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12 Anexo 1: Caixa de primeiros socorros de antídotos Como tem sido mencionado, na maioria dos casos de intoxicação, a vida do paciente dependerá do correto suporte das funções vitais e do uso adequado das medidas de descontaminação. No entanto, a provisão de medicação antitóxica específica, quando for indicada, é um recurso valioso da gestão terapêutica. Portanto, as dificuldades para se obter certos antídotos em caso de emergência é muitas vezes um motivo de grave preocupação para os médicos. Alguns poderão dizer, parafraseando a Lowenstein: “Para que serve todo o conhecimento, o treinamento de tantos profissionais da saúde e várias dezenas de números de telefone de centros de informação, assessoramento e assistência toxicológica, se não temos os antídotos nas estantes dos nossos hospitais?. Todos os esforços para nos prepararmos são infrutuosos se não temos o antídoto”. A isto também pode se somar qualquer tipo de considerações associadas às implicâncias jurídicas que terá para o médico e para as autoridades do estabelecimento assistencial o fato de que a reserva insuficiente de antídotos seja a causa da incapacidade permanente ou a morte de um paciente intoxicado. Dart assegura que a ausência do antídoto essencial pode provocar conseqüências catastróficas para alguns pacientes intoxicados, por exemplo, no caso de uma parada cardíaca posterior à overdose de digoxina, a possibilidade de morrer será de 100 % se não se dispõe imediatamente de fragmentos antidigoxina, mas se for ministrada a probabilidade de sobrevida é de 50%. Similares apreciações podem ser feitas em relação à pralidoxima e à insuficiência respiratória do intoxicado com organofosforados, ao etanol e a cegueira por metanol ou à insuficiência renal por etilenglicol ou ao anti-veneno específico para evitar a amputação de dedos por veneno crotalídeo ou botrópico, e ao kit para cianeto a fim de evitar o dano cerebral por hipoxia e mesmo a morte. No entanto, não existe um consenso internacional em relação aos critérios para selecionar os antídotos que devem integrar a caixa de primeiros socorros toxicológicos dos estabelecimentos assistenciais. A seguir são desenvolvidos alguns destes aspectos: Urgência com que são necessários Enquanto certos antídotos exigem uma aplicação imediata (por exemplo, os usados nas intoxicações com cianeto) outros são necessários em um lapso que permita o encaminhamento do paciente para um centro de maior complexidade (por exemplo, alguns quelantes) ou o encaminhamento dos antídotos desde um depósito para o local de tratamento. Estas considerações são importantes para organizar racionalmente a aquisição e distribuição dos antídotos, selecionar os medicamentos que devem estar disponíveis nas ambulâncias, locais de trabalho ou nos diferentes estabelecimentos assistenciais, bem como para estabelecer as redes de abastecimento ou de deslocamento de medicamentos ou de pacientes em casos de urgência. O IPCS, baseando-se na Diretiva da antiga Comunidade Econômica Européia (atualmente União Européia) publicada no Diário oficial de data 22 de novembro de 1989, e na avaliação feita pelo grupo de expertos reunidos em 1996, estabeleceu uma Classificação baseada na urgência com a que os antídotos são necessários a partir do momento em que ocorre a intoxicação. a) Antídotos que são requeridos imediatamente (em um prazo de 30 minutos): deveriam estar disponíveis nas farmácias de todos os hospitais, caixas de primeiros socorros de centros de saúde, consultórios médicos privados em zonas onde não há hospitais próximos, consultórios de medicina laboral em alguns locais de trabalho. Esta categoria

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Anexo 1: Caixa de primeiros socorros de antídotos Como tem sido mencionado, na maioria dos casos de intoxicação, a vida do paciente dependerá do correto suporte das funções vitais e do uso adequado das medidas de descontaminação. No entanto, a provisão de medicação antitóxica específica, quando for indicada, é um recurso valioso da gestão terapêutica. Portanto, as dificuldades para se obter certos antídotos em caso de emergência é muitas vezes um motivo de grave preocupação para os médicos. Alguns poderão dizer, parafraseando a Lowenstein: “Para que serve todo o conhecimento, o treinamento de tantos profissionais da saúde e várias dezenas de números de telefone de centros de informação, assessoramento e assistência toxicológica, se não temos os antídotos nas estantes dos nossos hospitais?. Todos os esforços para nos prepararmos são infrutuosos se não temos o antídoto”. A isto também pode se somar qualquer tipo de considerações associadas às implicâncias jurídicas que terá para o médico e para as autoridades do estabelecimento assistencial o fato de que a reserva insuficiente de antídotos seja a causa da incapacidade permanente ou a morte de um paciente intoxicado. Dart assegura que a ausência do antídoto essencial pode provocar conseqüências catastróficas para alguns pacientes intoxicados, por exemplo, no caso de uma parada cardíaca posterior à overdose de digoxina, a possibilidade de morrer será de 100 % se não se dispõe imediatamente de fragmentos antidigoxina, mas se for ministrada a probabilidade de sobrevida é de 50%. Similares apreciações podem ser feitas em relação à pralidoxima e à insuficiência respiratória do intoxicado com organofosforados, ao etanol e a cegueira por metanol ou à insuficiência renal por etilenglicol ou ao anti-veneno específico para evitar a amputação de dedos por veneno crotalídeo ou botrópico, e ao kit para cianeto a fim de evitar o dano cerebral por hipoxia e mesmo a morte. No entanto, não existe um consenso internacional em relação aos critérios para selecionar os antídotos que devem integrar a caixa de primeiros socorros toxicológicos dos estabelecimentos assistenciais. A seguir são desenvolvidos alguns destes aspectos: Urgência com que são necessários Enquanto certos antídotos exigem uma aplicação imediata (por exemplo, os usados nas intoxicações com cianeto) outros são necessários em um lapso que permita o encaminhamento do paciente para um centro de maior complexidade (por exemplo, alguns quelantes) ou o encaminhamento dos antídotos desde um depósito para o local de tratamento. Estas considerações são importantes para organizar racionalmente a aquisição e distribuição dos antídotos, selecionar os medicamentos que devem estar disponíveis nas ambulâncias, locais de trabalho ou nos diferentes estabelecimentos assistenciais, bem como para estabelecer as redes de abastecimento ou de deslocamento de medicamentos ou de pacientes em casos de urgência. O IPCS, baseando-se na Diretiva da antiga Comunidade Econômica Européia (atualmente União Européia) publicada no Diário oficial de data 22 de novembro de 1989, e na avaliação feita pelo grupo de expertos reunidos em 1996, estabeleceu uma Classificação baseada na urgência com a que os antídotos são necessários a partir do momento em que ocorre a intoxicação. a) Antídotos que são requeridos imediatamente (em um prazo de 30 minutos): deveriam

estar disponíveis nas farmácias de todos os hospitais, caixas de primeiros socorros de centros de saúde, consultórios médicos privados em zonas onde não há hospitais próximos, consultórios de medicina laboral em alguns locais de trabalho. Esta categoria

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inclui: o xarope de ipeca e o carvão ativado cuja efetividade máxima é evidenciada nos primeiros 30 minutos da ingestão, a atropina (inibidores de acetilcolina), o oxigênio (monóxido de carbono), o nitrito de sódio (cianeto), os anticorpos antidigoxina (digital). Na tabela do Anexo II estão identificados com a letra A.

b) Antídotos que são requeridos no prazo de duas horas: podem estar disponíveis em hospitais aos que os pacientes podem ser encaminhados dentro do prazo requerido, ou desde onde os antídotos possam ser enviados aos estabelecimentos sanitários onde serão aplicados. Por exemplo: deferoxamina (ferro), N-Acetil cisteína (paracetamol). Na tabela do Anexo II são identificados com a letra B.

c) Antídotos que são requeridos no prazo de seis horas: podem ser conservados em depósitos regionais, sempre que exista um bom sistema de transporte que permita ministrá-los no prazo requerido. Por exemplo: fitomenadiona (dicumarínicos), penicilamina (cobre). Na tabela do Anexo II são identificados com a letra C.

Com base neste critério, vários autores selecionaram um número de antídotos essenciais que não deveriam faltar em nenhum estabelecimento que forneça assistência médica de emergência e cuidados intensivos, pois seria inadmissível a demora no deslocamento desde um hospital próximo, que nunca seria inferior à uma hora, e que geralmente é maior. Para Wolf e Chrisanthus esta lista inclui apenas cinco antídotos essenciais (kit para cianeto, fragmentos de antidigoxina, etanol, pralidoxima e piridoxina), que segundo Dart deveriam ser oito (adicionando naloxona, deferoxamina e antiveneno crotalídeo) e segundo Chyka e Conner, dez (que não consideram a piridoxina nem a deferoxamina na sua lista, mas adicionam dimercaprol, flumazenil, azul de metileno e N-acetilcisteína). Outro aspecto, onde também não há consenso é a quantidade do antídoto que deve existir como reserva nos diferentes estabelecimentos. As opiniões variam entre aqueles que acreditam que é preciso garantir a quantidade mínima para iniciar o tratamento de um, dois ou cinco pacientes de 70 quilos, segundo o tipo de tóxico, ou aqueles que acham que a quantidade mínima deve ser a necessária para completar as primeiras 12 ou 24 horas de tratamento de um paciente, dependendo do tempo necessário para repor as existências. Na tabela I tem se adicionado como uma reserva mínima sugerida, a dose calculada como necessária para o tratamento de um paciente de 70 quilos durante as primeiras 24 horas. Usando esta unidade de medida poderão ser estabelecidas as necessidades de cada estabelecimento ou de cada região atendendo outras variáveis, como a epidemiologia das intoxicações, distribuição geográfica dos estabelecimentos, comunicações, etc. Eficácia clínica Na seleção de medicamentos para uma caixa de primeiros socorros toxicológicos, terão prioridade os antídotos cuja eficácia clínica esteja cientificamente comprovada através de experimentos com cobaias e documentada em estudos clínicos em seres humanos. Muitas substâncias podem reduzir significativamente a atividade in vitro de um tóxico. No entanto, isto pode não ter nenhum valor clínico. O formaldeído ao se misturar com o amoníaco forma hexametilentetraamina, que é uma substância menos tóxica; o sulfoxilato sódico de formaldeído converte o íon mercúrio em mercúrio metálico menos solúvel; e o bicarbonato de sódio converte o ferro ferroso em carbonato ferroso, que é pouco absorvido. Porém, estas técnicas não têm demonstrado efetividade clínica.

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A eficácia também está associada ao momento da aplicação. Por exemplo, o xarope de ipeca pode remover aproximadamente 50% do agente ingerido quando ministrado dentro dos primeiros 30 minutos, mas sua eficácia se reduz a 33% uma hora depois da ingestão. É preciso levar em conta que as possibilidades de realizar estudos em humanos é mais limitada que para outros agentes farmacêuticos devido a que as intoxicações com um mesmo produto e sob as mesmas circunstancias são muito incomuns, e é difícil reunir séries de pacientes para realizar estudos controlados. A experiência dos Centros de Intoxicações é essencial para discernir este aspecto. Os antídotos também são classificados, segundo a sua eficácia, pelos grupos de expertos do IPCS a partir da avaliação de documentação científica disponível sobre resultados de experimentos com animais ou a experiência clínica e estudos controlados com pacientes intoxicados. Neste sentido, tem sido considerada a redução da letalidade ou das complicações graves nas intoxicações. A Classificação é a que segue: 1. De eficácia confirmada documentalmente para uma determinada intoxicação. Por

exemplo, N-acetilcisteína para as intoxicações com paracetamol, naloxona para opiáceos, penicilamina para cobre ou sulfato de protamina para heparina. Na tabela do Anexo II são identificadas com o número 1 na coluna titulada “avaliação”.

2. De uso generalizado, mas cuja eficácia não é universalmente reconhecida por falta de dados científicos que a avaliem, de modo que é preciso realizar mais pesquisas. Por exemplo, pralidoxima em intoxicações com compostos organofosforados, penicilamina para chumbo, EDTA-CaNa2 em chumbo ou silibinina para amanitinas. Na tabela do Anexo II são identificadas com o número 2.

3. De eficácia questionável devido à insuficiência de dados científicos. Por exemplo: oxigênio hiperbárico para as intoxicações com cianeto, dimercaprol para ouro e mercúrio inorgânico, N-acetilcisteína para tetracloreto de carbono ou succímero para arsênico, cobre, ouro ou antimônio. Na tabela do Anexo II são identificadas com o número 3.

Na tabela do Anexo II foram adicionados antídotos e usos, que não estão classificados nas listas do IPCS, mas que têm sido citados por diferentes autores nos últimos anos. São identificados com a sigla “NA” (não avaliados). Disponibilidade sanitária dos antídotos Mesmo quando os dados sugerem que 98% dos casos não requer antídotos, e mais de 90% dos pacientes intoxicados que chegam aos hospitais também não, isto não exime às autoridades sanitárias da responsabilidade de contar com uma reserva adequada de antídotos. Dart afirma que o tratamento efetivo do paciente intoxicado requer que o antídoto necessário esteja disponível imediatamente para o paciente adequado, no hospital adequado e no tempo justo. Nos países onde existem sistemas de certificação e acreditação de unidades assistenciais, exige-se que os serviços médicos que fornecem assistência de emergência e cuidados intensivos, tenham a estrutura organizacional adequada, bem como os materiais e os recursos humanos para atender os pacientes intoxicados. Um componente fundamental deste sistema é a provisão de antídotos.

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No entanto, como descreve-se em muitos artigos publicados nos últimos anos, a disponibilidade dos antídotos considerados essenciais nas farmácias dos hospitais é inadequada, seja porque alguns deles estão ausentes, ou porque a quantidade seria insuficiente para iniciar o tratamento de um paciente de 70 quilos até obter uma quantidade adequada para completar o tratamento. Por exemplo, nos Estados Unidos é freqüente que os hospitais tenham naloxona (98%), mas não fragmentos de antidigoxina (2%); o kit para cianeto pode ser encontrado em 22%, pralidoxima em 38% e anti-venenos em 60%. Os hospitais com melhores reservas foram os das grandes cidades, que desenvolvem tarefas docentes, com mais de 250 leitos, com farmácias que funcionam às 24 horas e que tinham tido necessidade do antídoto nos últimos tempos. Os hospitais rurais foram os mais carentes, provavelmente por estarem localizados em áreas com baixa densidade demográfica e, portanto, com menos probabilidades de uso do antídoto, ou devido a que geralmente não contam com pessoal adequado para revisar periodicamente as necessidades e reservas. Em alguns estudos realizados em hospitais europeus, foram encontradas reservas elevadas de azul de metileno (91%) ou antídotos contra o cianeto (91%), mas com reservas insuficientes para outros (antidigoxina, DMSA, hidroxicobalamina). Outros problemas associados à inadequada disponibilidade dos antídotos são: a) A ausência de normas, guias ou recomendações específicas sobre o tipo e a

quantidade de antídotos que devem estar disponíveis em cada estabelecimento. Isto poderia ser considerado particularmente importante nos estabelecimentos pequenos que não contam com pessoal suficientemente treinado. No entanto, em alguns países ou regiões onde regem normas ou guias oficiais (União Européia, Catalunha, Grécia, Reino Unido), estas não tiveram o impacto esperado na melhoria da disponibilidade de antídotos nas farmácias dos hospitais.

b) Em alguns casos o acesso pode ser dificultado por travas administrativas e pela falta de preparações adequadas ou de importadores e fabricantes. Alguns fabricantes de medicamentos opõem-se ao registro de antídotos devido ao pequeno volume de produção requerido para atender as demandas do mercado. Assim, alguns antídotos são incluídos na categoria conhecida como “medicamentos órfãos”. Isto quer dizer que são medicamentos que visam a doenças ou processos tão infreqüentes que não pode se esperar que as despesas de desenvolvimento e comercialização sejam amortizados com os lucros obtidos nas vendas. Isto acontece com alguns medicamentos de uso freqüente, mas que requerem formulações especiais para seu uso em intoxicações, como ocorre com as altas doses de hidroxicobalamina que são requeridas nas exposições ao cianeto, o as preparações para uso endovenoso do etanol. Outras substâncias químicas com propriedades de antídoto (por exemplo, cloreto de cálcio, nitrito de sódio e azul de metileno) são comercializadas como produtos químicos, mas não podem ser obtidas em forma de preparações adequadas para usá-las como medicamentos, a não ser que tenham sido recebidas as autorizações especiais para a preparação de fórmulas magistrais, e sejam realizados os controles de qualidade correspondentes.

c) O custo é outro fator importante, principalmente nos estabelecimentos pequenos onde a compra dos antídotos pode significar uma parte importante do seu orçamento, e a freqüência de uso é tão baixa que muito provavelmente expirarão antes de serem usados.