movimento de liberação das folhas num espaço de tempo para visualizar o que acaba de ser desenhado. Ação similar à realizada para visualizar uma animação em flipbook.

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“É o percurso do artista ao inventar a sua poética de tal forma que, enquanto a obra se faz,

inventa-se o modo de fazer [...] Assim a arte se mostra, mas não demonstra.”114 O que Julio Plaza

e Mônica Tavares afirmam neste trecho é que, na arte, não há uma demonstração de um conceito

(conteúdo) por meio de uma imagem (forma), mas que a relação de conceito e imagem é a exis-

tência em si. Ela é os dois ao mesmo tempo. É o que concorda Deleuze ao colocar que a imagem

é conhecimento e que, portanto, o cinema, por exemplo, é puro pensamento.115

Assim, ao falarmos aqui de processo de realização, estamos nos referindo ao processo to-

do, desde a origem da obra fundada na existência singular do artista e suas conexões culturais,

sociais, estéticas e éticas, até o último segundo antes de decidir que finalmente irá apresentar sua

animação do modo como está, mesmo com a eterna consciência de que poderia ter feito melhor.

É necessário realizar um esforço para substituir o modo pragmático e diagramático de

pensar o processo na animação que nos foi colocado pela indústria, por esse modo mais abran-

gente e complexo de olhar para o processo, como algo composto de forma e conteúdo todo o

tempo. Deste modo, é possível concluir, de fato, que a tecnologia digital não só aperfeiçoou a

produção da animação, aumentando a produtividade e agilizando o processo, mas também mudou

definitivamente o modo de pensarmos a animação e, principalmente, mesmo que inconsciente-

mente, o modo de criarmos animações.

Com o advento da animação computadorizada, muitas mudanças ocorreram nos processos

da animação e, por conseqüência, transformaram-se também as obras e seus valores, sua imagem

e suas aplicações, e até mesmo levantaram-se questões a respeito de seu conceito, como visto no

capítulo 1 – “Sobre o conceito de animação”.

Deste momento em diante, e principalmente com o advento do computador pessoal, a

computação gráfica começou a ser usada de forma exponencial na animação. Os computadores

começaram a trabalhar com softwares de animação, muitos deles simulando os ambientes e pro-

cessos nos quais a animação se desenvolveu. Mas havia outros que introduziram a animação tri-

dimensional em computador, e ainda outros que possibilitavam o processo de realização de ani-

mação em sistemas razoavelmente diferentes dos já conhecidos métodos.

114 PLAZA, J. e TAVARES, M. (1998), op.. cit., p. 8. 115 DELEUZE, G. (1985), op. cit.

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Muito foi mudado no fazer da animação, em um relativamente curto período de tempo.

Algo que começou por volta do início dos anos 1990 e, quase que imediatamente, mudou muito o

dia-a-dia dos animadores.

A começar pelo fim do uso do celulóide transparente – talvez a descoberta anterior mais

importante para o desenvolvimento da animação. Tratava-se de uma película transparente usada

em substituição ao papel. Esta tecnologia tornava possível trabalhar com a idéia de camadas de

desenhos, ou seja, podiam-se separar os fundos das formas animadas e até mesmo animar formas

distintas em folhas distintas.

Na animação computadorizada, é possível a utilização de transparência em infinitas ca-

madas de sobreposição. Na animação tradicional 2D, os desenhos passaram a ser feitos em folhas

de papel sulfite que, posteriormente, eram digitalizadas por meio de scanners. Em primeiro lugar,

o custo foi reduzido, o que possibilitou um trabalho mais flexível e ágil. Com o uso do celulóide,

era possível a sobreposição de camadas; no entanto, não era aconselhável um uso exagerado, já

que resultava na perda de qualidade na visualização do material. Este é um problema que passa

longe quando se trabalha no computador. A princípio, pode haver quantas camadas o processa-

mento do computador agüentar, e não são poucas; certamente ultrapassam as centenas. Daí que

hoje seja comum encontrar animações nas quais há manifestações de movimentos em diversos

planos simultâneos, numa espécie de poluição visual animada.

Não se faz mais necessário, também, o uso da película cinematográfica, pois as imagens

são colocadas na seqüência com o auxílio do computador, fato este que também contribui para a

modificação do processo que conhecíamos. Ao montar no computador a seqüência, é possível

visualizar em tempo real, alterar as velocidades, recombinar, reutilizar com facilidade, alterar

cores a qualquer momento. Definitivamente, isto traz valores novos para todo o processo de ani-

mar, pois nunca antes foi possível realizar tantos testes de combinações e usos para um material

animado. Pode-se afirmar que até temos um um excesso de informação sobre a animação reali-

zada, pois, no momento em que ela é inserida no computador, pode ser modificada livremente e,

o mais importante, não há deterioração de originais; afinal, não há um original. Neste momento,

tudo é apenas informação, conjuntos enormes de zeros e uns.

Além disto, o uso desta tecnologia na animação traz outra possibilidade: a realização do

processo inteiro de animação dentro do computador. É o que acontece com o uso de softwares de

animação vetorial como o Macromedia Flash, como visto no item “Animações vetoriais: Flash,

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no capítulo 2 – “Animação nos meios de comunicação digitais”. Nestes softwares, é possível de-

senhar, planejar, animar, compor e gravar diretamente no computador com o auxílio de processos

internalizados na máquina e ferramentas de auxílio, que certamente mudam não só o modo de

fazer animação, mas também a própria animação.

Animações simples também já estão internalizadas no software. Movimentos homogêneos

ou sem muita complexidade são facilmente animados por ele num processo chamado “interpola-

ção de movimento”. Neste processo, é possível determinar pontos de saída e chegada de um mo-

vimento, e o computador fica responsável por realizá-lo. É como se fossem marcados pelo ani-

mador apenas os desenhos principais, extremos ou de passagem, e o computador realizasse a “in-

tervalação”, ou seja, determinasse as posições intermediárias.

Outra inovação parece-nos essencial e é bem explicitada por Peter Weibel.116 O autor as-

sinala uma propriedade decisiva da imagem digital que transforma de forma contundente a ani-

mação nos seus modos de produção e, muito provavelmente, na própria forma de mostrar o mo-

vimento: a visualização em tempo real dos resultados do processo de produção do movimento

pela sobreposição quadro-a-quadro de imagens. Agora, com a tecnologia digital, fica fácil para o

animador observar de maneira rápida e conclusiva aquilo que está produzindo durante o processo

de produção. Weibel diz que esta propriedade da tecnologia digital para produção de imagens

animadas poderá aperfeiçoar o controle sobre as relações modificadoras espaciais e temporais da

informação gráfica, um aspecto que, para ele e para a maioria dos animadores, representa o cora-

ção da animação.

Faz-se necessário então explicitar as diferenças entre dois tipos clássicos de animação: por

substituição e por alteração. A animação desenvolveu-se durante o século XX em dois caminhos

paralelos, que poderíamos considerar práticas diversas aplicadas sob o mesmo princípio – o da

imagem manipulada quadro-a-quadro. Este princípio básico da animação, até então, referia-se ao

fato de que, para realizar uma animação, é necessária a produção de imagens seqüenciais que,

quando projetadas numa relação com o tempo, ganham movimento. Assim nasceu a animação

por substituição, que também pode ser conhecida como tradicional 2D, e a animação por altera-

ção, também conhecida como stopmotion. Na primeira, o animador substitui uma imagem pela

outra numa relação de contigüidade e em relação ao tempo. Na prática, trata-se de substituir um 116 WEIBEL, P. (2004).[online] Arte algoritmico. De Cezanne a la computadora in Seminarios online - Media art –

Perspectivas. Unesco /Mecad / Esdi, Barcelona. Disponível em : http://217.76.144.68/archivos/_20/html/mobligatorio/00015/html/weibel_frameset_session3.htm

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desenho x por um desenho y, e assim por diante, os quais, se apresentados seqüencialmente, cri-

am movimento. No segundo tipo, a animação é construída a partir da alteração quadro-a-quadro

de um referente comum. O animador manipula o mesmo objeto durante o processo e grava de

alguma forma cada mudança realizada. As imagens resultantes, mais uma vez, se apresentadas

seqüencialmente, mostram-se em movimento.

Todas estas novas possibilidades dadas pela modificação do processo de realização da a-

nimação comentadas até agora referiam-se, a princípio, a uma evolução da animação por substitu-

ição. No entanto, talvez a maior mudança se dê, de fato, no processo da animação por alteração,

notadamente presente com a utilização de softwares de animação 3D.

A mais clara mudança é a ausência total do desgaste de material, algo que influenciava

muito no processo de realização da animação stopmotion, por exemplo, pois se trata de modelos

virtuais, com existência algorítmica, que podem, quando armazenados, ser chamados a qualquer

momento, mantendo sempre as mesmas características. Nestes softwares, é também possível a

criação de ambientes totalmente virtuais com regras próprias, desde gravidade até iluminação, o

que permite ao artista criar regras específicas para cada animação a ser feita.

Além destas potencialidades processuais que a tecnologia digital trouxe nos softwares de

animação, o uso da idéia de banco de dados, presente em qualquer um destes aqui descritos, fez

com que houvesse uma outra abordagem no uso e reuso de animações previamente construídas.

Mas tudo isso somente no âmbito de uma espécie de evolução dos processos antigos para

os novos. São práticas comuns e historicamente estabelecidas que foram potencializadas, mas

que, como visto, não apenas reduziram o trabalho de produção de animações como também mu-

daram definitivamente alguns aspectos da prática; em muitos casos, sem que o tivéssemos perce-

bido, mudaram também o próprio modo de lidar com o processo e, conseqüentemente, o resulta-

do final das obras. Como bem disse Peter Weibel,117 estas modificações são inteiramente respon-

sáveis pela mudança da qualidade das relações espaciais e temporais na animação.

Entretanto, são outras potencialidades trazidas pela tecnologia digital para a animação que

parecem interessar mais, estas sim isentas de qualquer comparação com processos antigos. Trata-

se da animação realizada a partir de códigos, na qual o processo é inteiramente distinto, como

vimos no capítulo 4 – “Interatividade e código”. Aqui, a animação não é realizada no quadro-a-

117 Ibidem.

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quadro, marco característico do processo da animação. Para se criar uma animação a partir do

código, a relação é completamente outra; o animador trabalha com o estabelecimento de modelos

comportamentais. Antes de determinar o movimento por qualquer tipo de relacionamento com os

quadros, o animador irá criar as regras fundadoras de um movimento. Depois de criadas as re-

gras, poderá estabelecer tempos e distâncias, mas também poderá criar movimentos com inteli-

gência própria.

Ainda no âmbito de novidades sem precedentes na animação, estão as questões da intera-

tividade, do agenciamento, da alimentação por meio de banco de dados e da própria apresentação

do resultado da animação em novos meios de comunicação digital, como nas mídias móveis, vis-

tas no capítulo 2 – “Animação nos meios de comunicação digitais”.

Se antes se falava da resistência da matéria no processo artístico, hoje talvez pudéssemos

falar também da resistência do artista, pois as ditas “novas ferramentas” não oferecem uma limi-

tada lista de técnicas distintas de uso, mas os softwares e a lógica digital oferecem recursos que

escapam ao conhecimento dos artistas. A questão parece não ser mais somente até onde o artista

pode levar a matéria, mas, talvez, até onde o artista consegue chegar em relação à matéria ofere-

cida. Se existem limitações óbvias, protocolares, nos softwares de animação, por outro lado exis-

tem muitas possibilidades que normalmente escapam ao conhecimento do animador – ainda mais

se pensarmos que os recursos podem ser combinados entre softwares, pois a convergência das

mídias permitiu que diversos sistemas fossem tratados num mesmo ambiente, de forma seme-

lhante. Em trabalhos generativos, por exemplo, a própria lógica da falta de controle do resultado

pelo artista é prova de que, ali, o software tem tanta importância quanto o artista. Ainda que, de-

ve-se deixar claro, a apresentação de trabalhos nestas novas mídias apresentam limitações muitas

vezes complicadas, algo que também acaba influindo muito no processo de criação, como nas

limitações impostas pelos arquivos GIF, por exemplo, vistas no item “Animações cíclicas: GIF

animado”, no capítulo 2 desta dissertação.

Apesar de parecer clara, a influência destas mudanças não só de aspectos produtivos no

processo de realização da animação, quando falamos na relação homem versus máquina em seu

processo, é comum ouvirmos o discurso que coloca o computador apenas como “mais uma fer-

ramenta”, a qual, assim como outras que foram substituídas por novas, também o será em algum

momento, e que o que mais importa mesmo é o valor artístico do processo. O que fica é o uso que

os artistas fazem dessas ferramentas. É a visão mais comum entre os artistas e mesmo entre críti-

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cos, pois parece ser também o modo mais fácil de se lidar com a situação. Concordamos em parte

com esta idéia; afinal, queremos deixar claro aqui que não se trata de maximizar a importância

da máquina em relação à do homem, na hora de produzir um trabalho de arte, pois valorizamos o

papel do artista e sua importância significativa para a própria evolução dos meios e das máquinas,

e hoje, mais do que nunca, sabemos da descartabilidade crescente destas novidades.

No entanto, algumas considerações devem ser feitas ao pensarmos sobre essa oposição

entre homem e máquina no processo de criação das animações computadorizadas, pois o compu-

tador é, sim, uma máquina que oferece recursos além da simples ferramenta, como foi possível

notar em absolutamente todas as análises realizadas nesta pesquisa. Não se trata somente da e-

mergência de novos recursos que podem ser utilizados pela animação, mas sim de modos novos

de se pensar a produção de imagens em movimento. São técnicas, conceitos, crenças, métodos,

abordagens muito distintas do que foi produzido até pouco tempo atrás, ainda que estejam certa-

mente inseridos nos 100 anos de história da animação, como uma clara evolução do pensamento

da animação, que, não podendo ser diferente, segue a mudança de pensamento da sociedade. São

formulações irremediáveis e inscritas em toda e qualquer forma de produção da animação, mes-

mo que não haja intenção de explorá-las.

Ainda assim, muito se fala de artistas que usam o computador como simples ferramenta,

e, portanto, seu trabalho nem chega a tocar a abrangência que a tecnologia atual permite. Parece-

nos que, ao trabalhar com o computador, mesmo em níveis limitados, a série de processos inter-

nalizados e as diversas mudanças no processo fazem com que a animação produzida hoje já não

seja a mesma animação feita há cerca de 20 anos, nem que o realizador deseje isto. Talvez seja

imprudente falar dele como uma simples ferramenta, comparável a um pincel ou à velha anima-

ção em table-top.118 É importante compreender a relação entre o fazer do animador e o dispositi-

vo tecnológico para compreender o que se pensa na animação computadorizada.

Não tendo origem fora do próprio fazer que, de modo simultâneo, implica a mesma ação tanto o

autor quanto o inteiro dispositivo, as qualidades expressivas da ilusão do movimento e do fato

fílmico tomado em seu conjunto são, por isso, determinadas pela natureza dessa relação. 119

118 Aparato provido de câmera no qual a animação tradicional 2D era composta e gravada. 119 GRAÇA, M. E. (2006),,op. cit., p. 95.

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Os processos de realização da animação hoje são outros, e o que se espera dos artistas que

trabalham com eles é que os explorem e criem novas pesquisas e idéias sobre o movimento; que

esgotem suas potencialidades e que tenham consciência do momento histórico, porém transitório,

pelo qual passam.

A obra de arte carrega as marcas singulares do projeto poético que a direciona, mas também faz

parte da grande cadeia que é a arte. Assim, o projeto de cada artista insere-se na frisa do tempo

da arte, da ciência e da sociedade, em geral. 120

Isto é o que esta pesquisa tentou demonstrar desde o início. Não se pode pensar a anima-

ção isolada de seu processo de realização e de sua inserção no pensamento contemporâneo de sua

sociedade. É aí que a tecnologia da animação computadorizada entra de forma contundente para

mudar definitivamente os modos de pensar e fazer essa imagem em movimento – uma imagem

que, agora, pode ser considerada uma imagem em movimento expandida, já que trabalha não

somente com a imagem do movimento visível, mas também com outras formas de apreensão

do movimento.

Fica claro, porém, que o espaço reservado a uma dissertação de mestrado não seja sufici-

ente para abarcar um número completo de manifestações de uma linguagem que se expande a

cada dia. No entanto, algo se pretendeu neste sentido, o que pode ser visto no grande número de

elementos do corpus e sua extensa variedade. Ainda assim, temas importantes como o papel da

animação nos games e nas narrativas contemporâneas, infelizmente, foram deixados de lado em

prol de uma abordagem voltada mais exclusivamente para o cinema de animação, mas demons-

tram caminhos claros para pesquisas futuras. A polêmica questão das imagens sintéticas e suas

relações com o imaginário popular também nos parece um tema a merecer um aprofundamento

mais amplo, mas, no caso dessa pesquisa, limitamo-nos ao universo de imagens deste tipo associ-

adas diretamente à animação.

No entanto, quanto à tarefa que cabe a uma dissertação, parece-me que esta cumpriu seu

papel de mapear e tentar compreender as novas e diversas formas de manifestações da animação

120 SALLES, C. (1998), op. cit., p..42.

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no âmbito da tecnologia digital e de seus novos meios. Agora, faz-se necessária uma resposta

visual ao que foi aqui pesquisado.

Desilusões do movimento

Ao longo da pesquisa e da formulação desta dissertação, alguns trabalhos em animação

foram realizados. Como visto em alguns de seus capítulos, dois deles foram apresentados: Corri-

mento e Mobile preacher. No entanto, uma das animações acabou sendo produzida no final do

processo de redação desta dissertação e se revelou uma interessante forma de concluir a pesquisa,

pois ela parece tocar questões importantes das motivações que levaram a este árduo percurso de

busca pela compreensão desta nova fase da animação, explorada neste volume, e de constituir

uma forma de pensamento conclusivo sobre o que aqui foi exposto.

O trabalho em questão é Desilusões do movimento. Trata-se de cinco animações construí-

das a partir de quadros de animações já existentes. As cinco animações foram pensadas para ser

visualizadas simultaneamente num ambiente onde seja possível dispô-las paralelamente. O que se

segue é uma descrição detalhada, acompanhada de comentários, sobre processo de realização

deste trabalho.

A começar pelo título, Desilusões do movimento faz uma referência direta ao título do

famoso livro de Ollie Johnston e Frank Thomas, Illusion of life: Disney animation, publicado

originalmente em 1981. No livro dos animadores da Disney, a animação seria então uma espécie

de ilusão da vida, na qual o movimento vivo da animação seria uma forma de iludir o olho, de

construir artificialmente o movimento e, portanto, a vida. Ao utilizar o título do livro, que de-

monstra claramente um posicionamento conceitual a respeito da linguagem da animação, e utili-

zando-se do prefixo “des” em Desilusões do movimento, procurou-se evidenciar a descrença na

ilusão ao mesmo tempo em que a palavra “desilusão” carrega sentidos que podem levar à com-

preensão de sentimentos de frustração, desapontamento e decepção.

A idéia toda surgiu a partir deste conceito sobre a animação, explorado no livro citado e

levado adiante até os dias de hoje em seu universo, e da constatação, durante a pesquisa, de que a

idéia de ilusão na animação, hoje, principalmente com o advento da animação computadorizada,

é um tanto quanto duvidosa.

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Com a idéia formalizando-se aos poucos, procuraram-se referências dos livros clássicos

da técnica da animação. Nestes livros, foi constatada uma série de métodos práticos para a cons-

trução da citada ilusão da vida. A idéia então era, a partir da escolha destes métodos, criar anima-

ções que fossem construídas pela unidade mínima de uma animação – o quadro –, retiradas de

animações distintas já existentes.

Da técnica da animação tradicional, foram escolhidos oito métodos, na maior parte cons-

truções de movimentos cíclicos. Foram estes: ciclo de caminhada; ciclo de corrida; ciclo de corri-

da rápida; ciclo de caminhada frontal; princípio da onda, squash/stretch; ciclo de corrida em qua-

tro patas; ação de sneak;121 tomada de cartum. O livro que serviu de origem primária para esta

pesquisa foi Cartoon animation, de Preston Blair, publicado em 1980 por Walter T. Foster. Trata-

se de um verdadeiro clássico dentro da produção de animação brasileira e serviu de referência

para diversos autores, no país e fora dele.

Fig. 36 - Cinco movimentos cíclicos clássicos extraídos do livro de Preston Blair,

que foram usados na versão final deste trabalho.

121 Não há uma tradução precisa para o português desta palavra do inglês, mas seria algo como

“caminhar de mansinho”.

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Após esta etapa de estudo, foi realizada uma busca minuciosa em dezenas de animações

em formato digital, que possibilitavam uma ação de copy/paste. Esta busca teve como objetivo

identificar e registrar os movimentos por sua construção semelhante aos métodos previamente

selecionados nos livros de técnica da animação. O que resultou foi um grande número de seqüên-

cias como esta abaixo, retirada de um episódio da série Scooby Doo.

Fig 37 - Seqüência cíclica completa de uma corrida em Scooby Doo.

Dentre os métodos selecionados, optou-se por cinco que se apresentaram com maior fre-

qüência nas animações pesquisadas: ciclo sneak; ciclo de caminhada; ciclo de corrida; ciclo de

corrida rápida; e ciclo de corrida em quatro patas. A idéia então era utilizar um quadro de cada

animação selecionada para construir o movimento. Para tal, os quadros foram escolhidos e sobre-

postos de acordo com as imagens e posições visualizadas no livro de Preston Blair. Com a con-

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firmação da construção de um movimento, os cenários eram limpos, restando apenas o persona-

gem em fundo branco.

Fig 38, 39, 40, 41 - Quatro quadros completos utilizados na construção dos movimentos de Fast Run

Fig. 42 - Montagem de “Sneak”

Fig. 43 - Montagem de “Walk”

Fig. 44 - Montagem de “Run”

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Fig. 45 - Montagem de “Fast Run”

Fig. 46 - Montagem de “Gallop”

Para que ocorresse a animação, foi necessária a utilização de um software não comentado

até então nesta dissertação. Trata-se do Adobe After Effects. Este software faz parte de uma li-

nhagem inscrita no conceito de composição digital, ou seja, trata-se de softwares que trabalham

com as já comentadas múltiplas camadas de sobreposição, permitindo assim que seja composta a

imagem a partir das mais diversas fontes. É neste tipo de software que são aplicados os efeitos

especiais também. No caso de Desilusões do movimento, o software foi usado para a composição

seqüencial dos quadros recortados das animações pesquisadas. Com ele, foi possível sobrepor os

quadros e organizá-los temporal e espacialmente para que o movimento fosse criado.

Fig. 47 - Sobreposição das camadas em “Sneak”

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Fig. 48 - Sobreposição das camadas em “Fast Run”

Ao ser visualizada, conseguimos ver na animação o movimento descrito, mas não identi-

ficamos um personagem específico responsável por ele. Deste modo, o resultado da experiência é

a criação de um movimento “desiludido”. Um movimento que nega as questões de contigüidade

das formas na animação e, portanto, nega a ilusão do movimento para clamar pelo próprio movi-

mento. Faz isso ao mesmo tempo em que usa como fonte metodológica e matérica a animação

clássica rearranjada pelo dispositivo digital. Não só a fonte das imagens é a duplicação digital,

mas também os processos de copy/paste e a composição de múltiplas camadas mostram que esta

animação só é possível conceitualmente no âmbito da animação computadorizada.

A opção pela ausência de som também se deu na tentativa de reduzir ao máximo a experi-

ência de ilusão de movimento ao simples movimento, pois o som, aqui, acresceria sentidos não

desejados a um trabalho que preza a redução.

Desilusões do movimento procura construir uma crítica á concepção ortodoxa de anima-

ção e ao uso iludido da computação. Ao falar diretamente do processo de construção da imagem

animada, busca levantar questões a respeito do papel das ferramentas computacionais no processo

de realização das obras em animação. Relações entre homens, máquinas e linguagens.

Este trabalho é uma forma otimista de terminar esta dissertação. Apesar da expressão “de-

silusão” contida no título, demonstra uma crença nas novas possibilidades e caminhos a ser per-

corridos pela animação, sem ignorar os 100 anos de história e de evolução de uma linguagem

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que, talvez, se vista a distâncias seculares, tenha sido apenas uma fase do desenvolvimento do

que conhecemos hoje como audiovisual.

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Relação de imagens

Fig. 1 – [DO AUTOR], 2006. Corrimento.

Fig. 2 – Motomichi Nakamura, 2006. Evöe.

Fig. 3 – Motomichi Nakamura, 2005. Walk.

Fig. 4 – Motomichi Nakamura, 2005. Drops.

Fig. 5 – [DO AUTOR], 2006. Mobile preacher.

Fig. 6 – Xeth Feinberg, 1998. Cinema Bulbo: episódio Bulboland.

Fig. 7 – Tim Burton, 2003. Stainboy: episódio Staregirl.

Fig. 8 – The Ninjai Gang, 2004. Ninjai.

Fig. 9 – Ckoe, 2002-2005. Itching Hands: episódios Old lady e Banana.

Fig. 10 – Ckoe, 2002-2005. Itching Hands: episódio Unfortunate.

Fig. 11 – Rooster Teeth Productions, 2003. Red Vs Blue.

Fig. 12 – Thibault Bérard e Vincent Gautier, 2004. Dahucapra Rupidahu.

Fig. 13 – Frank Miller e Robert Rodrigues, 2005. Sin City.

Fig. 14 – Mamoru Oshii, 2004. Ghost in the shell 2: Innocence.

Fig. 15 – Mamoru Oshii, 2004. Ghost in the shell 2: Innocence.

Fig. 16 – Pierre Huyghe, 2001. One million kingdoms.

Fig. 17 – Richard Linklater, 2001. Waking life.

Fig. 18- Ming-Yuan Chuan e Chun-Wang Sun, 2005. Cubic tragedy.

Fig. 19 – Chris Landreth, 2004. Ryan.

Fig. 20 – Hans Hoogerbrugge, 1998-2001. Modern living: episódio Obedient.

Fig. 21 – Hans Hoogerbrugge, 1998-2001. Modern living: episódio Levitation.

Fig. 22 – Hans Hoogerbrugge, 1998-2001. Modern living: episódio Slip-up.

Fig. 23 – Hans Hoogerbrugge, 1998-2001. Modern living: episódio Nervous.

Fig. 24 – Hans Hoogerbrugge, 1998-2001. Modern living: episódio Prelude.

Fig. 25 – Celia Eid, 2005. Se taire, si ça vous chante.

Fig. 26 – Yasuo Ohba, 2001. Anjyu.

Fig. 27 – Wayne Lytle, 2001. Animusic.

Fig. 28 – Yugo Nakamura, 2005. Border.

Fig. 29 – Yugo Nakamura, 2005. Oval X 3 e Line X 50.

Fig. 30 – Yugo Nakamura, 2005. Gasbook 10: movement.

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Fig. 31 – Mark Napier, 2000. P-soup.

Fig. 32 – Yugo Nakamura, 2005. Claygrid.

Fig. 33 – Marius Watz, 2005. Neon organic.

Fig. 34 – Mark Napier, 2006. Four: Hopsnake.

Fig. 35 – Golan Levin e Zachary Lieberman, 2003. Messa di voce.

Fig. 36 – Preston Blair, 1980. Cartoon Animation. Tustin: Walter Foster Publishing.

Fig. 37 – Joseph Barbera e William Hanna, 1969. Scooby Doo.

Fig. 38 – Walt Disney Productions, 1933. Three little pigs.

Fig. 39 – Joseph Barbera e William Hanna, 1960. The Flinstones.

Fig. 40 – Walt Disney Productions, 1933. Lullaby land.

Fig. 41 – Charles M. Jones, 1952. Duck Dodgers in the 24 1/2th century.

Fig. 42 – [DO AUTOR], 2007. Desilusões do movimento: Sneak.

Fig. 43 – [DO AUTOR], 2007. Desilusões do movimento: Walk.

Fig. 44 – [DO AUTOR], 2007. Desilusões do movimento: Run.

Fig. 45 – [DO AUTOR], 2007. Desilusões do movimento: Fast run.

Fig. 46 – [DO AUTOR], 2007. Desilusões do movimento: Gallop.

Fig. 47 – [DO AUTOR], 2007. Desilusões do movimento: Sneak.

Fig. 48 - [DO AUTOR], 2007. Desilusões do movimento: Fast run.

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