Andréia Godinho Moreira dissertacao final · interactionist theories of Sociology, Anthropology...

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ANDRÉIA GODINHO MOREIRA UM ESTUDO SOBRE ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS NAS REDES DE ATIVIDADES DE PROFESSORES-FORMADORES: uma (re)construção de identidades Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Linguística e Língua Portuguesa, elaborada sob a orientação da Profª Drª Jane Quintiliano Guimarães Silva. Belo Horizonte 2010

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ANDRÉIA GODINHO MOREIRA

UM ESTUDO SOBRE ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS NAS REDES DE ATIVIDADES

DE PROFESSORES-FORMADORES: uma (re)construção de identidades

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Letras da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais, como

parte dos requisitos para obtenção do grau de

Mestre em Linguística e Língua Portuguesa,

elaborada sob a orientação da Profª Drª Jane

Quintiliano Guimarães Silva.

Belo Horizonte

2010

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Moreira, Andréia Godinho M838u Um estudo sobre estratégias discursivas nas redes de atividades de

professores-formadores: uma (re)construção de identidades / Andréia Godinho Moreira. Belo Horizonte, 2010

201f.: il. Orientadora: Jane Quintiliano Guimarães Silva

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Letras.

Bibliografia. 1. Análise do discurso. 2. Professores - Formação. 3. Redes de relações

sociais. I. Silva, Jane Quintiliano Guimarães . II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Letras. III. Título.

CDU: 800.85

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Dissertação defendida publicamente no Programa de Pós-graduação em Letras da PUC Minas

e aprovada pela seguinte Comissão Examinadora:

______________________________________________________________________ Prof. Dr. Paulo Henrique Aguiar Mendes (PUC MINAS) _____________________________________________________________________ Prof. Dr. Renato de Mello (UFMG) ______________________________________________________________________ Profª. Drª. Jane Quintiliano Guimarães Silva - Orientadora ( PUC MINAS)

Prof. Dr. Hugo Mari

Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Letras

PUC MINAS

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A todos que me ajudaram a alcançar este objetivo e, de modo muito especial, a meus pais,

pelas inúmeras demonstrações de carinho e incentivo.

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AGRADECIMENTOS

A Deus.

A minha família e aos amigos, que, ao longo do mestrado, respeitaram minhas ausências e me

disseram palavras de incentivo, sobretudo nos momentos de angústia e cansaço.

Ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Letras da PUC MINAS, pelas valiosas

contribuições teóricas, que possibilitaram a realização deste trabalho e aos funcionários da

Secretaria do Programa, pela prontidão e gentileza no atendimento.

À Profª. Drª. Jane Quintiliano Guimarães Silva, pela orientação atenta e carinhosa e pela

confiança que depositou em mim durante todas as etapas de realização deste trabalho.

Aos professores doutores Paulo Henrique Mendes e Renato de Mello, por terem aceitado o

convite e participado da banca examinadora.

Aos colegas do mestrado, por terem trocado experiências, compartilhado saberes e, de modo

especial, à Hermínia e à Ursula, mais do que colegas, companheiras presenciais e à distância,

com quem troquei muitas “figurinhas” e compartilhei momentos de euforia e ansiedade.

Às informantes, por terem permitido que as acompanhasse na atividade de formação de

professores, e aos profissionais das escolas da RME/BH onde a pesquisa foi realizada.

Aos professores-formadores, colegas de trabalho, e aos gerentes de educação da SMED/BH,

que colaboraram, direta ou indiretamente, para que este estudo fosse realizado.

À amiga Miriam Lemos, a quem confiei o plano de trabalho que deu origem a esta

dissertação, e que contribuiu com sugestões, textos e incentivo.

À CAPES, que possibilitou o desenvolvimento desta pesquisa, ao financiar meus estudos no

mestrado.

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Identidade

Preciso ser um outro para ser eu mesmo

Sou grão de rocha

Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto

Sou areia sustentando o sexo das árvores

Existo onde me desconheço

aguardando pelo meu passado ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro no mundo por que luto nasço

Mia Couto

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LISTA DE SIGLAS

CAPE – Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação

GCPF – Gerência de Coordenação da Política Pedagógica e de Formação

Ceale - Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita

GERED – Gerência de Educação

IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

LDBEN - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

NAL – Núcleo de Alfabetização e Letramento

PBH – Prefeitura de Belo Horizonte

PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais

PNLD - Programa Nacional do Livro Didático

Proalfa – Programa de Avaliação da Alfabetização

Proeb – Programa de Avaliação da Educação Básica

RME/BH – Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte

SAEB - Sistema de Avaliação da Educação Básica

SEE - Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais

SIMAVE - Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública

SMED – Secretaria Municipal de Educação

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RESUMO

À luz de um enfoque enunciativo-discursivo, este trabalho, de caráter interdisciplinar,

apresenta um estudo sobre as estratégias discursivas utilizadas por profissionais que trabalham

com formação de professores, no âmbito da Secretaria Municipal de Educação (SMED/BH),

intitulados professores-formadores. A partir de um exercício de interseção, aqui

empreendido, da Semiolinguística de Charaudeau com estudos da Análise do Discurso

francesa, do interacionismo dos campos da Sociologia, da Antropologia e da Psicologia

Social, este trabalho procura descrever e explicar as estratégias discursivas que concorrem

para a (re)construção de posicionamentos identitários, por parte dos professores-formadores,

em eventos implicados nas redes de atividades inseridas nas esferas sociais de atuação

profissional. O corpus deste estudo é composto por textos orais, produzidos em eventos

realizados nas esferas de atividades de duas informantes, totalizando vinte reuniões de

formação e duas entrevistas, gravadas em áudio, envolvendo profissionais da SMED e de

algumas escolas da Rede Municipal de Ensino (RME/BH) que coordenam e/ou participam de

reuniões pedagógicas de formação em serviço. Como metodologia de análise dos dados,

optou-se pela pesquisa etnográfica, concebida aqui como prática social, que procura levar em

consideração o caráter socioistórico dos sujeitos e do objeto de estudo. Com base nos

resultados da pesquisa, pode-se dizer que a identidade profissional do professor-formador não

é fixa, mas construída, negociada na interação com os partícipes dos eventos que ocorrem nas

duas esferas de atuação, por meio das estratégias de captação, credibilidade e legitimação,

pelas quais se deixa apreender um movimento de ambivalência na assunção de

posicionamentos identitários.

Palavras-chave: Estratégias discursivas. Posicionamento identitário. Formação de professores.

Rede de atividades.

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ABSTRACT

In the light of an enunciative-discursive focus, this work, which has an interdisciplinary

character, presents a study of discursive strategies used by professionals who work educating

teachers, in the scope of “Secretaria Municipal de Educação” (SMED/BH), (Municipal

Bureau of Educational Affairs), entitled teacher trainers. By the intersection employed here

from Charaudeau’s Semiolinguistics with studies of the French Discourse Analysis, of

interactionist theories of Sociology, Anthropology and Social Psychology fields, this work

aims to describe and explain the discursive strategies which contribute to the (re)construction

of identitary positionings from teachers trainers in events implied in networks of activities

inserted in social spheres of professional performance. The corpus of this study is composed

of oral texts produced in events carried out in activity spheres of two informants, totalizing

twenty formation meetings and two interviews, recorded in audio, involving professionals

which work at SMED and at some schools from “Rede Municipal de Ensino” (RME/BH)

(Municipal Teaching Network) who coordinate and/or attend pedagogical formation meetings

at work. The ethnographic research has been chosen as a methodology of data analysis,

employed here as a social practice, which aims to take into account the social and historical

feature of individuals and the object of this study. Based on the results of this research, one

can say that the professional identity of the teacher trainer is not fixed, but built, negotiated in

the interaction of the attendants of events wich take place in the two spheres of action, by

means of strategies of captation, credibility and legitimation, by wich it allows apprehending

an ambivalent movement when assuming identitary positionings.

Keywords: Discursive strategies. Identitary positionings. Education of teachers. Network of

activities.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 11

1.1 Apresentação ............................................................................................................ 11

1.2 Formulação do problema.......................................................................................... 14

1.3 Objetivos................................................................................................................... 18

1.3.1 Objetivos gerais..................................................................................................... 18

1.3.2 Objetivo específico................................................................................................ 19

1.4 Constituição do corpus e procedimentos metodológicos ......................................... 19

1.5 Organização da dissertação ...................................................................................... 22

2 DISCURSO COMO PRÁTICA SOCIAL................................................................... 23

2.1 Introdução................................................................................................................. 23

2.2 Língua, linguagem e discurso................................................................................... 23

2.3 Sujeito e contrato de comunicação numa visão semiolinguística ............................ 25

2.4 Práticas discursivas dos professores-formadores do NAL/SMED........................... 29

3 AS REDES DE ATIVIDADES DO PROFESSOR-FORMADOR............................. 41

3.1 Introdução................................................................................................................. 41

3.2 Redes de atividades: construindo o conceito............................................................ 41

3.3 Atividade e ação ....................................................................................................... 43

3.4 Intersubjetividade e dialogismo nas redes de atividades do professor-formador:

movimentos interdiscursivos e polifônicos.....................................................................47

3.5 As Administrações Regionais e o professor-formador............................................. 51

3.6 SMED: esfera onde se forma o professor-formador................................................. 51

3.7 Escola: esfera onde o professor-formador coordena a formação pedagógica .......... 58

4 A (RE)CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO PROFESSOR-FORMADOR

NA INTERAÇÃO............................................................................................................64

4.1 Introdução................................................................................................................. 64

4.2 Os espaços interacionais do professor-formador...................................................... 64

4.3 A interação e o conceito de face............................................................................... 67

4.4 Sujeito, identidade e posicionamento identitário...................................................... 71

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4.5 Identidade social e identidade discursiva na construção do ethos do professor-

formador...........................................................................................................................77

4.6 Entre a gestão e a docência: saberes de um professor-formador.............................. 79

4.7 Lugar social e lugar discursivo: noções diferentes, mas complementares ............... 88

4.8 Os papéis do professor-formador nas redes de atividades........................................ 89

5 ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS DO PROFESSOR-FORMADOR......................... 97

5.1 Introdução................................................................................................................. 97

5.2 Relação de força e estratégia .................................................................................... 98

5.3 Ato de linguagem, espaço de estratégias: uma (re)construção de identidades......... 99

5.4 Uma categorização de estratégias discursivas, segundo Charaudeau..................... 101

6 ANÁLISE DO CORPUS........................................................................................... 113

6.1 Introdução............................................................................................................... 113

6.2 O gênero do discurso como um espaço de restrições ............................................. 114

6.3 Análise do texto I.................................................................................................... 117

6.4 Análise do texto II .................................................................................................. 130

6.5 Análise do texto III ................................................................................................. 142

6.6 Análise do texto IV................................................................................................. 151

6.7 Considerações sobre as análises ............................................................................. 157

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 158

REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 162

ANEXOS...................................................................................................................... 167

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1. INTRODUÇÃO

1.1. Apresentação

Este trabalho tem como objeto de estudo as estratégias discursivas utilizadas por

professores-formadores, na construção de sua posição identitária, em atividade de formação

pedagógica de professores da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte, doravante

RME/BH.

Inicialmente, o que me motivou a escrever sobre esse objeto foi meu interesse pela

formação continuada de professores, uma vez que venho atuando como professora-formadora

da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte (SMED), desde agosto de 2005.

Quanto à relevância do tema em questão, note-se a crescente preocupação em produzir

estudos sobre os processos de formação de professores, por parte de pesquisadores dos

campos da Linguística, da Educação e da Psicologia, principalmente. No âmbito dos estudos

linguísticos, mais especificamente no campo da Linguística Aplicada, as obras de Kleiman

(2001), Kleiman e Matencio (2005), Kleiman e Signorini (2000), Eckert-Hoff (2008), entre

outras, voltam-se para estudos relacionados a esse tema. Essas pesquisas encontram

ressonância, ainda, em obras representativas da Análise Crítica do Discurso, a exemplo de

Fairclough (2001). No que tange aos estudos produzidos pela vertente francesa da Análise do

Discurso, ainda que não sejam voltados especificamente para o tema em análise, adianta-se

que algumas noções caras a essa disciplina subsidiam a reflexão acerca do objeto de estudo

proposto neste trabalho.1

Ainda com relação ao tema deste estudo, assinala-se que estudos e pesquisas do campo

da Linguística Aplicada costumam voltar-se acentuadamente para os processos de construção

identitária do profissional em formação. Suponho que isso não signifique, no entanto, que os

estudiosos do campo aplicado da Linguística desconsiderem o papel do professor-formador2

em suas pesquisas, uma vez que professores em formação e professores-formadores estão

engajados politicamente nos processos interacionais dos quais participam, sendo, nesses

termos, impossível analisar a constituição identitária de um sem se remeter ao outro. Voltado,

então, para os processos de (re)construção identitária do professor-formador, este estudo tem

1 Tais noções são explicitadas ao longo deste trabalho, mas adianta-se que os estudos de Charaudeau, no que tange à teoria dos sujeitos da linguagem, à noção de contrato de comunicação bem como de estratégias discursivas são utilizados como referencial teórico, servindo, ainda, como base para a análise do corpus. 2 Entenda-se: professor-formador ou professora-formadora.

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como foco de reflexão as práticas discursivas dos profissionais que trabalham na SMED, mais

especificamente no Núcleo de Alfabetização e Letramento (NAL)3.

A escolha desse objeto de estudo deve-se ao fato de, no decurso de minha atuação

profissional, ao coordenar eventos de formação continuada em Língua Portuguesa para

professores da RME/BH, sempre ter me preocupado com a maneira como deveria me dirigir a

esses profissionais, por estar lidando com colegas de trabalho, os meus pares, tendo em vista a

categoria funcional em questão: professor municipal. No entanto, ao falar do lugar social de

professora-formadora da SMED, posição implicada diretamente com minhas ações

profissionais, instala-se, em grau maior ou menor, uma tensão entre os participantes da troca

interacional, ou seja, professora-formadora e professores em formação.

Talvez esses movimentos de assimetria, nos eventos de formação, ocorram porque o

professor-formador costuma representar uma instância que se presume uma autoridade sobre

as escolas da RME/BH. Partindo dessa hipótese, depreende-se, por conseguinte, que parece

existir uma relação de força na interação entre professor-formador e professor em formação, o

que pode fazer emergir diferentes posicionamentos identitários nos discursos dos professores-

formadores, materializando-se por meio de estratégias discursivas.

Prosseguindo nessa discussão, a opção pelo desenvolvimento da pesquisa em uma

rede pública municipal de ensino deve-se a meu vínculo profissional com a Prefeitura

Municipal de Belo Horizonte (PBH), como dito. Além disso, o fato de a SMED oferecer uma

formação continuada aos professores, ministrada pelos próprios profissionais da Rede, pode

funcionar como um elemento facilitador do processo investigativo que se propõe: a

(re)construção identitária do professor-formador nos eventos imbricados em sua rede de

atividades.

Tendo em vista o objeto de estudo: as estratégias discursivas utilizadas por

professores-formadores, na construção de sua posição identitária, tomam-se como foco de

observação e particularmente de análise os discursos4 produzidos por duas professoras-

formadoras da RME/BH e seus interlocutores5 (professores), em eventos de formação em

3 O Núcleo de Alfabetização e Letramento (NAL), localizado na SMED, com funcionamento até dezembro de 2008, responsabilizava-se, entre outras ações, pela formação de professores do ensino fundamental, no que concerne ao ensino de Língua Portuguesa. A partir de 2009, essa função passou a ser exercida pela Gerência de Educação Básicas e Inclusão. 4 No capítulo 2 encontra-se delimitada a noção de discurso com a qual se trabalha neste estudo. 5 Neste trabalho, optou-se por utilizar o termo interlocutores, conforme Charaudeau (2001), para se referir aos sujeitos que se encontram numa situação de interação face a face. Apesar da opção por tal palavra, considerando o caráter interdisciplinar deste estudo, adverte-se que também são empregados, com as devidas precauções, termos como atores, participantes, partícipes e parceiros, utilizados no âmbito das Ciências Sociais, como a Psicologia Social e a Sociologia.

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serviço, ocorridos no ano de 2008, no âmbito das diversas atividades realizadas por essas

profissionais.

No que tange aos sujeitos da pesquisa, adianta-se que são profissionais que ministram

cursos de formação em serviço aos professores da RME/BH, os quais, por atuarem na SMED,

não estão no exercício da docência. Por formador, entende-se, no quadro da SMED, aquele

profissional que se apresenta apto a elaborar e executar cursos de formação continuada de

docentes, ocupando-se também da produção de materiais e da interlocução sistemática com os

professores dessa rede de ensino. Esses profissionais, denominados professores-formadores,

neste estudo, ministram cursos de formação em Língua Portuguesa na SMED e/ou em outros

espaços localizados em áreas pertencentes às nove Administrações Regionais de Belo

Horizonte. Além desses locais, os professores-formadores podem atuar em escolas que

solicitem a formação pedagógica ou naquelas escolhidas pela SMED,6 geralmente, por

apresentarem um alto índice de alunos com baixo rendimento em avaliações sistêmicas7 de

âmbito nacional, como a Prova Brasil, e estadual, como o Proalfa e o Proeb, entre outras8.

Nas escolas, a principal atividade do professor-formador é coordenar reuniões de

formação em serviço. No caso deste estudo, as reuniões pedagógicas promovidas por esse

profissional ocorreram devido a um projeto implementado pela SMED, no ano de 2008,

intitulado Ações Integradas para a Aprendizagem. A finalidade desse Projeto foi o

monitoramento de trinta e três escolas que obtiveram os resultados mais baixos na

classificação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB)9 e o maior número

de alunos com baixo desempenho nas avaliações do Programa de Avaliação da Alfabetização

(Proalfa), ocorridas em 2007, nas escolas públicas de Minas Gerais. Nas escolas participantes

do Projeto de Ações Integradas para a Aprendizagem, o professor-formador responsabilizou-

se pelo processo de formação continuada dos docentes do 1º ciclo de formação e do início do

6 Em 2010, a formação em serviço estendeu-se para todas as escolas de ensino fundamental da RME/BH. Esse projeto denomina-se Monitoramento do Ensino e da Aprendizagem. 7 Avaliação sistêmica é uma modalidade de avaliação, em larga escala, desenvolvida no âmbito de sistemas de ensino visando, especialmente, subsidiar políticas públicas na área educacional. Informação disponível em: <http://crv.educacao.mg.gov.br/sistema_crv>. 8 A Prova Brasil faz parte do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e avalia a proficiência dos alunos das redes públicas de ensino que se encontram no 5º e no 9º anos do ensino fundamental, em Língua Portuguesa e Matemática. O SIMAVE (Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública) avalia o nível de alfabetização de crianças do terceiro ano da educação básica da rede pública de Minas Gerais, por meio do Programa de Avaliação da Alfabetização (Proalfa). Já o Programa de Avaliação da Educação Básica (Proeb) avalia, em Língua Portuguesa e Matemática, os alunos do 5º e 9º anos do ensino fundamental e do 3º ano do ensino médio 9 Os resultados de escola, município, unidade da Federação e Brasil são calculados a partir do desempenho obtido pelos alunos que participam da Prova Brasil/Saeb e das taxas de aprovação globais, calculadas com base nas informações prestadas no Censo Escolar. Outras informações poderão ser encontradas em: <http://ideb.inep.gov.br/Files/Site/Download/Ideb-nota_explicativa16_09_08.pdf>.

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2º. Isso corresponde, na lógica do ensino de nove anos10, aos alunos que se encontram no 1º

ao 4º ano do ensino fundamental. Além dos professores citados, o professor-formador atuou,

ainda, com a direção e a coordenação pedagógica das escolas monitoradas, visando

estabelecer diálogos voltados para a construção de práticas escolares que propiciassem a

alfabetização e o letramento dos alunos dos quatro primeiros anos do ensino fundamental.

Tendo em vista a dinamicidade e a plasticidade das atividades e ações nas quais se

envolvem o professor-formador em esferas sociais distintas (escolas da RME/BH e SMED) e

a fim de tomar tal característica como ponto importante e necessário para compreender o

funcionamento desse processo na construção de sua posição identitária, em atividade de

formação pedagógica de professores, adoto, neste estudo, o conceito de rede de atividades11

para me referir às diversas modalidades de atuação empreendidas por esses profissionais

dentro das esferas sociais em que atuam.

Ao investigar as práticas discursivas dos professores-formadores do NAL/SMED, em

situações reais de comunicação, ocorridas em suas redes de atividades, pretendo contribuir

para a ampliação dos estudos sobre a construção identitária do professor-formador, nos

processos interacionais dos quais participam. Acredito, ainda, que este trabalho, assim como

outros inscritos no âmbito da Análise do Discurso, da Psicologia Social e das Ciências da

Educação, possa interessar aos gestores que se responsabilizam pela organização de cursos de

formação continuada de professores, tendo em vista a importância e a necessidade de uma

interlocução sistemática entre os profissionais que produzem pesquisas sobre formação de

professores e aqueles que se responsabilizam pela coordenação de cursos de formação

continuada e/ou em serviço de professores que lecionam para alunos do ensino fundamental.

1.2. Formulação do problema

Como o objeto de estudo são as estratégias discursivas mobilizadas pelo professor-

formador do NAL/SMED, na assunção de posicionamentos identitários, tem-se como alvo de

observação o discurso desse profissional, gerado e atualizado numa rede de atividades, sendo,

portanto, reflexo de um empreendimento social. Para pensar esse quadro, considerando as

relações entre discurso e instituição, entre instituição, lugares sociais e a assunção de papéis

10 A lei 11.274/2006 instituiu a duração mínima de nove anos do ensino fundamental e a matrícula obrigatória aos seis anos de idade. Maiores informações em: <http://portal.mec.gov.br>. 11 O termo rede de atividades encontra-se definido, com mais detalhamento, no capítulo 3, mas esclarece-se que esse termo advém dos estudos desenvolvidos por Silva e Matencio (2010) intitulado Rede de atividades e práticas de letramento: relações entre espaços individuais e coletivos; interfaces entre movimentos singulares e práticas sociais. (No prelo).

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identitários, nas atividades do professor-formador,12 recorre-se a Berger & Luckmann para

quem “a ordem social existe unicamente como produto da atividade humana.” (BERGER &

LUCKMANN, 1985, p. 76, ênfase dos autores).

Nessa perspectiva, compreender o discurso do professor-formador como um

empreendimento social equivale a dizer que os discursos são constituídos na e pela interação

com os sujeitos com os quais esse profissional entra em contato nas diversas atividades das

quais participa em suas esferas de atuação. A esfera que se responsabiliza pela

produção/atualização do discurso do professor-formador é a SMED, local onde se constitui

como tal, na interação com a equipe de professores-formadores e os gerentes de educação.

Nas esferas onde atua, esse professor-formador parece desempenhar variados papéis e

assumir determinados posicionamentos identitários, conforme as atividades que realiza, os

discursos autorizados em cada esfera e os sujeitos com os quais interage. Como o professor-

formador costuma exercer atividades em duas instituições (SMED e escolas da RME/BH), é

necessário frisar, à luz de Berger & Luckmann (1985), que toda atividade, ao se tornar um

hábito, sofre um processo de institucionalização. As instituições, para se constituírem como

tais, implicam procedimentos de controle e legitimação dos discursos por parte dos sujeitos

que as representam. Quando se trata de uma coletividade de atores sociais, pode-se falar em

papéis que estão linguisticamente objetivados no interior das instituições. Na visão desses

autores:

As instituições incorporam-se à experiência do indivíduo por meio dos papéis. Estes, linguisticamente objetivados, são um ingrediente essencial do mundo objetivamente acessível de qualquer sociedade. Ao desempenhar papéis, o indivíduo participa de um mundo social. Ao interiorizar estes papéis, o mesmo mundo torna-se subjetivamente real para ele. (BERGER E LUCKMANN, 1985, p. 103).

Pensando no objeto de estudo deste trabalho, sob o enfoque enunciativo-discursivo, é

possível admitir que, ao assumir a função de professor-formador do NAL/SMED, o que

implica sua inscrição em um papel institucionalizado, esse profissional passa a falar de um

lugar social, representado nos discursos, que pode lhe exigir a assunção de determinados

posicionamentos identitários.

A hipótese deste estudo é que os professores-formadores negociam seus

posicionamentos identitários, no interior de seus discursos, por meio da mobilização de

12 Algumas noções caras a este estudo, como papel, lugar social e posicionamentos serão discutidas, com mais vagar, no capítulo 4, mas vale adiantar que as vejo dentro de uma rede conceitual.

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estratégias discursivas, nas redes de atividades em que atuam. E assim agem, ao que parece,

conforme demonstrado nos capítulos 4 e 5, na ambivalência de papéis, pois fala-se ora na

condição de par (colega) do professor em formação, ora na condição de gestor, para negociar

junto ao grupo a tarefa proposta. Ou seja, no curso dos eventos de formação pedagógica,

assiste-se a movimentos de (re)construção identitária, na relação entre professores-formadores

e os demais partícipes das reuniões de formação. Em suma, é para esses movimentos que este

estudo se volta, a fim de flagrar as estratégias discursivas mobilizadas pelo professor-

formador, na assunção de posicionamentos identitários.

Voltado este estudo para o processo de constituição identitária do professor-formador,

que ocorre por meio das práticas discursivas engendradas em suas esferas de atuação

profissional, torna-se fundamental, então, investigar a(s) maneira(s) como esse sujeito se

constitui como formador nas instituições em que atua. Ora, isso implica a constituição de uma

subjetividade, na medida em que se interioriza, sociocognitivamente, no curso de suas ações,

o lugar social em questão. Sobre isso, Silva & Matencio (2005, p. 250) afirmam que “[...] o

processo de subjetivação emerge da assunção pelo sujeito de um posicionamento identitário,

de uma posição que, a um só tempo, marca a sua singularidade e sua posição em relação ao

grupo de pertença.”

Nessa perspectiva, a identidade enquanto categoria discursivamente construída é capaz

de dotar os indivíduos de papéis, de acordo com as esferas sociais que representam. Defende-

se, então, a partir das reflexões de Silva & Matencio (2005) bem como com o que propõe

Berger & Luckmann (1985), o pressuposto de que os papéis enunciativos assumidos pelos

sujeitos estão intrinsecamente relacionados aos lugares sociais que ocupam e às

representações que constroem desses lugares, no curso dos eventos dos quais participam. Isso,

no cenário da pesquisa, pode ser assim esboçado: os diversos “eus” que emergem no discurso

dos professores-formadores do NAL/SMED parecem permeados de vozes, de enunciadores

responsáveis pelos diferentes posicionamentos identitários atualizados por esses profissionais

nas trocas interacionais organizadas nas esferas sociais em que atuam.

Resumidamente, tem-se aqui o desenho do objeto de estudo: o trabalho de

identificação de posicionamentos identitários, por parte do professor-formador, tendo em vista

as estratégias discursivas por ele agenciadas no curso de suas interações, realizadas em suas

esferas de atividades (escolas da RME/BH e SMED). A opção por investigar as estratégias

discursivas desse profissional explica-se pelo fato de o discurso do professor-formador do

NAL/SMED ser produzido por um sujeito que se enuncia ora do lugar de professor, ora do

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lugar de gestor, dependendo do assunto que é tratado com os professores que participam dos

eventos de formação, conforme exposto.

Em outras palavras, ao observar esses movimentos de (re)construção identitária,

materializados nos discursos do professor-formador, percebe-se que parecem se tratar de uma

construção estratégica, tecida ao longo dos eventos interacionais implicados nas redes de

atividades desse profissional. Cumpre ressaltar que a relação entre a utilização de estratégias

discursivas e a assunção de posicionamentos identitários pelo professor-formador está

intimamente ligada ao fato de esse profissional coordenar eventos de formação continuada

para professores da RME/BH, sujeitos que, do ponto de vista funcional, são seus colegas de

trabalho. No entanto, observa-se, em determinados momentos dos eventos interacionais

envolvendo professor-formador e professor em formação, movimentos de assimetria no que

tange às relações profissionais entre esses sujeitos. Nesses momentos, pode acontecer, por

parte dos professores e coordenadores pedagógicos que participam das reuniões de formação,

o não reconhecimento do professor-formador como pertencente à classe de professor-

municipal. Isso pode ocorrer devido à tarefa proposta pelo professor-formador àqueles que

participam da formação ou, até mesmo, por causa dos modos de dizer desse profissional,

regulados por formações discursivas13 próprias da SMED. Nas ocasiões em que o professor-

formador precisa apresentar, nas escolas que monitora, determinadas diretrizes pedagógicas

e/ou administrativas, produzidas no âmbito da SMED, esse profissional pode enfrentar

movimentos de resistência à tarefa proposta, por parte dos professores em formação, caso

estes não concordem com o tema em pauta, com a abordagem dada pelo professor-formador

ao tema proposto para discussão ou ainda com a maneira como o professor-formador conduz

a reunião na esfera escolar.

Nos momentos em que certas determinações da SMED precisam ser negociadas pelo

professor-formador, nas reuniões de formação ocorridas nas escolas que acompanha, é

comum que esse profissional posicione-se como um gestor, como alguém que se enuncia de

um lugar social que o legitima a tomar determinadas decisões em âmbito escolar. Embora o

professor-formador, ao se enunciar como representante da SMED, parece imbuído de

legitimidade para propor determinadas tarefas ou para dizer o que diz e da maneira como o

faz, nas reuniões de formação em serviço, esse profissional, muitas vezes, precisa regular seus

modos de dizer, por meio de estratégias de captação, legitimação e credibilidade14.

13 A noção de formação discursiva é apresentada, detalhadamente, no capítulo 2. 14 O capítulo 5 discorre sobre as estratégias discursivas dos professores-formadores do NAL/SMED.

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À luz desse quadro, para fins de análise das estratégias discursivas agenciadas pelos

professores-formadores do NAL/SMED, em eventos engendrados em suas redes de

atividades, formulou-se uma série de perguntas, a saber:

1) Que estratégias são mobilizadas pelos professores-formadores em suas práticas

discursivas que concorrem para deixar à mostra o(s) posicionamento(s) identitário(s)

assumido(s) por esses profissionais?

2) Como as estratégias discursivas contribuem para a (re)construção dos posicionamentos

identitários dos professores-formadores?

3) Como esses posicionamentos identitários materializam-se nos eventos interacionais e,

por extensão, nas redes de atividades dos professores-formadores, tendo em vista as

condições de produção, circulação e recepção15 dos discursos desses profissionais?

4) Ainda, no que tange às condições em que são produzidos os discursos dos professores-

formadores, considerando os sujeitos, impõem-se outras perguntas: Quem são? De que

lugares sociais se enunciam? Como representam tais lugares enunciativos, no curso da

interação? Que posicionamentos identitários assumem no interior de seus discursos?

Que outros discursos deixam-se entrever nas falas desses profissionais?

Vistos sob esse ângulo, admite-se que os professores-formadores só parecem se constituir

como tais na medida em que direcionam seus discursos aos professores que participam dos

eventos de formação, na RME/BH.

1.3. Objetivos

1.3.1. Objetivos gerais

Identificar e analisar as estratégias discursivas dos professores formadores do

NAL/SMED, que concorrem para a (re)construção de posicionamentos identitários,

por parte desses profissionais, em eventos implicados nas diversas redes de atividades

em que atuam.

Oferecer contribuições aos estudos voltados para o processo de (re)construção

identitária de professores-formadores.

15 Deixo claro que o foco deste estudo incide sobre as condições de produção e circulação do discurso do professor-formador. Nesse caso, a dimensão que recobre a recepção desse discurso será aqui tomada como pressuposta e não como objeto de investigação.

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1.3.2. Objetivo específico

Descrever e explicar, analiticamente, os recursos linguísticos que se apresentam, na

teia do discurso, como estratégias discursivas na assunção de posicionamentos

identitários dos professores-formadores do NAL/SMED em diversas atividades que

ocorrem em suas esferas de atuação profissional (SMED e escolas da RME/BH).

1.4. Constituição do corpus e procedimentos metodológicos

Para o desenvolvimento deste trabalho foram selecionadas duas informantes. Essas

profissionais, ambas professoras, foram acompanhadas tanto em suas atividades nas escolas

em que atuam como professoras-formadoras como em reuniões de planejamento e avaliação

da prática pedagógica ocorridas na SMED. Uma das informantes, doravante PF1, trabalhou

com formação de professores, na SMED, de agosto de 2008 a dezembro de 2009, e a outra,

de agora em diante PF2, atuou nessa instituição de fevereiro de 2004 a janeiro de 2009.16

O corpus deste estudo é composto por textos orais, produzidos em eventos realizados

nas esferas de atividades do professor-formador. Nas escolas, foram gravadas dezesseis

reuniões de formação, em áudio,17 envolvendo professores, coordenadores pedagógicos,

diretores, vice-diretores e, eventualmente, profissionais que atuam na Gerência de Educação

da Administração Regional à qual a escola acompanhada pertence. Na outra esfera de atuação,

a SMED, a gravação ocorreu durante quatro reuniões de planejamento e avaliação da prática

profissional, empreendidas pela equipe de professores-formadores e gerentes18 de educação,

também denominados, nesta pesquisa, coordenadores-gestores.19

Quanto aos procedimentos de coleta de dados para o desenvolvimento da pesquisa,

optou-se por gravações dos eventos interacionais dos professores-formadores do NAL/SMED.

Outro procedimento adotado foi a entrevista gravada com cada uma das informantes,

orientada a partir de temas preestabelecidos, como os que dizem respeito às impressões da

16 Ainda que essas informantes apresentem tal especificidade em relação ao tempo de serviço como professoras-formadoras, assinalo que esse fator não será considerado, aqui, como variante que possa influenciar (ou não) a assunção de determinados posicionamentos identitários por parte das informantes. 17 A escolha desse expediente metodológico é devido ao fato de pensar que uma gravação em vídeo dos processos de formação pedagógica poderia constranger os participantes, uma vez que a pesquisadora é, também, uma professora-formadora do NAL/SMED. 18

Termo oriundo da literatura gerencial, utilizado pela SMED para caracterizar os profissionais que ocupam cargos de chefia dentro da instituição. 19 A escolha desse termo para se referir aos gerentes de educação da SMED, nesta pesquisa, deve-se ao fato de esse profissional assumir a função de coordenador, envolvendo-se com a gestão política, administrativa e pedagógica, no âmbito da formação de professores.

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professora-formadora sobre o seu próprio trabalho, sua relação com os outros formadores e

com os professores a quem a formação é dirigida, entre outros.

Como a pesquisa investiga práticas discursivas, em eventos de interação institucional,

mostrou-se mais adequada aos propósitos deste estudo, para a coleta dos dados, uma

abordagem etnográfica. A escolha se explica, portanto, pelo fato de me apoiar na observação

dessas práticas, como participante do processo interacional, e, ainda, por ter optado pela

entrevista, considerando-a “como prática discursiva [...] como ação (interação) situada e

contextualizada, por meio da qual se produzem sentidos e se constroem versões da realidade”

(PINHEIRO, 2004, p. 186).

Essa combinação de métodos qualitativos, em que se conjugam gravações de reuniões

e entrevistas, denominada triangulação, reflete uma concepção de sujeito e objeto como

construções socioistóricas. (MENEGON & SPINK, 2004). Dessa maneira, analisar o discurso

do professor-formador do NAL/SMED significa considerá-lo como resultante de

determinadas práticas discursivas que ocorrem no interior das redes de atividades desse

profissional. Ao optar por essa metodologia, concordo com a afirmação das autoras de que a

pesquisa é uma prática social e, nessa perspectiva, o pesquisador tende a assumir um caráter

mais ativo em todo o processo de investigação. Ainda, segundo as autoras, a entrevista é um

procedimento produtivo no processo de interação entre pesquisador e pesquisado:

[...] ao abordarmos a entrevista como uma situação relacional por excelência, a expressão e produção de práticas discursivas aí situadas devem ser compreendidas também como fruto dessa interação, ou seja, os integrantes, incluindo o pesquisador, são pessoas ativas no processo de produção de sentidos. (MENEGON & SPINK, 2004, p. 85).

Em termos metodológicos, a pesquisa que deu origem a esta dissertação procurou

conceber o trabalho da investigação empírica como algo dinâmico, que se realiza nas práticas

interativas dos professores-formadores do NAL/SMED.

O produto dessa investigação, traduzido na forma do corpus, uma vez coletado e

transcrito, encontra-se materializado em textos verbais, basicamente orais. O texto, dessa

perspectiva, reflexo de sua produção, cuja tessitura traz os traços de seu processo de feitura,

afigura-se assim como o objeto observável do pesquisador, ou nas palavras de Orlandi, o texto

“é a unidade de análise afetada pelas condições de produção e é também o lugar da relação com a representação da linguagem: som, letra, espaço, dimensão direcionada, tamanho. Mas é também, e sobretudo, espaço significante: lugar de jogo de sentidos, de trabalho da linguagem, de funcionamento da discursividade. (ORLANDI, 2009, p. 72).

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Sob esse ponto de vista, o texto torna-se a unidade que permite o acesso ao(s)

discurso(s) que nele se atualizam, lugar onde se promove o funcionamento da discursividade.

Dessa perspectiva, entende-se que é na materialidade linguística, ou seja, nas marcas da

enunciação (quem diz, o que diz, como se diz, em que circunstâncias, etc.) que residem os

indícios, as pistas que permitem ao analista trabalhar com “os processos de constituição (dos

sujeitos e dos sentidos).” (ORLANDI, 2009, p. 91) e a emergência das estratégias discursivas

agenciadas pelo sujeito para levar a efeito a assunção de posicionamentos identitários.

No tocante a este trabalho, tendo em vista seu objeto de estudo, as estratégias,

captadas no discurso dos professores-formadores, materializadas nos textos que compõem o

corpus, podem ser consideradas indícios ou pistas que concorrem para compreender o

processo de (re)construção identitária do professor-formador do NAL/SMED.

Sobre a assunção de um trabalho que opera com indícios e/ou pistas, é oportuno

evocar um texto de Ginzburg, intitulado Mitos, emblemas e sinais, no qual explora o que

denomina paradigma indiciário, no âmbito de disciplinas, como as ciências humanas,

consideradas pelo autor como qualitativas, “que tem por objeto casos, situações e documentos

individuais, enquanto individuais, e justamente por isso alcançam resultados que têm uma

margem ineliminável de casualidade [...]”20 (GINZBURG, 1989, p. 156, ênfase do autor).

Ainda segundo Ginzburg,

Se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais, indícios – que permitem decifrá-la. Essa idéia, que constitui o ponto essencial do paradigma indiciário ou semiótico, penetrou nos mais variados âmbitos cognoscitivos, modelando profundamente as ciências humanas. (GINZBURG, 1989, p. 177).

Em suma, no caso deste trabalho, ancorado em uma metodologia eminentemente

qualitativa, como dito, as estratégias discursivas dos professores-formadores do NAL/SMED

parecem funcionar como indícios ou sinais linguísticos que nos permitem vislumbrar

fenômenos mais gerais, como aqueles ligados à maneira como se dá a (re)construção

identitária desses profissionais.

Este trabalho leva em consideração a dinamicidade da investigação empírica, calcada

na metodologia qualitativa de análise dos dados, tendo em vista o objeto de estudo que se

20 A utilização que Ginzburg faz do termo individual, no referido estudo, permite-lhe considerar como indivíduo um grupo social ou uma sociedade inteira.

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propõe: as estratégias discursivas de professores-formadores, nos eventos inseridos nas redes

de atividades dos quais participam.

À luz das teorias de Menegon & Spink (2004) para quem o sujeito e o objeto são

concebidos como construções socioistóricas e a pesquisa qualitativa é considerada uma

prática social, reitero a relevância de se investigar as “pegadas” que os participantes de uma

interação, no caso os professores-formadores, costumam imprimir no discurso. Dito de outra

maneira, sustenta-se, neste estudo, que a identidade do professor-formador do NAL/SMED é

uma construção discursiva21, tendo em vista a relação que se estabelece entre sujeito

(professor-formador) e o objeto do discurso (a formação de professores), podendo ser

(re)construída em meio a movimentos enunciativos estratégicos, flagrados nos eventos

interacionais dos quais participa.

1.5. Organização da dissertação

Avançando nessa discussão, passo agora ao capítulo 2 que pretende discorrer sobre

discurso como prática social

21

Embora algumas generalizações acerca dos movimentos de (re)construção identitária do professor-formador do NAL/SMED sejam feitas, nesta dissertação, cumpre salientar que tais afirmativas relacionam-se às práticas discursivas das informantes da pesquisa. No entanto, ainda que o foco recaia sobre os discursos de PF1 e PF2, os posicionamentos identitários de outras integrantes que compõem a equipe de professores-formadores do NAL/SMED emergem nas reuniões de formação que compõem o corpus desta pesquisa e são levados em consideração para fins de análise.

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23

2. DISCURSO COMO PRÁTICA SOCIAL

2.1. Introdução

Este capítulo opera com as noções de língua, linguagem e discurso, entre outras, e sua

imbricação com os conceitos de sujeito e interação, à luz de contribuições advindas de estudos

da Análise do Discurso e da Sociologia. Apresenta, também, a noção de contrato de

comunicação, guiado pela Semiolinguística de Charaudeau (2001, 2006, 2007 e 2008). Por

fim, recorre-se às noções de formação discursiva (FOUCAULT, 1972) e de comunidade

discursiva (MAINGUENEAU, 2008), com a finalidade de discorrer sobre as práticas

discursivas dos professores-formadores do NAL/SMED.

2.2. Língua, linguagem e discurso

Entender discurso como prática social significa considerá-lo dentro de uma rede de

relações socialmente organizadas. A fim de se explicitar esse raciocínio, torna-se fundamental

trabalhar com outros termos que perpassam a noção de discurso com a qual se opera neste

estudo. Dessa maneira, esta seção introduz os conceitos de língua, linguagem, enunciação,

enunciado, dialogismo e discurso sob os pontos de vista da Análise do Discurso e da

Linguística da Enunciação.

A começar pelo conceito de língua, Bakhtin/Volochinov (1992, p.90) a compreende

como uma “corrente evolutiva ininterrupta” utilizada pelo locutor no ato de enunciação,

sendo, portanto, a base da interação verbal.22 Sob esse ângulo, a língua é concebida como um

sistema dinâmico, sempre modificado historicamente pela ação dos sujeitos que a utilizam.

Se a língua possibilita a interação, a linguagem, no entendimento de Geraldi (1996, p.

67), é uma atividade constitutiva, ou seja, “é pelo processo de internalização do que nos era

exterior que nós constituímos como os sujeitos que somos, e, com as palavras de que

dispomos, trabalhamos na construção de novas palavras.” Segundo o autor, a construção do

sujeito e, consequentemente, da língua se dá por meio da linguagem.

É nesse sentido que Bakhtin/Volochinov (1992, p.123) enfatiza o caráter dialógico da

linguagem, entendendo a palavra diálogo como “toda comunicação verbal, de qualquer tipo

que seja.” Para o autor, o dialogismo23 é constitutivo da linguagem, pois mesmo uma

22 O capítulo 4 discorre mais detalhadamente sobre interação. 23 A respeito do caráter dialógico da linguagem, o capítulo 3 discute esse assunto com mais detalhamento.

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enunciação monologal prevê uma resposta, uma atitude responsiva. Dito de outra forma, a

linguagem é fundada no/pelo diálogo, uma vez que um enunciado não pode ser considerado

isoladamente, mas em relação a uma série de outros enunciados. Além disso, todo texto prevê

“um eu e um tu” que interagem, colocando-o em funcionamento.24 Nesse sentido,

Bakhtin/Volochinov define enunciado como “unidade real da comunicação discursiva”

(BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2006, p. 269, ênfase do autor) e enunciação como “o produto

da interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um

interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual

pertence o locutor.” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1992, p. 112). Resumidamente, na visão

bakhtiniana, o dialogismo está engendrado no caráter interacional do discurso, que sempre se

dirige a um interlocutor e pressupõe o outro, uma vez que o interlocutor pode estar presente

no enunciado do locutor, por meio do já-dito.

Ao se considerar a natureza social da enunciação, chega-se à ideia de que o discurso

pode ser visto como uma prática social, tendo como endosso a teoria de Charaudeau para

quem

[...] discurso pode ser relacionado a um conjunto de saberes partilhados, construído, na maior parte das vezes, de modo inconsciente, pelos indivíduos pertencentes a um dado grupo social. Os discursos sociais (ou imaginários sociais) mostram a maneira pela qual as práticas sociais são representadas em um dado contexto sócio-cultural e como são racionalizadas em termos de valor: sério/descontraído, popular/aristocrático, polido/impolido, etc. (CHARAUDEAU, 2001, p. 26, ênfase do autor).

É, pois, na/pela interação que um discurso é gerado, o que pressupõe uma coletividade

de sujeitos que se encontram em determinada situação de comunicação, ou seja, um “espaço

de troca no qual ele [o sujeito] se põe em relação com um parceiro (interlocutor)”

(CHARAUDEAU, 2008, p. 70). Nesse espaço, pressupõe-se que os sujeitos partilhem ideias,

valores e saberes, estando dipostos, portanto, a estabelecer o que o autor denomina contrato de

comunicação, foco de análise da próxima seção.

24 Sobre esse processo discursivo e enunciativo, há que se considerar as contribuições de Benveniste à teoria da enunciação, ao postular que “a enunciação é este colocar em funcionamento a língua por um ato individual de utilização.” (2006, p. 82). O ato individual de apropriação da língua introduz aquele que fala em sua fala, mas elege também um tu. Nesse jogo intersubjetivo, fundado na e pela enunciação, a língua é mobilizada, colocada em funcionamento.

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25

2.3. Sujeito e contrato de comunicação numa visão semiolinguística25

Na perspectiva semiolinguística de Patrick Charaudeau, todo ato de comunicação põe

em cena sujeitos (interlocutores) numa situação contratual de fala. Para que um contrato de

comunicação seja estabelecido, é necessário que os interlocutores compartilhem certas regras

e/ou representações sociais presentes nas práticas discursivas de uma dada comunidade. O

contrato, segundo Charaudeau e Maingueneau (2008), permite aos parceiros de um evento

comunicacional

reconhecerem um ao outro com os traços identitários que os definem como sujeitos desse ato (identidade), reconhecerem o objetivo do ato que os sobredetermina (finalidade), entenderem-se sobre o que constitui o objeto temático da troca (propósito) e considerarem a relevância das condições materiais que determinam esse ato (circunstâncias). (CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2008, p. 132).

Sob esse enfoque, é possível afirmar que o estabelecimento de um contrato entre

professor-formador e professores em formação vai depender de um processo de identificação

entre os interlocutores, o que ocorre por meio de trocas intersubjetivas no curso da interação.

Na tentativa de estabelecimento desse contrato, os discursos dos professores-formadores do

NAL/SMED deixam entrever estratégias que podem estar relacionadas à assunção de diversos

posicionamentos identitários, tendo em vista as práticas discursivas construídas nas redes de

atividades em que atuam.

Para Charaudeau (2008), um contrato de comunicação pode ser estruturado em três

níveis, a saber: i) o situacional, espaço onde se determinam a finalidade do ato de linguagem,

a identidade dos parceiros, o domínio do saber e as circunstâncias materiais da troca; ii) o

comunicacional, lugar onde estão determinados os modos de dizer, consoante a identidade

revelada por meio de papéis assumidos pelos interlocutores no discurso; iii) o discursivo, no

qual o enunciador deve atender às condições de legitimidade (princípio de alteridade),

credibilidade (princípio de pertinência) e de captação26 (princípios de influência e de

regulação) para “realizar os ‘atos de discurso’ que resultarão num texto.” (CHARAUDEAU,

2008, p. 19).

25 “Semio-, de “semiosis”, evocando o fato de que a construção do sentido e sua configuração se fazem através de uma relação forma-sentido (em diferentes sistemas semiológicos), sob a responsabilidade de um sujeito intencional, com um projeto de influência social, num determinado quadro de ação; lingüística para destacar que (sic) a matéria principal da forma em questão – a das línguas naturais”. (CHARAUDEAU, 2007, p. 13, ênfase do autor.). 26 Essas condições abrangem as estratégias discursivas investigadas neste estudo, que são discutidas detalhadamente no capítulo 5.

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Tendo em vista esses níveis, afirma-se que à noção de contrato proposta por

Charaudeau subjaz a ideia de sujeito, haja vista o caráter dialógico da linguagem, uma vez que

o aspecto contratual de um ato de comunicação “implica um reconhecimento e uma

legitimação recíprocos dos parceiros entre si.” (CHARAUDEAU, 2007, p. 15).

Nesses termos, ao discorrer sobre o sujeito professor-formador, que constrói sua

identidade no curso de eventos interacionais, no seio de uma rede de atividades, descrevo esse

sujeito, em termos conceituais, a partir de uma relação de interlocução entre o ponto de vista

das Ciências Sociais27, representadas neste estudo pela Sociologia e pela Psicologia Social, e

o ponto de vista dos estudos da linguagem, sobretudo por meio da Semiolinguística de

Charaudeau. Essa interlocução, que funda o quadro teórico e metodológico deste estudo, deve

ser vista como uma tentativa de operar com uma noção de sujeito que permita que não se

furte ou deixe à sombra a complexidade inscrita nessa figura. Sob esse viés, busca-se aqui

entendê-la numa relação de interface entre o cognitivo, o social, o histórico e o cultural,

dimensões que atravessam, constitutivamente, o sujeito enquanto um ser de linguagem e para

a linguagem.

Avançando nessa discussão, segundo a Semiolinguística, que, à maneira das Ciências

Sociais, também aposta na interação como um conhecimento compartilhado entre os

interlocutores, passo a descrever, agora, o que Charaudeau denomina sujeitos da linguagem.

Nessa concepção, um ato de linguagem não se define meramente por um emissor que dirige

uma mensagem a um receptor,28 mas por um “encontro dialético [...] entre dois processos:

processo de produção, criado por um EU e dirigido a um TU-destinatário; processo de

interpretação, criado por um TU’-interpretante, que constrói uma imagem EU’ do locutor.”

(CHARAUDEAU, 2008, p. 44, ênfase do autor).

Charaudeau (2001) designa o ato de linguagem como

“[...] um fenômeno que combina o dizer e o fazer. O fazer é o lugar da instância situacional que se auto-define pelo espaço que ocupam os responsáveis deste ato [...]. O dizer é o lugar da instância discursiva que se auto-define como uma encenação da qual participam seres de palavra [...]. Esta dupla realidade do dizer e do fazer nos leva a considerar que o ato de linguagem é uma totalidade que se compõe de um circuito externo (fazer) e de um circuito interno (dizer), indissociáveis um do outro. (CHARAUDEAU, 2001, p. 28).

27 Embora este capítulo mencione as contribuições da Psicologia Social e da Sociologia para os estudos do sujeito e da interação, adverte-se que tais estudos são explorados, detalhadamente, no capítulos 3, à luz de Vygotsky (2000) e Leontiev (2004) e no cap. 4, à luz de Hall (2006) e de Berger & Luckmann (1985). 28 Os termos emissor e receptor são problematizados por Charaudeau, uma vez que, na visão do autor, os sujeitos EU e TU, numa situação de comunicação, vão além da emissão e da recepção de mensagens, pois se comportam como produtores e interpretantes de atos de linguagem.

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27

Essa definição de ato de linguagem, na perspectiva de Charaudeau (2001), engloba

aqueles que se responsabilizam pelos processos de produção e interpretação desse ato, ou seja,

os sujeitos da linguagem, que se distribuem nos espaços do dizer e do fazer. Ainda segundo o

autor, a encenação do dizer, que equivale ao discurso propriamente dito, pode abranger um

conjunto de estratégias discursivas, reguladas por um quadro situacional que assegure uma

“intercompreensão mínima, sem a qual a troca não é efetiva.” (CHARAUDEAU, 2007, p. 16).

À luz dessa posição teórica, Charaudeau elabora um quadro metodológico em que

descreve o papel e a atuação/figuração dos sujeitos, a saber: EUc (sujeito comunicante), EUe

(sujeito enunciador), TUd (sujeito destinatário) e TUi (sujeito interpretante). Para melhor

visualizar esse processo de troca e constituição de papéis dos sujeitos na situação de

comunicação, recorre-se ao quadro síntese elaborado por Charaudeau (2008, p. 52).

Figura 1: A constituição de papéis dos sujeitos na situação de comunicação Fonte: Charaudeau, 2008

Esse quadro nos permite visualizar os espaços em que se configura um ato de

linguagem. Segundo Charaudeau (2007), no espaço do fazer, caracterizado como externo, ou

seja, fora do ato de enunciação, encontram-se os seres sociais, parceiros da troca

comunicativa: o sujeito comunicante (EUc) e o sujeito interpretante (TUi), também

denominados interlocutores. Já o espaço do dizer, ou espaço interno do ato de linguagem,

conta com os seres de fala, sujeito enunciador (EUe) e sujeito destinatário (TUd),

protagonistas ou intralocutores, responsáveis pelo ato de enunciação.

Tendo como ponto de partida os processos de produção e interpretação de atos de

linguagem, o autor estabelece uma caracterização detalhada de cada um desses sujeitos.

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28

Assim, o EUc é aquele que produz a fala e o EUe está sempre presente no ato de linguagem,

embora nem sempre possa aparecer marcado no discurso.

Para ilustrar essa situação, toma-se como exemplo uma situação de comunicação que

aparece com frequência na interação entre professor-formador e professor em formação,

registrada no corpus desta pesquisa. Geralmente, ao iniciar uma reunião de formação com a

equipe de professores das escolas visitadas, as professoras-formadoras entregam aos sujeitos

presentes uma pauta ou expõem oralmente o assunto a ser tratado. Nesses momentos de

abertura do evento, como se verificou, é comum a professora-formadora se dirigir aos

presentes dizendo: “Hoje eu vou falar sobre avaliação sistêmica”. Nesses casos, conforme o

quadro da Semiolinguística, o EUe se revela no pronome de primeira pessoa. Por outro lado,

se a mesma pessoa diz, por exemplo: “A pauta de hoje será avaliação sistêmica”, percebe-se

que existe um enunciador, embora não apareça na configuração verbal/formal do ato de

linguagem. Em suma, como preconiza Charaudeau (2008, p. 48, ênfase do autor), “o EUe é

uma imagem de enunciador construída pelo TUi como uma hipótese (processo de intenção) de

como é a intencionalidade do EUc realizada no ato de produção”.

No outro polo da situação, conforme explica Charaudeau, encontram-se o TUi e o

TUd. Este é designado como o destinatário ideal, sobre quem o EUc exerce domínio e, assim

como o EUe, sempre aparece no ato de linguagem de maneira marcada ou não. Aquele age de

maneira externa à enunciação produzida pelo EUc estabelecendo com esse sujeito uma

relação de opacidade, uma vez que o TUi pode aceitar ou não a imagem de TUd delineada

pelo EUc. Assim, num ato de linguagem pode haver mais de um TUd.

Sobre isso, recorrendo-se ao corpus deste estudo, toma-se, aqui, para efeito de

ilustração, um trecho de uma fala de uma das informantes, anunciada em um dos encontros na

esfera escolar. Ao dizer a uma diretora de determinada escola da RME/BH que “os alunos

obtiveram baixo desempenho nas avaliações sistêmicas” , a professora-formadora do

NAL/SMED pode estar responsabilizando tanto os alunos e seus pais ou responsáveis quanto

os professores e gestores da escola. Isso pode ocorrer porque o estatuto do TUd é fabricado

pelo Euc, dependendo, portanto, da intencionalidade do sujeito comunicante. É nesse sentido

que um enunciado como o do exemplo pode ser interpretado como uma crítica ou um recado

aos responsáveis pelos alunos, podendo ser equivalente a: “Os alunos obtiveram baixo

desempenho nas avaliações sistêmicas porque recebem pouca ou nenhuma assistência dos

pais ou responsáveis”. Ou ainda um recado aos professores e gestores de uma escola, a saber:

“O baixo desempenho dos alunos nessas avaliações está relacionado à qualidade do ensino

ministrado nessa escola”.

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29

Ao discorrer especificamente sobre a instância do EU, Charaudeau (2008) sustenta que

a relação entre EUc e EUe não é transparente, uma vez que determinado ato de linguagem

produzido pelo primeiro pode englobar o segundo, investido de autoridade, por exemplo. No

entanto, o TUi poderá contestar o ato de linguagem de EUe, desconsiderando a relação de

autoridade pretendida por Euc. Nessas situações, pode ocorrer um mascaramento, isto é, a não

transparência entre EUe e EUc, sendo o primeiro “uma representação linguageira parcial do

segundo” (CHARAUDEAU, 2008, p. 49). Em síntese, numa situação de comunicação, EUc e

Tui participam de uma espécie de jogo que se estabelece entre a encenação do dizer e a

relação contratual do fazer, espaço que costuma ser atravessado por estratégias discursivas

que podem até mascarar o fazer pelo dizer, conforme nos adverte Charaudeau (2001).

2.4. Práticas discursivas dos professores-formadores do NAL/SMED

No quadro dos pressupostos aqui defendidos, opera-se com a hipótese segundo a qual

um professor da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH), ao se tornar um professor-

formador do NAL/SMED, supõe-se que ele, como membro dessa esfera de atividade, passe a

assumir um lugar social para o qual se pressupõe sua afiliação a certos posicionamentos

discursivos 29, a modos de dizer regulados por formações próprias das práticas discursivas

comumente apresentadas pela instituição que passa a representar.

Nessa perspectiva, parece-nos adequado, ainda, considerar que o professor-formador

do NAL/SMED passa a integrar uma comunidade discursiva (no caso deste estudo, uma

comunidade de professor-formador, com funções, tarefas e objetivos relativamente

específicos, postos pela instituição que integra) que se configura como um “grupo ou a

organização de grupos no interior dos quais são produzidos, gerados os textos que dependem

da formação discursiva.” (MAINGUENEAU, 1993, p. 56). 30

Relativamente às práticas discursivas, trata-se, segundo Maingueneau (1993), de uma

integração dos dois elementos mencionados: comunidade discursiva e formação discursiva.

Nesses termos, referir-se à prática discursiva dos professores-formadores do NAL/SMED

29 A noção de posicionamento discursivo, neste estudo, remete à de posicionamento identitário. Sobre isso, discutirei, com mais vagar, no capítulo 4, seção 4.4. Mas, por ora, adianta-se que, nas palavras de Charaudeau & Maingueneau (2008, p. 392), “num campo discursivo, ‘posicionamento’ define mais precisamente uma identidade discursiva forte (‘o discurso de tal partido comunista ("o discurso do partido comunista de tal período’, por exemplo), um lugar de produção discursiva bem específico.” Já o termo posição enunciativa é utilizado, aqui, conforme Charaudeau & Maingueneau (2008), para se referir à posição ocupada pelo sujeito falante no ato de enunciação, que pode ser de neutralidade, engajamento, questionamento, entre outras. 30 A discussão sobre comunidade discursiva será retomada no capítulo 4, na reflexão que se propõe acerca dos saberes e competências implicados no fazer do professor-formador.

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30

significa considerar grosso modo as condições de produção e circulação dos discursos desses

profissionais.

As práticas discursivas analisadas nesta pesquisa são construídas em eventos

interacionais que ocorrem na SMED e nas escolas onde atuam os professores-formadores.

Pode-se afirmar que seus discursos são regulados por formações discursivas engendradas em

domínios entre os quais se assinalam os das Ciências da Educação e das Ciências da

Linguagem e da Língua Portuguesa (à luz dos quais, em grau maior ou menor, são gerados os

objetos de trabalho e de ensino para a ação da formação pedagógica e os objetos de

aprendizagem, relativamente ao aluno).

Resumidamente, tais práticas discursivas, vistas como espaço em que se colocam em

funcionamento as formações discursivas, nas quais se reflete um dado posicionamento

discursivo (e identitário), poderiam ser apreendidas a partir de algumas indagações, a saber: i)

O que é ser professor da RME/BH? Ou como se configura o fazer e o dizer desse

profissional? ii) Como se ensina Língua Portuguesa aos alunos da RME/BH, tendo em vista

os processos de alfabetização e letramento e as injunções pedagógicas e metodológicas

advindas da SMED? iii) Como a escola deve se organizar para atender os alunos com

dificuldade de aprendizagem na leitura e na escrita? Por extensão, cabem também algumas

indagações que remetem à esfera do professor – formador: i) O que é ser professor-formador?

Ou como se configura o fazer e o dizer desse profissional nas esferas em que atua? ii) O que é

ensinar Língua Portuguesa e como o faz (para cujo processo se toma como interlocução os

professores e, indiretamente, os alunos)? Ora, para buscar respostas para essas questões,

pressupõe-se tomar o sujeito no seio da sua práxis, o que significa observar como ele nela se

posiciona, reproduzindo uma ordem discursiva ou estabelecendo novas configurações.

Retomando Maingueneau (1993), acerca da abrangência da ideia de prática discursiva, que

engloba as noções de comunidade e formação discursiva, ressalte-se que esse conceito trata-se

de uma reformulação da teoria de Foucault (1972) a quem passo a recorrer, para melhor

precisar tal noção.

A formação dos discursos, na teoria foucaultiana, está vinculada a quatro domínios da

função enunciativa: formação dos objetos, das posições subjetivas, dos conceitos e das

escolhas estratégicas. Quanto ao objeto de discurso, existem condições socioistóricas para sua

aparição, que regulam suas relações com outros discursos (Foucault, 1972, p. 59). Pensando

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nisso, podemos afirmar que os objetos das práticas discursivas dos professores-formadores do

NAL/SMED são regulados por discursos constituintes31, como o discurso científico.

Nos eventos de formação, ao conversar com os professores da RME/BH sobre práticas

de alfabetização e letramento, o professor-formador elege como legítimos determinados

saberes que circulam nas comunidades discursivas da SMED que, por sua vez, encontram

ressonância em teorias advindas de pesquisas no âmbito da educação e dos estudos

linguísticos.32 Como dito, com base em Maingueneau (2008, p. 44), uma comunidade

discursiva pode gerir ou produzir discursos. Nesse sentido, é importante ressaltar que os

discursos constituintes determinam as formações discursivas dos professores-formadores e

exercem uma função reguladora à medida que tendem a inibir determinadas formações

discursivas que não coadunam com o discurso autorizado, o que pode, em larga medida,

conferir um caráter prescritivo às práticas discursivas dos professores-formadores da SMED.

Sob o ponto de vista dos discursos constituintes, as práticas discursivas dos

professores-formadores ocorrem dentro de eventos de formação continuada, que, por sua vez,

encontram-se imbricados nas redes de atividades em que atuam. Como dito, tais práticas

tendem a ser reguladas por formações discursivas próprias da instância representada por esses

profissionais: a SMED. Nesse sentido, a Secretaria, como uma instância institucional da

Educação, exerce uma função reguladora dos discursos dos professores-formadores por meio

de formações discursivas difundidas e legitimadas pelos documentos parametrizadores como

a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), os Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCN), o guia do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), os descritores das

avaliações sistêmicas, tais como: Prova Brasil, Proalfa, Provinha Brasil33 e Avalia BH34, entre

ouros. São fontes de referência, ainda, o Guia do Alfabetizador, da Secretaria de Estado de

Educação de Minas Gerais (SEE) e a Coleção Instrumentos da Alfabetização, do Centro de

Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale), além das Proposições Curriculares da Rede

31 Utilizaremos aqui o conceito preconizado por Maingueneau (2008, p. 38), segundo o qual os discursos constituintes “se definem pela posição que ocupam no interdiscurso, pelo fato de não reconhecerem discursividade para além da sua e de não poderem se autorizar senão por sua própria autoridade [...]”. 32 A concepção de alfabetização e letramento defendida pelos professores-formadores da SMED é explicitada por Ferreiro & Teberosky (1985) e Soares (2000/2003). Para complementar esses estudos, recorre-se, ainda, a estudiosos da Linguística, como Geraldi, Kleiman, Marcuschi, entre outros. 33 Avaliação nacional de alunos que se encontram no segundo ano de escolarização das redes públicas e funciona como um instrumento diagnóstico do nível de alfabetização de crianças com idades entre seis e oito anos. Mais informações em: <http://provinhabrasil.inep.gov.br>. 34 A Avaliação do Conhecimento Apreendido (AVALIA-BH) é um instrumento criado pela PBH e envolve os alunos do final do 1º ciclo, todas as etapas do 2º e 3º ciclos e do 2º ao 8º anos do Ensino Regular Noturno. Seu objetivo é medir as habilidades e competências dos alunos em Língua Portuguesa. Para informações complementares, acesse o seguinte endereço eletrônico: <http://portalpbh.pbh.gov.br>.

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32

Municipal de Ensino, produzidas durante o ano de 2008, em sua versão preliminar,

envolvendo professores, gestores da SMED e assessores contratados pela PBH.

Todos os documentos citados, sejam eles textos fundadores ou fundados pela SMED,

relacionam-se, em menor ou maior grau, com os pilares defendidos pela política educacional

fundada na PBH, em 1994, intitulada Escola Plural. Não é objetivo deste trabalho proceder a

uma análise do discurso subjacente a essa política, muito menos tecer qualquer comentário.

No entanto, uma pequena apresentação dos princípios básicos que norteiam a política

educacional da RME/BH, desde a implantação da Escola Plural até o ano de 2008,35 faz-se

necessária, a fim de compreendermos as práticas discursivas dos professores-formadores do

NAL/ SMED.

O Programa Escola Plural surgiu da observação de experiências pedagógicas que

aconteciam em escolas da RME/BH, no início da década de 90, e que foram concebidas pela

SMED como inovadoras, como o trabalho com a pedagogia de projetos e outras propostas que

utilizavam técnicas de ensino adequadas a cada fase de desenvolvimento do ser humano, a

saber: infância, pré-adolescência, adolescência, juventude e vida adulta. Na tentativa de

unificar essas experiências, foi implementada a Escola Plural, que se fundamenta em dois

princípios: o direito à educação e a construção de uma escola inclusiva. A partir desses

princípios, articulam-se os seguintes eixos norteadores: i) sensibilidade com a totalidade da

formação humana; ii) escola como tempo de vivência cultural; iii) escola como experiência de

produção coletiva; iv) escola capaz de redefinir os aspectos materiais, tornando-os

formadores; v) escola que assegure a vivência de cada idade de formação sem interrupção; vi)

escola capaz de garantir a socialização adequada de cada idade-ciclo de formação e vii) escola

que assegure a construção de uma nova identidade dos seus profissionais. (BELO

HORIZONTE, 2002, p. 7-17).

Pensando nas concepções de educação partilhadas pelos professores-formadores da

SMED, é esperado, tendo em vista as comunidades discursivas em análise, que estejam em

consonância com os princípios e eixos da Escola Plural, uma vez que esses profissionais são

os representantes da SMED nas escolas da RME/BH e são responsáveis pela (re)produção dos

discursos autorizados por essa instância de formação. Dessa forma, o discurso do professor-

formador precisa estar afinado com as formações próprias da instância que representa e esse é

35 Considera-se, neste estudo, a política educacional vigente na RME/BH até a data de realização da pesquisa de campo.

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o principal aspecto considerado pelos gerentes36 da SMED no processo de seleção ou

indicação desse profissional. Uma vez escolhido, por manter afinidade com as concepções de

educação defendidas por essa instância de formação, é necessário que o professor-formador

participe de reuniões semanais de planejamento e avaliação das práticas formativas. Nessas

reuniões, o professor se forma, em serviço, para poder se responsabilizar por processos de

formação dos professores que lecionam em escolas da RME/BH.

Continuando a discussão de Foucault, acerca dos domínios da função enunciativa, no

que tange à constituição das posições subjetivas, a concepção de formação discursiva

encontra-se atrelada, às posições de sujeito. Para Foucault (1972), não existe uma centralidade

ou uma única posição subjetiva, uma vez que o sujeito se define exatamente por sua

dispersão, por ocupar posições distintas no discurso. Essa concepção é partilhada por Pêcheux

(1983) ao afirmar que não há um sujeito único, mas diversas posições-sujeito37, que estão

relacionadas com determinadas formações discursivas e ideológicas.

Pensando em uma possível relação entre posição-sujeito, à luz de Foucault (1972) e

Pêcheux (1983) e posicionamento identitário (SILVA & MATENCIO, 2005), tendo em vista

o objeto em estudo, afirma-se que o professor-formador do NAL/SMED parece demonstrar

em seu discurso a ambivalência de um sujeito que se enuncia ora como professor, ora como

gestor, nas esferas de atividades profissionais nas quais se insere. Nesse movimento, que aqui

entendemos por um movimento de dispersão da posição-sujeito, costumam ancorar diversos

posicionamentos identitários ligados aos papéis representados pelo professor-formador, de

acordo com o lugar social de onde se enuncia, conforme demonstrado pelo esquema esboçado

na figura 2, a seguir.

36

Termo oriundo da literatura gerencial, utilizado pela SMED para caracterizar os profissionais que ocupam cargos de chefia dentro da instituição. 37 Apesar de recorrermos à noção foucaultiana de posições-sujeito, para tratarmos das diversas identidades dos professores-formadores, esclareço que, nesta pesquisa, será adotado o termo posicionamento identitário (SILVA & MATENCIO, 2005) para se referir às posições subjetivas agenciadas pelos professores-formadores em situações de trocas comunicativas. Tal conceito encontra-se desenvolvido no capítulo 4.

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GESTORES

PROFESSOR MUNICIPAL PROFESSOR-FORMADOR

Figura 2: Papéis institucionalizados do professor-formador do NAL/SMED Fonte: Dados da pesquisa

Para explicar e ilustrar o que se propõe nessa figura, apresento, a seguir, um excerto

de uma reunião de formação em serviço, coordenada por uma das informantes, professora-

formadora (PF1), em uma escola da RME/BH. Nesse evento, PF1 apresenta um plano de

metas de ensino de Língua Portuguesa direcionado aos alunos do primeiro ciclo. Durante o

curso da interação com as professoras que participam da reunião de formação, percebe-se que,

no discurso de PF1, emergem diferentes posicionamentos identitários, o que pode ser

comprovado pelo trecho transcrito a seguir 38.

(1) PF1: o tempo de vocês é limitado... então o que que eu fiz pra agilizar... fiz uma síntese... tá gente... isso aqui é uma síntese... um rascunho... de um plano de metas como se vocês estivessem lá no início do ano... ou seja... tudo o que deveria ser trabalhado com cada etapa... aí a gente deve analisar e ver ... isso aqui já tá consolidado na turma... de acordo com as proposições deveria estar consolidado? ou deveria né? ser só introduzido e trabalhado... então é essa reflexão... eu consultei as Proposições Curriculares e também aquele quadro que eu passei pra vocês de metas que a S. organizou [...]

38 As transcrições foram baseadas nas normas adotadas por: PRETI, Dino e URBANO, Hudinilson (1990), a saber: a) incompreensão de palavras ou segmentos: () b) hipótese do que se ouviu: (hipótese) c) truncamento: / d) prolongamento de vogal ou consoante: :::: e) entoação enfática: maiúsculas f) comentários descritivos do transcritor: (( risos)) g) qualquer pausa: ... h) citações literais: “ ” i) superposição, simultaneidade de vozes:

ESCOLA

SMED

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35

Esse excerto é a abertura de uma reunião de formação em serviço, ocorrida em outubro

de 2008, na escola acompanhada por PF1.39 Observa-se que PF1, investida de uma autoridade

que lhe é conferida pela instituição SMED, enuncia-se do ponto de vista de quem conduz o

processo formativo. Esse papel é construído discursivamente a partir de posições enunciativas

agenciadas no curso de suas ações discursivas. Isso pode ser notado pelo uso do pronome de

primeira pessoa (eu), seguido do pretérito perfeito do verbo fazer, sugerindo que PF1 seja a

condutora, a executora da atividade de formação em curso.

Quanto aos posicionamentos identitários assumidos pela profissional, parece haver

uma espécie de revezamento ou negociação entre aquela que conduz, que gerencia a atividade

de formação, conforme o trecho a seguir: “[...] o tempo de vocês é limitado... então o que que

eu fiz pra agilizar” e aquela que constrói a formação na interação com os professores: “[...] a

gente deve analisar e ver ...”. A posição de copartícipe da interação se evidencia na maneira

como PF1 se dirige às interlocutoras, interpelando-as por meio da expressão a gente, o que

confere à professora-formadora não apenas a responsabilidade pelo cumprimento da tarefa,

mas também o papel de quem a constrói em equipe.

A mobilização de posições-sujeito no discurso de PF1 pode ser notada também no

efeito de sentido proveniente de suas escolhas lexicais. Ao dizer: “[...] fiz uma síntese... tá

gente... isso aqui é uma síntese... um rascunho... de um plano de metas”, pode-se

subeentender que a tarefa não está pronta, tem-se ali mais uma sugestão, uma orientação.

Assim, PF1 tenta negociar a realização do trabalho com o grupo de professoras, incluindo-se

na equipe, pois emprega, conforme mencionado, a expressão a gente para assinalar seu papel

de copartícipe do processo de formação, o que parece, pelas ações discursivas, empreender

um movimento de negociação no cumprimento da tarefa. Nesse movimento, pode refletir, ali,

naquele momento da interação, a fim de alcançar o efeito desejado, a negociação de posições

identitárias: aquela que se apresenta como os pares, partícipe da mesma empreitada.

Embora PF1 se enuncie como uma espécie de colega das professoras que participam

da formação, cumpre ressaltar que a posição de gestora40, de condutora do processo, continua

presente no curso da interação, conforme se registra no trecho em análise. Embora exista a

tentativa de envolver as professoras que participam da reunião de formação na construção do

39 As professoras-formadoras do NAL/SMED que participam do Projeto de Ações Integradas para a Aprendizagem monitoram, periodicamente, três escolas da RME/BH. Para fins de pesquisa, durante o período de trabalho de campo, cada informante foi acompanhada em uma única escola. 40 O capítulo 4, seção 2.7, traz reflexões sobre os papéis/atribuições de um gestor pedagógico, à luz de Libâneo (2008).

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plano de metas de aprendizagem para suas turmas, PF1 dá à sua fala um tom injuntivo41, ao

orientar o outro a fazer, a agir, sinalizando, por meio de expressões deônticas, a tarefa a ser

feita pelas professoras, como se observa em: “[...] tudo o que deveria ser trabalhado com

cada etapa... aí a gente deve analisar e ver ... isso aqui já tá consolidado na turma... de

acordo com as proposições deveria estar consolidado? ou deveria né? ser só introduzido e

trabalhado...”.

Ao fechar a abertura do evento, dizendo: “então é essa reflexão”, PF1 parece, mais

uma vez, marcar sua posição na cena enunciativa, pois é ela quem conduz a reunião e deve,

portanto, iniciar e encerrar as falas, segundo o tema em reflexão. Por fim, ao dizer: “eu

consultei as Proposições Curriculares e também aquele quadro que eu passei pra vocês de

metas que a S. organizou [...]”, PF1 reitera a posição de agente da construção do plano de

metas por meio da utilização do pronome de primeira pessoa. Além disso, cita um documento

parametrizador na tentativa, talvez, de imprimir legitimidade a sua fala.

Essa breve ilustração pretende traduzir o que se esboça esquematicamente na figura 2,

que pretende demonstrar a ambivalência de um profissional que se enuncia de lugares sociais

distintos, conforme as esferas sociais nas quais se insere: a SMED e a escola, o que parece

confirmar as posições de Foucault e Pêcheux acerca da impossiblidade de se ter uma única

posição-sujeito no discurso, uma vez que este se caracteriza exatamente pela sua dispersão.

Na teoria foucaultiana:

as diversas modalidades de enunciação, em lugar de remeterem à síntese ou à função unificante de um sujeito, manifestam sua dispersão: nos diversos status, nos diversos lugares, nas diversas posições que pode ocupar ou receber quando exerce um discurso, na descontinuidade dos planos de onde fala. ( FOUCAULT, 1972, p.61)

As diversas posições ocupadas pelo sujeito no discurso, princípio caro à AD francesa,

são tomadas aqui como uma orientação teórica e metodológica produtiva para operar com a

noção de posicionamento identitário, também dotado de uma plasticidade, princípio caro à

Antropologia, à abordagem interacionista, na medida em que, como dito, a assunção de

posições distintas do sujeito no curso de uma interação pode resultar na assunção de

diferentes posições identitárias. É à luz desse pressuposto que se busca confirmar uma das

hipóteses deste estudo segundo a qual a identidade42 do professor-formador do NAL/SMED

não é fixa, mas parece ser construída nos eventos interacionais dos quais participa em sua

41 O capítulo 6 traz considerações sobre a injunção como uma modalidade inscrita no modo enunciativo de organização do discurso, segundo Charaudeau (2008). 42 Acerca da identidade do professor-formador, cf. o capítulo 4.

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rede de atividades. E mais, no curso de uma interação, nos eventos de formação pedagógica

de que participa, dadas as posições subjetivas que encarna, isso pode levá-lo à emergência de

posições identitárias distintas, ambivalentes, como procurou-se demonstrar.

Considerando essa formulação, à luz do ponto de vista de Charaudeau (2008), isso

equivale à relação de não transparência ou opacidade entre EUc e EUe, uma vez que o

enunciador (EUe) é “sempre uma imagem de fala que oculta em maior ou menor grau o EUc.”

(CHARAUDEAU, 2008, p. 51). Nesse sentido, o autor acredita que é possível a criação de

uma imagem de “fusão identitária” no caso em que EUc tenta construir uma imagem do Tud

(sujeito destinatário) equivalente à do sujeito interpretante (Tui). Nesse jogo estratégico, EUc

pode construir um EUe, na tentativa de legitimar sua fala, a fim de estabelecer um contrato

com o Tui. Nessa empreitada, o enunciador pode colocar em cena diversas vozes que parecem

revelar, no exemplo em questão, diferentes posicionamentos identitários, o que pode ser

representado pela figura 3:

EUc EUe

VOZ 1

PROFESSOR-FORMADOR POSIÇÕES VOZ 2

VOZ 3

Figura 3: Vozes enunciativas no discurso do professor-formador Fonte: Dados da pesquisa

Passando agora ao domínio da formação de conceitos, segundo Foucault, a construção

conceitual não está vinculada a um texto ou a uma obra tomados isoladamente, nem mesmo

ao estado da ciência num determinado momento. O que importa, como postula o autor, é a

maneira:

[...] como os elementos recorrentes dos enunciados podem reaparecer, se dissociar, se recompor, ganhar em extensão ou em determinação, ser retomados no interior de novas estruturas lógicas, adquirir, em compensação, novos conteúdos semânticos, constituir entre si organizações parciais. (FOUCAULT, 1972, p. 75).

Ao mencionar o caráter dinâmico dos enunciados, que passam por atualizações,

Foucault aponta sua dispersão, isto é, o fato de esses enunciados estarem sujeitos a

incompatibilidades, exclusões, deslocamentos, substituições. Assim, o autor não parece

preocupado com condições ideais de formação de conceitos, uma vez que essas condições são

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instáveis, no tempo e no espaço, o que não quer dizer que não sejam dotadas de uma

historicidade. Essa dinamicidade favorece a multiplicidade de formas conceituais, ao longo da

História.

Em relação aos conceitos com os quais os professores-formadores do NAL/SMED

trabalham, pode-se afirmar que estes se ligam a formações discursivas próprias dos estudos

atuais dos campos da Linguística Aplicada e da Educação, no que concerne às práticas de

ensino de língua materna. Esses conceitos tendem a aparecer nos discursos dos professores-

formadores como os mais adequados por considerarem os usos da língua em detrimento de

concepções ligadas a um ensino de língua mais preocupado com a memorização de regras e

conceitos gramaticais. Essa situação é ilustrada, a seguir, por um trecho do corpus referente a

uma reunião de formação em serviço, ocorrida em novembro de 2008, na escola da RME/BH,

na qual atuou uma das informantes. Nesse trecho, a professora-formadora é PF1 e as

professoras que participaram da formação são identificadas como P1, P2 e P3.

(100) PF1: tá... agora a questão/ o foco não É o conteúdo... a lógica mudou... /o foco/ se a gente já dá conta de fazer isso aí já é uma outra pergunta mas a lógica... ela está posta de maneira diferente... uma coisa é você apreender um conteúdo... outra coisa é você é:: eleger alguns conteúdos... pro-mo-VER né? uma:: uma possibilidade de promover situações em que esses alunos num é? (101) P2: não... eu tô ((inaudível)) usem esse conteúdo de forma... autônoma... que ele faça realmente é::faça uso daquele conteúdo de forma:: ... adequada... então esse (102) P3: adequada conteúdo... ele pode ser... manual de instrução... na Língua Portuguesa? pode... mas não necessariamente precisa ser um manual de instrução... ele pode ser uma receita... ele pode ser... um manual umas regras de um jogo... ou seja... não é o conteúdo... igual antigamente... vamo supor... tinha lá a questão do texto... quais eram os textos que a escola privilegiava... né? os textos narrativos... poemas... a questão do gênero era um pouco mais limitada... HOje... expandiu-se essa questão do gênero e a gente vê que o traBAlho não É apenas eleger a intenção de trabalhar esses esses esses textos... essas essas e essas categorias de palavras... não... se a forma como eu trabalho o manual de instrução é uma forma em que esse aluno... ele perceba a função social deste texto... as características deste texto... que ele dê conta de interpretar... fazer uso disso pra que ele possa né? construir um brinquedo... ele pode TRANSferir essa aprendizagem pra determinadas situações como... o uso de uma receita... que tem uma estrutura parecida ou de umas regras de um jogo... ou seja... é promover em sala de aula situações em que esse menino vá usar esse

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conteúdo de forma:: ...é:: ...não só de forma memorizada mas de forma... que... antigamente era mais era/era memorizada? (103) P3: ele tenha uma.. uma compreensão também... eu acho que tinha compreensão também mas eu acho que hoje o uso social do conteúdo é maior...

Percebe-se, no excerto em análise, que o discurso que PF1 traz à cena parece

inscrever-se nas formações discursivas voltadas para a abordagem de ensino de língua que se

combate, o que pode ser demonstrado pelo trecho: “[...] promover em sala de aula situações

em que esse menino vá usar esse conteúdo de forma:: ...é:: ...não só de forma memorizada

[...]” e outro que se recomenda, como diz PF1: “[...] promover situações em que esses alunos

num é? usem esse conteúdo de forma... autônoma... que ele faça realmente é::faça uso

daquele conteúdo de forma:: ... adequada....” .

O segmento (100) apresenta um discurso polarizador com alta concentração de

palavras que nos remetem à oposição entre duas práticas de ensino. Uma delas é voltada para

a memorização que vigorava antigamente, como diz PF1, no excerto em questão, a outra, a

atual, segundo a professora-formadora, concentra-se na construção de situações em que os

alunos “usem o conteúdo de forma autônoma”. Retomando as questões que norteiam as

práticas discursivas dos professores formadores, apontadas nesta seção, assinala-se que uma

delas aplica-se à sequência em análise, a saber: Como se ensina Língua Portuguesa aos alunos

da RME/BH, tendo em vista os processos de alfabetização e letramento e as injunções

pedagógicas e metodológicas advindas da SMED? A resposta a essa questão vai sendo tecida

em (100), marcada pela oposição entre a lógica de hoje e a lógica de antigamente, sinalizada

pelas escolhas lexicais de PF1, a saber: apreender x usar; antigamente/ limitada x hoje/

expandiu-se; interpretar, fazer uso, construir e transferir em oposição a apreender um

conteúdo. Dessa maneira, os verbos, substantivos e adjetivos utilizados para se referir a um

ensino classificado por PF1 como antigo concorrem para a caracterização de uma suposta

atitude passiva do aluno diante do conteúdo, o que pode ser notado pelo uso dos termos

apreender, limitada e memorizada.

Por outro lado, ao falar de um ensino de língua materna que considera renovador, PF1

escolhe palavras que nos remetem à agentividade e ao deslocamento presentes na relação

entre professor, aluno e conteúdo: autônoma, fazer uso, promover, interpretar, construir, entre

outros. Em suma, como assinalado, PF1 ancora seu discurso em determinadas formações

discursivas próprias da esfera social que representa: a SMED, instância que se baseia em

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40

documentos parametrizadores voltados para a defesa de um ensino de língua materna que

priorize o uso da língua em situações reais de comunicação, como exposto anteriormente.

Finalmente, no que tange à formação de estratégias, Foucault (1972) aponta o caráter

lacunar de uma formação discursiva, que, em sua constituição, acaba por admitir ou excluir

determinados enunciados, tendo em vista a formação de suas escolhas estratégicas. Essas

estratégias, por sua vez, poderão dar lugar a novas possibilidades enunciativas, no interior das

formações discursivas. Dito de outra maneira, uma formação discursiva está sujeita a regras

de inclusão/exclusão de enunciados, configurando-se como um reflexo dos modos de dizer

próprios de determinadas comunidades discursivas. No caso do discurso dos professores-

formadores da SMED, seu engajamento nas formações discursivas ligadas a teorias no âmbito

da educação e dos estudos da linguagem, que encontram ressonância em documentos

parametrizadores, acaba por excluir outros enunciados, outras formações de discursos que

possam existir nas práticas discursivas dos professores da RME/BH, como se demonstrou há

pouco. É nesse movimento de combate a outros enunciados que não coadunam com as

práticas discursivas da SMED que subjazem as escolhas estratégicas dos professores-

formadores, conforme mencionado no capítulo 1.

À guisa de conclusão

Este capítulo procurou refletir sobre as práticas discursivas dos professores-

formadores do NAL/SMED, à luz de constribuições advindas de autores que consideram o

discurso como prática social. As reflexões tecidas aqui contribuem para pensarmos na

categorização de lugares e papéis desses profissionais, tendo em vista as redes de atividades

nas quais se inserem.

Reitero a importância dessa reflexão, tendo em vista a relação que se percebe, nesse

quadro teórico-metodológico e conceitual, entre modos de dizer, papéis, lugares e estratégias.

Passo, agora, ao capítulo 3 que busca discutir as atividades e ações do professor-formador nas

esferas de atuação profissional.

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41

3. AS REDES DE ATIVIDADES DO PROFESSOR-FORMADOR

3.1. Introdução

Este capítulo lida com a noção de rede de atividades, cunhada por Silva & Matencio

(2008, 2010), à luz de teóricos da Psicologia Soviética, como Vygotsky e Leontiev.

Resumidamente, esse termo é utilizado, neste trabalho, para se referir ao imbricamento das

diversas atividades nas quais se insere o professor-formador do NAL/SMED, nas esferas de

atuação profissional.

Entende-se que o estudo das ações e atividades do professor-formador, vistas como

componentes de uma rede, é fundamental para a compreensão das práticas discursivas desse

profissional no que concerne aos modos de dizer que o posicionam identitariamente como

pertencente a grupos que se encaixam em categorias profissionais específicas (professor

municipal e/ou professor-formador do NAL/SMED).

3.2. Redes de atividades: construindo o conceito

Até o momento, a expressão rede de atividades tem sido empregada, neste trabalho,

para se referir ao entrelaçamento das diversas atividades do professor-formador, que ocorrem

nas esferas de atuação profissional. Torna-se necessário, portanto, que se explicite o sentido

que esse termo adquire ao longo deste estudo.

Nos estudos realizados por Silva & Matencio (2005, 2008, 2010), acerca dos

processos de formação de professores, existe uma preocupação da parte das autoras em

analisar as atividades desempenhadas por professores não como um fim em si mesmas, mas

como processos que se entrelaçam e dialogam com outras atividades da esfera educacional,

tendo em vista objetivos socialmente construídos nos eventos interacionais dos quais esses

profissionais participam. A partir da concepção de que existe uma série de atividades que

constituem e são constituídas pelo fazer do professor, as autoras procuram compreender essa

questão à luz do que denominam rede de atividades, sob o enfoque dos estudos dos soviéticos,

Vygotsky (Psicologia histórico-cultural), Leontiev (Teoria da Atividade) e

Bakhtin/Volochinov (Teoria da Enunciação). Na noção de rede preconizada pelas autoras, o

termo é visto como:

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uma grande metáfora, que evoca a ideia de um sistema complexo, cujos elos ou nós resultam de relações sociais, organizados formalmente (ou não), no âmbito das atividades humanas (SILVA & MATENCIO, 2010, p. 3).

Se pensarmos em rede como um artefato têxtil, o significado comumente encontrado

em dicionários remete-nos à ideia de um “entrelaçado de fios (de linho, algodão, fibras

artificiais ou sintéticas), cordões, arames, etc., formando uma espécie de tecido de malha

aberto, composto em losangos ou em quadrados de diversos tamanhos.” 43 Essa imagem

traduz, em larga medida, o que se entende por redes de atividades em que se inscreve o fazer

do professor-formador, formadas pelo entrelaçamento de diversas atividades e ações

desempenhadas por esse profissional, juntamente com os professores e coordenadores

pedagógicos que participam de reuniões de formação em serviço, em determinadas escolas da

RME/BH, e os gestores que atuam na SMED, nas Administrações Regionais e em escolas da

RME/BH.

Nas palavras de Silva & Matencio, o conceito de rede:

remete a circulações, a movimentos dos agentes e saberes construídos (artefatos materiais ou simbólicos). Nesse sentido, rede de atividades não se restringe a um agente sozinho nem a uma única rede, não se reduz a uma simples soma de relações, e a sua forma exerce uma influência sobre cada relação. (SILVA & MATENCIO, 2010, p. 3).

Ainda conforme as autoras,

a perspectiva da rede de atividades, a nosso ver, nos permite, metodologicamente falando, integrar elementos diversos da práxis do professor (modos de agir, modos de produzir sentido) que promovam superar as famigeradas polaridades entre biológico/natural e social, singularidade e universalidade, interno e externo, sujeito autônomo e assujeitado, etc., as quais, nessa abordagem, são tratadas como constitutivas do objeto em estudo (SILVA & MATENCIO, 2010, p. 4).

A partir da orientação das autoras, considera-se, neste estudo, que os professores-

formadores do NAL/SMED estão inseridos em diferentes esferas sociais nas quais realizam

ações e atividades voltadas para os processos de formação em serviço dos professores da

RME/BH, tendo em vista as práticas discursivas geradas/atualizadas na SMED.

Na escola, local onde ocorre a formação em serviço dos professores da RME/BH, o

professor-formador costuma se deparar com uma rede de atividades próprias do cotidiano

43 Cf. o Dicionário eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, versão 3.0, junho de 2009.

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escolar. Aulas, reuniões de planejamento, reuniões de pais, festividades, excursões, conselhos

de classe, dia destinado a avaliações dos alunos, mostras culturais são alguns exemplos das

diversas atividades que ocorrem nessa esfera. Nesse sentido, é possível dizer que a rede de

atividades do professor-formador se interliga a outras redes, formando verdadeiros encaixes.

Para as autoras,

a inserção de uma pessoa em uma rede de atividades, tecida nas (e pelas) práticas da esfera social em questão, é fundada em processos dialógicos, intersubjetivos, os quais consistem em movimentos interdiscursivos, polifônicos e polissêmicos [...]Dessa perspectiva, considera-se que as redes de atividades podem se interligar e se sobrepor em vários pontos (elos). Isso implica dizer que a rede de atividades em que uma pessoa se encontra imersa articula-se com outras redes de atividades, nas quais se inscrevem outras pessoas, criando assim uma multiplicidade de encaixes, termo usado por LEVY (1993), para descrever o princípio da heterogeneidade de nós e conexões na tessitura de redes. (SILVA & MATENCIO, 2010, p. 10).

3.3. Atividade e ação

No âmbito da Psicologia Soviética, nas obras de Leontiev (2004) e Vygotsky (2000)

encontram-se contribuições para o estudo das atividades do professor-formador. Vygotsky, ao

tratar do desenvolvimento da linguagem em crianças, descreve esse processo a partir das

atividades - práticas e cognitivas - próprias do universo infantil, tendo em vista a relação de

interface entre o social e o individual. Nas palavras do autor, “a verdadeira trajetória de

desenvolvimento do pensamento não vai no sentido do pensamento individual para o

socializado, mas do pensamento socializado para o individual”. (Vygotsky, 2000, p. 25).

Nesse sentido, a abordagem socioistórica de Vygotsky interessa a este trabalho na

medida em que as esferas nas quais o professor-formador do NAL/SMED atua são

responsáveis por práticas sociais reguladas por formações discursivas legitimidas pelos

sujeitos que atuam nesses espaços. A esse respeito, Silva & Matencio acrescentam:

[...] falar de atividade implica concebê-la num quadro que contempla a complexa relação entre o homem e o espaço social em que a atividade é engendrada, ou seja, a prática social que a materializa, que a coloca em funcionamento, objetivamente, falando. (SILVA & MATENCIO, 2010, p. 6).

Com base na obra de Vygotsky, Leontiev (2004) amplia os estudos acerca da atividade

humana, ocupando-se em descrever o trabalho, visto aqui como atividade profissional. Nas

palavras, o autor:

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44

o trabalho humano é [...] uma atividade originariamente social, assente na cooperação entre indivíduos que supõe uma divisão técnica, embrionária que seja, das funções do trabalho; assim, o trabalho é uma ação sobre a natureza, ligando entre si os participantes, mediatizando a sua comunicação. (LEONTIEV, 2004, p. 81).

Analisada sob esse viés, a atividade do professor-formador, isto é, o seu trabalho de

formação, se efetiva em eventos imbricados nas esferas sociais das quais esse profissional

participa. Nas esferas de atuação profissional - a SMED e as escolas da RME/BH – o

professor-formador executa uma série de ações, por exemplo: planeja e coordena os encontros

de formação, produz material pedagógico, avalia sua prática profissional, além de formar-se

na interação com a equipe de professores-formadores, entre outras. A respeito da relação que

se estabelece entre ação, atividade e trabalho, Silva & Matencio afirmam que

o trabalho, atividade fundamental do homem, traz, em sua organização, um conjunto de ações pessoais e coletivas que se imbricam, estabelecendo complexas cadeias de ações (materiais e mentais, simbólicas, implicadas na própria atividade, como memória social e individual) por meio das quais se constroem redes de atividades. (SILVA & MATENCIO, 2010, p. 4).

No que concerne especificamente ao conceito de ação, recorre-se a Leontiev (2004)

que a caracteriza pela atividade na qual se insere por um motivo e pelo fato de fazer sentido

para o indivíduo que a realiza. Além disso, segundo o autor, a ação pode ser caracterizada,

também, pelas operações e processos por meio dos quais é realizada.

Para ilustrar esse conceito, o autor recorre ao exemplo de um atirador cuja ação a

desempenhar é atingir determinado alvo. Para que essa ação ocorra, primeiramente, é

necessário que haja um motivo, para que, em seguida, possam ser ativadas uma série de

operações concernentes ao ato de atirar, como posicionar-se adequadamente, apontar, mirar

corretamente, manejar a arma de maneira adequada e apertar o gatilho. Dessa maneira, uma

ação é compreendida como algo complexo, que prevê um produto de determinados

empreendimentos motivados por uma finalidade.

Sobre essa discussão, intento mais uma vez criar espaços de interlocução entre os

estudiosos a que recorro para fundamentar o quadro teórico e metodológico deste estudo.

Apostando nessa empreitada, busco também nos estudos de Charadeau & Maingueneau

(2008), a noção de ação, para complementar a posição que, aqui, se toma acerca desse termo.

No quadro de uma Linguística do Discurso, segundo os autores, a ideia de ação funda-se

sobre

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a perseguição da meta inscrita em um projeto que tem uma finalidade, para cuja realização deve ser seguida uma lógica de encaixamento linear dos fatos (plano de ação), caso em que a experiência diz que é a aplicação correta das regras de ordenamento das seqüências que garante o sucesso. (CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2008, p.27, ênfase dos autores).

No que concerne à percepção dos autores sobre os diferentes conceitos de ação,

percebe-se certa similitude em relação à maneira como esse termo é conceituado, nos campos

da Psicologia Social e da Linguística do Discurso, pois essas disciplinas, ao que parece,

operam com a noção de um projeto guiado por um motivo (finalidade), que conta com uma

série de processos e operações (plano de ações) para ser levado a termo.

As metas de ação, no entendimento dos autores, bem como o quadro situacional,

impõem um espaço de coerções nos quais são geradas estratégias discursivas acionadas pelos

sujeitos comunicantes nos atos de produção e interpretação de discursos. Essas estratégias se

responsabilizam pela determinação das “características constitutivas da identidade, social e

pessoal, dos sujeitos do discurso [...]” (CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2008, p. 26).

Relativamente às ações do professor-formador, elas ocorrem no âmbito das atividades

pedagógicas desempenhadas nas esferas sociais em que atua. Isso implica dizer que as ações

desse profissional são orientadas segundo normas sociais, saberes44 e valores da instituição

que representa: a SMED. Partindo desse princípio, resumidamente, pode-se afirmar que a

maneira como o professor-formador se enuncia e se posiciona identitariamente é regulada por

suas práticas discursivas.

Admite-se, sob esse enfoque, que as atividades do professor-formador do NAL/SMED

organizam-se por meio de diversas ações, que se entrelaçam e se constituem dentro de um

trabalho individual e/ou coletivo. Sobre essa relação entre atividade e ações, Leontiev (2004,

p. 85) salienta que: “Com a ação, esta ‘unidade principal’ da atividade humana, surge assim ‘a

unidade’ fundamental, social por natureza, do psiquismo humano, o sentido racional para o

homem daquilo para que a sua atividade se orienta.”

Sob essa perspectiva, sustenta-se que as ações desse professor-formador, engendradas

nas atividades das quais participa, no seio de uma rede de atividades das esferas em que atua,

têm como principal escopo os processos de formação em serviço de professores que lecionam

nas escolas acompanhadas pela SMED, o que poderia ser ilustrado pela figura a seguir.

44

O capítulo 4 traz uma discussão detalhada acerca dos saberes do professor-formador.

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46

Figura 4: O agir do professor-formador do NAL/SMED na rede de atividades Fonte: SILVA & MATENCIO, 2008

A rede de atividades do professor-formador do NAL/SMED, esboçada nessa figura, é

constituída de inúmeras ações, que convergem para um objetivo maior: a formação em

serviço de professores que se responsabilizam por processos de alfabetização e letramento de

alunos da RME/BH, no âmbito de suas práticas pedagógicas. Os encontros de formação em

serviço, além de se constituírem como uma das atividades da rede do professor-formador,

apresentam-se, também, como o foco de suas ações, seu objetivo principal. Todas as outras

atividades voltam-se para o estudo dos objetos de ensino/formação, o planejamento e a

execução das reuniões de formação em serviço, nas escolas acompanhadas, envolvendo, na

maioria das vezes, professores-formadores, professores em formação, coordenadores

pedagógicos e, eventualmente, gerentes de educação e coordenadores gestores da SMED,

além do diretor e/ ou vice-diretor da escola monitorada pelo professor-formador.

Para Silva & Matencio,

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“nas atividades como um todo, estão refletidas, de uma forma ou de outra, as ações de seus partícipes, ainda que cada um deles, no curso de seu desenvolvimento, tenha-se envolvido apenas com uma das ações, participado de apenas um dos elos da cadeia de ações previstas na rede de atividades, desempenhando uma tarefa específica e situada. (SILVA & MATENCIO, 2010, p.6).

No fluxo desse raciocínio, acrescenta-se que as atividades do professor-formador do

NAL/SMED são, portanto, (re)construídas na interação com os diversos partícipes dos

eventos interacionais que ocorrem nas esferas de atuação desse profissional. Como

consequência desse movimento interacional, as ações do professor-formador, tendo em vista

sua plasticidade, são planejadas, (re)avaliadas e modificadas em cada atividade de formação

que ocorre na SMED, nas escolas da RME/BH e, eventualmente, nas Administrações

Regionais45.

3.4. Intersubjetividade e dialogismo nas redes de atividades do professor-formador:

movimentos interdiscursivos e polifônicos

Como mencionado, as redes de atividades das quais participam os professores-

formadores do NAL/SMED podem se entrelaçar com as redes de outros sujeitos (professores

em formação, gestores das escolas da RME/BH e/ou gestores da SMED e das gerências de

educação das Administrações Regionais de BH), acarretando uma sobreposição de pontos

(elos). Esse entrelaçamento acaba por ocasionar, do ponto de vista das práticas discursivas dos

profissionais envolvidos, um imbricamento de vozes, o que torna esse movimento polifônico

e interdicursivo, na visão de Silva & Matencio (2010).

As atividades do professor-formador, compreendidas como práticas sociais e

discursivas, pressupõem uma multiplicidade de trocas intersubjetivas. Dito de outra maneira,

as atividades envolvem diversos sujeitos, que mobilizam práticas discursivas legitimadas

pelas esferas sociais a que pertencem, fazendo emergir, nos discursos, “lugares, posições e

modos de agir circunscritos, em larga medida, a sistemas de sentidos/discursos (no caso as

formações discursivas), engendradas no bojo das esferas/campos de conhecimentos.” (SILVA

& MATENCIO, 2010, p. 10).

Ainda, segundo as autoras, as diversas posições (inter)subjetivas, que se estabelecem

no curso da interação, no seio das redes de atividades, constituem-se como processos

45 As três esferas de atuação do professor-formador encontram-se descritas nas próximas seções.

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dialógicos. Como mencionado no capítulo anterior, segundo Bakhtin/Volochinov (1992) toda

enunciação prevê uma resposta e o discurso funda-se em uma troca intersubjetiva, o que se

fundamenta pela asserção do autor segundo a qual “a enunciação é de natureza social”.

(BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1992, p. 109).

Neste quadro teórico, reitera-se que a língua não é constituída por um sistema

monológico isolado, mas pela interação verbal, que pode ser compreendida como um

fenômeno social realizado por meio da enunciação. Isso implica afirmar que os interlocutores

são interligados pela palavra, metaforicamente definida por Bakhtin/Volochinov como ponte,

uma vez que procede de um sujeito e se destina a outro, ainda que esse interlocutor não esteja

presente fisicamente no momento da interação.

Ao discorrer sobre a interação verbal, esse autor enfatiza o caráter social de toda e

qualquer enunciação, visto que esta é determinada pelos interlocutores ou “participantes do

ato de fala”, nos dizeres de Bakhtin/Volochinov (1992, p. 113), além de estar ligada a uma

dada situação. Nas palavras do autor: “a situação e os participantes mais imediatos

determinam a forma e o estilo ocasionais da enunciação.” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1992,

p. 114). Nessa lógica, na visão bakhtiniana, qualquer enunciação passa a ser considerada

como apenas uma parte do que o autor denomina “corrente de comunicação verbal

ininterrupta” (Bakhtin/Volochinov, 1992, p. 123). Depreende-se daí que a interação verbal só

pode ser compreendida dentro de uma situação social constituída, também, por atos

extralinguísticos (gestos, atos simbólicos não verbalizados e outros) e constitui-se no/pelo

entrelaçamento da comunicação verbal com outros tipos de comunicação.

Nessa perspectiva, o dialogismo compreende toda e qualquer comunicação verbal e é

constitutivo da língua/linguagem. Na visão bakhtiniana:

enquanto um todo, a enunciação só se realiza no curso da comunicação verbal, pois o todo é determinado pelos seus limites, que se configuram pelos pontos de contato de uma determinada enunciação com o meio extraverbal e verbal (isto é, as outras enunciações). (BAKTIN/VOLOCHINOV, 1992, p. 125).

Se, para o autor, uma dada enunciação entra em contato com outras, por meio da

interação verbal, isso significa dizer que os enunciados produzidos nessas situações são

constituídos e/ou atravessados por uma multiplicidade de vozes. Tal raciocínio torna-se claro,

no trecho a seguir, segundo o qual Bakhtin/Volochinov (1992), ao descrever o ato de fala sob

a forma de um livro, compreende-o como sendo orientado por intervenções anteriores na

mesma esfera de atividade. Conforme o autor:

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[...] o discurso escrito é de certa maneira parte integrante de uma discussão ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais, procura apoio, etc. (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1992, p. 123).

Em Bakhtin/Volochinov (1929) a noção de dialogismo parece se confundir com a de

interdiscursividade. Para Fiorin, “a questão do interdiscurso [na obra bakhtiniana] aparece

sob o nome de dialogismo” (FIORIN, 2006, p. 165), visão corroborada por Charaudeau &

Maingueneau, que apresentam, com base em Bakhtin, o termo dialogismo interdiscursivo, ou

seja, “a relação que todo enunciado mantém com os enunciados anteriormente produzidos

sobre o mesmo objeto (relações interdiscursivas)” (CHARAUDEAU& MAINGUENEAU,

2008).

Pensando no objeto em estudo, uma vez que a língua é entendida aqui como um

sistema dialógico, que se realiza na/pela interação, pode-se afirmar que os discursos do

professor-formador do NAL/SMED, produzidos nas redes de atividades das esferas em que

atua, deixam entrever uma pluralidade de vozes, que os caracterizam como polifônicos, na

perspectiva de Bakhtin (2008).

Nesse quadro conceitual, tendo em vista a obra de Dostoiévski, Bakhtin destaca a

“multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis e a autêntica polifonia de

vozes plenivalentes [...]” (BAKHTIN, 2008, p. 4). Em outras palavras, o movimento

polifônico é marcado por vozes sobrepostas, que, segundo o autor, mantêm uma relação de

igualdade com outras vozes do discurso, constituindo-se como autônomas, cheias de valor.

Na emergência dos discursos do professor-formador do NAL/SMED, identificam-se

vozes ligadas às esferas de atuação desse profissional, responsáveis pela reprodução de

saberes, valores, concepções e posicionamentos identitários. Ao se enunciar, esse professor-

formador mobiliza saberes ancorados no discurso científico, sobretudo no que se refere às

Ciências da Educação e aos estudos linguísticos relacionados às áreas da alfabetização e do

letramento. Em meio a esse conhecimento, podem sobressair, também, vozes ligadas à

experiência como professor dos anos iniciais do ensino fundamental, ou seja, aos saberes

docentes.46 Além dessas vozes, merece destaque, ainda, a voz da instituição SMED,

materializada nos discursos do professor-formador, que remete a formações discursivas

46 O capítulo 4, seção 4.6. discorre, detalhadamente, sobre os saberes docentes, à luz de Tardif (2010).

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relacionadas às concepções político-pedagógicas e às metodologias de ensino legitimadas por

essa esfera social.

Nesse movimento interdiscursivo, marcado por diferentes vozes, assume-se, com

Authier-Revuz, que “a lei de todo discurso é fazer-se, inevitavelmente, no meio do já-dito dos

outros discursos.” (AUTHIER-REVUZ, 1999, p. 10). Além de ser produzido no (e pelo)

interdiscurso, um discurso pressupõe o outro, concretizando-se na interação, o que caracteriza,

segundo a autora, um duplo dialogismo, por ela denominado heterogeneidade constitutiva de

todo discurso. Segundo essa concepção, um discurso nunca é homogêneo, pois é impregnado

de outros discursos, atribuídos a outras fontes enunciativas, mas, nesse caso, as marcas

linguísticas do “outro” não se apresentam marcadas no fio do discurso.

Ainda, a relação interdiscursiva, conforme Authier-Revuz, pode ser revelada

linguisticamente no uso do discurso relatado, das aspas e glosas. Tais recursos linguísticos

nos mostram os pontos de heterogeneidade discursiva, concebida pela autora como

“representação que um discurso dá em si mesmo de sua relação com o outro, do lugar que ele

lhe dá, explicitamente, designando na seqüência, através de um conjunto de marcas

lingüísticas, os pontos de heterogeneidade” (AUTHIER-REVUZ, 1999, p. 10).

Considerando o exposto, retomo as reflexões de Silva e Matencio (2009) acerca dos

processos dialógicos, intersubjetivos e polifônicos subjacentes às práticas discursivas

implicadas nas redes de atividades do professor-formador. Esse profissional, em suas esferas

de atuação, produz discursos que podem deixar entrever concepções pedagógicas diversas e

distintas, que nem sempre coadunam com aquelas legitimadas pela SMED. Nesses discursos,

percebem-se posições enunciativas e identitárias ligadas aos lugares sociais representados

pelos diversos sujeitos que participam, diretamente ou não, das redes de atividades do

professor-formador. Dito de outra maneira, o movimento de construção identitária se dá nas

interações, o que possibilita o entrelaçamento de vários “eus”, que se materializam nos

discursos do professor-formador.

No que tange à presença de vozes divergentes nos discursos do professor-formador do

NAL/SMED, cumpre ressaltar, em consonância com Fiorin (2006), que, ao mesmo tempo em

que um enunciado faz emergir determinadas vozes, outras são excluídas, negadas, formando

uma espécie de jogo de poder. Nesse caso, nas vozes divergentes que emergem nos discursos,

produzidos nas redes de atividades, parecem ancorar movimentos estratégicos de captação,

legitimação e credibilidade, responsáveis pela projeção de diferentes posicionamentos

identitários desse profissional.

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À luz das reflexões tecidas até agora, nesta seção, passo a descrever e a ilustrar, por

meio de excertos do corpus, nas seções subsequentes, as redes de atividades dos professores-

formadores em suas principais esferas de atuação.

3.5. As Administrações Regionais e o professor-formador

Como assinalado, a prática pedagógica do professor-formador acontece basicamente

na SMED e nas escolas da RME/BH, onde ocorre o trabalho de formação em serviço,

coordenado por esse profissional. Eventualmente, o professor-formador participa de reuniões

na Gerência de Educação (GERED) 47 à qual se vinculam as escolas que acompanha. Essas

gerências pertencem às nove Administrações Regionais de Belo Horizonte, localizadas nos

seguintes pontos da cidade: Centro-Sul, Barreiro, Leste, Oeste, Norte, Nordeste, Noroeste,

Pampulha e Venda Nova. Nesses locais, trabalham professores municipais que desempenham

papéis institucionalizados de gerentes de educação, responsáveis pela gestão de todas as

escolas pertencentes àquela regional, e outros professores, denominados acompanhantes, que

visitam periodicamente as escolas, monitorando seu funcionamento, de acordo com as

diretrizes político-pedagógicas da SMED, além de atuar também como professores-

formadores, coordenando, em âmbito geral, o processo de formação em serviço da equipe

pedagógica da escola acompanhada, no que tange às concepções de ensino e aprendizagem

legitimadas pelas instâncias sociais em que atuam (SMED e GERED).

A Administração Regional apresenta-se, portanto, como uma esfera de atuação do

professor-formador. No entanto, como no período em que as informantes foram observadas

em sua atuação profissional, não ocorreram reuniões nas Gerências de Educação, envolvendo

os professores-formadores do NAL/SMED, optei por não proceder a uma descrição detalhada

dos eventos que ocorrem nas Administrações Regionais, uma vez que essas informações não

se traduzirão em dados relevantes para este estudo.

3.6. SMED: esfera onde se forma o professor-formador

A SMED conta com uma equipe de profissionais responsáveis pela gestão das escolas

da RME/BH, nos âmbitos administrativo e pedagógico. No que tange ao trabalho dos

47 As GEREDs são responsáveis pelo gerenciamento administrativo e pedagógico de escolas da RME/BH nas nove Administrações Regionais da cidade de Belo Horizonte.

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professores-formadores do NAL/SMED cumpre dizer que esses profissionais integram a

equipe da Gerência de Coordenação Pedagógica e de Formação (GCPF). Vinculados a essa

Gerência, até dezembro de 2008, funcionavam, na SMED, núcleos de atendimentos

especializados às escolas da RME/BH que prestavam assessoria à esfera escolar, no que tange

a temas como: inclusão, educação de jovens e adultos, meio ambiente e cidades, relações

étnico-raciais e de gênero, alfabetização e letramento, ensino da matemática, entre outros.48

Para a realização deste estudo, como assinalado, foram acompanhadas duas

professoras-formadoras que trabalhavam no Núcleo de Alfabetização e Letramento (NAL), no

período de realização da pesquisa de campo (outubro a dezembro de 2008). Além desses

profissionais, participaram desta investigação alguns coordenadores-gestores dessa esfera.

No quadro da SMED, o(a) secretário(a) municipal de educação responsabiliza-se pela

gestão do sistema educacional da RME/BH, coordenando, com a ajuda de gerentes

pedagógicos, programas de formação continuada dos professores dessa rede de ensino.

Como exemplo do funcionamento da política pedagógica da SMED, tendo em vista as

redes de atividades dos professores-formadores, cito o Projeto de Ações Integradas para a

Aprendizagem, no qual se inseriram as informantes deste estudo. Esse Projeto, criado em

outubro de 2007,49 foi coordenado pela gerente de articulação da política educacional e

contou com a participação de uma equipe de professores-formadores que acompanharam,

cada um, duas a quatro escolas que obtiveram baixo IDEB em 2007.

Apresento, a seguir, as principais ações dos professores-formadores, nas escolas

acompanhadas por esses profissionais, as quais compreendem a teia das redes de atividades

que eles integram : i) reorganizar os tempos escolares; ii) promover a construção do grupo de

professores a partir do perfil para atuar em determinado ciclo de formação; iii) subsidiar os

professores teórica, metodológica e pedagogicamente quanto às práticas de ensino e

aprendizagem; iv) promover a formação do coordenador pedagógico da escola; v) identificar

e analisar os casos de alunos que a escola apresenta como demanda para encaminhamento ao

setor de saúde; vi) promover a articulação de ações efetivas como o Bolsa Família e outros

projetos sociais; vii) contribuir para a construção, junto à escola, de um plano de metas de

aprendizagem para os alunos do 1º ciclo de formação, a partir das Proposições Curriculares da

48 Em 2009, alguns núcleos se aglutinaram ou se reorganizaram dando lugar às gerências, a saber: Gerência de Educação Básica e Inclusão, Gerência de Coordenação da Educação Infantil, Gerência de Coordenação do Centro de Apoio Pedagógico para Atendimento a Pessoas com Deficiência, entre outras. 49 O Projeto de Ações Integradas para a Aprendizagem visa investigar a organização, a gestão e a prática pedagógica de trinta e três escolas da RME/BH que apresentaram os índices mais baixos na classificação do IDEB 2007 e o maior número de alunos com baixo desempenho no PROALFA/2006. Fonte: documento de circulação interna, produzido pela equipe de professores-formadores do NAL/SMED, no início de 2008.

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RME/BH, tendo em vista o trabalho com a alfabetização e o letramento; viii) desenvolver

atividades pedagógicas em sala de aula, visando a melhoria dos processos de ensino e

aprendizagem dos alunos, sempre que for necessário.50

Como atividade prevista pelo Projeto de Ações Integradas para a Aprendizagem, era

comum a ocorrência de reuniões envolvendo os professores-formadores e os coordenadores-

gestores da SMED, no período de trabalho de campo. Nesses encontros, à luz de um projeto

pedagógico de formação, eram apresentadas e discutidas metas de trabalho pedagógico a

serem desenvolvidas durante a semana, quinzena ou mês; analisavam-se resultados de

avaliações sistêmicas, com foco no desenvolvimento da aprendizagem do aluno; avaliavam-

se, igualmente, as ações de acompanhamento dos professores-formadores e discutiam-se

objetos de ensino/trabalho relativos à alfabetização e ao letramento.

Como ilustração das práticas discursivas das atividades que ocorrem no âmbito da

SMED, bem como são construídos e/ou representados os lugares sociais e ações dos sujeitos

que ali atuam, apresenta-se, a seguir, retirado do corpus de estudo, um excerto transcrito de

uma reunião de formação, planejamento e avaliação do trabalho dos professores-formadores,

ocorrida em novembro de 2008, envolvendo a gerente de articulação da política educacional e

três professoras-formadoras.51 Nesse trecho, a coordenadora gestora conversa com as

professoras-formadoras sobre o que considera o perfil do aluno do 2º ciclo das escolas que

acompanham, tendo em vista o Projeto de Ações Integradas para a Aprendizagem. Vejamos o

trecho em foco:

(1) G: então a primeira coisa que a gente tem que falar é... do perfil desse aluno que tá no segundo ciclo hoje que não é esse que tá no caderninho ((referindo-se às Diretrizes Pedagógicas do segundo Ciclo da RME/BH)) ... mas é aquele aluno que ainda tá em processo de alfabetizaçã::o... é aquele aluno que ainda precisa construir um tanto de coisas que não foi po/ é:: construída no primeiro ciclo... isso parece que nas escolas todas que/ que vocês observaram isso é comum... esse menino... ele precisa de um processo de continuidade de alfabetização no segundo ciclo... tá? (2) PF2: uhn uhn (3) G: então a gente precisa falar quem é esse aluno atualmente... é o... o... primeiro tópico... o segundo... é o professor... então quem que é esse professor que vai ter que alfabetizar mas ao mesmo tempo lidar

50 Baseado em documento de circulação interna, produzido pela equipe de professores-formadores do NAL/ SMED, no início de 2008. 51 As professoras-formadoras que participaram desta reunião foram as informantes da pesquisa (PF1 e PF2) e a pesquisadora (PF3). A gerente foi denominada G.

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com a pré-adolescência ou alfabetizar na pré-adolescência... não é o mesmo professor que alfabetiza na infância... não é a mesma proposta... o terceiro tópico é o da ORganização (4) PF1: (como) da alfabetização de jovens e adultos... não é na mesma lógica... né? então eu acho que Isso no EJA deve tá mais avançado do que no segundo ciclo (5) G: mesmo porque a gente tem aqui um núcleo que discute EJA e a gente não/não tem um núcleo que discute segundo ciclo... isso é recente... eu acho que ano passado que começou (6)PF2: uhn uhn (7) PF1: só esse GT que não constituiu um núcleo (8) PF3: o EJA já tem um projeto há mais tempo (9) PF2: só uma pergunta... nós vamos fixar na alfabetização? (10) G: pois é... isso aí é uma outra coisa... que a gente precisa pensar... porque NÓS temos condição é pra fixar na/ na/ na língua... a gente não tem como discutir ... senão a gente vai discutir conteúdo e conteúdo tá aqui ((apontando para as Proposições Curriculares da RME/BH)

Essa sequência expõe, em larga medida, os principais objetos de discussão e estudo

que organizam as práticas discursivas dos professores-formadores, engendradas no interior da

SMED, apontados no segundo capítulo, e que podem ser assim traduzidos: i) O que é ser

professor da RME/BH? Ou como se configura o fazer e o dizer desse profissional? ii) Como

se ensina Língua Portuguesa aos alunos da RME/BH, tendo em vista os processos de

alfabetização e letramento e as injunções pedagógicas e metodológicas advindas da SMED?

iii) Como a escola deve se organizar para atender os alunos com dificuldade de aprendizagem

na leitura e na escrita?

Percebe-se, no segmento (1), que G se comporta como condutora da reunião, aquela,

portanto, que fala do lugar de quem se mostra apta a formar, a orientar quem acompanha o

trabalho da escola, ou seja, os professores-formadores. Na condição de coordenadora gestora,

G abre o evento, apresentando o primeiro ponto de pauta da reunião, o que se percebe pelo

trecho: “então a primeira coisa que a gente tem que falar é... do perfil desse aluno que tá no

segundo ciclo hoje que não é esse que tá no caderninho”. Percebe-se que G delimita o assunto

a ser discutido, o que se evidencia pelo tom injuntivo conferido pela expressão: “a gente tem

que falar”.

Ainda com relação ao segmento (1), reitera-se que o lugar social ocupado por G,

conferido pelo papel institucionalizado de gerente de educação, a autoriza a dizer às

professoras-formadoras que o aluno “ precisa de um processo de continuidade de

alfabetização no segundo ciclo”, ou seja, o seu enunciado ganha uma força ilocutória,

marcada pela modalização deôntica, legitimada pelo lugar que representa na cena e na

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instituição. Isso me leva a sustentar a ideia de que a identidade do professor-formador do

NAL/SMED é construída nos eventos interacionais dos quais participa, nas esferas de atuação

profissional. Nesse caso, ao descrever o perfil do aluno, G, ao mesmo tempo, delimita ações a

serem coordenadas pelo professor-formador, na escola que monitora. No segmento em

questão, assinala-se também que o verbo em destaque (precisa, dotado de uma carga

deôntica) parece funcionar como uma orientação ao fazer pedagógico do professor-formador

que deverá orientar a coordenação pedagógica e os professores das escolas acompanhadas a

continuar o processo de alfabetização no 2º ciclo, tendo em vista as

especificidades/necessidades de determinados alunos.

Recorrendo ao quadro de Charaudeau, apresentado no segundo capítulo, pode-se

afirmar que G busca validar o contrato de comunicação com as professoras-formadoras,

utilizando, para isso, formações discursivas próprias da SMED, ligadas às concepções de

ensino e aprendizagem legitimadas por essa esfera social. Observa-se que a tentativa de G é

validada por PF1, que mostra concordância com a fala da coordenadora, no segmento (2), por

meio da expressão “uhn uhn”.

No segmento (3), percebe-se o mesmo movimento por parte de G, que continua a se

posicionar como condutora do evento, fixando-se na pauta da reunião e na orientação às

professoras-formadoras. Cumpre ressaltar que o tema da conversa, como observado também

no segmento (1), gira em torno das três questões próprias das práticas discursivas dos

professores-formadores da SMED.

Outro ponto que merece destaque na fala de G é a maneira como ela tenta se inserir no

grupo de professoras-formadoras, posicionando-se identitariamente como pertencente ao

grupo, ao utilizar a expressão a gente, seguida de locuções verbais injuntivas, como precisa

pensar, em (3) ou precisa falar, em (10). Nesse movimento de orientação das ações das

professoras-formadoras, nas escolas, G posiciona-se como alguém responsável também pela

execução dessas ações. No segmento (10), ao dizer: “NÓS temos condição é pra fixar na/ na/

na língua”, o posicionamento de G como integrante da equipe de professores-formadores

revela-se pelo uso do pronome de 1ª pessoa (nós).

Ainda segundo Charaudeau (2008, p. 44), as falas de G, nas sequências analisadas,

podem ser interpretadas como atos de linguagem que dependem “dos saberes supostos que

circulam entre os protagonistas da linguagem”. No caso do excerto analisado, esses saberes,

relacionados às três questões das práticas discursivas dos professores-formadores, são

partilhados pelos sujeitos da linguagem, o que parece possibilitar o estabelecimento de um

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contrato de comunicação entre a coordenadora gestora e as professoras-formadoras, nas

sequências de (1) a (10).

Nessa reunião, ocorrida na SMED, revelam-se os modos de dizer regulados por

formações discursivas próprias dessa esfera de atuação desses profissionais. Note-se, no

segmento (1), que G problematiza o perfil de aluno apresentado pelas diretrizes pedagógicas e

organizacionais da Educação Básica da RME/BH, inseridas num documento, que circula nas

escolas dessa rede de ensino, denominado “Estruturação do Trabalho Escolar da RME/BH: a

organização do trabalho coletivo por ciclos de formação”. Segundo essas diretrizes, com

relação ao processo de alfabetização, as ações voltadas para os alunos do 2º ciclo de formação

devem ter por objetivo:

consolidar seus processos de aprendizagem da língua escrita, por meio de um trabalho sistemático com textos escritos. A ênfase do programa de ensino da língua deve incidir sobre o letramento, sem, no entanto, deixar de dar continuidade ao aprendizado da estrutura da língua escrita que caracteriza o processo de alfabetização. A proposta pedagógica deve centrar-se, então, no desenvolvimento das habilidades de leitura e de escrita de textos escritos, considerando-se os diferentes gêneros que circulam no contexto social, com prioridade para aqueles que constituem o contexto escolar – os textos didáticos e os informativos –, e para os gêneros literários. (Belo Horizonte, 2006, p. 8, ênfase dos autores).

Segundo esse documento, o aluno do 2º ciclo deve consolidar a aprendizagem da

língua escrita, o que, no entendimento de G, ainda não ocorre efetivamente nas escolas

monitoradas por PF1, PF2 e PF3, consoante dados apresentados por essas formadoras, o que

pode ser verificado pelo seguinte trecho de (1): “[...] é aquele aluno que ainda tá em

processo de alfabetizaçã::o... é aquele aluno que ainda precisa construir um tanto de coisas

que não foi po/ é:: construída no primeiro ciclo” (ênfase adicionada). Nesse excerto, o

operador discursivo ainda, usado enfaticamente, marca a posição de G no que tange à não

consolidação dos processos de aprendizagem da língua escrita por parte de alguns alunos do

2º ciclo das escolas participantes do Projeto de Ações Pedagógicas para a Aprendizagem.

Considerando os efeitos discursivos que ganha tal enunciado, mediante a introdução desse

operador, apreende-se que G opera com conteúdos pressupostos, o que equivaleria a dizer

que esses alunos, para G, já deveriam dominar determinadas capacidades da alfabetização que

teriam sido trabalhadas quando cursaram o 1º ciclo de formação.

Retomando a discussão acerca dos atos de linguagem, em conformidade com

Charaudeau (2008), no que tange ao objeto em estudo, afirma-se que as falas de G, no excerto

em análise, implicam um fazer, conforme demonstrado pelo segmento: “então a gente precisa

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falar quem é esse aluno atualmente... é o... o... primeiro tópico”. Em outras palavras, G

coordena e define as ações das professoras-formadoras participantes da reunião ao dizer o que

diz e da maneira como o faz. Esse modo de dizer e seu objeto de dizer atrelam-se a formações

discursivas ligadas ao âmbito da educação, que, por sua vez, fazem parte da prática discursiva

da SMED. Dessa maneira, ao se enunciar do lugar social de coordenadora gestora, e

representá-lo enunciativamente, G deixa entrever, no momento da enunciação, determinados

posicionamentos identitários que fazem emergir diferentes vozes ligadas a discursos

científicos, a saberes docentes e à observação das práticas de alfabetização e letramento de

algumas escolas da RME/BH. Na tentativa de ilustrar esse movimento, recorro à figura

seguinte:

Figura 5: Movimentos discursivos na reunião pedagógica (SMED) Fonte: Dados da pesquisa

Para finalizar a análise, toma-se a seguinte fala de PF2, na sequência (9): “só uma

pergunta... nós vamos fixar na alfabetização?”. Nesse trecho, o pronome de primeira pessoa

do plural revela um sujeito que se posiciona como professor-formador que, por sua vez, faz

parte de uma equipe. Além dessa pista enunciativa, é interessante tomar o tema da indagação,

ou seja, o objeto de dizer de PF2. A pergunta reflete uma suposta proposta de formalização de

um núcleo de trabalho, no caso o de alfabetização, tendo em vista a fala de G, na sequência

(5), ou seja, o sujeito que aí se anuncia parece assinalar sua relação de pertença e engajamento

na rede de atividades que integra. Do enunciado: nós vamos fixar na alfabetização, pode-se

inferir o seguinte: falaremos desse lugar? Seremos identificadas como pertencentes a esse

grupo? Sobre isso, resumidamente, como assinala Silva (2010, p. 9, ênfase da autora), “a

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consciência de uma posição identitária é resultante de uma construção social, na qual se

entrelaça a memória do eu (que narra) e a memória da coletividade”.

Para concluir, é possível afirmar que os sujeitos vão se constituindo enquanto

professores-formadores nos processos interacionais dos quais participam e vão, portanto,

construindo subjetivamente um dado lugar social por meio de (e nas) trocas intersubjetivas

nas esferas implicadas nas redes de atividades das quais fazem parte.

3.7. Escola: esfera onde o professor-formador coordena a formação pedagógica

Conforme exposto na seção anterior, o foco das professoras-formadoras, informantes

deste estudo, de outubro de 2007 a dezembro de 2008, foi o processo de formação pedagógica

em serviço dos professores da RME/BH em escolas atendidas pelo Projeto de Ações

Integradas para a Aprendizagem.

Retomando, para contextualizar esse dado, o cotidiano escolar abrange múltiplas

atividades que se sobrepõem àquelas que são próprias do professor-formador do NAL/SMED.

Nessa esfera, esse profissional interage com vários sujeitos, que desempenham variados

papéis/funções na organização do trabalho escolar, o que concorre para a assunção de

distintos posicionamentos identitários. Dentro desse quadro, os principais sujeitos com os

quais os professores-formadores do NAL/SMED interagem, na esfera escolar, são diretor e

vice-diretor, professores e coordenadores pedagógicos. Eventualmente, como dito, alguns

alunos, bem como os pais e/ou responsáveis são também envolvidos nessa interação.

Cumpre ressaltar que, antes de se responsabilizar pela formação em serviço nas

escolas acompanhadas, cada professor-formador precisa organizar, juntamente com a

coordenação pedagógica e a direção escolar, uma rotina semanal de trabalho. Dessa forma,

tempos e espaços escolares, no que tange à disponibilidade dos professores na escola, acabam

sendo reformulados para que sejam garantidas reuniões semanais entre professor-formador e

professores em formação.

Relativamente ao trabalho realizado pelas informantes deste estudo, em média, elas

prestam atendimento a quatro grupos de professores, a cada visita à escola, podendo fazer

alterações na periodicidade dos encontros ou no que diz respeito à equipe de professores

atendidos, caso a organização escolar permita. Depreende-se daí que, ao se (re)organizar o

tempo escolar para inserir o professor-formador nas atividades próprias dessa esfera, a escola

acaba ampliando, por conseguinte, sua rede de atividades. Percebe-se, assim, um

imbricamento entre as redes de atividades engendradas na SMED e nas escolas

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acompanhadas, por meio do seguinte movimento: a escola se organiza para que o professor-

formador possa desempenhar suas ações e atividades e este, por sua vez, pensa suas ações e

atividades a partir dos encontros de formação. Retomando, com Silva & Matencio (2010), no

que tange ao entrelaçamento de redes de atividades, salienta-se que as ações do professor-

formador, na esfera escolar, são articuladas em meio à multiplicidade de encaixes que

ocorrem entre as atividades da SMED e da escola.

Por meio da análise das atribuições desse profissional, listadas na seção anterior,

percebe-se que algumas se voltam mais exclusivamente para os processos de formação de

professores, como aquelas relacionadas ao trabalho teórico-metodológico com os professores

em formação, no que concerne às práticas de ensino e aprendizagem, bem como à formação

do coordenador pedagógico da escola, além da construção, junto à escola, de um plano de

metas de aprendizagem para os alunos do 1º ciclo, a partir das Proposições Curriculares da

RME/BH, tendo em vista o trabalho com a alfabetização e o letramento. Essas ações e/ou

atividades do professor-formador do NAL/SMED exigem desses profissionais um

conhecimento teórico e metodológico do ensino de Língua Portuguesa, tendo em vista os

processos de ensino e aprendizagem de alfabetização e letramento.

No que tange às ações como identificação e análise dos casos de alunos que a escola

apresenta como demanda para encaminhamento ao setor de saúde e a articulação de ações

efetivas como o Bolsa Família e outros projetos sociais, cumpre dizer que estas são

comumente desempenhadas, na esfera escolar, por gestores, como diretor, vice-diretor e

coordenador pedagógico e envolvem a capacidade de analisar situações-problema, a fim de

procurar minimizar ou solucionar distúrbios de aprendizagem dos alunos relacionados a

fatores de ordem social ou no âmbito da saúde. Por fim, a atribuição relacionada ao

desenvolvimento de atividades pedagógicas em sala de aula, visando a melhoria dos processos

de ensino e aprendizagem dos alunos aproxima o professor-formador do NAL/SMED aos

professores que lecionam nas escolas da RME/BH, uma vez que aquele deverá trabalhar

diretamente com os alunos, ainda que essas atividades com o corpo discente possam ser

potencialmente formadoras para os profissionais que venham a assistir às aulas ministradas

pelo professor-formador.

Pensando nas práticas discursivas dos professores-formadores, retomo as questões

apontadas no capítulo 2, seção 2.4. Na esfera escolar, percebe-se, também, a centralidade de

tais questões nas reuniões coordenadas pelos professores-formadores, tal como ocorre nas

reuniões da SMED, conforme demonstrado por meio de excertos do corpus. Pelo fato de as

atividades desenvolvidas na SMED pelos professores-formadores e seus coordenadores-

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gestores estarem intimamente ligadas às atividades desenvolvidas nas escolas acompanhadas

por esses profissionais, essas questões são recorrentes nas práticas discursivas que ocorrem

nas duas esferas em que atuam. No entanto, no que se refere aos modos de dizer, é possível

perceber diferenças na maneira como os mesmos temas são tratados na SMED e nas escolas.

A fim de proceder a uma ilustração de como se dá, na esfera escolar, a construção do discurso

em torno das três questões-chave das práticas discursivas dos professores-formadores, tomo o

seguinte excerto do corpus: 52

(100) PF2: eu preocupei demais com aquela questão da retenção porque eu falei assim... gente... ainda falei com a J. ... vai ter que reter mesmo? porque os meninos vão pro segundo ciclo no turno da manhã e vão pegar um grupo que ainda não passou por esse processo que ocês passaram... né? porque vocês tiveram aqui ó um a::no né? que nós tamo aqui (101)P2: (na peleja) que nós reorganizamos... que nós falamos de enturmação... que nós falamos de uma série de coisas... que nós falamos né? então que nós estamos preparando a cama pros meninos do primeiro ciclo... né? nós tamo preparando o/ o/ a eQUIpe dos meninos do primeiro ciclo... o que que acontece? a equipe do primeiro ciclo é uma equipe de professores al-fa-be-ti-za-do-res... entendeu? e aí noutro dia eu tava dizendo na SMED alfabetizador tem que ganhar muito... porque tem é um trabalho DIferenciado... né? então a/ a equipe né? a equipe do primeiro ciclo ela tá se constituindo enquanto equipe de alfabetizadores... algumas ainda não têm... tanta facilidade com a alfabetização quanto outras... não é mesmo? mas todas elas já dão conta de dizer da alfabetização com maior propriedade do que diziam há um ano atrás né? que a prática/ então... aí assim/ ela né? na prática... na formação... na conversa... né? no coletivo... então ocês vão... quando eu fiquei sabendo que a primeira fase do segundo ciclo ela ia ficar toda à tarde... aí eu questionei novamente falei com a J. então perdeu o sentido... né? perdeu o sentido porque se a meu ver esses meninos iam ser retidos porque precisava fazer um trabalho com eles de alfabetização e era essa equipe aqui que dava conta disso... né? hoje... os meninos da primeira fase vão estar com essa equipe que é a equipe da alfabetização... né? e que a defasagem deles pode ser tratada aqui... no mesmo grupo... com o mesmo/ com as mesmas pessoas ... (102) (C): uhn uhn

52 Transcrição de uma reunião de formação em serviço coordenada por PF2 em uma escola da RME/BH, ocorrida em 26/11/08. Participaram, também, dessa reunião a coordenadora pedagógica da escola e três professoras que lecionam para alunos do 1º ano do primeiro ciclo. Legenda: P1e P2 (professoras); C (coordenadora) e PF2 (professora-formadora).

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então o que que acontece? eu estou defendendo a não retenção eu num vejo sentido nela (103) P: eu vejo ainda

No segmento (101) é possível identificar pelo menos duas ações norteadoras da prática

discursiva dos professores-formadores, listadas nesta seção. Ao falar de como a escola deve

ser organizada para atender os alunos com dificuldade de aprendizagem na leitura e na escrita

e do perfil do professor alfabetizador, PF2 posiciona-se como coordenadora do grupo de

professoras, aquela que orienta e avalia o fazer da escola. O uso do pronome de primeira

pessoa do plural (nós) é entendido aqui como um expediente estratégico por meio do qual a

professora-formadora intenta implicar-se no coletivo de professoras que participam da

formação em serviço. Ao mesmo tempo, determinadas escolhas lexicais, em negrito, no

excerto abaixo, relacionam-se a algumas das ações dos professores-formadores nas escolas

que monitoram, listadas a seguir: i) reorganizar os tempos escolares; ii) promover a

construção do grupo de professores a partir do perfil para atuar em determinado ciclo de

formação; iii) subsidiar os professores teórica e metodologicamente quanto aos processos de

ensino e aprendizagem. Para ilustrar essa observação, apresento o seguinte trecho de (101):

[...] que nós reorganizamos... que nós falamos de enturmação... que nós falamos de uma série de coisas... que nós falamos né? então que nós estamos preparando a cama pros meninos do primeiro ciclo... né? nós tamo preparando o/ o/ a eQUIpe dos meninos do primeiro ciclo... o que que acontece? a equipe do primeiro ciclo é uma equipe de professores al-fa-be-ti-za-do-res... entendeu?

Mais adiante, ainda na sequência (101), PF2 ocupa-se em descrever o que denomina

equipe de professores alfabetizadores. Nessa enunciação, pode-se identificar a emergência de

uma voz que reflete sobre a valorização do professor alfabetizador, assumindo uma posição

de questionamento, de reivindicação, como pode ser demonstrado pelo trecho a seguir: “e aí

noutro dia eu tava dizendo na SMED alfabetizador tem que ganhar muito... porque tem é um

trabalho DIferenciado... né?”. Nesse momento, talvez para marcar sua posição como alguém

que se solidariza com os professores alfabetizadores ou que pertence a esse grupo, PF2 utiliza

o pronome de primeira pessoa do singular (eu).

Percebe-se que, apesar de PF2 falar em seu próprio nome, como pode ser comprovado

pelo trecho a seguir, não parece haver uma relação de transparência entre o locutor (EUc), ou

seja, a professora-formadora, e o enunciador (EUe), uma vez que o ato de linguagem

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produzido por PF2 revela um EUe investido de autoridade para falar em nome dos professores

alfabetizadores. Dessa maneira, a identidade de professora municipal aflora no ato de

linguagem postulado por PF2, mais especificamente no trecho: “[...] e aí noutro dia eu tava

dizendo na SMED alfabetizador tem que ganhar muito... porque tem é um trabalho

DIferenciado... né?

A emergência de posições diversas e distintas no discurso do professor-formador do

NAL/SMED parece relacionar-se à maneira como esse profissional (re)constrói

estrategicamente seus posicionamentos identitários, “de forma a produzir determinados

efeitos – de persuasão ou de sedução – sobre o sujeito interpretante (TUi), para levá-lo a se

identificar – de modo consciente ou não – com o sujeito destinatário ideal (TUd) construído

por EUc.” (CHARAUDEAU, 2008, p. 56). Nesse caso, cria-se uma imagem de identificação

de um sujeito com o outro, no caso, professor-formador e professor alfabetizador. Essa fusão

identitária, mencionada no capítulo 2, explica-se pelo fato de o EUc, ou seja, o professor-

formador do NAL/SMED, ao criar para si uma imagem de EUe (professor alfabetizador) tenta

legitimar sua fala, procurando validar o contrato com os professores em formação. Em suma,

a estratégia de fusão identitária, conforme o autor, configura-se como “o resultado de um jogo

de ser e de parecer entre o estatuto social dos sujeitos do circuito comunicativo (EUc/TUi) e

o estatuto linguageiro dos sujeitos que a manifestação linguageira constrói (EUe/TUd).

(CHARAUDEAU, 2008, p. 62, ênfase do autor).

Avançando nessa discussão, PF2, em outro trecho de (101), investida do lugar social

que ocupa, ao falar das professoras alfabetizadoras, deixa de utilizar o pronome nós, uma vez

que tende a se posicionar, nesse momento, como gestora, coordenadora, em suma, alguém que

possui autoridade para falar, não só como professora, mas dos professores, do processo de

constituição desses sujeitos enquanto profissionais, o que pode ser observado no trecho

abaixo:

[...] a equipe do primeiro ciclo ela tá se constituindo enquanto equipe de alfabetizadores... algumas ainda não têm... tanta facilidade com a alfabetização quanto outras... não é mesmo? mas todas elas já dão conta de dizer da alfabetização com maior propriedade do que diziam há um ano atrás né? que a prática/ então... aí assim/ ela né? na prática... na formação... na conversa... né? no coletivo... então ocês vão... quando eu fiquei sabendo que a primeira fase do segundo ciclo ela ia ficar toda à tarde... aí eu questionei novamente falei com a J. então perdeu o sentido... né?

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Nesse trecho, identifica-se um movimento de impessoalidade marcado por meio de

termos e expressões, como a equipe do primeiro ciclo, equipe de alfabetizadores, algumas e

todas, os quais parecem posicionar os professores que participam da reunião de formação

não como interlocutores ou sujeitos a quem PF2 se dirige, mas como objetos do seu dizer,

tema sobre o qual reflete. Ao que parece, tal expediente constitui-se numa estratégia

discursiva por meio da qual tenta-se suavizar/minimizar a avaliação que o professor-formador

do NAL/SMED faz de determinadas alfabetizadoras da escola acompanhada, ao dizer que

“algumas [alfabetizadoras] ainda não têm... tanta facilidade com a alfabetização quanto

outras”.

Por fim, pode-se notar, também, que nesse trecho PF2 se enuncia como professora-

formadora e, ao descrever a equipe de professoras alfabetizadoras, acaba por falar de seu

trabalho de condutora da formação em serviço em escolas da RME/BH, quando avalia que

essas professoras “[...] já dão conta de dizer da alfabetização com maior propriedade do que

diziam há um ano atrás”. Subentende-se, portanto, que tal fato soa como resultado da

presença da professora-formadora em reuniões semanais com as professoras alfabetizadoras

durante o período de um ano (outubro de 2007 a novembro de 2008, data da reunião

transcrita).

À guisa de conclusão

Neste capítulo, encontra-se desenvolvido um tema caro a este estudo - rede de

atividades - tendo em vista as diferentes esferas de atuação do professor-formador do

NAL/SMED, os papéis desempenhados por esses profissionais nas situações de comunicação

nas quais se envolvem e a diversidade de atividades que se imbricam, no seio das variadas

redes das quais participam, formando verdadeiros encaixes.

A partir do exposto, refletir sobre esse tema torna-se fundamental para a compreensão

do objeto em estudo neste trabalho, uma vez que as estratégias discursivas que se

materializam nos discursos dos professores-formadores do NAL/SMED e que concorrem para

a (re)construção dos posicionamentos identitários desses profissionais são geradas/atualizadas

nos eventos interacionais imbricados em suas redes de atividades.

Passo, agora, ao capítulo 4, que pretende discutir a constituição das identidades

profissionais dos professores-formadores no curso dos eventos interacionais dos quais

participam.

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4. A (RE)CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO PROFESSOR-FORMADO R NA

INTERAÇÃO

4.1. Introdução

Ao longo da reflexão, até o momento apresentada, sustenta-se que a construção

identitária do professor-formador do NAL/SMED ocorre no curso dos eventos interacionais

que compõem sua rede de atividades. Nesse sentido, este capítulo pretende discorrer sobre a

(re)construção de identidades do professor-formador, tendo em vista o lugar social de onde

esse profissional se enuncia e os papéis que assume na interação com diversos interlocutores,

nas esferas de atuação pedagógica. Para tanto, recorro às contribuições advindas de estudos

nos campos da Sociologia, da Linguística e das Ciências da Educação.

4.2. Os espaços interacionais do professor-formador

Interação é comumente definida como ação entre sujeitos. Essa definição evoca um

processo interacional complexo que pressupõe uma infinidade de elementos que constituem e

são constituídos pela (e na) interação. Sem a preocupação de listar e descrever todos esses

elementos, esta seção apresenta os conceitos de interação e espaço interacional, sob o ponto

de vista de Vion (2000), uma vez que se tratam de conceitos fundamentais para o

desenvolvimento deste estudo.

Para o autor, uma interação integra:

[...] toda ação conjunta, conflitual e/ou cooperativa, envolvendo dois ou mais atores. Como tal, ela abrange tanto as trocas conversacionais quanto as transações financeiras, os jogos amorosos e as lutas de boxe. Nesse sentido, toda ação empreendida por um indivíduo, qualquer que seja sua natureza, inscrita num quadro social, implica a presença, mais ou menos ativa, de outros indivíduos. (VION, 2000, p. 17, tradução minha) 53

53 “[...] toute action conjointe, conflictuelle e/ou coopérative , mettant en présence deux ou plus de deux acteurs. A ce titre, il couvre aussi bien les échanges conversationnels que les transactions financières, le jeux amoureux que les matches de boxe. En un sens, toute action entreprise par un individu, quelle qu'en soit la nature, s'inscrit dans un cadre social, une situation impliquant la présence, plus ou moins active, d'autres individus.”

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Na definição do autor, percebe-se a complexidade da interação, pelo fato de envolver

ações diversas, protagonizadas por diferentes sujeitos, com os mais variados propósitos

comunicacionais, por meio do uso de múltiplas linguagens, inscrevendo-se, por fim, num

quadro social. Para o autor, a interação se define pela pluralidade de relações de lugares

negociados por sujeitos que interagem em determinado espaço interacional. No entendimento

de Vion, esse espaço é construído nas (e pelas) atividades discursivas dos sujeitos, consoante

suas escolhas lexicais, a maneira como se implicam na situação de comunicação e como

interpelam uns aos outros. Nas palavras do autor, espaço interacional pode ser definido como:

[...] uma imagem da interação construída pela atividade dos sujeitos engajados na gestão dessa interação. Em função da complexidade de tarefas a conduzir, da diversidade de lugares da encenação, do controle metacomunicativo de papéis a desempenhar, da necessidade de representar a diferença na cooperação, da existência de estratégias e da heterogeneidade do sujeito, a interação verá mais frequentemente o espaço interacional corresponder a uma pluralidade de relações de lugares. (VION, 2000, p. 117, tradução minha) 54

Na perspectiva de Vion, o espaço interacional é marcado pelo gerenciamento de

diversos lugares enunciativos, por parte dos interlocutores, tendo em vista a complexidade das

trocas intersubjetivas que ocorrem nesse espaço. Relativamente ao professor-formador do

NAL/SMED, entende-se aqui que o espaço interacional no qual esse profissional se

movimenta é constituído por diversas atividades pedagógicas distribuídas em suas esferas de

atuação. Conforme a esfera social na qual se inscreve (SMED ou escola), como dito, o

professor-formador assume diferentes posicionamentos identitários, tendo em vista a

especificidade da interação. Isso significa que, de acordo com as práticas discursivas da esfera

em questão, tendo em vista os sujeitos com os quais esse profissional interage, o professor-

formador pode gerenciar diversos lugares em seus discursos, conforme os posicionamentos

identitários assumidos no momento da interação.

Os espaços interacionals que compreendem as reuniões, no âmbito da SMED, como

dito em seções anteriores, são constituídos por professores-formadores e coordenadores-

54 “[...] une image de l’interaction construite par l’activité des sujets engagés dans la gestion de cette interaction. En fonction de la complexité des tâches à conduire, de la diversité des lieux de la mise en scène, du contrôle métacommunicatif des rôles à accomplir, de la nécessité de jouer la différence dans la coopérativité, de l’existence de stratégies et de l’hétérogénéité du sujet, l’interaction verra le plus souvent l’espace interactif correspondre à une pluralité de rapports de places.”

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gestores, estes últimos denominados gerentes de educação. Nesses espaços, são muitas as

ações e atividades desempenhadas pelo professor-formador e todas se voltam para a formação

de professores na esfera escolar.

No tocante às trocas intersubjetivas, ocorridas na SMED, ao se enunciar enquanto

membro de uma equipe de professores-formadores, nas reuniões de planejamento, formação e

avaliação da prática pedagógica, o professor-formador, diante dos coordenadores e colegas,

mobiliza saberes próprios daquela esfera, conforme demonstrado no capítulo anterior,

regulando modos de dizer em consonância com as práticas discursivas autorizadas pela

SMED. Isso se explica pela especificidade das trocas intersubjetivas que ocorrem nessa esfera

social, uma vez que a SMED se responsabiliza pela gestão da formação em serviço nas

escolas da RME/BH. Dessa maneira, ao se constituir como um lugar de coordenação da

política pedagógica, responsável pela organização das práticas de formação de professores, a

SMED, consequentemente, destaca-se, também, por ser o lugar onde circulam saberes ligados

à profissão docente, além daqueles específicos da área de gestão educacional.

Os saberes engendrados nas práticas discursivas dos professores-formadores estão

diretamente ligados à construção identitária desses profissionais. Nesse sentido, o professor-

formador do NAL/SMED, investido de sua identidade docente, mobiliza saberes e

competências exigidos para o desempenho da profissão de professor. No tocante à prática

docente, o saber do professor é definido como “um saber plural, formado pelo amálgama,

mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes

disciplinares, curriculares e experienciais.” (TARDIF, 2010, p. 36). Do ponto de vista do

autor, os saberes concernentes à formação profissional do professor decorrem de seu contato

com as Ciências da Educação, o que se dá por meio de formação inicial e continuada. A

respeito desse assunto, o autor enfatiza a bidimensionalidade da prática docente que, além de

ser objeto de estudo das Ciências da Educação, constitui-se também numa atividade que, por

si só, mobiliza saberes denominados pedagógicos.

Por outro lado, como membro da equipe de professores-formadores da SMED,

constrói, na interação com o grupo, modos de dizer próprios da esfera social que representa,

ou seja, seus discursos são regulados por formações discursivas ligadas aos saberes teóricos e

práticos subjacentes à gestão pedagógica das escolas da RME/BH.

Dessa perspectiva, no tocante aos saberes e/ou competências mobilizados pelo

professor-formador do NAL/SMED, no decorrer de sua prática profissional, concebe-se aqui

que estes são (re)construídos na interação. Desse modo, os discursos produzidos pela equipe

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de professores-formadores, no espaço interacional da SMED, são gerados nas comunidades

discursivas no seio dessa esfera social e refletem posicionamentos identitários marcados por

suas condições de produção, circulação e recepção. Conforme Maingueneau (2008, p. 44), “o

posicionamento supõe a existência de redes institucionais específicas, de comunidades

discursivas que partilham um conjunto de ritos e normas.” Ainda segundo o autor:

a forma tomada por uma “comunidade discursiva”, que não existe senão na e pela enunciação de textos, às vezes, varia em função do tipo de discurso constituinte em questão e de cada posicionamento. Este último não é somente um conjunto de textos, um corpus, mas uma imbricação entre um modo de organização social e um modo de existência de textos. (MAINGUENEAU, 2008, p. 44-45).

Sob o ponto de vista do autor, o fato de se enunciar de uma dada comunidade

discursiva implica assumir posicionamentos que marquem o pertencimento do sujeito a uma

dada instituição e o inscrevam em um lugar social que o autoriza a dizer o que diz e da

maneira como o diz, dotando-o de autoridade enunciativa.

Já no espaço interacional da escola, nos eventos de formação em serviço, o professor-

formador do NAL/SMED costuma se deparar com formações discursivas próprias da

comunidade escolar e, ao se enunciar para a equipe pedagógica dessa esfera social, muitas

vezes, precisa gerenciar posicionamentos identitários ambivalentes, uma vez que as práticas

discursivas geradas/atualizadas nas duas esferas sociais onde atua nem sempre são

coincidentes. Ainda que a SMED seja responsável por organizar o funcionamento das escolas

da RME/BH, gerindo as práticas pedagógicas da esfera escolar, por meio de documentos

parametrizadores e de programas de formação continuada e em serviço, há que se considerar

os saberes e competências mobilizados pelos sujeitos que trabalham nessa esfera. Nesse

espaço, cabe ao professor-formador agenciar, estrategicamente, no seio das atividades

empreendidas nessa esfera, os diversos posicionamentos identitários que emergem em seus

discursos.

4.3. A interação e o conceito de face

Pelo fato de o corpus deste estudo ser fundamentalmente oral, colhido em eventos

dialogais, passo agora a discorrer sobre a interação face a face, na perspectiva de Goffman,

um estudioso do interacionismo, cujas contribuições têm iluminado questões acerca das trocas

interacionais. Sobre isso, sem me alongar, é oportuno salientar que, em seus estudos acerca

da interação face a face, Goffman (1998) nos chama a atenção para algo que, em seu

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entendimento, vinha sendo negligenciado em pesquisas sobre interações sociais empreendidas

por linguistas, sociolinguistas, antropólogos e sociólogos. O alvo desse esquecimento, na

concepção do autor, é a situação social, considerada um elemento primordial nos estudos

interacionistas, sendo definida pelo autor como:

um ambiente que proporciona possibilidades mútuas de monitoramento, qualquer lugar em que um indivíduo se encontra acessível aos sentidos nus de todos os outros que estão ‘presentes’, e para quem os outros indivíduos são acessíveis de forma semelhante. (GOFFMAN, 1998, p. 13-14).

Nesse sentido, conforme Goffman, o que define uma situação social é o encontro de

indivíduos, entendendo esse encontro como interação face a face. Para o autor:

a interação face a face tem seus próprios regulamentos; tem seus próprios processos e sua própria estrutura, e estes não parecem ser de natureza intrinsecamente lingüística, mesmo que frequentemente expressos por um meio lingüístico. (GOFFMAN, 1998, p. 15).

Partindo dessa premissa, é importante que se considere, na análise das interações de

sujeitos que se encontram face a face, não só os elementos linguísticos, mas também os

extralinguísticos, como gestos, mudança de entonação, entre outros,55 tendo em vista que a

fala ocorre dentro de uma situação social, juntamente com outros elementos que constituem

tal situação. Dessa maneira, uma situação social engloba um agrupamento de sujeitos que

interagem num determinado espaço interacional constituído por combinações sociais que

regulam seus comportamentos. Essas combinações são sujeitas a regras de funcionamento que

podem autorizar a abertura e o término de uma reunião, por exemplo, bem como a entrada e a

saída de certos sujeitos, precisar o momento em que determinado participante deverá intervir,

além de outras normas ligadas à estruturação da conduta dos partícipes da situação social.

No entendimento de Goffman (2009), o que define a interação face a face é o fato de

determinados sujeitos, em presença física imediata, influenciarem as ações uns dos outros e dá

o nome de “desempenho” à capacidade que um partícipe demonstra ao exercer influência

sobre o outro, no decurso da interação.

Em outro trabalho, esse autor define interação face a face como

o valor social positivo que uma pessoa efetivamente reivindica para si mesma pela direção que os outros supõem que ela tomou durante um contato específico. Face é uma imagem do self delineada em termos de atributos sociais aprovados – não obstante a imagem que os outros possam compartilhar, como na ocasião em que uma

55 A análise de muitos elementos extralinguísticos torna-se inviável nesta pesquisa, cujo corpus foi gravado somente em áudio, por motivo exposto no capítulo 1, seção 1.4.

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pessoa apresenta uma boa imagem da sua profissão ou religião fazendo uma boa exibição para si mesma. (GOFFMAN, 1967, p. 5, tradução minha) 56

A noção de face, cunhada por Goffman, parece convergir com os estudos de Amossy

(2008) acerca da imagem de si ou ethos, desenvolvida na seção 4.5. Valendo-me, também, de

Chareaudeau (2008), em princípio, todo sujeito, ao se enunciar, tenta estabelecer uma relação

contratual com seus interlocutores, investindo, enunciativamente, na construção de uma

imagem de si que seja aprovada pelos demais partícipes da situação social. Em resumo, e mais

uma vez neste momento da reflexão, cabe-me esclarecer que me parece produtivo e adequado,

em termos teóricos e metodológicos, pensar as noções de face e de ethos numa rede

conceitual. Faz-se isso, na tentativa de, a partir das contribuições desses estudiosos, assinalar,

por um lado, a complexidade inscrita no objeto em estudo, cuja leitura exige um olhar

interdisciplinar, por outro, a possibilidade de um diálogo entre eles, fundado no pressuposto

de que, em toda e qualquer troca social entre sujeitos, estes representam papéis e encarnam

identidades social e discursiva. Enfim, embora guardadas as especificidades dos conceitos

aqui em pauta, o que permite colocá-los em uma dada interlocução, no quadro deste estudo, é

o fato de eles não perderem de vista que o sujeito no discurso e do discurso é, em larga

medida, condicionado e/ou sobredeterminado por uma série de fatores de ordens diversas que

concorrem para promover uma dinamicidade e plasticidade na sua atuação em cena.

Ainda em conformidade com Goffman, ressalte-se que a manutenção da face não se

resume em mero objetivo da interação, uma vez que pode ser tomada como uma condição,

sem a qual não se configura um evento interacional. Dito de outra maneira, e focalizando aqui

o interesse do estudo, a manutenção da face do professor-formador do NAL/SMED parece

depender dos movimentos estratégicos empreendidos pelo sujeito que se enuncia, no

gerenciamento dos diversos posicionamentos identitários que emergem nos discursos, em

eventos de formação em serviço.

Também, na visão de Berger & Luckmann (1985), a interação face a face pode ser

caracterizada como um caso prototípico de interação social, uma vez que os participantes

desse tipo de interação expõem sua subjetividade, o que torna o outro uma figura real, que se

encontra no “aqui e agora” da situação social. Embora exista uma reciprocidade de ações

56 “[…]the positive social value a person effectively claims for himself by the line others assume he has taken during a particular contact. Face is an image of self delineated in terms of approved social attributes – albeit an image that others may share, as when a person makes a good showing for his profession or religion by making a good showing for himself.”

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intersubjetivas, cumpre ressaltar que nem sempre os sujeitos que participam desse tipo de

interação partilham as mesmas representações acerca do mundo social. Nas palavras dos

autores, “meu ‘aqui’ é o ‘lá’ deles [os outros]. Meu ‘agora’ não se superpõe completamente ao

deles. Meus projetos diferem dos deles e podem mesmo entrar em conflito.” (BERGER &

LUCKMANN, 1985, p. 40).

Na interação face a face, segundo esses autores, o outro é apreendido por meio de

esquemas tipificadores, ainda que seja difícil estabelecer padrões rígidos a esse tipo de

interação. Dessa maneira, a interação face a face é moldada pela maneira como os sujeitos

nela se percebem e percebem uns aos outros.

Tendo em vista os eventos interacionais investigados neste estudo, é possível afirmar

que tanto os professores-formadores quanto os professores em formação parecem negociar,

continuamente, determinados esquemas tipificadores. Em outras palavras, esses profissionais

constroem representações 57 uns dos outros, o que influencia a forma como se dá a interação

face a face, ou seja, a maneira como o professor-formador do NAL/SMED se enuncia

depende de como apreende o outro, o professor em formação, o que se dá por meio de

esquemas tipificadores. Assim, o professor-formador pode conceber o outro como alguém que

apresenta determinadas concepções de ensino e aprendizagem, no âmbito da Língua

Portuguesa, com as quais concorda ou não, o que determinará a maneira como se dirigirá a

esse professor, nas reuniões de formação em serviço nas escolas da RME/BH. O professor

em formação, por sua vez, ao entrar em contato com as representações de ensino e

aprendizagem emergentes no discurso do professor-formador, tende a utilizar seus próprios

esquemas tipificadores que caracterizarão esse profissional enquanto membro de tal grupo

(equipe da SMED), defensor de determinadas ideias institucionais e dotado de características

subjetivas que o distinguem dos demais partícipes da situação social em andamento. Essas

relações intersubjetivas mantidas pelos participantes da interação, por meio de esquemas

tipificadores, estão intrinsecamente ligadas à maneira como os sujeitos se reconhecem com

traços identitários que os identificam como pertencentes a determinados agrupamentos sociais

e têm por finalidade a manutenção da face.

Dando prosseguimento a essa reflexão, passo, a partir de agora, a tratar da

problemática da identidade, discutida até o momento de forma muito ampla. Busca-se aqui

57 A noção de representação aqui empregada remete ao seu uso corrente, ou seja, ideia ou imagem que concebemos do mundo ou de alguma coisa. Cf. o Dicionário eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, versão 3.0, junho de 2009.

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focalizar mais especificamente a constituição da identidade do professor-formador do

NAL/SMED, nos eventos interacionais imbricados na rede de atividades em que atua.

4.4. Sujeito, identidade e posicionamento identitário

Para discutir sobre a problemática que anuncia o título desta seção, mostra-se

necessário apresentar, ainda que de forma breve, algumas informações sobre o processo de

inserção do professor municipal na esfera da SMED, como professor-formador.

Ao se integrar à equipe de professores-formadores da SMED, como já mencionado, o

professor municipal é coordenado por gerentes de educação que se ocupam da gestão das

escolas da RME/BH e da coordenação de programas de formação continuada e em serviço

dos professores dessa rede de ensino.

Em suas visitas periódicas às escolas monitoradas pela SMED, com o objetivo de

promover a formação em serviço dos profissionais de ensino, o professor-formador, muitas

vezes, precisa desenvolver ações,58 no âmbito escolar, que são próprias de profissionais que

gerenciam as escolas,59 como a constituição de equipes de professores, (re)organização de

tempos e espaços escolares, entre outras, como assinalado. Ainda que se envolva, na condição

de professor-formador, com ações e atividades voltadas tanto para a gestão escolar quanto

para a formação de professores, ressalte-se que, do ponto de vista da identidade funcional, o

cargo ocupado pelo professor-formador do NAL/SMED não sofre nenhuma alteração. No que

concerne à classe profissional a que pertence, esse sujeito continua ocupando, no quadro das

categorias técnico-funcionais, o cargo institucional de professor municipal.60

Tendo por base essa questão profissional, passo a discorrer sobre a construção

identitária do professor-formador, nos eventos interacionais dos quais participa, em sua rede

58 Algumas dessas ações são descritas no capítulo 3, seção 3.6. 59 Os profissionais que ocupam cargos de gestores, nas escolas da RME/BH, são os diretores e vice-diretores. Na SMED, esses cargos são ocupados pelos gerentes de educação, sob a coordenação geral do secretário municipal de educação. Por extensão, o professor-formador é também denominado gestor, no âmbito dessa instituição 60 Até o período da pesquisa de campo não foi identificado, na SMED, um documento prevendo cargo e funções de um professor-formador.

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de atividades. Para tanto, é preciso retomar uma das questões básicas que deram origem a esse

estudo: Se a categoria profissional do professor-formador não sofre mudança, quando passa a

integrar a equipe de professores-formadores do NAL/SMED, como esse profissional vai se

constituindo enquanto formador nas diversas situações de interação vivenciadas nas redes de

atividades nas quais está inserido? Na tentativa de construir uma resposta para tal pergunta, e,

portanto, compreender o que o corpus deste estudo nos apresenta, passo a discorrer sobre a

construção identitária do professor-formador, sob o ponto de vista de Hall (2006).

Em seus estudos acerca da identidade, o autor centra sua discussão na chamada “crise

de identidade” do sujeito pós-moderno, descrita como um “deslocamento ou descentração do

sujeito.” (HALL, 2006, p. 9). Como ponto de apoio para a discussão central proposta na obra

citada, Hall recorre a três concepções de identidade, baseadas no sujeito do Iluminismo, no

sujeito sociológico e no sujeito pós-moderno, embora sejam descritas pelo autor como

categorias simplistas, tendo em vista a dificuldade de se mapear a história do sujeito moderno.

Ao longo de sua exposição, o autor contrapõe a crise de identidade do sujeito pós-

moderno ao sujeito característico do período iluminista, representado, principalmente, pelas

ideias de Descartes, segundo as quais o sujeito se distingue por ser racional, pensante e

consciente, sendo, portanto, dotado de uma única identidade.

Como espécie de meio termo entre o sujeito cartesiano, dotado de identidade fixa, e o

sujeito pós-moderno, caracterizado por uma identidade plástica, maleável, descentrada, temos

o sujeito sociológico, descrito por Hall como alguém dotado de um “eu real”, que, por sua

vez, é “formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais ‘exteriores’ e as

identidades que esses mundos oferecem.” (HALL, 2006, p. 10). Para o autor, embora esse

sujeito seja mais localizado e “definido” na estrutura social, sua identidade torna-se sujeitada

a essa mesma estrutura. Nas palavras de Hall, a identidade “estabiliza tanto os sujeitos quanto

os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e

predizíveis” (HALL, 2006, p. 12).

A terceira concepção de sujeito apresentada por Hall, o sujeito pós-moderno, ilustra a

tese do descentramento das identidades na modernidade tardia, segundo a qual houve um

deslocamento da concepção de sujeito por meio de “uma série de rupturas nos discursos do

conhecimento moderno.” (HALL, 2006, p. 34). A partir daí, o autor descreve o que considera

os cinco grandes avanços ocorridos nos âmbitos da teoria social e das ciências humanas, na

segunda metade do século XX (modernidade tardia), que culminaram no “descentramento

final do sujeito cartesiano” (HALL, 2006, p. 34).

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Para descrever esses avanços, o autor começa com os estudos de Marx, passando pela

teoria freudiana do inconsciente, pelas obras de Saussure e Foucault, culminando com o

movimento feminista. No entendimento de Hall, os cinco descentramentos pelos quais

passaram as teorias iluministas produziram efeitos desestabilizadores das ideias acerca do

sujeito e da identidade vigentes na modernidade tardia.

Por fim, visando analisar o comportamento do sujeito, tendo em vista a

(trans)formação de suas identidades culturais, o autor descreve esse processo em termos de

representação. Em outras palavras, nossa identidade cultural está atrelada à maneira como

engendramos determinados valores, saberes e crenças produzidos no seio de uma comunidade

simbólica, como uma nação, por exemplo. Em síntese, para o autor:

em toda parte, estão emergindo identidades culturais que não são fixas, mas que estão suspensas, em transição, entre diferentes posições; que retiram seus recursos, ao mesmo tempo, de diferentes tradições culturais; e que são o produto desses complicados cruzamentos e misturas culturais que são cada vez mais comuns num mundo globalizado. (HALL, 2006, p. 88, ênfase do autor).

Transpondo as ideias de Hall acerca da mobilidade das identidades culturais para o

processo de construção identitária do professor-formador do NAL/SMED, pode-se afirmar

que esta é (re)construída nas (e pelas) práticas discursivas vigentes nas esferas de atuação

desse profissional. Isso, como dito, significa que as representações de professor municipal, de

aluno, de ensino de Língua Portuguesa subjacentes aos discursos dos professores-formadores

e dos professores em formação se imbricam, podendo ser coincidentes ou não. E esse

imbricamento de concepções, saberes, valores e crenças parece levar o professor-formador a

mobilizar, por meio de estratégias discursivas, posicionamentos identitários, às vezes

ambivalentes. Somente para reiterar, a hipótese deste estudo é que a mobilização estratégica

de posicionamentos identitários, por parte do professor-formador, ocorre na tentativa de

negociar com os profissionais que participam dos encontros de formação61 o cumprimento de

determinadas tarefas pedagógicas e/ou a implementação de diretrizes político-pedagógicas da

SMED, na esfera escolar.

Visando reiterar o sentido que o termo posicionamento adquire neste estudo, recorro a

Charaudeau & Maingueneau, que o classificam como “uma das categorias de base da Análise

61 Esses profissionais são os professores, o(s) coordenador(es) pedagógico(s) e, eventualmente, diretor(a) e vice-diretor(a) da escola.

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do Discurso, que diz respeito à instauração e à conservação de uma identidade enunciativa.”

(CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2004, p. 392). Segundo os autores, posicionamento

refere-se a um lugar específico de produção discursiva e não se restringe aos “conteúdos”,

mas às diversas dimensões do discurso.

Dessa maneira, o professor-formador, ao agenciar determinados modos de dizer, acaba

por assumir posicionamentos discursivos que o inscrevem, do ponto de vista do

pertencimento identitário, ora em uma comunidade de professores-formadores da SMED, ora

em uma comunidade de professores que lecionam nas escolas da RME/BH. Isso ocorre

porque “a construção de posicionamentos identitários emerge de movimentos baseados tanto

na diferença como na similitude do sujeito em relação ao outro (eu/outro; eu/espelhamento do

outro).” (SILVA & MATENCIO, 2005, p. 253).

Para as autoras, em interlocução com Hall (2006), posicionamentos identitários

emergem de papéis sociais que os sujeitos desempenham em eventos interacionais dos quais

participam. Isso as leva a admitir que é no processo de socialização que a identidade é

simbolicamente construída. E é justamente pelo fato de a construção identitária ocorrer na

interação que as autoras, em consonância com Hall (2006), salientam que as identidades são

multifacetadas, fragmentadas, plásticas, sendo (re)construídas em movimentos de

ambivalência que pressupõem tanto a integração quanto a exclusão do outro. Para ilustrar o

movimento de assunção de posicionamentos identitários por parte do professor-formador, na

interação, recorro a um excerto do corpus.

O trecho a ser examinado é parte de uma reunião ocorrida na SMED, em dezembro de

2008, envolvendo a gerente de articulação da política educacional, identificada como G, e as

professoras-formadoras que compõem a equipe que presta assessoria às escolas participantes

do Projeto de Ações Integradas para a Aprendizagem. Vejamos o trecho em foco:

(100) G: ( ) o seguinte... eu vou falar lá com o H. e com a M. pra eles discutirem isso... eu vou falar que nós não estamos discutindo birretenção... tá? (101) PF8: eu acho que TEM que falar (102) PF2: ô pessoal... deixa eu só dar um toque?... nós... é... de acordo com o que ocê tá dizendo... a gente pode ter uma ação diferenciada... mas a gente precisa ter cuidado porque as trinta e três ((escolas atendidas pelo Projeto de Ações Integradas para a Aprendizagem)) ela já teve um momento de achar que era puniçã::o... e depois... né? relaxou um pouco porque viu que a nossa entrada não foi uma entrada de punição e de repente vira punição novamente (103) G: por quê? falar que não vai autorizar a birretenção é punição?

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(104) PF6: pra escola é (105) PF2: quem tá nas trinta e três ((escolas))/ é... quem tá nas trinta e três... é::/ é:: num é não autorizar não F. ... não é não autorizar... estar nas trinta e três significa a SMED mandar na esco::la... a SMED au-to-ri-ta-ri-a-mente chegar na escola e definir coisas ( ) que a escola deveria definir... que a gente deveria só encaminhar... eu acho que a gente tem que tomar um pouco de cuidado com isso... a gente eu acho que pelo fato de estar no projeto das trinta e três a gente não pode estar tão deslocada... das outras escolas não... no mais é como você disse... isso aqui é uma Rede (106) G: com birretenção eu não vou discutir... eu volto nesse assunto... nós NÃO VAmos autorizar... quem achar que pode autorizar vai via Regional... marca com o H.

À ocasião, foi discutida a organização de um quadro com informações sobre os alunos

da RME/BH avaliados pelo PROALFA, em 2007, com o objetivo de proceder a uma

investigação sobre as possíveis causas do baixo rendimento escolar. Em certo ponto da

reunião, a situação começa a ficar tensa pelo fato de a gerente da GCPF ter apontado, em

outra reunião, a possiblidade de a escola reprovar o aluno pela segunda vez consecutiva, o que

é denominado birretenção, na RME/BH, medida não recomendada por G, o que se comprova

pelo segmento (100).

Nessa sequência, assiste-se aos movimentos estratégicos de PF2, que tenta fabricar

para si uma imagem de EUe que não parece coincidir com a representação que se faz do papel

do professor-formador no âmbito da SMED, traduzida ou pressuposta pela fala de G. Em

outras palavras, PF2 vai negociando sua posição identitária perante o grupo, no segmento

(102), até produzir um tensionamento enunciativo, no segmento (105). Na comparação das

falas de G, nos segmentos (100), (103) e (106) com as falas das professoras-formadoras, nos

segmentos (102), (104) e (105) pode-se dizer que a imagem que a gerente, como sujeito

comunicante, projeta dos sujeitos destinatários não parece ser coincidente com a dos sujeitos

interpretantes, representados, principalmente por PF2, cujos modos de dizer, em relação ao

objeto de discurso, tendem a divergir daqueles empregados por G.

No segmento (102), PF2 interpela o grupo, por meio do vocativo: “ô pessoal”,

pedindo permissão para falar (“deixa eu dar um toque”). Em seguida, ao dizer: “nós... é... de

acordo com o que ocê tá dizendo... a gente pode ter uma ação diferenciada...”, posiciona-se

de modo a parecer concordar com o que G havia dito, em segmentos anteriores, no que tange

ao trabalho do grupo que participa do Projeto de Ações Integradas para a Aprendizagem, no

qual se enquadram as partícipes dessa reunião. No entanto, essa concordância de PF2 é

relativizada no trecho: “mas a gente precisa ter cuidado porque as trinta e três ((escolas

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atendidas pelo Projeto de Ações Integradas para a Aprendizagem)) ela já teve um momento

de achar que era puniçã::o...”. Note-se que a posição de PF2 em relação ao objeto de

discurso tende a se alterar, balizada pela adversativa, que introduz a passagem em foco, e

pelas palavras cuidado e punição, que sinalizam o posicionamento contrário de PF2 em

relação a determinadas atividades que realiza e/ou coordena nas escolas que acompanha. Ao

finalizar sua fala, nesse segmento, PF2 parece negociar, mais uma vez, sua posição, tentando

amenizar o que havia dito anteriormente, o que se evidencia pelo trecho: “relaxou um pouco

porque viu que a nossa entrada não foi uma entrada de punição”, mas logo em seguida, diz:

“e de repente vira punição novamente”. O uso reiterado da palavra punição, nesse segmento,

parece antecipar o posicionamento contrário à condução de determinadas ações de formação,

na esfera escolar, enfatizado por PF2, no segmento (105).

Ao responder à pergunta de G, apresentada no segmento (103), PF2 (sujeito

comunicante) inicia sua fala, no segmento (105), mobilizando um enunciador que tende a

assumir uma posição contrária a algumas deliberações da SMED, na esfera escolar. Note-se

que, nesse segmento, o enunciador não parece mais preocupado em amenizar o que diz, o que

se evidencia pela escolha dos recursos linguísticos utilizados para se referir às ações da

SMED, em destaque no trecho a seguir: “estar nas trinta e três significa a SMED mandar na

esco::la... a SMED au-to-ri-ta-ri-a-mente chegar na escola e definir coisas ( )”.

A opção pelos verbos mandar e definir e pelo advérbio autoritariamente marcam a

posição do enunciador que parece se colocar numa posição de exterioridade em relação àquilo

que diz. Ao se referir às ações que realiza na esfera escolar, PF2 faz remissão à terceira pessoa

(a SMED), trazendo à tona um EUc que tenta se apagar em meio a um terceiro: a instituição.

Tal expediente pode ser entendido como um movimento estratégico de PF2, na tentativa,

talvez, de preservar a face de professora-formadora, apagando possíveis traços que poderiam

identificá-la como agente das ações com as quais discorda. Note-se que os verbos mandar e

definir, utilizados por PF2 para dar um tom injuntivo às ações da SMED, são substituídos,

logo em seguida, pelo verbo encaminhar. Nesse momento, o enunciador projeta-se na cena

enunciativa por meio da expressão a gente, o que parece marcar sua posição de pertença ao

grupo, sinalizando, ao mesmo tempo, o posicionamento de PF2 em relação à maneira de

conduzir o trabalho de formação na esfera escolar. Por fim, ao dizer: “a gente não pode estar

tão deslocada... das outras escolas não... no mais é como você disse... isso aqui é uma Rede”,

PF2 enfatiza o posicionamento contrário às falas de G, nos segmentos (100) e (103), ao

utilizar, no segmento (105), o adjetivo deslocada para se referir à maneira como classifica

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determinadas ações executadas nas escolas que participam do Projeto de Ações Integradas

para a Aprendizagem.

4.5. Identidade social e identidade discursiva na construção do ethos do professor-

formador

Os saberes ligados à prática docente e à gestão escolar, engendrados nos discursos dos

professores-formadores, (re)produzidos no âmbito da SMED, são autorizados a circular tanto

no interior dessa esfera quanto nas escolas da RME/BH, nas diversas atividades empreendidas

por esse profissional.

Relativamente aos discursos do professor-formador, produzidos nas duas esferas de

atuação, pode-se dizer que refletem e refratam,62 do ponto de vista bakhtiniano, os saberes,

crenças e valores (re)construídos na interação desse sujeito com os diversos interlocutores

distribuídos nos eventos interacionais dos quais participam em suas esferas de atuação. E, no

ato de tomar a palavra, o enunciador acaba por construir, no e pelo discurso, uma imagem de

si ou ethos. (AMOSSY, 2008).

Nos estudos de Amossy (2008), existe, por parte da autora, a preocupação em tentar

conciliar a perspectiva retórica de Aristóteles à noção contemporânea de ethos fundada na

interseção de estudos da Sociologia e da Pragmática. Tendo em vista esse quadro, Amossy

(2008, p. 137), acrescenta que “a imagem de si construída no discurso é constitutiva da

interação verbal e determina, em grande parte, a capacidade de o locutor agir sobre seus

alocutários”. Avançando nesse raciocínio, a autora acrescenta que as imagens do locutor são

autorizadas pelos discursos que costuma proferir, mas isso não significa que sejam

reconhecidas como legítimas pelos interlocutores. Segundo essa autora, “a autoridade do

locutor não provém somente de seu estatuto exterior e das modalidades da troca simbólica da

qual ele participa” (AMOSSY, 2008, p. 138). Ela é também produzida pelo discurso, em uma

troca verbal, que visa produzir e fazer reconhecer sua legitimidade. No processo de busca de

legitimidade, o locutor, conforme a autora, constrói, discursivamente, uma imagem de si que

o torna apto a influir nas opiniões e modelar atitudes, o que vai ao encontro da perspectiva

pragmática segundo a qual o discurso permite (inter)agir.

62 Para Bakhtin/Volochinov (1992), o processo de refração diz respeito ao fato de o signo linguístico ser partilhado, muitas vezes, por indivíduos que possuem interesses diversos e, nesse processo, acaba por revelar índices de valores contraditórios, o que torna esse signo, na visão do autor, vivo e móvel, capaz de evoluir.

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Sobre essa noção, importa considerar, com Charaudeau (2006a, p. 115), o que ele

propõe, para quem o ethos não é uma propriedade exclusiva do locutor; “ele é antes de tudo a

imagem de que se transveste o interlocutor a partir daquilo que diz”. E acrescenta: “o ethos

relaciona-se ao cruzamento de olhares: olhar do outro sobre aquele que fala, olhar daquele que

fala sobre a maneira como ele pensa que o outro o vê.” (CHARAUDEAU, 2006a, p. 115). Na

verdade, o ethos, sob esse enfoque, pode ser descrito como um jogo de imagens, uma projeção

de diferentes pontos de vista refletidos no discurso do locutor. Dessa maneira, pode-se afirmar

que é na/pela interação que o ethos se (re)constitui, a partir do que o interlocutor sabe a

respeito do locutor (ethos prévio) e dos dados materializados no ato de linguagem (ethos

discursivo).

Para sustentar essa posição, Charaudeau (2006a) recorre à noção de identidade do

sujeito falante, classificada em identidade social e identidade discursiva. A primeira refere-se

ao direito de tomar a palavra, inscrevendo um determinado locutor como ser comunicante,

visto que representa um papel na situação de comunicação. Já a segunda relaciona-se aos

papéis que o sujeito se atribui na enunciação, considerando todas as coerções impostas pela

situação de comunicação e as estratégias que mobiliza em seus discursos.

Em outro trabalho, Charaudeau (2006b) trata do que ele denomina cruzamento de

olhares, a partir da ideia de que o sujeito se constitui através de uma identidade discursiva,

que, por sua vez, não existe sem a identidade social. Nesse artigo, a consciência identitária é

concebida como algo que nasce da percepção de que o outro é diferente, fator crucial para a

constituição identitária do sujeito.

Não obstante a importância da alteridade nesse processo, o autor nos alerta para o que

considera um paradoxo: o sujeito precisa apreender o outro como diferente para tomar

consciência de si, mas, ao mesmo tempo, rejeita essa diferença ou deseja que o outro se torne

parecido a ele. Esse jogo sutil que se instaura entre o eu e o outro é constitutivo da linguagem,

considerando a ideia foucaultiana de que a contradição é inerente ao discurso. Dessa

perspectiva, tomando por base o objeto em estudo, isso significa que o sujeito, ao se enunciar,

apresenta-se com determinada identidade social (professor-formador) e interage com sujeitos

investidos de outra identidade social (professores da RME/BH). Nessa interação, o sujeito

comunicante busca, frequentemente, a adesão do sujeito interpretante aos valores, crenças e

concepções defendidas em seu discurso e, para tal, muitas vezes, lança mão de estratégias

discursivas, na tentativa de estabelecer e/ ou manter um contrato de comunicação com seus

interlocutores.

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Ainda, sob o ponto de vista de Charaudeau, no que tange ao entrelaçamento dos

conceitos de ethos, identidade social e identidade discursiva, o autor sustenta que “a

identidade discursiva tem a particularidade de ser construída pelo sujeito comunicante em

resposta à questão: “Estou aqui para falar de que maneira?”. Por isso, representa um jogo

duplo de ‘credibilidade’ e de ‘captação’”63 (CHARAUDEAU, 2006b, p. 346, tradução

minha).

Ao se enunciar de determinada maneira, o sujeito comunicante precisa gerenciar a

imagem que tem de si mesmo, aquela que ele pensa que transmite ao outro e ainda a imagem

que faz do(s) interlocutor(es). Nesse momento, fundado por um jogo de imagens, identidades

discursivas podem ser mobilizadas com o auxílio das estratégias de captação, legitimação e

credibilidade.64

Na defesa de uma imagem de si (portanto, um ethos), no ato de enunciação, segundo

Charaudeau, o sujeito deve responder estrategicamente à seguinte questão: “Como posso ser

levado a sério?”65 (CHARAUDEAU, 2006b, p. 346, tradução minha). A resposta a essa

pergunta é geralmente moldada na (e pela) interação verbal, de acordo com a maneira pela

qual o sujeito se enuncia, tendo em vista a produção e a interpretação de um ato de linguagem.

4.6. Entre a gestão e a docência: saberes de um professor-formador

Nas duas esferas de atuação, o professor-formador interage, principalmente, com

professores e gestores, estes últimos, gerentes da SMED, das Administrações Regionais e

diretores e vice-diretores de escolas da RME/BH. Em suas diversas atividades profissionais, o

professor-formador mobiliza saberes intrinsecamente ligados a sua construção identitária e

costuma falar ora como professor ora gestor. E são esses posicionamentos identitários,

negociados na interação com diversos interlocutores, que parecem materializar-se nos

discursos do professor-formador por meio de estratégias discursivas.

O fato de o professor-formador posicionar-se estrategicamente, na interação com seus

diversos interlocutores, em suas esferas de atuação, talvez se explique pela diversidade de

saberes postos em prática nas diversas atividades das quais participa. Como os sujeitos com

os quais o professor-formador interage também colocam em prática seus saberes

profissionais, é preciso haver uma negociação para que os saberes do professor-formador

63 L’identité discursive a la particularité d’être construite par le sujet parlant en répondant à la question: “Je suis là pour comment parler ?”. De là qu’elle corresponde à un double enjeu de “crédibilité” et de “captation.” 64 O capítulo 5 conceitua e descreve, detalhadamente, essas estratégias discursivas. 65 “[...] comment puis-je être pris au sérieux ?”.

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sejam primeiramente reconhecidos pelos diversos interlocutores como legítimos e, em

decorrência disso, venham a ser partilhados por esses sujeitos.

Para Tardif, também se integram à prática pedagógica dos professores os saberes

disciplinares, através da formação inicial e continuada. Esses saberes correspondem a diversas

áreas de conhecimento (matemática, história, literatura, etc.) e constituem-se no produto da

tradição cultural e de grupos sociais que possuem autoridade social e legitimidade para

produzi-los.

No âmbito escolar, as instituições de ensino costumam selecionar determinados

saberes sociais que se materializam nos programas escolares. Esses saberes, denominados

curriculares, devem ser apropriados pelo professor e aplicados em sala de aula, conforme

orientações de ordem teórico-metodológica provenientes da instituição de ensino em que

leciona.

Já os saberes experienciais ou práticos baseiam-se no trabalho cotidiano do professor e

são incorporados à experiência docente (individual e coletiva) por meio do que o autor

denomina habitus e habilidades. Dessa maneira, a prática docente é compreendida por Tardif

como:

um processo de aprendizagem através do qual os professores retraduzem sua formação e a adaptam à profissão, eliminando o que lhes parece inutilmente abstrato ou sem relação com a realidade vivida e conservando o que pode servir-lhes de uma maneira ou de outra. (TARDIF, 2010, p. 53).

Em consonância com o autor, pode-se afirmar que é no e pelo trabalho que os saberes

do professor são validados, uma vez que são (re)produzidos e (re)modelados nas diversas

práticas pedagógicas empreendidas por esse profissional. Nesse sentido, as considerações de

Tardif acerca dos saberes engendrados nas atividades docentes vêm ao encontro de um dos

pressupostos deste estudo, a partir do qual a identidade do professor-formador é fluida,

construída na e pela interação com os diversos interlocutores em sua rede de atividades

profissionais. Depreende-se daí que, ao interagir com os professores nas reuniões de formação

em serviço, nas escolas da RME/BH, o professor-formador mobiliza saberes docentes

produzidos em suas práticas pedagógicas, tendo em vista sua experiência profissional.

No âmbito da SMED, os saberes docentes do professor-formador tendem a ser

atualizados na interação com os colegas que compõem a equipe de professores-formadores.

Dessa maneira, as práticas discursivas dos professores-formadores do NAL/SMED

engendram saberes profissionais validados por formações discursivas próprias dessa esfera.

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Dito de outra maneira, a prática pedagógica do professor-formador precisa estar em

consonância com as concepções de ensino e aprendizagem defendidas pela SMED, no que

concerne às práticas de alfabetização e letramento.

Dessa maneira, o conhecimento teórico e prático do professor-formador acerca do

ensino de Língua Portuguesa, já legitimado e autorizado pela SMED, é constantemente

ativado na interação com os professores que participam da formação em serviço nas escolas

da RME/BH. É a partir dos saberes docentes do professor-formador que os objetos de estudo

das reuniões pedagógicas são (re)construídos, em âmbito escolar, na interação com os

profissionais da escola monitorada (professores, coordenador(es) pedagógico(s), diretor(a) e

vice-diretor(a)). Com base nas considerações de Tardif, acerca dos saberes docentes,

apresento, a seguir, um excerto do corpus que ilustra o processo de mobilização desses

saberes por parte da informante PF1, na interação com professoras de uma escola da

RME/BH.66

(102) PF1: o menino joga bola... que critério que eles ((referindo-se aos alunos)) usam? vocês já tentaram fazer isso assim como diagnóstico? cadê aquele material que eu falei que () vou mostrar aqui... uma intervençãozinha rápida que eu fiz com um menino lá de outra escola... [...] mas esse aqui já tem sete anos... a professora... a professora tava muito incomodada com ele porque ele tava destoando muito da sala e achando assim... ele já lê já escreve mas até cópia ele faz sem segmentar... tá... manda ele descer pra conversar com ele um pouquinho... ah não mas eu quero ver então a escrita... e aí... ela simulou uma situação assim que eu brinquei que era real que foi de escrever um bilhete né? ela pediu que ele escrevesse um bilhete pra mim... é:: meu trabalho está no armário professora L. ... aí chegou... tá... tá... tá... então quer dizer que o trabalho da Lídia tá no armário? mas eu demorei um pouquinho a ler e mostrei que a leitura num tava muito fácil né? toda emendada e ele ainda tá começa::ndo a fazer o desenho da cursiva... coitado... então... com dificuldade... aí conversei com ele... falei... ô C. ocê sabe que a gente precisa dar espaço entre as pala::vras pra facilitar a leitura e eu vi que você escreveu tudo né? tudo emendadinho aqui... fala pra mim... quantas palavras você acha que tem nessa frase? aí eu falei a frase sem dar muitas pausas... meu trabalho está no armário... que esse conceito gente... a gente acha/ a gente fala muito em palavra com o menino... mas palavra é uma questão... é um conceito bem complexo... aí ele falou... tem três

66 Excerto transcrito de uma reunião de formação em serviço, em uma escola da RME/BH, envolvendo a professora-formadora (PF1), três professoras do 1º ciclo e a coordenadora pedagógica. Nesse trecho, PF1 conversa com as professoras sobre uma intervenção pedagógica que ela fez com um menino que estuda em outra escola da RME/BH. Segundo PF1, esse estudante não estava respeitando os espaços entre uma palavra e outra, no momento da escrita, produzindo uma escrita “emendada”.

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palavras... tá... então me fala quais são essas palavras... meu trabalho... está... no armário... [...] aí () meu trabalho está no armário... está aí ó...já generalizando né? fazendo uma generalização... uma hipercorreção... [...] o desenvolvimento real desse menino é esse aqui... né? é escrever emendado... se tem alguém pra ajudar ele ir fazendo essa reflexão ele dá conta... tanto é que na úl-tima situação... aí eu fui explicando ele foi desdobrando e conseguiu ver que meu era uma trabalho era outra... que no era um armário era outro... [...] agora é claro que a professora... a maioria da sala dele... não está apresentando esse problema... então cabe a ela... qua::ndo for possível monitorar o trabalho dele dessa forma né? um ditado de fra::ses...enquanto os outros já vão fazendo... né? com autonomia... ela pode pensar... né? chegar perto dele... falar assim... ô querido... conta primeiro quantas palavras você acha que tem... né? se:: tiver muito complicado ela pode até dar os quadrinhos né? pra marcarem... que é na leitura... na convivência... é nesse tipo de intervenção ou de outra... e:: a E. até... é:: citou uma que ela já usou quando professora...

Nesse trecho, PF1, investida do lugar social de professora-formadora do NAL/SMED,

vale-se de uma situação na qual realizou uma intervenção pedagógica com um aluno de

determinada escola da RME/BH para conduzir o processo de formação em serviço de

professoras de uma das escolas que acompanha.

Ao reportar ao grupo a intervenção que fez com o aluno, PF1 demonstra, ao longo de

sua exposição, saberes docentes decorrentes de sua formação profissional67 bem como

experienciais e disciplinares, conforme demonstrado pelos fragmentos seguintes.

(...) o desenvolvimento real desse menino é esse aqui... né? é escrever emendado... se tem alguém pra ajudar ele ir fazendo essa reflexão ele dá conta... (saber oriundo da formação profissional e saber experiencial).

Ou ainda:

aí ( ) meu trabalho está no armário... está aí ó...já generalizando né? fazendo uma generalização... uma hipercorreção... (saber disciplinar).

67 PF2 é graduada em Psicologia, mas cursou o Magistério, que a habilitou a lecionar para as séries (ou anos) iniciais do ensino fundamental. Além disso, a professora-formadora declarou, em entrevista, sua participação em um grupo de estudos em Psicopedagogia, em uma instituição particular de ensino de Belo Horizonte.

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Não é objetivo deste estudo mapear os diversos tipos de saberes docentes mobilizados

pelo professor-formador neste ou em outros excertos transcritos do corpus. No entanto, é

preciso considerar esses saberes enquanto elementos engendrados nas práticas discursivas do

professor-formador que contribuem para que estas possam ser consideradas legítimas por seus

interlocutores.

Esse processo de legitimação dos discursos do professor-formador está intimamente

ligado à constituição identitária desse profissional, tendo em vista o lugar social que ocupa e

os papéis que desempenha nas diversas atividades pedagógicas inseridas em suas esferas de

atuação. Tendo em vista esse raciocínio, observa-se, no segmento (102), que PF1 se enuncia

do lugar social de professora-formadora do NAL/SMED, estando, portanto, autorizada a

dispor de certos expedientes nas escolas que monitora, como o atendimento a alunos com

problemas de aprendizagem em Língua Portuguesa. No excerto em análise, a intervenção da

professora-formadora em relação ao problema apresentado pelo aluno serve como ponto de

partida para uma reflexão proposta por PF1 às professoras que participam da reunião de

formação.

Relativamente à condução da formação em serviço pela professora-formadora,

observa-se a emergência de um enunciador que narra sua experiência sob o ponto de vista de

um sujeito que possui saberes disciplinares, experienciais e profissionais que o autorizam a

agir profissionalmente dessa maneira. Ao mesmo tempo, a experiência como professora-

formadora permite a PF1 que a intervenção realizada com o aluno possa ser utilizada como

objeto de reflexão a partir da temática proposta ao grupo de professoras.

Por meio desses movimentos, PF1 marca sua posição no discurso, como aquela que

conduz a reunião, o que pode ser demonstrado pelo trecho: “vocês já tentaram fazer isso

assim como diagnóstico? cadê aquele material que eu falei que (...)”. Nesse fragmento, PF1

introduz, a título de ilustração, a intervenção que ela faz com um aluno, tomando-a como

objeto de reflexão, além de ser uma prática de ensino que recomenda ao grupo. Identifica-se,

no trecho em questão, a assunção de um posicionamento identitário a partir do qual sobressai

uma voz que possui autoridade para dizer o que diz, como condutora do processo de formação

em serviço das professores participantes dessa reunião. Esse posicionamento parece se manter

ao longo do segmento (102), no qual PF1 procura promover uma reflexão acerca de sua

prática pedagógica, (re)significando saberes, (re)configurando posicionamentos e/ou filiações

discursivas e identitárias.

No trecho seguinte, PF1, em dado momento, posiciona-se como colega das demais

professoras que participam da reunião, por meio da expressão a gente. No entanto, logo em

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seguida, utiliza saberes disciplinares e experienciais para delimitar sua posição de professora-

formadora, comportando-se como aquela que procura levar o grupo a refletir sobre

determinada prática pedagógica, sobre uma dada teoria e um objeto de ensino, o que pode ser

comprovado pelos trechos sublinhados.

(...) que esse conceito gente... a gente acha/ a gente fala muito em palavra com o menino... mas palavra é uma questão... é um conceito bem complexo... aí ele falou... tem três palavras... tá... então me fala quais são essas palavras... meu trabalho... está... no armário...

Nesse excerto, PF1, como ilustração, utiliza a intervenção que fez com o aluno para

chamar a atenção de suas interlocutoras para o conceito de palavra. Mais adiante, em outro

trecho, essa estratégia pedagógica da professora-formadora torna-se ainda mais evidente:

agora é claro que a professora... a maioria da sala dele... não está apresentando esse problema... então cabe a ela... qua::ndo for possível monitorar o trabalho dele dessa forma né? um ditado de fra::ses...enquanto os outros já vão fazendo... né? com autonomia... ela pode pensar... né? chegar perto dele... falar assim... ô querido... conta primeiro quantas palavras você acha que tem... né? se:: tiver muito complicado ela pode até dar os quadrinhos né? pra marcarem... que é na leitura... na convivência... é nesse tipo de intervenção ou de outra... e:: a E. até... é:: citou uma que ela já usou quando professora...

No trecho acima, a seleção de recursos linguísticos, marcados em negrito, parece

concorrer semântica e discursivamente para reforçar o posicionamento identitário de PF1

como aquela que tem autoridade e legitimidade para dar sugestões e/ou orientações

pedagógicas às professoras que participam das reuniões de formação nas escolas, o que parece

conferir um tom injuntivo ao trecho em foco.

Avançando nessa discussão, importa também levar em conta que, como o professor-

formador representa uma instituição que se ocupa da gestão administrativa e pedagógica das

escolas da RME/BH, é comum a esse profissional exercer, em determinadas ocasiões, o papel

de gestor, nas atividades imbricadas na esfera escolar.

Relativamente a esse assunto, Libâneo (2008) define gestão como uma atividade pela

qual são mobilizados meios e procedimentos para se atingir os objetivos da organização,

envolvendo, basicamente aspectos gerenciais e técnico-administrativos. Segundo o autor, na

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esfera escolar, responsabilizam-se pela gestão pedagógica o diretor, o vice-diretor e o

coordenador pedagógico.

Do ponto de vista do autor, as atribuições ou papéis de um diretor de escola fundam-

se, principalmente, na gestão escolar, no entanto, como se configuram em função de um

campo educativo, não deixam de ter um significado pedagógico, uma vez que as ações

administrativas existem em função das práticas pedagógicas legitimadas pela instituição

escolar.

No que tange ao coordenador pedagógico, Libâneo (2008, p. 219) o caracteriza como

um profissional que “responde pela viabilização, integração e articulação do trabalho

pedagógico-didático em ligação direta com os professores, em função da qualidade do

ensino.” Para a consecução desse objetivo, as ações do coordenador devem ser voltadas para a

reflexão e a investigação de práticas pedagógicas dos professores.

Voltando o foco para o trabalho do professor-formador, na esfera escolar, algumas

atividades empreendidas por esse profissional relacionam-se ao campo da gestão pedagógica.

Muitas vezes, torna-se necessário que se posicione como um gestor, tendo em vista a

organização escolar segundo determinados princípios contidos em diretrizes pedagógicas da

SMED.

No tocante à principal atividade do professor-formador do NAL/SMED, note-se que

seu papel perante os docentes assemelha-se àquele que deve ser desempenhado por um

coordenador pedagógico, segundo Libâneo. Para o autor, o trabalho do coordenador

pedagógico consiste na “monitoração sistemática da prática pedagógica dos professores,

sobretudo mediante procedimentos de reflexão e investigação” (LIBÂNEO, 2008, p. 219). No

segmento (102), note-se que PF1 posiciona-se como uma coordenadora, que investiga a

prática pedagógica dos professores. Esse posicionamento torna-se evidente no seguinte

trecho: “(...) vocês já tentaram fazer isso assim como diagnóstico?”. Em seguida, ainda no

exercício desse papel, vai marcando discursivamente sua posição identitária por meio dos

recursos linguísticos já mencionados.

Ao que parece, no excerto analisado, tem-se um entrelaçamento de papéis sociais que

são negociados pela professora-formadora na interação com as professoras que participam da

reunião de formação. Em determinados momentos, PF1 se enuncia do ponto de vista de uma

professora que faz uma intervenção com um aluno. Em outra ocasião, nesse mesmo excerto,

ela assume o papel de professora-formadora, que pressupõe, em sua constituição, o exercício

de outro papel: o de coordenadora pedagógica.

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Ainda com relação aos saberes ligados à gestão escolar, que concorrem

discursivamente para a construção da identidade do professor-formador, outro momento em

que esse profissional costuma posicionar-se como coordenador pedagógico ou diretor é

quando sente a necessidade de (re)constituir a equipe de professores da escola que monitora,

no exercício de suas atribuições como professor-formador, conforme demonstrado pelo

excerto a seguir.68

(128) PF2: é:: eu:: a discussão que nós começamos lá no segundo ciclo que eu vim me ater mais ao segundo porque o primeiro nós caminhamos juntas né? basicamente tivemos né? com as mesmas coisas a primeira discussão com o segundo ciclo foram exatamente esses meninos que tavam lá ((no segundo ciclo)) sem base alfabé::tica turmas fracas as professoras não têm perfil não go::stam e:: no ano passa::do o C. ((escola da RME/BH)) por exemplo foi dividido e::m ciclos o primeiro ciclo à tarde segundo ciclo de manhã né? [...] e um desencontro assim enorme um desenco::ntro ((risos)) eno::rme sabe? um desencontro assim visível então por exemplo tem nas turmas de primeira fa::se então a/ a professora tem uma professora referência essa professora não é referência outra tem uma que entra pra educação física então uma loucu::ra até que aos poucos nós conseguimos primeiro... organizar a intervenção foi a primeira coisa que::/ que nós peitamos naquele ciclo né? que:: ninguém queria e aí foi escolhida a dedo e é ela que vai porque ela é a última porque é a dobra né? e eu pelejando essa professora de jeito nenhum tem que ser uma professora boa senão não adianta não tem senti::do né? [...] então tava tudo deso/ desorganizado desorientado ((risos)) pra falar a verdade... e aí assim aos poucos nós começamos a organizar a primeira fase to::da com professor referência Isso em termos de ORganização é complicado demais você mexer nisso isso não vai com rapidez né? então organizamos muito tempo pra que/ é: pra selecionar professoras que fossem da primeira fase e que essas fossem professoras que tinham uma noção do ser alfabetizadora como ser alfabetizadora que nem todas eram alfabetizadoras e elas ficavam ali na primeira fase que tavam pegando os meninos no início da alfabetização as OUtras né? dividiram e aí assim é::: eu ainda:: né? eu parei nesse pé lá né?

Esse trecho ilustra os movimentos de um enunciador que parece assumir a posição-

sujeito, investida do papel de gestora (diretora ou coordenadora pedagógica) que se

68 Excerto de uma reunião ocorrida na SMED, em novembro de 2008, na qual PF2 apresenta à gerente de articulação da política educacional as ações que desenvolveu em uma das escolas que acompanha, no que se refere à (re)organização da equipe de professores, tendo em vista o perfil profissional considerado pela SMED para que um professor possa atuar satisfatoriamente em determinado ciclo de formação.

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responsabiliza pela tomada de decisões pedagógicas e/ou administrativas na esfera escolar.

Tal movimento enunciativo e discursivo pode ser notado pelo uso de mecanismos linguísticos

como os dêiticos (pronomes pessoais e demonstrativos) e de expressões valorativas,

modalizadoras, interpretativas.

Em todo o segmento (128) note-se a emergência de um eu que se responsabiliza pela

gestão pedagógica de uma equipe de docentes, no tocante à redistribuição de turmas para os

professores de 1º e 2º ciclos, tendo como critério o perfil profissional para trabalhar as

especificidades desses ciclos de formação, no que se refere aos processos de alfabetização e

letramento dos alunos. Como alguém que interfere na organização escolar, o professor-

formador tenta demonstrar que suas ações foram feitas em consonância com a equipe

pedagógica da escola, por meio da utilização da primeira pessoa do plural, como demonstrado

pelos trechos abaixo:

eu vim me ater mais ao segundo porque o primeiro nós caminhamos juntas né? basicamente tivemos né? com as mesmas coisas (...)

Ou ainda:

aos poucos nós conseguimos primeiro... organizar a intervenção foi a primeira coisa que::/ que nós peitamos naquele ciclo né? aos poucos nós começamos a organizar a primeira fase to::da com professor referência Isso em termos de ORganização é complicado demais você mexer nisso isso não vai com rapidez né? então organizamos muito tempo pra que/ é: pra selecionar professoras que fossem da primeira fase (...)

As expressões em destaque, nos trechos acima, demonstram como PF2 vai se

projetando como gestora, marcando, ao mesmo tempo, um movimento de pertença à equipe

pedagógica da escola que acompanha, o que pode ser demonstrado pelo uso recorrente do

pronome de primeira pessoa (nós). Apesar de a fala de PF2 nem sempre explicitar os

referentes desse pronome (professora-formadora e gestores da escola ou professora-

formadora, gestores e professores da escola), a opção pela primeira pessoa do plural pode ter

sido para demonstrar aos interlocutores da SMED que suas ações foram tomadas de comum

acordo com a equipe pedagógica da escola, como mencionado anteriormente. No entanto, PF2

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deixa claro que a adesão do grupo nem sempre foi garantida, como pode ser demonstrado pela

expressão destacada no trecho a seguir: “(...) e eu pelejando essa professora de jeito nenhum

tem que ser uma professora boa senão não adianta não tem senti::do né?”.

Ao que se pode notar, conforme o excerto em análise, a construção da identidade

profissional de PF2 está intimamente ligada à inserção dessa profissional nas práticas

discursivas da SMED e isso implica “a construção de lugares sociais e posicionamentos

identitários presumíveis pelas injunções institucionais” (SILVA, 2010, p.03). Em suma, os

discursos do professor-formador refletem saberes gerados numa esfera que se responsabiliza

pela gestão das escolas nos âmbitos administrativo e pedagógico.

4.7. Lugar social e lugar discursivo: noções diferentes, mas complementares

Conforme exposto em seções anteriores, a maneira como o professor-formador se

enuncia está atrelada a um conjunto de práticas discursivas da comunidade de professores-

formadores do NAL/SMED. Como reflexos dessas práticas, os discursos desse profissional

deixam entrever modos de pensar/dizer próprios da instituição onde são gerados/atualizados.

Pelo fato de falar em nome de uma instituição que regula, administrativa e pedagogicamente,

o funcionamento das escolas da RME/BH, o professor-formador tende a ocupar um lugar

social que lhe confere legitimidade para (re)produzir determinadas formações discursivas no

âmbito da educação.

Foucault (1972), por exemplo, ao analisar o discurso médico do século XIX, procura

relacioná-lo a determinadas coerções de ordem institucional e/ou normativa que regulam sua

aparição, visto que concebe o discurso como indissociável do lugar social de onde é proferido.

Dito de outra forma, o lugar social é aquilo que legitima o sujeito a dizer o que diz e como o

diz, segundo determinados princípios reguladores de discursos engendrados em instituições

sociais responsáveis por sua (re)produção. Nas palavras de Foucault:

Quem, no conjunto de todos os sujeitos falantes, tem boas razões para ter esta espécie de linguagem? Quem é seu titular? Quem recebe dela sua singularidade, seus encantos, e de quem, em troca, recebe, se não sua garantia, pelo menos a presunção de que é verdadeira? Qual é o status dos indivíduos que têm - e apenas eles - o direito regulamentar ou tradicional, juridicamente definido ou espontaneamente aceito, de proferir semelhante discurso? (FOUCAULT, 1972, p. 65).

Se aplicarmos as mesmas perguntas de Foucault aos discursos do professor-formador,

voltaremos, provavelmente, à discussão iniciada no primeiro parágrafo desta seção. Isso

significa que o professor-formador tem autoridade para se enunciar, em suas esferas de

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atuação, em nome da instituição que representa, o que o legitima a acompanhar determinadas

escolas da RME/BH, promovendo reuniões de formação, (re)organizando tempos e espaços

escolares, (re)constituindo equipes de professores e outras ações engendradas em suas

atividades profissionais. No entanto, o lugar social de onde o sujeito se enuncia não parece

garantir a homogeneidade ou a unificação de formações discursivas, tendo em vista a

dispersão desse sujeito do discurso, que pode ocupar diversas posições, diversos lugares na

enunciação.69

Retomando o segmento (128), que ilustra a seção 4.6, é possível identificar um sujeito

que se enuncia do lugar social de professor-formador do NAL/SMED e discursiviza diferentes

saberes institucionais nos campos da docência e da gestão escolar. Como dito, o lugar social

de professor-formador do NAL/SMED confere ao sujeito legitimidade para se enunciar como

um gestor da área pedagógica, uma vez que mobiliza saberes relacionados ao âmbito

administrativo/organizacional da escola, que são partilhados por profissionais que trabalham

nessa esfera, como os gerentes educacionais e a equipe pedagógica, constituída por

professores-formadores. No caso dos saberes docentes imbricados nos discursos do professor-

formador, cumpre dizer que colaboram para a construção do lugar discursivo de professor, o

que pode ser comprovado pelo segmento (102), mais especificamente no momento em que a

professora-formadora narra sua intervenção pedagógica com um aluno de uma escola que

acompanha. Ressalte-se, então, que esse lugar discursivo é ancorado no lugar social através

do qual o professor-formador é reconhecido pela PBH: o lugar de professor municipal, que o

habilita a lecionar em escolas da RME/BH.

4.8. Os papéis do professor-formador nas redes de atividades

Algumas noções caras a este trabalho, como posicionamento, identidade e lugar social,

exploradas em seções anteriores, costumam ser tratadas, por parte de estudiosos dos campos

da Análise do Discurso, da Psicologia Social e da Sociologia, de maneira ora contrastante ora

complementar. Ao lidar com esses conceitos, no âmbito dessas disciplinas, este trabalho, além

de buscar variados referenciais teóricos que subsidiem a investigação do objeto em estudo,

procura, também, considerar a maneira como as abordagens dessas disciplinas se entrelaçam e

se complementam, o que pode propiciar um estudo mais aprofundado do objeto em questão.

Nesse sentido, retomo, aqui, a complexidade desse objeto e a necessidade de se buscar pontos

69 Cf. o disposto no capítulo 2, seção 2.4.

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de convergência entre essas disciplinas, no que tange à maneira como conceituam e explicam

tais noções, que, neste estudo, são consideradas como parte de uma rede conceitual.

No que diz respeito à noção de papel, cumpre dizer que essa categoria também recebe

tratamentos variados nas disciplinas que subsidiam as discussões teóricas propostas neste

estudo. Partindo desse princípio, apresento, agora, conceitos e classificações que o termo

adquire, tomando como referência estudiosos da Sociologia e da Linguística, na tentativa de

trabalhar com os pontos de convergência e/ou complementaridade.

A iniciar pelos estudos de Goffman (2009), o conceito de papel refere-se às maneiras

como os sujeitos se comportam nas diversas situações das quais participam e que impressões

causam aos outros, tomando por base a metáfora teatral. Conforme o autor, “o papel que um

indivíduo desempenha é talhado de acordo com os papéis desempenhados pelos outros

presentes e, ainda, esses outros também constituem a plateia.” (GOFFMAN, 2009, p. 9).

Nos casos em que um sujeito se apresenta diante de um mesmo tipo de público ou de

um público formado pelas mesmas pessoas, em várias ocasiões, representando um papel

socialmente organizado, Goffman (2009) classifica esse movimento como um papel social.

Pensando no professor-formador do NAL/SMED, dada a regularidade com que interage com

determinados sujeitos em diversas situações sociais que ocorrem em suas esferas de atuação,

pode-se dizer que representa papéis sociais.

A noção de representação de papéis sociais, cunhada por Goffman (2009), parece

trazer embutida a ideia de ethos ou imagem de si (AMOSSY, 2008). Ao tratar dos papéis

representados pelos sujeitos, numa situação social, Goffman (2009) nos alerta para o fato de

que um sujeito, ao representar um papel, pretende transmitir uma determinada impressão à

plateia (seus interlocutores) e tende a acreditar, segundo o autor, “na impressão de realidade

que tenta dar àqueles entre os quais se encontra.” (GOFFMAN, 2009, p. 25).

Nas palavras de Amossy, “o bom andamento da troca [verbal] exige que à imagem do

auditório corresponda uma imagem do orador. De fato, a eficácia do discurso é tributária da

autoridade de que goza o locutor, isto é, da ideia que seus alocutários fazem de sua pessoa.”

(AMOSSY, 2008, p. 124). Ainda, segundo a autora, a distribuição de papéis na enunciação

regula determinadas imagens do locutor, que, por sua vez, ganham ares de realidade no

momento em que um discurso é proferido.

É justamente na ideia de interação que se apoia outra noção defendida por Goffman: a

de representação ou “toda atividade de um indivíduo que se passa num período caracterizado

por sua presença contínua diante de um grupo particular de observadores e que tem sobre

estes alguma influência”. (GOFFMAN, 2009, p. 29). Aliado a essa definição, encontra-se o

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conceito de fachada, que, no entendimento do autor, equivale ao desempenho do indivíduo

perante aqueles que observam sua representação. À situação em que um grupo de indivíduos

representa papéis sociais institucionalizados, como o caso dos professores-formadores do

NAL/SMED, Goffman denomina fachada social o fato de esses indivíduos apresentarem uma

conduta padronizada pela esfera social a que pertencem.

Berger & Luckmann (1985) também definem papel social em relação com o que

denominam mundo institucional ou “atividade humana objetivada” (BERGER &

LUCKMANN, 1985, p. 87). Esses autores consideram o indivíduo em sua relação com o

social e destacam o papel das instituições na tipificação de condutas70. Dito de outra maneira,

uma instituição exerce influência sobre os comportamentos dos sujeitos que dela fazem parte.

Dessa maneira, pensando nos papéis representados pelo professor-formador, pode-se dizer

que são regulados pelas práticas discursivas institucionalizadas no âmbito da SMED. Uma

vez que representa essa esfera social, o professor-formador tende a (re)produzir condutas

tipificadas, representando papéis linguisticamente objetivados no interior dessa instituição.

Conforme os autores, é possível falar de papéis quando a tipificação “ocorre no contexto de

um acervo objetivado de conhecimentos comum a uma coletividade de atores.” (BERGER &

LUCKMANN, 1985, p. 103). Isso significa que os papéis assumidos pelo professor-formador,

como dito na seção 4.6, estão intimamente ligados aos saberes atualizados nas esferas em que

atua.

Retomando Vion (2000), esse autor, à maneira de Goffman, concebe a comunicação

como uma dramaturgia e considera o papel como um dos conceitos fundamentais dessa

concepção. Sob esse ponto de vista, o autor divide os papéis em duas categorias: papéis

institucionalizados e papéis ocasionais. Os primeiros ligam-se a um status ou posição social,

como pai, médico, mulher, adulto, etc. Já os últimos, como o próprio nome indica, são

objetivados no momento da interação, o que faz com que surjam papéis de mediador,

conselheiro, companheiro e muitos outros, tendo em vista as especificidades das trocas

intersubjetivas.

No que tange às atividades do professor-formador, à luz das considerações de Vion,

pode ser dito que esse profissional assume o papel institucionalizado de professor-formador

do NAL/SMED. Imbuídos de legitimidade conferida por desempenhar esse papel, os

professores-formadores acabam por assumir outros papéis, denominados ocasionais. Como

indicado pelo nome, esses papéis dependem da ocasião, do tipo de interação, da esfera em que

70 Cf. o capítulo 1, seção 1.2.

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o professor-formador se encontra, dos sujeitos com os quais interage, dos objetivos a atingir,

enfim, do modo como a situação social se configura. A fim de ilustrar, brevemente, a

assunção do papel institucionalizado de professor-formador, bem como a emergência de

papéis ocasionais na interação com algumas professoras que participam da formação em

serviço em uma escola da RME/BH, trago, aqui, um pequeno excerto do corpus.71

(45) P2: tem/ tem/ tem poemas... tem... anúncios... sabe... a resistência desses meninos pra fazer produção de texto que eu pedi pra fazer um anúncio da pipa falando que a pipa havia perdido... então eles vão colocar é... é... no anúncio... como que seria... como que eles fariam com essa/ essa pipa que tá perdida... como que eles iriam escrever... tá? (46) PF1: tá (47) P2: então se eles não queriam a pipa... quem o encontrasse... é... poderia ficar com ela... por quê? (48) PF: agora presta atenção... você acha que essa resistência vem de quê? das características do gênero? por que um classificado é difícil? um anúncio é difícil? ou porque... no caso... esse texto é um texto real? ... essa produção é uma produção real ou ela é escolarizada? ela tem uma função social real? eles perderam a pipa?... é em função/ o texto é poético ou é um texto:: ... mais formalizado... um texto:: informativo? esse anúncio... qual que é a/ a característica?... sabe aquele livro Classificados Poéticos da Roseana Murray? (49) P2: uhn uhn você conhece esse material? ela jo::ga com o anúncio de uma forma poética... é uma brincadeira... não é? ((dirigindo-se a P2)) você conhece esse material? é bacana... de trabalhar com os meninos né? a comparação do MESmo gênero com linguagens diferentes... como linguagem figura::da no texto poético e outro... u::m anúncio como a gente encontra no jornal... porque... a gente tem que tentar localiza::r onde que o problema acontece... às vezes ele acontece em MAIS de uma área... então vamo pegar essa questão mais geral que é... quando a gente escreve... na nossa vida social... a gente escreve com um sentido... não é?

Nesse trecho, pode-se dizer que PF1 representa o papel institucionalizado de

formadora, ao chamar a atenção de P2, no segmento (48), para o assunto do qual pretende

tratar. No exercício desse papel, parece ocorrer, por parte da professora-formadora, a

assunção de outro papel que se faz necessário na interação. Esse papel, que aparece num dado

momento da enunciação, classificado por Vion como ocasional, configura-se, do ponto de

vista linguístico, principalmente, pelas perguntas que PF1 faz a P2. Ao fazer esse movimento,

71 Esse trecho é parte de uma reunião, ocorrida em novembro de 2008, envolvendo PF1, a coordenadora pedagógica e três professoras de uma escola da RME/BH. Na ocasião, estava em pauta uma discussão sobre o ensino de Língua Portuguesa para os alunos da etapa final do 1º ciclo, mais especificamente no que tange ao trabalho com variados gêneros textuais. No excerto, a professora que interage com PF1 foi denominada P2.

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PF1 parece assumir, também, o papel de mediadora, daquela que incita o professor à reflexão,

por meio de questões direcionadas a aspectos teóricos e práticos concernentes ao ensino de

gêneros textuais. Note-se que PF1, no papel daquela que conduz o processo de formação,

procura direcionar o pensamento do professor por meio de uma espécie de jogo em que

apresenta uma pergunta e duas opções de respostas, como demonstrado pelos seguintes

trechos de (48):

“agora presta atenção... você acha que essa resistência vem de quê? das características do gênero? por que um classificado é difícil? um anúncio é difícil? ou por que... no caso... esse texto é um texto real?”

“(...)essa produção é uma produção real ou ela é escolarizada?”

“o texto é poético ou é um texto:: ... mais formalizado... um texto:: informativo?”

O que anteriormente denominei opção de resposta parece constituir-se, na verdade, em

uma estratégia utilizada por PF1 para conduzir as professoras à reflexão, sendo que uma das

opções apresentadas é referendada pela professora-formadora. Isso fica mais evidente em

(49), quando PF1 faz uma pequena demonstração de como trabalhar com gêneros textuais.

Nesse momento, na tentativa de estabelecer uma relação contratual com P2, PF1 procura

gerenciar diversos papéis ocasionais. Quando recomenda à professora o livro Classificados

Poéticos, age como condutora do processo de formação em serviço das professoras com quem

interage. Outro papel que PF1 parece representar é o de colega de P2, ou seja, professora do

1º ciclo, uma vez que se projeta enunciativamente pelo uso da expressão a gente, ou do

pronome de primeira pessoa nós, conforme demonstrado pelos seguintes trechos: “(...) a gente

tem que tentar localiza::r onde que o problema acontece” ou “(...) então vamos pegar essa

questão mais geral que é... quando a gente escreve... na nossa vida social... a gente escreve

com um sentido... não é?”. Além dos papéis mencionados, PF1 representa, ainda, o papel de

produtora de textos, de alguém que se insere numa sociedade em que as pessoas escrevem

“com um sentido”.

Esses diversos papéis representados pela professora-formadora, no exemplo em

questão, não podem ser considerados de maneira dicotômica, pois um papel ocasional, quando

ocorre em diversas interações, pode tornar-se institucionalizado, no entendimento de Vion

(2000). Segundo o autor, dada a importância de todos os sujeitos que participam da interação,

para a constituição de um determinado papel, é preferível pensar em termos de relações de

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papéis, o que reforça a noção de que “qualquer atividade realizada no quadro de uma

interação é, por ‘natureza’ uma ação conjunta. 72” (VION, 2000, p. 82, tradução minha).

No âmbito da interação, os estudos de Vion parecem confirmar o que foi tratado nesta

seção, à luz das teorias interacionistas de Goffman (2009) e Berger & Luckman (1985). No

tocante à constituição e à negociação de papéis na interação, reitera-se a importância de se

considerar a ação individual sempre em conexão com o meio social na qual se constitui.

Enfim, para ilustrar os conceitos explorados neste capítulo, vistos numa rede conceitual, em

que se ressaltam as relações de convergência entre os termos/noções explorados, apresento,

aqui, a figura 6, que sintetiza as práticas discursivas dos professores do NAL/SMED, com o

foco nos movimentos de (re)construção identitária.

Situação discursiva

Círculo 1 Círculo 2

Figura 6: Sujeitos da linguagem: práticas discursivas, lugares, papéis e posicionamentos Fonte: Dados da pesquisa

À guisa de conclusão

A figura 6 pode ser interpretada como uma síntese da tomada de posicionamento

teórico que este estudo assume: compreender, à luz de um olhar inter/transdiciplinar, a

emergência do sujeito no discurso, realçando as relações e implicações desse processo, no que

72 “ [...] toute activité entreprise dans le cadre d'une interaction est, par ‘nature’, une action conjointe.”

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tange aos movimentos e às instâncias sócio-discursivas e enunciativas que influem e confluem

na construção de uma posição identitária.

Para se traduzir esse movimento, nesse quadro, conjugam-se, de forma esquemática,

termos/noções oriundos de distintos campos disciplinares – Semiolinguística (Charaudeau),

Análise do Discurso (Maingueneau e Charaudeau), Antropologia (Hall), além dos estudos

interacionistas de Vion –, os quais, embora guardadas as diferenças e especificidades de cada

um deles, deixam-se entrever tonalidades conceituais que nos permitiram tomá-las em

diálogo, numa relação complementar, na tentativa de assinalar os pontos de convergência que

suscitam. Nesse sentido, retomando resumidamente o que foi exposto neste capítulo,

explicita-se, aqui, a relação de convergência em questão.

Importa deixar claro que os círculos 1 e 2 devem ser lidos, à luz da figura 6, como

espaços constitutivos de uma situação discursiva, em que se efetiva um evento interacional,

exemplar de práticas discursivas, engendradas no seio das esferas de atividades aqui em

estudo, cujos partícipes (seres sociais) envolvidos são professores-formadores e professores

em formação, que, no seio da interação, no espaço do dizer, afiguram-se como os sujeitos da

linguagem. Ambos estão representados nos círculos 1 (EUc e EUe) e 2 (TUd e TUi).

No tocante ao círculo 1, o sujeito comunicante (EUc) representa o papel

institucionalizado de professor-formador do NAL/SMED. Como dito, esse sujeito, no espaço

do dizer, pode mostrar-se disperso, na mobilização de enunciadores que ocupam lugares

discursivos diversos e distintos, o que leva esse sujeito a representar papéis ocasionais, na

cena enunciativa. Em síntese, nesse movimento enunciativo, pode-se dizer que os papéis

ocasionais assumidos por esse professsor-formador, na interação, relacionam-se aos

posicionamentos identitários presumíveis pelo lugar social de onde se enuncia.

No círculo 2, ilustrativo das ações do receptor/destinatário, repete-se o movimento

representado no círculo 1, mas tomado, desta vez, pelo ponto de vista do professor em

formação (sujeito interpretante - TUi), que, assim como o professor-formador, representa um

papel institucionalizado que o legitima a se enunciar do lugar de professor municipal. Na

interação, o sujeito comunicante mobiliza enunciadores que projetam uma imagem de sujeito

destinatário que representa lugares discursivos distintos e diversos, o que o faz assumir

determinados papéis ocasionais ligados à maneira como se posiciona identitariamente na cena

enunciativa.

Essa situação discursiva é representada, esquematicamente, pela linha pontilhada que

une enunciador (EUe) a destinatário (TUd). No entanto, como pode acontecer com toda

projeção, o TUi poderá rejeitar a imagem de destinatário construída por EUc, refutando o ato

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de linguagem proposto, o que pode colocar em risco o estabelecimento e/ou a manutenção de

uma relação contratual entre os sujeitos da linguagem.

Em suma, a análise dos variados papéis que o professor-formador do NAL/SMED

representa na enunciação, bem como dos posicionamentos identitários que emergem em seus

discursos, parece confirmar a teoria de Hall (2006), segundo a qual a identidade de um sujeito

não é fixa e sim construída na interação. E, por extensão, como afirmam Pêcheux (1983) e

Foucault (1972), não existe um único sujeito, mas diversas posições de sujeito no (do)

discurso, e, na perspectiva de Charaudeau (2006b), todo sujeito deseja se ver com uma única

identidade, mas na verdade, a identidade não passa de uma ilusão, de uma máscara construída

na situação de comunicação.

Tendo em vista o quadro teórico, metodológico e conceitual desenhado até agora,

ressalto que é possível identificar uma relação entre modos de dizer, papéis, posicionamentos

e estratégias. Com base nessa posição, passo, agora, ao capítulo 5 que busca discutir e analisar

as estratégias discursivas do professor-formador do NAL/SMED, tendo em vista a

(re)construção da identidade desse profissional nos eventos interacionais dos quais participa.

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97

5. ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS DO PROFESSOR-FORMADOR

5.1. Introdução

O foco deste estudo, conforme exposto nos capítulos anteriores, é apreender as

estratégias discursivas mobilizadas pelo professor-formador do NAL/SMED, na assunção de

posicionamentos identitários, o que, em outras palavras, relaciona-se aos movimentos de

(re)construção de identidades desse profissional, nas redes de atividades das quais participa,

nas esferas de atuação profissional.

Sustenta-se, neste trabalho, que o professor-formador pode assumir diferentes papéis

sociais e/ou posicionamentos identitários, na interação, tendo em vista o lugar social do qual

se enuncia. No seio de alguns desses movimentos, na cena enunciativa, pode-se dar o que

aqui estamos chamando de ambivalência de papéis e posicionamentos identitários do

professor-formador do NAL/SMED. Nesse caso, isso pode ser explicado pelo fato de esse

sujeito, que é um professor-municipal apto a lecionar em escolas de ensino fundamental da

RME/BH, ter deixado temporariamente a docência para trabalhar em uma esfera que gerencia

o funcionamento político-pedagógico dessas escolas. Tal movimento se reflete nas práticas

discursivas desse sujeito, cujos modos de dizer tendem a ser regulados pelas formações

discursivas próprias da SMED, instância que passa a representar.

Como dito, ao se enunciar como professor-formador do NAL/SMED, esse sujeito

precisa estabelecer uma relação contratual com diversos interlocutores: coordenadores

gestores e equipe de professores-formadores da SMED, além dos professores e gestores das

escolas que acompanha. Retomando Charaudeau & Maingueneau (2008), para que um

contrato de comunicação seja estabelecido, é necessário, entre outras condições, que os

interlocutores se reconheçam identitariamente como sujeitos desse ato.

Para que a troca discursiva realmente ocorra entre os sujeitos com os quais o

professor-formador interage, que nem sempre partilham ideias, saberes e concepções acerca

do objeto de discussão das reuniões de formação, faz-se necessário, muitas vezes, o uso de

estratégias discursivas, em busca de uma relação contratual com os partícipes das reuniões de

formação.

À luz desse quadro, este capítulo visa promover uma discussão sobre o conceito de

estratégia, noção cara a este estudo, partindo da ideia de relação de força (CERTEAU, 1990) e

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seu relacionamento com a noção de estratégias discursivas73 , pensada sob o enfoque proposto

por Charaudeau, no que se refere aos planos da captação, legitimação e credibilidade.

5.2. Relação de força e estratégia

A palavra estratégia, segundo a Nova Enciclopédia Barsa (1997, v.6, p. 99), origina-se

do grego stratègós, que significa “general”, “chefe”. É composta de stratós, “exército”, e

ágein, “conduzir”, tendo significado, inicialmente, "a arte do general". No dicionário Houaiss

(2009, versão eletrônica) estratégia é definida, em sentido amplo, como “arte de aplicar com

eficácia os recursos de que se dispõe ou de explorar as condições favoráveis de que

porventura se desfrute, visando o alcance de determinados objetivos”.

Nas obras citadas, o conceito de estratégia remete-nos a uma relação de poder, uma

vez que, na visão dos autores, uma ação estratégica é comumente produzida por alguém que

ocupa uma posição de comando, podendo, portanto, contar com recursos ou condições

favoráveis para o alcance de certas metas. Em consonância com esse pensamento, temos

Certeau, para quem estratégia pode ser definida como:

o cálculo (ou a manipulação) das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder (uma empresa, um exército, uma cidade, uma instituição científica) pode ser isolado. A estratégia postula um lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio e ser a base de onde se podem gerir as relações com uma exterioridade de alvos ou ameaças (os clientes ou os concorrentes, os inimigos, o campo em torno da cidade, os objetivos e objetos da pesquisa etc.). (CERTEAU, 1990, p. 99).

A concepção de Certeau a respeito do termo estratégia implica, segundo o autor, uma

combinação de lugares distintos, a saber: o lugar de poder, também denominado propriedade

de um próprio, os lugares teóricos, formados por sistemas e discursos totalizantes e os lugares

de distribuição de forças (lugares físicos). A isso, Certeau (1990, p. 100) acrescenta que nas

estratégias está engendrado um saber capaz de dotar um sujeito de poder para conquistar para

si um lugar próprio, ou seja, “o lugar do poder e do querer próprios.”

Ao circunscrever a estratégia no espaço do poder, o autor utiliza o termo tática para se

referir às ações que, embora calculadas, não remetem a um lugar próprio, não sendo

legitimadas, portanto, por uma condição exterior, a despeito do que ocorre com as estratégias.

Nas palavras do autor: “Sem lugar próprio, sem visão globalizante, cega e perspicaz como se

73 Optou-se pela utilização desse termo, neste trabalho, mas adverte-se que, no conjunto da obra de Charaudeau, ocorre o emprego tanto de estratégias discursivas quanto de estratégias de discurso.

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99

fica no corpo a corpo sem distância, comandada pelos acasos do tempo, a tática é determinada

pela ausência de poder assim como a estratégia é organizada pelo postulado de um poder.”

(CERTEAU, 1990, p. 101).

No âmbito da Análise do Discurso, pode-se dizer que a noção de poder encontra-se

engendrada na própria linguagem. Charaudeau (2006a, p. 17) advoga que “todo ato de

linguagem está ligado à ação mediante as relações de força que os sujeitos mantêm entre si,

relações de força que constroem simultaneamente o vínculo social.” Ora, se a linguagem

ocorre num campo de poder, no qual os sujeitos tentam exercer influência uns sobre os outros,

a estratégia surge, portanto, como um expediente do qual o sujeito comunicante (EUc) deve

lançar mão para levar a cabo seu projeto de fala, na tentativa de estabelecer uma relação

contratual com o sujeito destinatário (TUd).

Recorrendo ainda a outro estudioso, para indicar a noção de estratégia, cumpre assinalar

que, para Foucault (1972), uma estratégia vincula-se à formação discursiva,74 constituindo-se

num domínio da função enunciativa. Ao definir discurso como um lugar de dispersão do

sujeito, como uma “rede de lugares distintos”, o autor sustenta haver um princípio que regula

os enunciados que o integram. Dito de outra maneira, uma formação discursiva admite

determinados enunciados, ao mesmo tempo em que exclui outros e são justamente as lacunas

deixadas por essa exclusão que podem abrigar as escolhas estratégicas do sujeito que se

enuncia, o que é explicitado na próxima seção.

5.3. Ato de linguagem, espaço de estratégias: uma (re)construção de identidades

De acordo com o exposto no capítulo 2, retoma-se aqui que um ato de linguagem,

segundo Charaudeau (2006a), situa-se na fronteira entre o dizer (circuito interno) e o fazer

(circuito externo). Pensando na relação de força inerente ao ato de linguagem, a troca social é

marcada, portanto, pela “praxiologia do agir sobre o outro” (CHARAUDEAU, 2006a, p. 16).

Na visão do autor, numa troca social, a relação entre os interlocutores é balizada pela

situação de interdependência e assimetria que se instaura entre linguagem e ação, relação

regulada por quatro princípios, a saber: i) alteridade (todo ato de linguagem pressupõe a

existência do outro); ii) pertinência (os sujeitos devem compartilhar, mas não necessariamente

adotar, os saberes imbricados nos atos de linguagem, numa troca comunicativa); influência

(EUc tenta influenciar o sujeito receptor-interpretante, consoante determinados propósitos

74 Cf. o capítulo 2, seção 2.4.

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100

comunicativos, num espaço de restrições); iii) regulação (na tentativa de exercer influência

sobre TUd, EUc pode deparar-se com o projeto de influência de TUi, o que poderá levar os

sujeitos a gerenciar essa relação por meio de estratégias discursivas.

Uma relação contratual funda-se, por conseguinte, no que Charaudeau (2008)

considera um “desafio”, que é produzido no (e pelo) ato de linguagem, visto como “expedição

e aventura”, entendendo a segunda como algo que se encontra no âmbito do imprevisível, ou

seja, é a parte da comunicação sobre a qual o EUc não tem controle, uma vez que pode

provocar no TUi efeitos não desejados ou imprevistos, como a não adesão ou o rompimento

do contrato de comunicação pretendido pelo primeiro.

Interessado em produzir determinados efeitos de persuasão e/ou de sedução sobre TUi,

EUc poderá se valer de estratégias discursivas a fim de produzir os seguintes efeitos: i) “a

fabricação de uma imagem de real como lugar de uma verdade exterior ao sujeito e que teria

força de lei”; ii) “a fabricação de uma imagem de ficção como lugar de identificação do

sujeito com um outro, imagem esta que constitui um lugar de projeção do imaginário desse

sujeito.” (CHARAUDEAU, 2008, p. 57, ênfase do autor).

Somente para relembrar, à noção de contrato,75 preconizada por Charaudeau (2008),

alia-se o conceito de identidade, uma vez que esta se configura, no entendimento do autor,

como um dos requisitos para que o contrato se estabeleça entre os interlocutores. Isso

significa que os sujeitos precisam se reconhecer uns aos outros com determinados traços

identitários que os definem como sujeitos do ato de linguagem e, como isso nem sempre é

possível, é necessário que o EUc negocie suas posições identitárias com o TUi, visando o

estabelecimento ou a manutenção do contrato de comunicação. Dito de outra maneira, a

constituição identitária dos sujeitos da linguagem ocorre em meio às trocas sociais e se efetiva

através dos papéis assumidos na interação, ou papéis enunciativos, que regulam modos de

dizer, ao mesmo tempo em que impõem restrições aos interlocutores.

Dessa forma, no discurso do sujeito comunicante, emergem vozes ligadas a um ou

mais enunciadores responsáveis pelos diferentes posicionamentos identitários do professor-

formador do NAL/SMED, que costuma se enunciar ora como professor ora como gestor,

envolvendo-se numa espécie de jogo especular em que “as imagens construídas pelos sujeitos

envolvidos nas práticas de linguagem podem ser refletidas ou refratadas, segundo as

circunstâncias e as condições específicas que caracterizam a situação de interação.”

(MENDES, 2001, p. 341).

75 Cf. o capítulo 2, seção 2.3.

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Essa observação de Mendes (2001) pode ser utilizada como ilustração do movimento

identitário do professor-formador do NAL/SMED nas reuniões de formação ocorridas nas

esferas de atuação profissional. Conforme esse autor, no movimento de construção de

imagens, entendido aqui como construção identitária, o sujeito comunicante, transformado em

enunciador, busca uma equivalência entre sua imagem de enunciador e a de destinatário. Se o

sujeito interpretante se identificar com a imagem de destinatário criada por EUc, haverá um

reconhecimento/reflexão da imagem de enunciador. Caso essa identificação não ocorra,

haverá uma recusa da imagem do enunciador, por parte de TUi, o que equivale ao processo de

refração.

Ainda, segundo o autor, as escolhas linguístico-enunciativas que ocorrem no circuito

interno ou componente linguístico do ato de linguagem produzem efeitos no circuito externo

ou componente situacional, o que contribui para “o processamento da totalidade do ato, em

termos dos processos enunciativos engendrados durante a interação.” (MENDES, 2001, p.

345). Com base nessas considerações, pode-se concluir que as estratégias são geradas/

atualizadas na interseção entre os circuitos interno e externo de um ato de linguagem, sendo

responsáveis, em larga medida, por posicionamentos identitários dos sujeitos que interagem

nas situações sociais das quais fazem parte.

5.4. Uma categorização de estratégias discursivas, segundo Charaudeau

No âmbito dos estudos da linguagem, mais propriamente no campo da Análise do

Discurso, o termo estratégias discursivas76 tem sido empregado, em sentido amplo, para se

referir a diversas maneiras de se operar com a linguagem, com vistas a atingir determinados

efeitos de sentido. No caso deste estudo, trabalha-se com a noção de estratégias discursivas,

cunhada por Charaudeau, segundo a qual, numa situação de comunicação, um sujeito pode

escolher, conscientemente ou não, certas operações linguageiras na tentativa de estabelecer

uma relação contratual com os interlocutores.

Para esse autor, não há como considerar as estratégias discursivas senão em relação

com a previsibilidade e a estabilidade de comportamentos que se esperam dentro de uma

relação contratual e com a possibilidade de rompimento das regras desse contrato por parte de

um sujeito que age estrategicamente num espaço de coerções impostas pelo quadro contratual.

Partindo desse princípio, Charaudeau (2006b) nos adverte que são muitas as estratégias

76 Optou-se pela utilização desse termo, neste trabalho, mas adverte-se que, no conjunto da obra de Charaudeau, ocorre o emprego tanto de estratégias discursivas quanto de estratégias de discurso.

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discursivas e que podem ser agrupadas em três espaços segundo a natureza e a finalidade do

jogo no qual cada uma se inscreve, a saber: captação, legitimação e credibilidade.

As estratégias de captação, no entendimento de Charaudeau & Maingueneau (2008),

são utilizadas para produzir efeitos de sedução ou persuasão no parceiro da troca

comunicativa, na tentativa de convencê-lo a partilhar do universo de valores, crenças e

saberes que compõem esse ato. Para Charaudeau, o que faz com que um jogo de captação

seja estabelecido entre os sujeitos que participam de uma situação de comunicação é o fato de

o sujeito comunicante não estar numa posição de autoridade diante do interlocutor, pois, nesse

caso, “bastaria que desse uma ordem para que o outro a executasse.” (CHARAUDEAU,

2006b, p. 347, tradução minha). 77

A fim de que esse jogo seja bem sucedido, conforme o autor, é necessário que o

sujeito interpretante sinta-se “impressionado”, ou seja, tocado em sua afetividade ou venha a

compartilhar ideias com o sujeito comunicante. Subjaz à captação a seguinte pergunta:

“como fazer para que o outro possa ‘ser tomado’ pelo que digo?” (CHARAUDEAU, 2006b,

p. 347, tradução minha) 78.

Para captar a atenção do interlocutor, o sujeito comunicante (EUc), conforme postula

Charaudeau (2006b), poderá escolher uma das atitudes discursivas a seguir: i) atitude

polêmica, ao colocar em dúvida a legitimidade do parceiro, na tentativa de imaginar as

possíveis objeções do sujeito interpretante (TUi) ao ato de linguagem proposto; ii) atitude de

sedução, quando EUc tenta criar uma atmosfera em que o TUi será o beneficiário do ato de

linguagem que postula, buscando, assim, a aceitação e/ou adesão do sujeito interpretante a seu

projeto de fala; iii) atitude de dramatização, ao utilizar uma linguagem repleta de analogias,

metáforas, comparações, etc., apoiando-se, portanto, mais em crenças do que em

conhecimentos, na tentativa de levar o sujeito interpretante a sentir certas emoções.

Para que essa estratégia seja bem sucedida, portanto, EUc deverá “fazer crer”,

enquanto a posição de TUd é aquela reservada a quem “deverá crer”. Em outras palavras, no

jogo que se instaura entre os interlocutores, EUc dirige seu ato de linguagem a um sujeito

destinatário que julga capaz de aderir a seu projeto de fala, portanto, um sujeito idealizado,

imaginário. Nessa situação de comunicação, a fala de EUc pode deixar entrever vários

enunciadores ou vozes que representam ideias, saberes e/ou valores, por vezes ambivalentes,

77 “ [...] il lui suffirait de donner un ordre pour que l’autre s’exécute”. 78 “Comment fair pour que l’autre puisse ‘être pris’ par ce que je dis”.

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uma vez que a identidade de um sujeito não é fixa, mas construída na interação, conforme

sustenta-se neste trabalho, à luz de Hall (2006).

Como a imagem de destinatário construída por EUc nem sempre corresponde àquela

revelada por TUi (sujeito real), o que pode tornar opaca a relação entre os interlocutores, é

preciso que o sujeito comunicante lance mão de estratégias, buscando captar a atenção do

sujeito destinatário, a fim de que ocorra o efeito desejado de persuasão/convencimento. Ao

tratar da Análise do Discurso sob uma perspectiva semiolinguística, Machado defende o

princípio segundo o qual

o ser humano, como “sujeito-falante”, é levado, a cada vez que tenta se comunicar (oralmente ou por escrito), a “encenar” sua forma de comunicação, adequando-a em função de um determinado auditório. Além disso, para que sua comunicação tenha sucesso, ele deve submetê-la a um processo que envolve sua imagem (seu ethos de sujeito comunicante) e uma certa dramatização sabiamente colocada em seus ditos ou escritos, que vão buscar sempre captar a atenção do “outro”, seu destinatário. (MACHADO, 2007, p. 115-116).

A argumentação desenvolvida pela autora parece sintetizar o que tem sido sustentado

nesta seção, à luz dos estudos de Charaudeau, a respeito das estratégias discursivas, mais

especificamente no que tange ao jogo de captação. Resumidamente, pode-se dizer que a

captação encontra-se engendrada na intenção argumentativa de todo ato de linguagem, que é

produzido com o intuito de agir sobre o outro.

Retomando o ponto de vista de Charaudeau acerca da ausência de autoridade do EUc

sobre o TUd como condição para o surgimento da estratégia de captação, cumpre ressaltar

que o professor-formador do NAL/SMED, embora represente uma instância que tem poder

sobre a esfera escolar, mostra-se, em algumas cenas, como um sujeito ambivalente, que

gerencia as identidades de professor e de gestor. Acrescente-se que a autoridade do professor-

formador sobre o professor em formação não parece ser pressuposta, mas negociada na

interação. Dessa maneira, a fim de que exerça influência sobre os professores em formação,

por meio de uma relação contratual, o professor-formador (sujeito comunicante) precisa,

muitas vezes, captar a atenção dos interlocutores (sujeitos interpretantes) por meio da

dramatização, que o levará a posicionar-se identitariamente como um colega dos professores

em formação, na tentativa de ocultar a relação de força que se instaura entre os sujeitos da

linguagem. Resumidamente, a captação tende a aparecer com vistas a mascarar a autoridade

de EUc sobre TUi, visto que o sujeito comunicante, ao lançar mão desse expediente,

apresenta-se diante do sujeito interpretante com uma imagem de EUe presumível de ser

aceita pelo sujeito idealizado (TUd).

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Em suma, para levar a cabo o projeto de exercer influência sobre o outro, pressuposto

por um ato de linguagem, e, consequentemente, levá-lo também à ação ou a “fazer fazer”,

como observam Charaudeau & Maingueneau (2008), é necessário que o sujeito comunicante

invista em outro movimento estratégico cuja finalidade é a construção de credibilidade em seu

discurso. Em consonância com os autores, concebe-se a credibilidade, neste estudo, como

estado do que é crível ou o próprio processo de tornar algo confiável, digno de crédito.

Na tentativa de transmitir confiabilidade ao ato de linguagem que postula, o sujeito

comunicante, conforme Charaudeau & Maingueneau, pode posicionar-se, enunciativamente,

de três maneiras: i) adotar a posição de neutralidade, tentando mascarar julgamentos e

avaliações pessoais em seus discursos; ii) optar por uma posição de engajamento, por meio

de palavras e/ou argumentos que marquem sua posição no discurso ou por meio de

modalizações; iii) escolher a posição de distanciamento em relação ao ato de fala proposto, o

que, segundo os autores, corresponde à “atitude fria do especialista que analisa sem paixão,

como o faria um expert.” (CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2008, p. 143).

Para Charaudeau (2006a), ao adotar as posições de neutralidade, engajamento ou

distanciamento, o sujeito comunicante constrói uma identidade discursiva que lhe confere o

estatuto de alguém que seja digno de crédito. No entanto, a credibilidade só se efetiva se for

possível verificar se aquilo que é dito corresponde à verdade (condição de sinceridade ou de

transparência); se é possível colocar em prática o que é anunciado ou prometido

(performance) e ainda se existe algum efeito relacionado àquilo que é anunciado (eficácia).

Em suma, nas palavras do autor, “a credibilidade repousa sobre um poder fazer, e mostrar-se

crível é mostrar ou apresentar a prova de que se tem esse poder”. (CHARAUDEAU, 2006a, p.

119, ênfase do autor).

Ainda com relação à credibilidade, o autor ressalta que, numa situação de

comunicação, pode-se estabelecer um jogo estratégico entre os interlocutores, nas ocasiões em

que o sujeito comunicante tenta construir para si certa imagem de EUe, por meio de

estratégias de legitimação da fala que agem no circuito externo (EUc-TUi), produzindo o

efeito de credibilidade desejado pelo sujeito comunicante.

Charaudeau & Maingueneau (2008, p. 295) definem legitimação como “um processo

ao fim do qual um indivíduo está legitimado.” Dentro desse quadro, é necessário que TUi

reconheça que o sujeito comunicante tem direito à palavra e legitimidade79 para dizer o que

diz e da maneira como o diz. No entanto, essa condição nem sempre é assegurada numa

79 A palavra legitimidade é utilizada, neste trabalho, para designar um estado ou efeito da legitimação, o que remete à ideia de reconhecimento autêntico dos poderes, conforme Charaudeau (2006a).

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situação de comunicação, o que pode desencadear a necessidade de se operar com estratégias

que visem a legitimar o ato de linguagem postulado por EUc. Em outras palavras, essas

estratégias parecem ser utilizadas nas ocasiões em que as condições de existência de uma

relação contratual encontram-se ameçadas, seja pelo não reconhecimento dos sujeitos como

pertencentes a grupos que partilham determinados traços identitários ou pelo fato de

apresentarem ideias e concepções distintas acerca do objeto temático da troca comunicativa.

Intrinsecamente relacionada à ideia de legitimidade encontra-se a identidade social de

um sujeito. No caso das informantes deste estudo, o lugar social de onde se enunciam, ou seja,

o fato de falarem como professoras-formadoras do NAL/SMED tende a conferir a essas

profissionais legitimidade para utilizarem determinadas formações discursivas no campo da

educação e a excluírem aquelas que não são autorizadas pela esfera social que representam.

Não obstante a autoridade institucional que lhes é conferida pela instância a que pertencem, só

se pode falar em legitimidade se seus discursos forem aceitos pelos interlocutores. Nas

palavras de Charaudeau,

o mecanismo pelo qual se é legitimado é o reconhecimento de um sujeito por outros sujeitos, realizado em nome de um poder específico que é aceito por todos. Ele é o que dá direito a exercer um poder específico com a sanção ou a gratificação que o acompanha. (CHARAUDEAU, 2006a, p. 65).

Com base no autor, sustenta-se aqui que o processo de legitimação pressupõe uma

relação de força envolvendo, por exemplo, professores-formadores e professores em

formação, em eventos no interior de uma esfera social, no caso, a escola da RME/BH onde

ocorre a formação em serviço. Esse processo, em sua constituição, atrela-se ao conjunto de

normas que regulam os domínios da prática social do professor-formador, conferindo-lhe,

segundo Charaudeau (2006a), legitimidade para dizer ou fazer em nome de uma instituição (a

SMED), de um saber ou um conjunto de saberes institucionais e de um saber-fazer, ou seja,

ser reconhecido como um especialista, como alguém que detém conhecimentos teóricos e

práticos acerca da atividade profissional que desempenha, conforme demonstrado,

principalmente, no capítulo 4, por meio da análise ilustrativa de trechos do corpus.

A legitimidade é, portanto, um “direito do sujeito de dizer ou de fazer”

(CHARAUDEAU, 2006a, p. 67), e essa relação, no caso do objeto em estudo, costuma

ocorrer dentro de um campo de força balizado por duas esferas sociais: a SMED e a escola.

Como demonstrado no capítulo 2, a SMED possui autoridade institucional sobre as escolas da

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RME/BH, pois é responsável pelo gerenciamento político-pedagógico e administrativo dessa

esfera.

Ainda, segundo Charaudeau (2006a), não se pode confundir legitimidade com

autoridade, pois esta confere aos sujeitos o poder de modificar comportamentos (fazer fazer,

fazer pensar e/ou fazer dizer) a partir de determinadas intervenções. Em contrapartida, a

legitimidade é vista como atribuição institucional, segundo a qual um sujeito adquire um

direito a fazer reconhecido pelos membros de um grupo. No caso específico deste estudo,

parece ser na intercessão entre os espaços da autoridade e da legitimidade que ancoram as

estratégias de legitimação nos discursos do professor-formador do NAL/SMED.

Em consonância com as ideias defendidas por Charaudeau, acerca da legitimidade do

EUc, tendo em vista os circuitos externo e interno de um ato de linguagem, Mendes

acrescenta que “a legitimidade vem ao sujeito, não somente do espaço externo, mas do grau

de adequação que se estabelece entre a autoridade/identidade psico-social do sujeito (espaço

externo) e o seu comportamento enquanto ser linguageiro (espaço interno).” (MENDES,

2001, p. 318-319, ênfase do autor). Vista sob esse ângulo, a legitimidade deixa de ser apenas

uma condição imputada aos sujeitos para tornar-se o produto de operações realizadas pelos

quatro sujeitos da linguagem, nos circuitos externo e interno, envolvendo, portanto, EUc, TUi,

EUe e TUd.

Tendo em vista o exposto, reitera-se a importância das estratégias descritas nesta seção

como elementos que concorrem para a (re)construção da identidade discursiva do professor-

formador do NAL/SMED, nos eventos inseridos nas redes de atividades das quais participa,

nas esferas de atuação profissional. Ressalte-se, com Charaudeau (2006b), a complexidade da

constituição identitária do professor-formador, na interação, uma vez que esse processo

resulta, segundo o autor, de um “entrecruzamento de olhares”, iniciado por EUc, na tentativa

de construir uma imagem identitária a ser compartilhada por TUi. No entanto, o sujeito

interpretante pode atribuir ao sujeito comunicante outra identidade, não coincidente com

aquela pretendida por EUc, rompendo, dessa maneira, a possibilidade de estabelecimento de

um contrato de comunicação.

Na tentativa de proceder a uma ilustração dos movimentos estratégicos do professor-

formador que concorrem para a assunção de posicionamentos identitários, no curso da

interação, passo a analisar, nesse momento, o seguinte excerto do corpus:

(1) PF2: eu tava contando a gente tem mais ou menos seis encontros... tem um encontro uma semana que vai ser uma prova ... Prova BH...

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vai vim final de novembro... essa avaliação é pros meninos do terceiro ano do ciclo e... até a oitava série... num pega meio de ciclo e início não... e depois vai ter...a Provinha Brasil novamente (2) C: esse ano ainda? (3) PF2: ah esse ano ainda na segunda semana de novembro... cê lembra que quando nós fizemos a Provinha Brasil no início... a gente tinha falado que depois haveria outra pra gente tá... né... acompanhando mesmo né que como ela é diagnóstica ... vocês lembram que a gente lança lá aparece o nível que os meninos estão... então como ela é diagnóstica a gente vê os avanços que aconteceram e o que que a gente tem que fazer né daí pra frente né pensando no ciclo que ele não termina num ano né pensando que esse menino lá da primeira fase ainda tem dois anos pra chegar lá né?

Esse trecho foi extraído de uma reunião, ocorrida em outubro de 2008, na escola

acompanhada por PF2. À ocasião, a professora-formadora, juntamente com a coordenadora

pedagógica e três professoras que lecionam para alunos do segundo ano do 1º ciclo,

conversavam sobre as avaliações sistêmicas que ocorreriam na escola, ainda naquele ano

letivo, discutiam as metas de aprendizagem e as capacidades linguísticas a serem

desenvolvidas pelos alunos até o final do ano letivo, avaliaram a formação em serviço e

descreveram algumas atividades que realizaram com os alunos.

Note-se, nesse trecho, um jogo triplo de agenciamento de estratégias discursivas pela

professora-formadora. Na sequência (1), assiste-se a um movimento de legitimação do lugar

social ocupado por EUc (PF2), sujeito que, supostamente, possui autoridade institucional para

abrir o evento e marcar uma agenda de reuniões de formação na escola que acompanha.

Na tentativa de se legitimar como gestora, mobilizando saberes próprios da esfera

social que representa, PF2 posiciona-se como informante, no momento em que diz aos

sujeitos destinatários (professoras em formação) que haverá duas avaliações sistêmicas para

os alunos da RME/BH. Na perspectiva de Charaudeau, um contrato de informação pressupõe

o “fazer saber”, que se liga à intenção do sujeito comunicante de imprimir credibilidade a seu

projeto de fala, na tentativa de “corresponder aos diferentes imaginários sociais que as

questionam.” (CHARAUDEAU, 2009, p. 90).

No trecho em análise, a ação de informar vai além do “fazer saber”, pois visa produzir

efeitos nos interlocutores (fazer fazer). Nesse caso, como quem informa é a instância que

gerencia o funcionamento das escolas da RME/BH, o efeito esperado (fazer agir) é que as

interlocutoras não só recebam a notícia das avaliações sistêmicas como também realizem os

procedimentos pedagógicos previstos na aplicação, no lançamento de dados e na análise dos

resultados dos alunos, conforme a fala de PF2, no segmento (3): “vocês lembram que a gente

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lança lá aparece o nível que os meninos estão... então como ela é diagnóstica a gente vê os

avanços que aconteceram e o que que a gente tem que fazer né daí pra frente né”.

Como dito, o movimento enunciativo dos professores-formadores do NAL/SMED

tende a ser marcado por relações de força, uma vez que a imagem de sujeito destinatário

desenhada pelo sujeito comunicante nem sempre corresponde à realidade representada pelo

sujeito interpretante que pode questionar o ato de fala proposto. No segmento (2), a pergunta

da coordenadora pedagógica sinaliza a preocupação das professoras com as avaliações

sistêmicas no final do ano letivo. Isso se deve ao fato de as professoras, envolvidas com a

elaboração, aplicação, análise e lançamento de resultados dos alunos nas avaliações propostas

pela escola, precisarem se ocupar, ainda, com uma avaliação sistêmica, no caso, a Provinha

Brasil.

Não obstante essa situação, a fim de estabelecer uma relação contratual com as

interlocutoras, o sujeito comunicante (PF2) opta por uma atitude discursiva de sedução, na

tentativa de fazer o TUi (professor em formação) acreditar que será o beneficiário do ato de

linguagem proposto. Isso pode ser comprovado pela resposta de PF2 à pergunta de C, no

segmento (3). Após informar à coordenadora pedagógica sobre a data de aplicação da

avaliação sistêmica mencionada, PF2 apela para a memória do grupo, ao retomar um assunto

sobre o qual já tinha conversado com as professoras. Dessa forma, ao dizer: “Cê lembra que

quando nós fizemos a Provinha Brasil no início... a gente tinha falado que depois haveria

outra pra gente tá... né... acompanhando, mesmo, né [...]” , PF2, na posição de sujeito

comunicante, parece buscar a confirmação da coordenadora pedagógica e das professoras que

participam da formação (sujeitos interpretantes) para a veracidade dos argumentos

apresentados, colocando-os na posição de testemunhas. Ao apelar para a memória do grupo,

EUc projeta a imagem de sujeitos idealizados (TUd) que, além de terem ouvido a fala anterior

de PF2 a respeito de uma segunda versão da Provinha Brasil na escola, supostamente

concordam com os argumentos favoráveis da professora-formadora à realização dessa

avaliação na escola. Confira o trecho a seguir:

(3) [...] então como ela é diagnóstica... vocês lembram que a gente lança lá aparece o nível que os meninos estão... então como ela é diagnóstica a gente vê os avanços que aconteceram e o que que a gente tem que fazer né daí pra frente né pensando no ciclo que ele não termina num ano né pensando que esse menino lá da primeira fase ainda tem dois anos pra chegar lá né?

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A respeito do uso estratégico da memória, no excerto acima, por meio da qual se volta

para fazer o outro ativar determinadas lembranças e recordações, ressalte-se, com Silva

(2010), que, nesse jogo estratégico, no ato de recordar encontram-se entrelaçadas experiências

pessoais, coletivas e sociais. Nas palavras da autora, “enquanto construção social, a memória

situa-se num espaço que medeia ação ideológica e experiência social que os membros de uma

comunidade específica têm de determinados eventos.” (SILVA, 2010, p. 4). Mais adiante, a

autora realça a dimensão intersubjetiva e dialógica da memória, na relação de interface entre o

coletivo e o individual.

No evento discursivo, pode-se dizer que PF2 utiliza a própria memória, ao mesmo

tempo em que apela para a memória do grupo, ao dizer às interlocutoras: “[...] vocês lembram

que a gente lança lá aparece o nível que os meninos estão...”. No movimento de fazer uso da

memória para resgatar práticas pedagógicas decorrentes da utilização da Provinha Brasil

como avaliação diagnóstica, PF2 parece assumir um posicionamento identitário de colega das

professoras em formação. Dessa maneira, ao dar prosseguimento a seu projeto de convencer

as interlocutoras, PF2 se enuncia, nesse momento, como uma professora que executa as ações

de lançar dados da avaliação, além de analisar os resultados, perceber os avanços e planejar

ações que visem à aprendizagem dos alunos. Tudo isso fica evidente nas expressões

destacadas no trecho acima, principalmente pelo uso da expressão a gente. Nesse caso, a voz

que se responsabiliza pelo ato de linguagem em questão é a de um sujeito enunciador (EUe)

que pretende se identificar com os sujeitos destinatários (professoras), unindo-se a elas por

presumíveis laços identitários.

O movimento empreendido por EUc, ao tentar se identificar identitariamente com

TUd, pode ser visto como uma estratégia de fusão identitária, que objetiva não só captar a

atenção das interlocutoras, mas fazer com que elas acreditem no que está sendo dito. Como já

mencionado, uma relação contratual funda-se num acordo entre os interlocutores no que tange

a determinadas práticas discursivas. No entanto, só pode haver acordo se o que se diz é digno

de credibilidade. Caso TUi não acredite no que diz EUc, fica ameaçada a possibilidade de

estabelecimento de um contrato, inviabilizando, portanto, o projeto de captação de TUd,

empreendido pelo sujeito comunicante.

Note-se, no segmento (3), que PF2 lança mão da estratégia de credibilidade, ao tentar

comprovar, diante das interlocutoras, a veracidade do que havia dito em reuniões anteriores.

Eis o excerto que comprova a utilização dessa estratégia: “[...] cê lembra que quando nós

fizemos a Provinha Brasil no início... a gente tinha falado que depois haveria outra pra

gente tá... né... acompanhando mesmo né” . No trecho em destaque, PF2 procura assegurar a

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110

credibilidade de sua fala por meio da comprovação do que havia dito anteriormente,

colocando as interlocutoras no papel de testemunhas de sua fala.

O processo de subjetivação de PF2, no segmento em questão, é balizado pelo

agenciamento de vozes enunciativas relacionadas aos espaços da captação e da credibilidade,

com a finalidade de estabelecer uma relação contratual com as interlocutoras. A polifonia, em

(3), manifesta-se no uso estratégico do pronome de primeira pessoa nós, no momento em que

PF2 diz: “[...] cê lembra que quando nós fizemos a Provinha Brasil no início...”. A opção por

esse expediente parece conferir ao sujeito comunicante o status de alguém que pertence ao

grupo das professoras que participaram da aplicação da Provinha Brasil para alunos de 1º

ciclo, caracterizando-se como uma estratégia de legitimação da fala de PF2.

A estratégia de posicionamento identitário continua com a utilização da expressão a

gente, repetidas vezes, o que parece causar diferentes efeitos de discurso. Considere os

exemplos: i) “a gente tinha falado que depois haveria outra pra gente tá... né...

acompanhando”; ii) “vocês lembram que a gente lança lá aparece o nível que os meninos

estão”; iii) “a gente vê os avanços que aconteceram e o que que a gente tem que fazer né daí

pra frente né”.

Em i) há duas ocorrências dessa expressão, mas não parece haver coincidência de

sentido, isto é, remete-se a objetos discursivos distintos. Na primeira ocorrência, em: “a gente

tinha falado”, identifica-se a voz de uma instância enunciadora (a SMED) responsável por

essa informação, o que pode ser concebido como um movimento estratégico de ocultação de

EUc por EUe. Agindo dessa forma, PF2 pede às interlocutoras que a reconheçam como um

EUe que fala em nome de um EUc instituição. Assim, EUc busca a legitimidade de sua fala,

ancorando-se na instituição como responsável pelo seu dizer. Já na segunda ocorrência: “pra

gente tá... né... acompanhando”, note-se a inclusão de outros sujeitos: os professores e a

coordenação pedagógica da escola acompanhada. Isso ocorre porque, nesse caso, a escola é a

instância responsável pelo acompanhamento dos resultados dos alunos nas avaliações

sistêmicas, juntamente com a SMED, representada por PF2. Diferentemente do uso anterior

de a gente, em que EUe aparece como uma instância externa aos destinatários (TUd), que se

responsabiliza pelo ato de dizer, nesse momento, o enunciador é alguém que faz parte do

grupo, agindo como corresponsável pelo ato de fazer.

No caso de “ a gente lança lá” e “ a gente vê os avanços”, pode-se dizer que a

expressão em destaque foi usada genericamente, para fins de demonstração/rememoração do

procedimento de lançamento de dados da Provinha Brasil. Isso significa que qualquer pessoa

que fizer esse procedimento verá a classificação de alunos por níveis de aprendizagem, de

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111

acordo com os parâmetros próprios da instituição responsável pela produção desse

instrumento avaliativo.

No exemplo iii): “ a gente vê os avanços que aconteceram e o que que a gente tem que

fazer né daí pra frente né”, na última ocorrência da expressão a gente, mais uma vez, EUc

tenta se aproximar de TUd, ao mobilizar um enunciador que se responsabiliza pelo fazer

pedagógico, em âmbito escolar, tendo como ponto de partida os resultados da Provinha Brasil.

Para finalizar a análise desse excerto, destaco o movimento estratégico segundo o qual

a Provinha Brasil é caracterizada como algo positivo para a escola, o que pode ser

comprovado pelos trechos a seguir: “[...] a gente lança lá e aparece o nível que os meninos

estão...” ou “[...] como ela é diagnóstica a gente vê os avanços que aconteceram”. Tal

estratégia vem a coroar o jogo de captação, cuja finalidade é produzir efeitos de

persuasão/convencimento nos interlocutores.

E assim, as identidades vão sendo (re)moldadas, portanto, construídas e negociadas,

na relação dialética que se estabelece entre os processos de produção e interpretação de um

ato de linguagem, ao se considerar que “tanto o enunciador quanto o destinatário constituem

desdobramentos do próprio comunicante.” (MENDES, 2001, p. 322). Nesse sentido, na

intercessão dos circuitos interno e externo dos atos de linguagem, por meio de estratégias

discursivas, a identidade do sujeito vai sendo constituída “como uma máscara que deseja ver o

outro (e a si mesmo), mas uma máscara que, quando retirada, revela outra máscara, depois

outra e ainda outra, ... Talvez sejamos uma sucessão de máscaras.” (Charaudeau, 2006b, p.

353, tradução minha) 80.

À guisa de conclusão

Este capítulo procurou discorrer sobre a noção de estratégias discursivas, aqui adotada,

à luz de Charaudeau, buscando compreendê-las no âmbito do quadro da Semiolinguística, no

que tange à produção e interpretação de um ato de linguagem, mais especificamente no

espaço de restrições e/ou coerções instauradas na relação entre os sujeitos que participam dos

circuitos externo (EUc e TUi) e interno (EUe e TUd) desse ato.

Considero importante ressaltar, dentro desse quadro teórico e metodológico, a

relevância da teoria de Charaudeau acerca das estratégias discursivas, neste estudo, uma vez

80 “Comme un masque qui serait donné à voir à l’autre (et à soi-même), mais un masque qui, si on le retire, laisse voir un autre masque, puis un autre masque et un autre encore,… Peut-être que nous ne sommes qu’une succession de masques. ”

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que se configura como categoria de análise do corpus deste trabalho. Além disso, conforme

demonstrado neste capítulo, no que tange ao objeto em estudo, a teoria apresentada só se

justifica em função de seu entrelaçamento com outras teorias e/ou concepções, como as que se

referem aos papéis sociais e comunicacionais dos sujeitos, à identidade discursiva e social,

aos posicionamentos identitários assumidos na interação e outros conceitos utilizados como

categorias analíticas neste estudo.

A partir do exposto, apresento, no próximo capítulo, uma tentativa de análise dos

dados que deram origem a este trabalho, com base no quadro teórico e metodológico

apresentado.

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113

6. ANÁLISE DO CORPUS

6.1. Introdução

Como dito no primeiro capítulo, o corpus desta dissertação é composto por vinte reuniões

de formação pedagógica, ocorridas na SMED e em escolas acompanhadas por PF1 e PF2, além de

duas entrevistas, sendo cada uma delas com as referidas informantes. Dada a extensão e a

complexidade desse material e a impossibilidade de se proceder a uma análise que o abranja, em

sua totalidade, optou-se, neste capítulo, por uma análise representativa, que engloba as entrevistas

e duas reuniões de formação pedagógica, nas esferas de atuação profissional do professor-

formador do NAL/SMED.81 Não obstante a opção por tal procedimento metodológico, importa

registrar que, ao longo dos capítulos precedentes, busquei, para efeito de ilustração, empreender

uma leitura de diversos trechos do corpus, à luz de recortes metodológicos e conceituais, ali

destacados, o que, a meu ver, pôde precisar a abrangência que possui o corpus investigado.

Por considerar os eventos discursivos dos professores-formadores como práticas sociais,

que se organizam consoante determinadas condições de produção, circulação e recepção de

discursos, optou-se, neste capítulo, por analisar cada evento discursivo em sua totalidade. Este

procedimento tem a finalidade de tentar flagrar os movimentos estratégicos empreendidos pelos

professores-formadores, na interação com diversos profissionais, nas duas esferas de atuação

(SMED e escolas da RME/BH). Conforme exposto no capítulo anterior, as estratégias discursivas,

configuradas nos planos da captação, credibilidade e legitimação, encontram-se imbricadas nos

atos de linguagem proferidos pelo professor-formador, o que, em alguns casos, impossibilita a

tentativa de analisar, separadamente, cada uma delas.

Dessa forma, a análise das situações como um todo pretende levar em consideração os três

planos estratégicos preconizados por Charaudeau & Maingueneau (2008) como parte de um

movimento maior que se liga à constituição identitária do professor-formador do NAL/SMED.

Reitere-se que o espaço das estratégias é marcado por restrições, como demonstrado no capítulo

anterior. Para Charaudeau (2004, p. 27), as restrições situacionais têm um papel primordial na

construção de discursos e respondem às questões: “estamos aqui para dizer o quê?” e “como

dizer?”. Se considerarmos as condições de produção e interpretação de discursos, no que tange à

Semiolinguística de Charaudeau, é possível acrescentarmos outras perguntas que se ligam aos

estatutos dos sujeitos implicados na situação de comunicação. Dessa forma, questões como:

“quem fala?” e “para quem fala?” poderiam ser acrescentadas ao espaço de restrições discursivas,

81 Cf. a seção anexos.

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uma vez que estão atreladas ao processo de construção e negociação de identidades pelos sujeitos

que participam de uma dada interação.

Em suma, reiterando a tomada de posição deste estudo, relativamente ao quadro teórico-

metodológico e conceitual, importa assinalar que a análise das quatro situações escolhidas baseia-

se em noções caras a este estudo, como prática discursiva, identidade, papéis,

posicionamentos, lugar social, redes de atividades e outros conceitos fundamentais ao

entendimento da utilização de estratégias discursivas por parte do professor-formador do

NAL/SMED.

6.2. O gênero do discurso como um espaço de restrições

Antes de proceder ao trabalho de análise das situações discursivas selecionadas,

retomo a discussão iniciada no capítulo 2 acerca da relação entre língua e discurso, segundo

Bakhtin. Para o autor, “o emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e

escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade

humana”. (BAKHTIN, 2006, p. 261). Assim, o enunciado - “unidade real de comunicação

discursiva”- reflete, segundo o autor, condições específicas e finalidades de cada campo da

atividade humana por meio do conteúdo temático, da construção composicional e da seleção

de recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua.

Esse autor acrescenta que os gêneros do discurso, ou seja, os “tipos relativamente

estáveis de enunciados” (BAKHTIN, 2006, p. 262) são elaborados pelos campos de utilização

da língua. No caso dos discursos analisados neste trabalho, salienta-se que pertencem ao

gênero oral e ligam-se ao campo pedagógico, que prevê determinadas ocorrências e

regularidades. Dentro desse campo, no que tange às atividades do professor-formador do

NAL/SMED, o gênero reunião é recorrente, o que o torna alvo da análise que se propõe, por

se apresentar um universo investigativo fértil para apreender a ação dos sujeitos na cena em

pauta.

O gênero em questão, em seu processo de atualização, apresenta construção

composicional de certa forma padronizada ou ritualizada, uma vez que toda reunião, em larga

medida, costuma ser marcada, em termos da organização do evento, por abertura,

desenvolvimento e encerramento, regida por uma pauta que visa direcionar, regular a

interação consoante os objetivos pretendidos, o(s) tema(s) em foco e os lugares e papéis

encarnados pelos partícipes. No que tange aos papéis enunciativos assumidos no curso desse

evento, na esfera escolar, o professor-formador, no papel de gerente ou coordenador de

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115

determinado grupo de professores, tende a assumir o controle do evento, responsabilizando-se

por levar uma pauta preestabelecida, o que o habilita, institucionalmente falando, a abrir e

fechar o evento, bem como a agendá-lo junto à escola. Já nas reuniões que ocorrem na SMED,

o papel de coordenador do evento fica a cargo daquele(s) que as promovem: o(s) gerente(s) de

educação. Ou seja, esse movimento de lugares sociais e papéis, gerado pela mudança de

esfera de atividade, revela o quão plástica é a ação dos sujeitos e sua identidade no interior da

rede de atividades que ele integra. Ou, como dito no capítulo 3, as atividades do professor-

formador do NAL/SMED, no seio de uma rede de atividades, são, portanto, (re)construídas na

interação com os diversos partícipes dos eventos interacionais que ocorrem nas esferas de

atuação desse profissional. Como consequência desses movimentos, as ações do professor-

formador, tendo em vista sua plasticidade, são planejadas, (re)avaliadas e modificadas em

cada atividade de formação que ocorre na SMED e nas escolas da RME/BH.

Diferentemente da reunião, que pode ser concebida como um gênero típico da

atividade do professor-formador do NAL/SMED, a entrevista aparece neste trabalho como

mais um expediente que propicia a identificação e a análise das estratégias discursivas desse

professor-formador, tendo em vista os posicionamentos assumidos pelo profissional no evento

discursivo.

É composição típica desse gênero o esquema pergunta-resposta, que pressupõe os

papéis comunicacionais de entrevistador e entrevistado. No caso das entrevistas com as

informantes deste estudo, a fim de ampliar e assegurar as possibilidades interlocutivas das

entrevistadas, optou-se por não manter um padrão rígido guiado por perguntas e respostas.

Propôs-se uma entrevista semiestruturada, assim, no momento da entrevista, cada professora-

formadora teve acesso às questões formuladas pela pesquisadora, podendo respondê-las na

ordem em que achasse melhor. Tal procedimento acabou por dar origem a uma unidade de

sentido orientada por temas, ao invés de fragmentos gerados em resposta às perguntas do

entrevistador, como pode ocorrer no modelo padrão de entrevista.

Pode parecer um truísmo, mas atentar-se para o funcionamento do gênero discursivo,

em situações reais de interação - a ação dos sujeitos nesse processo, os modos de sua

organização composicional, a construção do tema, os recursos linguísticos, enunciativos e

discursivos selecionados - é uma tomada de posição metodológica importante, da parte do

pesquisador, na medida em que ele passa a ter uma visão ampla e, ao mesmo tempo

microscópica, dos processos aí implicados. Isso nos parece permitir um rastreamento das

estratégias discursivas ligadas à construção e negociação das identidades que se

(re)constituem, no curso do evento do gênero reunião.

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Mas vale assinalar que um gênero, em sua constituição composicional, pode englobar

outros, provocando o que se chama de intergenericidade. No caso da reunião, é comum que,

em seu curso, sejam incorporados outros gêneros presumíveis, por exemplo, o debate. O

caráter híbrido dos gêneros discursivos é apontado por Bakhtin como algo que concorre para

relativizar a estabilidade dos enunciados que os compõem. Deve-se, nesse sentido, concebê-

los como possibilidades presumíveis, dada a natureza dialógica da linguagem, mas não como

determinantes de uma troca comunicativa.

Outro raciocínio que se aproxima desse é formulado por Charaudeau (2004, p. 21), ao

sinalizar que um gênero agrega-se a determinadas práticas sociais de sujeitos que tendem a

construir suas identidades segundo os papéis que representam nos eventos interacionais dos

quais participam. Alicerçando-me também nessas premissas, sustento que, no trabalho de

análise dos dados desta dissertação, é necessário levar em conta os gêneros discursivos,

tomando o cuidado, porém, de concebê-los não como determinantes das trocas comunicativas,

mas como “normas de conformidade linguageira [associadas] aos lugares de prática social

mais ou menos institucionalizados.” (CHARAUDEAU, 2004, p. 21).

Por fim, acrescento que o trabalho de análise, calcado em quatro textos82 do corpus,

tem a pretensão de não se ater apenas aos possíveis interpretativos situados na intercessão

entre os processos de produção e de interpretação (CHARAUDEAU, 2007), uma vez que tal

procedimento aplica-se, exclusivamente, à análise de textos. Como este estudo é focado na

análise do discurso do professor-formador do NAL/SMED, ressalte-se que o trabalho

analítico procura centrar-se na situação contratual que sobredetermina o corpus de textos,

sem, obviamente, desconsiderar as práticas sociais que determinam as condições de existência

desses textos. Pretende-se, dessa forma, levar em consideração três espaços de estudo dos atos

de linguagem que, segundo o autor, assim se apresentam:

(1) Todo sujeito linguageiro, para engajar-se num ato de linguagem (seja ele monológico ou dialógico) deve resolver o problema de saber como ocupar o espaço de fala. Ele deve pois, de uma maneira ou de outra, legitimar e/ou justificar sua “tomada de palavra”, sua fala. (2) Todo sujeito linguageiro deve, ao mesmo tempo, posicionar-se com relação aos outros (quer se trate do parceiro real do ato de linguagem ou de diversos destinatários visados). Ele deverá, pois, usar de estratégias discursivas para criar relações de aliança ou de oposição com relação a seu(s) destinatário(s). (3) Todo sujeito linguageiro deve, concomitantemente, situar-se com relação à enunciação de sua proposição sobre o mundo. Ele deverá, pois, organizar e

82 Texto, para Charaudeau é um “ato de linguagem em sua configuração linguageira” (CHARAUDEAU, 2007, p. 62), definição que, a meu ver, encontra pontos de convergência com a noção de texto preconizada por Orlandi, exposta no capítulo 1, seção 1.4, embora cumpra dizer que ambos os estudiosos inscrevem-se em linhas da AD marcadamente distintas.

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problematizar sua enunciação de maneira adequada.” (CHARAUDEAU, 2007, p. 26, ênfase do autor).

Partindo desses princípios, aqui tomados como critérios para ler os dados em exame,

passo agora ao trabalho de análise do corpus, propriamente dita, na tentativa de identificar e

explicar indícios de processos de significação inscritos na materialidade linguística dos textos.

Como este trabalho utiliza o quadro de Charaudeau como instrumental de análise, retoma-se,

aqui, o significado de cada abreviatura utilizada nas análises, a saber: EUc (sujeito

comunicante), EUe (sujeito enunciador), TUd (sujeito destinatário) e TUi (sujeito

interpretante).

6.3. Análise do texto I

Gênero: reunião

Sujeitos envolvidos: PF1, vice-diretora (VD) e três professoras do último ano do 1º ciclo (P)

Número de partícipes: 05

Esfera social: escola da RME/BH

Período: novembro/2008

Tempo de duração da gravação: 56 min

Objetos de discussão: avaliações sistêmicas e metas de aprendizagem de Língua Portuguesa

para os alunos do 3º ano do 1º ciclo.

Objetivo: Passar algumas informações a respeito das avaliações sistêmicas e discutir metas

de aprendizagem para os alunos do 3º ano do 1º ciclo, que seriam implementadas no ano

letivo subsequente.

Como mencionado na seção anterior, o gênero reunião organiza-se consoante um

esquema preestabelecido, com abertura, desenvolvimento e fechamento, com uma pauta a ser

seguida pelos participantes da interação, tendo, geralmente, alguém que se responsabilize pela

coordenação do evento.

Começando pelas condições de produção desse evento discursivo, considerando quem

fala, temos PF1, o sujeito comunicante que se enuncia do lugar social de professora-

formadora do NAL/SMED, o que, em tese, lhe confere legitimidade para, na esfera escolar,

propor e coordenar uma reunião em nome da Secretaria Municipal de Educação.

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Não obstante o conjunto de fatores que autorizam esse profissional a inscrever-se em

determinados lugares, dizendo o que diz e da maneira como o diz, é preciso levar em

consideração os sujeitos destinatários, ou seja, aqueles a quem o sujeito comunicante dirige

seus atos de linguagem. Nesse evento discursivo, os destinatários projetados pelo sujeito

comunicante são professoras que lecionam para alunos que se encontram na última etapa do

1º ciclo ou 3º ano do ensino fundamental.

No que tange ao assunto e à finalidade da interação (o que o sujeito fala e para que

fala), ressalte-se que a reunião propriamente dita inicia-se com informações a respeito de

avaliações sistêmicas a serem aplicadas para as turmas que se encontram sob a

responsabilidade das professoras partícipes das reuniões de formação. Esse assunto é

desenvolvido ao longo do evento e proporciona discussões a respeito de determinadas práticas

pedagógicas relacionadas à alfabetização e ao letramento. O objetivo de práticas como essa,

como dito, é o de promover a formação em serviço tanto das professoras como da equipe

pedagógica das escolas acompanhadas.

Um ato de linguagem, como explicado no capítulo 5, tende a ocorrer num evento

repleto de coerções, produzido e interpretado, do ponto de vista da Semiolinguística, pelos

sujeitos que se revezam nos espaços interno e externo desse ato. Dito de outra maneira, para

analisar as condições em que o discurso do professor-formador do NAL/SMED é produzido,

torna-se necessário considerar não apenas quem fala, mas quem o ato de linguagem faz falar

(CHARAUDEAU, 2008), ou seja, os diversos enunciadores que o discurso desse professor-

formador deixa entrever.

Do ponto de vista do processo de interpretação, segundo Charaudeau, há que se

considerar o caráter ficcional do sujeito destinatário, uma vez que este só existe como uma

máscara criada pelo sujeito comunicante. Na verdade, o sujeito real, localizado no circuito

externo do ato de linguagem, como já mencionado, nem sempre coincide com a figura do

EUc, fazendo surgir o sujeito interpretante, que pode estabelecer e/ou manter (ou não) uma

relação contratual com o sujeito comunicante.

Sobre os movimentos estratégicos de PF1, ao longo de uma reunião de formação em

serviço em uma escola da RME/BH, ressalte-se, conforme registra o corpus em exame, a

multiplicidade e a complexidade dos movimentos estratégicos dessa professora-formadora.

Mas, aqui, para efeito de demonstração dos dados, ainda que se pretenda analisar a reunião,

em sua totalidade, farei isso propondo alguns recortes no evento discursivo em análise,

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evitando, assim, uma análise exaustiva, visto que, ao longo deste trabalho, observam-se várias

análises ilustrativas. Passemos a um desses recortes:83

(1) PF1: Avalia BH... cês tão... sabendo direitinho né? é uma prova que foi encomendada da Fundação Getúlio Vargas... a Prefeitura né? que fez a encomenda nós até agora não conhecemos a matriz... o que a gente chama de matriz... a lista de capacidades né? que estão sendo avaliadas nesta prova mas nós imaginamos que não va:i ser MUIto diferente né? das capacidades colocadas aí né? no... na Coleção Instrume::ntos... nas Proposições Curricula::res... é:: a Provinha Brasil também tem uma referência num material né? do Cea::le

O evento, como se nota, inicia-se com PF1 introduzindo o assunto a ser tratado,

assumindo o papel enunciativo de informante e apto para fazê-lo. Ao proceder dessa maneira,

a professora-formadora supõe ter autoridade para dizer o que diz, legitimando, dessa forma, o

lugar social de onde fala. Relativamente ao modo de dizer mobilizado pela professora-

formadora, na abertura da reunião, note-se uma negociação com as interlocutoras, no que

tange ao objeto de discussão. Nesse segmento, não se observa uma fala categórica de PF1

sobre a Avalia BH, mas uma sugestão de que elas conhecem o assunto em questão, sinalizada

pelo operador interativo “né” (“ces tão... sabendo direitinho né?) utilizado na tentativa de

envolvê-las na cena enunciativa, ao se buscar a confirmação das interlocutoras sobre aquilo

que se diz.

Para assegurar o lugar daquela que detém informações e as repassa ao grupo, PF1

acrescenta explicações a respeito da avaliação: “é uma prova que foi encomendada da

Fundação Getúlio Vargas... a Prefeitura né? que fez a encomenda”. Percebe-se a tentativa de

dar credibilidade àquilo que se diz, por meio da citação das instâncias responsáveis pela

Avalia BH e, ao mesmo tempo, estratégia de preservação da face de professora-formadora

(“nós até agora não conhecemos a matriz”).

Continuando a investir na credibilidade de sua fala, a partir do trecho “o que a gente

chama de matriz... a lista de capacidades né?”, o sujeito comunicante, representado por PF1,

mobiliza um enunciador que atualiza saberes próprios da esfera a partir da qual fala e/ou

representa na cena: a SMED, ao falar de supostas capacidades da aprendizagem descritas em

documentos parametrizadores que circulam na SMED e nas escolas da RME/BH. Esse

enunciador, materializado no ato de linguagem por meio do pronome de primeira pessoa (nós)

e da expressão a gente, remete-nos à comunidade de professores-formadores do NAL/SMED.

83 No capítulo 2, seção 2.3, encontra-se, de maneira esquemática, a constituição da situação de comunicação, elemento primordial à análise que se propõe.

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As formações discursivas relacionadas aos saberes pedagógicos engendrados em documentos

parametrizadores, como as Proposições Curriculares da RME/BH e a Coleção Instrumentos,

do Ceale/UFMG, mobilizadas pelo sujeito da enunciação parecem coincidir com aquelas às

quais se filiam esses profissionais, no âmbito das atividades que realizam na SMED, como

mencionado no capítulo 2.

Como dito, ocorre, no segmento em análise, a tentativa de preservação da face de

professora-formadora em meio ao movimento estratégico de um enunciador que, ao mesmo

tempo em que fala em nome da esfera SMED, tende a se distanciar dela, ao dizer: “a

Prefeitura né? que fez a encomenda nós até agora não conhecemos a matriz...”. A construção

desse enunciado envolve o processo metonímico de utilização do todo pela parte, uma vez que

a Prefeitura é uma instância à qual a SMED pertence e esta é responsável pela ação que PF1

relata. Essa estratégia discursiva, atualizada mediante tal processo metonímico, parece

promover um efeito de distanciamento de quem diz em relação ao lugar social de onde diz.

Isso se reitera com a remissão à primeira pessoa do plural, usada na referência ao coletivo de

professores-formadores.

Dessa maneira, ao optar por tal expediente estratégico, a identidade de gestora da

SMED tende a ser mascarada pela emergência de um enunciador que se distancia da esfera

responsável pelas informações sobre o instrumento avaliativo em questão, uma vez que a

relação contratual que pretende estabelecer com as destinatárias pode ser ameçada pelos

sujeitos interpretantes que talvez a questionem sobre a matriz à qual se refere. Na tentativa de

preservar a face perante o grupo, o sujeito comunicante precisa se aproximar, identitária e

enunciativamente, dos sujeitos interpretantes, por meio de uma atitude de dramatização, no

âmbito da estratégia de captação. Observe outro trecho do segmento (1):

... o que a gente chama de matriz... a lista de capacidades né? que estão sendo avaliadas nesta prova mas nós imaginamos que não va:i ser MUIto diferente né? das capacidades colocadas aí né? no... na Coleção Instrume::ntos... nas Proposições Curricula::res... é:: a Provinha Brasil também tem uma referência num material né? do CEA::LE.

Nesse trecho, emerge um enunciador que produz uma explicação sobre a matriz da

Avalia BH, o que pressupõe certo conhecimento sobre essa matriz. Como a professora-

formadora diz não possuir essa informação, seu modo de dizer é relativizado por meio de uma

adversativa e do verbo “imaginar”, utilizado logo em seguida, na tentativa, talvez, de captar a

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atenção das interlocutoras, fazendo-as crer no que diz. Essa estratégia é balizada pelo

operador argumentativo mas, que sinaliza a posição de PF1 em relação ao objeto de dizer,

dando a entender que o fato de as partícipes da reunião pedagógica desconhecerem a matriz

de avaliação da Avalia BH não trará dificuldade ao processo avaliativo nas escolas.

Nesse sentido, as proposições que surgem após esse operador argumentativo tendem a

sustentar essa argumentação. Merece destaque o uso do verbo imaginar, utilizado

estrategicamente pelo sujeito comunicante, na tentativa de preservar sua face junto aos

partícipes da reunião de formação na esfera escolar, por meio da adoção de certo

distanciamento em relação ao ato de linguagem que postula.

A maneira como PF1 diz reflete o modo de organização enunciativo (Charaudeau,

2008), cujo foco volta-se para os protagonistas, os seres de fala, localizados no circuito

interno da linguagem. Dessa maneira, essa profissional assume papéis enunciativos cujas

ações discursivas – modos de dizer – remetem ao lugar social de onde fala, que, por sua vez, é

regulado por formações discursivas que determinam o que pode dizer e como pode dizer.

Nessa encenação discursiva, afloram as posições identitárias da professora-formadora,

construídas na intercessão entre o que diz e para quem diz, uma vez que os posicionamentos

dos sujeitos interpretantes podem fazem emergir determinadas estratégias no discurso de PF1,

com vistas a estabelecer e/ou manter o contrato de comunicação com as partícipes da reunião

de formação.

Avançando na análise, centro-me em outros movimentos estratégicos ligados à

(re)construção de posicionamentos identitários por parte da professora-formadora, ao longo da

interação, inscritos nos planos da captação, da legitimação e da credibilidade. Para isso, opto

por diferentes momentos da reunião nos quais se instala uma certa tensão entre as professoras

partícipes e PF1.

No decurso da reunião, PF1 sinaliza, várias vezes, sua posição de condutora do

processo de formação e de quem monitora as ações do evento. Esse movimento, entendido no

plano da legitimação, ocorre nos momentos em que PF1 tenta manter o foco da reunião,

precisando, portanto, tomar o turno de fala. Essa tomada de posição, por parte da professora-

formadora, tende a ocorrer nas ocasiões em que as intervenções das interlocutoras ameçam a

legitimidade do papel institucionalizado que PF1 representa. Eis alguns exemplos que tentam

comprovar o que se afirma.

(18) PF1: também... dia nove... porque voCÊS de oito anos ((professoras de alunos que têm, em média, oito anos)) (19) P3: dia nove é ( )

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(20) P2: dia nove eu () com a cabeça lá:: () (21) PF1: deixa eu explicar uma coisa... só retomando aqui gente... Provinha Brasil aplica na turma de oito anos só se a professora... se a escola fizer a opção... aí tem que providenciar o xerox porque não vem em número para os meninos de oito anos... vocês não TEM que aplicar no mesmo dia das professoras de se:te ((professoras de alunos que têm, em média, sete anos))

(50) VD: eu acho que foi passado pra E. ((coordenadora pedagógica)) não sei se a E. passou... passou não? (51) P3: não... ainda não (52) PF1: vamos retomar... vamos retomar... vem um aplicador () Profs.: ((vozes)) (53) P2: eu sei que vem gente de fora porque () (54) PF1: vem um aplicador (55) P1: ah... tá...eu vi um comentário mesmo que a gente ia... que a gente ia... aplicar (56) P3: e ocês ficam lá dando () (57) PF1: aí... cê escutou o que que ela falou né? (58) P2: é bom até... é:: (59) PF1: aqui... agora vamo definir matemática?... vamo definir matemática? vocês que dão matemática?

(320) P1: () trabalhar com jogos matemáticos não conseguiram... não tem um pessoal preparado (321) P3: chegaram de paraqueda () resumindo (322) VD: não M. () a gente tentou trocar os oficineiros... foram trocados (323) PF1: então... só pra fechar... deixa eu só fechar aqui no caso... gente... ó vamos fechar (324) P2: eles chegaram aqui de paraqueda... precisou... aí... a Secretaria de Educação ()

(325) VD: num é a Secretaria não... (meu Deus do céu) (326) P3: não? () num é a Secretaria de Educação não... NÓS tivemos que ceder Nosso (327) PF1: ((inaudível)) espaço pra () (328) P2: agora... nós queremos vocês aqui pra vocês olharem a gente (329) PF1: então vamos combinar o seguinte... (330) P3 () o nosso objetivo na sala de aula... eles chegavam lá e falavam assim... ah... hoje nós vamos fazer () a Secretaria de Educação deveria vir sabendo () tirando as nossas aulas (331) Profªs: ((vozes)) (332) VD: () mas () foram contratados justamente pra () (333) PF1: vão fechar... então... é::: haja vista a necessidade da formação... pra quê? pra gente trocar experiência e articular... nós teremos um último encontro no dia doze ((de dezembro)) que semana

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que vem é eleição... então no encontro pra gente fechar com chave de ouro a gente vai traÇAR o Plano de Metas pra 2009 ... mesmo sabendo que voCÊS não serão as professoras dos alunos... nós já vamos fazer ó... tais e tais capacidades já estão consolidadas... tais capacidades já estão consolidadas... tais (334)Profªs: ((vozes)) estão ainda no nível do trabalhar tá?... nós já vamos fazer uma projeção para as professoras do segundo ciclo... é Uma forma né? da gente organizar o trabalho pro ano que vem... tá bom?

Nas sequências acima, observa-se um enunciador que representa o papel

institucionalizado de professora-formadora do NAL/SMED, o que pressupõe modos de dizer

inscritos em formações discursivas autorizadas nessa esfera. Assim agindo, PF1 tende a

posicionar-se como gestora, como aquela que conduz a formação em serviço das professoras e

da vice-diretora da escola que monitora.

Retomando Charaudeau (2006a), a legitimidade de um sujeito pode ser atribuída a um

direito institucional, a um saber fazer reconhecido por membros de um grupo. Tendo em

mente esse princípio, afirma-se que PF1 tenta retomar a legitimidade para conduzir a reunião,

quando a situação se torna tensa, tal como nos segmentos (21), (323) e (333). Nesses

momentos, PF1 procura retomar a pauta proposta, como demonstrado no segmento (21),

ocasião em que presta esclarecimento às professoras, que parecem demonstrar ansiedade

devido ao acúmulo de avaliações na esfera escolar.

No segmento (21), ao dizer “deixa eu explicar uma coisa... só retomando aqui gente”,

PF1 negocia com o grupo o papel de condutora da reunião, bem como sua posição identitária

de professora-formadora. Isso ocorre, como dito, porque a professora-formadora, para

assegurar o lugar de onde fala, tende a tentar evitar que as partícipes da reunião pedagógica

tomem o turno de fala. Isso se evidencia no uso da expressão “deixa eu explicar”, por meio

da qual o verbo deixar tende a evocar o efeito de uma negociação por parte de PF1 com o

grupo, ao interpelá-lo quando impôs sua fala e, portanto, a sua posição, esta igualmente

marcada pelas ações de monitorar e reorganizar as posição do grupo, quando a ele assim se

dirige: só retomando aqui gente. Isso lhe confere o poder de continuar a exercer seu papel no

evento legitimado pelo lugar social de onde se enuncia.

Faz parte da estratégia de legitimação a constante negociação da professora-formadora

com as partícipes da reunião pedagógica, pois o grupo, nas vozes de P1, P2 e P3, ganha a

palavra, se impõe, ocupa o lugar daquele que refuta, problematiza, como ocorre nas

sequências em análise. Na perspectiva de Charaudeau, “a legitimação da fala não advém

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apenas da vontade do sujeito comunicante, pois, [...] é, às vezes, difícil para o EUc prejulgar a

reação do sujeito interpretante...”. (CHARAUDEAU, 2008, p. 59, ênfase do autor). Na

situação em análise, a maneira como reage o sujeito interpretante é um dos fatores

determinantes da estratégia de legitimação utilizada pelo sujeito comunicante, uma vez que,

segundo o autor (2006a), a legitimidade de um sujeito só existe se for reconhecida pelos

membros de um grupo.

Em (59), PF1, mais uma vez, interpela o grupo para traçar uma definição, como ela

mesma diz: “aqui... agora vamo definir matemática?... vamo definir matemática?”. No caso,

a professora-formadora refere-se à escolha da professora para acompanhar a aplicação da

avaliação Avalia BH, no âmbito da Matemática. Nesse momento, PF1 posiciona-se como

coordenadora do grupo, desempenhando o papel de gestora. Embora englobe os professores

na escolha que precisa ser feita, ao se enunciar na primeira pessoa do plural, marcada pela

desinência do verbo (vamo), ela é a responsável pela condução do processo, ainda que esse

lugar social tenha sido negociado com o grupo.

A tentativa de legitimação do lugar social de professora-formadora do NAL/SMED

torna-se mais evidente na sequência (320 a 333), situação em que o grupo parece questionar,

com mais veemência, determinadas ações imputadas à Secretaria de Educação, tais como:

“eles chegaram aqui de paraqueda... precisou... aí... a Secretaria de Educação ()”;

“ [...] a Secretaria de Educação deveria vir sabendo () tirando as nossas aulas” ou ainda:

“não? () num é a Secretaria de Educação não... NÓS tivemos que ceder Nosso espaço pra ()”.

Nesse momento, merecem destaque as repetições e reformulações na fala de PF1, no

segmento (323). PF1 utiliza o verbo “fechar” três vezes, na tentativa de voltar a exercer seu

papel de condutora da reunião e retomar o turno de fala perdido por causa das intervenções de

P1, P3 e VD. Mais uma vez, o verbo deixar aparece sinalizando a posição de um sujeito que

parece ter, naquela cena, a sua posição em tensão, sentindo-se, por ora, incapaz ou impedido

de exercer o papel de condutor da reunião e precisa, portanto, interpelar o grupo que lhe

conceda esse direito. Como essa tarefa não parece ser fácil, haja vista a sobreposição da voz

de P2 no segmento (323), PF1 convoca o encerramento da reunião: “ó vamos fechar”,

recorrendo à forma plural “vamos”, um expediente de negociação, na tentativa de chamar a

atenção do grupo e envolvê-lo na ação que pretende realizar: terminar a pauta da reunião.

Ao que se nota, como o objetivo da professora-formadora – o de encerrar a reunião –

não parece ser alcançado, naquele momento, uma vez que, na sequência (324) a (328), as

interlocutoras continuam a controlar os turnos de fala, PF1 tenta, no segmento (329), mais

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uma vez, envolver o grupo na ação que pretende executar, ao dizer: “então, vamos combinar o

seguinte...”, utilizando novamente a primeira pessoa do plural.

Pode-se dizer, com base na sequência subsequente (330 a 332), que o ato de

linguagem pretendido por PF1 no segmento (329) é refutado por P3, o que tende a direcionar

a fala da professora-formadora no segmento (333). Nesse segmento, ao dizer: “haja vista a

necessidade da formação... pra quê? pra gente trocar experiência e articular...”, mais uma

vez a estratégia de legitimação é utilizada. Note-se que sobressai, nesse trecho, a voz da

gestora, a responsável pela formação, justificando o fato de marcar um último encontro com

as professoras. A fim de que seu ato de linguagem seja aceito pelo grupo, PF1 tenta captar a

atenção das professoras, elegendo argumentos, como: trocar experiência e articular,

necessidade da formação e fechar com chave de ouro. Tendo em vista o caráter polifônico da

linguagem, salienta-se que outra voz se faz presente no trecho: a voz de um sujeito que não só

coordena as ações das professoras, mas também produz em parceria com essas profissionais, o

que se evidencia pelo uso da expressão a gente, em: “pra gente trocar experiência e

articular” e “a gente vai traçar o Plano de Metas para 2009”.

Observa-se, nas sequências analisadas, que a relação contratual pretendida por EUc,

ou seja, cumprir a pauta da reunião, é ameaçada pela relação assimétrica que se estabelece

entre as interlocutoras (EUc e Tui), no circuito externo. A partir do segmento (21), a tensão se

instaura, quando se percebe que a voz do sujeito comunicante passa a ser abafada, isto é, junto

com ela falam os sujeitos interpretantes, que questionam o que é dito. Toda a tensão se

estende até (331), provocando a mobilização estratégica do sujeito comunicante, no segmento

(333), ao colocar em cena um enunciador que tenta, como mencionado, angariar a adesão do

grupo para o ato de linguagem que postula.

Relativamente ao circuito interno do ato de linguagem, no que tange à relação entre

EUe e TUd – intralocutores ou protagonistas – os seres de fala, verifica-se, em (333), a

emergência de um enunciador que tenta se posicionar como alguém que faz junto com o

grupo, sendo, portanto, corresponsável por ações pedagógicas, como a organização de um

plano de metas. E assim age na tentativa de manter a relação contratual com as interlocutoras.

A figura a seguir tenta ilustrar a emergência de estratégias discursivas no ato de linguagem

postulado pelo sujeito comunicante.

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Figura 7: Estratégias discursivas no ato de linguagem do professor-formador do NAL/SMED

Fonte: Dados da pesquisa

A situação de comunicação, representada na figura 7, engloba PF1 como sujeito

comunicante, que projeta sua fala para as professoras em formação, os sujeitos destinatários

(TUd). No entanto, é interpelada pelos sujeitos interpretantes, seres sociais, que afloram nos

atos de linguagem postulados pelos destinatários, não correspondendo, necessariamente, à

imagem de interlocutores projetada pelo sujeito comunicante ou locutor. Ao entrar em contato

com os modos de dizer dos sujeitos interpretantes, o sujeito comunicante fabrica imagens de

si por meio de enunciadores utilizados estrategicamente para fazer com que os sujeitos

destinatários sejam mobilizados por suas ações e/ou modos de dizer. Em resumo, nas palavras

de Charaudeau:

Para o locutor, falar é, pois, uma questão de estratégia como se ele perguntasse: “Como é que vou/devo falar (ou escrever), levando em conta o que percebo do interlocutor, o que imagino que ele percebe e espera de mim, do saber que eu e ele temos em comum, e dos papéis que eu e ele devemos desempenhar”. Melhor dizendo, fala-se (ou escreve-se) organizando o discurso em função de sua própria identidade, da imagem que se tem de seu interlocutor e do que já foi dito. (CHARAUDEAU, 2008, p. 76, ênfase do autor).

Com base nas ideias desse autor, projeta-se a hipótese de que a relação entre

professor-formador e professor em formação ocorre dentro de um campo de força, o que

parece se confirmar na última sequência analisada. No trecho em questão, assim como nos

subsequentes84 a imagem de TUd projetada por EUc não parece equivaler aos interpretantes

(TUi), uma vez que a relação contratual pretendida pelo sujeito comunicante tende a não

84 Cf. o texto I, na seção anexos.

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acontecer nesse momento, haja vista os constantes questionamentos e reclamações de P1, P2 e

P3 nos segmentos (320), (321), (324), (326), (328) e (330).

No segmento (333) PF1 parece retomar o papel enunciativo de condutora da reunião,

imbuída, portanto, de um direito de dizer ou de fazer. Dessa maneira, o sujeito comunicante

faz emergir, no discurso, um enunciador que reflete as formações discursivas da SMED, no

que tange às três questões básicas das práticas discursivas dos professores-formadores

apontadas no capítulo 2, seção 2.4. Essa cena, retomando Mendes (2001), expressa que a

legitimidade ocorre na intercessão entre a autoridade do sujeito que se enuncia em nome da

SMED (espaço externo) e seu comportamento como ser de fala (espaço interno). Pressupondo

ter legitimidade para dizer o que diz e da maneira como o diz, resta à professora-formadora

assumir enunciativamente esse lugar social.

No entanto, a legitimidade pressuposta pelo sujeito comunicante nem sempre é

assegurada na situação de comunicação, como demonstrado nas sequências em análise, dadas

as intervenções dos sujeitos interpretantes. Na tentativa de persuadir os sujeitos destinatários,

outra estratégia se faz necessária, a fim de que o discurso do EUc, no caso, a professora-

formadora, seja digno de crédito. Observa-se, no evento em análise, a tentativa de construção

de credibilidade por parte do enunciador, o que será demonstrado por meio de alguns trechos

da situação de comunicação.

Antes de proceder à análise dos movimentos estratégicos, na sequência abaixo,

esclarece-se que se trata de um excerto de uma situação em que PF1 e as partícipes da

formação discutem sobre a especificidade dos alunos atendidos pelas escolas da RME/BH e a

metodologia de ensino que vem sendo aplicada atualmente. Mais uma vez, os atos de

linguagem da professora-formadora estão atrelados às formações discursivas autorizadas pela

SMED, a saber: como ensinar Língua Portuguesa aos alunos com dificuldade de

aprendizagem e como ser professor municipal.

(153) P2: () exigir da gente... (até que ponto) nós vamos exigir dos alunos () e vocês ((equipe da SMED)) vão exigir da gente? (154) PF1: tá... hoje em dia... tá... hoje em dia nós não somos... vão pensar... eu (155) Profs.: ((vozes)) até sou né? eu até sou ((psicóloga)) mas vamos colocar como não sendo... NÓS não temos formação em Psicologia, Antropologia em Sociologia (pararã) MAS se nós temos que recorrer né? a esses estudos... a esses desenvolvimentos... pra que a nossa prática... que a Pedagogia é ação... é o ato de refletir sobre uma ação mas se ela não

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empresta da Psicologia... da Psicolinguística... da Linguística... da Antropologia... nós não conseguimos avançar porque hoje

A tentativa de construção de credibilidade, no excerto acima, funda-se numa posição

de engajamento (CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2008). Dessa maneira, identifica-se

um enunciador que marca sua posição no discurso por meio de argumentos que visam

convencer as professoras sobre a veracidade do que diz.

Observa-se, nesse segmento, a projeção da imagem de si ou ethos, no discurso de PF1:

“eu até sou ((psicóloga)) mas vamos colocar como não sendo”. Isso ocorre por meio de um

movimento estratégico em que o sujeito, ao mesmo tempo em que se legitima pelo saber no

âmbito da Psicologia, o que supostamente confere credibilidade àquilo que diz, tenta se

colocar na posição de quem não detém esse saber, antecipando, talvez, possíveis objeções dos

sujeitos interpretantes, uma vez que as professoras em formação não são psicólogas. Observa-

se, ainda, a construção de um enunciado fundado num tom condicional, o que parece

funcionar como uma estratégia discursiva para promover tanto o efeito de credibilidade,

como o de captação, na tentativa de persuadir e seduzir o grupo a partilhar do universo de

valores, crenças e saberes que PF1 apresenta possuir em relação ao que concebe ser professor.

Esse efeito é construído na medida em que PF1 cita as diversas disciplinas que, no

campo dos saberes, tem uma relação de interface com a educação, como a Psicologia, a

Psicolinguística, a Antropologia, entre outras, na tentativa, talvez, de fazer o grupo crer que a

prática do professor pressupõe uma interlocução com diferentes campos do conhecimento.

Ela, como qualquer outro profissional do mundo da docência, imagem que pretende

construir no grupo, argumenta que só se conseguirá avançar no trabalho pedagógico por meio

do conhecimento da Pegagogia e das outras ciências citadas. Ambas as estratégias - de

credibilidade e de captação - no segmento (154), refletem-se na emergência de diversas

vozes que emanam de discursos científicos no âmbito de disciplinas que PF1 demonstra

conhecer. Em suma, faz parte da tentativa de persuadir os sujeitos interpretantes a criação de

imagens de destinatários que partilham os saberes eleitos por EUc como fundamentais ao

trabalho do professor, como se comprova pelo trecho: “a Pedagogia é ação... é o ato de

refletir sobre uma ação mas se ela não empresta da Psicologia... da Psicolinguística... da

Linguística... da Antropologia... nós não conseguimos avançar”. Nesse trecho, a inclusão do

professor-formador no grupo de professoras em formação é representada pelo pronome de

primeira pessoa “nós”.

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Reitera-se que a ambivalência do sujeito, que se reveza em diversas posições, pode ser

notada em todo o evento discursivo em análise, tornando-se mais evidente nos momentos em

que a relação entre os interlocutores torna-se mais tensa, como demonstrado na sequência

(153) a (154). Para finalizar a análise dos movimentos de (re)construção identitária de PF1, na

reunião de formação, recorro, agora, a um trecho em que essa professora-formadora verbaliza

a dupla identidade desse profissional.

(291) PF: a Avalia BH... a Avalia BH é somente municipal () eu

(292) Profªs: ((vozes)) perceber a minha turma ou a minha escola ou o meu aluno em relação à Rede... isso é um movimento... o outro movimento é a avaliação DA:: esco::la que é aquela pro::va ou aquele registro que você tem de observação do aluno que me diz como ele estava no início e... como ele está no final... aí algumas professoras dizem/ e eu é::: /a gente tá atenta dos dois lados... porque nós somos professoras também... e já passamos ((inaudível)) estamos agora nessa função mas somos professoras...

Nessas sequências, identifica-se, na fala de PF1, um movimento estratégico de

captação. Pode-se dizer que PF1 opta por uma atitude de sedução, ao tentar criar uma situação

em que o TUi será o beneficiário do ato de linguagem proposto, buscando, assim, o

estabelecimento de uma relação contratual com os sujeitos interpretantes. Esse movimento se

evidencia no trecho: “eu perceber a minha turma ou a minha escola ou o meu aluno em

relação à Rede”. Nesse excerto, PF1 parece demonstrar o que ela chama de movimento

proporcionado pela aplicação da avaliação sistêmica nas escolas da RME/BH, posicionando-

se, no momento, como professora, o que se evidencia pelo uso dos pronomes de primeira

pessoa destacados.

Para finalizar esta análise, apresento um trecho em que a ambivalência identitária de

PF1 revela-se no gerenciamento de vozes distintas. O trecho: “ a gente tá atenta dos dois

lados... porque nós somos professoras também... e já passamos ((inaudível)) estamos agora

nessa função mas somos professoras...” parece sintetizar todo o movimento de

(re)construção identitária dessa professora-formadora, no evento em análise. Ao dizer a gente,

refere-se à comunidade de professoras-formadoras do NAL/SMED, o grupo a que pertence,

do ponto de vista do papel institucionalizado que exerce. Note-se que PF1 reconhece a

existência de lugares sociais distintos, ou seja, “dois lados”, mas se posiciona como alguém

que transita entre esses dois espaços. Para marcar essa posição no discurso, PF1 utiliza

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recursos linguísticos, como o operador discursivo “também”, que sinaliza o duplo

posicionamento identitário de PF1. Outros operadores como “mas” e “agora” também concorrem

para a construção da imagem de um sujeito que tem sua identidade (re)construída durante a interação.

Nesse sentido, o operador discursivo “agora” nos remete ao caráter temporário da função de professor-

formador, segundo PF1, e o uso da adversativa “mas” parece coroar a distinção de dois lugares sociais

e discursivos, segundo a fala de PF1, o que pode ser notado pelo trecho: estamos agora nessa função

mas somos professoras...” . Em suma, a ambivalência de posicionamentos identitários da professora-

formadora, evidenciada no excerto em foco, perpassa todo o evento discursivo, materializando-se,

sobretudo, nas (e pelas) estratégias discursivas utilizadas ao longo da interação.

6.4. Análise do texto II

Gênero: reunião

Sujeitos envolvidos: PF2, duas coordenadoras pedagógicas (C1 e C2) e quatro professoras do

terceiro ano do 1º ciclo (P)

Número de partícipes: 07

Esfera social: escola da RME/BH

Período: novembro/2008

Tempo de duração da gravação: 55 min

Objetos de discussão: prazo para a finalização da escrita dos diários de classe, avaliações

sistêmicas e retenção de alunos com dificuldade de aprendizagem em Língua Portuguesa.

Objetivo: Informar os prazos de entrega dos diários de classe às partícipes, bem como a

realização de avaliações sistêmicas na escola onde trabalham, envolvendo os alunos que

atendem, e promover uma discussão sobre a prática de retenção de alunos que apresentam

dificuldade de aprendizagem em Língua Portuguesa e se encontram no 3º ano do 1º ciclo.

Nesse evento discursivo, observa-se, do ponto de vista das condições de produção, um

sujeito comunicante que se enuncia do lugar social de professora-formadora do NAL/SMED,

sendo responsável, portanto, por coordenar reuniões de formação na esfera escolar. É

presumível, pelo papel institucionalizado que representa, a elaboração de uma pauta a ser

discutida com as professoras que participam da formação, consoante temas definidos nas

reuniões que ocorrem na SMED, envolvendo os coordenadores-gestores e a equipe de

professores-formadores.

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No início da reunião, PF2 retoma uma agenda que já havia combinado anteriormente

com as professoras e a coordenação pedagógica, no que se refere ao preenchimento de dados

das avaliações dos alunos no boletim escolar. Supondo ter autoridade para dizer o que diz às

professoras, PF2 legitima seu lugar discursivo, sinalizando o posicionamento de gestora do

grupo. Isso se evidencia no trecho a seguir:

(1) PF2: ô gente... então todo mundo recebe o consolidado dia do::ze e no dia dezessete já vão tá com a escrita toda pronta do boletim... né? e dos diários... dezoito é o último dia de entrega do diário... né isso? ah tá... nô diário tem que colocar atrás do diário... no/ na última parte (ele é assim né) nã nã nã abriu observações... aí tem que colocar assim ó... frequência apurada até o dia onze do doze de dois mil e oito... (2) C2: boletim que ocê tá falando (3) PF2: boletim (4) C2: ah tá (5) P1: então cumé que é? (6) PF2: frequência apu-rada até on-ze do do-ze de dois mil e oito... tá aí nessa circular zero zero meia dois mil e oito tá escrito aí embaixo assim... observação... ok? é até onze do doze... esse restante que tá escrito aqui até quinze nada disso

Nessa sequência discursiva, note-se a emergência de um enunciador que possui

autoridade para prescrever aos destinatários ações com prazo para execução, como se observa

nos trechos destacados. No segmento (6), PF2 legitima sua atitude prescritiva citando um

documento normatizador, uma circular enviada às escolas pela SMED, como se observa no

seguinte trecho: “ta aí nessa circular zero zero meia dois mil e oito tá escrito aí embaixo

assim... observação... ok?”.

No tocante ao modo de organização do discurso de PF2, observa-se que o foco recai

sobre os seres de fala, localizados no circuito interno da linguagem, ou seja, EUe TUd. Isso se

explica pela maneira como o sujeito comunicante atua na encenação do ato de linguagem,

ocupando uma posição em relação àquilo que diz e àquilo que o outro diz. Relativamente à

influência que essa professora-formadora exerce sobre as professoras em formação, no evento

discursivo, pode-se afirmar que ocorre uma relação de força balizada pelo posicionamento de

PF2 ao impor às interlocutoras a execução de uma ação (“fazer fazer”). Tal comportamento

enunciativo, denominado alocutivo, é representado, nesse evento, pelas modalidades de

interpelação e injunção (CHARAUDEAU, 2008). A utilização dessas modalidades pressupõe

uma posição de superioridade do locutor em relação ao interlocutor.

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No caso da interpelação, representada pelo vocativo no trecho: “ ô gente... então todo

mundo recebe o consolidado dia do::ze e no dia dezessete já vão tá com a escrita toda pronta

do boletim... né?”, PF2 atribui a si um estatuto que autoriza tal comportamento, uma vez que

possui legitimidade para coordenar reuniões de formação, estando apta, portanto, a se dirigir

às interlocutoras, atribuindo-lhes papéis enunciativos. Já na injunção, o papel da locutora é

estabelecer uma ação a ser realizada pelas interlocutoras, observado, nos trechos seguintes,

pela construção perifrástica (tem que + infinitivo, no caso o verbo colocar): “nô diário tem

que colocar atrás do diário”; “aí tem que colocar assim ó...”.

Os dois comportamentos observados na sequência em análise advêm do lugar social de

onde PF2 fala, pressupostos pelo papel institucionalizado de professora-formadora do

NAL/SMED. Como as professoras em formação não parecem colocar objeções aos atos de

fala postulados pela locutora (PF2), não se observa, nesse trecho, a utilização de estratégias

discursivas por essa professora-formadora.

Já nos segmentos subsequentes, PF2 inicia um jogo de captação, por meio de uma

brincadeira, na tentativa, talvez, de amenizar a situação, deixando de lado, momentaneamente,

a postura prescritiva que havia assumido, o que pode ser comprovado pelo excerto abaixo.

(12) P1: é dezenove que tem que lançar? (13) PF2: é... último dia letivo dezenove (14) P2: aqui... tá tudo pronto o dela (15) PF2: tá certo uai... é... beleza (16) P3: o que que o casamento num faz hein? (17) Profs.: ((risos)) (18) PF2: o que que o casamento num faz hein? (18) Profs.: ((risos)) (19) PF2: ocês ainda falam que num tem tempo... olha bem procê ver ((risos)) já tá com tudo adiantado... já tá com tudo pro::nto (20) ((simultaneidade de vozes)) (21) PF2: acho que eu vou lançar uma moda agora que:: todos os professores deviam de casar... nessa época do ano (22) ((simultaneidade de vozes)) (23) P2: () que mudou (24) PF2: mudei () (25) P3: () renovar o casamento (26) PF2: quem já casou renova o casamento na mesma época ((risos))... mas só que é o seguinte... só pode renovar o casamento ou casar se deixar tudo pronto no fim do mês ((risos)) (27) P2: tenho nove meninos novatos meu bem (28) PF2: nove novatos nessa época do ano? beleza hein?

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A sequência (12) a (28) caracteriza-se pela emergência de um enunciador que tenta

estabelecer uma relação contratual com os destinatários por meio do humor e da ironia. Nesse

momento, EUc deixa de falar para destinatários ideais, projetando, no ato de linguagem, a fala

dos sujeitos interpretantes. Isso se evidencia no trecho a seguir: “ocês ainda falam que num

tem tempo... olha bem procê ver ((risos)) já tá com tudo adiantado... já tá com tudo

pro::nto”. No segmento (27), o sujeito interpretante, representado por P2, reage ao jogo de

captação do sujeito comunicante, enunciando de modo irônico, referindo-se à professora-

formadora como “meu bem”, após expor sua condição: “tenho nove meninos novatos”, o que

parece funcionar como um empecilho para a realização da tarefa antes do prazo

preestabelecido, na visão de P2. Em (28), observa-se a mesma estratégia, na fala de PF2, que

também reage de maneira irônica, ao dizer: “beleza hein?”.

Outro ponto da pauta de PF2 é a aplicação da Avalia BH para os alunos das turmas

regidas pelas professoras que participam dessa reunião de formação. Ao falar da semana em

que o instrumento avaliativo deve ser aplicado, a professora-formadora precisa administrar

um conflito causado pela ausência de uma professora do grupo devido a uma formação na

SMED. Nesse momento, considerando o caráter polifônico do discurso dessa professora-

formadora, entra em cena um enunciador que se posiciona contrariamente aos cursos de

formação que ocorrem na SMED, no horário de trabalho dos professores da RME/BH.

Na tentativa de explicar as posições subjetivas de PF2, na assunção de diferentes

posicionamentos identitários, retomo Pêcheux (1983) e Foucault (1972), no tocante à

dispersão do sujeito, que tende a ocupar posições distintas no discurso, segundo os autores.

Ao explicar o caráter disperso do sujeito na enunciação, Foucault (1972, p. 61) menciona a

“descontinuidade dos planos de onde fala”, o que parece ser o caso do discurso do professor-

formador do NAL/SMED. No evento em análise, observa-se essa descontinuidade na

comparação entre o posicionamento identitário assumido por PF2, na sequência (1) a (66), nas

quais a professora-formadora parece assumir a posição de gestora da SMED, e aquele que se

observa na sequência composta por (69) a (96), em que PF2 tende a se posicionar como as

professoras em formação, discordando de ações praticadas pela SMED, no tocante à formação

de professores fora da esfera escolar e no horário de trabalho85.

Como dito, na sequência (1) a (66), PF2 posiciona-se como gestora e procura

legitimar, discursivamente, como demonstrado, o papel institucionalizado que representa. No

entanto, o posicionamento de gestora parece se enfraquecer, no momento em que uma ação da

85 Cf. o anexo 2.

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SMED é contestada pelas professoras que participam da formação. Surge, então, na fala de

PF2, um sujeito enunciador (EUe) que procura se identificar com os interpretantes (TUi),

posicionando-se como as integrantes do grupo, que se demonstram insatisfeitas com um

evento de formação ocorrido na SMED.

Em relação a esse evento, as professoras e a coordenadora pedagógica produzem as

seguintes falas:

(71) C2: tem gente pagando R$20,00 pra poder manter o carro lá no estacionamento ((nas proximidades da SMED))... acredita... D.? além de ir pra Secretaria você gasta R$20,00 (72) P2: e de ônibus ninguém chega (73) PF2: tá RUim? (74) P2: de com força (75) PF2: uai gente... faz mesmo essas avaliações (76) P2: nó:: vou falar com cê num guentei não (77) P3: a de Matemática tá:: deixando a desejar (78) P2: eu na última eu não fui mesmo não (79) P4: a de Arte então... sem chance

Diante dos posicionamentos contrários à formação proporcionada pela SMED,86 PF2

sustenta, no segmento (84) o que havia dito em (69): “[...] eu espero ( ) que a SMED não faça

mais isso de tirar professor ( ) a essa altura”, como demonstrado pelo segmento a seguir:

(84) PF2: porque a avaliação que eu faço não é a avaliação de quem tá participando... mas a avaliação de que eu não concordo de tirar o professor da escola... avaliação dô formato

Observa-se, nos segmentos (69) e (84), o movimento estratégico de um “eu” que

procura construir credibilidade no seu discurso através de uma relação de aliança com os

sujeitos destinatários, ao mesmo tempo em que adota uma atitude de distanciamento em

relação à esfera que representa: a SMED, por meio da utilização da 3ª pessoa para se referir a

essa instância, o que se observa no trecho: “eu espero ( ) que a SMED não faça mais isso de

tirar professor ( ) a essa altura” . Ao mesmo tempo, a remissão ao “eu” parece concorrer

86 A formação mencionada, ocorrida em novembro de 2008, teve o objetivo de apresentar aos professores da RME/BH a versão preliminar das Proposições Curriculares, por meio de uma formação com os assessores que se responsabilizaram pela produção desse documento, no que tange às diversas disciplinas do currículo do ensino fundamental dessa rede de ensino.

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para que PF2 reconstrua (e negocie) sua posição identitária, na interação com o grupo de

professoras.

Ainda que se afaste enunciativamente da esfera que representa, ao demonstrar um

posicionamento contrário à formação que “tira professor da escola”, PF2, no entanto, tenta

preservar a face de professora-formadora do NAL/SMED, ao frisar que está avaliando

exclusivamente a maneira como o evento é organizado, não se atendo à qualidade da

formação, o que pode ser demonstrado pelo vocabulário empregado pela professora-

formadora e pela entoação enfática verificada no trecho “dô formato” . Além disso, distancia-

se, enunciativamente, da instância que representa, como já mencionado, não se

responsabilizando, portanto, pela ação de “tirar professor da escola”. No excerto seguinte,

PF2 sinaliza um posicionamento favorável à formação em outro formato e continua a

legitimar o papel de condutora do grupo. Vejamos o trecho:

(86) PF2: não concordo de tirar o professor da esco::la... tem que estudar outra maneira de formar ... formação continuada sem (87) P: é... tá um caos... um caos tirar o professor da escola ... esse formato nós já vimos que não é o formato que dê certo e eu acredito que... (88) P4: e aí () qualidade (pô) tira o professor... aí chega lá:: te dá uma depressão cê olhar pra () ... nó gente os meninos tão lá e eu sentada... eu escutando (89) PF2: é... (90) P4: dá um desespero (91) PF2: num é? então acho que seria bom (essa semana) a proposta for... uma avaliação () (92) P3: eu acho que sim (93) P4: eu espero que sim... o último dia () (94) PF2: se não for uma avaliação reDIjam uma avaliação e encaminhem pra GCPF ((Gerência de Coordenação da Política Pedagógica e de Formação)) né... porque eu acho que é importante as pessoas (repensarem) essas coisas porque já foi... já foi uma polêmica se ia fazer a formação nesse formato ou (95) P4: é... é não... né? um grupo achava que não outro achava que sim... aí:: né? bancou-se a formação dessa forma... é bom que para o ano pense (direito)

Nessa sequência, PF2 parece estabelecer uma relação contratual com as professoras,

por meio de estratégias localizadas no plano da credibilidade, o que a faz adotar uma posição

enunciativa de engajamento. Ao proceder dessa maneira, a professora-formadora marca sua

posição no discurso, ora se excluindo do grupo, por meio da primeira pessoa do singular (eu),

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ora se incluindo, através da primeira pessoa do plural (nós). Dessa maneira, pode-se dizer que

PF2 vai reconstruindo (e negociando), sua identidade de professora-formadora, à medida que

consegue angariar a adesão do grupo a seu projeto de fala.

Quanto ao posicionamento discursivo em relação à SMED, PF2, na sequência (86) a

(95), evita referir-se, explicitamente, à esfera que representa, utilizando construções vagas,

sem um referente explícito ou na voz passiva, conforme demonstrado pelos trechos em

destaque: “ tem que estudar outra maneira de formar”; “eu acho que é importante as pessoas

(repensarem) essas coisas”; “já foi uma polêmica se ia fazer a formação nesse formato ou

é... é não... né? um grupo achava que não outro achava que sim” ou “ bancou-se a formação

dessa forma... é bom que para o ano pense (direito)” . Tal estratégia parece se inserir nos

planos da credibilidade, pois, retomando Charaudeau & Maingueneau (2008), para construir

uma identidade discursiva de alguém que seja digno de crédito, o sujeito comunicante (PF2)

pode adotar as posições enunciativas de neutralidade, engajamento ou distanciamento em

relação ao ato de fala proposto. As duas primeiras parecem entrar em ação na sequência em

análise, ora na emergência de um enunciador que se coloca no discurso, marcando sua

posição enunciativa e identitária, ora por meio de um enunciador que expressa uma opinião,

de modo mais neutro, eximindo-se da responsabilidade de apontar um responsável pela ação

que critica, como em: “tem que estudar outra maneira de formar”. Esse movimento de

suposta neutralidade em relação ao que diz parece se explicar pelo fato de a esfera

responsável pela ação de formação ser aquela à qual PF2 representa ou faz parte, ou seja, a

SMED.

Ainda segundo os autores, a construção de credibilidade em um discurso está

relacionada à capacidade de o sujeito comunicante exercer influência sobre o sujeito

destinatário, levando-o à ação. Em síntese, as falas de PF2 ancoram-se num “poder fazer”,

que pode ser verificado nos segmentos (91) e (94). Note-se, nesses segmentos, a emergência

de um enunciador que, além de presumir que possui legitimidade para propor às professoras

uma avaliação do evento formativo na SMED, pressupõe, ainda, que o grupo acreditará na

veracidade dos argumentos que utiliza, na tentativa de marcar a posição contrária à formação

“que tira professor da escola”. Num movimento estratégico, PF2 vale-se do papel enunciativo

de condutora da reunião, legitimada pelo papel social que representa, para fazer uma proposta

às interlocutoras, conforme evidenciado nos segmentos (91) e (94).

Nesses segmentos, valendo-se do modo enunciativo, PF2 utiliza a proposta,

considerada uma modalidade alocutiva por Charaudeau (2008), por ocorrer em situações

marcadas por relações de força, como é o caso do excerto em análise. Buscando uma relação

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contratual com as interlocutoras, PF2 parece mascarar estrategicamente sua identidade de

professora-formadora do NAL/SMED, tendendo a aproximar-se identitariamente do grupo, na

medida em que se vale do papel enunciativo de condutora da reunião para propor às

professoras a realização de uma tarefa (avaliação do formato das reuniões de formação

ocorridas na SMED). Nesse caso, as interlocutoras tendem a representar um papel enunciativo

de beneficiárias de uma “proposta de fazer”, podendo aceitar ou recusar a oferta.

Relativamente ao posicionamento demonstrado pelos sujeitos interpretantes, contrário

às formações ocorridas na SMED, no horário de trabalho das professoras, pode-se dizer que,

nessa situação, o sujeito comunicante parece tentar mascarar, estrategicamente, sua posição

identitária, como já mencionado, em outras análises, ao longo deste trabalho. Tal mobilização

estratégica tende a ocorrer nos momentos em que o estabelecimento e/ou a manutenção de

uma relação contratual torna-se dificultada pela falta de sintonia entre os sujeitos da

linguagem. No excerto em análise, PF2 (sujeito comunicante), diante da reação dos sujeitos

interpretantes (professoras em formação), aciona um enunciador que intenta aproximar-se

identitariamente das destinatárias, na tentativa, talvez, de evitar possíveis conflitos,

estabelecendo, dessa maneira, o “jogo de ser e de parecer” entre os sujeitos dos circuitos

externo (EUc/TUi) e interno (EUe/TUd).

Nos segmentos seguintes, PF2 apresenta o terceiro ponto da pauta: a retenção de

alunos com baixo desempenho no final do primeiro ciclo. Por se tratar de um assunto bastante

polêmico, tanto na SMED quanto nas escolas da RME/BH, como já mencionado neste estudo,

a professora-formadora tenta captar o grupo, tentando influenciar as professoras por meio de

uma atitude de dramatização, através de enunciados e expressões que visam sensibilizar os

sujeitos interpretantes. Para tanto, PF2 recorre a enunciados repletos de comparações,

repetições, bem como, enfaticamente, por meio da palavra absurdo, expressa uma apreciação

acerca da situação que narra, entre outros recursos linguísticos. Assim, antes de dizer que

defende a não retenção, o que ocorre no segmento (104), PF2 cria uma situação discursiva que

justifica sua opinião. É o que ocorre no trecho seguinte.

(97) PF2: num rola né? bom gente... eu queria conversar com vocês sobre retenção... eu num preciso tá dizendo pra vocês... né? da/ das coisas que eu acredito com relação à escola pública... ocês sabem né? eu acho que... a gente até já discutiu né entre linhas muito isso né? é:: só pra gente reforçar... eu tava comentando com as meninas aqui da primeira fase... não... os apoios né? (98) P3: uhn uhn

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eu tava comentando com as meninas do apoio como é que era/ como é que a gente muda de acordo com a trajetória da gente... né? eu... como minha experiência inicial é na escola particular né? eu quando entrei pra escola pública eu achava assim... um absurdo essas dificuldades... um abSURdo o menino não saber as quatro operações... um abSURdo o menino não saber ler e escrever... né? um absurdo eu/ eu achava aquilo errado... que a escola tem que ser de qualida::de... num sei o quê... eu ainda penso que a escola tem que ser de qualidade graças a Deus mas eu penso um pouco... é:: que essas coisas não acontecem na marra... né? a gente tem que penSAR que aluno é esse que a gente... tem... isso ocês sabem melhor do que eu... né? um aluno que não tem basicamente quase nada... né? às vezes nem dignidade né? o aluno nunca foi ao clube... nunca foi ao teatro... nunca foi a um restaurante... um aluno que nunca/ nunca foi a... né? a lugar quase nenhum... um aluno que basicamente quase num tem família... quando tem num valoriza... num tem escola... então assim... um aluno em que a escola tem que trazer... né? todo esse universo aí dos filhos da gente... dos sobrinhos da gente... né? da vida da gente... a gente tem que trazer pro nosso aluno porque ele não tem e aí:: eu fico pensando como que eu mudei porque eu acho que a escola pública é pra esse aluno... pra ele... sabe... a escola pública num é pro meu filho não... a escola pública é pra esse menino que num tem nada... né? o público/ o dinheiro público é pra gente... tentar minimizar essa situação que esses meninos vivem né? [...]

O segmento (97) inicia-se com a opinião de PF2 a respeito da escola pública. Como

dito, um ato de linguagem marcado pela estratégia de captação pode ser organizado em torno

das crenças do enunciador. Como observa Charaudeau (2008), a opinião é uma categoria

presente na modalidade elocutiva, ou seja, aquela em que o locutor não implica o interlocutor

naquilo que diz. A opinião, segundo o autor, baseia-se no ponto de vista do locutor a respeito

de determinado fato ou informação, que pode ser de dúvida ou de convicção.

No segmento em análise, pode-se dizer que o enunciador parece convicto daquilo que

diz. Essa voz que anuncia: “eu num preciso tá dizendo pra vocês... né? da/ das coisas que eu

acredito com relação à escola pública”, apresenta uma opinião marcada pelo verbo acreditar,

exprimindo sua crença naquilo que diz. Além disso, a reiteração de uma posição enunciativa

já apresentada (“eu num preciso tá dizendo pra vocês”) sugere a construção discursiva de um

sujeito que supõe possuir legitimidade para dizer o que diz, ao mesmo tempo em que busca a

credibilidade em seu discurso, retomando argumentos expostos anteriormente, na tentativa,

talvez, de reforçar a veracidade dos argumentos apresentados. Nesse sentido, o sujeito

comunicante, conforme o autor, ao assumir um comportamento elocutivo, tenta modalizar a

verdade do enunciado. Dessa maneira, PF2 vai marcando sua posição no discurso, por meio

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139

da estratégia de captação, à medida que tenta envolver a equipe de professoras naquilo que

diz.

Essa mobilização estratégica da professora-formadora parece se explicar pelo fato de

as opiniões de PF2 e de professoras, como P1 e P4, parecerem divergentes, no que concerne à

necessidade de reter ou não determinados alunos no final do primeiro ciclo, o que se

evidencia nos segmentos seguintes:

(103) PF2: “[...] então o que que acontece? eu estou defendendo a não retenção... eu num vejo sentido nela” (106) P1: eu vejo ainda (117) P4: e eu também quero falar D. ((professora-formadora)) ... eu concordo com algumas... retenções porque eu acho assim... que se a gente pegar por exemplo alguns meninos que tão... não são alfabéticos ainda né? mesmo assim já teve muito avanço... porque na minha sala né? que eu falei que eu iria reter o R. ((aluno))... o R. ele avançou... eu e a B. ((professora)) a gente tava conversando ele tá alfabético... sabe... ele entende...

A situação discursiva apresentada no segmento (97), que contribui, em larga medida,

para a fala de PF2, no segmento (103), com as consequentes reações de P1 e P4, nos

segmentos (106) e (117), caracteriza-se por um discurso polifônico, atravessado por vozes

distintas, a saber: uma enunciadora professora que muda sua opinião em relação à escola

pública, no decorrer de sua atuação profissional; uma enunciadora mãe que acredita que a

escola pública não é para o seu filho, mas para aqueles que são desprovidos de tudo e uma

enunciadora que acompanha o processo de alfabetização em escolas da RME/BH, como

professora-formadora.

Retomando Vion (2000), ressalte-se que existem os papéis institucionalizados, no caso

o papel de professora-formadora do NAL/SMED, e os ocasionais, aqueles que surgem na

interação, como o papel de mãe e de tia representados por PF2, momentaneamente, na

tentativa de justificar um posicionamento e captar os sujeitos interpretantes, a fim de que

possam ser tomados pelo que diz, como se observa em (97): “então assim... um aluno em que

a escola tem que trazer... né? todo esse universo aí dos filhos da gente... dos sobrinhos da

gente... né? da vida da gente...”.

Nesse excerto, verificam-se, a um só tempo, movimentos de objetivação – dado o

fato de o enunciador, numa atitude (auto)reflexiva, deixar-se (entre)ver, na maneira como

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trata a si mesmo –, e de subjetivação, que é a assunção de um posicionamento identitário por

parte do sujeito que se enuncia (SILVA & MATENCIO, 2005). Quanto ao movimento

remissivo às pessoas do discurso, observa-se, em (97), o predomínio do pronome de primeira

pessoa (eu), que indicia a emergência de um sujeito que se coloca numa posição distinta em

relação às interlocutoras, uma vez que apresenta sua opinião, construída, segundo ela, através

de sua prática profissional. Em alguns momentos, no entanto, emerge um enunciador que se

aproxima do grupo, por meio da expressão “a gente” ou do possessivo “nossa”.

A remissão às pessoas do discurso parece sinalizar a intenção de PF2 de captar as

interlocutoras para o que é dito, fazendo-as crer, num primeiro momento, para,

consequentemente, agir. O “fazer-fazer”, pressuposto pela estratégia de credibilidade, liga-se

ao estatuto do professor-formador do NAL/SMED, ao papel de fazer pensar. Assim, quando

diz: “a gente até já discutiu né entre linhas muito isso né? é:: só pra gente reforçar” ou “a

gente tem que penSAR que aluno é esse que a gente tem”, PF2 se inclui no grupo, mas, na

verdade, está exercendo seu papel de formadora, convidando as partícipes para a reflexão

proposta. Em outros momentos, ao dizer: “a gente muda”, “a gente tem tentado durante esse

tempo todo... né? junto com.. a educação que a gente tá proporcionando a ele né?” ou “a

gente percebe que muitos estão alfabéticos”, percebe-se a presença de um enunciador que se

inclui no grupo de professoras, sendo responsável pelas ações que descreve, no caso dos dois

primeiros exemplos. Já no último exemplo, PF2 se inclui no grupo, mas, dessa vez, não como

professora, mas no papel de quem o coordena, o que também ocorre em: “a gente ia reter no

final do ciclo os alunos pré-silábicos... né?”. Por fim, um efeito de intersubjetividade é

garantido pelo uso do pronome vocês, no momento em que se refere ao grupo, antes de

discorrer sobre o perfil de estudante que deve ser atendido pela escola pública: “eu num

preciso tá dizendo pra vocês... né? da/ das coisas que eu acredito com relação à escola

pública... ocês sabem né?”.

Nos segmentos subsequentes, principalmente na sequência (101) a (103), PF2 continua

agenciando a posição de gestora da SMED que defende a não retenção dos alunos, conforme

análise apresentada no capítulo 3, seção 3.7. No entanto, a refutação de P1, ao dizer que vê

sentido na retenção, apresentada no segmento (106), produz a seguinte resposta de PF2:

(107) PF: e aí é isso que eu quero dizer porque tá aberto pra quem ( ) a SMED tá dizendo o seguinte… pra reter tem que (108) P: uhn uhn

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fazer um relatório... tem que fazer um relatório dos três anos... da evolução desse menino nos três anos de ciclo né? e aí assim... a indicação da retenção é DE vocês entendeu? então a minha parte (109) P: uhn uhn ela se encerra aqui... né? então eu acho que ocê pode ver C. ((P1)) ocê tem toda:: né?

Percebe-se, no segmento (107), a emergência de um enunciador que negocia com o

grupo a possiblidade de retenção de alunos no final do 1º ciclo, ao dizer: “tá aberto pra quem

()”. Agindo dessa maneira, PF2 parece tentar preservar a face de professora-formadora do

NAL/SMED, evitando, portanto, uma relação conflituosa com as partícipes da formação, que

insistem em posicionar-se favoravelmente à retenção de determinados alunos.

Outro expediente que parece configurar-se como estratégia de preservação da face é o

fato de PF2, no segmento (107), distanciar-se enunciativamente da SMED, como se nota em:

“a SMED tá dizendo o seguinte”. Ao optar por tal estratégia, a professora-formadora,

pretende, talvez, evitar um tensionamento enunciativo, dadas as opiniões divergentes sobre a

retenção de alunos no final do 1º ciclo, observadas em (103) e (117), por exemplo. Ressalte-se

que a divergência de opiniões em relação a esse assunto ocorre na própria SMED, como

demonstrado na análise ilustrativa de um trecho de uma reunião ocorrida nessa esfera,

envolvendo professoras-formadoras e uma coordenadora-gestora.87

Percebe-se, no segmento em análise, que a identidade social da professora-formadora

é negociada e (re)construída na interação com as partícipes da reunião de formação. Isso se

explica, conforme Charaudeau (2006b), pelo fato de o sujeito comunicante poder escolher se

sua identidade discursiva será regulada ou não pelas limitações impostas pelo contrato de

comunicação. No segmento (107), é possível dizer que EUc constrói para si uma identidade

discursiva que parece mascarar a identidade social de professora-formadora do NAL/SMED.

Tal movimento estratégico consolida-se através da emergência de um enunciador que se

oculta, imputando a responsabilidade pela retenção dos alunos ora à esfera social que

representa (“a SMED tá dizendo o seguinte... pra reter tem que fazer um relatório...”), ora às

interlocutoras (“a indicação da retenção é DE vocês entendeu?” ou “então eu acho que ocê

pode ver C. ((P1)) ocê tem toda:: né?”).

No segmento em análise, o efeito de subjetividade promovido pela utilização da 1ª

pessoa do singular (“eu”) parece concorrer para o (re)alinhamento de PF2 à identidade social

de professora-formadora que tem um papel a representar diante das partícipes da situação de

87 Cf. o capítulo 4, seção 4.4.

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comunicação. Dessa forma, para manter uma relação contratual com as interlocutoras, nesse

segmento, é necessário que PF2 compartilhe suas concepções acerca do assunto em discussão,

o que não parece ocorrer, nesse caso. No entanto, a tendência da professora-formadora é de

não impor sua opinião às professoras, preferindo distanciar-se enunciativamente daquilo que

diz e delegar decisões ao grupo, preservando sua face de professora-formadora, ao dizer:

“então a minha parte ela se encerra aqui... né?”.

Em suma, assiste-se, ao longo da reunião pedagógica, aos movimentos estratégicos do

sujeito comunicante, que parece negociar sua identidade discursiva, no evento, conforme os

posicionamentos assumidos pelos sujeitos interpretantes nessa situação de comunicação.

6.5. Análise do texto III

Gênero: entrevista

Sujeitos envolvidos: pesquisadora e PF1

Número de partícipes: 02

Esfera social: SMED

Período: julho/2009

Tempo de duração da gravação: 49 min 57 s

Objetos de discussão: experiência profissional, trabalho realizado na SMED, o que é ser

professora-formadora.

Objetivo: Oferecer condições para que a entrevistada possa refletir sobre si mesma, sua

subjetividade e seus saberes profissionais, na tentativa de flagrar os diversos posicionamentos

identitários assumidos por uma professora-formadora do NAL/SMED.

Neste estudo, como já mencionado no capítulo 1, seção 1.4., a entrevista, como um

gênero, é reflexo de uma prática discursiva dentro da qual, no âmbito de uma relação

continuamente negociada, o entrevistado posiciona-se e posiciona o outro, o entrevistador.

(PINHEIRO, 2004). Levando em consideração esse quadro, no momento da interação, foram

apresentadas seis questões a PF1, concernentes a sua prática profissional, a fim de

proporcionar a construção do relato em análise, denominado texto III. Eis as perguntas:

1. Fale um pouco sobre sua vida profissional (formação acadêmica e experiência profissional).

2. Desde quando trabalha na SMED? Por que resolveu trabalhar na Secretaria de Educação?

3. Para você, o que é ser professora-formadora?

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4. Fale um pouco sobre o trabalho que desenvolveu na SMED durante o ano de 2008. 5. Atuar na SMED como professora-formadora tem pontos positivos? (tem pontos

negativos?) Quais? 6. Existem entraves (ou não) para a realização de seu trabalho? Se houver, quais são

eles? Com base nas observações dessa autora acerca dos partícipes de uma entrevista, teço

considerações, ao longo desta análise, sobre o modo como ocorre a negociação de

posicionamentos discursivos entre aquelas que participam da interação, tendo em vista as

condições de produção e interpretação desse ato de linguagem, segundo Charaudeau (2008).

No curso do evento interacional, PF1 destaca-se como locutora ou sujeito comunicante, que

mobiliza, em seu ato de linguagem, enunciadores responsáveis pela produção de um relato de

cunho memorialístico, a partir das perguntas produzidas pelo sujeito interpretante

(pesquisadora). Diferentemente da reunião pedagógica, cuja fala tende a ser planejada,

segundo uma pauta organizada anteriormente, já, na entrevista, essa condição tende a ser

dificultada pelas restrições do próprio gênero e, especificamente nesse caso, pelo fato de PF1

ter entrado em contato com as perguntas somente no momento da entrevista.

Como assinalado no início deste capítulo, a entrevista em foco não obedece ao

esquema pergunta-resposta típico desse gênero discursivo. No caso, ao receberem as

perguntas por escrito, as informantes tiveram a oportunidade de respondê-las da maneira

como achassem melhor e ambas decidiram pelo relato, orientado pelos temas propostos,

havendo pouca ou nenhuma intervenção da entrevistadora no evento discursivo. No tocante às

especificades dessa modalidade enunciativa e discursiva engendrada no curso da entrevista,

pode-se apreender, com Silva (2010), que

[…] contar ou relatar são ações discursivas que se atualizam (isto é, textualizam) por meio de modos de dizer que regulam (são regulados por) uma organização linguística, textual e enunciativa. Nesse processo de construção, engendra-se um mundo narrativo (e, consequentemente, efeitos de sentido que se intenta provocar), que não resulta de meras reproduções de objetos do mundo objetivo (fatos, situações, figuras, pessoas, etc.). (SILVA, 2010, p. 2).

Nesses termos, o relato, por meio do qual se fundou a conversa entre mim e as

informantes, compreendido como atividade social do homem, costuma promover efeitos de

sentido que vão além daqueles pressupostos pelo ato de relatar, ou seja, a reprodução de cenas

do mundo objetivo. Ora, na produção de um relato sobre sua vida profissional, o sujeito

obviamente deixa rastros de sua subjetividade na composicionalidade da narrativa, o que será

demonstrado por meio de análise de trechos do evento discursivo em foco.

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Quanto aos posicionamentos identitários de PF1 frente à entrevista, é importante

ressaltar o jogo de imagens que parece estabelecer entre as interlocutoras. Nesse evento, a

professora-formadora, informante deste estudo, fala para alguém que, do ponto de vista

institucional, também representa o papel social de professora-formadora, sendo, portanto, sua

colega. Ancorado pelo papel enunciativo de entrevistadora, descortina-se, na interação, outro

papel social desempenhado pelo sujeito interpretante, ou seja, o de pesquisadora. O lugar

social do qual a pesquisadora se enuncia e a finalidade de seus atos de linguagem, ou seja,

coletar dados para uma pesquisa, tende, em grau maior ou menor, a direcionar a produção das

perguntas dirigidas a PF1. Nesse jogo interlocutivo, o discurso de PF1 passa a ser orientado

pelo movimento estratégico de um enunciador que procura regular seus modos de dizer em

conformidade com a identidade social da entrevistadora. Dito de outra maneira, os saberes e

posicionamentos identitários supostamente partilhados pelos interlocutores, parecem regular

os modos de dizer desses sujeitos, o que reforça a hipótese de que a identidade do professor-

formador do NAL/SMED é (re)construída nos eventos imbricados na rede de atividades

profissionais.

Para ilustrar o que se afirma até agora, passemos à análise de alguns trechos da

entrevista em foco, procurando flagrar e explicar; i) os processos de produção e interpretação

do evento discursivo, na perspectiva semiolinguística de Charaudeau; ii) os posicionamentos

identitários assumidos pela professora-formadora no curso da interação; iii) as estratégias

discursivas implicadas na (re)construção desses posicionamentos. Iniciemos pelo seguinte

trecho:

(1) PF1: eu me formei em Psicologia na... Universidade Federal né? de Minas Gerais... e:: ao longo do cu::rso... já no:: ... terceiro período... eu comecei a trabalhar na creche da FAFI::CH que atendia as crianças né? filhos de funcionários... de professores e:: tinha uma filosofia de trabalho... já mais construtiva... baseado na Madalena Fre::ire... então ali eu tenho os meus primórdios de:: de um trabalho mais alternati::vo... mais inclusi::vo... é:: ... tive também experiência como estagiária em postos de saúde e também na Psicologia Social... acho que isso me deu também um olhar né? mais... aguçado em relação às realidades sociais... mas COmo material teórico.. a minha formação sempre esteve voltada mais para a psicanálise né? durante o curso... tanto é que eu até deixei de fazer algumas matérias... é:: relacionadas a Piage::t e à Psicologia da Educação porque na época eu não tinha... é:: eu não tinha muito determinado qual seria meu campo de atuação mas o meu dese::jo seria ser analista... né? ser psicanalista e fiz... já no curso assim eu já

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comecei a fazer grupos de estudos paralelos que a gente tinha orientador em psicanálise mas a minha prática era eu trabalhava na creche... então eu era professora e era uma professora eu adorava o que eu fazia mas de certa forma a minha prática e a minha formação teórica estavam um pouco distanciadas... [...]

Ao produzir um relato sobre sua vida acadêmica e profissional, conforme lhe foi

pedido, o sujeito comunicante (PF1), marca sua posição no discurso, procurando legitimar o

lugar de onde fala, o que ocorre em todo o excerto em foco, principalmente nos trechos em

negrito. No papel enunciativo de entrevistada, que precisa construir uma imagem de si que

atenda aos propósitos do sujeito interpretante (a entrevistadora), PF1 tende a investir na

construção de credibilidade em seu discurso. Isso se evidencia na posição de engajamento

assumida pelo sujeito comunicante, que repercute em sua escolha lexical e na opção por uma

modalidade avaliativa, como ocorre no trecho: “tinha uma filosofia de trabalho... já mais

construtiva... baseado na Madalena Fre::ire... então ali eu tenho os meus primórdios de:: de

um trabalho mais alternati::vo... mais inclusi::vo...” .

Relativamente às palavras utilizadas por PF1, no que tange a sua prática profissional e

formação acadêmica, no segmento em análise, note-se a preocupação do sujeito comunicante

com a construção de uma imagem alinhada com as concepções e saberes pedagógicos

supostamente partilhados pela comunidade de professores-formadores do NAL/SMED, como

mencionado em capítulos anteriores, tendo em vista o estatuto do sujeito destinatário

fabricado pelo sujeito comunicante. No tocante à construção do ethos do (pelo) sujeito

comunicante, pode-se dizer que a opção por termos como: construtiva, Madalena Freire,

alternativo e inclusivo parece alicerçar a tomada de posição do sujeito enunciador em relação

ao objeto do dizer.

O mesmo movimento de construção de uma imagem de si condizente com as

concepções político-pedagógicas difundidas pelos professores-formadores do NAL/SMED

pode ser verificado também no trecho a seguir: “tive também experiência como estagiária em

postos de saúde e também na Psicologia Social... acho que isso me deu também um olhar né?

mais... aguçado em relação às realidades sociais...” . Nesse excerto, emerge um enunciador

que, ao mesmo tempo em que continua legitimando o lugar social de onde fala (professora

com experiência em Psicologia), tenta imprimir credibilidade a seu ato de linguagem, ao

modalizar avaliativamente o que diz, no trecho: “acho que isso me deu também um olhar né?

mais aguçado em relação às realidades sociais”.

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No que tange ao (re)alinhamento de posições identitárias, no evento discursivo em

foco, ressalte-se a emergência de múltiplos saberes que ecoam nas vozes dos enunciadores

emergentes na cena enunciativa. Na perspectiva de Silva e Matencio (2005), nesse caso,

ocorre o que se denomina figuração dos sujeitos enunciadores, movimento através do qual

emergem, no curso da interação, diferentes “eus”, variados pontos de vista. Nesse

gerenciamento de vozes enunciativas, percebem-se movimentos de subjetivação de um

enunciador que reflete sobre sua condição ou lugar em determinadas esferas sociais. No

trecho em foco, PF1 legitima seu lugar discursivo por meio de saberes no âmbito de diversas

disciplinas e pelo recurso da referência a autores no campo de disciplinas pedagógicas. A

assunção de diversos posicionamentos caracterizados por uma voz que narra sua trajetória

profissional e por outra que reflete sobre sua constituição identitária é balizada pelas posições

identitárias de psicóloga e professora, que tendem a regular os modos de dizer de PF1.

Retomando o capítulo 4, seção 4.6, que discorre sobre os saberes no âmbito da

docência e da gestão pedagógica mobilizados pelos professores-formadores, nas redes de

atividades das esferas nas quais circulam, à luz de Tardif (2010) e Libâneo (2008), passo a

analisar, agora, os movimentos de ambivalência de PF1, flagrados na composicionalidade da

narrativa, no que tange à identidade de professora-formadora do NAL/SMED.

A partir do momento em que PF1 passa a discorrer sobre o que considera ser

professora-formadora e sua prática como tal, observa-se um movimentos interdiscursivo

marcado por vozes ambivalentes, que tendem a se identificar mais com o espaço da docência

do que com a gestão propriamente dita. A esse respeito, considere o trecho abaixo:

(9) PF1 “[...] em relação à formação ela me dá uma condição é:: mais segura na medida em que o foco é a alfabetização e o letramento... né? duas áreas nas quais... eu me aprofundei e eu tive uma prática é:: razoável e:: tanto em termos quantitativos quanto em termos qualitativos... então esse lugar ele/ ele me traz uma/uma certa segura::nça... e... na medida em que eu tenho o apoio também de uma acompanhante que é da Regional e ela faz a leitura política e ela:: interfere nas questões de gestão junto comigo”. [...]

Reconhece-se, no excerto em foco, um enunciador que se retrata como um sujeito

legitimado a representar o papel social de professor-formador do NAL/SMED, trazendo em

cena saberes teóricos e práticos acerca da alfabetização e do letramento, que supõe dominar,

como se evidencia nos trechos destacados. A assunção do posicionamento de formadora vai

sendo construído, enunciativamente, à medida que o sujeito comunicante tenta imprimir

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credibilidade àquilo que diz, procurando engajar-se no ato de linguagem que postula, através

de uma modalidade avaliativa, presente nos termos e passagens a seguir: “mais segura”,

“ razoável”, “ tanto em termos quantitativos quanto em termos qualitativos”, “ uma certa

segurança”.

Nessa linha de discussão, como se pode verificar, o sujeito constrói enunciativamente

o posicionamento de alguém que coordena a formação em serviço de um grupo de professoras

da RME/BH e que, supostamente, se vê legitimada pela Regional, esfera social que também

se responsabiliza por acompanhar as escolas da RME/BH. Relativamente ao trecho em que

PF1 refere-se a essa esfera, percebe-se a antecipação do posicionamento identitário da

professora-formadora em relação ao papel social que desempenha na esfera escolar,

evidenciado na seguinte passagem: “e... na medida em que tenho o apoio também de uma

acompanhante que é da Regional e ela faz a leitura política e ela:: interfere nas questões de

gestão junto comigo”. A suposta insegurança de PF1 em assumir, na esfera escolar, o papel

social de gestora, presumível pelas injunções institucionais da SMED, (re)vela-se mediante a

seleção de itens lexicais, aqui em negrito, e parece evidenciar-se no trecho a seguir:

(10) Pesq.: você relatou sua prática como professora formadora em dois mil e oito... em algumas escolas... mas se você tivesse que defiNIR esse papel de professor-formador como você o definiria... sucintamente o que é ser professor-formador para você? Como é estar nesse papel? (11) PF1: nós não somos apenas formadoras mas nós somos também monitoras de dados e lidamos com as questões de gestão com os problemas da escola em geral uma vez que nós não temos mais as acompanhantes da Regional é:: trabalhando junto conosco então NÓS somos responsáveis pela escola como um todo... nesse sentido eu tive:: MUItos/ MUItos desafios e muitos problemas ao longo do processo... porque eu tenho que lidar com questões de gestão o tempo inteiro seja desde a no::va reorganização de tempos e espaços... desde a definição de que os horários né? que projetos específicos eles vão ser todos concentrados para o reforço escolar... o levantamento da professora de perfil ((para atender alunos do Projeto de Intervenção Pedagógica)) .. tudo isso implica em questões políticas... né? na hora que você estrutura um PAP né? que é um projeto de ação pedagógica você lida com questões políticas... no dia a dia da escola nós lidamos com questões políticas... então além da formação que é claro ela tem um caráter é:: político-pedagógico mas esse lado político se amplia e:: e nesse sentido eu fico muito muito muito muito angustiada por/ e reconheço que não tenho perfil... para... tá sendo assim a/ a duras penas que eu tenho desenvolvido o trabalho... acho que:: devo continuar até o final do ano... que:: essa inte/ interrupção seria prejudicial à esco::la no momento... por mais que eu tenha

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dificuldades de lidar com/ com essas questões genéricas mas eu acho que:: um pouquinho vai sendo costurado no dia a dia e a gente dá assim passos pra frente e volta três mas depois dá mais do::is... então é:/ é: HÁ um deslocamento

Nessa sequência discursiva, observa-se a interferência da pesquisadora (sujeito

interpretante) que entra em cena ao perceber que o sujeito comunicante, em seu relato, não

havia discorrido, ainda, sobre o que é ser professora-formadora, noção cara a este estudo. Ao

responder à pergunta, o sujeito comunicante constrói vários enunciadores que se revelam nas

vozes por vezes dissonantes que o ato de linguagem do segmento (11) deixa entrever. O “eu”

construído na cena aciona diversos enunciadores que assumem posições identitárias distintas

no que tange às práticas discursivas da comunidade de professores-formadores, a saber: um

enunciador que fala do lugar de professor-formador, de monitor de dados, de gestor, mas, ao

mesmo tempo, procura traduzir, na (e pela) figuração dos sujeitos enunciadores, a inquietação

produzida pela dificuldade de assumir determinado papel na esfera escolar.

No movimento de (re)construção identitária empreendido pelos enunciadores postos

em cena verifica-se um jogo interlocutivo no qual

“focalizam-se as remissões às pessoas do discurso como estratégias pelas quais, no jogo de projeção de imagens de enunciadores, aquele que enuncia delimita seu espaço de atuação (e também o do seu interlocutor e o das vozes que agencia) e procura construir um ambiente propício para a produção de determinados efeitos de sentido”. (SILVA & MATENCIO, 2005, p. 254).

Em conformidade com o que postulam as autoras sobre a construção de efeitos de

sentido decorrentes da remissão às pessoas do discurso como estratégias de

(re)posicionamento identitário, passo a descrever como ocorre o jogo de imagens na

sequência em foco. Como já assinalado, a identidade de um sujeito é entendida aqui como

uma construção social e histórica, fundada em movimentos dialógicos e intersubjetivos. Com

base nessa acepção, afirma-se que os movimentos de inclusão e exclusão do outro, deixados à

mostra na materialidade linguística do evento discursivo, através das remissões às pessoas do

discurso, parecem trazer à baila o caráter plástico, fragmentado e multifacetado da identidade

de PF1, na cena enunciativa.

Relativamente ao movimento remissivo ao qual se refere, é possível identificar três

momentos distintos, a saber: i) a exclusão do outro, na figuração do “eu”, ii) a inclusão do

outro por meio do “nós” e iii) o distanciamento do enunciador em relação ao objeto do dizer

pelo uso genérico de “você”. O primeiro movimento verifica-se na emergência de um

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enunciador que reflete sobre suas atividades e ações, na esfera escolar, questionando a

identidade de gestora. Os trechos em que o “eu” aparece no segmento (11) são marcados por

uma seleção lexical que parece traduzir a fragilidade da identidade de gestora, como pode ser

demonstrado pelos termos: desafios, problemas, angustiada, dificuldades e a duras penas.

Merece destaque, ainda, a modalidade injuntiva empregada por PF1 para se referir a uma

injunção presumível pelo papel institucionalizado que ocupa, como demonstrado a seguir: “eu

tenho que lidar com questões de gestão o tempo inteiro”. Por fim, a desconstrução do

posicionamento de gestora torna-se mais evidente em: “reconheço que não tenho perfil”. No

entanto, observa-se, a seguir, a tentativa de reconstrução desse posicionamento em: “eu acho

que um pouquinho vai sendo costurado no dia a dia”.

Essa ambivalência de posicionamentos, costurada na figuração do eu, não parece

ocorrer quando o “nós” é posto em cena, ou seja, o segundo movimento do qual se fala. No

movimento de inclusão do outro na cena enunciativa, observa-se o apagamento do “eu” que se

retrata como alguém que não está apto a desempenhar o papel de gestora. Isso pode ser

explicado pelo fato de, nesses momentos, PF1 se ater ao papel do professor-formador inscrito

em uma comunidade, em uma equipe de formadores, dizendo o que diz em nome de um

grupo, o que não parece autorizá-la a falar sobre sua individualidade de professora-formadora.

Nesse sentido, PF1 parece trazer esse enunciador para legitimar o que diz, por meio da

descrição de ações do professor-formador localizadas no âmbito da gestão, como ocorre nos

trechos: “nós somos também monitoras de dados”, “ lidamos com as questões de gestão”, “ nós

somos responsáveis pela escola como um todo”, “ nós lidamos com questões políticas”.

Já o distanciamento em relação àquilo que se diz pode ser notado nos dois momentos

em que PF1 utiliza o pronome você, empregado genericamente, como pode ser verificado no

trecho: “na hora que você estrutura um PAP né? que é um projeto de ação pedagógica você

lida com questões políticas”. Ao optar pelo uso desse pronome, de maneira genérica, a

professora-formadora não se dirige especificamente à interlocutora (pesquisadora), pois

descreve uma ação que pode ser realizada por qualquer pessoa que se inscreva na comunidade

de professores-formadores do NAL/SMED. No entanto, ao exemplificar uma ação

desenvolvida na esfera escolar, recorrendo a uma estratégia interativa, assinalada por meio do

operador interativo né, PF1 parece tentar envolver o sujeito interpretante (entrevistadora) na

cena enunciativa. Pode-se dizer que o sujeito comunicante projeta, no ato de linguagem em

foco, a imagem do sujeito destinatário, que acredita ser coincidente com a do sujeito

interpretante (entrevistadora) e que, supostamente, partilha os saberes institucionais em

questão.

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Para concluir esta análise, trago um trecho em que o posicionamento identitário de

professora é colocado em cena por um enunciador que utiliza sua memória discursiva para

relatar ações e atividades desempenhadas por PF1, na esfera escolar, no desempenho do papel

institucionalizado de professora de uma escola da RME/BH. Por fim, o uso do termo “estada”

para se referir à experiência como gestora, no âmbito escolar, parece justificar a posição da

professora-formadora no segmento (11). Ao reforçar o tempo dedicado ao papel de

professora, em detrimento da atuação como coordenadora, PF1 parece justificar sua

dificuldade com o que denomina “questões de gestão”, o que se torna evidente nos trechos

destacados:

(7) PF1: em esCOla eu fui nesses catorze anos e meio professora... co::m ... apenas um ano de estada na coordenação né? ao longo do:: de todo o tempo eu fiquei em sala de aula pegando aí desde alunos de cinco anos até mais ou menos cinquenta na EJA com uma passagem bem rapidinha no terceiro ciclo como professora de Artes [...]

Retomando Silva (2010), a identidade discursiva de PF1 (re)constrói-se, ao longo de

todo o evento discursivo em foco, em meio às remissões que PF2 faz às pessoas do discurso,

além do uso de expressões afetivas, valorativas, modalizadoras e interpretativas. Dando

prosseguimento a essa discussão, passa-se agora à análise do evento discursivo, denominado

texto IV, orientando-se pelo mesmo instrumental teórico e metodológico utilizado na seção

6.5.

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151

6.6. Análise do texto IV

Gênero: entrevista

Sujeitos envolvidos: pesquisadora e PF2

Número de partícipes: 02

Esfera social: SMED

Período: agosto/2009

Tempo de duração da gravação: 22 min 12 s

Objetos de discussão: experiência profissional, trabalho realizado na SMED, o que é ser

professora-formadora.

Objetivo: Oferecer condições para que a entrevistada possa refletir sobre si mesma, sua

subjetividade e seus saberes profissionais, na tentativa de flagrar os diversos

posicionamentos identitários assumidos por uma professora-formadora do NAL/SMED.

Assim como o texto III, esse evento discursivo apresenta-se como um relato,

mas diferencia-se do anterior, quanto ao formato, por ser constituído de apenas um segmento,

uma vez que demandou-se nenhuma interferência da parte da pesquisadora durante a

interação.

Ainda com base na composicionalidade do gênero entrevista, como já mencionado, o

modo como se deu a produção desse evento discursivo facilitou a ocorrência da

intergenericidade. Nessa perspectiva, atendendo aos própositos do gênero relato, engendrado

na entrevista, num movimento interdiscursivo, o sujeito comunicante tende a organizar seu

discurso, segundo Charaudeau (2008), conforme a relação que estabelece com o interlocutor,

pressuposta, em larga medida, pela composicionalidade do gênero em questão. Dessa

maneira, em um relato, como já assinalado, o sujeito pode deixar transparecer seu ponto de

vista sobre o mundo, assumindo um comportamento elocutivo.

Como parte do movimento interdiscursivo, percebe-se, ainda, a emergência de alguns

depoimentos. Guiada pelas perguntas da entrevistadora, que requerem/pressupõem tomada de

posição por parte de quem responde, a locutora, em alguns trechos, produz depoimentos,

como ocorre nos momentos em que precisa discorrer sobre o que é ser professora-formadora,

por exemplo.

Na abertura do evento, retomando Pinheiro (2004), já se observa a emergência de um

enunciador que, ao se posicionar, posiciona o outro, no caso o sujeito interpretante. Isso tende

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a ocorrer porque “o relacionamento social comum é montado tal como uma cena teatral,

resultado da troca de ações, oposições e respostas conclusivas dramaticamente distendidas.”

(GOFFMAN, 2009, p. 71). À luz do que preconiza o autor, vejamos como PF2 toma a

palavra, ao iniciar o relato sobre sua vida profissional:

(1) PF2: meu nome? pode começar assim né? então vou falar... é::: eu sou D. né? trabalho na SMED e::: eu comecei na educação já tem muitos anos... sou professora ALfabetizadora... esse nome ele é dado agora antigamente a gente não falava isso a gente falava professora primária né? eu fiz Pedagogia... e:: na época eu optei por Pedagogia por já trabalhar na esco::la... a vida inteira eu tive essa história de ser professora... comecei a dar aula com catorze anos... é:: dando aula de inglês e aí isso foi me seduzindo eu fui é:: mudando passando pra:: professora de área depois pedagoga né? superviso::ra é:: orientadora e aí minha trajetória profissional é basicamente essa fiz concurso da Prefeitura e tô nela até hoje né? o curso que eu tenho é Pedagogia né? especialização nisso naquilo da alfabetização é:: uma série de outras mas o curso a graduação que eu tenho é Pedagogia e::: desde então né? eu venho desenvolvendo das coisas que eu aprendi da Pedagogia numa época que eu pessoalmente acho que foi o boom da pedagogia né? Paulo Fre::ire Darcy Ribeiro né? estavam todos aí né? e a gente:: eu era aluna nessa época então eu peguei esses professores como meus professores né? não foram de fato mas foram né::: os autores dos livros que eu lia e que eu me identificava com eles... [...]

Na relação que se estabelece entre as interlocutoras, a voz que diz: “pode começar

assim né?” parece ser a de um enunciador que procura construir, na (e pela) interação, o papel

que representa no evento discursivo, o que determina os modos de dizer da locutora. E assim

age motivada, talvez, pelo fato de não ter recebido orientações a respeito de como iniciar o

relato, a partir das perguntas propostas pela entrevistadora, o que a faz interagir com o sujeito

interpretante, buscando adesão ao ato de fala proposto.

Tal como ocorre com PF1, no texto III, observa-se, no início do evento em foco, por

parte da locutora (sujeito comunicante) a tentativa de legitimação do lugar de onde fala, na

mobilização de saberes teóricos e práticos no campo da educação. Investida do papel social de

professora-formadora do NAL/SMED, PF2 parece marcar sua posição no discurso por um

movimento polifônico atravessado por vozes que representam os pontos de vista de uma

professora que acumulou saberes docentes em decorrência da prática profissional e da

formação continuada e de alguém que já ocupou os cargos de supervisora pedagógica e

orientadora educacional, legitimada pela formação em Pedagogia. Ainda como manobra de

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gerenciamento de vozes, identifica-se uma narradora que, por meio da citação, coloca em

cena a voz do outro e interage com ela, recuperando, através da memória, as imagens de aluna

e leitora. (Cf. Silva, 2010).

Em outro excerto, PF2 apela, mais uma vez, para o gerenciamento de vozes

enunciativas, ao falar sobre o que considera ser uma formadora. Quanto à figuração de vozes

enunciativas e às posições identitárias assumidas pela professora-formadora, no âmbito da

docência e da gestão, pode-se chamar a atenção para a maneira como ela inclui e exclui o

outro, na construção do objeto de discurso. Ao optar por tal expediente, relativamente às

pessoas do discurso, PF2 recorre aos três movimentos remissivos apontados na seção anterior,

assim como ocorre com PF1. Eis o trecho que ilustra tais movimentos:

(1) PF2: [...] nós não somos formadores na verdade nós somos Elos né? a gente vê uma coisa dando certo aqui né? propõe prum outro local ali que muitas vezes pode dar certo às vezes não e aí a experiência vai trazendo pra gente olha naquele lugar deu certo e pode não dar mas na/ na grande maioria dá né? e ocê vê o trabalho fluindo cê lê muito e começa a perceber né::? as coisas acontecerem né? e os meninos avançando pedagogicamente né? de uma certa forma ocê pode tá dizendo isso pra outra é ser quase que um microfone sabe? quando ocê é formadora ocê é um microfone né? ocê pega uma coisa que é loca::l e traduz isso pro/ pro/ pruma quantidade maior pra mais pessoas então ocê faz uma uma formação peque::na quando eu entrei pro Núcleo de Alfabetização era assim a gente ia pra escola e fazia formação pra DOIS professores né? para os professores que estavam com os alunos com dificuldade né? mesmo assim ocê é um microfone porque o que você tá levando pra esses professores é o que você é: leu de um livro ou viu numa palestra viu numa outra esco::la reconheceu no outro professor então é: são várias experiências e/ e/ é um conhecimento alargado por isso aquele professor que tá ali na sala muitas vezes e/ é na grande maioria e eu também quando estava na sala era assim ele tinha aquela visão local... né? então aqui amplia a visão e formador é ampliar a visão né? e:: procurar mostrar né? que existem outras possibilidades sim de enxergar de ouvir né? eu acho que é um pouco por aí né? [...]

Observa-se, nesse excerto, a emergência de um enunciador que inicia o relato pela

mobilização do outro, expressa pelo uso da primeira pessoa do plural (nós). Ao tecer

considerações sobre o trabalho de professora-formadora, enuncia-se em nome da comunidade

de professores-formadores do NAL/SMED, na tentativa, talvez, de legitimar,

discursivamente, o lugar social conferido pelo papel institucionalizado que representa. Como

a interlocutora, na figura da pesquisadora, também faz parte dessa comunidade, uma provável

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tentativa de validação da relação contratual pode determinar, nesse momento, que o sujeito

comunicante tente envolver o destinatário no ato de linguagem que propõe.

Nessa figuração de vozes, parece ocorrer a dispersão de um “eu” que se funde no

pronome “nós”, na expressão “a gente” e no pronome “você”, utilizado genericamente. A

remissão à primeira pessoa do singular (eu), no trecho em foco, ocorre quando o sujeito

comunicante, apelando para a memória, representa, discursivamente, pelo relato, os lugares

sociais presumíveis pelas esferas de atuação profissional e na ocasião em que tenta alinhavar

o que é dito, acionando um enunciador que expressa sua opinião e, ao mesmo tempo, tenta

estabelecer contato com a interlocutora, por meio do operador interativo “né”.

Por fim, merece destaque o uso enfático do pronome “você”, utilizado, como dito, de

modo genérico, para se referir, ao que parece, a qualquer professor-formador, tentando

envolver, mais uma vez, o sujeito interpretante na encenação discursiva. Presume-se, desse

modo, que o gerenciamento de vozes, tal como ocorre no excerto em análise, pode ser

explicado como um dos mecanismos utilizados pelo sujeito comunicante, na tentativa de

captar a atenção do destinatário, ligando-se ao posicionamento de PF2 em relação à

interlocutora e ao objeto de discurso

Saliente-se que o efeito de sentido que se pretende com o jogo de captação advém,

ainda, dos modos de dizer do sujeito comunicante, reflexos de uma atitude de dramatização,

que se vale de metáforas (“nós somos Elos né”? / “quando ocê é formadora ocê é um

microfone né?”) e comparações (de uma certa forma ocê pode tá dizendo isso pra outra é ser

quase que um microfone sabe?/ e eu também quando estava na sala era assim). Faz parte da

estratégia de captação o emprego de uma linguagem figurada, de uma modalidade apreciativa,

que deixam descobertas as crenças e opiniões do sujeito comunicante, pois, afinal, o que se

pretende com esse jogo é fazer com que o destinatário possa se sentir tomado por aquilo que

se diz, participando, enunciativamente, como “testemunha da apreciação do locutor”.

(CHARAUDEAU, 2008, p. 93).

Para coroar o jogo de captação, o sujeito comunicante parece investir também na

construção de credibilidade em relação àquilo que diz, investindo na atitude de engajamento,

evidenciada, principalmente, pela modalidade apreciativa empregada nos seguintes trechos:

“a gente vê uma coisa dando certo aqui né?”, “ocê vê o trabalho fluindo”, “ os meninos

avançando”. O que parece justificar a ocorrência dessas estratégias, segundo a hipótese deste

trabalho, é a construção de posicionamentos identitários que tendem a reforçar, a legitimar o

pertencimento de PF2 à comunidade de professores-formadores do NAL/SMED.

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No que se refere aos posicionamentos identitários assumidos por PF2, importa

reafirmar que são concebidos, neste trabalho, como pressupostos pelos papéis

institucionalizados e ocasionais que a professora-formadora representa e são

gerados/atualizados nas diversas interações das quais participa, nas esferas de atuação

profissional, o que Vion (2000) denomina relações de papéis.

Sobre isso, afirma-se que PF2 tende a representar o papel institucionalizado de

professora-formadora, e posiciona-se, discursivamente, com base na assunção das identidades

sociais de professora e gestora, como já mencionado nesta análise. Vejamos outro trecho onde

ocorre o agenciamento de posicionamentos identitários por parte de PF2:

(1) PF2: [...] aí em dois mil e quatro quando eu vim pra cá né? a Secretaria que: tinha essa formação local ela se transformou num/ numa formação gigantesca né? logo depois do ano seguinte dois mil e sete dois mil e seis né? isso passou a ser uma formação pra TOdos os professores da::/ de primeiro ciclo da Rede Municipal isso fo::i desgastante e nesse momento eu não fazia a linha de frente na formação eu fazia a/ a coordenação a administração né? dessa/ dessa ação era uma ação muito gra::nde e além disso a gente ainda tinha é:: outras ações né? perpassando pelas/ pelas tangentes que era o FNDE que era uma outra formação que vinha pelo governo federal né? o próprio Além das Letras o projeto Criança então várias outras ações e ali eu junto com V. ((ex coordenadora do NAL/SMED)) né? administrávamos coordenávamos essa/ todas as ações do Núcleo de Alfabetização nesse momento eu não tava na linha de frente na formação mas foi um/ um/ uma experiência é... de muito valor pra mim né? Essa experiência me deu mais/ um alcance ainda maior do que o alcance da formadora né? a formadora eu acho que ela já tem um/ um público gra::nde ela já tem outra visão a gente sai da escola né? a gente vê que num são daquela forma tão né::: mínimas não é nem mínimas nem pequenas né... locais mas quando a gente vai pra uma COordenação de uma Secretaria no::ssa () a amplitude é muito maior e cada vez é né? cada vez que ocê:: / que ocê sobe ocê amplia o seu espaço ocê amplia a sua visão ocê amplia seus conhecimentos...

Assim como no excerto anterior, podem ser observados, no trecho em análise, os três

movimentos de remisão às pessoas do discurso, com destaque, desta vez, para o uso da

primeira pessoa do singular, que se refere a um “eu mesmo”, ou seja, à objetivação daquele

que se enuncia. (Cf. Silva & Matencio, 2005).

Despontam-se, no relato de PF2, movimentos de subjetividade, construídos pelo

enunciador que reflete sobre as ações e atividades desempenhadas na SMED. Ao agir dessa

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maneira, PF2 vai construindo, enunciativamente, outro posicionamento, delimitado por um

“eu” que fala de outro lugar que desempenhou no NAL/SMED, nos anos de 2006 e 2007: o de

coordenadora.

A representação discursiva desse lugar ocorre em meio ao movimento de um

enunciador que tenta legitimá-lo pela mobilização de saberes e/ou injunções institucionais no

âmbito da gestão, como pode ser comprovado pelas passagens a seguir: “fazia a/ a

coordenação a administração né?”, “administrávamos coordenávamos essa/ todas as ações

do Núcleo de Alfabetização”, “ quando a gente vai pra uma COordenação de uma

Secretaria”, “o FNDE que era uma outra formação que vinha pelo governo federal né? o

próprio Além das Letras o projeto Criança então várias outras ações”. Ressalte-se o efeito de

sentido provocado pela entoação enfática da primeira sílaba da palavra COordenação, o que

parece evidenciar o valor que PF2 tenta imprimir a esse papel social.

Alinhada à estratégia de legitimação do papel de coordenadora do NAL/SMED,

encontra-se a tentativa, por parte do sujeito comunicante, de construir credibilidade àquilo que

diz. Para tanto, opta por uma modalidade apreciativa, marcada pela exaltação da atividade que

descreve, como se observa por meio dos recursos linguísticos em destaque nos trechos: “era

uma ação muito gra::nde”, “ foi um/um/uma experiência é... de muito valor pra mim né?,

“Essa experiência me deu mais/ um alcance maior do que o alcance da formadora né?”, “a

amplitude é muito maior”, “cada vez que ocê::/ que ocê sobe ocê amplia o seu espaço ocê

amplia a sua visão ocê amplia seus conhecimentos”.

Ainda com base no segmento em análise, note-se a tentativa do sujeito comunicante de

captar o sujeito destinatário para aquilo que diz, ao investir na entoação enfática (gra::nde,

né:::, COordenação), no operador interativo né e na repetição de itens lexicais (amplia). Na

tentativa de explicar o uso da estratégia de captação no trecho em foco, retomo Charaudeau

(2008) para quem a opção por tal expediente se justifica quando o sujeito comunicante não

está numa posição de autoridade em relação ao sujeito interpretante, tal como parece ocorrer

nesse evento discursivo, uma vez que as interlocutoras desempenham o mesmo papel

institucionalizado de professora-formadora do NAL/SMED.

Em suma, os movimentos estratégicos de PF2 relacionam-se à tomada de posição de

um sujeito que negocia, no curso da interação, diversos posicionamentos identitários. Ao

longo do evento discursivo em análise, note-se que sobressai a voz de uma gestora, que tenta

se legitimar por meio do relato de experiências nesse campo, nas duas esferas de atuação

profissional. À medida que um posicionamento vai se consolidando no evento, como o de

gestora, outros são mascarados, o que parece ocorrer com os posicionamentos de professora e

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de formadora. Em suma, a identidade dos sujeitos é constituída “de uma falta de inteireza que

é “preenchida” a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser

vistos por outros. (HALL, 2006, p. 39, ênfase do autor).

6.7. Considerações sobre as análises

Após o trabalho de análise do corpus deste estudo, pode-se afirmar que os movimentos

estratégicos de PF1 e PF2, que gerenciam diversas vozes no discurso, confirmam a hipótese

de que a identidade do professor-formador do NAL/SMED é uma construção discursiva

resultante de um empreendimento social88.

Reitera-se que os posicionamentos identitários assumidos pelos professores-

formadores do NAL/SMED dependem das condições em que seus discursos são produzidos e

interpretados. Dito de outra maneira, os modos de dizer presumíveis pelas esferas sociais onde

circulam (SMED e escolas da RME/BH) são marcados por formações discursivas ora

equivalentes, ora contrastantes, conforme demonstrado ao longo deste trabalho e cabe ao

professor-formador gerenciar essas maneiras de dizer, conformando-os às expectativas dos

sujeitos com os quais interage, a fim de que possa ser estabelecido e/ou mantido um contrato

de comunicação com os partícipes da interação. Nesse sentido, nas palavras de Silva &

Matencio (2005, p. 253), “a construção da identidade é concebida como uma atividade social

e discursiva, contextualmente situada, em que os sujeitos assumem papéis sociais, por meio

dos quais emergem e constituem um posicionamento identitário.”

88 Cf. o capítulo 1, seção 1.2.

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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na tentativa de compreender a constituição discursiva do professor-formador do

NAL/SMED, nos eventos interacionais implicados nas esferas de atuação profissional, este

estudo, de caráter interdisciplinar, buscou as contribuições da Análise do Discurso, sobretudo,

da Semiolinguística de Charaudeau, procurando relacioná-las, sempre que possível, a estudos

interacionistas, no âmbito da Psicologia Social e da Sociologia.

A escolha dessa linha de pesquisa orienta-se pela concepção de discurso como prática

social, ou seja, a produção de sentido por meio da linguagem pressupõe a existência de

condições que possibilitem sua produção, circulação e recepção, num processo dialógico e

dialético no qual entram em cena os sujeitos que se constituem na (e pela) interação.

Retomando as palavras de Bakhtin/Volochinov, “a língua vive e evolui historicamente na

comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas da língua nem no

psiquismo individual dos falantes”. (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1992, p. 124).

Voltado para a premissa bakhtiniana, e em pleno diálogo com Charaudeau, este

trabalho buscou analisar as estratégias discursivas utilizadas pelos informantes da pesquisa,

que concorrem para deixar à mostra seus posicionamentos identitários, procurando

compreender os movimentos estratégicos de captação, credibilidade e legitimação, dentro do

quadro dos sujeitos da linguagem, preconizado por Charaudeau, os quais se configuram nos

circuitos externo (EUc e TUi) e interno (EUe e Tud) do ato de linguagem.

Como ocorre em todo evento discursivo, os partícipes se posicionam e,

consequentemente, posicionam o outro, num jogo de imagens que pode deixar à mostra

posicionamentos identitários condizentes ou não com a situação social em questão. Visto que

a finalidade de um ato de linguagem é o estabelecimento de uma relação contratual entre

locutor e interlocutor, em determinadas situações, faz-se necessário um certo alinhamento de

posições identitárias para que essa condição seja estabelecida e/ou mantida, na interação.

Ora, um ato de linguagem ocorre num espaço marcado por restrições, no qual as

imagens de si e do outro (re)construídas na interação, tendem a ser refletidas e refratadas, na

interseção entre os circuitos interno e externo desse ato. Tal ocorrência deve-se ao fato de a

imagem de destinatário (ser de fala) produzida pelo sujeito comunicante (ser social) nem

sempre coincidir com a do sujeito interpretante (ser social), o que pode justificar a

mobilização estratégica dos enunciadores (seres de fala) que todo ato de linguagem deixa

entrever, na perspectiva de Charaudeau (2008).

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Tomando por base esse quadro, investigar a (re)construção identitária dos professores-

formadores do NAL/SMED, por meio da utilização de estratégias discursivas, dentro do

enfoque enunciativo-discursivo, implica considerar as práticas discursivas desses profissionais

nas esferas de atuação (SMED e escolas da RME/BH), os papéis sociais e institucionalizados

dos sujeitos com os quais interagem (professores da RME/BH, gestores da SMED e das

escolas da Rede) e a construção dos objetos de discurso, concebendo-os como um conjunto de

fatores que podem dar origem e/ou sustentar uma relação assimétrica entre locutor e

interlocutor(es).

É claro que existem outros fatores que interferem na relação que se estabelece entre os

sujeitos numa situação social, dada a plasticidade de eventos como esses, como bem descreve

Goffman. Afinal, segundo o autor, “para descobrir inteiramente a natureza real da situação,

seria necessário que o indíviduo conhecesse todos os dados sociais importantes relativos aos

outros”. (GOFFMAN, 2009, p. 228). Por reconhecer a impossibilidade de tal tarefa, como

pesquisadora, e por saber que escolher analisar um ato de linguagem sob um aspecto significa

optar por deixar vários outros descobertos, deixo aqui um convite a novas possibilidades de

leitura e exploração do objeto que aqui se expõe.

Relativamente à relação do pesquisador com o objeto de estudo, como mencionado no

primeiro capítulo, optou-se por um enfoque etnográfico, não sendo, portanto, objetivo deste

trabalho quantificar a ocorrência de estratégias empregadas por esses sujeitos, nem proceder a

um estudo comparativo das práticas discursivas das duas informantes, procurando respeitar a

particularidade das relações de subjetivação e objetivação de cada uma, no evento discursivo

em foco, embora algumas analogias tenham sido feitas, na análise do gênero entrevista.

À luz desse cenário, procurando seguir os procedimentos metodológicos descritos,

tentei, ao longo deste estudo, responder às perguntas formuladas no capítulo 1, as quais

retomo, nestas considerações finais:

1) Que estratégias são mobilizadas pelos professores-formadores em suas práticas

discursivas que concorrem para deixar à mostra o(s) posicionamento(s) identitário(s)

assumido(s) por esses profissionais?

2) Como as estratégias discursivas contribuem para a (re)construção dos posicionamentos

identitários dos professores-formadores?

3) Como esses posicionamentos identitários se materializam nos eventos interacionais e,

por extensão, nas redes de atividades dos professores-formadores, tendo em vista as

condições de produção, circulação e recepção dos discursos desses profissionais?

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A hipótese que fez nascer essas perguntas, segundo a qual os professores-formadores

do NAL/SMED negociam seus posicionamentos identitários, no interior de seus discursos,

por meio da mobilização de estratégias discursivas, nas redes de atividades em que atuam, foi

se transformando em constatação, à medida que o trabalho analítico dos gêneros reunião

pedagógica e entrevista ia se desenvolvendo. E, nesse movimento, a opção por duas

informantes veio a confirmar que tais posicionamentos são gerenciados nos eventos

discursivos dos quais participam os professores-formadores do NAL/SMED,

independentemente de quais estratégias são utilizadas, de quem as utiliza e como as utiliza.

Essas variantes são importantes, sem dúvida, mas não interferem nos resultados da pesquisa,

pois, embora os posicionamentos identitários assumidos pelas informantes não sejam os

mesmos, haja vista a singularidade de cada sujeito que se enuncia, observou-se que as

identidades dessas informantes tende a ser (re)construída, continuamente, em meio a

movimentos estratégicos, nos eventos interacionais que ocorrem nas esferas de atuação

profissional.

Os resultados desta pesquisa evidenciam que os professores-formadores do

NAL/SMED negociam seus posicionamentos identitários, no curso dos eventos interacionais

imbricados nas redes de atividades das esferas de atuação profissional, posicionando-se ora

como gestores, ora como professores. Na interlocução com gestores (da SMED e das escolas

da RME/BH) e com os professores que participam das reuniões de formação, os professores-

formadores costumam mobilizar estratégias discursivas, compreendidas nos planos da

captação, da credibilidade e da legitimação, conforme os posicionamentos identitários

assumidos na cena enunciativa, as restrições impostas pelo ato de linguagem proposto e os

objetivos que determinam ou restringem a construção de uma relação contratual com os

interlocutores.

Com base nos resultados deste trabalho de pesquisa, retomando as perguntas que lhe

serviram de base, considero ter alcançado os objetivos propostos neste trabalho, no que tange

à descrição e análise das estratégias discursivas que concorrem para a assunção de

posicionamentos identitários por parte do professor-formador do NAL/SMED e à

investigação das práticas discursivas desses professores-formadores, engendradas na rede de

atividades profissionais, a fim de explicar tais posicionamentos.

Quanto ao terceiro objetivo: oferecer contribuições aos estudos voltados para o

processo de (re)construção identitária de professores-formadores, como mencionado, reitero

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que este trabalho tem limitações e lacunas, oferecendo, portanto, outras possibilidades

interlocutivas com o objeto de estudo.

Retomo aqui o exposto no primeiro capítulo quanto à possibilidade de que este

trabalho possa interessar aos gestores de secretarias de educação, servindo como material que

possibilite a reflexão sobre as práticas de formação em serviço oferecidas pelas redes públicas

de ensino, com foco na constituição identitária dos profissionais que coordenam e/ou

ministram esses eventos. Como professora-formadora, considero que, nesse campo, muitas

pesquisas e reflexões ainda precisam ser feitas, na tentativa de possibilitar, talvez, o

aperfeiçoamento dessas práticas de formação consoante o entendimento das especificidades

de tais situações sociais, no tocante aos papéis imputados aos sujeitos pelas instituições e à

maneira como ocorrem os movimentos de objetivação e subjetivação desses sujeitos na

assunção (ou não) desses papéis institucionalizados.

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ANEXOS ANEXO – 1 – TEXTO I Reunião de PF1 com vice-diretora (VD) e professoras de uma escola da RME/BH (P1, P2, P3), ocorrida em dezembro de 2008.

(1) PF1: Avalia BH... cês tão... sabendo direitinho né? é uma prova que foi encomendada da Fundação Getúlio Vargas... a Prefeitura né? que fez a encomenda nós até agora não conhecemos a matriz... o que a gente chama de matriz... a lista de capacidades né? que estão sendo avaliadas nesta prova mas nós imaginamos que não va:i ser MUIto diferente né? das capacidades colocadas aí né? no... na Coleção Instrume::ntos... nas Proposições Curricula::res... é:: a Provinha Brasil também tem uma referência num material né? do CEA::LE. (2) P2: (então) eles vão fazer DUas provas assim no dia quatro? PF1: uma um dia... não uma dia três e uma dia quatro (3) P2: e a Prova Brasil? (4) PF1: a Provinha Brasil...é:: a escola vai aplicar SE quiser tá? ... pros meninos de oito anos... a gente até conversou um pouquinho sobre isso... bom... sexta-feira passada nós não sentamos porque... tinham poucas professoras... não foi? (5) P2: nós não sentamos (6) P3: porque ... não tinha ninguém (7) P2: foi (8) PF1: então... vocês já tinham conversado um pouquinho com a E. sobre os casos de retenção... ela nos passou... aí eu ela e D. ((gerente da Regional Centro-sul)) a gente analisou... a gente viu que procedia né? ((coordenadora pedagógica)) então... beleza... aí não deu pra conversar com vocês... agora... eu não sei o que vocês definiram? vão ser TOdos os alunos de oito anos que vão fazer Provinha Brasil ou aqueles com mais dificuldade? Ocês chegaram a algum acordo? (9) P2: ah... eu prefiro que sejam todos ((vozes)) eu quero ver... eu quero ver... tá? a/ como a capacidade deles pra ver se a (10) PF1: e a Provinha Brasil vocês tem acesso à... à prova... então... dá pra né? fazer uma análise de como eles foram lá no início e de como eles estão agora... o Avalia (11) P2: sim... mas a Prova Brasil é dia quatro PF1: não... a Provinha Brasil não tem data marcada (12) P: ((inaudível)) (13) P3: não... ela ((a coordenadora pedagógica)) marcou (14) PF1: não... ela tinha marcado o dia quatro para os meninos de SEte anos... só que agora já mudou também... a Provinha Brasil pros meninos de sete anos vai ser na segunda-feira... então... se vocês quiserem também aplicar na segunda vocês podem... só que aí tem que providenciar o xero::x porque ...GENte... TERça ocês num tão lá... tem (15) Profs: ((vozes)) aquele negócio do querubins? (16) Profs: tem (17) P2: eu prefiro... eu prefiro então... eu quero aplicar então... eu vou preferir depois do feriado L. ((professora))

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(18) PF1: também... dia nove... porque voCÊS de oito anos ((professoras de alunos de oito anos)) (19) P3: dia nove é ( ) (20) P2: dia nove eu () com a cabeça lá:: () (21) PF1: deixa eu explicar uma coisa... só retomando aqui gente... Provinha Brasil aplica na turma de oito anos só se a professora... se a escola fizer a opção... aí tem que providenciar o xerox porque não vem em número para os meninos de oito anos... vocês não TEM que aplicar no mesmo dia das professoras de se:te (21) P3: mas nós já () não (vamo) fazer uma prova quarta? três e quatro? (23) PF1: mas ela tá falando que ela quer... ela quer também a Provinha Brasil... né? então... caso ela queira... tem que agendar isso direitinho (24) P2: mas vo/ mas ocê(s) não precisa (25) PF1: e voCÊ também... você NÃO vai ter que lançar (26) P3: pois é... se ela quiser (27) PF1: você não TEM que lançar esses dados na internet... isso não vai pro GAPED... os DAdos de oito anos... é uma coisa que vai ficar... na escola... se você acha importante comparar né? os meninos na performance deles no início do ano e (28) P3: na minha outra escola em contagem eles fizeram essa prova () agora... é legal... porque olha aqui... a Avalia BH não tem questões de apropriação do sistema de escrita...são só questões de leitura... e a Provinha Brasil tem... então vocês vão ter mais... por exemplo... aqueles meninos que têm mais dificuldade... eles podem tá contemplados nessas questões iniciais da Provinha Brasil porque no Avalia BH tem mais ou menos o mesmo nível de... de questão... entendeu? sempre leitura... um texto... pergunta... um texto pergunta (29) P3: ah... então/ então... na Avalia Brasil (30) PF1: não... ocê juntou Avalia BH com Provinha Brasil (aí ocê falou) não... Avalia Brasil ((risos)) (31) P2: () Avalia BH... é... então é só texto com interpretação... é? (32) PF1: texto com pergunta (33) P2: agora gramática, não tem ortografia... não tem nada (34) PF1: a gramática em função da leitura né? ou seja... os conhecimentos de gramática podem auxiliar nessa:: interação do leitor com o texto... agora não tem nada de nomenclatura gramatical... substantivo... verbo... nada disso (35) P2: tá (36) PF1: tá? (37) P2: tudo bem (38) PF1: são... textos... com questões de interpretação... a que que isso se refere? (39) P3: que tipo de texto é esse? ah ok... o gê::nero do texto... objetivo do texto...localização de uma informação (40) P3: gê::: nero que tá lá explícita... fazer inferência... ou seja... a partir do que é dito eu po::sso inferir que... é::: de/ determinar o assunto do texto... são essas questões (41) P2: tá e na Prova Brasil? (42) PF1: na Prova Brasil tem algumas questões de apropriação do sistema de escrita quando eu falo isso eu tô falando de questões de... construção da base alfabética... ou seja... leitura de pala::vras é:: divisão de palavras em si::labas né? é:: questões de consciência fonoló:gica... isso tem na Provinha Brasil... no Avalia BH não tem... essas questões iniciais de alfabetização só vem na Provinha Brasil... e além dessas tem alguns textos também... só que a Avalia BH só

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tem um texto... e é bom que vocês dêem uma olhada nesses textos pra vocês conhecerem porque essas provas não ficarão aqui... então dá uma olhadinha (43) P2: e a gente pode ter acesso? (44) PF1: não... ocês num vão tá lá junto (são) professor referência? cês podem passar e tomar conhecimento tá? (45) P3: a gente vai ficar lá? (46) PF1: vão... essa é uma das inscrições... essa inscrição vocês passaram... pra elas (47) VD: na sala... é nós vamos? (48) P2: (49) PF1: ainda não? (50) VD: eu acho que foi passado pra E. ((coordenadora pedagógica)) não sei se a E. passou... passou não? (51) P3: não... ainda não (52) PF1: vamos retomar... vamos retomar...vem um aplicador ( ) Profs.: ((vozes)) (53) P2: eu sei que vem gente de fora porque ( ) (54) PF1: vem um aplicador (55) P1: ah... tá...eu vi um comentário mesmo que a gente ia... que a gente ia... aplicar (56) P3: e ocês ficam lá dando () (57) PF1: aí... cê escutou o que que ela falou né? (58) P2: é bom até... é:: (59) PF1: aqui... agora vamo definir matemática?... vamo definir matemática? vocês que dão matemática? (60) P: é (61) PF1: ah... então tá... porque tem escola que é apoio que dá matemática... aí eles tão fazendo opção pela apoio ficar no dia da matemática na hora lá com o aplicador... já que vocês referências que dão a gente pode definir isso... porque a Avalia BH não tem instruÇÃO pra gente agora discuti::r... e não tem... por exemplo... uma planilha que vocês vão fazer... por quê? vocês recebem as provas e devolvem as provas no pacote... fechado... porque essa avaliação ela não tem a mesma característica da Provinha Brasil... a Provinha Brasil tem como objetivo que a esCO:::la tenha o seu diagnóstico... que ela conheça a prova... que ela conheça as respostas que os alunos estão dando pra que a gente levante... que hiPÓteses esses meninos têm em relação a essas capacidades... o Avalia BH... não tem essas características que o objetivo é um objetivo geral de definir como é que as escolas estão... como é que os alunos em geral da Rede estão... pra definir políticas públicas... a partir do ano que vem... haja vista né? a situação que a gente encontrou nós temos que investir (62) P3: poLÍticas... públicas ((em tom irônico)) muito... por exemplo... a questão da matemática eu acho que agora ela vai começar a ter um olhar mais... é:: delicado... não é? que até então a gente não tinha uma sistematização assim... que capacidades são essas que vão ser prioridade? (63) P3: o ve::lho volta renovado () (64) PF1: com nova roupa? (65) P3: o ve::lho volta renovado (66) PF1: o que que tem de novo? (67) Profs.: ((vozes)) (68) P3: é aquele velho ditado... pode até gravar aí... ((dirigindo-se à pesquisadora)) oh... oh... ((risos)) ... enquanto o menino não souber as quatro contas... ler interpretar... não sai da quarta série (69) P1: é assim que foi (a vida inteira) (70) P3: a::h... veio escola plural... veio teorias construtivistas

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(71) P2: ((inaudível)) (72) PF1: será que a gente tá no mesmo lugar? (73) P2: piorou (74) PF1: ou a gente vê alguns deslocamentos? ou o nosso processo que é assim... com idas e vindas? mas eu acho que... não eu acho que é mais (75) P3: círculo... círculo... é um círculo (76) P1: eu acho que/ é porque o... espiral () (77) P2: pra mim é... pra mim é (78) P3: a MInha professora... a MInha diretora lá da outra escola fala que.. é:: tem um (79) P2: porque o aluno num dá conta menino lá que ((inaudível)) porque não ia tomar bomba mesmo (80) P2: () prestar atenção (81) PF1: tá... vamo centralizar essa discussão? (82) P3: não É... não é o tal do... do... tomar:: bomba... é a conscientização... capacidades que antigamente era chamado de quê? objetivos específicos e objetivos gerais... agora mudou... pra capacidade (83) PF1: tá (84) P3: A. ((professora formadora)) ((inaudível)) (85) PF1: mas cumé que você... relacionava esse seu objetivo com o conteúdo? (86) P3: eu acho que o professor não tiver conteúdo... não souber passar o conteúdo e não... não... atingir um conteúdo e concluir o conteúdo aí eu (87) PF1: tá () assim... vamos estabelecer (um contato aqui) (88) P3: eu... () ah... ah... eu conversando com a E. ((coordenadora pedagógica)) três alunos meus que eles não iam por causa da leitura... mas eles têm bom raciocínio matemático... se eles sabem fazer o raciocínio matemático... então ele sabe... né? igual tem um aluno lá que fala... M.M ((nome da professora)) chegou a aula do () quem não souber fazer uma boa leitura... uma pontuação boa... uma boa interpretação... ele não vai conseguir fazer o problema... o cálculo (é::... crítico) igual a gente estava tendo uma:: aula com a:: M. lá em (89) PF1: unh Contagem e ela falando sobre isso... o que que é o raciocínio lógico... né? o que que é um problema... o que que é um cálculo... problema... oh... nós tamo (90) PF1: unh unh com um problema aqui... o G. ((aluno)) não entra na sala... isso é um problema... oh... aqui tem um cálculo... eu tenho dez bolinhas... tenho só dez reais pra comprar essas dez bolinhas... cada bolinha custa vinte centavos... quantas bolinhas que eu posso comprar? Isso é um cálculo... num é um problema ( ) eu achei tão... legal isso...sabe? é...é a maneira de falar a maneira (91) PF1: uhn unh mas () vamo pensar no que mudou...vamo pensar vamo de falar... a maneira de chegar pensar (de) temas... olha aqui... pra que a nossa discussão né? ela fique mais rica...vamo pensar no passo a passo...falou uma coisa e a gente né? polemiza (92) P3: é você falou que antigamente eram os objetivos ligados ao conteúdo e que hoje (93) P3: isso tem as capacidades... só mudou o nome de objetivo pra capacidade...mas o que que a gente entende por capacidade... qual que é a nossa intenção? a capacidade é... a possibilidade do sujeito usar aquele conteúdo numa situação que TEM uma função (social) (94) P3: e o que que era o objetivo antigamente? (95) PF1: tá... o objetivo antigamente estava mais ligado

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(96) P3: não... num é antigamente não é agora também (97) PF1: o objetivo então é esse... é um faZER uso (98) P3: qual que é o objetivo de (pensar em) capacidades? (99) PF1: fa-zer u-so dos conteúdos (100) P3: aí... pronto... (fechou) (101) PF1: tá... agora a questão/ o foco não É o conteúdo... a lógica mudou... /o foco/ se a gente já dá conta de fazer isso aí já é uma outra pergunta mas a lógica... ela está posta de maneira diferente... uma coisa é você apreender um conteúdo... outra coisa é você é:: eleger alguns conteúdos... pro-mo-VER né? uma:: uma possibilidade promover situações em que esses alunos num é? usem esse conteúdo de forma... (102) P2: não... eu tô ((inaudível)) autônoma... que ele faça realmente é::faça uso daquele conteúdo de forma:: ... adequada... então esse conteúdo... ele (103) P3: adequada pode ser... manual de instrução... na Língua Portuguesa? pode... mas não necessariamente precisa ser um manual de instrução... ele pode ser uma receita... ele pode ser... um manual umas regras de um jogo... ou seja... não é o conteúdo... igual antigamente... vamo supor... tinha lá a questão do texto... quais eram os textos que a escola privilegiava... né? os textos narrativos... poemas... a questão do gênero era um pouco mais limitada... HOje... expandiu-se essa questão do gênero e a gente vê que o traBAlho não É apenas eleger a intenção de trabalhar esses esses esses textos... essas essas e essas categorias de palavras... não... se a forma como eu trabalho o manual de instrução é uma forma em que esse aluno... ele perceba a função social deste texto... as características deste texto... que ele dê conta de interpretar... fazer uso disso pra que ele possa né? construir um brinquedo... ele pode TRANSferir essa aprendizagem pra determinadas situações como... o uso de uma receita... que tem uma estrutura parecida ou de umas regras de um jogo... ou seja... é promover em sala de aula situações em que esse menino vá usar esse conteúdo de forma:: ...é:: ...não só de forma memorizada mas de forma... que ele tenha uma.. uma compreensão também... mas eu (104) P3: antigamente era mais/ era memorizada? acho que hoje o uso social do conteúdo é maior... (105) P3: NÓS fomos educados assim (106) P2: agora... eu posso falar uma coisa (107) P3: eu por exemplo... eu usei as mais belas histórias que... foi usado a técnica do... global né? depois que a gente chegou até nas palavras... depois que gerou:: (108) PF1: do global... tá... mas sem relação a isso... conteúdo e capacidade... tem uma diferença... num tem... vamo deixar isso (109) P1: deixa eu colocar uma coisa então... deixa eu falar uma coisa (110) PF1: ainda sobre isso? (111) P1: eu queria falar (sobre isso) () na hora que dá... uhn... é: capacidade dá uma (112) P3: aí houve (113) PF1: deixa ela falar depois ocê fala Impressão... dá uma ideia de interatividade... (acerca) do ensino () CA-pacidade... qual que () aquelas metodologias () construtivistas (parará) (114) PF1: é () estratégias... objetivos de forma mais tecnicista mudou o nome mas a gente (115) PF1: é:: (116) P3: o nome mudou eu não sei... eu falo assim... a gente que talvez... tem mais... quanto tempo né? que estudou::

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(117) PF1: todas nós aqui temos um tempo grande já né? todas nós ((risos)) Profs.: ((vozes)) (118) P1: o método:: global... o que eu entendi () os meus objetivos () continuaram (119) PF1: ahn ahn desde o primeiro dia que eu ( ) aula... ( ) seguinte... só que o que eu acho que ( ) naquele (120) PF1: que ocê dá aula ponto que eu falei... o tipo de aluno... num é que tem o tipo a b c não mas () a clienTEla ampliou e os problemas... e a gente tem dado CONta (121) PF1: sim (122) P2: o que eu tô querendo falar... tá? o menino só lá querendo dar... seja bula... seja receita... seja lá o que for... isso é um desejo meu e talvez () seja () seja o que for... sabe o que que ele tá (123) PF1: tenta amarrar querendo falar? () a E. ((coordenadora pedagógica)) ela falou assim... ah... quer ver? ah... eu vou dar um exemplo assim () por exemplo... uma regra de jogo ( ) faz sentido pro menino asssim... ah que que é:: ... que que é:: () você (124) PF1: ahn sair de um lugar pra outro sem ser... é tipo êxodo () aí os meninos () isso pra (125) P3: êxodo (126) P2: êxodo eles significava assim... a gente tem que sair do lugar porque? porque tá jurado de mo::rte e tal tal tal... então a (construção) que a gente tem desses meninos() ainda tá () (127) PF1: NOsso universo cultural e o deles (128) P2: olha() é... é () eu até quero dar isso MUIto bem trago... receita de bo::lo... todo... todo tipo de coisa... (aqui) autoavaliação... construo um texto com eles... () faço um texto meu... ((tosse)) tudo que ocê pode imaginar (que ocê dá conta disso) mas quando eu chego e o menino tá lá deSESperado porque ah... no meio da aula... cê vê que tem uma necessidade que (ele tem que falar) que eles começam a falar assim... pois é (129) PF1: ahn ahn ocês viram? a menina pulou da ponte ali () sabia? então a notícia que eles dão é tá tão () (pra eles) tá tão... doído pra eles que eu ainda acho () enorme () (130) PF1: tá mas a gente pode tentar alguma forma (131) Profs.: ((vozes)) (132) P2: é por isso... é por isso que eu tô te falando que:: piorou que... que... o ensino/ então/ tá/ piorou por causa disso não por causa desse conteúdo que a gente () (133) PF1: os alunos que estavam na escola são os mesmos hoje? (134) P3: não (135) Profs.: não (136) PF1: mesmo () a economia nossa () classe social não é a mesma () porque Profs.: ((as professoras falam ao mesmo tempo)) que são produzidas() porque são produzidas... ô gente são produzidas novas (137) P2: eles não tão conseguindo nada... () nós temos que olhar (138) PF1: teorias ... novas pesquisas em função ... justamente da nossa prática que às vezes manca que às vezes ... ou então ... pelo contrário ... às vezes nós encontramos algumas soluções que podem () articular e vão socializar ... e vão aprofundar não é isso? esse menino lá que ele quer falar dele e hoje mesmo eu conversando com a professora de intervenção a L. que atende alguns de seus meninos né? mas ela vai atender mais os meninos de: sete anos...

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algumas crianças lá têm problemas demais... tipo assim... começam bem a aula... o reforço e depois já começam a extrapolar... se é uma situação de ditado começam a escrever certo no início e depois já começam lá a.... a.... fabular ou então a arriscar uma coisa que não tem nada a ver... aí eu falei... vamos voltar um pouquinho aqui na questão do sentido porque até no reforço tem criança que já tem como meta... olha eu estou ali pra aprender, eu preciso daquele reforço, beleza e ele já tá com a mente mais limpa e ele dá conta de falar (assim) nessa lógica seja com um diTAdo, com uma cópia ou um jogo... agora tem alguns que esse acolhimento que às vezes não é possível a gente fazer no grupo todo porque a gente sabe né? o universo de problemas que nós temos são inúmeros... e às vezes isso precisa ser feito onde? na intervenção pedagógica... então eu falei... vamo recuperar o sentido dessa intervenção pra esses meninos? Vamo conversar com eles... o que que ocês querem aqui nesse reforço? Aprender a ler... mas vocês gostariam de aprender a ler o quê? ah... uma história... ou então é no sentido de ter dificuldade até pra eles falarem aquilo que eles querem () um pouquinho () alguns (139) P2: tá... () mas não falam () como eu tenho na minha sala alGUNS estão lá brincando (de estudo) aí eu num quero mais isso não... eu vou sair da minha (escola) filha o que que ocê quer? a menina fica... olhando pra gente nos olhos tá? e ah não não quero... (140) PF1: tá muito distante (141) P2: tá... agora conclusão... olhando a história da criança... a criança está... praticamente abandonada... jogada porque não tem uma... um ... uma ... um eixo... eles não têm uma base ... qual que é a base? É a família... a mãe ((produz um som com as mãos)) num tá aí e não é só ela não ... olha o G. ((aluno)) ((aluno))... olha o G.... tá? então... piorou ou não piorou? que antes a gente não (142) PF1: uhn uhn tinha isso (143) PF1: tá... eu acho que as questões... a gente não tinha essa clientela... por isso não tem como comparar num é? (144) P3: mas não adianta só a gente ficar olhando igual tá sendo agora (145) VD: tinha mas não era de fato como tá tendo agora. (146) PF1: Gente... pensa que a universalização do ensino... hoje tá todo mundo dentro da escola... se TÁ todo mundo na escola... nós temos maiores desafios P: outros desafios (147) PF1: e não somos nós da Secretaria... da Regional e... da universidade que vamos determinar... é uma construção coletiva... não é? (148) P2: sim... mas agora () a gente traz esses meninos pra escola... eles vêm... direitinho o G.... ocê vê (e os outros) ta? mas quando chegam aqui eles olham e ficam () assim querem outra coisa nem a gente perguntando o que que eles querem eles num falam (149) P3: eles num falam (150) PF1: é porque esse buraco é mais embaixo né? nem... a questão do desejo não está fácil pra eles... agora é claro... nós não SOmos psicólogas...né... nós não somos (151) Profs.: ((vozes)) psicólogas (152) Profs.: ((vozes)) (153) P2: () exigir da gente... (até que ponto) nós vamos exigir dos alunos () e vocês ((equipe da SMED)) vão exigir da gente? (154) PF1: tá... hoje em dia... tá... hoje em dia nós não somos... vão pensar... eu (155) Profs.: ((vozes))

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até sou né? eu até sou ((psicóloga)) mas vamos colocar como não sendo... NÓS não temos formação em psicologia, antropologia em Sociologia (pararã) MAS se nós temos que recorrer né? a esses estudos... a esses desenvolvimentos... pra que a nossa prática... que a Pedagogia é ação... é o ato de refletir sobre uma ação mas se ela não empresta da Psicologia... da Psicolinguística... da Linguística... da Antropologia... nós não conseguimos avançar porque hoje (156) P1: (aí) não dá em nada as coisas estão todas (157) P1: sempre foi né? (158) P1: qual que é a questão da escola? (159) P2: ah mais () (160) PF1: tem aquele livro lá do Perrenoud (161) P2: tem que dar um suporte para as meninas (162) PF1: Agir na urgência ((referindo-se ao livro Educação: agir na urgência, decidir na incerteza)) (163) Profs.: ((vozes)) vamos só falar mais baixo... olha... já elevei... agir na urgência... decidir na incerteza... eu tava/ comecei a ler esse livro do Perrenoud... o... título é (164) P1: a-gir na urgência outro...esse é o subtítulo... agir na urgência... decidir na incerteza... é a nossa complexiDA::de... então... diante dessa complexidade a gente tá aqui sentado pra gente ver o que é poSSÍvel... é muito FÁcil agora a gente/ é::/ a nossa tendência sempre é de polarizar... quando era escola plural() ai que saudade do formal quando... né? você está tentando construir uma escola mais (165) P1: é sistemática a gente acha.. então vamos lá... então nós estamos perdendo alguns eixos (166) P: ((vozes)) alguns eixos da escola plural? não precisa ser oito ou oite::nta... nós estamos tentando... recupe/ o fundamento/ a meu ver o fundamento da escola plural são a base de um trabalho... assim... de... de gestão e de aula democrá::tica e de universalização né? real do ensino... só que esses pilares... com... as metodologias... utilizadas... esses pilares estavam caindo então como é que a gente (167) P1: ahn ahn (168) P3: a gente(sempre fomos) e... está acostumada com o M. A. ((mentor intelectual da Escola Plural)) onde que ele tá? desde a primeira vez? (169) PF1: nesses pilares (170) P3: não onde que ele tá aqui ()? (171) PF1: agora até o M. ... o M. tá na faculdade né? tá na FAE ainda... ele não tem () nenhum (172) P3: como professor? (173) PF1: ele tem suas (174) P3: não...como professor? (175) PF1: na FAE como professor ainda... Ele tem suas desavenças... asssim como tem as suas afinidades... ocês receberam eu passei procês aquele jornalzinho lá do CEALE... quem não teve a oportunidade de ler fala sobre a Provinha Brasil eu n sei se a E. ((coordenadora pedagógica)) socializou porque não tinha exemplar pra todo mundo... tem a primeira página lá debate sobre a avaliação sistêmica...aqueles que se colocam a favor e aqueles que se colocam contra ele manifesta né? ele dá a (176) P.: hum hum

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ele manifesta né?ele dá a posição dele... eu acho que a avaliação sistêmica sou contrário porque eu tenho que entender os coletivos da escola... os coletivos do ciclo (também) tem uma outra visão ... aGOra não dá pra (177) Profs.: ((vozes)) ser mais... o tempo... o tempo gente não para... não dá pra ser mais naquela lógica... (ele) foi importante? foi... a gente tem que entender a curva da vara (178) P: foi aquelas retenções também de sete anos... () você () quinze anos... menino (179) P1:() primeiro ano() de quinze anos convivendo com menino de... sete anos na sala não dá (180) P1: é lógico que () agora o que Eu tenho colocado eu acho que falta MUIto... eu tô sentindo duas coisas... bom essas provinhas aí... eu acho que () aqui... eu saí super chateada e fui estudar sobre estatística () (181) PF1: aquele último encontro? () (182) P1: é: () sobre aquele dia que saiu a... (o intermediário) (183) PF1: o resultado... ah tá... o resultado do PROALFA... tá (184) P: é (185) P1: () estatística e fui ver que estatística...ela nasceu inclusive pra (realmente) sobre políticas públicas desde o início... ela sempre nasceu pra (organizar) e pra... orientar políticas públicas... eu não duvido... eu não sou contra... por mim tá? () sempre existir né? beleza... mas tem hora que a gente ainda continua () talvez () (186) PF1: pelo qualitativo e não pelo quantitativo (187) P1: não... eu acho que mudou...mudou três coisas pra mim... mudou porque antes eu NEgociava... é:: (188) PF1: não esse (antes)... situa esse (antes) () (189) P1: () antes da Escola Plural eu volto aqui ó... eu avaliava tudo e eu falava às (190) PF1: ahn vezes com os meninos... eu avaliava comportamento... se o menino (sabia obedecer)... (191) PF1: o que MAIS a Escola Plural é:: né? bateu foi em relação à formação humana (192) P3: gente... mas a Escola Plural () pra Uma determinada clientela (193) Profªs: ((vozes)) (194) P1: () no meio... é isso que estou falando... então eu (continuo) só () as minhas avaliações de fora () estão sempre... como eu negociava sempre com os meninos... porque agora tem essas provas de fora que eu não sei (195) PF1: não tá... mas só... cê tá falando... antes da Escola Plural... é: continua o raciocínio (196) P1: ah...() e falava assim... por exemplo... tinha (ditado) inclusive se eu fosse tá olhando ali sozinho (sem) discutir com os meninos () (197) PF1: uhn uhn... tá... da formação humana (198) P1: da formação (199) PF1: tá... aí com a Escola Plural (200) P1: eu acho que o que ficou defasado é a questão das avaliações... né? na (201) PF1: na Escola Plural (202) P1: é ... ela ficou muito solta e... hoje os meninos estão () (203) PF1: uhn... tá hoje a gente tenta REcuperar isso (204) P1: mas tá sendo recuperado de um jeito que está escapando da gente (205) PF1: de cima pra baixo

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(206) P1: de cima pra baixo... que está escapando... (num tô querendo) ofender ninguém não tá () (207) PF1: não... nós tamo aqui pra trocar ideia (208) P1: () o menino fala assim... eu SEI que eu vou tomar bomba por isso... por isso... que eu já passei () não tomei bomba... o menino já fala comigo os critérios que existe aí... quer dizer... a Minha... (muitas vezes) essa () tá fora... essa provinha... eu não conheço essa Prova Brasil... eu tô me sentindo (pré-vestibular) o menino () entender (209) PF1: uma das nossas funções é ensinar o menino a responder uma prova de múltipla escolha... isso faz parte da nossa... né... eles se sentem mais importantes (210) P1: sim... sim... eu acho que eles se sentem () agora... não é... essa é UMA das capacidades né? e por aí vai (211) P1: agora... é:: eu acho muito inseguro pra gente (ficar) dando uma matéria (212) PF1: cê acha que essa avaliação sistêmica tá muito distante da escola... ainda (213) P1: eu ainda nem sei () vai ser a primeira () (214) PF1: Avalia BH... então seria mais ou menos (assim)... essa distância... então (215) Profªs: ((vozes)) vamos falar sobre ela (216) P2: não conhece não... ninguém conhece não (217) P1: tem detalhes que vem... essa Avalia agora... DOIS pesos... A B e C... () alguma coisa no A B e C... eu tô me sentindo péssima... entendeu? (218) PF1: () (219) P3: A B e C () D () F (220) P1: nossa... e os meninos... por isso aquele dia que eu falei vamo falar com os meninos... eu acho que estatística é válido... é importante que existe... eu num... num tô querendo aqui falar que nós num vamo falar que ... negar que existem políticas públicas... que nós num tamo nesse pé... eu só tô falando que a estatística () tão politicamente () que ela/ eu tô dando (três meses) uma aula aqui que eu acho que é pertinente () (221) PF1: posso abrir só um parênteses? Propaganda só propaganda... só propaganda ((lendo uma questão de uma avaliação sistêmica)) “Cebolinha... se você parar de me xingar... eu não bato mais em você e ainda lhe dou um beijo... sua golducha... baliguda”... aí vem uma questão na prova assim... porque Cebolinha tá xingando Mônica?... por quê?... isso está explícito? nessa resposta é uma inferência... o que que os meninos (222) P3: não vão ter que construir aqui? eles vão ter que construir... relações que não estão explícitas (223) P1: é:: (224) PF1: ele queria receber esse beijo? ele quer (225) PF1: bate nele... que ele () tipo relação com ele num tem (226) P3: nunca... num é que nunca... num quero (usar) essa palavra nunca... ele vê isso em casa... ele VÊ e viu essa história aí... aí tá lá assim... retire do texto.. essa pergunta que você fez... ele procura... procura (227) PF1: não tem... mas aí não vai ser retire do texto... né... a partir da tirinha (228) P3: mas eles colocam isso a partir da tirinha acima... responda por que Cebolinha? por que CeboLInha (229) P3: entendeu? xingou Mônica (230) P3: ah... então é só opção (231) PF1: A B C... por quê? ele queria receber esse beijo? (232) P1: aquele que já tá conseguindo fazer essa inferência... tem menino que tá () (233) PF1: isso não é uma questão de conteúdo (234) P3: não

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(235) PF1: a inferência a capacida::de que é... () se ele dá conta de fazer inferência (236) P2: questão de lógica (237) P1: exatamente seja em tirinha ou em piada (238) P2: a::h (239) PF1: a gente muda a lógica... é claro que/ a adequação que eu acho que tem que ser é/ se essa avaliação sistêmica se ela peca... ela pode pecar em relação a um universo cultural... o partilhar significado... porque ocê fazer uma prova prum leitor ideal... por mais que a Sociologia... a antropologia digam como é que os meninos estão hoje é difícil... então a gente vai por aproximações... a questão lá do leão... que teve na prova:: ... do PROALFA... do xampu... (240) Pesq.: da censitária (241) PF1: da censitária... num foi de todos os alunos não... foi só uma amostragem (242) P: uhn unh é:: eu não vi... a atividade... eu não sei se vocês acompanharam/ eu era/ eu acho que é do xampu Seda... em que aparece um leão com o cabelo todo escorrido e tem uma pergunta de inferência sobre o porquê? (243) P3: é que tem na televisão a propaganda (244) PF1: tem essa propaganda que eu nunca vi na televisão e disse que em revista feminina também (245) P3: teve... passou (246) PF1: os meninos tiveram dificuldade... até de compreender que havia um truque aí... que o computador é capaz... de transformar uma imagem de um leão e fazer uma montagem com o cabelo... então... (247) P2: (tem) coisa aí eu não acredito muito (por exemplo) na minha turma que vai conseguir ver isso () tá? (248) PF1: não... num vai... vamo só pensar aqui (249) P2: agora tem muita coisa atrás disso daí que () tá? (250) PF1: tá (eu só tô dando um) exemplo da lógica da capacidade... é claro que o agir que a avaliação sistêmica tem que fazer e nunca vai chegar assim a ser exato... é do partilhar significados... agora na escola... na escola (251) P3: eu fico chateada porque que o meu aluno tem que marcar aquele GAbarito? (252) PF1: não vai ter gabarito mais tá? (253) Profªs: ((vozes)) (254) PF1: o pré teste () quem que disse que ia ter? quem que disse que ia ter mesmo... (255) Profªs: ((vozes)) (256) P1: a E. ((coordenadora pedagógica)) pediu pra gente () (257) PF1: tá... porque na primeira informação (258) P3: não... ela num falou que ia ter mesmo não... ela falou... (259) PF1: que poderia ter (260) P3: não... ela falou pra gente treinar os meninos marcar gabarito (261) PF1: tá... mas (o que que a disciplina)... (nada em vão) () você pode ter gasto assim uma energia (e muito afeto) em relação a isso mas num vamo pensar que isso foi em vão não (262) P: não () (263) PF1: até o momento () (264) Profªs ((vozes)) (265) P2: não... deixa eu te explicar... eu tenho medo... tá? realmente... cê vai lá (falou isso) dessas provas () A B tá?

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(266) PF1: tá (267) P2: () mas é o seguinte... porque com as MÃES... é:: que eu chamo pra vir conversar a respeito da criança ... a criança... é ou não vem ou então a criança (268) PF1: unh unh... elas não vem chega perto dela... fala assim... não tem nada pra ler... não tem nada pra estudar... a professora não deu nada... para casa... nada... então... conclusão... ele fica vendo televisão o dia ... ou seja... todo dia que ele tá na casa dele tá? (269) P1: porque é mais atrativo (270) P2: porque é muito mais atrativo tá? porque num tem nada... ele num mexe... (271) PF1: unh unh ele traz... esquece o para casa em casa... não lê o livro... não lê nada.... tá? (272) PF1: tá então... aonde que ele pode... desenvolver o RAciocínio a (273) PF1: a capacidade de inferência capacidade de (re)ferência se ele não pegar o livro se ele não estudar e não fizer os exercícios em casa... ele vem pra cá... tá? ele tem... ele tem esse pouco tempo de aula com quatro horas quatro horas nada... é: quatro horas... (274) PF1: que é quatro horas será que a gente VAI conseguir alguma coisa que ele se manifeste... ele:: mude.. ele:: melhora... (com ele) enquanto os pais tão falando que a esco/ que (275) PF1: uhn uhn a professora num dá nada... que a professora é isso () aí () tá? (276) P1: aí () o social que aí eu queria até () (277) PF1: tá...pode continuar... eu quero depois ter um finalzinho pra eu poder... fazer (278) P: tá assim... a MInha síntese ... né... pode... se for equivocada vocês me... (279) P1: lógico (280) P2: tenho medo disso também... () (281) P1: uma coisa que eu acho assim () tanto que eu usei um texto... num sei se... se ocê viu () sobre um resumo de uma novela... nem sei se eles assistem essa novela... que eu acho que a televisão é que mais tem ibope... aí eu (282) PF1: ahn ahn... tá trouxe um resumo de novela (283) PF1: e deu ibope? (284) P1: eu não (falo) (285) P3: eles num assistem novela não ((sobreposição de vozes)) (286) P1: mas o que que é... qual que é o trabalho de texto que eu fiz? ((lendo o texto)) “Zé Bob falou com a ()” (287) PF1: a sinopse... a sinopse de novela ela não é encadeada... ela (usa) frases... soltas aí Zé Bob falou com fulano... falou que... porque eles tão ai:nda (288) P1: soltas e eles deram conta disso na frase o quê? caNÔ::nica... regula::r... no padrão... é sujeito e predicado... ou seja Esse tipo de texto tá contempla::ndo as suas falas... então (olha) vamos começar por isso... () de síntese... agora deixa eu só pontuar... a avaliação sistêmica tem esse objetivo de ver a Rede como um todo... e definir... e definir poLÍticas Públicas... isso é só em Belo Horizonte não... é no Brasil... no mundo (289) P2: é só em escola pública? ((sobreposição de vozes))

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(290) P1: ele é global ((referindo-se ao investimento em políticas públicas)) ((sobreposição de vozes)) (291) PF1: a Avalia BH... a Avalia BH é somente municipal () eu perceber a (292) Profªs: ((vozes)) minha turma ou a minha escola ou o meu aluno em relação à Rede... isso é um movimento... o outro movimento é a avaliação DA:: esco::la que é aquela pro::va ou aquele registro que você tem de observação do aluno que me diz como ele estava no início e... como ele está no final... aí algumas professoras dizem/ e eu é::: /a gente tá atenta dos dois lados... porque nós somos professoras também... e já passamos ((inaudível)) estamos agora nessa função mas somos professoras... ah... mas então... é:: a SMED vai ter só um retorno QUANtitativo da escola? Cadê o qualitativo? onde é que vai aparecer tudo que a gente fez? então Uma das maneiras de aparecer tudo que a gente fez é por meio dum relatório... as crianças que vão ficar retidas ou aquelas que já são retidas e que vão para o segundo ciclo ainda numa situação precária de (primeiro ciclo) elas terão um relatório como um documento... NEsse relatório vocês vão ter uma participação... a coordenação e a direção também... que que vai ser constado ali?... as professoras vão fazer uma pequena descrição do perfil desse aluno... em relação à aprendizagem... social () o que vocês acharem que é mais significativo... a direção e a coordenação vão fazer um pequeno relato de todo o investimento que a escola tá tendo nesse aluno num () de três anos... ah... proporcionando turma projeto... intervenção pedagógica... enturmação flexível... ah... mas mesmo assim... também teve um ano que... ele trocou muito de professora... não é só ação positiva... porque tem esse problema também... manda ele pra saúde? é caso de laudo médico? tem que saber onde que... precisa de atendimento psicológico? outro tópico... descrição da família... encaminhamos pra família e a família não dá retorno... a família não acompanha... é situação de grande vulnerabilidade? (293) P3: no início do ano ele tinha um pai e uma mãe... no meio do ano ele tem um padrasto... no final do ano ele mora com a avó (294) PF1: isso... e no final... tratar brevemente... quais são as metas pra esse menino ano que vem... tanto o retido como o menino do segundo ciclo... então... isso é u::ma... u::ma possibilidade de... de construir (o qualitativo) e que a SMED também saiba... que a escola () não é só num sei quantos pontos num sei quantos no PROALFA ou no Avalia BH... () então... /esse movimento é de/ eu acho que não estamos como antes... eu acho... EU não estou como antes nunca... () a gente não volta .... a gente volta de outra forma () a forma antiga (295) P1: claro que não tá? para ficar tranquila... eu acho que se ainda estivesse em sala de aula eu também estaria angustiada com esse Avalia BH.../nós/ nem nós aqui socializamos os descritores... nós não conhecemos ainda as capacida::des né? então... () mas eu acho... olha vamo (meter bala) dentro do possível... (296) Profªs: ((vozes)) suamos a camisa... suamos... agora... o que NÃO foi possível de ser realizado a gente já vai colocar como meta pro ano que vem (297) P2: () colocar em prática também já... a... as metas? (298) PF1: é...em termos de quê? o que precisa... do que não tem na escola... () ou contando com o que tá aqui? (299) Profªs: contando com o que () (300) PF1: primeiro contando com o que tá aqui... por exemplo... eu falei com a A. ((professora)) A. faz um relato... faz um relato do seu trabalho como interventora no segundo ciclo... anexa alguma das atividades dos meninos no início do ano e no final... isso pode depois ser depois colocado junto aos projetos de reinvindicação de uma professora fora do um ponto cinco ((critério utilizado pela PBH para definir o número de professores por turmas)) ou

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seja... aQUIlo que é legal... tá dando certo... tem que ser registrado né? e vai servir como argumento que foi importante... (301) P2: tá... agora... a SMED vai chegar alguém também desde fevereiro até... o final do ano ou ela vem () vai deixar passar um tempo pra depois ela ver se dá o:: peixe pronto? (302) PF1: tá falando ()? (303) P2: porque a SMED... vocês... não vieram desde o início (304) PF1: a F. ((professora formadora anterior)) estava desde o início... desde o final do ano passado... não... final do ano passado não (305) P1: início do ano () depois a F. Veio (306) PF1: abril... abril mais ou menos? (307) P1: num lembro bem o mês não... num foi no início não (308) P2: a gente é () vem acompanhando () (309) P1: () né... A. ((professora formadora) é intenção da... da gerência (310) PF1: é intenção... a gente teve uma mudança de governo nesse () intervenção () acompanhante... isso é uma questão... nós temos que/ nós estamos reLENdo (311) Profªas: ((vozes)) as diretrizes e uma coisa que tá apontado é a qualificação né? () isso é uma demanda em geral (312) Profªs: ((vozes)) (313) P2: () o prefeito () tá? (314) ((vozes)) (315) PF1: () tá muito apertado () mas não vamos () como um fantasma não... vamos apostar que as coisas vão ser articuladas... pelo menos no encon/... é:: como plano... de proposta... ele tem/ vamos continuar e melhorar... o que que a gente imagina a continuidade? daquilo que tá dando certo eu vou mexer?... não... eu vou mexer naquilo que tá errado e procurar melhorar (316) P3: ô A. ((professora formadora)) vocês que tão lá na Secretaria... vê se na hora que for escolher os oficineiros... eles chegaram aqui... desculpe a expressão... igual azeitona em boca de banguela... o que tinha () como por exemplo aconteceu uma coisa muito desagradável né? num vou relatar aqui agora () (317) PF1: então tá... eu tô ouvindo... é só pra registrar () (318) P3: então eu acho assim... se for ter o...oficinas que elas sejam Capacitadas...que elas sejam com objetivo... porque chegar aqui... ah... hoje eu vou dar um negócio de circo... ah... hoje eu vou dar nariz de palhaço... ah... hoje eu vou dar uma dobradura mas qual é a função dessa dobradura? ela tá dentro da matemática que aquela aula tá (319) PF1: tá sendo elaborada? tem um objetivo? (320) P1: () trabalhar com jogos matemáticos não conseguiram... não tem um pessoal preparado (321) P3: chegaram de paraqueda () resumindo (322) VD: não M. () a gente tentou trocar os oficineiros... foram trocados (323) PF1: então...só pra fechar...deixa eu só fechar aqui no caso...gente... ó vamos fechar (324) P2: eles chegaram aqui de paraqueda... precisou... aí a... a Secretaria de Educação () (325) VD: num é a Secretaria não... (meu Deus do céu) (326) P3: não? () num é a Secretaria de Educação não... NÓS tivemos que ceder NOsso (327) PF1: ((inaudível)) espaço pra () (328) P2: agora... nós queremos vocês aqui pra vocês olharem a gente (329) PF1: então vamos combinar o seguinte... (330) P3: () o nosso objetivo na sala de aula... eles chegavam lá e falavam assim... ah... hoje

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nós vamos fazer () a Secretaria de Educação deveria (vir) sabendo (331) Profªs: ((vozes)) () tirando as nossas aulas (332) VD: () mas () foram contratados justamente pra () (333) PF1: vão fechar... então... é::: haja vista a necessidade da formação... pra quê? pra gente trocar experiência e articular... nós teremos um último encontro no dia doze ((de dezembro)) que semana que vem é eleição... então no encontro pra gente fechar com chave de ouro a gente vai traÇAR o Plano de Metas pra 2009 ... mesmo sabendo que voCÊS não serão as professoras dos alunos... nós já vamos fazer ó... tais e tais capacidades já estão consolidadas... tais (334) Profªs: ((vozes)) estão ainda no nível do trabalhar tá?... nós já vamos fazer uma projeção para as professoras do segundo ciclo... é Uma forma né? da gente organizar o trabalho pro ano que vem... tá bom? (335) P1: eu fico até com docê porque... igual você falou... voCÊS também ficam angustiados... agora... voc ês imaginam... o que eu fico mais triste é () (336) Profªs: ((vozes)) (337) P3: eu venho pra CÁ () reunião () crescer e o meu aluno fica lá () (338) P1: ((inaudível)) nariz saindo sangue () (339) PF1: ô gente... eu tinha como intenção (340) P3: Ob-jetividade nessas oficinas () aí você entrega seu aluno pruma pessoa que não tem di/ ela não (responde) controlar a disciplina da sala da C. ((professora))... () num tem UM oficineiro que conseguiu () dentro da sala da C. ... num tem um... na MInha sala eu tive que primeiro preparar meus alunos () gente ó... eles não são professores... eles são (dentro de uma área) como que é o seu nome mesmo? gente... o nome dele é José... José você () ele vai ficar com vocês... ele não É o professor... ele tá aqui (341) PF1: unh unh várias vezes eles me agradeceram porque minha sala teve uma ótima disciplina porque junto com o oficineiro... teve uma senhora que chegou a capacidade de chegar perto de mim e falar assim... qual é a turma que tem a disciplina melhor? ô minha senhora... eu não sei... eu não sou professora dessa turma... ô... cê é velha aqui na escola... cê poderia me dizer... eu falei... olha... como a senhora está me referindo... eu não tenho nada com aquela turma... e nada com aquela turma (342) VD: mas tudo é:: um aprendizado né? da próxima vez () (343) P3: uma pessoa chegar perto de você () (344) PF1: agora... tem o outro lado da moeda... tem escolas em que os ofi...oficineiros e a coordenação (foi) /as Escola Integradas/ tem algumas/ em que as oficinas e a professora... comunitária TEM nos dado um banho em (345) VD: coordenadora relação à escola regular também com algumas propostas... então... a coisa é (346) VD: tá vendo? de mão dupla né? (347) VD: é:: (348) PF1: a gente tem que aprender com o que tá legal e procurar qualificar... a sua fala é muito (justa) ((dirigindo-se à vice-diretora)) (349) VD: e melhorar (350) PF1: agora... olha aqui... eu tinha como proposta hoje que eu não tinha... eu tinha também uma pauta... assim como vocês têm sempre também uma pauta... A minha intenção

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era socializar o material que eu vou socializar depois... tá? que é uma síntese daquilo que a gente discutiu ao longo desse semestre... aí no último encontro eu socializo... tá? (351) P2: no último encontro (352) PF1: no último dia doze (353) P2: dia doze se der (354) PF1: dá (355) P2: ((risos)) porque a gente (356) PF1: senão eu venho aqui no tre::ze... no cato::rze... no dezesse::te... depois do dezessete () (357) Profªs: ((vozes)) (358) PF1: bom fim de semana (359) P2: não vai ter mais gabarito na prova ((Avalia BH)) não? (360) PF1: foi feito um pré-teste e () nas crianças do Estado que os pequenos de oito anos... ainda né? têm muita dificuldade pra isso... gente (361) P2: () menino que vê aquele monte de quadradinho... tá? nem explicando... ele foi lá... (brruuuuuu) riscou todos os quadradinhos... eu falei... minha nossa que...que gabarito que eles vão fazer? que gabarito? (362) P1: a CURva né? na ques/ na estatística vai ser muito ampla () muito () (363) P: até amanhã... gente (364) P: gente... até segunda (365) PF1: ô gente... ocê tá preocupada com seus meninos... ANEXO – 2 – Texto II Reunião de PF2 com professoras do primeiro ciclo (P1, P2, P3 e P4) e duas coordenadoras pedagógicas (C1 e C2) de uma escola da RME/BH, ocorrida em dezembro de 2008.

(1) PF2: ô gente... então todo mundo recebe o consolidado dia do::ze e no dia dezessete já vão tá com a escrita toda pronta do boletim... né? e dos diários... dezoito é o último dia de entrega do diário... né isso? ah tá... nô diário tem que colocar atrás do diário... no/ na última parte (ele é assim né) nã nã nã abriu observações... aí tem que colocar assim ó... frequência apurada até o dia onze do doze de dois mil e oito... (2) C2: boletim que ocê tá falando (3) PF2: boletim (4) C2: ah tá (5) P1: então cumé que é? (6) PF2: frequência apu-rada até on-ze do do-ze de dois mil e oito... ta aí nessa circular zero zero meia dois mil e oito tá escrito aí embaixo assim... observação... ok? é até onze do doze... esse restante que tá escrito aqui até quinze nada disso (7) P1: então isso significa que a data lá embaixo então é pra poder fechar onze do doze não? (8) C2: não... lá é o último dia letivo... o último dia letivo (9) P1: então dezenove (10) C2: é (11) PF2: dezenove (12) P1: é dezenove que tem que lançar? (13) PF2: é... último dia letivo dezenove (14) P2: aqui... tá tudo pronto o dela (15) PF2: tá certo uai... é... beleza (16) P3: o que que o casamento num faz hein? (17) Profs.: ((risos))

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(18) PF2: o que que o casamento num faz hein? (18) Profs.: ((risos)) (19) PF2: ocês ainda falam que num tem tempo... olha bem procê ver ((risos)) já tá com tudo adiantado... já tá com tudo pro::nto (20) ((simultaneidade de vozes)) (21) PF2: acho que eu vou lançar uma moda agora que:: todos os professores deviam de casar... nessa época do ano (22) ((simultaneidade de vozes)) (23) P2: () que mudou (24) PF2: mudei () (25) P3: () renovar o casamento (26) PF2: quem já casou renova o casamento na mesma época ((risos))... mas só que é o seguinte... só pode renovar o casamento ou casar se deixar tudo pronto no fim do mês ((risos)) (27) P2: tenho nove meninos novatos meu bem (28) PF2: nove novatos nessa época do ano? beleza hein? (29) P: nove? (30) P2: não... de agosto (aqui) tem nove novatos... nove... só que tem alguns que tão com cês né? (31) PF2: é (32) P2: nó chegou um T. ((nome do aluno)) na quinta-feira passada... chegou () atrai naquela sala () do mesmo naipe viu filha? (33) PF2: nó:: é mesmo? no::ssa (34) P2: incrível isso (35) PF2: gente... então olha aqui... seguindo aí a pauta... nós já falamos da circular zero zero meia... ocês receberam essa apostila de estruturação do trabalho escolar (36) C2: não... ocês vão receber agora... tá gente? PF2: vão receber ago::ra... J. tá entregando (37) C2: () trabalhou ano passado conosco () (38) PF2: isso aí é... ocês já sabem... ocês já têm (39) C2: é... o horário de ACEPATE... né? (tem o horário de organização de ACEPA::TE) ((Refere-se às 4 h semanais que o professor dispõe, na escola, para estudo, planejamento de aulas, etc.)) (40) PF2: enturmaçã::o (41) P2: é aquele livrinho... (42) C2: () de tu::rma... (43) PF2: i::sso (44) Profs.: ((vozes e risos)) (45) PF2: é... seguindo então... ofício do GAVFE ((Gerência de Avaliação e Verificação do Funcionamento Escolar)) já receberam também? (46) C2: o ofício? é esse (47) PF2: não... esse é:: (48) C2: num é esse não (49) PF2: não é esse aqui ó (50) C2: esse aqui... (51) PF2: falando da escrita dos diários... me parece gente... num li tudo não... me parece que não teve alteração não... que é aquilo que ocês já fize::ram... (52) C2: fechar os diários... viu gente... é importante... sabe por quê? porque a gente tem que fechar tudo direitinho... tem até uma/ uma questão de () qualquer rasura desse ser validada e assinada () tem um alertinha também é::/ é:: porque aqui tem tudo inclusive da classificação... tá falando da reclassificação por frequência inferior tá? que não comprovar é:: se não

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comprovar frequência inferior a setenta e cinco por cento... a gente pode é:: tentar uma reclassificação... mas eu acredito que vocês não tenham nenhum caso... (53) P: M. ((nome do aluno)) (54) C2: mas o M. não tem aproveitamento não... porque é só se tiver aproveitamento... ele não aproveita nada é melhor repetir né? e a retenção também (55) PF2: pois é gente... isso aqui... só quero dizer a vocês o seguinte... o boletim ele não... ele não substitui a ficha tá? aquela fi::cha branca com os avanços te rê rê... ela é necessária... né? pra gente poder tá dizendo realmente dos avanços desse menino no caso da transferência pra pessoa entender lá qual que é o processo que ele tá vivendo... (56) C2: aqui... a C. já tá com tudo prontinho... inclusive a ficha... (57) PF2: é:: o Avalia BH... (58) C2: vai ser aplicado tá gente? três e quatro (59) PF2: a C. ((professora)) já vai tá de licença C.? três e quatro? (60) P1: não... ainda não (61) PF2: não ((risos)) (62) C1: é semana que vem né J. (63) PF2: Avalia BH é semana que vem... prova de português e matemática (64) P3: () informação () não? (65) P2: português vai num dia mas matemá::tica () (66) PF2: com avaliador externo... professora referência na sa::la... mas o avaliador externo aplicando (67) P2: a J. ((professora)) num vai tá aí (68) C2: é porque ela vai tá no curso ((na SMED – Proposições Curriculares)) (69) PF2: vai tá no curso de Ciências né? Ciências na segunda-feira... eu espero () que a SMED não faça mais isso de tirar professor () a essa altura (70) P2: a essa altura do campeonato (71) C2: tem gente pagando R$20,00 pra poder manter o carro lá no estacionamento ((nas proximidades da SMED))... acredita... D.? além de ir pra Secretaria você gasta R$20,00 (72) P2: e de ônibus ninguém chega lá (73) PF2: tá RUim? (74) P2: de com força (75) PF2: uai gente... faz mesmo essas avaliações (76) P2: nó:: vou falar com cê num guentei não (77) P3: a de Matemática tá:: deixando a desejar (78) P2: eu na última eu não fui mesmo não (79) P4: a de Arte então... sem chance (80) PF2: gente olha... essa formação ela é por adesão... vai quem quiser... mas eu acho que é importante (81) P2: mas eu acho que aí que no último tem que ir pra fazer essa avaliação (82) PF2: exatamente... o importante é fazer essa avaliação... né? (83) P2: no último vai fazer uma avaliação porque (84) PF2: porque a avaliação que eu faço não é a avaliação de quem tá participando... mas a avaliação de que eu não concordo de tirar o professor da escola... avaliação dô formato (85) P2: também (86) PF2: não concordo de tirar o professor da esco::la... tem que estudar outra maneira de formar ... formação continuada sem tirar o professor da escola... (87) P: é... tá um caos... um caos

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esse formato nós já vimos que não é o formato que dê certo e eu acredito que... (88) P4: e aí () qualidade (pô) tira o professor... aí chega lá:: te dá uma depressão cê olhar pra () ... nó gente os meninos tão lá e eu sentada... eu escutando (89) PF2: é... (90) P4: dá um desespero (91) PF2: num é? então acho que seria bom (essa semana) a proposta for... uma avaliação ( ) (92) P3: eu acho que sim (93) P4: eu espero que sim... o último dia () (94) PF2: se não for uma avaliação reDIjam uma avaliação e encaminhem pra GCPF2 ((Gerência de Coordenação da Política Pedagógica e de Formação)) né... porque eu acho que é importante as pessoas (repensarem) essas coisas porque já foi... já foi uma polêmica se ia fazer a formação nesse formato ou (95) P: é... é não... né? um grupo achava que não outro achava que sim... aí:: né? bancou-se a formação dessa forma... é bom que para o ano pense (direito) (96) P2: como diz os meninos... num rola não (97) PF2: num rola né? bom gente... eu queria conversar com vocês sobre retenção... eu num preciso tá dizendo pra vocês... né? da/ das coisas que eu acredito com relação à escola pública... ocês sabem né? eu acho que... a gente até já discutiu né entre linhas muito isso né? é:: só pra gente reforçar... eu tava comentando com as meninas aqui da primeira fase... não... os apoios né? (98) P: uhn uhn eu tava comentando com as meninas do apoio como é que era/ como é que a gente muda de acordo com a trajetória da gente... né? eu... como minha experiência inicial é na escola particular né? eu quando entrei pra escola pública eu achava assim... um absurdo essas dificuldades... um abSURdo o menino não saber as quatro operações... um abSURdo o menino não saber ler e escrever... né? um absurdo eu/ eu achava aquilo errado... que a escola tem que ser de qualida::de... num sei o quê... eu ainda penso que a escola tem que ser de qualidade graças a Deus mas eu penso um pouco... é:: que essas coisas não acontecem na marra... né? a gente tem que penSAR que aluno é esse que a gente... tem... isso ocês sabem melhor do que eu... né? um aluno que não tem basicamente quase nada... né? às vezes nem dignidade né? o aluno nunca foi ao clube... nunca foi ao teatro... nunca foi a um restaurante... um aluno que nunca/ nunca foi a... né? a lugar quase nenhum... um aluno que basicamente quase num tem família... quando tem num valoriza... num tem escola... então assim... um aluno em que a escola tem que trazer... né? todo esse universo aí dos filhos da gente... dos sobrinhos da gente... né? da vida da gente... a gente tem que trazer pro nosso aluno porque ele não tem e aí:: eu fico pensando como que eu mudei porque eu acho que a escola pública é pra esse aluno... pra ele... sabe... a escola pública num é pro meu filho não... a escola pública é pra esse menino que num tem nada... né? o público/ o dinheiro público é pra gente... tentar minimizar essa situação que esses meninos vivem né? e aí a gente tem tentado durante esse tempo todo... né? junto com... a educação que a gente tá proporcionando a ele né? sanar essa deficiência que ele tem da área social... né? desse tanto/ de tantas áreas... a escola gente ela foi feita assim... eu acho que escola pública foi feita pra isso... sabe... e aí:: eu tava agora discutindo tanto que eu fiquei feliz com... algumas mudanças que eu já TEnho visto... principalmente aqui... na escola né? porque o ano passado... na última etapa do ciclo... eu... num era eu que estava aqui... mas a SMED estava... o Núcleo ((Núcleo de Alfabetização e Letramento)) estava né? na figura da S. ((professora formadora, ex coordenadora do NAL)) e a nossa MEta era assim... a gente ia reter no final do ciclo os alunos pré-silábicos... né? então os alunos pré-silábicos iam ser retidos.. e assim foi feito... (reteu) os pré-silábicos... alguns

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silábicos às vezes escapuliram né? ficaram também e tal e o resto foi pra frente... quando foi esse ano... assim... a MEta dos meninos de SEis anos... é que os meninos estejam alfabéticos... olha cumé que muda o foco... né? mas muda mesmo... e aí:: sentando né... com as meninas de seis anos... a gente percebe que muitos estão alfabéticos (99) P2: sim... com certeza (100) PF2: muitos estão alfabéticos aos seis anos... então... o que que a gente espera... a gente espera que daqui a dois anos realmente os alunos vão estar saindo do primeiro ciclo alfabetizados que é até mais do que alfabético né? (101) P: uhn uhn ele é ortográfico mas muda mesmo... que a gente fala que é o ciclo da alfabetização... né? então se hoje a gente tem como meta os de seis anos né que eles estejam alfabéticos... com certeza quando eles chegarem aos oito anos eles vão tá alfabetizados mesmo... lendo escrevendo produzindo né? com regularidades ortográficas com facilidade... né? só que:: até a gente chegar nesse ponto o que a gente vai fazer com esse menino? são dois né? o que que a gente vai fazer com esse menino? e aí:: eu disse à J. o seguinte... é:: eu preocupei demais naquela reunião que a gente tava até falando do caso daquela menina (102) P2: nós já descobrimos que o caso dela () (103) PF2: eu preocupei demais com aquela questão da retenção porque eu falei assim... gente... ainda falei com a J. ... vai ter que reter mesmo? porque os meninos vão pro segundo ciclo no turno da manhã e vão pegar um grupo que ainda não passou por esse processo que ocês passaram... né? porque vocês tiveram aqui ó um a::no né? que nós tamo aqui que nós reorganizamos (104) P: (na peleja) que nós falamos de enturmação... que nós falamos de uma série de coisas... que nós falamos né? então que nós estamos preparando a cama pros meninos do primeiro ciclo... né? nós tamo preparando o/ o/ a eQUIpe dos meninos do primeiro ciclo... o que que acontece? a equipe do primeiro ciclo é uma equipe de professores al-fa-be-ti-za-do-res... entendeu? e aí noutro dia eu tava dizendo na SMED alfabetizador tem que ganhar muito... porque tem é um trabalho DIferenciado... né? então a/ a equipe né? a equipe do primeiro ciclo ela tá se constituindo enquanto equipe de alfabetizadores... algumas ainda não têm... tanta facilidade com a alfabetização quanto outras... não é mesmo? mas todas elas já dão conta de dizer da alfabetização com maior propriedade do que diziam há um ano atrás né? que a prática/ então... aí assim/ ela né? na prática... na formação... na conversa... né? no coletivo... então ocês vão... quando eu fiquei sabendo que a primeira fase do segundo ciclo ela ia ficar toda à tarde... aí eu questionei novamente falei com a J. então perdeu o sentido... né? perdeu o sentido porque se a meu ver esses meninos iam ser retidos porque precisava fazer um trabalho com eles de alfabetização e era essa equipe aqui que dava conta disso... né? hoje... os meninos da primeira fase vão estar com essa equipe que é a equipe da alfabetização... né? e que a defasagem deles pode ser tratada aqui... no mesmo grupo... com o mesmo/ com as mesmas pessoas ...então o que que acontece? eu estou defendendo a não retenção... eu num vejo sentido nela (105) P: uhn uhn (106) P1: eu vejo ainda (107) PF2: e aí é isso que eu quero dizer porque tá aberto pra quem () a SMED tá (108) P: uhn uhn dizendo o seguinte... pra reter tem que fazer um relatório... tem que fazer um relatório dos três anos... da evolução desse menino nos três anos de ciclo né? e aí assim... a indicação da retenção é DE vocês entendeu? então a minha (109) P: uhn uhn parte ela se encerra aqui... né? então eu acho que ocê pode ver C. ocê tem toda:: né?

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(110) P1: ó... eu acho o seguinte... porque... é:: por exemplo... vamo pegar o caso da T. ((aluna)) a questão da maturidade dela... ela não dá conta de um segundo ciclo porque querendo ou não eles tão em processo que eu acho que o momento deles ainda é de alfabetização com a CA::ra dô primeiro ciclo... num é porque eles estão no turno que vai continuar a cara do primeiro ciclo não... cê entendeu? eu acho o seguinte... tem a equipe e tal... mas nós temos que/ que caracterizar bem o que que é o primeiro ciclo e o que que é o segundo (111) C2: só pra/ pra/ a gente garantiu na organização uma intervenção pra poder acompanhar esse aluno no primeiro ano (112) P1: ô J. não... olha ocê vai me... eu acho que te::m a intervenção sim... então essa intervenção daria certo pra um R. pra um L. ((nomes de alunos)) mas (113) P: é essa intervenção não daria certo pra uma A. C. pra uma () ((nomes de alunos)) não daria certo pra um P. ((aluno)) porque... são crianças que não é só a questão da alfabetização não... tem uma questão da infância... eles não estão numa fase de segun... aí o que que vai acontecer? eles vão continuar aquela criança criança numa turma onde os meninos é que já são é/ é/ meninos maio::res porque vai pro segundo ciclo a ida::de tá diferente (114) P: uhn uhn então por exemplo... o que o P. pensa o que o T. pensa num é o que () (115) PF2: qual idade que tá diferente... eu não entendi (116) P1: porque principalmente essa/ essa turma/ a nossa turma... eles/ esses meninos tão com oito anos mas a maioria deles eles tão fazendo oito anos no final do ano... entendeu? então são meninos que não é só a questão da alfabetização... tem toda uma outra situação sabe? esses que tão ficando retidos (117) P4: e eu também quero falar D. ... eu concordo com algumas... retenções porque eu acho assim... que se a gente pegar por exemplo alguns meninos que tão... não são alfabéticos ainda né? mesmo assim já teve muito avanço... porque na minha sala né? que eu falei que eu iria reter o R. ((aluno))... o R. ele avançou... eu e a B. a gente tava conversando ele tá alfabético... sabe... ele entende... (118) P1: aí é que tá... o R... ele tem uma questão de maturidade (119) P4: ele dá pra mandar ((aprovar))... ele dá pra ir (120) C2: então o R. tá indo (121) P4: i::sso... R. já avançou bastante aí o que acontece... aí vão ser só quatro alunos da minha turma... eu acho assim... se num ciclo inteiro com três anos de escolaridade... quatro alunos ficarão retidos... eu não acho que é uma proporção tão grande... que a gente tá avançando dema::is (122) PF2: até eu num tô achando a proporção grande... na verdade são vinte e cinco (123) C2: isso (124) PF2: são vinte e cinco né? (125) P4: são trinta e um alunos ao todo (126) PF2: são trinta e um? (127) P4: trinta e um () eles não foram retidos... no pré não era... não foram retidos na primeira... agora no final da fase eles tão tendo a oportunidade e a C. tá falando também a questão da maturidade... os que vão ficar... igual a N. ((aluna)) ela/ ela é totalmente/ ela faz parte desse ciclo da infância e outra coisa... tudo bem... ele pode até ir pro segundo ciclo... aí ele vai... a gente cria todo um projeto de intervenção... a gente cria uma rede estrutural de apoio pra tentar né? ajudar essa criança (128) PF2: sim porque essa primeira fase do segundo ciclo a gente tá dando até outro nome... () o nome de quarta fase (129) P4: sim

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(130) PF2: porque ele vai ser... dessa equipe... ele vai ser dessa equipe... (131) P4: se ele continuar no ano do ciclo também... ele também vai ser dessa equipe (132) C2: aqui ó... mas a A. C. ((professora)) já saiu () transferência (133) P4: se ele for... tiver a progressão automática e mesmo a gente criando toda essa rede estrutural () ele ainda assim não ficar alfabético... a gente perdeu a chance de reter ele no final do ciclo... de reter no sentido de dar um ano a mais a ele pra trabalhar... eu não tô falando como castigo... porque se ele for e não ter como voltar mais aí a gente vai ter que dar conta dele (134) P1: aqui dá conta não... a gente vai ter que arcar... não é questão... a gente vai ter que dar conta fica parecendo que é uma carga... entendeu D. ... mas não é... tô falando assim... aí:: a gente vai ter que mover céus e terra mesmo... (135) PF2: entendi... o que ocê tá me dizendo é que um a::no pra esses meninos é pouco... () um ano do segundo ciclo seria pouco pra ele... ele teria que ter o terceiro ano do primeiro ciclo novame::nte pra depois tá no primeiro ano do (136) P1: isso segundo ciclo pra resolver uma questão () (137) P1: eu acho que se a gente tem uma facilidade () (138) ((simultaneidade de vozes)) (139) P1: () entendeu? porque se ele for agora... D. por exemplo... vai continuar a mesma... se ele ficar é a mesma equipe... se ele for... tudo bem é a mesma (140) PF2: si::m equipe... (141) PF2: é porque eu cheguei a falar com a J. ... J. eu num tô entendendo o seguinte... o trabalho que vai ser feito com esses meninos é o mesmo (142) P1: é mais ou menos o mesmo (143) PF2: seja lá ou seja aqui:: é esse trabalho que tem que ser feito (144) ((simultaneidade de vozes)) (145) P1: se ele for aí a gente vai ter mesmo... (146) P4: olha procê ver () matemática... a própria questão da matemá::tica (147) P: isso (148) P4: que esses menininhos daqui eles num dão conta nem do conceito de número... aí segundo ciclo qual que vem/ qual que () ... as quatro operações... (149) P: é:: (150) PF2: então o que ocê tá querendo me dizer é o seguinte... os que estão indo... tão indo com uma defaSAgem que:: vai precisar de uma intervenção (151) P4: vai (152) PF2: os que vocês tão dizendo que vai ficar a defasagem é tão gra::nde que lá ((no segundo ciclo)) não tem como (resolver) (153) P4: não tem como... tem que ficar aqui mesmo (154) PF2: o caso da T. por exemplo (155) P1: () não tem bi retençã::o (156) PF2: não... não existe isso (157) P4: é... a gente tem a oportunidade de ficar (com esse aluno um ano a mais) (158) P1: no caso da T. ela entrou na escola com oito anos... então ela não tem três anos de primeiro ciclo... aquela que eu te falei (159) PF2: ah tá (160) P1: ela tem dez ((anos))... mas ela só tem dois anos de escolaridade... então não é bi retenção () (161) PF2: não... não é (162) P1: ela vai ficar porque de todos quem mais me preocupava aqui era ela

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(163) ((simultaneidade de vozes)) (164) P3: a minha turma D. é o seguinte... o ano passado... a/ a J. pode falar com mais propriedade porque é:: o que/ o que/ o que eu fiquei sabendo a respeito dessa (organização com os meus alunos) o ano passado foi o que eles mesmos me contaram... eles falaram pra mim que... no mínimo passaram por eles no mínimo umas seis professoras e que nenhuma dava prosseguimento () quer dizer... tô dizendo assim... (165) P: da alta rotatividade (166) P3: a rotatividade ela é tão grande que eles mesmos não vinham... eles já me falaram... professora a gente não vinha (167) PF2: não consolidava nada né? (168) P3: nada... num tinha aquela coisa de consolidar nenhum tipo de conhecimento... tanto que quando eu comecei com eles em fevereiro... que eu/ que eu fui fazer um te::ste... que eu fui olhar a leitura... que eu fui (pegar)... eu... desesperei eu falei J. ... primeiro eu não queria pegar oito anos... queria pegar sete ou seis... mais sete... como sobrou/ sobrou de oito... eu falei... J. eu não vou dar conta dessa turma... essa turma é muito pesada... essa turma tá com muita dificuldade... já tem menino que tem dificuldade... que tá vindo... é:: é:: é:: (169) PF2: juntando dificuldades (170) P4: é exatamente essa situação (171) P3: juntando dificuldades... dá pra/ aí/ aí eu falei com ela desesperadíssima eu falei... não vou dar conta J... ela falou assim... calma M. J. ... a gente tá / tá chegando agora... fica com eles tal tal... acalma um pouco... vamo ver um trabalho legal pra eles... e também não tinha como sair fora (172) PF2: uhn uhn (173) P3: porque já tava tudo... estruturado ((longa pausa)) e eu acho assim ó... meus quatro que tão ficando... eles não tem a mínima condição de ir... porque se eles forem... porque se eles forem eles vão ficar assim... porque eu acho o seguinte... vai fazer uma turma de menino com muita dificuldade? (174) PF2: não (175) P3: eles vão ser o quê... distribuídos (176) PF2: isso (177) P3: eles serão distribuídos em turmas que têm mais ou menos... que tão num nível bem mais avançado que o deles... mesmo que se fizer... igual ela falou... uma estruturação toda muito bem feita em torno desses meninos... eu não acho que ele/ que vai ser o que/ que eles podem ser se ficarem... tá? porque vai ser () voltado pra ele (178) PF2: uhn uhn... ô gente... é isso... obrigada Anexo 3 – Texto III Entrevista com PF1, na SMED, em julho de 2009.

(1) PF1: eu me formei em Psicologia na... Universidade Federal né? de Minas Gerais... e:: ao longo do cu::rso... já no:: ... terceiro período... eu comecei a trabalhar na creche da FAFI::CH que atendia as crianças né? filhos de funcionários... de professores e:: tinha uma filosofia de trabalho... já mais construtiva... baseado na Madalena Fre::ire... então ali eu tenho os meus primórdios de:: de um trabalho mais alternati::vo... mais inclusi::vo... é:: ... tive também experiência como estagiária em postos de saúde e também na Psicologia Social... acho que isso me deu também um olhar né? mais... aguçado em relação às realidades sociais... mas COmo material teórico.. a minha formação sempre esteve voltada mais para a psicanálise né? durante o curso... tanto é que eu até deixei de fazer algumas matérias... é:: relacionadas a

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Piage::t e à Psicologia da Educação porque na época eu não tinha... é:: eu não tinha muito determinado qual seria meu campo de atuação mas o meu dese::jo seria ser analista... né? ser psicanalista e fiz... já no curso assim eu já comecei a fazer grupos de estudos paralelos que a gente tinha orientador em psicanálise mas a minha prática era eu trabalhava na creche... então eu era professora e era uma professora eu adorava o que eu fazia mas de certa forma a minha prática e a minha formação teórica estavam um pouco distanciadas... logo que eu saí que eu me formei eu por um tempo mantive esse dese::jo de ser psicanali::sta mas continuei trabalha::ndo na área de educação e fui ser professora de jardim... é:: jardim de infância ainda como a continuidade do trabalho que eu desenvolvia né? na creche que foi o mesmo grupo que formou uma escola privada com a mesma filosofia de trabalho... então nessa experiência... começando na creche... eu trabalhei com crianças de três meses até crianças depois no jardim de cinco anos... já em início de:: do processo de alfabetização... é:: continuei tentando... fazendo a formação... em instituições psicanalíticas... só... que o consultório ele não progredi::a... era muito difícil... é:: sustentar esse dese::jo porque... a clientela ela aparece... assim... muito descontí::nua... então é um processo muito sofrido principalmente... é: financeiramente... a falta de retorno... e eu no momento eu fazia análise né? já tinha um tempo... meu pró/ meu próprio processo de terapi::a... EU resolvi é:: fazer uma aliança entre o que eu estudava e o que eu praticava e nesse momento eu decido abandonar né? esse desejo de ser psicanalista e volto a minha concentração toda pra área de educação e começo a aprofundar os meus estudos que eram pontuais nessa área... entã::o... eu comecei a fazer uns atendimentos depois com alunos com dificuldade de aprendizagem tipo um reforço escolar na casa deles e logo tive a oportunidade de:: trabalhar no Balão Vermelho... trabalhei lá por um ano... nessa época eu não tinha magisté::rio porque a minha formação foi de científico né? estudei no Santo Antônio no segundo grau e:: e não tinha magistério mas eu tive a oportunidade de trabalhar lá com... eu fiz um contrato com a direção... eu estaria lá mas fazendo magistério em um ano... no/ no caso no colégio Minas Gerais... então é:: foi uma experiência MUIto importante na minha vida... eu acho que foi um divisor de águas a experiência no balão vermelho porque eu fui CONtaminada e:: por assim... por li:vros por ideias assim... eu li muito muito muito muito a I. foi uma pessoa muito importante pra mim nessa trajetória... então ali eu acho que eu tenho a minha base assim em relação à leitura a produção de texto ela assim... o que mais me influenciou foi toda essa leitura que eu fiz na época de autores né? é:: eu/ eu tive experiência com alunos de quarta sé::rie... então não foi nem tempo o processo de alfabetização que eu me debrucei mais mas a experiência né? dos textos de leitura de produção escrita... é:: da questão da interação... da questão da função social dos textos... eu tive a oportunida/ mesmo... da aNÁlise dos gêneros ... das características... dos usos... é:: foi uma impregnação teórica muito grande... a experiência com os alunos... ela foi né? um pouco ali... um laboratório porque eu não tinha uma trajetória assim que me embasasse muito (2) Pesq.: a I. era quem? diretora? (3) PF1: a I. era uma das donas ((do Balão Vermelho)) e a coordenadora de:: da parte de leitura e de escrita... é:: ... por razões políticas eu... eu abandonei a escola no final do ano e já tinha contato com uma das professoras lá que era uma professora muito politizada... é:: de me seduzir para vir para a Prefeitura... então foi em noventa e dois... no final de noventa e dois eu saí do Balão e aí no meio do ano de noventa e três eu faço é:: ... faço concurso e entro na Prefeitura no ano de noventa e quatro... é:: nessa época também eu tinha uma outra referência que era a:: Psicopedagogia... eu comecei a me formar... na época o atendimento psicopedagógico ele não/ ele não demandava ainda uma Pós-graduação mas eu comecei a participar de um grupo de estudos com C.M. ((nome da psicopedagoga)) e com uma outra... psicopedagoga/ gente... agora/ M.A.V. ((nome da psicopedagoga)) que é uma pessoa que tinha é:: um status... tinha um reconhecimento muito grande... nessa área... eu começo...

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depois em noventa e cinco um atendimento em consultório e com essa supervisão M. e C. e C. também me ajudou muito além do consultório na prática de alfabetização porque... a primeira turma que eu pego na Rede ((RME/BH)) é de alfabetização... eu fiquei por um tempo no primeiro ciclo... ainda assim... ainda numa experiência de laboratório porque a minha formação vinha de um olhar né? da rede privada... na escola eu não encontro um apoio pra essa formação... então tudo aconteceu muito assim no ensaio e erro... nas boas intenções mas eu acho que eu fui uma professora que no início mais letrei do que alfabetizei... esse processo né? de unir a alfabetização na perspectiva de letramento foi uma construção mas eu tinha muito mais embasamento em relação à proposta de letramento do que realmente a organização e estruturação da prática de alfabetização... depois eu vou para o segundo ciclo... nessa época eu sou convidada também a escrever material de livro didático para é:: terceira e quarta série na época... primeiro foi um projeto... é:: bancado pelo Novo Rumo Vestibulares que tava investindo é:: em material de/ de primeira à quarta-série... eles já tinham um material de/ de pré-vestibular e foi um material/ uma/ foi uma experiência também significativa aliando aí esse ponto lá da I. ((do Balão Vermelho))... depois a C.M. e M. A. ((psicopedagogas))... agora vem... na constituição desse grupo de pessoas assim que despontavam na época em relação às ciências à matemática... muitas delas já tinham passado pelo Balão... então nós construímos um material que não foi é:: encomendado... nós tivemos a liberdade de construir uma coleção é:: colocando... tentando colocar em prática essa filosofia com a qual a gente se adequava né? é:: que era na perspectiva da construção do conhecimento e:: também da articulação com o material assim culturalmente de qualida::de... é:: e com propostas é:: de atividades realmente significativas pro aluno... na época a gente tinha... é:: como base também de projetos né? de traba::lho... a gente foi bem influenciada por isso... mas principalmente aí por César Coll na época... as atividades significativas... a relação daquilo que o sujeito tem com aquilo que o sujeito vai aprender... esse trânsito... essa reflexão e a mediação do professor... então isso aí me deu uma/ uma:: assim... um amadurecimento também e uma inter-relação entre as/ as disciplinas... nesse proce::sso... nós fazíamos a formação desses professores... que eram professores de escolas pú/ é:: particulares... /a gente::/ e pon-tu-al-men-te de redes públicas municipais... mas foi uma experiência de cu::rso que a gente dava mensalme::nte... depois eu tive a oportunidade de acompanhar uma escola em Lagoa Santa onde eu ia fazer a reflexão com as professoras de terceira e quarta-séries de leitura e de escrita... então assim... a minha trajetória depois da universida:de ela/ela não foi... ela não... teve uma continuidade NEssa instituição... foi uma formação em paralelo né? por meio de... de escolas privadas ou de supervisores né? vamos chamar assim... que não estavam ligados a uma instituição a uma faculdade a uma universidade... é:: depois mais tarde eu faço... é/ depois de cinco anos de trabalho com a Psicopedagogia eu me desligo do consultório... também assim porque/ por/ a clientela foi diminuindo um pouco... a gente tava num momento de cri::se e esse próprio espaço entre a escola e a família... entre o inconsciente e o cognitivo... estava me trazendo confli::to... é:: grande... e eu resolvo então dar um tempo e investir mais... na minha prática pedagógica... então nessa época eu já estava... trabalhando também no Projeto EJA ((Educação de Jovens e Adultos – RME/BH)) na escola... onde eu fiquei cinco anos trabalhando com língua... portugue::as... com os alunos na época de quinta série né? eu pegava também turmas de sexta... é:: por problemas... por conflitos políticos e funcionamento... problemas de funcionamento da esco::la onde eu fiquei nove anos.. que é do aglomerado da Serra... eu faço opção e peço tranferência por uma outra escola que também atende essa clientela... é:: e fico aí nos meus últimos seis anos trabalhando com alfabetização nessa escola... é:: a minha prática então de alfabetização ela é:: reestruturada... teve aquele momento inicial em noventa e quatro depois em dois mil e dois eu retomo essa prática... já reestruturada... com leituras... com aprofundamento e com interação e com/ com/ e com desenvolvimento né? de trabalho bem diferente... mas mesmo assim na esCO::la eu ainda não

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encontro assim um esPAço de interlocução e de formação co-mo o desejado né? participei de alguns seminários de alguns encontros de/ de formação... mas aí eu ainda me sentia muito solitária... é:: nessa bu::sca da estruturação do trabalho... é:: e já ti/ mas já tive uma:: uma possibilidade de construir um trabalho mais fundamentado e um retorno né? mais positivo dos alu::nos mais rápido... é:: mais e:: e nunca perdendo o norte da função social... é:: do desenvolvimento cogniti::vo... do trabalho reflexi::vo e... da valorização da autoestima e principalmente algo que eu acho que é da minha marca do meu trabalho que é:: a subjetivida::de... o trabalho com a oralida::de... o trabalho com as relações... sociais e com a possibilidade desse sujeito é:: se colocar... construir seu espaço dentro de sala de aula... eu acho que às vezes eu até fui muito além (do que) eu poderia e hoje vou/ pretendo voltar pra a sala de aula e acho que eu vou ter essa medida num outro tom porque participando de toda a formação estruturada pela SMED esse trabalho de acompanhamento isso tem sido muito rico pra mim né? mesmo com todos os desafios... mas eu consigo assim é:: dar mais uma reestruturada e uma organizada na minha prática porque eu acho que esse tempo todo isso foi... eu não participei de pós-graduaçã::o... não fiz mestra:do... mas eu acho que esse tempo que a gente fica aqui ((na SMED)) é uma:: ((risos)) é:: assim... a gente (se) fica totalmente impregnado mesmo de teoria e de trocas de experiências... no tumulto mas é um boom mesmo... eu acho que:: é:: tudo isso... nos dá mais norte né? pra estruturação dessa prática... então... vamos lá... eu me perdi aqui (4) Pesq.: você estava falando sobre a SMED (5) PF1: aí então () a entrada na SMED (6) Pesq.: exato... em relação à entrada na SMED né? eu pergunto a:: época... desde quando você trabalha e:: por que você resolveu vir pra cá... foi u::m convi::te... como que foi essa entrada? (7) PF1: eu já::/ eu entrei né? na Rede em noventa e quatro e só vim pra SMED em dois mil e oito... eu já havia sido convida::da em noventa e cinco no segundo semestre exatamente assim finalzinho de junho... é:: eu já havia sido convidada pra vir para o Núcleo de Alfabetização em noventa e cinco quando a Patrícia Mulan era uma das coordenadoras e ela foi minha contemporânea de Balão Verme::lho foi uma das pessoas que me seduziu né? pra Rede... além da Lucinha que foi também... não posso me esquecer dela nesse percurso todo... a Lúcia Helena Alves Leite né? que hoje é professora da FAE... na época ela era coordenadora do Balã::o e:: se Claudia Mazone e Mariangela me dão um tom cognitivo... Ieda me deu o tom do letramento... a/ a Lucinha foi um pilar para o trabalho social... né? então ela mesma que me orienta em relação à escolha de esco::la e ela/ ela acompanha um pouco do meu trabalho... dos projetos de trabalho que eu desenvolvia com os alu::nos... então ela também foi um pilar estruturante né? pra minha prática... e:: e Patrícia me chama pra vir pro Núcleo de Alfabetização até pra trazer um pouco pra SMED a discussão da Psicopedagogi::a... da subjetivida:de... desse lugar né? de onde eu tenho essa formação mas na época por questões pessoais e também ah eu prefiro ficar em esco::la eu acho que eu ainda tenho um pouquinho mais a fazer aqui... aprender... a contribuir... assim... eu sempre fui uma pessoa instigante na escola... eu sempre... procurei puxar o grupo pra ci::ma... provoca::r... no tempo de reunião pedagógica isso era mais possível mas mesmo ali na interlocução às vezes com alguns atritos às vezes com impulsivida::de... às vezes emocionalmente abalada mas eu acho que a minha contribuição assim... foi bacana assim como de outras lideranças né? que eu/ que eu tive a oportunidade de conviver e que também me provocaram... assim... de forma construtiva... é:: já havia sido chamada também pra algumas vezes para ir para a Regional no caso Regional Leste né? porque eu sou lotada na Leste onde o pessoal me conhecia... é:: e pra uma outra Regional também que eu acho que foi a Regional Oeste no momento mas eu não é:: não (quis) não achei que seria adequado... em esCOla eu fui nesses catorze anos e meio professora... co::m... apenas um ano de estada na coordenação né? ao longo do:: de todo o tempo eu fiquei

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em sala de aula pegando aí desde alunos de cinco anos até mais ou menos cinquenta na EJA com uma passagem bem rapidinha no terceiro ciclo como professora de Artes e:: mas no::/ mas eu já estava pensando agora né? nessa/ nessa volta ao trabalho com alfabetização em tentar uma entrada no Núcleo é assim que eu fechasse o segundo ciclo de trabalho... com/ com turmas na escola onde sou lotada... então porque eu venho né? transferida pra essa escola em dois mil e dois então eu acompanho uma turma de alfabetização... de seis a oito anos de dois mil e dois a dois mil e cinco e depois eu acompanho uma de dois mil e seis que fechou o primeiro ciclo no final de dois mil e oito... eu esTAva como professora referência dessa turma e em junho eu sou contactada pela Regional Centro - Sul pela atual é:: G dois ((Gerente de Educação da Regional)) (ah) pela atual G dois na época uma pessoa da ((Regional)) Leste que já conhecia meu trabalho e:: também é:: pelo contato indireto de uma das acompanhantes que foi acompanhante da minha escola né? que tava também fazendo parte compondo o/ o trabalho no Núcleo... elas me apontam como uma pessoa que:: teria perfil pra substituir duas vagas de pessoas que tinham sido deslocadas pra outra função né? e:: por questões pessoais eu tenho:: um território de trabalho mais limitado eu não diri::jo então eu não posso me aventurar né? a todos os pontos e lugares da cidade por uma escolha pessoal também... então eu sou... convidada a:: trabalhar com três escolas da Regional Centro-Sul que é uma regional onde eu moro né? sou moradora do Anchieta então tem vaga de acompanhamento pra três escolas da Regional Centro-Sul... no Núcleo de Alfabetização... o meu desejo naquela época era de terminar o trabalho com a minha turma e no final do a::no prestar seleção no Núcleo e se fosse... né? selecionada desenvolver um trabalho porque eu já estava sentindo essa necessidade assim... pela primeira vez eu já estava sentindo a necessidade de sair de ver a escola de outro lugar e de aprofundar meu estudo e principalmente a interlocução... a interlocução com parceiras da Rede muito mais do que o movimento porque eu sempre tive o desejo (de) ir pro mestrado mas questões sempre pessoais me emperrando aqui e ali principalmente quando é:: a própria SMED coloca é:: uma suspensão da bolsa né? .... para... (8) Pesq.: pra licença com vencimento (9) PF1: pra licença com vencimento... então isso também foi um dos meus desestímulos.... o mestrado eu tinha assim um (apontamento) a pós-graduação não... nunca me:: desafiou muito... então eu sou convidada pra se::r... eu passo né? por algumas entrevi:stas... as pessoas me colocam no trabalho... me contextualizam e eu assim muito:: ((risos)) ansiosa e angustiada faço a opção por/ por aceitar né? esse convite... então no mês de ju::nho de dois mil e oito ((a coordenadora do Ensino Fundamental entra na sala para dar um recado à Alayde)) então eu entro ((limpa a garganta)) ((longa pausa)) é:: então eu começo a fazer parte do grupo das Ações Integradas ((para a Aprendizagem)) né? um subgrupo dentro do projeto de acompanhamento das escolas acompanhando três escolas da ((Regional)) Centro-Sul ((iniciais das escolas)) B.J. U.G. e M. P. ... é:: mas esse trabalho efetivo nas escolas ele começa em agosto então em junho e julho eu fico na SMED um turno e continuo com minha sala de aula ainda no outro turno e nesse turno na SMED eu tomo contato com o matéria::l e mais ou menos assim com o funcionamento é da Secretaria e particularmente o do Núcleo de Alfabetização... mas eu não tive uma acolhi::da é:: da maneira como eu gostari::a e:: e acho que:: né? seria:: a mais pertinente... em termos assim... do contexto principalmente do contexto do trabalho nas escolas pelas acompanhantes anterio::res e:: e mesmo do:: do processo do trabalho... então isso me afligiu extremamente... me deixou extremamente ansio::sa por um momento eu QUAse abandonei o trabalho por achar que não seria capaz de lidar com tanta informação e com uma falta de:: de:: de articulação é:: ou de determinação para o processo do trabalho... hoje eu entendo um pouco isso porque na verdade é:: foi ao longo do primeiro semestre que esse trabalho foi estruturado né? que ele passou é assim pôr/ por uma definição tanto na SMED como no Núcleo de Alfabetização como no grupo das Ações Integradas e também nas escolas... este ano como eu estou na escola ((fazendo

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acompanhamento)) desde o início do ano eu percebo o tanto que o primeiro semestre ele dá a marca ele dá o tom do trabalho por quê? é no início do ano que as questões de gestão elas são mais apontadas e nós temos que fazer os encaminhamentos e as determinações na esco::la... então o ano passado eu não passo por esse pro/ por esse processo né? de gestão... quando eu chego na escola a organização o formato do acompanhamento já está defini::do né? já foi construí::do com a outra acompanhante... então eu vou tomando pé do lado é:: político na medida em que eu vou trabalhando né? isso não fica cla::ro... isso não está dito com todas as letras mas eu vou tomando pé das entrelinhas no processo... é:: em relação à formação ela me dá uma condição é:: mais segura na medida em que o foco é a alfabetização e o letramento... né? duas áreas nas quais... eu me aprofundei e eu tive uma prática é:: razoável e:: tanto em termos quantitativos quanto em termos qualitativos... então esse lugar ele/ ele me traz uma/uma certa segura::nça... e... na medida em que eu tenho o apoio também de uma acompanhante que é da Regional e ela faz a leitura política e ela:: interfere nas questões de gestão junto comigo... a REceptividade nas escolas... ela:: não é fá/ não foi fácil... tanto pelo peso pelo lugar né? das acompanhantes é:: anteriores como pelo próprio processo né? de estruturação da escola... é:: são escolas que tem aí um histó:::rico é:: complicado em relação à inclusão em relação à::/ ao trabalho com o aluno vulnerável... é claro que com experiências localizadas pontuais de muito significado em todas elas né? com algumas lideranças... e com algumas professoras né? que desenvolvem um trabalho de significado mas... no conjunto... elas vem aí com essa história de:: da dificuldade com a inclusão real do alu::no... é:: com o trabalho de práticas letradas e... também na estruturação da alfabetização então os problemas aí eles vinham assim... em todos os níveis... mais também foi confortável pra mim encontrar a escola já com os horários organizados pra isso e:: já co:::m... co::m uma::: é:: esse lugar/ é dado a esse lugar uma significância uma importância e: e um valor por mais que os atritos né? com os gru::pos as dificulDA::des de relacionamento entre os grupos a dificulDA:de pra que as informações circula::ssem é:: fossem presentes mas eu tinha/ eu tinha o ano passado então retomando dois pontos o acompanhamento com a Regional que trabalhava as questões maiores da escola em paralelo ao trabalho do Núcleo ((de Alfabetização e Letramento)) e... essa estruturação essa formatação é:: para a formação em alfabetização e letramento... ao longo do semestre como tudo isso foi muito novo pra mim é:: eu tive desafios enormes... mas eu sempre procurei trabalhar é:: ... usando uma dinâmica de levantar né? com as professoras aquilo que elas já davam conta de fazer... as percepções que elas tinham em relação a determinado tema ou determinada prática e problematizar é:: trazendo outros elementos pra análise é:: em relação também ao desenvolvimento do trabalho ao longo do ano no primeiro semestre AS diretrizes ((documento da RME/BH que norteia o trabalho com o primeiro ciclo do ensino fundamental)) elas... são mais é:: objetivas... e é mais fácil que o grupo caminhe junto né? na medida que você está estruturando com as professoras a roti::na... você está fazendo o perfil das tu::rmas... você tá traçando me::tas... ao lo:ngo dessa estruturação o trabalho né? ele vai tomando corpo em cada esco::la de acordo com o perfil de cada acompanhante por mais que nós tivéssemos aí como meta trabalhar com as capacidades de alfabetização e de letramento nos diferentes eixos articulando o trabalho do alfabetizar letrando... levantando é:: traçando relação entre prática e teoria entre o perfil da turma: e as metas... cada um de nós né? fez o seu encaminhamento e eu achei/ eu fiz uma escolha é:: primeira em agosto por levantar um perfil é:: das turmas mais é:: mais próximo ali porque os dados que eu tinha eram de avaliações sistêmicas que tinham acontecido no início do ano então eu procurei chegar duma forma:: menos... ameaçadora então pedindo um ditado aqui:: uma prova de leitura que eu construía com as professo::ras... pra ter uma noção mais daquilo que era corriqueiro daquilo que era: assi::m... que poderia estar mais próximo da realidade da professora e nesse sentido eu acho que eu fui/ fui feliz... e a partir desses instrumentos então eu ia agregando eu ia tentando agregar a cada mê::s... um novo diagnóstico ao invés de

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começar já com uma prova estrutura::da de fora... é:: ... pra pode:r fazer esse/ esse acompanhamento mais real da turma... então foi um diagnóstico PROgressi::vo tanto... das turmas como né das professoras e do trabalho delas com essas turmas e/ e por volta de outu::bro a gente já estava então desenvol/ é: fazendo um estu::do das capacidades por eixos ((da alfabetização e do letramento, segundo a Coleção Instrumentos, do CEALE)) né? foi um trabalho que:: deu pano pra manga... em alguns grupos ele foi a tro::ca e a problematização ela se deu de forma mais tranquila e em outros grupos ela se deu de forma mais tumultua::da mas eu acho que:: de todo mo:do foi possível assim articular um pouco mais o grupo em/ nas três escolas os encontros se davam com os grupos com as professoras das etapas né? de cada ciclo... então é:: isso foi... eu acho que foi possível de acontecer assim apesar de todos os problemas com os quais eu me depara:va é:: politicamente eu tive que fazer uma intervenção é:: mais drástica só numa esco::la ... em relação a uma professora de seis a::nos ((que dá aula para alunos de seis anos)) que dizia que não brincava com os alu::nos... que os professores é:: de escola pública não bri::ncam porque esse/ esse trabalho é só/ só é feito em escola priva::da... é:: que os meninos tinham passado os seis meses apenas aprendendo regras né? aprendendo a organizar a sala que eles não tinham estruturado conhecimento formal nenhum que não era possível... então diante disso que eu achei era mais gra::ve eu faço um apontamento com a direção ((da escola)) e essa professora é deslocada... é:: claro que ela não é retira::da né? ela é apenas deslocada... da função de professora referência ela vai pra professora de apoio e a gente entende que imediatamente é:: teria um efeito menos nocivo ma::s em relação às outras professoras e as outras enturmações... a gente:: mantém né? porque esse trabalho ele foi mais é:: edificado no início do a::no então eu/ eu não me senti com muita liberdade né? e:: e muito à vontade pra fazer marcações intervenções é:: assim mais comple::xos em relação ao trabalho... é:: em relação/ e nessa discussão das capacidades eu tenta::va... é:: refletir com elas as concepçõ::es né? o luga::r... que cada uma delas ocupa::va... é:: a filosofi::a do traba::lho... a visão de alu::no... a visão de cria::nça... então essas... todas... essas questões elas perpassavam por aí... algumas puderam ser mais né? problematizadas outras menos (10) Pesq.: você relatou sua prática como professora formadora em dois mil e oito... em algumas escolas... mas se você tivesse que defiNIR esse papel de professor formador como você o definiria... sucintamente o que é ser professor formador para você? Como é estar nesse papel? (11) PF1: ((pausa)) eu acho que ser um professor formador é... possibilitar uma/ possibilitar uma problematização da prática pedagó::gica... levantando com a professora a sua experiência o seu conhecimento prévio a sua forma de atuar... fazendo uma análise disso... daquilo que é... efeti::vo... aquilo que é de suce::sso... aquilo que traz um avanço né? no aprendizado dos alunos e aquilo que é problemático e a partir daí analisar esses problemas... busCA:R em relação à escola práticas de sucesso... aos pares práticas de sucesso... as pesquisas né? e a fundamentação teórica para que esse professor se desloque... isso é algo que eu tenho como de-sejo... mas... é:: não é simples... e não sei se é o mais efetivo... é:: eu tenho pensado também e gostaria de conhecer mais a fu::ndo outras é:: formas né? de acompanhamento escola::r outras formas de entra::da dentro da esco::la com programas mais estruturados né? por exemplo como o PROFA em São Paulo ou o projeto GESTAR do MEC... é:: eu estou numa fase de conflitos e gostaria de ter até mais conhecimento dessas formas de atuação que são estruturadas que tem é:: que sã::o não são propostas de formação mas programas de formação é:: que já te dão alguma orientação mais definida é:: com uma interlocução DENtro de sala de aula... já com ações defini::das né? DENtro de sala de aula e que o professor ele também aca/ ele::/ ele já tem um vislumbre desse processo... em alguns casos é por adesão em outros não né? são notícias que eu tenho desses programas e que eu gostaria de conhecer mais até pra analisar a re/ a:: a eficá::cia a pertinê::ncia porque:: eu ainda não consegui assim

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passar da reunião para a própria sala de aula... esse convite ele tem vindo assim pontualmente por uma professora ou por outra... no caso do Projeto de Intervenção ((para alunos com dificuldade de aprendizagem)) que já são professoras selecionadas com um perfil né? especial dentro das possibilidades da esco::la mas essa entrada é mais fácil... ma::s em relação às professoras referência eu ainda sinto assim uma distância... eu ainda sinto assim é:: como uma situação assi::m ameaçadora ou desconfortável para as professoras... então assim tenho/ tenho tentado fazer uma articulação em relação a::/ a entrada ela se dá muito mais em relação à constituição dos grupos que é/ que é um elemento pedagógico né? também por excelência do que em relação às próprias atividades... então eu entro em sala de aula pra ajudar a formar du::pla... eu entro em sala de aula pra fazer algumas assembleias principalmente no segundo ci::clo... mas a questão ela ainda gira em torno da indisciplina... é CLAro que é um fator estruturante do trabalho pedagógico mas eu não consegui avançar é:: desse lugar talvez é:: com mais intimida::de... num trabalho em que a escola me reconheça mais como parceira né? do que:: monitora de dados... isso pudesse né é:: acontecer...só um momentinho ...(( PF1 atende o celular)) esse ano eu continuo o trabalho né? em duas das escolas que eu... comecei né? o ano passado e:: o trabalho ele tem uma dimensão muito mais ampla... pela estruturação da nova polí::tica então nós não somos mais... ape/ nós não somos apenas formadoras mas nós somos também monitoras de dados e lidamos com as questões de gestão com os problemas da escola em geral uma vez que nós não temos mais as acompanhantes da Regional é:: trabalhando junto conosco então NÓS somos responsáveis pela escola como um todo... nesse sentido eu tive:: MUItos/ MUItos desafios e muitos problemas ao longo do processo... porque eu tenho que lidar com questões de gestão o tempo inteiro seja desde a no::va reorganização de tempos e espaços... desde a definição de que os horários né? que projetos específicos eles vão ser todos concentrados para o reforço escolar... o levantamento da professora de perfil ((para trabalhar com o Reforço Escolar)) .. tudo isso implica em questões políticas... né? na hora que você estrutura um PAP né? que é um projeto de ação pedagógica você lida com questões políticas... no dia a dia da escola nós lidamos com questões políticas... então além da formação que é claro ela tem um caráter é:: político-pedagógico mas esse lado político se amplia e:: e nesse sentido eu fico muito muito muito muito angustiada por/ e reconheço que não tenho perfil... para... tá sendo assim a/ a duras penas que eu tenho desenvolvido o trabalho... acho que:: devo continuar até o final do ano... que:: essa inte/ interrupção seria prejudicial à esco::la no momento... por mais que eu tenha dificuldades de lidar com/ com essas questões genéricas mas eu acho que:: um pouquinho vai sendo costurado no dia a dia e a gente dá assim passos pra frente e volta três mas depois dá mais do::is... então é:/ é: HÁ um deslocamento Anexo 4 – Texto IV Entrevista com PF2, na SMED, em agosto de 2009.

(1) PF2: meu nome? pode começar assim né? então vou falar... é::: eu sou D. trabalho na SMED e::: eu comecei na educação já tem muitos anos... sou professora ALfabetizadora... esse nome ele é dado agora antigamente a gente não falava isso a gente falava professora primária né? eu fiz Pedagogia... e:: na época eu optei por Pedagogia por já trabalhar na esco::la... a vida inteira eu tive essa história de ser professora... comecei a dar aula com catorze anos... é:: dando aula de inglês e aí isso foi me seduzindo eu fui é:: mudando passando pra:: professora de área depois pedagoga né? superviso::ra é:: orientadora e aí minha trajetória profissional é basicamente essa fiz concurso da Prefeitura e tô nela até hoje né? o curso que eu tenho é Pedagogia né? especialização nisso naquilo da alfabetização é:: uma série de outras

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mas o curso a graduação que eu tenho é Pedagogia e::: desde então né? eu venho desenvolvendo das coisas que eu aprendi da Pedagogia numa época que eu pessoalmente acho que foi o boom da Pedagogia né? Paulo Fre::ire Darcy Ribeiro né? estavam todos aí né? e a gente:: eu era aluna nessa época então eu peguei esses professores como meus professores né? não foram de fato mas foram né::: os autores dos livros que eu lia e que eu me identificava com eles... aí é:: eu trabalho na Prefeitura já há quinze anos há quatro anos atrás eu estava na esco:la e fui convidada a participar do Núcleo de Alfabetização aqui na Secretaria né? uma pe/ é:: uma pessoa que me conhecia na esco::la né? uma professora uma componente dessa equipe me telefonou perguntando se eu não tinha o interesse de vir pra cá tá? o meu primeiro impulso pra vir pra cá foi dizer que eu não tinha nada a ver com alfabetização e que até então eu só trabalhava com os meninos maiores né? obviamente eu trabalhava com te::xto eu trabalhava... COM processo de alfabetização mas na minha cabeça eu não trabalhava com os meninos pequenos fazendo a alfabetização ali:: né lidando com todos os momentos do processo não né? eu sempre peguei os meninos que na escola eram considerados difíceis talvez pelo meu jeito de ser ((risos)) né? eu/ eu gosto eu GOSto MESmo né? dos meninos que são mais é:: extroverti::dos os mais ale::gres os mais/ mais adolescentes né? com todas as coisas que as pessoas falam dos adolescentes eu me identifico e aí com isso a gente:: curte junto né? curtir no sentido de aprender de trocar de falar então esses meninos que a vida inteira na escola foram os grandes problemas dos professores porque eram indisciplinados porque eram é: conversadores porque não paravam sentados na carteira eram os meninos que eu gostava de dar aula pra eles/ de dar aula pra eles então é:: eu também tive a oportunidade de já trabalhando na Re::de ((RME/BH)) fazer um seminário co:m Fernando Hernandez sobre pedagogia de proje::tos e:: também me identifiquei com a propo::sta... desde então eu comecei a trabalhar com projeto na esco::la e:: encontrei professores que também né? aderiram à proposta nós tivemos um projeto que foi premiado pela UFMG e esse projeto veio parar na Secretaria e esse foi o motivo né? pelo qual essa minha colega telefonou e:: me convidou a vir né? compor essa equipe... quando eu disse a ela que eu/ eu não sabia nada de alfabetização ela me provou por a mais b que eu sabia ((risos)) né? pegou o livro da Magda Soa::res né? aquele:: Alfabetização em três/ três/ três gêneros (ah) nem lembro mais e:: foi me provar que eu realmente sabia né? trabalhava com alfabetização e letramento... eu acreditei e vim né? e:: é: entrei nessa história de professora formadora do mesmo jeito que eu sempre entrei na sala de aula né? em parceria com as pessoas porque num acho que tá aqui é ser mais do que ninguém muito pelo contrário eu acho que quem tá lá ((na escola)) é que tá pegando o rojão mesmo né? quem tá aqui é:: tem um tempo pra estuda::r tem um tempo pra:: visualizar a Rede como um todo né? tem oportunidade né? de ver umá/ umá/ uma iniciativa de uma escola legal e ver outra esco::la que pode não tá dando certo né? então assim COmo quem tá aqui tem essa visão... inteira né? de várias experiências isso deixa a gente numa posição até mais fácil de tá é:: vivendo que são os formadores nós não somos formadores na verdade nós somos Elos né? a gente vê uma coisa dando certo aqui né? propõe prum outro local ali que muitas vezes pode dar certo às vezes não e aí a experiência vai trazendo pra gente olha naquele lugar deu certo e pode não dar mas na/ na grande maioria dá né? e ocê vê o trabalho fluindo cê lê muito e começa a perceber né::? as coisas acontecerem né? e os meninos avançando pedagogicamente né? de uma certa forma ocê pode tá dizendo isso pra outra é ser quase que um microfone sabe? quando ocê é formadora ocê é um microfone né? ocê pega uma coisa que é loca::l e traduz isso pro/ pro/ pruma quantidade maior pra mais pessoas então ocê faz uma formação peque::na quando eu entrei pro Núcleo de Alfabetização era assim a gente ia pra escola e fazia formação pra DOIS professores né? para os professores que estavam com os alunos com dificuldade né? mesmo assim ocê é um microfone porque o que você tá levando pra esses professores é o que você é: leu de um livro ou viu numa palestra viu numa outra esco::la reconheceu no outro professor então é: são várias experiências e/ e/ é um

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conhecimento alargado por isso aquele professor que tá ali na sala((de aula)) muitas vezes e/ é na grande maioria e eu também quando estava na sala era assim ele tinha aquela visão local... né? então aqui amplia a visão e formador é ampliar a visão né? e:: procurar mostrar né? que existem outras possibilidades sim de enxergar de ouvir né? eu acho que é um pouco por aí né? aí em dois mil e quatro quando eu vim pra cá né? a Secretaria que: tinha essa formação local ela se transformou num/ numa formação gigantesca né? logo depois do ano seguinte dois mil e sete dois mil e seis né? isso passou a ser uma formação pra TOdos os professores da::/ de primeiro ciclo da Rede Municipal isso fo::i desgastante e nesse momento eu não fazia a linha de frente na formação eu fazia a/ a coordenação a administração né? dessa/ dessa ação era uma ação muito gra::nde e além disso a gente ainda tinha é:: outras ações né? perpassando pelas/ pelas tangentes que era o FNDE que era uma outra formação que vinha pelo governo federal né? o próprio Além das Letras o projeto Criança então várias outras ações e ali eu junto com V. ((ex coordenadora do NAL/SMED)) né? administrávamos coordenávamos essa/ todas as ações do Núcleo de Alfabetização nesse momento eu não tava na linha de frente na formação mas foi um/ um/ uma experiência é... de muito valor pra mim né? Essa experiência me deu mais/ um alcance ainda maior do que o alcance da formadora né? a formadora eu acho que ela já tem um/ um público gra::nde ela já tem outra visão a gente sai da escola né? a gente vê que num são daquela forma tão né::: mínimas não é nem mínimas nem pequenas né... locais mas quando a gente vai pra uma COordenação de uma Secretaria no::ssa () a amplitude é muito maior e cada vez é... né? cada vez que ocê:: / que ocê sobe ocê amplia o seu espaço ocê amplia a sua visão ocê amplia seus conhecimentos... em dois mil e oito eu participei do projeto que era uma ação da Prefeitura é/ é:: vamos dizer uma ação é:: um foco maior né? um/ um/ uma ação be::m... é::: ... be::m... exPLÍcita né? a Secretaria de Educação queria influenciar no processo de alfabetização dos alunos de primeiro ciclo né? a Secretaria de Educação queria diZER que TOdos os alunos do primeiro ciclo sairiam aos oito anos alfabetizados e pra isso mobilizou né? algumas pessoas nesse Projeto de Ações Integradas que foi um projeto piloto e depois se estendeu né? mas um projeto que a princípio a Secretaria estaria NA escola essa era a função a Secretaria estaria junto com o professor junto com o coordenador junto com o diretora Secretaria pela primeira vez fez parte da escola né? ela deixou de ser aquele olhar né? de chamar a escola chamar a atenção da escola de apontar os pontos negati::vos né? de chamar a escola a/ a vir dar explicações e esclarecimentos do que ela estava fazendo né? de ser um tutor ou fiscalizador é a Secretaria ela passou a ser o colega da escola né? nós entramos na escola não com a função de dizer a SMED tá aqui mais na função de dizer o que que ocês tão precisando que a SMED faça né? mudou a ótica um/ mudou um pouco eu não sei se isso mudou até hoje né? mais naquele momento eu entrei pra escola e a Secretaria me incumbiu de entrar pra escola né? com essa visão né? o tempo to::do nós entramos pra escola né? dizendo pras pessoas da escola que a gente num tava ali né? na função de/ de fiscalizar a gente tava ali na função de ajudar na função de contribuir né? e/ e de tá é/ é/ fazendo com que a escola avançasse e foram trinta e três escolas que estavam com baixo IDEB por isso que ele era um projeto piloto né? que eu não sei dizer se/ se foi uma ação que deu certo eu ainda não tenho uma avaliação é:: que isso foi negativo não mais também num tenho que foi/ que deu certo que foi positivo eu sei que a/ eu/ eu acompanhei três escolas no final tava acompanhando quatro mas assim eu perce::bo que as escolas gostaram muito que o acompanhamento foi assi::m falado pelos quatro ventos que tinha que continuar que é muito legal que:: é:: né? que a escola dessa vez achou um CHÃO a SMED dessa vez foi o chão que a escola precisava mais eu percebo que não foi assim pra todas as escolas que não foi assim com todo mundo né? eu participei tive a graça né? de participar de duas escolas que suBI::ram no IDEB mais de vinte pontos né? é:: eu acho que isso é resultado de um trabalho que foi feito lá de uma mudança de postura e de uma/ de uma/ de uma quebra de paradigma né? de uma/ de uma alteração na concepçã::o que:: a maioria das pessoas que constituem a escola tinham né?

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eu acho que isso é importante e i::sso é/ é gratificante isso é ponto positivo né? só que isso não teve um alcance e eu acho que o grande problema da Rede que é um entrave e que é/ é um ponto negati::vo é que as coisas não permanecem as coisas não/ não continuam aqui a gente tem um grande problema NEssa Secretaria que ela não tem uma continuidade ela começa um proje::to o projeto TEM base né? tem apoio ele É colocado na ru::a a gente vai trabalha nesse projeto mais as pessoas querem um resultado muito imediato elas acreditam que as coisas na educação se faz como num passe de mágica e num é assim né::? todo mundo sabe que num é assim mas a política num acredita que é a política num acredita que a gente precisa de tempo que a gente precisa de mais de um ano pra:: né? pra que a gente perceba as alterações na educação né? e aí as coisas assim de cima pra baixo vêm como se (assim) como se não tivesse dado certo né? eu não acredito que não tenha dado certo eu acho que o projeto é um projeto importante né? eu acho que a Secretaria ela precisa de dar conta de dar a continuida::de OUtros projetos foram importantes Projeto Criança foi de extrema importância pras esco::las que ele trabalhava a linGUAgem em vários outros aspectos mais não tem continuidade ele acabou como acabou o projeto de dois mil e oito como agora a gente tá num outro projeto que a gente não sabe se no ano que vem vai continua::r né? então assim esse é o grande entrave que eu acho que:: né? na Prefeitura eu num sei se em outros locais acontece mas DA Prefeitura dessa Secretaria eu acho que o maior problema é as pessoas acharem que as coisas se resolvem num ano só e no ano seguinte é outra histó::ria e aí começa tudo de no::vo é outro proje::to né? e então assim nós começamos a acompanhar a esco::la depois nós mudamos pra fazer uma formação ampla aí o ano passado nós paramos com a formação ampla e voltamos pras escolas esse ano nós estamos na formação ampla de novo então... a gente não.... sabe? não defi::ne qual que é o/ o:: caminho que vai perseguir e por quanto tempo quando a gente faz um projeto a gente normalmente planeja ali quanto tempo que aquele pro/ projeto vai durar? né? na escola a gente faz isso a Secretaria ainda não deu conta de fazer isso ela ainda não deu conta de dizer assim... a meta pra esse ano é tal para o ano que vem é X mais... tanto só que: é com o mesmo projeto é esse projeto que ele pode até ir se aperfeiçoando mas é Ele que vai dar continuidade e aí as pessoas já se preparam né as escolas se preparam e eu/ eu/ eu falei uma coisa ontem aqui que eu fiquei até um pouco preocupada não sei se eu deveria ter falado mas eu sou assim já falei mesmo né? que eu acho que a Secretaria tem outro problema ela anda... atrás... da Regional num é nem atrás da escola a escola anda na frente a Regional corre atrás da escola e a Secretaria corre atrás da Regional na verdade o que eu penso é que tinha é/ é/ essa lógica tinha que ser inversa né? a Secretaria ela tinha que estar à frente né? ela tinha que estar lá na frente ela tinha que tá pensando em tudo na organização né nas propostas na verba em tudo solta a deliberação pra escola né? dar conta de organizar tudo já com a deliberação feita o que a gente vê hoje é o contrário a escola se organiza a escola delibera a escola arruma tudo depois vem a Secretaria e baixa lá como que ela quer que funciona as coisas e a escola tem que modificar toda às vezes... no meio do semestre no final do semestre tem coisa até no fim do ano que nós já vimos acontecer né? então assim não dá eu acho assim nós temos alunos né? com defasagem de aprendizagem? Temos né? então precisa haver uma equipe de pesquisa que detecte esses meninos tem essa equipe? tem... detectou os meninos? sim onde que eles estão quantos são e o que que vai fazer? vai fazer alguma coisa? vai o que que vai fazer? é um projeto aqui é um projeto ali ok fez? põe pra/ põe pra funcionar começou a funcionar isso tem que ter um tempo isso tem que ter um tempo pra ele começar a funcionar até ele colher frutos a Secretaria não dá esse tempo né? ele começa a funcionar e ele tem sempre um ano... passou um ano já era se ele deu frutos ou não deu é::: na maioria das vezes a gente não sabe nem avaliar esse eu acho que é o grande problema que a gente enfrenta bom... lá na:: frente né? lá na ponta na formação é um momento que eu gosto eu curto como eu curto dar aula pros meninos né? eu acho que é um pouco isso né? é:: os entraves que eu posso ter lá/ lá na formação lá na ponta... né? eu raramente tenho entrave eu não sei por quê acho que Deus

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me ilumina ((risos)) eu/ eu raramente né? às vezes tem um professor ou outro que não combina que não gosta que é:: não compactua com a concepção mas são embates que:: fazem parte que eu acho que fazem a gente crescer eu mudo muito vira e mexe eu mudo né:: agora ahn em algumas ba::ses assim né? como educação pra todos né:: então algumas coisas eu num mudo/ num mudei ainda não e eu acho que eu não vou mudar sabe? eu acho que né? que são piLAres da minha concepção que eu ainda não tem ninguém que ainda deu conta de me dizer que não/ não devo pensar dessa forma né: eu::/ eu acho que: esses/ essas concepções a educação é pra todos sim os meninos têm que ser alfabetizados sim né os professores precisam ter uma relação com seu aluno né o/ o:: universo cultural dos meninos né tem que se aproximar ao universo cultural do professor e É o professor que faz abertura porque os alunos num vão fazer eu/ eu acredito nisso sabe? eu acho que tem que ser a escola tem que ser um espaço democrático eu ainda/ essa concepção ninguém ainda deu conta de mudar não então às vezes o embate fica:: né? fica pesado porque eu não arredo meu pé desses pilares mas eu acho que tudo::/ tudo é troca tudo é democrático e a gente vai levando né:: eu/ tem umas coisas que me incomodam né? professor dormir na formação... eu nunca aceitei né:: então não fica porque eu também sou muito tranquila não quer ficar não fica eu num tenho muito essas coisas eu acho que as pessoas precisam querer... ainda bem que nunca dormiram na minha mas já vi dormindo em outras ((risos)) e num acho legal né? mesmo porque se dormir na minha é: vou fazer muito barulho ele vai (ter que) acordar então ((risos)) num vai ter ((risos)) num vai ter jeito né? acho que é isso acho que num tem mais muita coisa pra dizer