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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ ANDREA CRUZ SALLES A EFETIVIDADE DO PROCESSO NAS AÇÕES INCIDENTAIS FALIMENTARES À LUZ DA LEI DE RECUPERAÇÃO E FALÊNCIA – LEI N° 11.101, DE 09.02.2005 Rio de Janeiro 2007

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

ANDREA CRUZ SALLES

A EFETIVIDADE DO PROCESSO NAS AÇÕES INCIDENTAIS FALIMENTARES À LUZ DA LEI DE RECUPERAÇÃO E FALÊNCIA – LEI N° 11.101, DE 09.02.2005

Rio de Janeiro 2007

1

ANDREA CRUZ SALLES

A EFETIVIDADE DO PROCESSO NAS AÇÕES INCIDENTAIS FALIMENTARES

À LUZ DA LEI DE RECUPERAÇÃO E FALÊNCIA – LEI N° 11.101, DE 09.02.2005

Dissertação apresentada como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito, pela Universidade Estácio de Sá.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Theophilo de Azeredo Santos

Rio de Janeiro

2007

2

VICE-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

A dissertação

A EFETIVIDADE DO PROCESSO NAS AÇÕES INCIDENTAIS FALIMENTARES À LUZ DA LEI DE RECUPERAÇÃO E FALÊNCIA – LEI N° 11.101, DE 09.02.2005

elaborada por

ANDREA CRUZ SALLES

e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora foi aceita pelo Curso de

Mestrado em Direito como requisito parcial à obtenção do título de

MESTRE EM DIREITO

Rio de Janeiro, xx de xxx de xxx.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________ Prof. Dr. Theophilo de Azeredo Santos

Presidente Universidade Estácio de Sá

_____________________________________ Prof. Dr. Leandro Ribeiro da Silva

Universidade Estácio de Sá

______________________________________ Prof. Dra. Carla Izolda Fiúza Costa Marshall

Universidade Gama FIlho

3

AGRADECIMENTOS

Ao Dr. Theophilo de Azeredo Santos pela incondicional e atenciosa

orientação prestada na confecção deste trabalho.

Ao Dr. Leandro Ribeiro da Silva, que sempre me incentivou nesta caminhada

acadêmica.

À Dra. Maria Teresinha Pereira e Silva por sua pronta e fundamental

colaboração.

Ao Paulo Roberto de Souza Santos e Fábio Prior Martins, que nos atendem

na secretaria do Mestrado em Direito com bom humor, simpatia e profissionalismo.

Ao Dr. Anderson Soares Madeira que fez surgir a inclinação para a docência

e pesquisa.

Ao Jorge Cláudio Souza Costa, haja vista os préstimos de designer-gráfico

que me faltam.

Aos amigos Cláudia Barbosa, Sandra Cunha, Renato Brito e Fernanda

Guedes, pela colaboração nesta empreitada.

4

RESUMO

Este estudo, que faz parte da Linha de Pesquisa Acesso à Justiça e

Efetividade do Processo do curso de Mestrado em Direito da Universidade Estácio

de Sá, tem como objetivo analisar a efetividade do processo referente às ações

incidentais falimentares no contexto da nova Lei de Recuperação e Falência.

De forma específica, pela pesquisa doutrinária e jurisprudencial, bem como

de comparação entre a Lei n° 11.101/2005 e as normas falitárias anteriores,

investigam-se procedimentos incidentes ao processo falimentar e que desencadeiam

a integração de bens à massa falida, quais sejam, declaração de ineficácia e

revogação de atos anteriores à falência; bem como aqueles de desincorporação de

bens de terceiros, promovidos por meio de restituição e embargos de terceiros; sem

prejuízo dos atos para formação do quadro-geral de credores concursais: habilitação

e verificação dos créditos.

Os resultados indicam que o novel sistema falitário trouxe muitas alterações,

algumas delas ainda perfunctoriamente estudadas, nem todas benéficas, mas, em

sua maioria, tendem a proporcionar um deslinde processual mais célere e eficaz,

nos moldes perquiridos pela Emenda Constitucional 45 que deu status constitucional

ao princípio da efetividade. Caminhou bem o legislador ao prestigiar a boa-fé,

instrumentalidade, celeridade e economia do processo, além de delegar ao

administrador judicial algumas funções antes tipicamente jurisdicionais.

5

ABSTRACT

This constitutionalist scenario academic task treaded the Research Line

“Access to the Justice and Effectiveness of the Process”, embedded on the Masters

Course in Law of the Estácio de Sá University, which has as a target to scrutinize the

Effectiveness of the Process towards current Brazilian Bankruptcy and Insolvency

Rehabilitation of Company’s Law, categorized there as Nova Lei de Recuperação e

Falências, a brand new act that provides incidental factor in suits.

The survey was sourced both on doctrinal and jurisprudential researches plus

on contrasts between the Brazilian Law n. º 11.101/2005 and former national

bankrupt rules of law. In this regard, the purpose of the study is to examine

interlocutory proceeding headed for destitution process, which releases goods

incorporation by insolvent’s assets, such as: declaration of inefficacy of the act and

revocation of the considerations; third party assets dismembering endorsed by

means of restitution and action of replevin; all measures that does not damage

indispensable acts to the broken creditors panel’s structure that is to say credit

qualification process and credit analysis.

Results outlines the new Insolvency Act drafted a number of reforms, a

quantity of them superficially considered; and quite a few not profitable; nonetheless

the majority of them puts on view a swifter and more effectual modus operandi in 45

th Brazilian Constitutional Amendment ´s pattern accountable for granting principle of

effectiveness constitutional status. Legislator stepped forward and suitably when

regarded towards good faith, legal instrumentality, haste, and efficient and concise

use of resources; furthermore the lawmaker delegates to the trustee in bankruptcy

administer certain roles that in earlier times were typically jurisdictional.

6

Palavras-chave:

Princípio da Efetividade – Falência – Recuperação Judicial – Habilitação de Crédito

– Ação Revocatória – Ineficácia – Revogação – Ação de Restituição – Embargos de

Terceiros

Keywords:

Principle of Effectiveness – Judicial Recovery – Credit Qualification Process –

Revocatory Action – Inefficacy – Revocation – Action for Dispossess – Action of

Replevin

7

Abreviaturas Aç. – Ação Adm. – Administrador

Ag. – Agravo

AgRg. – Agravo Regimental

AIJ – Audiência de Instrução e Julgamento

Ap. – Apelação

Art. – Artigo

Arts. – Artigos

BACEN – Banco Central

CC – Conflito de Competência CC/2002 – Código Civil de 2002

CJF – Conselho de Justiça Federal

CPC – Código de Processo Civil

CPP – Código de Processo Penal

CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil

CTN – Código Tributário Nacional

Des. – Desembargador

EDcl – Embargos de Declaração

Emb. – Embargos

DL – Decreto-lei

HC – Habeas Corpus

HCR – Habilitação de Crédito Retardatária

HCT – Habilitação de Crédito Tempestiva

Inc. – Inciso

LC – Lei n° 7.357/1985

LF – Decreto-lei n° 7.661/1945

LRF – Lei nº 11.101/2005

LRP – Lei n° 6.015/1973

LSA – Lei n° 6.404/1976

Min. – Ministro

MP – Ministério Público

MS – Mandado de Segurança

8

QGC – Quadro-geral de Credores

RE – Recurso Extraordinário

REsp – Recurso Especial

RGI – Registro Geral de Imóvel

RHC – Recurso Ordinário em Habeas Corpus

RMS – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança

STF – Supremo Tribunal Federal

STJ – Superior Tribunal de Justiça

TJDFT – Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

TJEMG – Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

TJEPR – Tribunal de Justiça do Estado do Paraná

TJERJ – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

TJERS – Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

TJESC – Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina

TJESP – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

V.g. – verbi gratia

9

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 1.1 Aspectos Históricos da Falência ................................................................. 1.2 A Emenda Constitucional 45 e o Princípio da Efetividade do Processo . 1.3 A Efetividade do Processo e a Lei de Recuperação e Falência ................

12 12 13 17

2 ASPECTOS GERAIS DA LEI DE RECUPERAÇÃO E FALÊNCIAS ................ 2.1 As Legislações acerca da Insolvência no Direito Comparado ................. 2.2 O Decreto-lei n° 7.661/1945 .......................................................................... 2.3 A Lei de Recuperação e Falência ................................................................ 2.4 As Ações Incidentais Falimentares .............................................................

25 25 26 27 31

3 O INOVADOR SISTEMA DE HABILITAÇÃO E VERIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS ............................................................................................................ 3.1 Generalidades ................................................................................................ 3.2 Habilitação de Crédito Tempestiva e Divergência ..................................... 3.3 Habilitação de Crédito Retardatária ............................................................ 3.4. Impugnação .................................................................................................. 3.5 Ação de Conhecimento e Rescisória Falimentar ....................................... 3.6 Artigos não Reproduzidos ...........................................................................

36 36 42 48 50 53 54

4 AÇÃO REVOCATÓRIA É UMA HIPÓTESE DE REVOGAÇÃO? ..................... 4.1 As Hipóteses de Cabimento e os Efeitos em Relação ao Ato Atacado ... 4.2 O artigo 129, LRF ........................................................................................... 4.3 O artigo 130, LRF............................................................................................ 4.4 Procedimento ................................................................................................ 4.5 Sentença e Recursos ....................................................................................

57 58 59 72 76 80

5 A SOLIDIFICAÇÃO DO PEDIDO RESTITUTÓRIO .......................................... 5.1 Generalidades ................................................................................................ 5.2 O art. 85, Caput, LRF ..................................................................................... 5.3 Restituição das Mercadorias Vendidas a Prazo ........................................ 5.4 A Criticável Restituição de Valores no Contrato de Adiantamento de Câmbio ................................................................................................................. 5.5 O art. 86, III, LRF e a Sua Consolidação Legal ........................................... 5.6 Procedimento ................................................................................................ 5.7 Sentença e Recursos ....................................................................................

85 86 87 96

99

103 104 110

6 EMBARGOS DE TERCEIRO ............................................................................. 6.1 Natureza dos Embargos de Terceiro no Processo Falimentar ................. 6.2 Hipóteses de Cabimento .............................................................................. 6.3 Procedimento ................................................................................................

116 116 118 120

10

6.4 Sentença e Recursos ....................................................................................

123

7 CONCLUSÃO ....................................................................................................

126

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .....................................................................

132

SUMÁRIO DE FIGURAS

FIGURA 01 ............................................................................................................ FIGURA 02 ............................................................................................................ FIGURA 03 ............................................................................................................

FIGURA 04 ............................................................................................................ FIGURA 05 ............................................................................................................ FIGURA 06 ............................................................................................................ FIGURA 07 ............................................................................................................

FIGURA 08 ............................................................................................................ FIGURA 09 ............................................................................................................ FIGURA 10 ............................................................................................................ FIGURA 11 ............................................................................................................ FIGURA 12 ............................................................................................................

15 19 32

33 41 42 61

62 105 106 117 117

11

“Certa mulher, das mulheres dos discípulos

dos profetas, clamou a Eliseu, dizendo: Meu

marido, teu servo, morreu; e tu sabes que

temia ao Senhor. É chegado o credor para

levar os meus dois filhos para lhe serem

escravos.”

(Bíblia Sagrada, 2 Reis, 4, 1).

12

1 INTRODUÇÃO

1.1 Aspectos Históricos da Falência

Neste capítulo, pretende-se comentar em perspectiva histórica, a efetividade

da legislação falimentar brasileira, cuja origem remonta aos idos de 1850, quando se

promulgou o Código Comercial. Todavia os primórdios do instituto da falência têm

suas raízes calcadas na Antiguidade, conforme se demonstrará ao longo do estudo.

De início, cumpre ressaltar que, no período da História Antiga, a execução recaía

sobre a pessoa do devedor, que poderia ser aprisionado, escravizado ou morto pelo

credor, se não houvesse o pagamento do valor devido.1

Nessa linha de reflexão, cabe destaque ao direito romano, nascedouro de

vários institutos do direito falimentar, que em sua primeira fase possibilitava ao

credor a disposição da pessoa do devedor, sem intervenção estatal. A Lei das XII

Tábuas trazia um severo processo, que ao final, permitia a condenação à morte ou

venda do devedor.2 Posteriormente, a Lex Poetelia Papiria instituiu a execução

patrimonial, na qual o devedor passou a responder aos credores com seus bens,

não obstante fosse penalizado com a “nota de infâmia”, que perdurou até a era

medieval.3

A expansão comercial na Idade Média ocasionou a necessidade de delimitar

melhor o estado de falência, que era aplicável ao devedor civil ou comercial. É

clássica a colocação de Carvalho de Mendonça4 ao explicitar que o velho direito

italiano constituiu o laboratório da falência moderna, momento em que se

1 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. V. 1. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 6. 2 LACERDA, Jozé Cândido Sampaio de. Manual de Direito Falimentar. 14 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999, p. 24-25. 3 LOBO, Jorge. Direito da Empresa em Crise: A Nova Lei de Recuperação da Empresa. Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006, V. 09 – n. 34, p. 21. 4 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. V. 7. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1963, p. 10

13

aperfeiçoou o concurso creditório, graduação dos créditos, entre outros institutos

falimentares. A falência, no entanto, era considerada criminosa e mantinha caráter

infamante.

O sistema italiano foi introduzido em outros ordenamentos, influenciando,

principalmente, a ordenação de 1673, na França.5 Outro marco no estudo do direito

falimentar se dá com o Código Comercial francês de 1807 que aprimorou o instituto

em comento no livro terceiro: “Das falências e das bancarrotas”,6 não obstante os

rigores legais impostos ao falido, cujas regras foram diretamente influenciadas por

Napoleão Bonaparte.

Posteriormente, o direito francês e os demais ordenamentos jurídicos

amenizaram as restrições impostas aos falidos, conferindo ao sistema falimentar um

perfil econômico-social.

No Brasil Colônia, a matéria foi regida pelas ordenações portuguesas, que

vigoraram até o advento do Código Comercial de 1850, este com forte influência

francesa. Quarenta anos depois, o Decreto nº 917 de 1890 revogou a parte do

referido Código que tratava das quebras, a qual foi substituída pela Lei nº 859/1902.

Em 1929 o Decreto nº 5.746 passou a tratar da matéria.

Em meados do século passado, mais especificamente em 21 de junho de

1945, entrou em vigor o Decreto-lei nº 7.661, revogado pela Lei n° 11.101, de 09 de

fevereiro de 2005 – Lei de Recuperação e Falência, que passou a produzir efeitos

em 09 de junho do corrente ano,7 mantida a natureza da falência no viés do direito

alienígena.

1.2 A Emenda Constitucional 45 e o Princípio da Efetividade do Processo

A equação texto e prática definem uma Constituição, que existe

principalmente quando é cumprida e aplicada. É a interpretação da Constituição que

5 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de Falência e Concordata. 20 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 4. 6 ROCCO, Alfredo. Princípios de Direito Comercial. Tradução e notas de Ricardo Rodrigues Gama. São Paulo: LZN, 2003, p. 34. 7 A referida lei foi publicada em 09 de fevereiro de 2005, mas a produção dos seus efeitos começou no dia nove de junho de 2005, de acordo com a contagem de prazo estabelecida pela Lei Complementar nº 95/1998.

14

dará “vida” ao seu texto.8 Nos últimos anos houve uma ascensão científica e política

da Constituição, materializada na elaboração de uma densa teoria constitucional

voltada à efetivação de suas normas, que surgiu como resposta a várias décadas de

descaso com o texto constitucional, cujo papel era menor e marginal.9

Conforme nomenclatura o professor Lenio Streck,10 a “baixa

constitucionalidade” pátria é fator preponderante para a inefetividade constitucional,

que só pode ser rompida, se for adequada a teoria constitucional às especificidades

de um país periférico como o Brasil.

A vigente Constituição da República brasileira instituiu o Estado Democrático

de Direito, conforme já enunciado no seu Preâmbulo, iniciando uma nova fase na

História do país, voltada para a consecução e garantia dos direitos fundamentais da

pessoa humana, contexto na qual o Poder Judiciário assume o papel de

protagonista no enfrentamento das questões sociais, na medida em que é seu

agente transformador e meio assegurador dos suscitados valores substantivos.11

Por conseguinte, o acesso à justiça tem sido progressivamente reconhecido

como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma

vez que a titularidade destes direitos é destituída de sentido na ausência de

mecanismos para sua efetiva reivindicação. Ela, portanto, deve ser encarada como

requisito fundamental de um sistema jurídico moderno e igualitário, que pretenda

garantir, e não apenas proclamar o direito de todos.12

Assim, de nada adianta reconhecer um rico elenco de direitos fundamentais

(individuais e coletivos) no plano constitucional, sem a simultânea previsão dos

respectivos instrumentos processuais, o que resulta o esvaziamento da própria idéia

de direitos fundamentais.13

8 ANDRADE, Christiano José de. Hermenêutica Jurídica no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 46 9 BARROSO, Luís Roberto Barroso. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 254. 10 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Uma Nova Crítica do Direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 835-836 11 BALDEZ, Paulo de Oliveira Lanzellotti. A Imprescindibilidade do Uso da Constituição na Efetiva e Justa Solução dos Litígios in: ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. A Constitucionalização do Direito: A Constituição Como Locus da Hermenêutica Jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 251-252. 12 CAPPELLETTI, Mauro, GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1988, p. 11-12. 13 WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Anotações sobre a Efetividade do Processo. Revista Jurídica, Porto Alegre, 2004, Ano 52 – n. 324, p. 12.

15

Sob esse enfoque, um dos maiores obstáculos que hoje repercute

publicamente e se busca solucionar, é a morosidade na prestação da tutela

jurisdicional.14 Para se ter uma noção, o Brasil tem o trigésimo mais lento

funcionamento da justiça no mundo quando um credor recorre a ela para fazer valer

um contrato ou receber uma dívida. É o que se verifica no quadro comparativo

abaixo (figura 01):15

A tão esperada “Reforma do Judiciário”, foi constitucionalmente

implementada com a Emenda Constitucional 45, sendo parte relevante e pilar do

sistema, a inclusão do princípio da efetividade, com fins a extirpar tal problema.

14 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A Nova Sistemática do Cumprimento de Sentença: Reflexões Sobre a Lei nº 11.232/05. www.femperj.org.br, 2007. Disponível em: <http://www.femperj.org.br/store/artigos/sistematica_senteca.doc>. Acesso em: 18.01.2007. 15 Veja Online. O Brasil Entre os Piores do Mundo. www.veja.abril.com.br, 2004. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/280104/p_072.html>. Acesso em: 04.10.2006.

16

Este princípio já existia no direito brasileiro interno, haja vista ser o Brasil

signatário da Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San José

da Costa Rica), que já cuidava da matéria ao assegurar um prazo razoável para o

dever de prestar jurisdição por parte dos Estados signatários.16

Para melhor entender o princípio da efetividade, mister se faz desmembrá-lo.

O termo princípio denota começo, gênese, início, causa antecedente, nada pode o

preceder ou não será princípio.17 A efetividade se materializa na realização do

Direito, na atuação prática da norma, fazendo prevalecer no mundo dos fatos os

valores e interesses por ela tutelados, simbolizando, portanto, a aproximação, tão

íntima quanto possível, entre o dever ser normativo e a realidade social.18 Afinal, a

segurança e a justiça constituem o fim precípuo do direito, neles incluídos a paz

social e o bem comum,19 que só são alcançáveis se efetivos os mecanismos de

garantia dos direitos constitucionais.20

A efetividade das normas resulta comumente de seu cumprimento

espontâneo. Todavia, há casos de insubmissão numericamente expressiva, quando

não generalizada aos preceitos normativos, inclusive os de hierarquia

constitucional.21 Por isto, não pode o legislador deixar de levar a efetividade em

conta, na confecção das normas processuais, nem o intérprete desconsiderá-la na

sua aplicação.

Muitos bradarão que o dito princípio tem caráter normativo meramente

programático. Entretanto, não é razoável negar qualquer influência objetiva e

concreta, da inclusão desta norma sobre o funcionamento prático do dia-a-dia

forense. Alguma influência ele deve ter, sendo uma de suas conseqüências a de

gerar para o prejudicado, o direito à indenização no caso de demora excessiva no

16 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Reflexos da Emenda Constitucional n° 45, de 2004, no Processo Civil. Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005, Vol. 08 – n. 32, p. 33. 17 RIBEIRO, Antonio Campos. Da Eficácia da Prestação Jurisdicional Brasileira. www.estacio.br, 2007. Disponível em: <http://www.estacio.br/graduacao/direito/revista/revista4/artigo7.htm>. Acesso em: 18.01.2007. 18 BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O Começo da História: A Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios do Direito Brasileiro. Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003, Vol. 06 – n. 23, p. 54. 19 CAVALCANTE, André Cleofas Uchoa. O Estado Frente ao Direito e à Justiça. www.estacio.br, 2007. Disponível em: <http://www.estacio.br/graduacao/direito/revista/revista1/artigo5.htm>. Acesso em: 18.01.2007. 20 BARROSO, 2003, op. cit., p. 254-255. 21 BARROSO, Luís Roberto Barroso. O direito Constitucional e a efetividade de suas normas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 85-86.

17

trâmite processual.22

De outra feita, o princípio em comento não visa apenas os interesses das

partes ou redução dos direitos públicos subjetivos, mas objetiva salvaguardar o

efetivo exercício da jurisdição,23 com a finalidade de acelerar a marcha

procedimental que deve ser individuada na intolerância da excessiva lentidão da

estrutura do processo tradicional. É pacífico que a rápida prestação jurisdicional é

elemento indispensável para a efetiva atuação das garantias constitucionais da ação

e da defesa.24

É até possível que os grandes codificadores tenham imaginado que estavam

elaborando obras definitivas, senão eternas pelo menos duráveis, mas o tempo

revelou o contrário. Em razão do fantástico desenvolvimento tecnológico e científico

que nele teve lugar, mormente em sua segunda metade, abrangendo áreas do

conhecimento humano sequer imagináveis, profundas transformações ocorreram em

nosso mundo econômico e social.25 E, para o pleno funcionamento do Estado

Democrático de Direito, a possibilidade de solução dos conflitos mediante o devido

processo legal deve ser efetiva e não apenas formal.26

Por conseguinte, a sociedade passou a exigir modificações na ordem

jurídica, porquanto as normas legais até então existentes ficaram ultrapassadas,

deixando enorme descompasso entre o social e o jurídico.27 Não foi diferente com a

legislação falimentar, que há anos demandava substancial reforma.

1.3 A Efetividade do Processo e a Lei de Recuperação e Falência

O Decreto-lei n° 7.661/1945 propiciou a criação de um sistema falimentar

condizente com a atividade econômica pátria da época, eminentemente incipiente e

22 MOREIRA, 2005, op. cit., p. 33-34. 23 PACHECO, José da Silva. Evolução do Processo Civil Brasileiro: Desde as Origens Até o Advento do Novo Milênio. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 387. 24 TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 129. 25 CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de. Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais: Comentada e Anotada. www.estacio.br, 2007. <http://www.estacio.br/graduacao/direito/revista/revista4/resenha1.htm>. Acesso em: 18.01.2007. 26 MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Ações Coletivas no Direito Comparado e Nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 29. 27 CARVALHO, 2007, op. cit.

18

familiar. Com o transcorrer dos anos, a sociedade e os operadores do direito,28 de

um modo geral, passaram a clamar por legislação falitária coerente com as

necessidades do mercado, sobretudo após o fenômeno da globalização de

mercados, ainda que algumas vozes ecoassem em sentido contrário.29

A esse respeito, merece cuidadosa reflexão o seguinte comentário de

Theophilo de Azeredo Santos:30

“O instituto da falência cresce de importância na medida em que fatos econômicos ditam soluções que geram ou apressam a iliquidez de muitas empresas, e quando a globalização da economia e internacionalização dos mercados suscitam a presença crescente do capital estrangeiro no país, gerando dificuldades para a concorrência, pois aos grupos externos é fácil o acesso aos mercados financeiros e de capitais e, ainda, à mais moderna tecnologia (...). Hoje, é pacífica a identificação do interesse social dos bens de produção, com o saneamento e vitalização das empresas. Hoje, em nosso país, já se fala mais freqüentemente no ‘Balanço Social’ das empresas, que registra os investimentos e esforços no sentido de promover os que nela trabalham e da comunidade na qual deve integrar-se, devendo estar abertas a todos que desejam dar às suas capacidades e às suas poupanças uma destinação social e criadora, sendo obsoleta e anacrônica a concepção puramente individualista da empresa.”

O problema da morosidade do procedimento falimentar extrapolou a

discussão meramente jurídica e atingiu economistas, meios de comunicação e a

opinião internacional.

28 Pondera a doutrina: “A vigente Lei de Falências merece ser reformada, imediatamente, para se adaptar ao novo milênio, que se aproxima velozmente, e a um mundo fascinante envolvido por novos mercados e blocos comerciais, profundas alterações político-sociais, queda e criação de novos impérios econômicos e Estados, numa universalização jamais vista, e por descobertas tecnológicas e científicas, que exigem do legislador mais que meros expedientes legislativos, senão intensa arte de ourivesaria, na elaboração legislativa, porque o verdadeiro direito é aquele que anda de mãos dadas com a justiça social e com a realidade” (SZKLAROWSKY, Leon Frejda. A Recuperação da Empresa na Nova Lei de Falências. www.jusnavegandis.com.br, 2004. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4425>. Acesso em: 18.01.2007). 29 PACHECO, José da Silva. Processo de Falência e Concordata: Comentários à Lei de Falências: Doutrina, Prática e Jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 18-19. 30 SANTOS, Theophilo de Azeredo. Parecer sobre o Projeto de Lei nº 4.376, de 1993 "Regula a Recuperação Judicial de Devedores Pessoas Jurídicas e Pessoas Físicas Que Exercem Atividades Econômicas e Dá Outras Providências". www.estacio.br, 2007. Disponível em: <http://www.estacio.br/graduacao/direito/revista/revista3/artigo4.htm>. Acesso em: 18.01.2007.

19

Um estudo do Banco Mundial esmiuçou como as leis e a burocracia dos

países interferem no processo natural de constituição, funcionamento e extinção das

empresas (a falência é uma das espécies de extinção das sociedades). O Brasil

saiu-se muito mal, haja vista que a legislação e o emaranhado burocrático brasileiro

asfixiam a atividade empresarial. As conseqüências são ainda mais desastrosas:

obstáculos à criação de empregos, incentivo à sonegação e à corrupção, entre

outros.31

Em outra pesquisa do referido banco, constatou-se que a legislação anterior

disciplinadora da falência e concordata no Brasil, era uma das piores do mundo.

Refletia a falência um negócio absolutamente infernal em razão da perda de

dinheiro, além disto, o processo era lento, burocratizado, engessado e com chances

mínimas de deslinde satisfatório. Para se ter uma idéia, além de demorada, a

falência no Brasil tinha custo alto em relação à massa falida, num quadro

comparável ao de países como Azerbaijão e Bósnia. Vale a pena analisar o

demonstrativo que segue, do tempo médio para finalizar um processo falimentar em

vários países (dados à luz da antiga lei falitária – figura 02):32

31 Veja Online. O Brasil Entre os Piores do Mundo. www.veja.abril.com.br, 2004. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/280104/p_072.html>. Acesso em: 04.10.2006. 32 Veja Online. Um Passo Decisivo: Num Avanço Essencial, o Senado Aprova Nova Lei de Falências e a Reforma do Judiciário. www.veja.abril.com.br, 2004. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/140704/p_046.html>. Acesso em: 04.10.2006.

20

Este clamor acabou por favorecer a redação da Lei nº 11.101/2005, trazendo

alterações substanciais em relação ao antigo sistema falimentar. A mais importante

ocorreu no âmbito dos princípios, transformando completamente o parâmetro

interpretativo do instituto. É pertinente ressaltar que a antiga lei arrolava como

princípios o amparo ao devedor honesto e a punição ao devedor desonesto,33 ao

passo que a nova sistemática confere ênfase aos seguintes princípios: a proteção ao

trabalhador, predominância do interesse dos credores, preservação da empresa, a

maximização dos ativos, celeridade e economia processual, entre outros.

Comparados os princípios em tela, é cristalina a inferência de que hoje a proteção

não mais se volta ao devedor, mas à atividade, trabalhadores e credores, com o fim

de fazer prevalecer a função social da empresa.34

Do direito romano, que prestigiava o princípio segundo o qual quem deve

tem que pagar,35 migra-se para um direito falimentar transmutado, em que as

empresas devem cumprir o fim social e o princípio da sua preservação prevalece

como paradigma para as normas falitárias.36

Nessa senda, a entrada em vigor da LRF trouxe muitas expectativas,

particularmente no que tange a dizimar as lacunas do antigo sistema, tais como a

morosidade do procedimento e a imprestabilidade da concordata como meio de

soerguimento empresarial. Espera-se que a dinamização procedimental, com a

efetiva possibilidade de continuidade da empresa e recuperação do crédito, fomente

a economia e consiga atrair investidores internacionais.37

33 LACERDA, 1999, op. cit., p. 33. 34 SALLES, Andrea. Os Interesses dos Credores à Luz da Nova Lei de Recuperação e Falências. Rio de Janeiro: MP Gráfica e Editora, 2005, p. 15. 35 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. São Paulo: Atlas, 2005, p. 19. 36 Importante matéria jornalística acerca desta nuance: “Finalmente, depois de dez anos de tramitação, o Congresso aprovou uma lei de importância vital para a economia brasileira – a chamada Lei de Falências. Parece esquisito, para a imensa maioria que não tem familiaridade com o assunto, que uma legislação sobre falência possa ter alguma utilidade para o pedaço saudável e lucrativo da economia de um país. Mas tem, e muita. Com a nova lei (...) as empresas que vão mal das pernas terão mais estímulos para se recuperar, as que estão definitivamente fadadas ao fracasso poderão ser vendidas com maior agilidade e os credores das companhias ganham mais proteção – o que, em tese, ajuda a derrubar os juros cobrados nos empréstimos empresariais e aumenta a oferta de crédito, atualmente tão baixa no Brasil (...) Aprimorar a Justiça, acabar com a burocracia, flexibilizar as leis de trabalho ou diminuir o risco dos empréstimos só com muita má vontade podem ser consideradas bandeiras ideológicas de qualquer tipo. São bandeiras do bom senso. Só isso.” (Veja Online. O Brasil Entre os Piores do Mundo. 2004, op. cit.). 37 O novel sistema já começa a apresentar reflexos positivos: “O número de falências decretadas em todo o país caiu 40,3% em setembro de 2006 em relação a igual período do ano passado, segundo dados divulgados nesta quarta-feira pela Serasa. De acordo com o levantamento da Serasa, houve

21

Diante deste quadro, é imperativo levar em consideração que a decretação

da falência somente se imporá às empresas economicamente inviáveis, cujo

funcionamento possa acarretar mais prejuízos do que o seu encerramento. E, em

consonância com esta filosofia, o legislador não deixou de atentar à celeridade do

procedimento após a sentença de quebra, com o fim de maximizar o ativo em

benefício dos credores da massa falida. Decretada a falência, o juiz iniciará a

liquidação do ativo e pagamento do passivo.

Tecidas como pano de fundo essas breves considerações iniciais, aqui

delineadas em largos traços, alcança relevo o estudo dos procedimentos incidentais

da habilitação dos créditos, restituição, embargos de terceiros e revocatória, que

tornam efetivo o levantamento dos bens e dos débitos do devedor. Nessa linha de

argumentação, cumpre acrescentar que as referidas ações são incidentais

exclusivas do processo falimentar e só serão ajuizadas em caso de falência

decretada, salvo a habilitação de crédito, que também pode ser incidental ao

processo de recuperação judicial (ação prevista na lei falitária).

O presente trabalho pretende focar a efetividade das ações falimentares,

através de um comparativo entre a vestuta Lei de Falências e o novel sistema

introduzido pela Lei nº 11.101/2005.

Do ponto de vista metodológico, a pesquisa adentrará no campo conceitual,

histórico, doutrinário e jurisprudencial, com o intuito de delimitar as fases

processuais, sentenças e recursos, desdobramento indispensável para responder se

141 falências decretadas no mês passado, ante 236 em setembro de 2005. Os pedidos de falência também recuaram em setembro de 2006. Foram registrados 421 requerimentos de falência, enquanto em setembro de 2005, houve 518 pedidos. A queda verificada foi de 18,7%. Segundo a Serasa, as quedas verificadas no indicador de solicitações de falências em relação ao ano passado são conseqüência da nova ‘Lei de Falências’, que desestimulou a utilização do requerimento como um instrumento de cobrança e estabeleceu limite mínimo, em reais, para sua aplicabilidade. A nova legislação entrou em vigor em junho do ano passado. A Serasa acrescentou ainda que a redução do número de falências decretadas é influenciada pela recuperação da atividade econômica, sustentada pelo aumento do consumo interno, que foi favorecido pela elevação da renda real, pelo crescimento do emprego e pelas melhores condições de crédito ao consumidor. Ainda de acordo com a Serasa, em setembro, foram registrados 19 pedidos de recuperação judicial, contra 15 requerimentos em igual período de 2005, o que significou uma alta de 26,7%. Não houve pedido de recuperação extrajudicial no mês passado. As recuperações judiciais deferidas foram 20 em setembro deste ano, enquanto em setembro de 2005, foram deferidas 6 recuperações judiciais. A alta registrada no período foi de 233,3%. A empresa de informações e análises econômico-financeiras explicou que esse aumento ocorre em função da pequena base de comparação, uma vez que a nova legislação que permitiu a recuperação judicial era recente em setembro de 2005”. (O Globo Online. Número de falências decretadas cai 40% em setembro. www.canais.ondarpc.com.br, 2006. Disponível em: < http://canais.ondarpc.com.br/gazetadopovo/economia/conteudo.phtml?id=603668>. Acesso em: 04.10.2006).

22

as alterações trazidas contribuem para implementar a celeridade processual

pretendida e criar meio efetivo à apuração e recuperação dos créditos.

Espera-se que a investigação venha a suprir lacunas na doutrina relativa ao

tema, precipuamente levando-se em conta a novidade do sistema em fase de

implantação em nosso meio. Sob esse ângulo, é crucial a carência de fontes de

consulta com que se deparam estudiosos do Direito, magistrados e outros

profissionais militantes no meio jurídico. Ademais, acredita-se que a investigação

possa servir para empresários e a sociedade em geral, sobre quem as

conseqüências do processo falimentar se faz sentir de maneira mais vigorosa. Por

essa perspectiva de análise, considera-se igualmente a íntima relação que

atualmente deve colimar o desenvolvimento econômico e o progresso social, tal

como preconizado pela Carta Magna brasileira e por nossa melhor doutrina e

disciplinado pela legislação de diferentes países, como se demonstrará na

continuidade deste estudo.

Com vistas a alcançar este escopo, no Capítulo 2, abordaremos em breves

palavras as legislações de insolvência estrangeiras e o Decreto-lei n° 7.661/1945,

para, então, suscitar os aspectos gerais da Lei de Recuperação e Falência, o que

dará suporte ao recorte temático acerca do princípio da efetividade nas ações

incidentais falimentares da Lei n° 11.101/2005, tratando-se especificamente das

respectivas modalidades nos capítulos posteriores.

No Capítulo 3 adentrar-se-á o procedimento de habilitação e verificação dos

créditos, desdobrando-o em suas regras gerais para, após, pormenorizar os

institutos da habitação de crédito tempestiva, divergência, habitação de crédito

retardatária, impugnação, ação rescisória falimentar, sem prejuízo da menção

referente aos artigos não reproduzidos pela lei atual.

Adiante, no capítulo 4, caberá o aprofundamento no estudo da ação

revocatória, seus efeitos de ineficácia e revogação relativos ao ato atacado, bem

como a aplicabilidade ou não nas hipóteses do artigo 129, LRF. Em seguida, serão

comentados: procedimento, sentença e recursos incidentes.

Visa o capítulo 5 tratar do pedido restitutório através de suas generalidades,

modalidades (art. 85, caput, LRF; restituição das mercadorias vendidas a prazo

entregues até quinze dias antes do requerimento de falência, desde que não

revendidas de boa-fé; restituição de valores atinentes ao contrato de adiantamento

23

de câmbio; o art. 86, III, LRF; situações tratadas em legislação específicas),

procedimento, sentença e recursos.

Por fim, o capítulo 6 pretende estudar os embargos de terceiro

especificamente no processo de falência, verificando, para tanto, natureza,

hipóteses de cabimento, procedimento, sentença e recursos aplicáveis à matéria em

comento.

24

“A experiência tem mostrado que, em número

significativo de casos, o consenso entre os

interessados na recuperação de empresas em

dificuldades pode alcançar-se pela intervenção

mediadora de uma entidade pública.”

(Preâmbulo do Decreto-Lei nº 316/98 de 20 de

Outubro de 1998, que Instituiu o procedimento

extrajudicial de conciliação para viabilização de

empresas em situação de insolvência ou em

situação económica difícil em Portugal)

25

2 ASPECTOS GERAIS DA LEI DE RECUPERAÇÃO E FALÊNCIAS

2.1 As Legislações acerca da Insolvência no Direito Comparado

O direito empresarial tem como um dos principais elementos

caracterizadores a internacionalidade ou cosmopolitismo, já que este ramo do direito

tende à aplicação de regras uniformes em diversos países, para evitar demoras

prejudiciais ao intercâmbio comercial entre as nações.38 A aplicação deste princípio

foi intensificada com a implementação da globalização.39

A partir dessa premissa, na continuidade do capítulo, são expostas

brevemente algumas informações sobre o tratamento conferido à insolvência no

direito comparado, com destaque à legislação pátria.

Vários países remodelaram suas legislações falimentares no fim do século

passado, priorizando a teoria da preservação da empresa. O direito português

disciplinou a matéria através do Decreto-lei nº 132/1994 parcialmente modificado

pelo Decreto-lei nº 315/1998, não mais distinguindo a falência da insolvência civil.40

Outro país a adotar o sistema único de insolvência para comerciantes e não

comerciantes foi a Espanha, conforme a Lei nº 22/2003.41

A lei italiana nº 223/1991 seguiu o mesmo diapasão das normas falitárias

modernas, ao enfatizar o princípio da preservação da empresa.42 Na França, a

legislação prevê Comitês de Reestruturação com a função de administrar a

empresa, para mantê-la em funcionamento.43 Já no sistema germânico, foi a

38 SILVA, Américo Luís Martins da. Introdução ao Direito Empresarial. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 53. 39 ALMEIDA, Amador Paes de. O Novo Código Civil e o Direito Comercial Numa Economia Globalizada in: DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de Direito Internacional Contemporâneo: Estudos em Homenagem ao Prof. Luís Ivani de Amorim Araújo por seu 80º Aniversário. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 56. 40 NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa. V. 3. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 18. 41 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Lei de Falências e Concordatas Comentada. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 27. 42 Ibdem, p. 27. 43 CRETELLA NETO, José. Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas (Lei nº 11.101, de 09.02.2005). Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 16.

26

Insolvenzortnung de 1999 que introduziu as modernas tendências falimentares.44

A primeira legislação dos Estados Unidos da América a tratar de

recuperação judicial para empresas ocorreu em 1934.45 Atualmente, a matéria está

disciplinada no Bankruptcy Reform Act de 1978, com emendas em 1984 e 1986, que

criaram uma rede nacional de tribunais federais especializados em direito falimentar,

bem como regulamentou a liquidação e reorganização, visando assegurar o

pagamento dos credores.46

2.2 O Decreto-lei n° 7.661/1945

No direito pátrio, o Decreto-lei nº 7.661/1945 não atendia mais aos anseios

sociais, visto que obsoleto perante os aspectos econômicos e legislativos do mundo

contemporâneo.

O antigo sistema se fundava na pessoa do comerciante individual que, após

as modificações implementadas com o CC/2002, foi substituído pelo empresário

individual; ou seja, a pessoa física exercente de atividade empresarial, cujo

patrimônio é afetado ao exercício da empresa,47 respondendo ilimitadamente pelas

obrigações contraídas, independentemente de ser sua natureza civil ou

empresária.48 Não se pode estranhar que a lei assim o considerasse, tendo em vista

que, à época, o comércio era exercido de forma rudimentar.

A concordata era medida judicial que possibilitava ao devedor o afastamento

ou suspensão da falência. No entanto, o procedimento era insubsistente e

obsoleto,49 pois só permitia um abrandamento das obrigações do devedor, a fim de

que este pudesse cumpri-las, já que as três espécies de concordata legalmente

previstas apenas possibilitavam perdão parcial do débito, dilação do prazo de

44 FAZZIO JÚNIOR, 2003, op. cit., p. 27. 45 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. V. 3. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 217. 46 CRETELLA NETO, 2005, op. cit., p. 27-28. 47 CAMPINHO, Sérgio. O Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 14. 48 SILVA, Américo Luís Martins da. Sociedades Empresariais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 22. 49 Dados publicados à época da vigência da concordata: “Nos Estados Unidos, calcula-se que, de cada dez companhias que entram em concordata, nove conseguem se recuperar. No Brasil, de cada dez, só uma volta à vida. É essa selva de dificuldades que o Congresso está ceifando com a aprovação da nova lei.” (Veja Online. Um Passo Decisivo: Num Avanço Essencial, o Senado Aprova Nova Lei de Falências e a Reforma do Judiciário, 2004, op. cit.).

27

pagamento ou a conjunção destas duas hipóteses.50

Outro disparate legal, era o caso do devedor que propusesse acordos

amigáveis, através da convocação extrajudicial dos seus credores, já ele que estaria

praticando ato de falência. Como explica Rubens Requião,51 a convocação

extrajudicial dos credores pressupunha um estado de desorganização da empresa e

perigo de fraude em tais operações.

À mercê da lei, era corriqueiro que o devedor propusesse a concordata

para alcançar a suspensão da cobrança, geralmente, pelo prazo de dois anos,

praticamente impondo ao credor aceitar um parcelamento do débito

extrajudicialmente e mediante a participação de terceiro, alheios ao trâmite desta

medida de soerguimento.52

2.3 A Lei de Recuperação e Falência

Muito festejada pela sociedade, a Lei nº 11.101 de 2005 surgiu com o

encargo de tornar mais eficaz o sistema falimentar.53 Nesse sentido, são muito

ilustrativas as palavras do Desembargador carioca Dr. Paulo Ventura:54

“Magistrados, promotores de justiça, advogados, defensores públicos, professores de direito se defrontam com uma alteração de fundo filosófico. Da escatologia do art. 1º, do D.L. 7.661/45, ‘considera-se

50 VALLE, Anco Márcio. Elementos de Falências & Concordatas. Rio de Janeiro: Idéia Jurídica, 2000, p. 82. 51 REQUIÃO, 1998, op. cit., p. 85-86 52 Não é demais citar as sábias palavras de Jozé Candido de Sampaio Lacerda,52 remontando da época em que vigia a antiga lei sobre a subversão do sistema falimentar: “As deficiências de uma lei de falência nem sempre são devidas aos seus princípios, mas aos seus aplicadores, que falham em seus misteres, deixando que os processos falimentares e de concordatas permaneçam orientados por pessoas inescrupulosas e desinteressadas economicamente no perfeito e completo andamento do processo.” (LACERDA, 1999, op. cit., p. 343). 53 Este sentimento não é unânime, como se vislumbra nos comentários doutrinários sobre a alteração pela LRF do procedimento penal falimentar: “É absolutamente inadmissível que, após mais de uma década de tramitação, venha para o universo jurídico uma lei com tamanha incompatibilidade ... era de se esperar especial atenção na ‘escolha’ do procedimento penal a ser adotado em juízo, rendendo-se homenagem, inclusive, ao princípio constitucional da ampla defesa” (MARCÃO, Renato. Processo Penal na Nova Lei de Falência. Revista Jurídica, Porto Alegre, 2005, Ano 53 – n. 328, p. 124). 54 VENTURA, Paulo Roberto Leite. Recuperação de Empresas Sob a Ótica da Nova Legislação Falimentar. Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005, V. 08 – n. 32, p. 47.

28

falido o comerciante que, sem relevante razão de direito, não paga no vencimento obrigação líquida, constante de título que legitime a ação executiva’, salta-se para a esperança recuperatória do art. 1º, da Lei nº 11.101/05, recém-editada. ‘Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor’.”

Como se depreende do teor da análise do doutrinador mencionado, a

alteração do parâmetro interpretativo da nova lei é perceptível já no primeiro artigo.

Tal como aconteceu nas legislações alienígenas, o princípio da preservação da

empresa é elemento norteador da nova lei falimentar brasileira, que inclusive

encontra-se expresso no texto do art. 47 da LRF.55

Tomadas como ponto de referência as principais modificações

implementadas pelo novel sistema falimentar, verifica-se que seus efeitos

açambarcam o empresário e a sociedade empresária, esta entendida como a

pessoa organizada profissionalmente na forma de unidade econômica de produção

ou circulação de bens ou serviços (art. 1°, LRF).56 Cabe ressaltar que ambos são

denominados genericamente pela lei como ‘devedor’.

A nova sistemática criou o instituto da recuperação judicial que traz

mecanismos mais eficientes ao soerguimento da empresa em crise econômico-

financeira, já que permite um plano de pagamento aos credores baseado na

situação particular de cada empresa e nas reais possibilidades do seu fluxo de caixa,

na venda de ativos e possibilidade da troca de dívidas por participação acionária,

devendo envolver, também, ampla análise dos aspectos que levaram a empresa à

situação de inadimplência, para a correção de rumos e até a substituição de peças,

estratégia, formato do negócio,57 entre outras medidas de saneamento e

55 Texto do art. 47 da Lei nº 11.101/2005: “A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”. 56 LOBO, Jorge Joaquim. Sociedades Limitadas. V. 1. São Paulo: Forense, 2004, p. 10. 57 São elucidativas as orientações de Theophilo de Azeredo Santos: “A experiência nacional e estrangeira de reorganização empresarial bem sucedida resultam de completo diagnóstico da empresa, avaliando-se sua situação financeira e econômica, os recursos disponíveis ou que porventura possam ser captados nos mercados financeiro e de capitais, o alongamento da dívida, a entrada de novos sócios, a indicação de administradores de competência e experiência, o estudo das várias hipóteses de reformulação societária (transformação, fusão, incorporação, cisão), a formação de ‘joint ventures’, o reconhecimento do mercado onde atua e suas perspectivas, enfim, ampla reformulação estrutural e administrativa.” (SANTOS, 2007, op. cit.)

29

reformulação da unidade produtiva.58

Assim, o devedor apresentará o pedido, comprovando o preenchimento dos

requisitos formais contidos na Lei nº 11.101/2005. Após o deferimento do

processamento do pedido, ele deverá apresentar o plano de recuperação e, se

houver impugnação, submeter-se-á à aprovação pela assembléia-geral formada

pelos credores.

Na esteira do direito francês, que prevê duas modalidades de recuperação,

uma nominada simplificada para empresas com até 50 empregados e outra

chamada principal, geral ou comum,59 a lei falimentar pátria faculta às

microempresas e àquelas de pequeno porte60 a apresentação de um plano especial

que inclui somente os credores quirografários e parcelamento em até 36 vezes, com

taxa de juros de 12% ao ano, assemelhando-se neste aspecto à extinta concordata

preventiva, que não comportava o instituto do juízo universal.

Permite-se expressamente a composição extrajudicial, “concordata branca

ou extrajudicial”, conforme explicita o artigo 167 da LRF, bem como positiva a

hipótese de o acordo vir a ser homologado pelo estado-juiz, através da recuperação

extrajudicial, desde que obedecidos os parâmetros legais, na forma do art. 161

usque da LRF.

Quanto aos órgãos da falência, o juiz teve reduzida sua ingerência no

processo falitário, eis que anteriormente todas as decisões eram de sua exclusiva

competência, ao passo que a sistemática atual prevê algumas matérias cuja

aprovação depende da assembléia-geral de credores, como é o caso do plano de

58 MANDEL, Julio Kahan e TOMMASI, Marcelo. A Nova Recuperação Judicial da Empresa. www.go.trf1.gov.br, 2006. Disponível em: <http://www.go.trf1.gov.br/setoriais/biblioteca/ve03>. Acesso em: 12.12.2006. 59 LOBO, Jorge. Direito da Empresa em Crise: A Nova Lei de Recuperação da Empresa. Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006, V. 09 – n. 34, p. 31-32. 60 Conforme a Lei Complementar n° 123, de 14 de dezembro de 2006 (que institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte): “Art. 3o Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que: I – no caso das microempresas, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais); II – no caso das empresas de pequeno porte, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais).” E “Art. 68. Considera-se pequeno empresário, para efeito de aplicação do disposto nos arts. 970 e 1.179 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o empresário individual caracterizado como microempresa na forma desta Lei Complementar que aufira receita bruta anual de até R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais).” Merece consignar que estes valores são corrigidos periodicamente.

30

recuperação judicial que teve objeção dos credores.61

Por seu turno, o Ministério Público, outro órgão atuante nos procedimentos

falimentares com função fiscalizatória e de agente, sempre teve o seu limite de

atuação questionado. A vestuta lei permitia ampla intervenção deste órgão, o que

acabava por retardar o andamento processual; no entanto, o novel regramento

restringiu a dita atuação, conforme o veto presidencial ao art. 4º da Lei nº

11.101/2005.62 Desta forma, só caberá manifestação do MP quando houver

previsão expressa na lei falitária.

No que tange ao síndico, anteriormente eleito entre os credores do devedor,

foi substituído pelo Administrador Judicial, profissional a ser nomeado pelo juiz, com

a função de auxiliá-lo na fiscalização e gerenciamento da empresa recuperanda e

massa falida, respectivamente. Trata-se de órgão obrigatório e incumbências

previamente delimitadas na LRF.

Apesar de não ser figura nova no ordenamento jurídico pátrio (a lei anterior

dispunha sobre a matéria no art. 122 e 123 do Decreto-lei nº 7.661/45),63 o comitê de

credores passou por uma reformulação, pois a lei novel prevê sua atuação na

falência e recuperação judicial. Sua função precípua é fiscalizar a empresa falida ou

recuperanda, sendo o funcionamento facultativo, já que pode ser substituído na

forma do art. 28 da LRF.

Relativamente à assembléia-geral, referida timidamente no Decreto-lei nº

7.661/1945, no atual sistema o órgão é atuante na recuperação judicial e falência,

deliberando de forma colegiada, com a incumbência de examinar, debater e decidir

as matérias de sua atribuição exclusiva, conforme os incisos I e II, do art. 35 da

LRF64.

61 Art. 56 da LRF. 62 Assim previa o art. 4º, objeto do veto: "O representante do Ministério Público intervirá nos processos de recuperação judicial e de falência. Parágrafo único. Além das disposições previstas nesta Lei, o representante do Ministério Público intervirá em toda ação proposta pela massa falida ou contra esta". São as Razões do veto, que se sustenta no princípio da racionalização das funções do Ministério Público: "O dispositivo reproduz a atual Lei de Falências – Decreto-Lei no 7.661, de 21 de junho de 1945, que obriga a intervenção do parquet não apenas no processo falimentar, mas também em todas as ações que envolvam a massa falida, ainda que irrelevantes, e.g. execuções fiscais, ações de cobrança, mesmo as de pequeno valor, reclamatórias trabalhistas etc., sobrecarregando a instituição e reduzindo sua importância institucional.” 63 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova Lei de Recuperação e Falências Comentada / Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, comentário artigo por artigo. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 100. 64 LOBO, Jorge. Da Assembléia-geral Geral de Credores in: TOLEDO, Paulo F. C. Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 82.

31

Também é considerado órgão na recuperação judicial, o gestor judicial,

nomeado pelo juiz para exercer a função de gestor e representante da empresa em

crise, quando houver destituição de seus administradores (art. 65, LRF).65

Constatam-se, ainda, alterações relativas aos procedimentos dos pedidos de

falência, sentença de quebra, recursos desta decisão, alienação do ativo,

classificação dos créditos, extinção do processo falimentar, procedimentos penais,

entre outras matérias. No entanto, tais tópicos não guardam relação com o objeto

do presente trabalho.

Por fim, é mister mencionar que as disposições transitórias da Lei nº

11.101/2005 determinam a aplicação do antigo sistema para os procedimentos em

curso no momento da entrada em vigor do novel diploma, na forma do art. 192 da

citada lei.

2.4 As Ações Incidentais Falimentares

A Nova Lei de Recuperação e Falências remodelou as ações incidentais,

quais sejam: habilitação de crédito, revocatória, restitutória, embargos de terceiros e

ação de responsabilização dos sócios, com o fim de compatibilizar o procedimento

destas com as demais normas processuais existentes no ordenamento jurídico

pátrio.

As nuances dessas ações serão analisadas nos capítulos posteriores, exceto

a última que demandaria um estudo pormenorizado dos tipos societários e os meios

de atingimento da responsabilidade pessoal dos sócios, desviando, portanto, o fim

colimado neste trabalho.

Não é demais assinalar que, relativamente às ações incidentais, houve a

unificação das regras para verificação dos créditos na falência e na recuperação

judicial. Ademais, não cabe ação restitutória em sede de recuperação judicial, o que

era cabível na concordata preventiva.

Além do eixo principal da falência, em que se desenvolvem ações de

administração e conservação de bens para o pagamento dos credores, é possível

constatar o desenvolvimento de outros quatro eixos processuais, de curso paralelo

65 LOBO, 2006, op. cit., p. 33.

32

àquele e que, somados afluirão para alcançar a meta ultima da execução coletiva: o

pagamento dos credores (ver figura 03 que minudencia o antigo sistema e a figura

04, descritiva do atual regramento).

FIGURA 03

Pedido de Falência Arts. 1º, 2º e 8º LF

Sentença de Falência Art. 14, LF

10 a 20 dias HCT Art. 82, LF

QGC Arts. 102, LF

Impugnações e HCR

Arts. 88 e 98, LF

Sentença de Encerramento Art. 132, LF

Pagamento aos Credores Arts. 121 e 125, LF

Restituição ou Embargos Arts. 76 e 79, LF

Arrecadação Art. 70, LF

Ação Revocatória Arts. 52 e 53, LF

Apuração de Crime Falimentar

Ação de Responsabilização dos Sócios Art. 6º, LF

Bens Devolvidos Art. 135, LF

Inquérito Judicial Art. 103, LF

Devolução do Bem

Alienação Arts. 114 e 115, LF

33

FIGURA 04

Tais ações, de interesse da massa falida, que assim se desmembram:

restituição e embargos, que desincorporam bens de terceiros ou ameaçados de

desapossamento pelo administrador judicial; declaração de ineficácia e revogação

para atos anteriores à falência, visando integrar bens à massa; habilitação e

verificação de crédito, necessárias à formação do QGC; atos investigatórios que

Pedido de Falência Arts. 94 e 105, LRF

Sentença de Falência Art. 99, LRF

Alienação Art. 139, LRF Ineficácia

Art. 129, LRF

15 dias HCT Art. 7°, LRF

Restituições em Espécie

Art. 86, LRF

QGC Art. 149, LRF

Impugnações e HCR

Arts. 8° e 10, LRF

Sentença de Encerramento Art. 156, LRF

Pagamento aos Credores Arts. 83 e 84, LRF

Restituição ou Embargos Art. 85, 86 e 93, LRF

Arrecadação Art. 108, LRF

Ação Revocatória Arts. 129 e 136, LRF

Apuração de Crime Falimentar Art. 168 usque e 186, LRF

Ação de Responsabilização dos Sócios Art. 82, LRF

Edital Relação de Credores

Art. 7°, §2°, LRF

Bens Devolvidos

Art. 135, LRF

Denúncia Art. 184, LRF

Devolução do Bem Art. 88, LRF

34

podem culminar com a responsabilização civil dos sócios e, ainda, criminal das

pessoas envolvidas em crimes definidos pela Lei Falimentar, cujo escopo foge ao

objeto desta dissertação.66

66 NEGRÃO, Ricardo. Aspectos objetivos da Lei de Recuperação de Empresas e de Falências. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 129.

35

“Com o procedimento se pretende assegurar o acertamento do passivo do devedor, para nele efetivamente figurarem os créditos legítimos,

pelos valores exatos, e segundo a classificação que por direito lhes caiba.”

(CAMPINHO, Sérgio. Falência e Recuperação

de Empresa – O Novo Regime da Insolvência Empresarial. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.

97).

36

3 O INOVADOR SISTEMA DE HABILITAÇÃO E VERIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS

3.1 Generalidades

Na rubrica da seção concernente à verificação e habilitação dos créditos,

identificam-se as primeiras diferenças entre o Decreto-lei nº 7.661/45 e a LRF. O

antigo diploma tratava conjuntamente da verificação e classificação dos créditos no

Título VI, subdividindo a matéria em duas seções (uma para a verificação e outra

para a classificação dos créditos). Em contrapartida, a LRF reorganizou e seccionou

o tema, pois a seção II trata da verificação e habilitação dos créditos, dispondo de

regras comuns à recuperação judicial e à falência. A classificação dos créditos, por

sua vez, foi deslocada para o capítulo V, que traz regras específicas para a

falência.67

Trajano de Miranda Valverde,68 um dos elaboradores da legislação falitária

anterior, lecionava que afastados aqueles créditos que não podiam ser reclamados

na falência (art. 23, parágrafo único, LF), e submetidos a regime especial, ou seja,

os que se originam de contratos bilaterais e não são resolvidos pela falência (arts. 43

e 44, LF); todos os demais créditos comerciais ou civis,69 puros, condicionais ou

67 SALLES, Andrea; BRUNO, Rachel. Da Verificação e da Habilitação dos Créditos in: GUERRA, Érica; LITRENTO, Maria Cristina Frascari. Nova Lei de Falências : Lei 11.101 de 9/2/2005, Comentada. São Paulo: LZN, 2005, p. 36. 68 VALDERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências (Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945). v. 2, 4 ed. atual. por J. A. Penalva Santos e Paulo Penalva Santos. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 74. 69 Inclusive os créditos trabalhistas, segundo os tribunais: “FALÊNCIA. CRÉDITO TRABALHISTA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO FALIMENTAR. I. No presente recurso extraordinário só se poderá examinar o argumento da ofensa ao texto constitucional (R.I., art. 325-I, na sua atual redação); II. O acórdão recorrido não afronta o art. 142 da Constituição, pois o juízo falimentar é competente para apreciar habilitação de crédito trabalhista em falência (...)”. (STF – RE 112310/PR. Min. FRANCISCO REZEK. Julgamento em 18.08.1987). Entendimento em idêntico sentido: “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. EXECUÇÃO TRABALHISTA E SUPERVENIENTE DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA DA EMPRESA EXECUTADA. COMPETÊNCIA. JUÍZO FALIMENTAR. 1. As alegações de desrespeito aos postulados da legalidade, do devido processo legal, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, se dependentes de reexame prévio de textos normativos inferiores, podem configurar, quando muito, situações de ofensa meramente reflexa ao texto da Constituição do Brasil. 2. O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que, decretada a falência, a execução do crédito trabalhista deve ser

37

eventuais, ilíquidos ou líquidos, privilegiados ou com garantias reais e

quirografários,70 deveriam ser declarados na falência do devedor comum,71 se

pretendessem os respectivos titulares realizar o seu direito, salvo os créditos

fazendários.72

Tais regras permaneceram inalteradas no atual sistema em relação à massa

falida, ou seja, não cabe ação de cobrança, monitória ou execução,73 mas o

processada perante o Juízo falimentar, sendo necessária a sua habilitação no juízo universal [CC 7.116, Plenário, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 23.8.2002]. (...)” (STF – AI-AgR 584049/RJ. Min. EROS GRAU. Julgamento em 08.08.2006). 70 Sobre a sujeição dos créditos ao juízo da falência, mediante habilitação: “CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO DE DESPESAS CONDOMINIAIS. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. FALÊNCIA DO CONDÔMINO EXECUTADO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO UNIVERSAL. Decretada a quebra, as execuções singulares pendentes devem prosseguir no juízo universal, ainda que originárias de cobrança de obrigações propter rem. Conflito conhecido e provido para declarar a competência do Juízo da 11ª Vara Cível de Goiânia/GO.” (STJ - CC 37178/GO. Min. CESAR ASFOR ROCHA. Julgamento em 26.04.2006). Inclusive os honorários de advogado devem ser habilitados: “HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. DEPÓSITO PARA PAGAMENTO DE EMPRESA VENCEDORA EM DEMANDA JUDICIAL. LEVANTAMENTO PELO ADVOGADO DE VALOR PERTENCENTE À MASSA FALIDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS NA SENTENÇA. TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL PRIVILEGIADO NA FALÊNCIA. JUSTA CAUSA PARA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL. 1. Advogado que levantou quantia resultante de êxito em demanda judicial, depositada para o pagamento de sua constituinte, sob a alegação de que o valor, correspondente a 10% (dez) por cento do total da condenação, equivale aos honorários advocatícios. 2. O paciente tinha em mãos um título executivo privilegiado na falência --- a sentença condenatória --- que lhe assegurava honorários advocatícios de 10% (dez por cento) do valor apurado em liquidação. Incumbia-lhe habilitar-se no Juízo Universal da Falência, nos termos do disposto no artigo 24 do Estatuto da Advocacia, e não levantar, por conta própria, o montante correspondente à primeira parcela depositada para o pagamento da empresa. (...)” (STF - HC 89753/SP. Min. EROS GRAU. Julgamento em 24.10.2006). 71 Neste sentido: “AÇÃO DE COBRANÇA EM FACE DE MASSA FALIDA DEPÓSITOS DECORRENTES DE CRÉDITOS DA EMPRESA FALIDA. IMPOSSIBILIDADE DE LIBERAÇÃO. NECESIDADE DE HABILITAÇÃO NO JUÍZO UNIVERSAL DA FALÊNCIA. Com a decretação da falência, todas as ações referentes aos bens, interesses e negócios da massa falida serão processados e julgados pelo Juízo em que tramita o processo de falência, no qual deverão ser habilitados os créditos pendentes (...).” (TJERJ - Ap. Cível 2005.001.30113. Des. JOSE GERALDO ANTONIO. Julgamento em 07.02.2006). 72 É a mesma tendência dos tribunais: “Falência. Crédito tributário. A União Federal carece de interesse na habilitação de crédito originado de imposto de renda arrecado e não repassado pela empresa falida. Não se sujeitando aos efeitos da falência e ao rateio (CTN, 186), falece interesse da União em habilitar o crédito tributário, bastando sua simples apresentação para pagamento na oportunidade própria (CTN, 188). (...)” (TJERJ - Ap. Cível 2005.001.31650. Des. ROGÉRIO DE OLIVEIRA SOUZA. Julgamento em 07.03.2006). E ainda: “EXECUÇÃO FISCAL. Os créditos fiscais não estão sujeitos a concurso de credores ou habilitação em falência, fazendo-se a penhora no rosto dos autos do processo de quebra (...).” (TJERJ - Ag. Instrumento 2004.002.04483. Des. ADRIANO CELSO GUIMARAES. Julgamento em 25.10.2005). 73 No que tange à submissão dos créditos ao juízo falimentar: “CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FALIMENTAR E JUSTIÇA DO TRABALHO. FALÊNCIA. EXECUÇÃO TRABALHISTA. ARREMATAÇÃO ULTIMADA NA JUSTIÇA ESPECIALIZADA. REMESSA DO PRODUTO AO JUÍZO UNIVERSAL DA FALÊNCIA. 1. Constituindo o ordenamento jurídico pátrio um sistema harmônico, perfaz-se imperioso interpretá-lo sistematicamente, conciliando os princípios orientadores da execução trabalhista e do processo falimentar. Assim, uma vez decretada a quebra, as reclamações trabalhistas anteriormente intentadas serão ultimadas pela Justiça do Trabalho,

38

procedimento previsto na lei em comento74 (salvo, os procedimentos já em trâmite,

na forma do art. 6°, LRF, que traz exceções ao juízo universal até a liquidação do

quantum devido).

absolutamente competente para o respectivo julgamento. Porém, definitivamente julgados e liquidados os créditos trabalhistas, sua execução deve ser remetida ao Juízo Falimentar, a quem compete ordenar os créditos segundo as preferências legais e, uma vez classificados, conferir tratamento paritário aos credores de uma mesma categoria. 2. No caso, a arrematação dos bens na Justiça Laboral ocorreu muito após à data em que declarada a falência, tornando inviável a liberação do respectivo produto ao exeqüente (art. 24, § 1º, do DL nº 7.661/45). Nos termos legais, apenas a arrematação, e não a penhora, consumada previamente à decretação de quebra, afasta a necessidade de habilitação do crédito junto à massa falida. 3. Precedentes (CC nºs 34.635/GO, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJU 01.03.2004 e 41.731/SP, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, DJU 06.10.2004; AgRg CC nºs 39.984/RJ, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, DJU 27.09.2004 e 45.862/RJ, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, DJU 13.12.2004). 4. Nesta oportunidade, seria inconseqüente anular os custosos atos de arrematação praticados na execução singular e determinar sua renovação perante o Juízo competente, devendo-se, em atenção ao princípio da economia processual, determinar a remessa de seu produto ao Juízo Falimentar, para fins de habilitação junto à massa falida. Outrossim, as cartas de arrematação encontram-se devidamente expedidas, pelo que o ato reputa-se perfeito, acabado e irretratável, somente podendo ser desfeito nas hipóteses elencadas no parágrafo único do art. 694 do CPC, do que não se cogita, in casu. 5. Conflito conhecido para se declarar competente o D. Juízo de Direito da 1ª Vara da Fazenda, Falências e Concordatas de Curitiba/PR, ora suscitante.” (STJ – CC 37680/PR. Min. JORGE SCARTEZZINI. Julgamento em 27.08.1996). 74 Sobre o descabimento de outra via, que não sejam os procedimentos previstos na lei falimentar: “FALÊNCIA. CRÉDITO TRABALHISTA. NECESSIDADE DE HABILITAÇÃO. ARTS. 82 E 98 DO DECRETO-LEI N. 7.661/45. MANDADO DE SEGURANÇA. INVIABILIDADE COMO MERO SUCEDÂNEO RECURSAL. RECURSO DESPROVIDO. I. O mandado de segurança não se apresenta como via normal para impugnar decisão judicial agravável. II. O crédito trabalhista, conquanto goze de privilégio absoluto e não esteja sujeito a impugnação prevista no parágrafo 1. do art. 98 do Decreto-lei n. 7.661/45, necessita, após reconhecido por decisão da justiça laboral, ser habilitado no juízo falimentar. somente a partir de então assiste ao seu titular legitimidade para requerer ao juiz da falência as providências que lhe interessem.” (STJ - RMS 1459/SP. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. Julgamento em 01.09.1992). Excelente lição que se extrai do julgamento que segue: “CONFLITO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. MASSA FALIDA. NÃO-SUJEIÇÃO DA COBRANÇA DE DÉBITOS FISCAIS À HABILITAÇÃO EM FALÊNCIA. PERMANÊNCIA DA EXECUÇÃO FISCAL NO JUÍZO ONDE FOI PROPOSTA. ART. 29 DA LEI 6.830/80. EXEGESE. PENHORA. BEM ARRECADADO PELO SÍNDICO. UNIVERSALIDADE DA MASSA FALIDA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. Segundo a nova Lei de Falências (Lei 11.101/2005), os processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início da sua vigência serão concluídos nos termos do Decreto-Lei 7.661/45. Por sua vez, o art. 24 do retrocitado decreto-lei dispõe que ficam suspensas as execuções individuais dos credores, sobre direitos e interesses relativos à massa falida, desde que seja decretada a falência até o seu encerramento. 2. Entretanto, conforme estabelece o art. 29 da Lei de Execuções Fiscais, que segue a determinação do art. 187 do Código Tributário Nacional, a cobrança judicial da dívida da Fazenda Pública não se sujeita à habilitação em falência, mas submete-se à classificação dos créditos. 3. Consoante a parte final do enunciado da Súmula 44 do extinto TFR, ‘(...) proposta a execução fiscal contra a massa falida, a penhora far-se-á no rosto dos autos do processo da quebra, citando-se o síndico’. 4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Uruguaiana/RS, o segundo suscitado, para processar e julgar a execução fiscal ajuizada contra a empresa falida.” (STJ – CC 45805/RJ. Min. DENISE ARRUDA. Julgamento em 22.02.2006). Mas da necessidade de recebimento perante o juízo falimentar: “CONFLITO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA EFETIVADA APÓS A DECRETAÇÃO DE FALÊNCIA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO. ANULAÇÃO DA PENHORA. 1. Trata-se de conflito de competência instaurado pela massa falida de Lundgren Irmãos Tecidos Indústria e Comércio S/A – Casas Pernambucanas ao argumento de que, após a decretação de falência pela 2ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, foi penhorado imóvel já arrecadado pela massa pelo Juízo de Direito

39

Frise-se, no entanto, que somente os credores quirografários concorriam na

concordata,75 já que não havia juízo universal neste procedimento, porém o novo

instituto da recuperação judicial subordina todos os credores, tal como acontece na

hipótese de quebra.76

Excepcionados da recuperação judicial, além dos créditos fiscais, os valores

decorrentes do contrato de adiantamento de câmbio e os credores com direito de

propriedade resolúvel, que mantém seus direitos sobre a coisa e as condições

contratuais, conforme a legislação respectiva, sem prejuízo da regra especial para

as garantias liquidadas ou vencidas no curso desta recuperação, referentes ao

crédito garantido por penhor sobre títulos de crédito, direitos creditórios, aplicações

financeiras ou valores mobiliários, que poderão ser renovadas ou substituídas e o

valor eventualmente recebido em pagamento das garantias, ficará em conta

vinculada pelo prazo máximo de cento e oitenta dias,77 na forma dos arts. 6°, §4°, e

49 da LRF.

Ressalte-se que o art. 20 da LRF, semelhante ao disposto no artigo 96, §1º,

do antigo sistema falitário, determina que o credor do sócio ilimitadamente da Comarca de Varginha/MG para garantir execução fiscal promovida pelo Estado de Minas Gerais. Em sede liminar, o eminente Vice-Presidente desta Corte determinou a suspensão da execução fiscal, designando o juízo falimentar para responder pelas medidas urgentes. Opinou o Parquet pelo reconhecimento da competência do Juízo de Direito da Comarca de Varginha/MG. 2. Na esteira da jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, ‘a decretação da falência não paralisa o processo de execução fiscal, nem desconstitui a penhora. A execução continuará a se desenvolver, até a alienação dos bens penhorados. Os créditos fiscais não estão sujeitos à habilitação no juízo falimentar, mas não se livram de classificação, para disputa de preferência com créditos trabalhistas (DL 7.661/45, Art. 126). Na execução fiscal contra falido, o dinheiro resultante da alienação de bens penhorados deve ser entregue ao juízo da falência, para que se incorpore ao monte e seja distribuído, observadas as preferências e as forças da massa’ (RESP 188148-RS, Corte Especial, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 27/05/2002). 3. A cobrança judicial da dívida da Fazenda Pública não se sujeita à habilitação em falência, mas se submete à classificação dos créditos (art. 187 do Código Tributário Nacional). 4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da Comarca de Varginha/MG para continuar a apreciar a execução fiscal, anulando-se, porém, a penhora em discussão por haver sido concretizada após a decretação de falência da empresa devedora.” (STJ – CC 45406/RJ. Min. JOSÉ DELGADO. Julgamento em 09.03.2005). 75 Era a regra jurisprudencial no antigo sistema: “CONCORDATA. NOTA DE CRÉDITO INDUSTRIAL. HABILITAÇÃO. NÃO-SUJEIÇÃO. PRIVILÉGIO ESPECIAL. DL 413/69, ART. 17. A concordata atinge apenas os credores quirografários (Lei Falimentar, Art. 147). Os credores por notas de crédito industrial estão livres da moratória; porque o Art. 17 do DL 413/69 outorga-lhe privilégio especial.” (STJ – REsp 11616/SP. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS. Julgamento em 18.05.2004 – grifos nossos). 76 A doutrina esclarece o porquê da competência absoluta do juízo falimentar para a matéria: “a exclusão das causas de natureza falimentar tem sua razão de ser, pois são demandadas ‘em aberto’, que podem começar como uma pequena demanda e terminar em uma demanda enorme, sendo esta uma das características das causas ditas universais.” (SILVA, Leandro Ribeiro da, et al. Juizados Especiais Cíveis Comentada e Anotada. 3 ed. amp. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 19). 77 TZIRULNIK, Luiz. Direito Falimentar. 7 ed. rev. atual. e ampliada de acordo com a Lei n° 11.101 de 9 de fevereiro de 200. são Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 106-107.

40

responsável habilitar-se-á de acordo com as disposições aqui estudadas.78 Andou

bem o legislador ao alterar a expressão “sócio solidário” por “sócio ilimitadamente

responsável”, que é tecnicamente mais acertada.

De forma mais customizada, a legislação vigente prevê procedimentos

variados para a verificação dos créditos, conforme o momento em que o credor

apresenta o seu direito perante o juízo da recuperação judicial ou da falência (ver

figura 05 que traz visão panorâmica da verificação dos créditos na LF e a figura 06

que pormenoriza a LRF).

78 Já foi julgado pelo tribunal estadual catarinense: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO CONTRA SÓCIO DA FALIDA. SOLIDARIEDADE DO MESMO PERANTE OS CREDORES DESTA DENTRO DE LIMITES ESTABELECIDOS EM SENTENÇA TRÂNSITA EM JULGADO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO UNIVERSAL DA FALÊNCIA. DECISÃO CONFIRMADA. Diante da responsabilidade solidária de sócio da falida, declarada judicialmente, os bens daquele respondem, nos limites da sentença, perante os credores desta última. Em conseqüência, o Juízo da Falência passa a ser competente até mesmo para o processamento de execução de terceiro perante sócio solidário, para dar-se, inclusive, efetividade, com plena fiscalização, ao princípio inscrito nos artigos 39 e 40, da Lei n. 6.024, de 1974.” (TJESC – Ag. Instrumento 8520. Des. AMARAL E SILVA. Julgamento em 31.05.1994).

41

FIGURA 05

Edital de Quebra

Art. 14, LF

HCT Art. 82, LF

QGC Art. 102, LF

Pagamento aos Credores

10 à 20 dias Fixados pelo Juiz

Impugnações e Credor, Falido ou

seus Sócios Art. 88, LF e Art.

282 CPC

5 dias

5 dias

Impugnado

MP

Juiz

Quesitos Produção de

Provas

Sentença

Sem Impugnações Sentença

3 dias 5 dias 5 dias Audiência de Verificação Art. 95, LF

Apelação

Convocação do Síndico para Expedição de Circulares

Art. 81, LF

Habilitação do Síndico

Art. 85, LF (Parecer do Falido)

Parecer do Síndico Art. 86, LF Julgamento

Antecipado do Feito Art. 92, LF

3 dias 5 dias

Perito

HCR Art. 98, LF

Falido Síndico

Impugnação MP Sentença

Apelação

3 dias 3 dias 10 dias 3 dias

42

FIGURA 06

3.2 Habilitação de Crédito Tempestiva e Divergência

Publicado o edital de deferimento da recuperação judicial ou de quebra,

começa a fluir o prazo de 15 (quinze) dias para a habilitação de crédito tempestiva

ou divergência.79 Esta ultima é instituto trazido pela nova sistemática e, segundo

79 No Decreto nº 7.661/1945 o prazo para as habilitações era fixado pelo juiz, variando entre 10 a 20 dias, em função do vulto da falência. Determinava o art. 81 que os credores constantes na escrituração do falido seriam comunicados da falência através de circulares expedidas pelo síndico. A

Edital de Quebra ou Deferimento de

RJ Arts. 99 ou 52, LRF

HCT ou Divergências Art. 7°, LRF

QGC Art. 149, LRF

Pagamento aos

Credores Arts. 83 e 84, LRF

15 dias

Julgamento Antecipado da Lide ou Saneamento do Feito

Art. 15, LRF

Impugnações e HCR, por Devedor,

Credor, MP, Comitê, Falido ou

seus Sócios Arts. 8° e 10, LRF

Edital Relação de Credores

Art. 7°, §2°, LRF

45 dias

10 dias

Credores

Comitê e Devedor

Parecer do Adm. Judicial

Produção de Provas

AIJ, se necessária

Sentença

Art. 17, LRF

Irrecorrível

Sem Impugnações Art. 14, LRF

5 dias 5 dias 5 dias

Contestações Art.12, LRF

Agravo

Ação de Conhecimento para Alteração do QGC Art. 10, §6°, LRF

Art.15, I e II, LRF

43

Fábio Ulhoa Coelho,80 destina-se aos credores que se encontram em relação

editalícia, mas discordam da classificação ou do montante atribuído aos seus

créditos.

Cabe frisar, que o legislador não definiu quando esta relação de credores

será publicada por edital, mas numa interpretação sistemática, tem-se que ocorrerá

quando houver deferimento de recuperação judicial ou falência decretada em

requerimento de autofalência, já que nestas hipóteses é requisito do pedido a

apresentação da relação dos créditos, conforme o disposto nos artigos 51, III e 105,

II da Lei nº 11.101/2005. Na falência requerida pelo credor, não é pressuposto para

decretação da quebra a apresentação da referida lista, mas se eventualmente for

juntada antes da sentença pelo devedor, deverá constar no edital e fixará o prazo

para a divergência. No mais, este procedimento segue o trâmite processual da

habilitação de crédito tempestiva.

Afirmava Trajano de Miranda Valverde,81 conforme o pensamento majoritário

da doutrina, que a habilitação de crédito tinha natureza jurídica contenciosa

independentemente de impugnação da declaração pelo credor. Todavia, o

procedimento de habilitação tempestiva dos créditos sofreu profunda remodelação,

uma vez que passará a ser endereçada ao administrador judicial e não mais ao juiz,

como ocorria no vestuto sistema.

Em decorrência desta alteração a doutrina tem afirmado que o procedimento

possui cunho eminentemente administrativo.82 Sérgio Campinho83 esclarece que o

instituto se assenta em mera providência administrativa, pois inexiste o exercício de

função jurisdicional pelo juiz, mas somente administrativa ao homologar a relação de

credores não impugnada como QGC ou ao determinar a inclusão dos créditos no

referida prática não era usual, já que dispendiosa para a massa falida. Se o credor não se habilitasse, o síndico não era responsabilizado, salvo na hipótese do art. 125 (COELHO, 2003, op. cit., p. 322-323). 80 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 43. 81 VALVERDE, 1999, op. cit., p. 79. 82 Diferente é o posicionamento de Waldo Fazzio Jr., pois afirma que o processo de verificação, de cunho meramente declaratório, é contencioso, ocorra ou não sua impugnação (FAZZIO JR., 2005, op. cit., p. 79). 83 Sobre a “desjudicialização” trazida pela LRF, afirma Manoel Justino Bezerra Filho: “Enfim, entre os diversos equívocos desta Lei, este sistema de habilitação dos créditos na falência é digno de louvor, por dispensar o Judiciário de atividades que podem chegar a final perfeito apenas com atividades administrativas, mantendo sempre, porém a possibilidade, até em homenagem ao princípio constitucional da indeclinabilidade da jurisdição (inciso XXXV, do art. 5º da Constituição), de ida ao Judiciário para resolver de forma definitiva as questões que não podem prescindir da solução a ser dada pelo juiz natural” (BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 68).

44

referido quadro das habilitações não impugnadas, separando-as das objetadas, que

observarão ritualística própria.84

Por conta disto, a HCT não necessita seguir os moldes do art. 282 do CPC,85

bem como dispensa a representação do habilitante por advogado. Convém

esclarecer que o art. 9º da LRF aponta os requisitos da declaração, devendo conter

o nome e endereço do credor e o local em que este receberá as comunicações

processuais.

Além disto, caberá ao credor apontar o valor do crédito, sua origem e

classificação. Tal como acontecia no sistema anterior, perdura a regra da

desnecessidade de declarar a origem do crédito para requerer falência, cabendo

fazê-lo em caso de habilitação de crédito,86 isto porque a lei pretende aferir a higidez

de sua causa,87 que não pode ser ilícita88 ou retratar, v.g., uma obrigação a título

gratuito, que é inexigível na recuperação ou falência (art. 5º, I, LRF).89

84 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 98. 85 Que trata dos requisitos da petição inicial. 86 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 71. 87 Assim é a posição dos tribunais: “FALÊNCIA. HABILITAÇÃO. NÃO APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTO COMPROBATÓRIO DO CRÉDITO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. 1. Devidamente intimado o autor, apelante, a fornecer certidão da Justiça do Trabalho com o valor líquido de seu crédito, documento necessário, e imprescindível para o prosseguimento da habilitação, o mesmo não o fez (...).” (TJERJ - Ap. Cível 2005.001.27112. Des. LETICIA SARDAS. Julgamento em 21.03.2006). 88 Os tribunais superiores interpretam a matéria com ponderação e razoabilidade: “COMERCIAL. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO EM FALÊNCIA. DEMONSTRAÇÃO DA ORIGEM DO CRÉDITO. DL 7.661/45, ART. 82. CHEQUE. ABSTRAÇÃO E AUTONOMIA. CAUSA DEBENDI. DISCUSSÃO. EXCEPCIONALIDADE. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO.I. A discussão da relação jurídica subjacente à emissão de cheque é permitida se houver sérios indícios de que a obrigação foi constituída em flagrante desrespeito à ordem jurídica ou se configurada a má-fé do possuidor do título. II. A falta de causa que justifique a exigência do título pode ser alegada e provada pelo devedor que participou diretamente do negócio jurídico realizado com o credor. III. A demonstração da origem do crédito, exigida pelo art. 82 do DL 7.661/45, deve ajustar-se à abstração e autonomia do cheque. Se, de um lado, o título representa, por si só, o débito e já denota a obrigação do falido, de outra ponta a verificação dos créditos, na falência, tem por objetivo aferir a legitimidade dos mesmos, de modo a impedir fraudes e abusos. IV. Na espécie, não havendo indícios de desrespeito à ordem jurídica, nem alegação, da parte do devedor, de falta de causa, mostra-se descabida a exigência de que o credor declare a origem do negócio que travou com o falido e que ocasionou a emissão dos cheques.” (STJ – REsp 221.835/DF. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. Julgamento em 21.09.1999). Também corrobora o entendimento: “CIVIL. CONCORDATA PREVENTIVA. HABILITAÇÃO. CHEQUE. ORDEM DE PAGAMENTO. EFICÁCIA DE TÍTULO DE CRÉDITO. ART. 82, DO DECRETO-LEI Nº 7.661/45. I. Consoante afirma a doutrina, ‘deve a declaração conter a origem do crédito. Essa exigência é de suma importância e se acha consagrada nas legislações falimentares. É um meio fácil de controlar a legitimidade dos créditos. O credor que não explica satisfatoriamente a causa ou origem do seu crédito, ou lhe atribui causa diversa, deve ser excluído’. II. Tem-se que, no caso, o cheque permaneceu com sua natureza e eficácia de título de crédito íntegra, eis que, na fase instrutória, não logrou o recorrente desnaturá-la. Razão suficiente para que, como ordem de pagamento de efeito cambiário, fosse habilitado”. (STJ - REsp 18.995-SP. Min. WALDEMAR ZVEITER. Julgamento em 03.11.1992). 89 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 101.

45

Frise-se que basta a juntada de um documento de dívida, tendo em vista não

ser exigência da lei a demonstração de um título executivo,90 como acontece na

hipótese de requerimento de falência. Tal qual acorria na LF, intentou o legislador

dar amplos meios para que o credor exerça seu direito, senão vejamos:

“FALÊNCIA. Habilitação de crédito. Inclusão de quirografário. Deferimento. Falta de liquidez e certeza. Requisitos não exigidos. Origem do crédito comprovada. Atendimento ao disposto no artigo 82 da Lei de Falências. Recurso não provido. Para a habilitação do crédito quirografário não se exige o título executivo. Apelação Cível n. 280.571-1. São Paulo. Apelante: Massa falida de IPS Internacional Sul América de Comércio LTDA. Apelado: Adolpho Schimidt.”91

O declarante poderá arrolar créditos diversos no seu pedido,92 mas de forma

individual, juntando os documentos comprobatórios do seu crédito e com indicação

das provas que pretende produzir, bem como deve apontar a garantia prestada pelo

devedor, se houver, sem prejuízo de especificar o objeto da garantia que estiver na

posse do devedor (art. 9º, III a V, LRF). Caberá, também, a tradução anexa do

90 Sobre a elasticidade probatória em sede de habilitação: “Falência. Habilitação de crédito. Títulos em fotocópia autenticada e reconhecida veraz em perícia técnica. Aplicação da Sum. 30/STJ. 1. Não é possível negar a habilitação de títulos apresentados em fotocópia quando a própria falida, ainda que em impugnação intempestiva, reconhece a existência dos mesmos, rechaçando embora, por outros motivos, a habilitação, e a perícia técnica confirma a respectiva exatidão (...)” (STJ - REsp 98403/MG. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO. Julgamento em 10.06.1997). 91 ASSAN, Ozíres Eilel. Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de Junho de 1945 Lei de Falências e Concordatas à Luz da Jurisprudência. São Paulo: Celled, 2000, p. 414. Também nesta linha: “Apelação Cível. Habilitação de crédito em falência. Duplicata não aceita é título apto a embasar requerimento de habilitação de crédito, desde que esteja acompanhada de documento hábil comprobatório da entrega e recebimento da mercadoria. Ônus do requerente, não cumprido. Manutenção do indeferimento da habilitação. Recurso desprovido.” (TJERJ - Ap. Cível nº 2005.001.48147. Des. HELDA LIMA MEIRELES. Julgamento em 11.04.2006). Por outro lado: “FALÊNCIA. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. RESCISÃO CONTRATUAL COM ADJUDICAÇÃO DE IMÓVEL. PROCEDIMENTO INADEQUADO. NULIDADE DA SENTENÇA COM EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. O procedimento de habilitação de crédito em falência não corresponde à natureza da causa em que se postula rescisão de contrato com adjudicação de imóvel, sendo nula a sentença que julga procedente o pleito de rescisão, quando a hipótese comporta a extinção do processo, nos termos do artigo 267 c/c 295, V, do Código de Processo Civil (...).” (TJERJ - Ap. Cível 2005.001.49575. Des. JOSE GERALDO ANTONIO. Julgamento em 28.03.2006). 92 Tal como acontece na execução, senão vejamos, conforme Enunciado n° 27 da Súmula do STJ: “Pode a execução fundar-se em mais de um título extrajudicial relativos ao mesmo negócio.”

46

documento em língua estrangeira e a conversão das obrigações em moeda

estrangeira.93

Não deve passar in albis, que no caso de devedores solidários da mesma

obrigação, utilizam-se as regras do sistema falimentar concernente ao devedor

insolvável,94 como por exemplo o vencimento antecipado da dívida com eventual

abatimento dos juros e suspensão da prescrição (art. 6° e 77, LRF,

respectivamente),95 inalteradas as regras gerais para os demais devedores, que

serão cobrados conforme as vias ordinárias.96

Excepcionalmente, a Lei nº 6.404/1976 possibilita a habilitação coletiva dos

debenturistas,97 através de seu representante,98 ou seja, o agente fiduciário que

93 PACHECO, José da Silva. Processos de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 51. Julgado que ratifica o acima, nos termos do velho sistema: “COMERCIAL. FALÊNCIA. DÍVIDA EM MOEDA ESTRANGEIRA. POSIÇÃO DO AVALISTA. Sobrevindo a quebra, todas as dívidas do falido vencem antecipadamente, inclusive aquelas contraídas em moeda estrangeira, que são convertidas em moeda nacional segundo a taxa de câmbio vigente na data da sentença declaratória da falência; havendo prestações vincendas, e preferindo o credor estrangeiro cobrá-las do avalista na forma contratual, nem assim este pode exigir da massa falida o valor que desembolsou, só se subrogando no crédito apurado nos termos do artigo 213 da Lei de Falências (...)” (STJ - REsp 60996/RJ. Min. ARI PARGENDLER. Julgamento em 29.06.1999). 94 Regra sobre juros no que tange à falência, ainda sob a antiga lei: “FALÊNCIA. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. JUROS. Na falência, cabem os juros remuneratórios pactuados até a data da decretação da quebra e, daí em diante, os juros de mora de 12% ao ano, se o ativo da massa puder suportá-los (...).” (STJ – REsp 293812/RS. Min. BARROS MONTEIRO. Julgamento em 15.06.2004). 95 Dispõe a lei falimentar atual: “Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.” E: “Art. 77. A decretação da falência determina o vencimento antecipado das dívidas do devedor e dos sócios ilimitada e solidariamente responsáveis, com o abatimento proporcional dos juros, e converte todos os créditos em moeda estrangeira para a moeda do País, pelo câmbio do dia da decisão judicial, para todos os efeitos desta Lei.” 96 Para não ficar apenas em noções hipotéticas: “COMERCIAL. EXECUÇÃO CAMBIAL. NOTA DE CRÉDITO A EXPORTAÇÃO. 1. Habilitação de crédito na falência do emitente não impede prosseguimento da execução contra o avalista (...)” (STF - RE 94666/RS. Min. DECIO MIRANDA. Julgamento em 14.09.1981). Da mesma forma, como se vislumbra em julgado em consonância com o antigo sistema: “AVAL. FALÊNCIA DO AVALIZADO. Pode o credor reclamar do avalista, em execução, o pagamento da correção monetária. Em face da garantia do aval, não cabe ao avalista invocar defesa própria do avalizado, como a falência ou a concordata. Precedente: REsp 193 (...)” (STJ - REsp 1747/PR. Min. GUEIROS LEITE. Julgamento em 03.04.1990). Complementa-se: “(...) Título cambial. Credor que, concomitantemente, se habilita na falência e aciona os avalistas do título cambiário. Possibilidade. Precedentes do STF. Habilitação de crédito na falência. Avalistas. Obrigação cambial. Correção monetária. Cabimento. Condenados os fiadores da cártula a satisfação do 'quantum' correspondente a correção monetária - parcela não englobada no pagamento já efetuado ao credor pela massa falida - cabe reconhecer aos avalistas o direito de regresso que lhes e assegurado pela lei uniforme e pelo artigo 29 da lei de quebras (...)” (STF - RE 113142/PR. Min. CELIO BORJA. Julgamento em 03.11.1987). 97 Os debenturistas são credores do valor mobiliário debênture, que confere ao seu detentor direito de crédito perante a sociedade por ação emissora, nas condições constantes no certificado e da escritura de emissão (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. V. 2. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 141).

47

nada mais é do que um substituto processual. Cabe destacar que, a despeito da

não reprodução do art. 82, §3º, do Decreto-lei nº 7.661/1945, que dispensava o

agente fiduciário da juntada de todos os títulos em original, tem entendido a doutrina

pela mantença da regra, fulcrada no princípio da economia e celeridade processual,

na forma do art. 75 da LRF.99

Desnecessária a entrega da habilitação em duas vias, como ocorria na LF,

pois não há mais a necessidade de uma via cartorária e outra para o síndico. A

alteração se justifica, uma vez que a habilitação, pela LRF, será endereçada

diretamente ao administrador judicial.

Era indispensável o reconhecimento da firma do credor habilitante na

declaração, de acordo com a LF. Tal regra, ao nosso sentir, não permanece na

LRF, já que os artigos 113 e 2035, ambos do CC/2002, trazem os postulados da

boa-fé objetiva e função social dos contratos, que limita a autonomia da vontade,

tornando os atos presumivelmente verossímeis.

O art. 82, §1º, da LF possibilitava a substituição dos títulos comprobatórios

do crédito por certidões de inteiro teor, quando o original estivesse instruindo outro

processo. É cediço que a LRF permite a juntada de fotocópias autenticadas.100 Ora,

tal discricionariedade esboça a preocupação do legislador em aplicar princípios que

favoreçam a efetividade e a celeridade processuais, traduzindo a busca pela visão

sistêmica do ordenamento jurídico. Entendemos que esta nova regra, por sua vez,

não excluirá a possibilidade ao credor de apresentar certidão de inteiro teor com o

mesmo intento.

Com vistas a tornar mais célere o trâmite da verificação dos créditos, o

legislador positivou que após o transcurso do prazo das declarações dos créditos, o

administrador judicial elaborará a relação dos credores, na qual poderá, inclusive, Deve ser aduzido que: “Também as debêntures podem, quanto às garantias que oferecem, ser: a) com garantia real; b) com garantia flutuante - dada pelos bens que integram o ativo da sociedade emissora ou de sociedade do mesmo grupo societário, c) não gozar de preferência: na verdade, sua garantia é o patrimônio social, mas sem qualquer prelação no pagamento, e d) as subordinadas, que se colocam abaixo dos credores quirografários, no caso de falência da sociedade emissora e só serão pagos antes dos acionistas (SANTOS, Theophilo de Azeredo. Valores Mobiliários no Direito Brasileiro. www.estacio.br, 2005. Disponível em: <http://www.estacio.br/graduacao/direito/revista/revista1/artigo4.htm>. Acesso em: 07.07.2005). 98 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 72. 99 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 102. 100 Cabe salientar que a mencionada hipótese é uma exceção ao princípio da cartularidade ou incorporação, que nas palavras do professor Cesare Vivante significa que o título de crédito é o sinal imprescindível do direito, existindo crédito nos limites determinados pelo título (VIVANTE, Cesare. Instituições de Direito Comercial. Tradução e notas de Ricardo Rodrigues Gama. São Paulo: LZN, 2003, p. 152).

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arrolar credores não habilitados, desde que baseado nos livros contábeis ou

documentos comerciais do devedor.

Esta lista deve ser publicada por edital no prazo de quarenta e cinco dias,

que também fixará prazo comum aos legitimados para análise dos documentos

embasadores da relação dos créditos, que poderão, então, impugná-la. Apesar da

lei não fazer menção do prazo máximo de vista de documentos, tem-se que não

poderá exceder ao prazo de dez dias, pois este é o lapso temporal para impugnação

dos créditos.

Convém lembrar que se o credor apresentar habilitação ou divergência, mas

não for devidamente incluído na relação de credores, deverá apresentar impugnação

dirigida ao juiz, uma vez que não é admissível recurso nesta hipótese, pois não

houve prestação jurisdicional tendo em vista a natureza administrativa destes

procedimentos.

3.3 Habilitação de Crédito Retardatária

Os credores que perderem o prazo do art. 7º, §1º, LRF, terão a oportunidade

de habilitar-se intempestivamente, cujo termo final é a homologação do quadro-geral

de credores. Apesar do silêncio da lei, tem-se que caberá divergência retardatária

daquele indevidamente relacionado.101

A lei não incentiva o retardo,102 trazendo regras para coibir eventual atraso.

O art. 10, §1º, da LRF informa que o credor intempestivo não poderá votar nas

deliberações da assembléia-geral de credores, norma inovadora em relação à LF,

até porque não havia a obrigatoriedade de assembléia neste diploma legal.

No que tange ao parágrafo primeiro acima mencionado, é mister afirmar que

ele foi incluído no texto original, com o intuito de dar maior proteção ao crédito

trabalhista, uma vez que estes, excepcionalmente, terão direito a voto, ainda que

sejam retardatários.

De forma semelhante ao art. 98, da LF, o parágrafo terceiro, apresenta as

demais conseqüências que sofrerá o retardatário da massa falida: a perda do direito

101 Este também é o posicionamento dos doutrinadores que comentam a matéria, tais como Fábio Ulhoa Coelho e Sérgio Campinho. 102 TOLEDO, 2005, op. cit., p. 29.

49

a rateios anteriormente realizados, sujeição ao pagamento de custas e a

constituição de advogado, já que o rito será o da impugnação.

Além disto, este credor não terá direito à incidência dos acessórios no lapso

temporal que o tornou retardatário,103 não devendo ser entendido como acessório a

correção monetária,104 já que ensejaria enriquecimento sem causa do devedor, pois

ela não constitui um plus sobre o principal, mas somente a reposição do poder

aquisitivo da moeda.105 Esta novidade legal está em consonância com o princípio

falimentar da participação ativa dos credores contida na nova legislação, tendo em

vista que tal regra tem caráter sancionatório ao credor desidioso.

As sanções acima não devem ser aplicadas em sua literalidade às

divergências, já que não se trata de um credor retardatário propriamente dito,

cabendo o exercício do direito de voto conforme o crédito apontado na listagem do

devedor, até que este seja alterado em decisão judicial e, também, a não incidência

dos acessórios neste caso só deve atingir o valor controverso.106

Ressalte-se que o credor retardatário poderá formular pedido de reserva de

crédito (art. 10, §4º, LRF), bem como pode o juiz determiná-la de ofício.107 Esta

103 Posicionamento jurisprudencial que vigia no sistema da legislação anterior: “Habilitação de crédito com valor apurado após a data da quebra. Impugnação do síndico. Recálculo do crédito. Entendimento pacífico de que deve ser adotado um termo único para a correção de todos os créditos habilitados, a fim de evitar ofensa ao princípio da igualdade entre os credores (pars conditio creditorum). (...).” (TJERJ - Ap. Cível 2006.001.01198. Des. PAULO MAURICIO PEREIRA. Julgamento em 11.04.2006). 104 Entendimento de acordo com a vestuta norma falitária: “Falência. Habilitação retardatária de crédito privilegiado, decorrente de julgado trabalhista. Incidência de correção monetária e juros moratórios além da data da quebra. Cabimento da primeira e possibilidade dos segundos, na medida da força da massa, nos termos e condições previstos na legislação de regência (...).” (TJERJ - Ap. Cível 2006.001.04457. Des. JESSE TORRES. Julgamento em 17.05.2006). 105 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 114. Colaciona-se o entendimento dos tribunais: “(...) A correção monetária, como tem amplamente proclamado a jurisprudência, nada acrescenta ao débito, constituindo-se, nos dias atuais, em providência hábil a evitar o enriquecimento sem causa (...).” (STJ - REsp 40/SP. Min. BUENO DE SOUZA. Julgamento em 29.10.1991). Decisão paralela ao acima: “CORREÇÃO MONETÁRIA NA FALÊNCIA OU NA CONCORDATA. I. O Supremo Tribunal Federal pacificou sua jurisprudência no sentido de que é cabível a correção monetária na falência ou na concordata (RE 109.448, PLENÁRIO, 29.10.86) (...)” (STF – RE 116288/PR. Min. CARLOS MADEIRA. Julgamento em 14.06.1988). Sobre o termo final de fluência da correção, conforme posição firmada na vigência do Decreto-lei n° 7.661/45: “Direito falimentar. Habilitação de crédito em falência. Correção Monetária. Termo final. Efetivo pagamento. Provimento (...). Aplica-se correção monetária ao crédito habilitado em falência desde o vencimento até o seu efetivo pagamento, de acordo com o atendimento jurisprudencial fixado por esta corte (...).” (STJ - REsp 12810/MS. Min. CESAR ASFOR ROCHA. Julgamento em 11.03.1997). 106 Ibdem, p. 113-114. 107 PACHECO, 2005, op. cit., p. 61.

50

regra não é nova, pois o art. 130, caput, do Decreto-lei nº 7.661/1945 tratava desta

matéria.108

Todavia, o legislador não foi feliz ao deixar de reproduzir o contido no

parágrafo único do mencionado dispositivo, que regulamentava a possibilidade do

então síndico considerar sem efeito a reserva caso o interessado deixasse correr os

prazos processuais da reclamação ou ação, sem exercer o seu direito, se não

preparasse os autos dentro de três dias depois de esgotado o último prazo ou

protelasse ou criasse qualquer embaraço ao processo.

3.4 Impugnação

A impugnação tem natureza de ação incidental falimentar, devendo o

impugnante atentar ao determinado no art. 282 do CPC. O art. 85, caput, LF, previa

prazo de cinco dias para impugnação do crédito, que foi aumentado para dez dias109

e, ainda, extinguiu o tratamento diferenciado à impugnação dos credores e síndico

existentes nos artigos 85 a 87 da LF, alargando-se o rol de legitimados, uma vez que

podem impugnar o crédito o Comitê, qualquer credor, o devedor ou seus sócios e o

membro do MP.

No mais, foram mantidos os mesmos fundamentos para a impugnação e a

regra de autuação apartada desta, conforme o art. 8º da LRF, acrescida da hipótese

de impugnação por ausência de qualquer crédito.

Se não houver apresentação de impugnação à relação de credores

formulada pelo administrador judicial, o juiz a homologará como QGC, em

consonância com o art. 14 da LRF. Caso ocorra impugnação cumprir-se-á o trâmite

108 Já era evidenciado no antigo sistema, neste diapasão: “FALÊNCIA. HABILITAÇÃO. CRÉDITO. ACERTAMENTO E LIQUIDAÇÃO. PENDÊNCIA. JULGAMENTO. AÇÃO. JUÍZO COMUM. RESERVA. DEFERIMENTO. 1. A regra da universalidade do juízo falimentar insculpida no artigo 7º do Decreto-lei 7661/45, excepciona as ações ajuizadas pelo falido, antes do decreto de quebra, devendo elas prosseguirem com o síndico segundo a orientação constante do §2º do artigo 24 daquele diploma legal. 2. Dependendo o crédito habilitando de acertamento e liquidação do quantum devido, através de ação em curso no juízo comum, deve ser deferida ao credor a reserva do montante respectivo, nos moldes estatuídos no §3º do art. 24 da Lei de Falências, que, posteriormente, deverá ser ajustada ao valor ultimado (...).” (STJ - REsp 285679/SP. Min. FERNANDO GONÇALVES. Julgamento em 07.10.2003). 109 Tal prazo deve ser obedecido, tendo em vista seu caráter preclusivo (TOLEDO, Paulo F. C. Salles de. Da Verificação e da Habilitação dos Créditos in: TOLEDO, Paulo F. C. Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 29.).

51

definido nos artigos 11 e 12 da LRF, qual seja, haverá prazo de cinco dias para que

credor apresente resposta.110 Após, o juiz intimará o devedor e o comitê de

credores, se houver, para que se manifestem no incidente e, por conseguinte, o

administrador judicial terá prazo de cinco dias para emitir parecer, que poderá conter

laudo pericial, caso este entenda cabível.

Em seguida, os autos serão remetidos ao juiz, que incluirá no QGC os

créditos não impugnados, sem prejuízo de julgar antecipadamente a lide ou fixar os

aspectos controvertidos e decidir as questões processuais pendentes, determinando

as provas a serem produzidas e a audiência de instrução e julgamento, conforme o

caso (art. 15, LRF).111 É de vital importância lembrar que a impugnação parcial de

um crédito não impede o pagamento do valor que for incontroverso (art. 16,

parágrafo único, LRF).

A “audiência de verificação de crédito” constante no artigo 92, II, ‘a’ do

Decreto lei nº 7.661/45, tinha estrutura similar às regras procedimentais da atual lei,

mas utilizava nomenclatura destoante do ordenamento jurídico vigente. Preocupado

em promover a adequação das normas falitárias aos demais sistemas jurídicos

vigentes, o legislador afastou os termos específicos, aproximando a redação do art.

15, LRF, ao disposto nos artigos 330, I e 331 do CPC.

Julgada a impugnação, descabe condenação da recuperanda ou da falida

em ressarcimento dos custos eventualmente realizados pelos credores, mas as

despesas decorrentes de litígio com o devedor nas ações em que este seja vencido,

são considerados créditos extraconcursais,112 cabendo, inclusive, determinação de

honorários advocatícios.113

110 O prazo era de 3 (três) dias, conforme o art. 90 da LF. 111 Não era diferente no sistema anterior: “Habilitação de crédito. Art. 92, I, da Lei de Falência. 1. Afirmando o acórdão que o crédito está comprovado e que os documentos apresentados são regulares, não trazendo a impugnação prova suficiente e capaz de alterar tal convencimento, aplica-se o art. 92, I, da Lei de Falência, desnecessária a audiência (...)” (STJ - REsp 434638/DF. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO. Julgamento em 29.03.2005). 112 TZIRULNIK, 2005, op. cit., p. 59-60. 113 A jurisprudência caminha nesta esteira: “São devidos honorários advocatícios em habilitação de crédito em processo de falência, desde que instaurada a litigiosidade, por meio de impugnação à habilitação” (STJ - REsp 172.973/MG. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. Julgamento em 25.09.2000). Corrobora a assertiva: “Havendo contenciosidade em face de impugnação apresentada, são devidos honorários advocatícios pela parte que restar vencida” (STJ - REsp 188.759/MG. Min. BARROS MONTEIRO. Julgamento em 14.02.2000). No mesmo sentido: “HABILITAÇÃO DE CRÉDITO TRABALHISTA. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. Tratando-se de Requerimento de Habilitação de Crédito Trabalhista em processo de falência, somente quando houver sido oferecida impugnação, os honorários advocatícios são devidos pela Massa Falida. Ausência de litigiosidade a justificar a condenação da Massa Falida em honorários

52

O art. 97 da antiga lei previa o recurso de apelação sem efeito suspensivo

para a sentença proferida na impugnação. A regra foi alterada pelo art. 17 da LRF,

determinando que esta decisão é recorrível através de agravo, na forma do art. 522

do CPC.114

Insta salientar que o credor terá direito de voto nas assembléias de credores,

de acordo com a classificação do crédito que detiver. Ora, se o crédito foi julgado e

houve recurso desta decisão, haverá a necessidade de se definir como este credor

poderá votar. O parágrafo único do art. 17 da LRF tenta solucionar esta situação,

aduzindo que o relator poderá conferir efeito suspensivo à decisão que reconhecer o

crédito ou determinar a inscrição ou modificação do seu valor ou classificação no

QGC, para fins do exercício do direito de voto.

Julgadas todas as impugnações, o administrador judicial terá o prazo de

cinco dias para elaborar o QGC, que pormenorizará cada crédito, de acordo com o

art. 18, LRF. Em seguida, o juiz homologará o referido quadro, que será publicado

por edital, finalizando o prazo para apresentação da habilitação de crédito

retardatária.

Devem os credores aguardar115 o pagamento na forma deste quadro-geral

de credores e nos termos da classificação e ordem estabelecidas no art. 83 da

advocatícios (...).” (TJERJ - Ap. Cível 2006.001.02400. Des. ELISABETE FILIZZOLA. Julgamento em 02.03.2006). E ainda: “FALÊNCIA. Habilitação de crédito. Honorários. Falida. O vencido no processo de habilitação de crédito em falência deve pagar honorários advocatícios, segundo o entendimento predominante na Segunda Seção (REsp 188.759/MG, Min. Barros Monteiro). Vencido o credor, deve ele honorários ao síndico e também ao advogado contratado pela falida, que participou do feito (...)” (STJ - REsp 443867/RS. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR. Julgamento em 05.12.2002). Por fim, decisão já sob a égide no novo regramento legal: “RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Habilitação de crédito à qual não foi oposta qualquer resistência pelas empresas recuperandas e integralmente acolhida pelo Juízo. Inexistência de litígio. Descabimento da imposição de ônus sucumbenciais. Jurisprudência consolidada sob a égide do Decreto-Lei 7661/45 e que deve prevalecer com a novel Lei de Recuperação e Falências. Inteligência do art. 5º - II, da Lei 11.101/2005 (...)” (TJERJ - Ag. Instrumento 2006.002.20656. Des. PAULO MAURICIO PEREIRA. Julgamento em 16.01.2007). O entendimento não é uníssono: “FALÊNCIA. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. I. Não são devidos honorários advocatícios na habilitação de crédito em falência, ainda quando haja impugnação (...)” (STJ - REsp 108299/SP. Min. WALDEMAR ZVEITER. Julgamento em 30.09.1999). 114 Sérgio Campinho critica a alteração por entender que a previsão de agravo rompe imotivadamente com o sistema recursal, pois a decisão acerca da impugnação de crédito não tem caráter interlocutório (CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 115). 115 Os Tribunais abrandam o formalismo: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. DECISÃO QUE INDEFERIU O LEVANTAMENTO ANTECIPADO DO CRÉDITO. Alegação de que o longo trâmite do processo de falência e a precária saúde do interessado são fatos a serem considerados. Inexistência de previsão legal para o requerimento formulado que não pode impedir a aplicação da Constituição Federal, defendendo-se o direito à vida e a saúde humana. Recurso ao qual se dá provimento.” (TJERJ - Ag. Instrumento 2005.002.06481. Des. ORLANDO SECCO. Julgamento em 06.12.2005).

53

LRF,116 cujo recebimento far-se-á nos autos principais da falência, mediante

rateio.117

3.5 Ação de Conhecimento e Rescisória Falimentar

Depois de homologado o QGC, descabe habilitação de crédito ou

divergência retardatárias. No entanto, a lei prevê o ajuizamento de uma ação pelo

rito ordinário, com o fim de incluir direito creditício neste rol de credores, alterando-

se, assim, o QGC (art. 10, §6º, LRF). Esta ação seguirá as normas constantes no

CPC, no que for compatível. Nada obsta, porém, que o credor formule pedido de

reserva de crédito nos rateios posteriores ao seu pedido de inclusão no mencionado

quadro.

O art. 19 da LRF dispõe acerca da ação rescisória falimentar, nos mesmos

moldes da antiga lei de falências. Tal ação visa desconstituir o crédito incluído no

quadro-geral de credores por descoberta de falsidade, dolo, simulação, fraude, erro

essencial ou documentos ignorados na época do julgamento ou inclusão do

crédito.118

O administrador judicial, os credores, bem como comitê de credores e o

órgão do MP (estes apontados a partir da LRF), são legitimados para ingressar com 116 No mesmo diapasão: “APELAÇÃO CÍVEL. FALÊNCIA. HABILITAÇÃO RETARDATÁRIA DE CRÉDITO. EMPREGADO DA FALIDA. SALÁRIOS E INDENIZAÇÃO. CREDITO PRIVILEGIADO TRABALHISTA. Pagamento em primeiro rateio pelo valor devido na data da decretação da falência. Observação da pars conditio creditorum. Pagamento em segundo rateio de acordo com a classificação dos créditos e as forças da massa. Recurso improvido” (TJERJ - Ap. Cível 2006.001.01017. Des. RONALDO ALVARO MARTINS. Julgamento em 21.03.2006). 117 Neste sentido: “FALÊNCIA. AÇÃO DE HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE PAGAMENTO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. Descabe qualquer reforma da decisão agravada, vez que essa apenas complementa decisão anterior que na realidade acata a manifestação do Parquet quanto a impropriedade de se proceder a satisfação do crédito nos autos da habilitação e determina a realização de tal providência nos autos da falência, respeitando o quadro geral de credores. Recurso conhecido e improvido” (TJERJ - Ag. Instrumento 2005.002.27973. Des. RUDI LOEWENKRON. Julgamento em 11.04.2006). 118 A ação rescisória segue as regras gerais do CPC, na forma do art. 189, LRF, admitindo, portanto, medida cautelar: “PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA PRECEDIDA DE MEDIDA CAUTELAR RECONHECIMENTO DO PEDIDO POR PARTE DA REQUERIDA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO RESCISÓRIO, TORNANDO-SE DEFINITIVA A MEDIDA CAUTELAR SUCUMBÊNCIA DA PARTE DA REQUERENTE, EIS QUE POR FORÇA DE ACORDO, A ELA COMPETIA COMUNICAR AO JUIZO FALIMENTAR A TRANSAÇÃO CONCRETIZADA. I. Firmada transação pela qual a devedora estabeleceu forma de pagamento, há que se acolher o pedido rescisório, da sentença de decretação da falência, respondendo a Autora, todavia, pela sucumbência, porquanto a ela competia, nos termos do acordo, fazer a comunicação ao Juízo falimentar. II. Rescisória que se julga procedente, tornando-se definitiva a liminar concedida na medida cautelar.” (TJERJ - Aç. Rescisória 2002.006.00082. Des. ADEMIR PIMENTEL. Julgamento em 27.03.2003).

54

a referida ação, cuja competência é do juízo da recuperação judicial ou da falência,

confirmando a regra do princípio do juízo universal (art. 19, § 1º e art. 6º, LRF).

O mencionado dispositivo também comporta uma exceção ao dito princípio

do juízo universal, tendo em vista que permite rescindir a sentença no juízo em que

se demandou a quantia ilíquida ou a ação de natureza trabalhista,119 já que o juízo

da causa originária é o mais indicado para a apreciação desta ação, uma vez que

analisou o lastro probatório que reconheceu o crédito.120

Regra inovadora é trazida pelo art. 19, §2º, LRF, pois permite prestação de

caução para levantamento do valor do crédito questionado. Há similitude desta

norma com a contida no art. 475-O do CPC (Lei 11.232/2005),121 que explicita

acerca da execução provisória. O professor Sérgio Campinho leciona que a caução

“não necessita ser prestada por meio de processo cautelar específico (artigos 826 a

838, CPC), podendo se realizar nos mesmos autos, em caráter incidental”.122

3.6 Artigos não Reproduzidos

Não houve reprodução da regra contida no art. 101 da LF,123 que

determinava ao juiz ou tribunal oficiasse às autoridades competentes da ação

rescisória, com o fim de instaurar o competente procedimento para apuração de

eventual conduta criminosa, mas o art. 188, LRF, desloca o tratamento da matéria

para o CPP, que rege o tema no seu art. 5º.124

119 TOLEDO, 2005, op. cit., p. 45. 120 SALLES; BRUNO, 2005, op. cit., p. 48. 121 O art. 588, CPC, tratava da execução provisória, foi revogado pelo art. 475-O da Lei 11.232/2005. A grande novidade trazida pelo presente dispositivo é que a caução prestada pelo credor não será mais requerida pelo executado, e sim deferida de plano pelo juiz, o dinamiza o ato (PINHO, 2007, op cit.). 122 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 116. 123 Art. 101. O juiz ou tribunal que, por fundamento de fraude, simulação ou falsidade, excluir ou reduzir qualquer crédito, mandará, na mesma sentença, que o escrivão tire cópia das peças principais dos autos e da sua sentença ou acórdão, a fim de ser, no prazo de 10 (dez) dias, encaminhada ao representante do Ministério Público, para os fins penais. 124 Aduz-se que a ação penal independe do deslinde da ação rescisória, como se vê: “Recurso de habeas-corpus. Ação penal. Trânsito em julgado de ação Cível. Denúncia. Inépcia. O trânsito em julgado de ação cível não obsta o início do processo criminal, antes da ação rescisória. Interpretação meramente formal não pode sacrificar a apuração da verdade real, notadamente quando afirmado que o processo foi instrumento para a prática de crime. Válida a denúncia que descreve os elementos constitutivos do delito, e específica, suficientemente, a conduta de cada réu.” (STJ - RHC 967/SP. Min. LUIZ VICENTE CERNICCHIARO. Julgamento em 18.06.1991).

55

Por fim, cabe aduzir que os art. 89 e 100, LF, não foram reproduzidos, mas

não houve prejuízo por conta do art. 189 da LRF, que remete à aplicação subsidiária

do CPC. Assim, o art. 89,125 acima mencionado, que tratava das despesas na

desistência da impugnação, será substituído pelo art. 26, CPC, bem como o referido

art. 100,126 que dispunha sobre o desentranhamento de documentos, demanda a

utilização do art. 365, III, do diploma processual civil.

125 Art. 89. Para desistir da impugnação, o impugnante deverá pagar as custas e despesas devidas. Não havendo outros impugnantes, o escrivão fará publicar, por conta do desistente, aviso aos interessados, de que, no prazo de 5 (cinco) dias, poderão prosseguir na impugnação. 126 Art. 100. Os credores admitidos à falência, por sentença passada em julgado, podem requerer a restituição dos documentos que instruíram a sua declaração de crédito, nos quais o escrivão certificará o desentranhamento, mencionando a classificação e o valor com que o crédito foi admitido. Parágrafo único. Os documentos que houverem instruído declarações de crédito impugnadas, serão restituídos na forma prevista neste artigo, mas deles ficará traslado; se a impugnação tiver versado matéria de falsidade julgada procedente, a restituição dos documentos somente se dará depois de julgada ou prescrita a ação penal.

56

“Ou seja, a matéria civil, tem por objeto o ressarcimento do dano, enquanto que, em

matéria comercial, vislumbra-se o caráter recuperatório.” (NAVARRINI, Umberto. Trattato di diritto

falimentare, 1939, apud LEONEL, Jayme. Da Ação Revocatória no Direito de Falência. 2 ed.

São Paulo: Saraiva, 1951, p. 10).

57

4 AÇÃO REVOCATÓRIA É UMA HIPÓTESE DE REGOVAÇÃO?

É vexata quaestio no Ordenamento Jurídico pátrio a existência de sinonímia

relativamente às ações pauliana e revocatória. De um modo geral, os doutrinadores

civilistas e processualistas tratam-nas como idênticas.127 No entanto, os civilistas

tradicionais afirmam que a ação paulina atinge a validade do ato jurídico; ao revés,

no âmbito do direito processual civil há posicionamento no sentido de que o ato é

passível de ineficácia nesta hipótese.128

Entendimento antagônico é encontrado na doutrina falitária que defende, de

forma uníssona, a distinção entre estes institutos, uma vez que a ação pauliana tem

gênese civil e a ação revocatória, não obstante sua raiz romana ser desdobramento

daquela, alçou caráter eminentemente falencial.

Dispõem os artigos 158 e 159 do CC/2002 que os atos ou negócios jurídicos

praticados com a intenção de fraudar credores são anuláveis, não produzindo

nenhum efeito. Por outro lado, a ação revocatória falencial não implica em nulidade,

já que o ato permanece válido entre os contraentes, só não se revestindo de eficácia

para a massa.129

Tem-se, também, que na ação de índole civil o autor legitimado é o credor

quirografário, único beneficiado no caso de procedência do pedido; mas a ação

falencial pode ser proposta pelo administrador judicial, qualquer credor ou MP e a

sentença procedente beneficia todos os credores, porque o objeto do negócio volta a

compor o patrimônio da massa.130 Concernente à legitimação passiva, na ação

pauliana o devedor é sempre acionado, mas no sistema falimentar o falido não

figurará no pólo passivo.131 No mesmo diapasão coloca-se o direito italiano:

127 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Parte Geral. V. 1, 39 ed. rev. e atual. por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 263. 128 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 7. ed. V. 2, 2. tir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 211. 129 ALMEIDA, 2002, op. cit., p. 220. 130 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado e Legislação Extravagante. 3 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 1198-1199. 131 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 360.

58

“Por conseguinte, em sede civil o fim perquirido é a revogação dos atos de alienação praticados pelo devedor sobre seus bens, mas no âmbito da falência, a ação se dirige também contra os que, na qualidade de credores, tenham conseguido, durante o período de cessação dos pagamentos, uma satisfação parcial ou total de seus créditos. Estes credores, se sucumbirem na experiência da prova liberatória que lhes é concedida, serão obrigados a restituir à massa aquilo que receberam, pondo-se, assim, em pé de igualdade com os outros, já que o fim colimado é a par conditio creditorum.” 132

Por conseguinte, os autores falencistas são unânimes ao afirmar ser singular

a ação revocatória, haja vista seu escopo de incorporação dos bens, isto é, objetiva

a apreensão de bens que estejam em poder de terceiros, ampliando o acervo da

massa falida.133

4.1 As Hipóteses de Cabimento e os Efeitos em Relação ao Ato Atacado

Nunca houve consenso referente aos efeitos da ação revocatória.

Posicionamentos diversos acerca do tema surgem da atecnia existente no vestuto

diploma, que na rubrica da quinta seção estabelecia “Da Revogação de Atos

Praticados Antes da Falência”, apesar do art. 52 descrever a penalidade de

ineficácia dos atos ali descritos.

Em clássica obra, Miranda Valverde134 defendia que o conceito de nulidade e

anulabilidade dos atos jurídicos foi substituído pelo de ineficácia, que não tem no

próprio ato a sua causa, mas em um fato estranho, concernente aos seus efeitos,

pelo que não toca no ato jurídico, que permanece válido em relação aos

contratantes.

Alguns autores sustentavam que os atos arrolados no art. 52 eram

ineficazes, enquanto o art. 53 determinava revogação (ambos do Decreto-lei n°

7661/1945).135 A nova lei falimentar adotou esta corrente, modificando a comentada

132 CANDIAN, Aurelio. Il processo di Fallimento, 1934 apud LEONEL, Jayme. Da Ação Revocatória no Direito de Falência. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1951, p. 10. 133 NEGRÃO, 2005, op. cit., p. 139. 134 VALVERDE, Trajano Miranda de. Comentários à Lei de Falência: Decreto-lei n. 7661, de 21.06.45. V. 2, 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1955, p.11-12. 135 PACHECO, 2004, op. cit., p. 346.

59

rubrica para “Da ineficácia e da Revogação dos Atos Praticados antes da

Falência”.136

O professor Ulhoa Coelho137 lecionava no antigo sistema138 e continua

reafirmando que tanto os atos que intitulados pela lei de “ineficazes” quanto os

chamados de “revogáveis” não produzem efeito em relação à massa falida, pois os

atos ineficazes em sentido estrito e os revogáveis são ineficazes em sentido largo

perante a massa falida; pois o art. 129 traz uma ineficácia objetiva, que independe

de prova da intenção do sujeito, diferente do art. 130, na qual há necessidade desta

comprovação (ambos os artigos da LRF).

Conforme explicitado no art. 103 da LRF, após a decretação da quebra o falido

perde a administração de seus bens,139 logo os atos por ele praticados são nulos,

podendo o juiz desconstituir seus efeitos de ofício, mediante simples despacho.140

De outra forma, atos praticados pelo falido antes da falência são existentes e

válidos entre as partes, mas impugnáveis através de declaração incidental da

ineficácia ou ação revocatória, remédios jurídicos ministráveis à espécie, que não

visam anular ou desfazer os ditos atos, mas torná-los sem efeito apenas perante a

massa falida (se o falido alcança a extinção de suas obrigações, os atos terão plena

eficácia em relação a ele por parte dos contratantes).141

4.2 O artigo 129, LRF

Os atos contamináveis por ineficácia estão arrolados no art. 129 da LRF, que

se assemelha ao art. 52 do antigo sistema falimentar, mas aperfeiçoada a redação e

com adequação aos princípios do novo regramento. Alguns destes atos figuram,

inclusive, como causa de pedir falência, nos moldes do inciso III, art. 94, da LRF.

Esta ineficácia advém de expressa determinação legal, que encontra na

mera declaração da falência sua ratio essendi, isto é, os atos são atacáveis

136 SALLES, Andrea; BORGES, Andrea. Da Ineficácia e da Revogação de Atos Praticados Antes da Falência in: GUERRA, Érica; LITRENTO, Maria Cristina Frascari. Nova Lei de Falências : Lei 11.101 de 9/2/2005, Comentada. São Paulo: LZN, 2005, p. 224. 137 COELHO, 2005, op. cit., p. 346. 138 COELHO, 2003, op. cit., p. 277. 139 Dispõe a mencionada norma: “Art. 103. Desde a decretação da falência ou do seqüestro, o devedor perde o direito de administrar os seus bens ou deles dispor.” 140 COELHO, 2005, op. cit., p. 346. 141 NEGRÃO, 2005, op. cit., p. 140.

60

independentemente de qualquer cogitação sobre eventual elemento subjetivo

denotador de fraude.142

Esclarece o autor italiano Vivante143 que estes atos presumem-se

fraudulentos mesmo sem a prova de que o terceiro conhecia o estado do devedor;

porque as circunstâncias especiais, que os acompanham, faz levantar suspeita

sobre a sua boa-fé.

Na égide da antiga norma falitária, era imperativo o ajuizamento de ação

autônoma para alcançar a eficácia do ato,144 exigindo-se, conforme orientação

doutrinária, sentença em sede própria para este fim.145

Corrente isolada sustentava a possibilidade de decretação da ineficácia em

qualquer processo e, inclusive, de ofício pelo juiz, incidentalmente ou mediante ação

ou defesa.146 Este foi o caminho adotado pela legislação atual, que se justifica pelos

princípios da maximização do ativo, defesa dos interesses dos credores da massa

falida, celeridade e economia processual.147

Diante da alteração, há quem defenda que a ineficácia só é declarável por

despacho interlocutório (mas a revogação demanda ação revocatória – art. 130,

LRF).148

Outros autores sustentam a possibilidade do administrador, MP ou qualquer

credor interessado peticionar indicando o cabimento da declaração da ineficácia, 142 FAZZIO JÚNIOR, 2002, op. cit., p. 695-696. 143 VIVANTE, 2003, op. cit., p. 404. 144 Entendimento seguido pela jurisprudência, como se vislumbra na seguinte decisão do STJ: “FALÊNCIA. AÇÃO REVOCATÓRIA. ART. 52 DO DL No 7.661/45. Não pode o Juiz, de ofício, seqüestrar os bens pessoais dos sócios da empresa falida, bem como os bens de outra empresa que supostamente possa ter sua origem no patrimônio da massa falida. Necessário que se proponha, por iniciativa do síndico ou dos credores, uma ação revocatória para que se declare a ineficácia relativa dos atos praticados pela falida de que se cogita o art. 52 do Decreto-lei no 7.661/45.” (STJ – REsp 230.135/PR. Min. ARI PARGENDLER. Julgamento em 14.03.2000). Coaduna com o acima esposado: “DIREITO FALIMENTAR. (...). ART. 52, DL 7.611/45. VIA ADEQUADA. PRECEDENTE. DOUTRINA. RECURSO DESACOLHIDO. Na linha da melhor doutrina, ‘é por intermédio da ação revocatória que a massa falida pode obter a decretação da ineficácia ou a revogação dos atos indicados nos arts. 52 e 53 da Lei’ (dentre outros, Sampaio Lacerda, Manual de Direito Falimentar, 12a ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1985, nº 85, p. 143).” (STJ – REsp 259265/SP. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. Julgamento em 10.10.2000). Por fim: “CONSTITUIÇÃO DE GARANTIA EM TÍTULO DE CRÉDITO NO TERMO LEGAL DA FALÊNCIA. NECESSIDADE DE AÇÃO REVOCATÓRIA PARA A DECLARAÇÃO DE INEFICÁCIA EM RELAÇÃO À MASSA. I. A inoponibilidade dos atos praticados no período suspeito deve ser declarada judicialmente através de sentença em ação revocatória (...).” (STJ – REsp 200717/SC. Min. WALDEMAR ZVEITER. Julgamento em 13.02.2001). 145 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de Direito Comercial. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 695. 146 PACHECO, 2004, op. cit., p. 346. 147 Em sentido contrário, defende a doutrina que é preferível ação própria ou argüição como matéria de defesa em processo autônomo, sob pena de causar embaraços no andamento normal do processo falimentar (CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 371). 148 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 303.

61

independente ou incidentalmente ao processo falimentar, mas se não houver provas

da frustração dos objetivos do concurso falimentar, a ineficácia deverá ser buscada

por ação própria, que não possui designação específica.149

Melhor posicionamento é o que indica o cabimento da ineficácia declarada

incidentalmente, desde que precedida das garantias constitucionais da ampla defesa

e do contraditório; não afastada a hipótese de ação,150 que não é inominada, mas a

própria ação revocatória, com o mesmo processamento e legitimados estabelecidos

pela lei.151 Deste modo, a LRF prevê duas modalidades de ação revocatória: por

ineficácia e por fraude, na forma dos artigos 129 e 130, respectivamente (a figura 07

traz a regra única da vestuta lei.152 A figura 08 aponta a diferença procedimental de

ambas modalidades).

FIGURA 07

149 COELHO, 2005, op. cit., p. 353-357. 150 Ulhoa Coelho entende que se determinado ato, além de ineficaz perante a massa falida, for invalidável com base no Código Civil, abre-se a possibilidade de coibi-lo por qualquer uma das duas vias. Não concordamos com este posicionamento, uma vez que a competência para conhecer da matéria é absoluta, como veremos no Capítulo 5, p. 80 (Ibdem, p. 345). 151 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 369-371. 152 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de Falência e Recuperação de Empresa. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 191.

Alienação Art. 139, LF

Bens Devolvidos

Ação Revocatória Arts. 52 e 53, LF c.c

Art. 282, CPC (30 dias pelo síndico

após demais legitimados,

concorrentemente)

1 ano decadenciais

Contestação

Manifestação dos Interessados

Produção de Provas

AIJ, se necessária

Sentença

15 dias

Apelação

Edital de Quebra Art. 99, LF

Seqüestro - Art. 56, § 3º, LF Julgamento Antecipado da Lide ou Saneamento do Feito

62

FIGURA 08

Insta salientar que o novel sistema manteve, nos mesmos moldes, os

institutos “termo legal”153 e “período suspeito”, tratados, de um modo geral, como

sinônimos. Quem faz diferença aponta que aquele é um prazo anterior à falência

fixado pelo juiz, nos termos da lei; enquanto este se consubstancia em qualquer

lapso temporal que não o termo legal,154 na qual se pode atacar a ineficácia de um

ato.155

Convém pormenorizar as hipóteses elencadas no art. 129 LRF. Explicita o

Inciso I do artigo em comento que “o pagamento de dívidas não vencidas realizado

153 Conforme o art. 99, II, LRF, o termo legal da falência teve seu lapso temporal aumentado de 60 para 90 dias. 154 Conceito jurisprudencial do instituto: “(...) Período suspeito é aquele em que o falido diminui consideravelmente seu patrimônio, desequilibra seus negócios, desfazendo-se praticamente de todo o patrimônio mercantil. Foge à lógica do razoável a fixação do período suspeito, indicador do estado de insolvência do devedor, em protesto ocorrido trinta anos antes da decretação da quebra. O período suspeito, segundo o art. 14, III, da Lei 7660/45, em se tratando de falência requerida pelo próprio devedor, não excederá dos sessenta dias que antecedem o reconhecimento da falência (...). Provimento do recurso.” (TJERJ – Ap. Cível 2003.001.17688. Des. JESSE TORRES. Julgamento em 29.10.2003). 155 COELHO, 2003, op. cit., p. 276-277.

Alienação Art. 139, LRF

Ineficácia Art. 129, LRF

Bens Devolvidos

Art. 135, LRF

Ação Revocatória Arts 130 e134, LRF c.c Art. 282, CPC

3 anos decadenciais

Contestação

Manifestação dos Interessados

Produção de Provas

AIJ, se necessária

Sentença

Art. 136, LRF

15 dias

Apelação

Edital de Quebra Art. 99, LRF

Decisão Interlocutória sobre Ineficácia

Art. 129, p.u., LRF

Agravo

Seqüestro - Art.137, LRF Julgamento Antecipado da Lide ou Saneamento do Feito

Restituição Art. 86, III, LRF

63

pelo devedor dentro do termo legal, por qualquer meio extintivo do direito de crédito,

ainda que pelo desconto do próprio título”.

Tal regra visa evitar o conluio do devedor, que antes de falir, paga credores

do seu círculo, mesmo que a dívida não esteja vencida,156 o que não coaduna com o

princípio de tratamento paritário entre os credores.

Fulmina-se a eficácia do ato haja vista a circunstância de não ter a

obrigação, à época do pagamento, o atributo da exigibilidade,157 incluindo-se aqui

todas as formas de extinção das obrigações que forem realizadas antecipadamente

através de pagamento direto ou indireto, tais como, dação em pagamento, novação,

compensação, transação, remissão, etc.158

O termo “desconto” mencionado na norma acima não deve ser confundido

com o contrato de desconto bancário,159 mas entendido como o pagamento com

abatimento de juros e outros encargos, eventualmente obtido com o seu

adiantamento.160

Sobre a ineficácia frente à massa destes atos, explicita Ricardo Negrão:161

“Alguns cuidados devem cercar a declaração de ineficácia, pois em certos casos o pagamento antecipado pode resultar em benefício da massa falida, conforme ensinam Trajano Valverde, Spencer Vampré e Carvalho de Mendonça, ao mencionarem o crédito garantido por penhor, hipoteca ou anticrese, porque ocorrendo o pagamento integral, a liquidação antecipada libera a coisa oferecida, aumentando o ativo.”

O inciso II determina como ineficaz o pagamento de dívida vencida e exigível

realizado dentro do termo legal, por qualquer forma que não seja a prevista pelo

contrato.162 É mister aduzir que se a obrigação está vencida, o devedor deve

156 BEZERRA FILHO, 2006, op. cit., p. 297. 157 COELHO, 2005, op. cit., p. 348. 158 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Obrigações, 1ª Parte. V. 4, 32 ed. rev. e atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 253. 159 A doutrina assim conceitua: “A operação de desconto bancário é um verdadeiro adiantamento (parecido com um empréstimo) efetuado pelo Banco (descontador/endossatário), dos recursos financeiros a serem recebidos em data futura pelo cedente do título (descontário/endossante), provenientes de uma venda a prazo ou de um direito de crédito.” (SCHONBLUM, Paulo Maximilian Wilhelm. Contratos Bancários. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2005, p. 137). 160 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 363. 161 NEGRÃO, 2005, op. cit., p. 141. 162 Segue jurisprudência concernente, fulcrada no antigo sistema, mas inalterado pela LRF: “COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REVOCATÓRIA. FALÊNCIA. DAÇÃO EM

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cumpri-la, já que a ineficácia é do pagamento de dívida vencida por forma diversa da

contratada.163

A vontade legal foi situar os credores existentes no termo legal da quebra

num mesmo plano de igualdade, de tal sorte que a agilidade de uns seja impregnada

pela ineficácia.164 A doutrina não exclui o ataque do pagamento resultante de

distrato oneroso para a massa, ainda que vencido o débito.165

A constituição de direito real de garantia, inclusive a retenção, dentro do

termo legal, tratando-se de dívida contraída anteriormente (Inc. III, art. 129, LRF),

acaba por beneficiar alguns credores, já que os alça a uma posição privilegiada em

relação aos demais credores que se encontravam, nesse tempo, no patamar de

igualdade.166 Nesta hipótese, a lei quer coibir a atribuição a credor quirografário de

garantia que o promova à classe preferencial na ordem de classificação dos

credores.167

Não é demais suscitar que o direito real constituído antes da quebra é válido

e apenas será discutível por meio das regras do art. 130 da LRF, tendo em vista que

durante o termo legal da falência, o empresário mantém a normal administração dos

bens e sua empresa funciona normalmente.168 Logo, o contrato de abertura de

crédito garantido169 feito no termo legal da falência não é ineficaz.170

PAGAMENTO DE IMÓVEIS POR DÍVIDA VENCIDA. ESCRITURA CELEBRADA NO TERMO LEGAL DA QUEBRA. (...). EFEITOS INEXISTENTES EM RELAÇÃO À MASSA. DECRETO-LEI N. 7.661/1945, ART. 52, II. I. (...). II. Procede a ação revocatória se a dação em pagamento por dívida vencida (contratos de adiantamento de câmbio) ocorre dentro do período suspeito, nos termos do art. 52, II, da antiga Lei de Quebras, sendo irrelevante se os registros das transmissões ulteriores, mera conseqüência daquele negócio, foram efetuados anteriormente à decretação da falência. (...).” (STJ - REsp 207.116/SP. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR. Julgamento em 02.05.2006). Continuando a análise jurisprudencial: “COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REVOCATÓRIA. FALÊNCIA. DAÇÃO EM PAGAMENTO DE IMÓVEIS POR DÍVIDA VENCIDA. ESCRITURA CELEBRADA NO TERMO LEGAL DA QUEBRA. PREQUESTIONAMENTO AUSENTE NO 1º RECURSO ESPECIAL. 2º RECURSO: EFEITOS INEXISTENTES EM RELAÇÃO À MASSA. DECRETO-LEI N. 7.661/1945, ART. 52, II (...) II. Procede a ação revocatória se a dação em pagamento por dívida vencida (contratos de adiantamento de câmbio) ocorre dentro do período suspeito, nos termos do art. 52, II, da antiga Lei de Quebras, sendo irrelevante se os registros das transmissões ulteriores, mera conseqüência daquele negócio, foram efetuados anteriormente à decretação da falência (...).” (STJ – REsp 207116/SP. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR. Julgamento em 02.05.2006). 163 COELHO, 2005, op. cit., p. 348. 164 NEGRÃO, 2005, op. cit., p. 142. 165 PACHECO, 2005, op. cit., p. 317. 166 COELHO, 2005, op. cit., p. 348. 166 NEGRÃO, 2005, op. cit., p. 142. 167 COELHO, 2005, op. cit., p. 349. 168 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 298. 169 Nelson Abrão assim o define a abertura de crédito: “(...) o contrato pelo qual o banco se obriga a manter à disposição da outra parte certa quantia em dinheiro, por tempo determinado ou não. (...). Abertura de crédito garantida é aquela acompanhada de garantias reais (hipoteca, penhor) ou

65

Por outro lado, o reforço da garantia realizado no termo legal pertinente à

dívida anteriormente contratada é ineficaz,171 salvo se previsto no contrato para a

situação de insuficiência da garantia, provocada por causa superveniente.172

No que tange às hipotecas sucessivas, tem-se que o credor da hipoteca

apenas receberá o que sobrar após a massa receber o valor correspondente à

hipoteca ineficaz. Está correto o legislador, pois este credor hipotecário posterior

sabia que apenas receberia depois que o credor hipotecário anterior (cuja hipoteca

foi agora declarada ineficaz) recebesse sua parte.173

Na seqüência legal, o inc. IV fulmina de ineficácia a prática de atos a título

gratuito, no período suspeito de dois anos antes da decretação da falência. O

exemplo mais mencionado pelos doutrinadores é a doação e suas modalidades,

verbi gratia, condicional, modal, remuneratória.

Destarte, o rol de atos gratuitos abrange, também, a constituição gratuita de

usufruto, comodato e mútuo, que não produzem diminuição patrimonial propriamente

dita, mas uma abdicação de auferir proveito. Engloba, ainda, condutas de

liberalidade, tais como renúncia a direitos, inclusive de garantia,174 remissão de

dívidas, prestação gratuita de serviços, não se atingindo o negócio jurídico, e sim a

dispensa tácita de contraprestação por parte do seu beneficiário, que deverá ser

condenado a ressarcir à massa o que ela deixou de embolsar. Já as garantias

fidejussórias (aval, fiança).” (ABRÃO, Nelson. Direito Bancário. 9. ed. rev. atual. por Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 150-157). 170 PACHECO, 2005, op. cit., p. 318. 171 Sobre a constituição de garantia real dentro do termo legal relativa à dívida anterior a este lapso temporal: “AÇÃO REVOCATÓRIA. Alienação fiduciária levada a efeito pelo devedor no termo legal da falência. Ineficácia em relação à massa, ainda que, à época da quebra, a garantia já tivesse sido, em ação de busca e apreensão, executada pelo credor (...).” (STJ – REsp 267684/PR. Min. ARI PARGENDLER. Julgamento em 04.10.2001). 172 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 364. 173 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 299. 174 Interessante acórdão a respeito do tema foi proferido na regência da LF: “Falência. Ação revocatória. Art. 52, IV e 53 da Lei de Falências. Declaração de ineficácia em relação à massa falida do ato gratuito de constituição de caução em contrato de mútuo celebrado pelos réus. Ofensa ao estatuto interno do banco falido, que prevê expressamente a necessidade de duas assinaturas para a estipulação de garantia. Fato praticado pelo diretor da instituição financeira garantidora obrigando-se por si e pelo banco em prol dos mutuários e do banco credor. Ofensa a normatização expedida pelo Banco Central. Caracterização do estado pré-falimentar da instituição quando da constituição da garantia. (...).” (TJERJ – Ap. Cível 2000.001.01148. Des. LEILA MARIANO. Julgamento em 13.06.2000).

66

pessoais de fiança e aval demandam exame subjetivo relativo à pessoa do

beneficiário e comunhão de interesses empresariais a ensejar ou não o ato.175

Cabe lembrar que não obstante o mútuo ser contrato unilateral, a sua

modalidade mercantil ou feneratícia, é essencialmente onerosa tendo em vista haver

estipulação de juros,176 o que o exclui desta regra.

Ressalvava-se a hipótese de ato a título gratuito de valor ínfimo dos efeitos

de uma ação revocatória,177 mas a nova lei não excepcionou tais situações. Assim,

qualquer ato a título gratuito é passível de ineficácia pelo novo sistema, desde que

claramente caracterizável como tal.178

Uma vez que os objetivos do empresário são sempre lucrativos, não se

justificam atos de mera liberalidade. Todavia, exceções são ventiladas

doutrinariamente, como é o caso das doações de valor ínfimo feitas, por exemplo,

para entidades culturais ou assistenciais ou até para fins de promoção da imagem

institucional.179

No mesmo diapasão encontram-se as gratificações pagas a diretores e

empregados, pois possuem natureza de remuneração e incorporam-se ao salário,180

por conseguinte, não passíveis de ineficácia da lei falimentar.181

Outra hipótese é a renúncia à herança ou a legado, no interregno de dois

anos anteriores à quebra (art. 129, V, LRF); que não deixa de ser uma espécie de

ato gratuito, mas que o legislador quis tratar especificamente.

175 TEPEDINO, Ricardo. Da Ineficácia e da Revogação de Atos Praticados Antes da Falência in: TOLEDO, Paulo F. C. Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 351-352. 176 SILVA, Américo Luís Martins da. Contratos Comerciais. V. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 14-15. 177 Na forma do Decreto-lei n° 7.661/1945: “Art. 52. (...). IV. A prática de atos a título gratuito, salvo os referentes a objetos de valor inferior a um mil cruzeiros, desde que 2 (dois) anos antes da declaração de falência”. 178 O presente acórdão corrobora a assertiva (refere-se ao art. 52, inc. IV da LF corresponde ao atual art. 129, inc. IV, da LRF): “Ação Revocatória. Lojas onde estaria instalada a falida. Inexistência de cessão ou transferência do ponto comercial. As lojas foram devolvidas ao locador antes da sua suposta arrecadação, por força de ação de despejo com fundamento em falta de pagamento dos alugueres. Ato judicial que não pode ser declarado ineficaz. (...). Como dito na sentença, à toda evidência, não se amolda a descrição fático-jurídica do Síndico à hipótese do art. 52, IV do Decreto-Lei 7661/45`, vez que não estamos diante da prática de qualquer ato a título gratuito, mas sim que a falida estava inadimplente com os alugueres e encargos das lojas que ocupava, sofreu uma ação de despejo e, por isso, viu-se obrigada a restituí-las ao locador. (...)” (TJERJ – Ap. Cível 2005.001.36275. Des. PAULO MAURICIO PEREIRA. Julgamento em 27.12.2005). 179 COELHO, 2005, op. cit., p. 349. 180 180 REQUIÃO, 1998, op. cit., p. 231. 181 COELHO, 2005, op. cit., p. 349-350.

67

A renúncia aqui tratada denota a demissão da qualidade de herdeiro ou

legatário e como ato unilateral, não cria para o renunciante qualquer direito. Ela não

se presume e requer ato positivo da vontade de renunciar, exigindo a solenidade do

instrumento público, ou de termo nos autos de inventário com homologação pelo juiz

(art. 1806, CC/2002). Só não se permite renúncia quando contrária à lei ou

conflitante com direitos de terceiros.182 É o que se vislumbra neste caso, já que a

lesão dos credores se evidencia pelo empobrecimento do patrimônio do devedor.183

Segundo Ulhoa Coelho,184 a lei falimentar elegeu o empresário individual

como figura central da disciplina jurídica, pois muito dos seus dispositivos têm

aplicação somente na falência de pessoa física exercente de atividade econômica.

Para ele o art. 129, V, LRF, é uma modalidade de ineficácia objetiva exclusiva deste

empresário, inaplicável à sociedade empresária. Não concordamos com este

posicionamento, uma vez que nada obsta ser a pessoa jurídica beneficiária de última

disposição de vontade testamentária.

Deve ser trazido à baila que o administrador judicial pode intervir no

processo de inventário, como se tal renúncia não houvesse ocorrido, requerendo o

que for de direito à defesa da massa falida. Se já produziu efeitos em relação aos

outros herdeiros, cabe a este ação de ineficácia, com a citação dos herdeiros e de

todos os beneficiários da renúncia.185

No mesmo diapasão do art. 1145, CC/2002, é a letra do inc. VI, art. 129,

LRF:

VI - a venda ou transferência de estabelecimento feita sem o consentimento expresso ou o pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes, não tendo restado ao devedor bens suficientes para solver o seu passivo, salvo se, no prazo de 30 (trinta) dias, não houver oposição dos credores, após serem devidamente notificados, judicialmente ou pelo oficial do registro de títulos e documentos.

Define-se estabelecimento empresarial como o complexo de elementos

corpóreos e incorpóreos, que o empresário une para o exercício de sua atividade.

182 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Sucessões. V. 6, 35 ed. rev. e atual. por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 53. 183 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 365. 184 COELHO, 2005, op. cit., p. 350. 185 PACHECO, 2005, op. cit., p. 318.

68

Tem natureza de objeto de direito, cuja classificação é de bem móvel infungível e

inconsumível apesar da fungibilidade de muitos elementos que o integram.186

Bem móvel que é, transfere-se por mera tradição, mas há a necessidade de

averbação para produzir efeito perante terceiro (art. 1144, CC/2002), já que

representa a principal garantia dos credores do empresário.

Cabe destacar que a alienação de bens integrantes do estabelecimento

empresarial, quando feito de modo isolado e sem caracterizar o desmantelamento

do fundo de empresa,187 não é contaminado com ineficácia,188 pois muitas vezes é

providência indispensável ao empresário como derradeira tentativa de evitar a

falência. 189 O que a lei repudia é o trespasse aleatório aos pressupostos legais.

Assim, se não houve o pagamento dos créditos e a venda não foi notificada

aos credores ou feita à revelia de oposição deste tempestivamente apresentada,190

186 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. V. 1. 25. ed. atual. por Rubens Edmundo Requião. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 270. 187 O acórdão em referência faz esta menção (o art. 52, VIII, LF corresponde ao art. 129, VI LRF): “FALÊNCIA. AÇÃO REVOCATÓRIA. BEM INTEGRANTE DO ESTABELECIMENTO. A lei quer impedir a desmontagem do estabelecimento do falido, em prejuízo dos credores, seja pela alienação do estabelecimento como um todo, seja pela transferência de parte substancial dele, descaracterizando-o como local de comércio ou de indústria, o que pode ocorrer com a transferência de bens integrantes do seu ativo fixo, como a máquina referida nos autos. Art. 52, VIII da Lei de Falências. (...).” (STJ - REsp 33762/SP. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR. Julgamento em 26.02.1997). Alinha-se ao julgado em comento, já que à época as linhas telefônicas possuíam altíssima valia no mercado: “COMERCIAL E CIVIL. AÇÃO REVOGATORIA. ALIENAÇÃO DE DIREITOS DE USO DE LINHAS TELEFONICAS. LEI DA FALENCIAS (ART. 52, VIII). PERIODO SUSPEITO. INEFICACIA EM RELAÇÃO À MASSA. I. A linha telefônica ou o direito ao seu uso compreende bem integrante do patrimônio do insolvente. Deve ser declarada ineficaz, em relação a massa, os fatos de sua alienação, praticados no chamado período suspeito (art. 52, do DL n. 7.661/45), independentemente, de ter ou não havido intenção de fraudar credores. (...).” (STJ - REsp 51688/SP. Min. WALDEMAR ZVEITER. Julgamento em 27.09.1994). 188 Complementando o estudo: “Falência. Para se ter como ineficaz a venda de parte de máquinas industriais no período considerado suspeito, mister prova da fraude e do prejuízo dos credores, porque a alienação de componentes fabris não tipifica venda do estabelecimento (art. 52, VIII, do Dec.-Lei 7.661/45), uma exigência que se deve ter para não desestruturar a lógica do mercado de venda e compra de equipamentos usados. (...)” (TJESP – Ap. Cível 221.958-4/8. Des. ÊNIO SANTARELLI ZULIANI. Julgamento em 09.04.2002). 189 COELHO, 2005, op. cit., p. 351. 190 Para testificar: “VOTO 6.083. Falência. Ação revocatória. Venda de ponto comercial dentro do termo legal da quebra. Ineficácia em relação à massa. (...). Sustenta que a transferência de ponto, feita no período abrangido pelo termo legal da falência, é ineficaz pois realizada sem o consentimento de todos os credores, não havendo necessidade de demonstração do eventus damni e do consilium fraudis, acrescentando que essa conseqüência não depende da venda de todo o estabelecimento comercial, mas de qualquer dos seus componentes (fls. 292/301). (...). 2. A falência da CMG Comercial de Gêneros Alimentícios Ltda. foi declarada pela sentença copiada às fls. 5/6, fixado o termo legal no sexagésimo dia anterior ao protesto levado a efeito em 17 de fevereiro de 1997. O ato, objeto da revocatória, é datado de 20 de janeiro de 1997 (fls. 9/10), praticado, portanto, dentro do termo legal da quebra. (...). TRAJANO MIRANDA VALVERDE, a respeito, salienta, após destacar que importa apenas o elemento objetivo do dano: ‘A ineficácia do ato, ..., resulta, exclusivamente, da sua incidência na hipótese prevista na lei. Não há que se indagar da intenção das partes.’ (‘Comentários à Lei de Falências’, vol. I, Forense, 1962, pág. 357). Esse é também, o entendimento do c. Superior

69

será legalmente ineficaz a cessão ou venda do estabelecimento e o administrador

judicial da massa falida pode arrecadá-lo para viabilizar o passivo da empresa.191

Em geral, são ineficazes os atos realizados antes da falência, mas o inc. VII,

art. 129, LRF, excepcionalmente só é aplicável em casos posteriores à quebra,192

como se vê: “os registros de direitos reais e de transferência de propriedade entre

vivos, por título oneroso ou gratuito, ou a averbação relativa a imóveis realizados

após a decretação da falência, salvo se tiver havido prenotação anterior.”193

Salienta-se que se o título foi prenotado antes da falência, não há que se

falar em ineficácia do registro;194 o que não afasta a propositura de ação revocatória

fulcrada no art. 130 da atual legislação falimentar.195

Tribunal de Justiça. No Recurso Especial n. 656.985, de São Paulo, julgado em 4 de abril de 1995, sendo relator o Min. Costa Leite, a Terceira Turma, por unanimidade, assentou: ‘Patrimônio. Ação revocatória. A alienação de bem integrante do patrimônio mercantil da falida, no período suspeito, é ineficaz em relação à massa (art. 52, VIII), independentemente de prova da intenção de fraude. Recurso não conhecido’. (DJU 08/05/95, pág. 12.390). Também não há como se extrair, da leitura do inciso VIII, que a ineficácia somente ocorreria se a venda fosse de todo o estabelecimento comercial. Se o objetivo da lei foi o de proteger os credores do falido, não iria permitir que a venda de parte do seu ativo fixo fosse possível. (...). No caso em exame, muito embora a embargada tente convencer que o ato do devedor foi de mera transferência do contrato de locação que não se pode negar que essa locação tinha um valor para a falida, tanto que, pela transferência, foi para a substancial importância de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), correspondente a mais de 33 meses de aluguel. Assim, não houve apenas a transferência da locação, mas também do ponto, pouco importando que a devedora tenha transferido sua sede para a mesma rua. Importa que aquele elemento patrimonial foi alienado, e, tendo esta alienação ocorrido dentro do termo legal da falência, é ineficaz (...).” (TJESP – Emb. Infringentes 112.996.4/2-01. Des. BORIS KAUFFMANN. Julgamento em 28.09.2000). 191 SILVA, Américo Luís Martins da. Introdução ao Direito Empresarial. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 428. 192 Atenta-se ao fato de que a decisão menciona regra, hoje esculpida no art. 129, VII, LRF: “FALÊNCIA. AÇÃO REVOCATÓRIA. Venda de fração ideal de imóvel, após o Termo legal da falência, mas antes da decretação da quebra. Incidência do art. 52, inc. VII, da lei falimentar. Segundo o disposto no art. 52, inc. VII, do Del. 7.661, de 21/06/1945, é ineficaz a transcrição de transferência da propriedade quando efetivada após a decretação do seqüestro ou da quebra; não, se operada durante o denominado período suspeito da falência. (...).” (STJ - REsp 36121/SP. Min. BARROS MONTEIRO. Julgamento em 08.04.1997). Para ratificar este decisium: “FALÊNCIA. VENDA DO BEM APÓS O TERMO LEGAL DA FALÊNCIA, MAS ANTES DA DECRETAÇÃO DA QUEBRA, INCIDÊNCIA DO ART. 52, INC. VII, DA LEI FALIMENTAR. Segundo o disposto no art. 52, inc. VII, do Decreto-Lei nº 7661, de 21.6.1945, é ineficaz a transcrição de transferência da propriedade quando efetivada após a decretação do seqüestro ou da quebra; não, se operada durante o denominado período suspeito da falência (...).” (STJ - REsp 168.401/RS. Min. BARROS MONTEIRO. Julgamento em 15.10.2002). 193 Sobre a ineficácia objetiva: “Direito Falimentar. Ação Revocatória. Negócio Jurídico de Compra e Venda de bem imóvel. celebrado após a decretação de quebra da sociedade alienante. Ineficácia perante a Massa Falida. Desnecessária a comprovação do consilium fraudis. (...)”. (TJERJ – Ap. Cível 2005.001.36032. Des. CARLOS EDUARDO MOREIRA SILVA. Julgamento em 21.02.2006). 194 Segue jurisprudência que comprova a regra: “AÇÃO REVOCATÓRIA. ART. 52, VII, DA LEI DE FALÊNCIAS. PRECEDENTES DA CORTE. 1. Como assentado na jurisprudência da Corte, ‘inocorrendo demonstração de fraude, é eficaz em relação à massa falida a alienação de imóvel de sua propriedade ocorrida dentro do termo legal da falência, também denominado período suspeito, mas anteriormente à declaração da quebra’ (REsp n° 246.667/SP, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 14/4/03; na mesma linha: REsp n° 168.401/RS, Relator o Ministro Barros

70

Declarada a ineficácia, é garantido ao credor titular da garantia participar do

concurso falimentar como quirografário e, ao adquirente do bem, o direito de haver o

valor pago.196

Convém apontar que a matéria em tela era tratada de forma idêntica no art.

52, inc. VII, DL n° 7.661/1945. Entretanto, o art. 215, da Lei n° 6.015/1973, estatui

que os registros efetuados após a declaração da falência ou dentro do termo legal

são nulos.

Apesar da alteração trazida, é cediço que a LRP não revogou o dispositivo

falimentar, sustentando a doutrina que pensamento contrário ofende o sistema de

nulidades do CC/2002,197 sem prejuízo da infringência ao conjunto de normas

falimentares,198 que é especial em relação à lei registrária. Cremos que a repetição

normativa porá fim à celeuma.199

Entende a jurisprudência que o título de venda ou de promessa de venda,

mesmo não registrado, pode levar os embargos de terceiro à procedência, se houver

prova de boa-fé. Tal entendimento pode ser aplicado também nestes casos, embora

sem previsão legal específica.200

Há semelhança dos incisos arrolados no art. 52, LF, relativamente ao art.

129, LRF, destoante, porém, no que tange ao inc. V, art. 52, da vestuta lei, que

dispunha sobre a ineficácia de restituição antecipada de dote ou sua entrega antes

Monteiro, DJ de 17/2/03; REsp n° 228.197/SP, de minha relatoria, DJ de 18/12/2000). (...).” (STJ - REsp 681798/PR. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO. Julgamento em 22.08.2005). 195 No mesmo sentido firma-se a jurisprudência: “AÇÃO REVOCATÓRIA. VENDA DE BEM IMÓVEL NO PERÍODO SUSPEITO (...). 1. Precedentes da Corte já assentaram que ‘se a transferência se deu no período suspeito, mas antes da decretação da falência, sua nulidade depende da prova da fraude’ (REsp nº 139.304/SP, Relator o Ministro Ari Pargendler, DJ de 23/4/01). (...).” (STJ - REsp 510404/SP. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO. Julgamento em 04.12.2003). 196 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 367. 197 Observa-se jurisprudência na mesma esteira: “AÇÃO REVOCATÓRIA. PROMESSA DE CESSÃO DE DIREITO. PERÍODO SUSPEITO (ART. 14, II, DA LEI FALIMENTAR). REGISTRO. DECRETAÇÃO POSTERIOR DA FALÊNCIA. INEFICÁCIA NÃO CONFIGURADA. DECRETO-LEI N. 7.661/45, ART. 52, VII; LEI N. 6.015/73, ART. 215. I. Eficaz em relação à massa o contrato de direito real efetuado entre a falida e terceiros, registrado no cartório imobiliário dentro do período suspeito (art. 14, III, da LF), mas antes da sentença declaratória. De outro lado, o art. 215 da Lei n. 6.015/73 não revogou o art. 52, VII, da Lei de Falências (...).” (STJ - REsp 241319/RJ. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR. Julgamento em 06.06.2002). 198 FAZZIO JÚNIOR, 2003, op. cit., p. 170. 199 Tal vertente sempre foi exarada por nossos Tribunais: “COMERCIAL. FALÊNCIA. LEI DE FALÊNCIA (ART. 52) E LEI DOS REGISTROS PÚBLICOS (ART. 215). VENDA DENTRO DO TERMO LEGAL DA FALÊNCIA MAS ANTES DA DECRETAÇÃO DA QUEBRA. Não é ineficaz a alienação de imóvel só e só por ter sido efetuada no termo legal da falência, ou seja, no denominado período suspeito, mas antes de decretada a quebra. Exige-se a comprovação de fraude do devedor, não ocorrente na espécie (...).” (STJ - REsp 90156/SP. Min. CESAR ASFOR ROCHA. Julgamento em 17.08.2000). 200 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 301.

71

do prazo previsto no contrato antenupcial. A reprodução visa compatibilizar o

processo falimentar ao ordenamento jurídico vigente, visto que o CC/2002 revogou

este regime de bens.

Finalmente, é mister sedimentar que o rol do art. 129, LRF, é numerus

clausus, não permitindo interpretação extensiva, visto que impõe severa restrição

aos atos normalmente válidos.201

O art. 45, §8º, LSA, é excepcional, ao regrar que o reembolso feito ao

acionista dissidente não substituído, com a respectiva redução do capital social,

permite impugnação por meio de ação revocatória para beneficiar credores da

sociedade falida anteriores à retirada deste sócio.

Isto é, o dispositivo em comento trata do direito de recesso ou retirada,

garantido pelo princípio majoritário que vigora nas companhias, permitindo-se a

opção de saída do acionista descontente com certas deliberações tomadas.202 Se

exercida esta prerrogativa, que é direito fundamental de sócio inafastável pelo

estatuto ou sociedade, far-se-á o pagamento de seus haveres na companhia, nos

casos previstos em lei.203

Em regra, os sócios da companhia não são atingidos pela responsabilidade

sobre dívidas da sociedade na falência na hipótese de retirada;204 salvo se

preenchidos os seguintes pressupostos: a ocorrência da falência da sociedade

anônima; existência de reembolso dos ex-acionistas; redução do capital social por

esta razão; não atendimento destes credores com o produto apurado pela

arrecadação da massa falida.205 Os ditos credores comporão, para este efeito, um

quadro em separado.206

Ulhoa Coelho207 leciona que esta é uma hipótese de ineficácia objetiva, ou

seja, caberá a declaração da ineficácia independentemente da prova do eventus

damni e consilium fraudis. A entrada em vigor do novel sistema não atinge a

201 TEPEDINO, 2005, op. cit., p. 347. 202 MÜSSNICH, Francisco Antunes Maciel. Reflexões Sobre o Direito de Recesso na Lei das Sociedades por Ações in: LOBO, Jorge. Reforma da Lei das Sociedades Anônimas: Inovações e Questões Controvertidas da Lei n° 10.303, de 31.10.2001. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 287. 203 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. V. 2. 23. ed. atual. por Rubens Edmundo Requião. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 153. 204 NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa. V. 1. 4 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 274. 205 NEGRÃO, 2005, op. cit., p. 149. 206 COELHO, 2005, op. cit., p. 353. 207 COELHO, 2003, op. cit., p. 281-282.

72

vigência da disposição na legislação societária, nos ditames do princípio da

especialidade.

Importante frisar que o art. 51, LF,208 impunha ao sócio de responsabilidade

limitada obrigação pelas perdas havidas no momento de sua despedida, até o valor

dos fundos retirados; disposição esta não reproduzida na LRF.

Defende o autor Negrão209 que idêntica solução é encontrada no art. 1032

CC/2002, impondo-se responsabilidade de dois anos a contar da alteração

registrada. Ele aduz que, apesar da ausência de norma, o retirante responde no

limite da redução do capital social.210 Não concordamos com esta assertiva, já que a

norma é restritiva, não admitindo interpretação extensiva, exceto se a sociedade

limitada optar pela regência supletiva da LSA (art. 1053, parágrafo único, CC/02),

hipótese em que será aplicado o art. 45 desta lei.

4.3 O artigo 130, LRF

Regras antagônicas às acima descritas são encontradas no art. 130, LRF,

haja vista que o ato é passível de revogação e há a indispensabilidade da prova do

intuito de fraudar,211 fulcrada em dois pressupostos: eventus damni, requisito

objetivo que intenta revelar o prejuízo sofrido pela massa falida; consilium fraudis,

208 Ipsis literis: “Art. 51. Nas sociedades comerciais que não revestirem a forma anônima, nem a de comandita por ações, o sócio de responsabilidade limitada que dela se despedir, retirando os fundos que conferira para o capital, fica responsável, até o valor dêsses fundos, pelas obrigações contraídas e perdas havidas até o momento da despedida, que será o arquivamento do respectivo instrumento no registro do comércio.” 209 Reproduzindo a lei: “Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação.” 210 NEGRÃO, 2005, op. cit., p. 150-151. 211 A jurisprudência era enfática na análise destes requisitos: “FALÊNCIA. AÇÃO REVOCATÓRIA. CISÃO PARCIAL DE SOCIEDADE POR QUOTAS. OPERAÇÃO REALIZADA MUITO ANTES DO TERMO LEGAL. INOCORRÊNCIA DAS HIPÓTESES DO ART. 52, FALIMENTAR, E AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO CONCILIUM FRAUDIS DO ART. 53, FALIMENTAR. Não se praticando qualquer ato no termo legal da falência, nem após seqüestro ou a declaração da falência, inocorre qualquer das hipóteses do art. 52, falimentar, a fundamentar o pedido da Massa. E, neste caso, restaria a regra do art. 53, mas, nessa hipótese não se comprovou a fraude na operação da cisão parcial, porque esta não se mostra fraudulenta em relação à massa falida se por ocasião de sua implementação não havia dívidas, nem títulos protestados ou ações judiciais, de sorte que era indispensável a demonstração do concilium fraudis. Apelo desprovido.” (TJERJ - Ap. Cível 2003.001.17452. Des. GUSTAVO KUHL LEITE. Julgamento em 03.03.2004).

73

aspecto subjetivo comprobatório da intenção fraudatória do próprio devedor e a

ciência da sua situação pelo terceiro que com ele contrata.212

Polêmica doutrinária surge no que tange à necessidade de prova do prejuízo.

Há quem defenda que o autor deve comprová-lo, pois é mister haver nexo causal

entre a intenção de prejudicar e o prejuízo real dos credores.213 A corrente

majoritária,214 por sua vez, afirma que a prova do prejuízo decorre da própria

sentença declaratória de falência, pois não se pode admitir que o terceiro pretenda

provar a suficiência do ativo para evitar as conseqüências da ação, por isso,

enquanto perdurar o processo falimentar, não se pode saber da real solidez do

passivo.215

Aduz, ainda, que se o terceiro tinha conhecimento do estado deficitário,216

sua adesão à intenção de prejudicar credores é presumida.217 Em conseqüência,

basta a ocorrência de presunções graves, certas e contundentes, competindo ao

juiz, no exercício do seu livre convencimento, avaliá-las.218 Para que ocorra a

212 Na forma deste precedente: “Embargos Infringentes. Ação Revocatória. Incidência da norma falimentar, tendo em vista a sua especialidade. Alienação do único bem imóvel da Empresa, ora Falida, em data anterior à decretação da ‘quebra’ e, do termo desta. Consilium fraudis e o evento danoso que não restaram evidenciados durante o percurso instrutório. Negócio jurídico atacado, via ação pauliana, envolvendo terceiros sem qualquer vinculo com a Massa (...).” (TJERJ – Emb. Infringentes 2005.005.00365. Des. CARLOS EDUARDO MOREIRA DA SILVA. Julgamento em 13.12.2005). 213 VALVERDE, 1955, op. cit., p. 358. 214 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 360. 215 LACERDA, 1985, op. cit., p. 140. 216 Ementa que assim observa (mas aponta não revogação e sim eficácia): “AÇÃO REVOCATÓRIA. MASSA FALIDA. CONFIGURAÇÃO DO EVENTUS DAMNI E DO CONSILIUM FRAUDIS. A ação revocatória, com fulcro no artigo 53 da Lei de Falências, invoca a existência de fraude no negócio jurídico realizado pela empresa falida, compreendendo um elemento objetivo e outro subjetivo. O primeiro denota o eventus damni caracterizado pelo prejuízo suportado por quem impugna o ato, no caso, a Massa Falida, que teve diminuída sua garantia patrimonial destinada aos credores, em razão do ato praticado pela empresa devedora, motivando ou agravando sua insolvabilidade. O segundo configura o consilium fraudis, isto é, a intenção de prejudicar os credores, deixando à mostra, a ciência que tem a empresa devedora de que o ato poderá acarretar prejuízos aos credores. Na hipótese em comento estão presentes ambos os elementos supracitados, visto que as condições estipuladas no contrato de promessa de compra e venda celebrado entre a empresa falida e os réus evidenciam os prejuízos suportados pela Massa Falida, vez que provocaram o desembolso de dois terços do valor pago, sem que a empresa falida, sequer, tenha sido imitida na posse do imóvel adquirido, o que, indubitavelmente mostra o conhecimento do estado de insolvabilidade da empresa. Desta forma, afigura-se correta a sentença que declarou ineficaz, em relação à Massa Falida, o contrato de promessa de compra e venda e a posterior rescisão contratual, determinando a restituição pelos réus, dos valores recebidos, devidamente corrigidos e acrescidos dos juros legais, em favor da Massa Falida (...).” (TJERJ - Ap. Cível 2003.001.29319. Des. CLAUDIO DE MELLO TAVARES. Julgamento em 05.05.2004). 217 NEGRÃO, 2005, op. cit., p. 147. 218 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 360.

74

revogação, porém, insta que o terceiro participante da fraude,219 também saiba do

prejuízo que o ato acarretará.220

Assim, se o terceiro não agiu fraudulentamente, o negócio é válido, salvo se

houver aplicação do art. 185, CTN, que estabelece a fraude presumida quando o

vendedor é devedor de tributos já regularmente inscritos como dívida ativa, com

abrandamento para o terceiro de boa-fé após sucessivas transferências. 221

Não há limitação de atos a ensejar revogação,222 bastando, para tanto, a

prova da fraude aos credores ou finalidade da execução concursal. Qualquer ato

referido nos incisos do art. 129, LRF, praticados fora do prazo pode ser alcançado,

se comprovada a fraude.

É irrelevante a época em que o ato foi praticado,223 se próximo ou distante da

decretação da falência, mas só pode ser desconstituído por meio de sentença

terminativa em sede de ação revocatória.224

Ato cometido por empresário sujeito aos efeitos da concordata podia ser

declarado ineficaz ou revogado, desde que preenchidos os requisitos legais.225 Eis

219 Conforme aqui expresso: “Ação Revocatória. Falência. Art. 53 da Lei de Falências. Consilium fraudis. Ainda que o negócio jurídico que se pretende desconstituir tenha ocorrido antes do termo legal da falência, é cabível Ação Revocatória com base no art. 53 do Decreto-Lei 7661. Neste caso, cabe ao demandante não apenas provar o evento danoso, que não se presume, mas, especialmente, o consilium fraudis entre o devedor e o terceiro. Na hipótese dos autos, o negócio jurídico impugnado envolve terceiros sem qualquer vinculação com a Massa. Sentença reformada.” (TJERJ - Ap. Cível 2004.001.10647. Des. HENRIQUE DE ANDRADE FIGUEIRA. Julgamento em 05.10.2004). 220 PACHECO, 2005, op. cit., p. 322. 221 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 305. 222 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 360. 223 A jurisprudência traz temperança, utilizando-se do princípio da razoabilidade: “Falência. Ação Revocatória. Imóvel alienado antes da decretação da quebra. Período suspeito. Termo legal. Inteligência dos incisos VII e VIII da Lei Falimentar. Na linha da sólida jurisprudência do STJ, o art. 52, VII da Lei de Falência não autoriza a declaração de ineficácia da transferência de propriedade durante o período do suspeito, mas, sim, apos a decretação da quebra. Por outro lado, se período suspeito, como diz Thaller, citado por Rubens Requião, ‘é aquele em que as dificuldades, ou o procedimento incorreto do devedor, começaram a perturbar os seus negócios e a depositar neles o germe da falência, influindo diretamente nas relações dos credores entre si e também entre terceiros’, é intuitivo que o primeiro protesto referido pela lei como marco inicial desse período é aquele indicador do estado de insolvência. O bom senso está a dizer, portanto, que um protesto tirado trinta anos antes da decretação da falência jamais poderá ser tomado como termo legal. Assim, tendo sido realizado o negócio objeto da lide sete anos e seis meses antes da decretação da falência e vinte e três anos depois do protesto tomado como termo legal, não pode ter a sua eficácia atingida pela ação revocatória. Inaplicável à espécie dos autos, igualmente, o inciso VIII do art. 52 da Lei de Falências porque a inicial não se refere à ‘venda ou transferência do estabelecimento comercial’, e, ainda, por não ter a autora provado que, ao ser vendido ao réu o imóvel objeto da lide, não restaram ao falido bens suficientes para solver o passivo. (...).” (TJERJ – Ap. Cível 2000.001.20562. Des. SERGIO CAVALIERI FILHO. Julgamento em 19.06.2001). 224 COELHO, 2005, op. cit., p. 354-355. 225 Justamente o emanado pelos Tribunais: “CONCORDATA. ALIENAÇÃO DE BEM DO DEVEDOR. Rescindida a concordata, a ação revocatória é necessária para obtenção do ato declarativo de

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uma novidade legislativa, pois nenhuma das condutas descritas no art. 129, incisos I

a III e VI, LRF (art. 131, LRF), estão sujeitas a estes efeitos, se forem previstas e

realizadas nos termos do plano e regras subordinativas da recuperação judicial.

A intenção do legislador foi assegurar ao terceiro a plena eficácia da avença

contratada no âmbito da recuperação judicial. Matéria belicosa surge segundo a

doutrina, que afirma ser o dispositivo impreciso ao mencionar que nenhum dos atos

indicados pode ser declarado revogado, mas indica apenas o art. 129, LRF, cuja

hipótese é de ineficácia. Sustenta, ainda, que qualquer ato impregnado de fraude

em sede de recuperação judicial ou extrajudicial, será revogável, mesmo que

previsto no plano, nos termos do art. 130, LRF.226

Bezerra Filho227 é mais radical e assevera que se trata de perigosa porta

aberta para a fraude, convalidando-se atos que tenham sido praticados mesmo com

fraude absoluta ou que tenham causado o mais profundo prejuízo à massa falida.

Ele continua:

“(...) se os fraudadores conseguirem esconder do juiz o ato fraudulento, este ficará convalidado, pois não será mais passível de revogação, aspecto que certamente será regularizado pela atuação jurisprudencial necessária à adaptação da Lei à realidade fluida dos negócios empresariais (...) tal disposição teria o condão de conferir o princípio da segurança jurídica aos negócios realizados pela empresa em recuperação judicial (...) se esse foi o pensamento do legislador, o que se vê é que os prejuízos superam as vantagens (...) examine-se o art. 74,228 que trata da mesma matéria e condiciona a validade dos atos ‘desde que realizados na forma desta lei’, relembrando-se que nenhuma lei pode permitir a convalidação da fraude.”

ineficácia daquele desatentado no art. 52 da lei de falência (...).” (STJ – REsp 6881/SP. Min. FONTES DE ALENCAR. Julgamento em 27.08.1996). Também confirma: “FALÊNCIA. AÇÃO REVOCATÓRIA. VENDA DE VEÍCULO ENQUANTO PENDENTE A CONCORDATA. INEFICÁCIA ABSOLUTA PERANTE A MASSA FALIDA. A venda ou transferência de bens para terceiros no período suspeito da falência importa em ato ilícito e fraudulento como previsto no art. 52 da Lei de Quebras. Importa, para o exame do fato, a objetividade jurídica da norma na proteção do interesse socialmente relevante, qual seja a preservação do crédito público (...).” (TJERS – Ap. Cível 70006427926. Des. MARCO AURÉLIO DOS SANTOS CAMINHA. Julgamento em 19.06.2001). 226 COELHO, 2005, op. cit., p. 355-356. 227 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 306-307. 228 O autor se refere ao art. 74, LRF que determina: ”Na convolação da recuperação em falência, os atos de administração, endividamento, oneração ou alienação praticados durante a recuperação judicial presumem-se válidos, desde que realizados na forma desta Lei.”

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4.4 Procedimento

Importa trazer à baila que a petição inicial revocatória segue os moldes do

art. 282 na forma do rito estabelecido no art. 274, ambos do CPC (arts. 134 e 189,

LRF); cujo endereçamento far-se-á ao juízo da falência e incidentalmente ao

processo principal falimentar.

Frise-se que mesmo no caso do réu não ser domiciliado no lugar do juízo da

falência, é este o competente,229 haja vista a hipótese de competência absoluta

ratione materiae, por força da instauração do juízo universal.230

O prazo para sua propositura foi alargado de um para três anos

decadenciais;231 bem como houve alteração do termo inicial, que começava com a

publicação de aviso do art. 114, LF,232 e agora ocorre da sentença de quebra.

Campinho233 defende que o prazo deve ter início não da publicação na

imprensa oficial, mas da assinatura do juiz, pois daí decorrem os efeitos materiais do

estado falimentar. Diverso é o pensamento de Bezerra Filho234 ao explicitar que a

contagem do prazo se inicia no momento em que se tem ciência do ato fraudulento,

salvo quando já se tem o conhecimento deste.

Imperioso destacar que o administrador judicial não responde perante a

229 PACHECO, 2005, op. cit., p. 324. Não é demais trazer julgado neste sentido, de acordo com a antiga lei: “(...) Competência inequívoca do Juiz falimentar para processar e julgar a ação revocatória (arts. 7º, § 2º, e 56 da Lei de Falências). (...)” (STJ - REsp 151305/SP. Min. BARROS MONTEIRO. Julgamento em 18.10.2005). 230 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de Falência e Recuperação de Empresa. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 191. 231 RAMALHO, Ruben. Curso Teórico e Prático de Falência e Concordatas. 3 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 188. Traz-se à colação: “Falência. Ação revocatória. Decadência. Termo inicial. Artigos 56, §1º e 114 da Lei de Falências. Precedentes. O prazo de decadência para o ajuizamento da ação revocatória começa a correr a partir da efetiva publicação do aviso previsto no art. 114 da Lei de Falências.” (STJ - REsp 121.511/SP. Min. EDUARDO RIBEIRO. Julgamento em 10.04.2000). 232 De maneira a ilustrar: “(...) AÇÃO REVOCATÓRIA. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL. FATO OBJETIVO DA PUBLICAÇÃO DO AVISO. ARTS. 56, PAR. 1. E 114 DA LEI DE FALÊNCIAS (DEL 7.661/1945). RECURSO DESPROVIDO (...). II. O prazo decadencial para o ajuizamento da ação revocatória pelos credores tem como termo inicial a efetiva publicação do aviso a que se refere o art. 114 da Lei de Falências.” (STJ - REsp 14.755/PR. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. Julgamento em 19.11.1996). No que tange ao termo inicial da contagem: “Falência. Ação Revocatória. Decadência. Prazo. I. O prazo de decadência para ajuizar ação revocatória é de 1 ano, contado da data da publicação do aviso previsto no art. 114 do Decreto-lei 7661/45. Contudo, o "dies a quo" não fica ao exclusivo critério do síndico da massa falida. Não justificada a demora, o prazo de decadência começa a contar a partir do momento em que essa publicação deveria ocorrer, de acordo com o cronograma falimentar legalmente previsto (...).” (STJ – REsp 62130/SP. Min. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO. Julgamento em 08.05.2003). 233 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 372. 234 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 308.

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massa pelas conseqüências advindas da decadência do direito, tendo em vista a

legitimidade concorrente de qualquer credor e do MP.235

Substancial modificação se deu no campo da legitimidade ativa, já que o

síndico era o único a possuir esta capacidade nos primeiros trinta dias contados da

publicação a que se refere o art. 114, LF, e, somente após este interregno, era

possível aos credores fazê-lo de forma concorrente.236 Hoje, todos os legitimados

atuam concorrentemente a partir do momento em que começa a correr o prazo para

propositura da demanda.

Silente a legislação anterior no que tange à legitimidade do Ministério Público

para esta demanda, inclinando-se a doutrina pela impossibilidade, sob o argumento

de que a matéria tem cunho patrimonial. Todavia, a legislação preferiu caminho

contrário e o incluiu no rol de legitimados.

Tal dispositivo não coaduna com a tendência deste órgão, que sempre

pretendeu a racionalização de suas funções, porém, se justifica pelo escopo da nova

lei, visto que segue o diapasão do princípio da maximização do ativo e denota o viés

de interesse público que se quer dar ao sistema falimentar.

A expressão “qualquer credor” merece interpretação sistemática para

englobar somente aqueles que têm interesse em promover a ação, ou seja, os que

efetivamente participam do concurso falimentar concorrentemente e que serão

pagos na moeda da falência.237

Por outro lado, permanece a vedação de legitimidade ativa para o falido,238

uma vez que o pedido da ação é a devolução dos bens ou o seu valor não a este,

235 COELHO, 2005, op. cit., p. 357. 236 Sobre a legitimidade ativa concorrente do síndico após o interregno de trinta dias: “PROCESSUAL E COMERCIAL. MASSA FALIDA. SÍNDICO. LEGITIMIDADE. AÇÃO REVOCATÓRIA. DECADÊNCIA. MATÉRIA DE PROVA. PRECEDENTES DO STJ. I. Enquanto não encerrada a falência, assim processada a descoberto de bens, permite-se sua arrecadação ou ação para reivindicá-los. Daí que o fato de o síndico não ajuizar a revocatória no prazo de 30 (trinta) dias (art. 55), não lhe retira legitimidade, competência ou atribuição para fazê-lo. II. Decretada falência, é de ser havido por ineficaz, em relação à massa, a venda realizada pela falida de bens integrantes de seu patrimônio, ainda que de boa-fé os adquirentes (inteligência dos artigos 52, 55 e 149, parágrafo único do Dec. Lei 7661/45.). (...).” (STJ – REsp 120381/SP. Min. WALDEMAR ZVEITER. Julgamento em 08.06.2000). 237 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 371. 238 O que não o impede de ser assistente, como se vê: “FALÊNCIA. AÇÃO REVOCATÓRIA. POSIÇÃO DO FALIDO. COISA JULGADA. NÃO CONHECIMENTO. I. Se, em anterior Recurso Especial, tirado dos autos da mesma ação revocatória decidiu-se que a sociedade falida é mera assistente simples da Massa, não há como se agitar novamente a questão, em face da existência de coisa julgada (...).” (STJ – REsp 243368/SP. Min. WALDEMAR ZVEITER. Julgamento em 06.02.2001).

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mas à massa.239 Os sócios, ao revés, têm interesse no sucesso da demanda, que

pode reduzir o passivo e, conseqüentemente, os efeitos da falência.240

O falido também não será réu da revocatória, tendo em vista que a exordial

deve ser dirigida somente aos terceiros,241 mediatos ou imediatos,242 ainda que este

seja sucessor de boa-fé,243 isto é, todos os que estiveram envolvidos no conluio

fraudulento devem ser chamados. 244

Houve a supressão da legitimidade passiva do terceiro adquirente por direito

originado de ato mencionado no art. 52, LF (alínea b, inc. III, art. 55, LF),

independentemente de ciência da intenção do devedor em prejudicar os seus

credores; o que afasta sua aplicabilidade, por falta de previsão legal.245

239 FAZZIO JÚNIOR, 2003, op. cit., p. 174. 240 Demonstra claramente o recente julgado: “(...) AÇÃO RESCISÓRIA DE ACÓRDÃO QUE DECIDIU AÇÃO REVOCATÓRIA. PROPOSITURA PELOS SÓCIOS DA FALIDA. LEGITIMIDADE. A ação rescisória, conforme art. 487 do CPC, pode ser proposta, não apenas por quem foi parte no processo originário, mas também pelo Ministério Público ou pelo terceiro juridicamente interessado. Tendo em vista que o art. 37 da Lei de Falências de 1945 (DL. 7.661/45) estende aos administradores, diretores, gerentes ou liquidantes da sociedade falida as mesmas obrigações desta, os sócios gerentes têm interesse jurídico para propor ação rescisória do acórdão que decidiu a ação revocatória. Isso porque viabilizar a arrecadação do maior número de bens possível pela sociedade falida, com o conseqüente aumento da probabilidade de pagamento de seus débitos, liberaria os sócios de diversas obrigações que lhes são impostas, como as relacionadas no art. 34 e 138 da Lei de Falências de 1945 (...).” (STJ - REsp 308891/SP. Min. NANCY ANDRIGHI. Julgamento em. 29.11.2005). Julgado antigo em sentido contrário: “(...) AÇÃO REVOCATÓRIA. LEGITIMATIO AD CAUSAM. INTERPRETAÇÃO DO ART. 52, VIII, DA LEI DE FALÊNCIAS. I. A falida e seus acionistas não tem legitimatio ad causam para fazer valer a decisão revocatória em seu favor. II. A revocatória não devolve os bens ou seu valor ao falido, mas a massa. Desde que esta já não existe, pelo encerramento da falência, não há como fazer-se essa restituição. III. Recurso extraordinário não conhecido.” (STF - RE 68970/PR. Min. AMARAL SANTOS. Julgamento em 16.03.1971). 241 PACHECO, 2005, op. cit., p. 322. 242 Vale destacar a decisão: “REVOCATÓRIA. Transmissão onerosa de bens a irmãos. Possibilidade de conhecimento da insolvência do alienante. Cooperação volitiva suficiente. Existência doutros bens capazes de responder pelos débitos, não provada pelo devedor. Insolvência caracterizada. Ação pauliana julgada procedente. Decisão mantida. Recurso não provido.” (TJESP – Ap. Cível 166.924-1. Des. CEZAR PELUSO. Julgamento em 01.09.1992) Expressa o alegado: “AÇÃO REVOCATÓRIA OU PAULIANA. Procedência. Imóvel parcialmente compromissado, por instrumento particular, à demandante, pelo primeiro demandado. Preço pago à vista. Compromissária compradora imitida na posse do bem. Subseqüente doação por escritura pública registrada, da totalidade do bem, pelo primeiro demandado à segunda demandada, com reserva de usufruto ao primeiro. Manobra manifestamente fraudulenta, que torna insolvente o devedor e ao mesmo tempo o beneficia, em prejuízo dos credores. Recursos não providos.” (TJESP – Ap. Cível 34.595-4. Des. CESAR LACERDA. Julgamento em 26.08.1998). 243 PACHECO, 2005, op. cit., p. 323. 244 Consoante definiu-se neste acórdão: “FALÊNCIA. AÇÃO REVOCATÓRIA. PAGAMENTO INDEVIDO. GARANTIDORES. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. Os garantidores da falida, que pagou indevidamente a dívida no período suspeito, não são litisconsortes necessários na ação revocatória promovida contra a credora para reconhecer a ineficácia do ato de pagamento. Art. 46, par. único, I do Del. 7.661/1945. Art. 47 do CPC (...).” (STJ - REsp 135740/RJ. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR. Julgamento em 29.10.1997). 245 É a posição orientadora: “FALÊNCIA. AÇÃO REVOCATÓRIA. GARANTE. LITISCONSORTE. O magistrado, ao determinar a citação do recorrente como litisconsorte (um dos diretores), fê-lo porque os garantidores também foram beneficiados pelo pagamento fraudulento da dívida pela massa falida.

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No curso do processo poderá ser provado pelo autor o conluio fraudulento;

conferido ao réu, em defesa, alegar e produzir prova da inexistência de qualquer

prejuízo para a massa.246 Não lhe é cabível, todavia, opor compensação ou

reconvenção, pois os direitos creditórios só podem ser exercidos através da

competente habilitação.247

Dispunha o art. 54, caput, LF, sobre a restituição dos bens em espécie com

todos os acessórios e, na impossibilidade, dar-se-ia a indenização. Não obstante o

art. 135, LRF, silenciar quanto à prevalência da entrega do bem sobre o pagamento

em dinheiro do bem, esta é a exegese sistemática legal, haja vista a determinação

de alienação dos bens em bloco prioritariamente.248

Bem, por sua própria gênese, é genérico abrangendo coisas, valores e

títulos.249 É claro que nem sempre será possível o retorno em bens, por exemplo, no

caso de registro de constituição de garantia sobre propriedade imobiliária (art. 129,

III, LRF), que não envolve devolução de bem, mas tão somente, a ineficácia de ato

registrário.250

Na impossibilidade de restituição do objeto da lide à massa falida, a sentença

fixará reparação integral pelo valor de mercado do bem correspondente à época da

prática do ato, com incidência de correção monetária, já que a indenização deve ser

total para recompor o estado anterior.251 Abrange, ainda, frutos, produtos,

rendimentos e benfeitorias, mesmo que a hipótese resulte da deterioração da coisa

ou perda dela por caso fortuito, se provado o dolo que caracterizou.252

Uma vez paga a dívida, extinguiu-se a obrigação de garantia e o depósito. Mas, na espécie, o ato do pagamento efetuado pela massa falida, como devedora, à sua credora, em período suspeito, é que está sendo atacado por meio da ação revocatória com finalidade da restituição pela credora do numerário recebido. A falida, na ação, não exerceu nenhuma pretensão contra o garante, nem quis alterar a relação dele com a credora, até porque esta só sofrerá os efeitos da sentença com a procedência da revocatória, que restabelecerá a obrigação de garantia. Outrossim a doutrina afirma que ‘se alguém figurou no ato como testemunha apenas ou como garante, não pode ser réu na ação revocatória, apenas quem figurou como parte da relação jurídica estabelecida é que pode ser réu’ (José Silva Pacheco). Com esse entendimento, a Turma excluiu o recorrente da lide revocatória.” (STJ - REsp 174.246/RJ. Min. RUY ROSADO. Julgamento em 18.10.2001). 246 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 304. 247 LACERDA, 1999, op. cit., p. 145. 248 São os fundamentos legais: “Art. 75. A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa.” E: “Art. 140. A alienação dos bens será realizada de uma das seguintes formas, observada a seguinte ordem de preferência: I - alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos em bloco (...).” 249 PACHECO, 2005, op. cit., p. 325. 250 NEGRÃO, 2005, op. cit., p. 151. 251 FAZZIO JÚNIOR, 2003, op. cit., p. 172. 252 LACERDA, 1999, op. cit., p. 142.

80

Cabível, também, perdas e danos, mas na decisão proferida de ofício pelo

juiz ou na solução de incidente, a fixação demandará ação própria, inclusive para a

sua liquidação.253

4.5 Sentença e Recursos

O art. 56, §§ 3º e 4º, LF, trazia dupla regra recursal: sentença fulcrada no art.

52 era sujeita à apelação só no efeito devolutivo; se baseada no art. 53, seria

recebida no duplo efeito. Na LRF, a decisão incidental, dado o caráter interlocutório,

será agravável,254 e da sentença proferida em ação revocatória, caberá apelação,

nos moldes gerais do CPC (art. 189 LRF c.c. art. 513, usque, CPC).

Pelo Decreto-lei n° 7.661/1945 o terceiro de boa-fé prejudicado pelos efeitos

da ação revocatória não tinha sua situação definida. O atual sistema criou uma nova

hipótese de pedido de restituição para proteger seus interesses, sem prejuízo das

perdas e danos e das verbas garantidas nos arts. 1214, 1217 e 1219 CC/2002,255

pleiteáveis ao devedor e seus garantes.

Logo, pode ser ajuizada em face do administrador, sócio-gerente ou diretor

que, com culpa ou dolo, tenha realizado ato em nome da sociedade empresária

falida. Se proposta em face do empresário individual, a execução recairá sobre os

253 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 373. 254 Ibdem, p. 372. 255 COELHO, 2005, op. cit., p. 359. Não era diferente na regência da LF: “(...) Direito falimentar. Processual civil. Embargos declaratórios. Acolhimento parcial com efeito modificativo. ‘Ação revocatória’. Venda por concordatária de imóveis integrantes do respectivo estabelecimento comercial/industrial. Convolação da concordata em falência. Termo legal fixado em data anterior a alienação. Adquirentes de boa-fé. Irrelevância para efeito de reconhecimento da ineficácia. Arts. 52 e 149 do DL 7.661/45. Direitos de indenização e retenção por benfeitorias. Arts. 102, parágrafo 2., III do DL 7.661/45 e 516, CC. I. Convolada a concordata preventiva em falência, com fixação do termo legal respectivo em sessenta dias anteriores ao ajuizamento daquela, e de ser havida por ineficaz em relação a massa a venda realizada pela falida, quando ainda concordatária, de bens imóveis integrantes do seu patrimônio comercial/industrial, mesmo que de boa-fé os adquirentes. Inteligência dos arts. 52, VIII e 149, parágrafo único do DL 7.661/45. II. Reconhecida essa boa-fé, assiste aos referidos adquirentes o direito de indenização pelas benfeitorias úteis e necessárias que realizaram, bem como direito de retenção ate que tal indenização seja incluída, em caráter definitivo, como divida da falência com privilegio especial, nos termos dos arts. 102, parágrafo 2., III da Lei de Falências e 516, CC. III. O valor pago pelos recorrentes na aquisição do imóvel terá sua devolução regida pelos termos do art. 54 do DL 7.661/45.” (STJ - EDcl no REsp 23961/SP. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. Julgamento em 27.02.1996. Grifos nossos).

81

seus bens particulares, solução que não se mostra muito confortável, porque

dificilmente haverá bens que não tenham sido arrecadados pela massa falida.256

Colaciona-se que este terceiro apenas existirá nos casos do art. 129, LRF, já

que o art. 130, LRF, só possibilita revogação se provada sua má-fé.257 Assim, a lei

não o confere direito à restituição, só concedido aos terceiros de boa-fé, mas apenas

a cobrança através de habilitação do seu crédito na classe própria, sob pena de

enriquecimento injustificado da massa falida.258

Inovação legal advém do art. 136, §1°, LRF, que veda expressamente a

declaração de ineficácia ou revogação de securitização. Este instituto é atual no

direito pátrio e definido como operação consistente na emissão de título negociável

lastreado em obrigação ativa a vencer.259 São lições complementares do professor

Tavares Borba:260

“No Brasil, face à ausência de mecanismos legais específicos, a securitização tem operado basicamente através do mecanismo da emissão de debêntures. Os créditos a serem securitizados, uma vez classificados e estruturados, são transferidos a uma sociedade de propósito específico (...), que, com base no lastro assim constituído, emite debêntures para colocação no mercado.”

O legislador quis tutelar o interesse dos investidores, para que na falência do

emitente, não caiba declaração da ineficácia da cessão da obrigação que serve de

lastro ao título securitizado.261 Conclui-se que, se o devedor ceder créditos para um

securitizador, não será atingido o direito daquele que adquiriu o valor mobiliário

lastreado nesta operação, que permanecerá com plenos efeitos. 262

Tal como previsto anteriormente,263 o art. 137, LRF, disponibiliza como

medida preventiva o seqüestro dos bens, objeto da ação revocatória,264 nos termos

256 NEGRÃO, 2005, op. cit., p. 145. 257 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 312. 258 TEPEDINO, 2005, op. cit., p. 368. 259 COELHO, 2005, op. cit., p. 359. 260 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 8 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 571. 261 COELHO, 2005, op. cit., p. 359. 262 Em sentido contrário Ricardo Tepedino, que entende ser possível ação revocatória se ficar constatado conluio fraudulento entre securitizador, falido e investidores (TEPEDINO, 2005, op. cit., p. 369). 263 Segue esta linha: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. Falência. Ação revocatória com pedido liminar de seqüestro de bem. Venda de veículo dentro do termo legal da falência. Art. 14 e 52 da Lei de quebras. Possibilidade de o magistrado deferir o seqüestro de bem. Inteligência dos artigos 12 e 14

82

prescritos CPC, tanto na instrução da causa como no que diz respeito à matéria

recursal.265

Entendemos pela extensão da regra ora comentada também ao elenco do

art. 129, LRF, até porque não se trata de buscar indenização por prejuízos, mas o

chamamento de volta ao patrimônio do falido exatamente da coisa transferida com

fraude.266

Por fim, o art. 138, em seu parágrafo único, LRF, prevê a chamada ação

rescisória falimentar,267 definida como uma revocatória para rescisão de sentença

judicial que sustenta ato comprometido de ineficácia ou revogabilidade.268

do Decreto-Lei n° 7.661/45 (...).” (TJERS – Ag. Instrumento 70012708053. Des. NEY WIEDEMANN NETO. Julgamento em 30.03.2006). Nos ditames da Jurisprudência: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. FALÊNCIA. REVOCATÓRIA E CAUTELAR DE SEQÜESTRO JULGADAS PROCEDENTES. EXECUTIVIDADE IMEDIATA DA SENTENÇA. DEVOLUÇÃO DE VALIOSOS BENS IMÓVEIS E MÓVEIS QUE ESTAVAM SOB A GUARDA DOS DEPOSITÁRIOS JUDICIAIS. POSSIBILIDADE. A sentença proferida na ação revocatória, com fundamento no art. 52 do Decreto-lei n° 7.661/45, tem eficácia executiva imediata. Doutrina de Pontes de Miranda. Possibilidade de que os valiosos bens imóveis e móveis seqüestrados, e que estavam sob a guarda dos depositários judiciais, sejam de pronto devolvidos à massa, quanto mais que os recursos interpostos perante o STJ não são dotados de efeito suspensivo. Prisão civil do depositário judicial. Cabimento. Ainda que não se cogite de depósito típico, é cabível a prisão civil do depositário judicial quando caracterizada a sua infidelidade (...).” (TJERS – Ag. Instrumento 70013688882. Des. ANTÔNIO CORRÊA PALMEIRO DA FONTOURA. Julgamento em 06.04.2006). 264 Pela LF o seqüestro dependia do ajuizamento da ação revocatória: “FALÊNCIA. SEQUESTRO DE BENS DOS SÓCIOS DA FALIDA, DECRETADO EX OFFICIO PELO JUIZ. INVIABILIDADE. A suspeita de que os bens da falida foram distraídos em proveito dos sócios e de terceiros deve ser comprovada por ação própria (DL 7.661/45, art. 52), mediante contraditório regular; nem a urgência justifica a supressão do procedimento legal, porque medidas cautelares podem tutelar os interesses em risco enquanto pendente o processo (...).” (STJ – REsp 231471/PR. Min. ARI PARGENDLER. Julgamento em 10.12.2002). Julgado em sentido similar: “FALÊNCIA. SEQÜESTRO DE BENS DOS SÓCIOS DA FALIDA, DECRETADO EX OFFICIO PELO JUIZ. INVIABILIDADE. A suspeita de que os bens da falida foram distraídos em proveito dos sócios e de terceiros deve ser comprovada por ação própria (DL 7.661/45, art. 52), mediante contraditório regular; nem a urgência justifica a supressão do procedimento legal, porque medidas cautelares podem tutelar os interesses em risco enquanto pendente o processo (...).” (STJ – REsp 230135/PR. Min. ARI PARGENDLER. Julgamento em 14.03.2000). 265 NEGRÃO, 2005, op. cit., p. 149. 266 COELHO, 2005, op. cit., p. 360. 267 Silva Pacheco, pela vertente do antigo sistema, ensinava: “A parte final do art. 58 do Decreto-Lei no 7.661, de 1945, tem de ser interpretada também em conexão com o art. 129 do CPC. Quando as circunstâncias da causa convencerem de que autor e réu se serviram do processo para realizar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá decisão que obste a estes objetivos. Pergunta-se: se o juiz não percebeu a simulação e deu sentença que, transitando em julgado, foi executada, de modo a reduzir ou desviar bens do falido, há impedimento em revogar estes atos fraudulentos? Acobertando-os, há uma sentença judicial. Mas nem por isto tais atos fraudulentos, praticados com a intenção de prejudicar credores, podem deixar de ser revogados, desde que se prove a fraude do devedor e do terceiro (art. 53 da LF e art. 483 do CPC).” (PACHECO, 2004, op. cit., p. 364). 268 Corrobora a assertiva: “AÇÃO REVOCATÓRIA. REVOGAÇÃO DA PARTILHA EFETUADA EM SEPARAÇÃO CONSENSUAL. DESEQUILÍBRIO NOS BENS ATRIBUÍDOS AOS EX-CÔNJUGES. PREJUÍZO AOS CREDORES. PRETENSÃO À ANULAÇÃO DO ATO. MERA IMPROPRIEDADE TÉCNICA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO FALIMENTAR. IMPENHORABILIDADE DO IMÓVEL

83

Ressalvam-se apenas os atos praticados em decorrência de recuperação

judicial ou extrajudicial que não são objetivamente ineficazes, quando amparados no

respectivo plano (como dito acima, há quem entenda que pode sofrer ataque através

de ação revocatória do art. 130, LRF).269

RESIDENCIAL DA FAMÍLIA. PROVA DA FRAUDE (...). Referência, no pedido, à anulação da partilha realizada, que deve, no entanto, ser compreendida como menção ‘à ineficácia do ato em relação à Massa Falida’. Ao Juiz é permitido conferir aos fatos narrados na inicial qualificação jurídica diversa da que lhe atribuiu o autor. Competência inequívoca do Juiz falimentar para processar e julgar a ação revocatória (arts. 7º, § 2º, e 56 da Lei de Falências). Não se tratando no caso de constrição judicial, mas de declaração de ineficácia de ato em relação à massa falida, impertinente é a invocação aos ditames da Lei n. 8.009/90. Sócio-gerente que, após a decretação da liquidação extrajudicial da empresa, dispõe de parte de seu patrimônio na partilha de bens realizada nos autos da separação judicial. Escopo e consciência de prejudicar credores (...).” (STJ – Resp 151.305/SP. Min. BARROS MONTEIRO. Julgamento em 18.10.2005). 269 COELHO, 2005, op. cit., p. 360.

84

“Quando o fundamento do pedido e a

propriedade, temos ação real reivindicatória,

de natureza extracontratual e subsidiária:

quando o pedido se baseia em relação de

obrigação, de origem contratual, temos a ação

pessoal restitutória.”

(VALVERDE, 1999, op. cit., p. 33)

85

5 A SOLIDIFICAÇÃO DO PEDIDO RESTITUTÓRIO

As legislações anteriores já conheciam um meio processual para reaver

bem indevidamente constrito no processo de falência. Neste contexto, destacam-se

a Lei n° 2.024/1908 e o Decreto n° 5.746/1929, que utilizavam o instituto da

reivindicação, cuja regulamentação era desprovida da pureza e rigorismo observada

no direito comum, o que ensejava robusta controvérsia.270

Outrossim, o Decreto-lei n° 7.661/1945 a substituiu pelo pedido de

restituição, migrando da simples ação reivindicatória para um instituto de conotação

eminentemente falencial, posto em benefício de terceiro cuja coisa foi surpreendida

pela falida e arrecadada em mãos do falido.271

Na sentença de quebra o juiz procederá à nomeação do administrador

judicial, cujas obrigações estão delimitadas no art. 22 da LRF; bem como a

pertinência ou não da lacração, que o é ato de publicidade, cerramento da empresa

e salvaguarda dos bens da falida, com o fim de facilitar a arrecadação.

Constitui incumbência do administrador judicial, tão logo assine o termo de

compromisso, elaborar o auto de arrecadação dos bens do falido e do sócio

ilimitadamente responsável272 (com direito ao benefício de ordem - art. 108, LRF),

composto pelo inventário e laudo de avaliação dos bens (art. 110, LRF).

A arrecadação far-se-á também em filiais da empresa, se houver,273

podendo, também, ser feita por carta precatória no caso de existir bens em outra

comarca. Todos os bens devem ser minudenciados e arrolados de acordo com sua

classe: os em poder do falido, sócios ou terceiros; sem prejuízo dos que estiverem

com o falido, mas da posse ou propriedade de terceiro.

270 PACHECO, 2005, op. cit., p. 216. 271 REQUIÃO, 1998, op. cit., p. 280. 272 Neste diapasão: “AGRAVO. FALÊNCIA. ARRECADAÇÃO DOS BENS PERTENCENTES AOS EX-ADMINISTRADORES. Condenados solidariamente os ex-administradores à reparação dos danos, proceder-se-á à arrecadação na falência, com a formação de massa à parte. (...).” (STJ – AgRg no Ag 262314/SP. Min. BARROS MONTEIRO. Julgamento em 13.08.2002). 273 COELHO, 2005, op. cit., p. 241.

86

Não são arrecadáveis os bens descritos na forma do art. 108, §4º, LRF, verbi

gratia, da Lei n° 8.009/1990, que trata da impenhorabilidade do bem de família e art.

649, CPC (rol dos bens absolutamente impenhoráveis).

5.1 Generalidades

Qualquer ato que o falido vier a praticar com relação aos bens arrecadados é

nulo, já tal medida nada mais é do que uma constrição judicial patrimonial na

execução concursal falimentar,274 consubstanciando-se como meio de integração da

massa objetiva.275 Ela não se confunde com a penhora, pois esta garante uma

execução singular e assegura o direito de preferência; aquela visa garantir uma

execução coletiva e preserva a igualdade dos credores.

Não cabe ao administrador judicial definir quais bens participarão da

apreensão judicial, competindo-lhe arrecadar tudo que encontrar.276 Caso este

profissional inclua indevidamente bem de terceiro no auto de arrecadação, deverá o

prejudicado ingressar com ação de restituição ou embargos de terceiros, para que o

bem seja desintegrado da massa ativa e retorne a quem de direito, uma vez que a

devolução não fica a cargo do administrador judicial ou do juiz, mas se sujeita a

verdadeiro processo com este fim.277

Não é demais mencionar que pode acontecer de uma pessoa que nunca

contratou qualquer negócio com o falido, ter, apenas por coincidência, algum bem

nas dependências do falido.278 Se o objeto em discussão não é de propriedade da

devedora quebrada e não integra a garantia dos credores, deve ser destacado da

constrição judicial.279

A restituição e os embargos de terceiro são ações que objetivam a

depuração da massa falida e respectiva devolução ao proprietário ou possuidor do

bem que se encontrava em poder da falida. Neste capítulo será feita a análise da

primeira sede processual e a segunda espécie no tópico seguinte, para melhor

compreensão de suas particularidades. 274 Ibdem, p. 238. 275 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 375. 276 Ibdem, p. 375. 277 ALMEIDA, 2003, op. cit., p. 267. 278 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 214. 279 COELHO, 2005, op. cit., p. 236.

87

A corriqueira incidência prática do instituto sob a regência do Decreto-lei n°

7.661/1945, fez com a jurisprudência o moldasse ao longo dos anos. Muitos dos

posicionamentos exarados pelos tribunais foram acoplados pela LRF, como é

possível vislumbrar ao longo do capítulo em tela, o que denota a solidificação e

segurança que traz o pedido restitutório ao meio jurídico.

Como ação de desincorporação de bens que é, o pedido de restituição

possui fundamento nos arts. 85 ao 92, LRF e confere ao terceiro que teve um bem

arrecadado pelo administrador judicial ou que detenha direito assegurado pela lei, a

devolução judicial do bem ou valor.

No Decreto-lei nº 7.661/1945 era possível restituição na concordata sob o

mesmo fundamento da ação restitutória na falência.280 Todavia, não houve a

reprodução deste direito aos credores da empresa que estiver sob recuperação

judicial ou extrajudicial.

De certo, a restituição se coaduna com o estado falimentar e não com a

recuperação da empresa em crise, visto que o legislador concedeu prazo de cento e

oitenta dias para que o devedor dispusesse sobre o crédito dos contratos de

arrendamento mercantil, alienação fiduciária, a venda com reserva de domínio, etc.,

considerando a preservação da empresa.281

São suas modalidades: restituição em espécie e em dinheiro, com respectivo

fundamento nos arts. 85 e 86, LRF.282 A doutrina também aponta outra forma de

classificação: restituição ordinária e restituição extraordinária ou especial,

ensejadoras de quatro causas para o pedido, abaixo desdobradas.

5.2 O art. 85, Caput, LRF

Funda-se no direito real ou contratual de terceiro (art. 85, caput, Lei n°

11.101/2005), cujos requisitos são: arrecadação do bem;283 tenha o requerente

280 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. v. 2. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, P. 97. 281 ABRÃO, 2005, op. cit., p. 219. 282 COELHO, 2005, op. cit., p. 239. 283 Decisão neste sentido, sob a égide da antiga lei: “FALÊNCIA. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO. BEM NÃO ARRECADADO. (...) de acordo com a firme jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça e sendo a arrecadação pressuposto de fato do pedido de restituição previsto no artigo 76 do Decreto-lei nº 7.665/45, correta a decisão que extinguiu o feito sem apreciação do mérito em não tendo sido o bem arrecadado (...).” (TJERJ – Ap. Cível 2006.001.22615. Des. LEILA ALBUQUERQUE. Julgamento em 05.09.2006).

88

direito de propriedade. Ou seja, nesta restituição ordinária o reclamante deverá

alegar e provar o domínio sobre o bem reivindicado e a posse injusta que sobre ele

está sendo exercida.284

A vestuta lei falimentar apenas admitia a restituição de bem arrecadado.285

Pela redação literal do art. 85, caput, LRF, o bem deve ter sido arrecadado ou estar

na posse do devedor na data da quebra.286

Melhor técnica, todavia, determina como requisito a arrecadação do bem,

tendo em vista que a restituição é a via para atacar restrição judicial e, não havendo

tal ato, mister se faz o ajuizamento de embargos de terceiro para a defesa de

esbulho ou turbação.

Pouco importa que os bens estejam em poder de falido ou de terceiros, como

por exemplo, quando sob a guarda ou depósito de outrem, inclusive bancos,

armazéns gerais, trapiches, alfândega, leiloeiro.287

O art. 76, LF, previa a restituição para bem devido em virtude do domínio ou

contrato. Outra alteração que merece destaque é a possibilidade de restituição

apenas em virtude de direito real de propriedade. Há quem defenda que o direito

contratual passa a ser previsto no art. 86, LRF. 288

De um modo geral, no entanto, os doutrinadores elencam direito de

restituição dos bens estejam na posse do falido a título de locação, mandato,

depósito, comodato, usufruto, alienação fiduciária em garantia,289 propriedade

enfiteuse, servidões, usufruto, uso, habitação, rendas constituídas sobre imóveis,

penhora, anticrese e hipoteca.290

Além daqueles os quais não tenha o falido ou a massa qualquer direito ou

titularidade, mas o domínio seja demonstrado por terceiro relativamente aos bens

materiais e imateriais, direitos reais, pessoais ou obrigacionais, hereditários,

autorais, de reprodução, de lavra, de exploração, de patente de invenção, de

284 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 376. 285 No mesmo diapasão: “Falência. Pedido de restituição. Não tendo sido arrecadada a coisa ou não localizada com o falido, descabe o pedido de restituição, com entrega do equivalente em dinheiro. O crédito deve ser incluído como quirografário.” (STJ - REsp 142720/RS. Min. EDUARDO RIBEIRO. Julgamento em 24.11.1998). 286 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 214. 287 PACHECO, 2005, op. cit., p. 217. 288 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 214. 289 PACHECO, 2005, op. cit., p. 215-216. 290 ABRÃO, Carlos Henrique. Do Pedido de Restituição in: TOLEDO, Paulo F. C. Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 221.

89

desenhos, modelos industriais, projetos, bens intelectuais, industriais ou

incorpóreos.291

No caso específico do comodato,292 não obstante ser gratuito, é muito

usado em tratativas onerosas com objetivo de estreitar ou implementar parcerias

empresariais e na falência do comodatário, os bens deverão ser restituídos se não

há a continuação da atividade a justificar o contrato. Na continuação provisória dos

negócios, todavia, é obrigação do administrador judicial pronunciar-se sobre a

mantença do contratado, salvo cláusula prevendo a falência como causa resolutiva

do contrato.293

No que tange ao mandato294 e comissão295 que versarem sobre atividade

empresarial, cessam eles de pleno direito com a quebra (art. 120, §2º, LRF),

possibilitada a restituição das mercadorias em poder do falido e titularizadas pelo

mandante ou comitente, comprovada a relação.296

Outra mudança que foi trazida pelo novo sistema se deu na substituição da

expressão “coisa” do art. 76, LF, para “bem” (art. 85, LRF), para estancar dúvida se

só seria restituível coisa corpórea, na qual há posição elogiosa da doutrina:

“O sentido dos termos bem e coisa. Diferentemente da LF/1945 76, que usava o termo coisa, a LF 85 fala em bem ; desta forma, fica mais claro, na letra da lei, o que a jurisprudência já havia assentado sob a égide da LF/1945, embora ainda houvesse divergência doutrinária: não apenas os bens corpóreos e materiais, mas também os incorpóreos e imateriais, como os serviços, podem ser objeto de reivindicação. Idem Trajano e Silva Pacheco.”297

291 PACHECO, 2005, op. cit., p. 217. 292 Entende-se pelo contrato em que alguém proporciona gratuitamente a outro uma comodidade que vem a ser a utilização temporária de um bem infungível e inconsumível (MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Novo Código Civil Anotado. V. 3. T. 1. 2. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2004, p. 254). 293 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 381. 294 Na modalidade de mandato mercantil ou para fins empresariais é contrato segundo o qual uma pessoa se obriga a praticar atos ou administrar interesse de natureza empresarial, em nome e por conta de outrem, mediante remuneração (MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 21 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 247). 295 É o contrato que visa cometer, encomendar, atribuir uma tarefa a alguém. Tem acepção de encargo ou incumbência e o escopo de compra e venda de bens moveis por conta de terceiro. (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Obrigações, 2ª Parte. V. 5, 34 ed. rev. e atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf e Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 300-302). 296 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 380. 297 NERY JUNIOR, 2005, op. cit., p. 1173.

90

Trajano Miranda Valverde298 complementava que a coisa pode ser corpórea,

móvel ou imóvel, todavia as coisas fungíveis, não tendo individualidade própria não

sejam passíveis de reivindicação, mas não se confundindo com coisas do mesmo

gênero e se identificáveis há aplicabilidade.

Exemplo típico é o dinheiro quando deixa de ser gênero e passa ao status de

espécie, sem prejuízo de configurar-se como bem imaterial patrimonial, demandando

proteção jurídica conferida a favor de seu titular.299

É o que ocorre quando o falido recebeu dinheiro em nome de outra pessoa

(contrato de depósito, mandato, comissão, etc.)300 ou quando por lei ou por contrato

não tinha ele disponibilidade dos valores (disposição do dinheiro). Incluídas na

hipótese em tela está a operação confiada ao falido, que não a realizando, quedou-

se inerte na respectiva prestação de contas.301

E, ainda, as contribuições previdenciárias descontadas dos empregados e

retidas pelo falido302 (art. 51 da Lei n° 8.212/1991303 e Enunciado nº 21 do

TJERJ).304 Importante destacar que há distinção entre a contribuição do empregado

e aquela devida pelo empregador.305 Esta, como espécie tributária, não pode ser

298 VALVERDE, 1999, op. cit., p. 34. 299 É a letra da Súmula n° 417 do STF: “Pode ser objeto de restituição, na falência, dinheiro em poder do falido, recebido em nome de outrem, ou do qual, por lei ou contrato, não tivesse ele a disponibilidade.” 300 Os ditos valores devem ser objeto de restituição, como já se decidiu: “PROCESSO CIVIL. FALÊNCIA. CRÉDITO RESTITUÍVEL. PRIORIDADE ABSOLUTA. Os valores devidos a título de restituição, porque não propriamente créditos, mas recursos de terceiros e que a empresa, enquanto em funcionamento normal, deles não se poderia valer, não se enquadram como dívidas ou encargos da massa. Por isso, devem ser pagos antes de todo e qualquer credor, por mais privilegiado que seja, haja vista que sequer se sujeitam aos efeitos do concurso falimentar.” (TJDFT – Ag. Instrumento 20000020060932AGI. Des. VALTER XAVIER . Julgamento em 04.06.2001). 301 REQUIÃO, 1998, op. cit., p. 288. 302 Posição pacífica dos Tribunais acerca do tema: “FALÊNCIA. RESTITUIÇÃO DE TRIBUTO DESCONTADO DO SALÁRIO DOS EMPREGADOS DA FALIDA. Certa a ocorrência dos descontos, 'irrelevante que se tenha, ou não, arrecadado numerário em poder da falida’. Trata-se de depósito, por força de lei, e, desta sorte, deve o depositário entregar o que lhe não pertence. Dinheiro é bem fungível e, assim, irrelevante que não tenha havido arrecadação em espécie, mas sim já convertido em bens (...).” (TJERJ – Ap. Cível 2005.001.50724. Des. SERGIO LUCIO CRUZ. Julgamento em 31.05.2006). 303 Transcreve-se, na forma da LF: “Art. 51 (...) Parágrafo único. O Instituto Nacional do Seguro Social-INSS reivindicará os valores descontados pela empresa de seus empregados e ainda não recolhidos.” 304 Ipsis literis: "21 - É passível de restituição, na falência, a contribuição previdenciária arrecadada dos empregados, da qual é depositário o falido, não tendo dela disponibilidade." 305 É a visão jurisprudencial: “FALÊNCIA. RESTITUIÇÃO. IMPOSTO DE RENDA. Correta a decisão que dá pela extinção do processo, pelo qual pleiteia a Fazenda Nacional pela restituição de valores arrecadados, a título de imposto de renda retido. Por falta de prova da efetiva arrecadação. Por outro lado, tratando-se de crédito tributário, deve a Fazenda valer-se das vias ordinárias para realizar seu crédito (...).” (TJERJ – Ap. Cível 2006.001.13202. Des. JAIR PONTES DE ALMEIDA. Julgamento em 19.09.2006).

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objeto de restituição, sendo reclamada pelos meios próprios de cobrança desses

créditos.306

A correção monetária é incidente em todos os casos de pedido originário de

restituição em pecúnia, com aplicação analógica do Enunciado n° 36 da Súmula do

STJ.307

No que tange ao contrato estimatório,308 falindo o consignatário, há

permissão para o pedido de restituição,309 haja vista ser a propriedade do

consignante, tendo o consignatário mera posse precária.

Também é possível restituição nos contrato de domínio resolúvel,310 inclusive

arrendamento de aeronave (art. 151, §2°, Lei n° 7.565/1986) e venda com reserva

de domínio (arts. 1070 e 1071, CPC).311

306 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 382. 307 NEGRÃO, 2005, op. cit., p. 137. 308 É o negócio jurídico pela qual uma das partes contratantes se obriga a entregar ou consignar a outra parte um número ou quantidade, determinada ou indeterminada, de mercadoria, para que este as venda por um preço estimado antecipadamente ou fixado no ato da entrega, com a condição de devolver os exemplares que não foram vendidos a terceiros no prazo estipulado em contrato (SILVA, Américo Luís Martins da. Contratos Comerciais. V. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 240). Interpretação do Enunciado n° 32, CJF: “Art. 534: no contrato estimatório (art. 534), o consignante transfere ao consignatário, temporariamente, o poder de alienação da coisa consignada com opção de pagamento do preço de estima ou sua restituição ao final do prazo ajustado.” 309 No diapasão: “DIREITO COMERCIAL. FALÊNCIA. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO. ALIENAÇÃO DE MERCADORIAS RECEBIDAS EM CONSIGNAÇÃO ANTES DA QUEBRA. CONTABILIZAÇÃO INDEVIDA PELA FALIDA DO VALOR EQUIVALENTE ÀS MERCADORIAS. DEVER DA MASSA RESTITUIR OU AS MERCADORIAS OU O EQUIVALENTE EM DINHEIRO. SÚMULA 417 DO STF. O que caracteriza o contrato de venda em consignação, também denominado pela doutrina e pelo atual Código Civil (arts. 534 a 537) de contrato estimatório, é que (i) a propriedade da coisa entregue para venda não é transferida ao consignatário e que, após recebida a coisa, o consignatário assume uma obrigação alternativa de restituir a coisa ou pagar o preço dela ao consignante. Os riscos são do consignatário, que suporta a perda ou deterioração da coisa, não se exonerando da obrigação de pagar o preço, ainda que a restituição se impossibilite sem culpa sua. Se o consignatário vendeu as mercadorias entregues antes da decretação da sua falência e recebeu o dinheiro da venda, inclusive contabilizando-o indevidamente, deve devolver o valor devidamente corrigido ao consignante. Incidência da Súmula n.° 417 do STF. A arrecadação da coisa não é fator de obstaculização do pedido de restituição em dinheiro quando a alienação da mercadoria é feita pelo comerciante anteriormente à decretação da sua quebra (...).” (STJ – REsp 710658/RJ. Min. NANCY ANDRIGHI. Julgamento em 06.09.2005). 310 Na propriedade resolúvel, o domínio é condicional. Subsiste enquanto não verificada a condição, ou o termo. O implemento daquela, ou vencimento deste, porem, resolve o domínio e com a revogação volta a coisa para o primitivo dono (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Coisas. V. 3, 37 ed. rev. e atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 243). 311 Leciona Márcia Regina Lusa Cadore Weber que é uma cláusula aposta nos contratos de compra e venda, com natureza jurídica de venda sob condição suspensiva (WEBER, Márcia Regina Lusa Cadore. Das Vendas a Crédito Com Reserva de Domínio. Revista Jurídica, Porto Alegre, 2005, Ano 53 – n. 328, p. 41-42).

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Concernente ao arrendamento mercantil ou leasing,312 decretada a falência

do arrendatário, faculta-se ao arrendador postular a restituição do bem arrecadado

na posse do falido e de propriedade da sociedade arrendante, comprovadas a

legitimidade desta, posse injusta da massa, desinteresse do administrador judicial no

cumprimento do contrato ou existência de cláusula resolutiva decorrente de quebra

(Lei n° 6.099/1974, que trata de arrendamentos efetuados por instituições

financeiras).313

Um dos mais discutidos efeitos da falência sobre contratos se dá nos bens

alienados fiduciariamente,314 cuja regência geral decorre do art. 1361 ao 1369 c.c.

1425, II, CC/2002 (para bem infungível), possuindo regras específicas para

instituições financeiras credoras fiduciárias de bens imóveis (Lei n° 9.514/1997) e

móveis, inclusive fungível (art. 66-B, Lei n° 4.728/1965, art. 7º, Decreto-lei n°

911/1969 c.c. 10.931/2004).315

Na forma do Decreto-lei n° 911/1969, que trata da alienação fiduciária para

bem móvel, inclusive fungível, a inadimplência do devedor gera o vencimento

antecipado da obrigação. O credor, feito o protesto, pode proceder à busca e 312 Leasing é o contrato pelo qual uma empresa adquire um bem, entregando-o para o uso e proveito de um terceiro, que paga prestações correspondentes ao preço do bem e mais encargos, com a possibilidade de opção de compra ao final (RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 1240). 313 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 380. Há controvérsia se a diluição do valor residual garantido descaracteriza o contrato aqui comentado, trazendo o julgado que segue o posicionamento consolidado pela jurisprudência, bem como os requisitos para pedir restituição nesta hipótese: “APELAÇÃO CÍVEL. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE COISA. VEÍCULO ADQUIRIDO ATRAVÉS DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. COBRANÇA ANTECIPADA DO VALOR RESIDUAL GARANTIDO (VRG). IRRELEVÂNCIA. SITUAÇÃO QUE NÃO DESNATURA O ARRENDAMENTO MERCANTIL. SÚMULA 293 DO STJ. Nos termos da Súmula 293 do Superior Tribunal de Justiça ‘a cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil’ (...). PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE COISA (ARTS. 76 A 79 DO DECRETO-LEI N. 7.661/45). AUTOMÓVEL ADQUIRIDO ATRAVÉS DE CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL NÃO CUMPRIDO. RESOLUÇÃO DA AVENÇA. DEVOLUÇÃO DO BEM AO TITULAR DO DOMÍNIO. De conformidade com o art. 76 do Decreto-lei n. 7.661/45, pode ser pleiteada a restituição de coisa arrecada em poder do falido quando seja devida em virtude de direito real ou de contrato. Assim, estando em poder do falido veículo de propriedade alheia que lhe foi entregue por força de contrato de arrendamento mercantil rescindido por inadimplência, impõe-se a restituição do bem ao titular do domínio que, no caso, é a empresa arrendante.” (TJESC – Ap. Cível 2004.024837-7. Des. SALETE SILVA SOMMARIVA. Julgamento em 27.10.2005). 314 No negócio fiduciário de garantia o devedor transfere a favor do credor a propriedade de uma coisa, permanecendo ele com a posse, e colocando-se na posição de depositário. Esta propriedade é resolúvel, porquanto a transferência visa, como razão de ser, garantir a concessão de um crédito, o qual, uma vez satisfeito, faz retornar a propriedade ao alienante-devedor (RIZZARDO, 2006, op. cit., p. 1298-1299). 315 A especificidade decorre da lei, conforme artigo do CC/2002 acrescentado pela Lei n° 10.931/2004: “Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial.”

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apreensão e, por conseguinte, a liquidação do bem, que prescinde leilão, avaliação

ou outras medidas judicial e extrajudicial. Se não for apurado o suficiente na

alienação, pode o credor cobrar o saldo devedor (arts. 2°, 3° e 5°, Decreto-lei n°

911/1969).316

Diferente é a solução se o devedor fiduciante teve a falência decretada, pois

o art. 7º, Decreto-lei n° 911/1969, determina ação restitutória e, após a devolução do

bem, este será alienado. Verificado saldo positivo, deverá ser entregue ao

administrador judicial para integrar a massa falida, mas em caso de insuficiência ao

pagamento total do crédito e despesas incorridas, caberá ao credor habilitar-se

como quirografário pelo saldo respectivo.317

Apesar de existir a regra em comento, destoa a doutrina da solução legal,

entendendo que a quebra não enseja a resolução do negócio fiduciário, que deve

ser analisado pela sua natureza de contrato bilateral.318 Por interpretação

sistemática do art. 117, LRF, o administrador pode optar pela continuação do

contrato, se este estiver sendo adimplido,319 só cabendo restituição se o falido já

estava inadimplente antes da quebra.320

É cediço que ocorre a perda da administração com a falência (art. 103, LRF),

descabendo ação de depósito ou prisão do falido, pelo desaparecimento do objeto

fiduciário.321 Alguns autores sustentam a impossibilidade de restituição em dinheiro

316 Por economia processual, a ação para busca e apreensão ajuizada com superveniente falência, segue a disposição geral: “(...) FALÊNCIA. RESTITUIÇÃO DE BEM. CRÉDITO COM GARANTIA REAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO DEDUZIDA ANTES DA QUEBRA. PROSSEGUIMENTO NO JUÍZO DE ORIGEM. SUCUMBÊNCIA. FALÊNCIA. Pleito de restituição de bem objeto de contrato de abertura de crédito com garantia real da alienação fiduciária. Dedução e trâmites precedentes à declaração da quebra de ação especial de busca-e-apreensão do Dec-Lei 911/69, dependente do fornecimento de meios para cumprimento da liminar. Ausência de pressuposto prévio arrecadação da coisa litigiosa, no juízo universal, situação que afasta a sede para solução do conflito de interesses, pretensão que deve retomar seu curso perante o juízo da busca-e-apreensão, com intervenção da massa falida, até o final (...).” (TJERJ – Ap. Cível 2005.001.19524. Des. MURILO ANDRADE DE CARVALHO. Julgamento em 04.04.2006). 317 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 378. 318 Ibdem, p. 378-379. 319 A jurisprudência segue esta linha: “(...) CONTRATO GARANTIDO POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Se, até a data da quebra, as respectivas obrigações estavam sendo rigorosamente cumpridas, a massa falida pode optar pelo cumprimento do contrato (DL 7.661/45, art. 43); antes da interpelação do síndico para que declare se cumpre ou não o contrato, o pedido de restituição do bem alienado fiduciariamente é prematuro (...).” (STJ - REsp 172367/PR. Min. ARI PARGENDLER. Julgamento em 30.04.2002). 320 NEGRÃO, 2005, op. cit., p. 134. 321 Já é sumulado pelo STJ: “Súmula 305. É descabida a prisão civil do depositário quando, decretada a falência da empresa, sobrevém a arrecadação do bem pelo síndico.” São os argumentos deste tribunal: “HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. PRISÃO CIVIL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. ORDEM CONCEDIDA, CONFIRMANDO-SE A LIMINAR. 1. Quanto à possibilidade de prisão civil do devedor

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que descumpre contrato garantido por alienação fiduciária, o Superior Tribunal de Justiça, por decisão de sua Corte Especial, já firmou o entendimento de que a constrição é ilegal. 2. O entendimento sedimentado neste egrégio Superior Tribunal é de que, no caso específico da alienação fiduciária, não existe a relação de depósito típico e a prisão civil; assim, constitui mera garantia mais gravosa para o cumprimento dos contratos de mútuo. 3. Ordem concedida, confirmando-se a liminar.” (STJ – HC 65974/RJ. Min. MASSAMI UYEDA. Julgamento em 28.11.2006). Decisium no mesmo sentido, de acordo com a lei anterior: “DEPOSITÁRIO INFIEL. PRISÃO. FALÊNCIA. Aplicação do art. 40 da Lei de Falências: arrecadação de bens. Se e certo que, com a falência, o devedor perde o direito de administrar e dispor de seus bens, na conformidade do art. 40 da Lei de Quebra, embora possam eles não ter sido arrecadados, deixa de ter o devedor disponibilidade sobre eles. E se a prisão do depositário faltoso visa a que este entregue o bem, e ele já não pode fazê-lo, por se encontrar indisponível, e de conceder-se a ordem 'ex officio', em favor do paciente para tornar sem efeito a decretação da sua prisão preventiva.” (STF - HC 63823/PR. Min. ALDIR PASSARINHO. Julgamento em 09.05.1986). Outra é a situação se o desaparecimento dos bens ocorreu antes da falência: “ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE DEPÓSITO. GERENTES DA FIRMA DEVEDORA E DEPOSITÁRIA. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DOS BENS. PRISÃO CIVIL. FALÊNCIA DA DEVEDORA ALIENANTE. Direito do credor ou proprietário fiduciário de pedir a restituição dos bens alienados. Decreto-lei n. 911/1969, art. 7º Lei n. 4728/1965, com a redação do art. 1º, do Decreto-lei n. 911/1969. O devedor alienante torna-se possuidor direto e depositário. Com a decretação da falência, no caso, ocorreu impossibilidade de o síndico arrecadar os bens alienados fiduciariamente, por não os haver encontrado. Estão os diretores ou gerentes da falida obrigados a restituição, sob pena de prisão, em virtude do vínculo de depósito existente. Desvio dos bens anterior à falência. Não se trata de ação de depósito contra massa falida, mas, sim, contra os gerentes, por atos anteriores a decretação da quebra, que impossibilitaram a arrecadação pelo síndico dos bens, alienados fiduciariamente. (...) Legitimidade da prisão civil decretada contra sócios gerentes da sociedade, por desvio de bens dados em garantia fiduciária (...).” (STF – RE 99927/CE. Min. NÉRI DA SILVEIRA. Julgamento em 22.05.1984). Todavia, recentes decisões caminham para modificação do acima esboçado: “O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário no qual se discute a constitucionalidade da prisão civil do depositário infiel nos casos de alienação fiduciária em garantia (DL 911/69: “Art. 4º Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, o credor poderá requerer a conversão do pedido de busca e apreensão, nos mesmos autos, em ação de depósito, na forma prevista no Capítulo II, do Título I, do Livro IV, do Código de Processo Civil.”). O Min. Cezar Peluso, relator, negou provimento ao recurso, por entender que a aplicação do art. 4º do DL 911/69, em todo o seu alcance, é inconstitucional. Afirmou, inicialmente, que entre os contratos de depósito e de alienação fiduciária em garantia não há afinidade, conexão teórica entre dois modelos jurídicos, que permita sua equiparação. Asseverou, também, não ser cabível interpretação extensiva à norma do art. 153, § 17, da EC 1/69 — que exclui da vedação da prisão civil por dívida os casos de depositário infiel e do responsável por inadimplemento de obrigação alimentar — nem analogia, sob pena de se aniquilar o direito de liberdade que se ordena proteger sob o comando excepcional. Ressaltou que, à lei, só é possível equiparar pessoas ao depositário com o fim de lhes autorizar a prisão civil como meio de compeli-las ao adimplemento de obrigação, quando não se deforme nem deturpe, na situação equiparada, o arquétipo do depósito convencional, em que o sujeito contrai obrigação de custodiar e devolver. (...) Em seguida, o Min. Gilmar Mendes acompanhou o voto do relator, acrescentando aos seus fundamentos que os tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil possuem status normativo supralegal, o que torna inaplicável a legislação infraconstitucional com eles conflitantes, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação e que, desde a ratificação, pelo Brasil, sem qualquer reserva, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), não há mais base legal para a prisão civil do depositário infiel. Aduziu, ainda, que a prisão civil do devedor-fiduciante viola o princípio da proporcionalidade, porque o ordenamento jurídico prevê outros meios processuais-executórios postos à disposição do credor-fiduciário para a garantia do crédito, bem como em razão de o DL 911/69, na linha do que já considerado pelo relator, ter instituído uma ficção jurídica ao equiparar o devedor-fiduciante ao depositário, em ofensa ao princípio da reserva legal proporcional. Após os votos dos Ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Carlos Britto e Marco Aurélio, que também acompanhavam o voto do relator, pediu vista dos autos o Min. Celso de Mello.” (STF – RE 466343/SP. Min. CEZAR PELUSO. Julgamento em 22.11.2006. Informativo 449).

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nessa hipótese, já que deve ser exclusivamente feita em espécie,322 restando ao

credor o caminho da habilitação de crédito.323

Argüiam, também, que pelo sistema anterior, a restituição na extinta

concordata não era cogitada em lei especial, assim se fazia necessário que o

concordatário incidisse em mora e a resolução do contrato em conseqüência dar-se-

ia normalmente por este fato, mas não pelo simples deferimento desta medida de

soerguimento.324

Restituições específicas,325 tais como as acima, são observadas para bem

imóvel em garantia fiduciária (art. 32, Lei n° 9.514/1997, dispõe sobre o Sistema

Financeiro Imobiliário),326 vedada, no entanto, a habilitação de crédito da instituição

financeira por eventual saldo devedor.

Outro caso é o contrato de cessão fiduciária em garantia, que se opera

quando a alienação fiduciária tiver por objeto direito de crédito, transferindo-se ao

credor a titularidade os créditos cedidos, até a liquidação da garantia.327 Na

322 Adiciona-se: “APELAÇÃO. FALÊNCIA. Pedido de restituição de bem, objeto de contrato de empréstimo bancário com pacto de alienação fiduciária. Habilitação do crédito, inviabilizada a restituição do bem. Crédito comum e não privilegiado. Desprovimento do apelo. É quirografário, e não privilegiado, o crédito decorrente do inadimplemento de contrato de empréstimo celebrado com instituição financeira, com pacto de alienação fiduciária, posto que o privilégio esgota-se no próprio bem dado como garantia, e frustrada a restituição deste, convolado o pedido em habilitação de crédito, correta se mostra a qualidade de quirografário que lhe atribuiu o julgador (...)” (TJERJ – Ap. Cível 2002.001.20237. Des. MAURICIO CALDAS LOPES. Julgamento em 21.02.2006). 323 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 215. 324 REQUIÃO, 1995, op. cit., p. 103. 325 Nomenclatura utilizada pela doutrina (COELHO, 2005, op. cit., p. 242). 326 É de se ressalvar que as características básicas do instituto são similares às da alienação fiduciária de bem móvel. A conseqüência especifica da inadimplência, por sua vez, é a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário, cujo procedimento é administrativo a ser requerido perante o oficial do Registro de Imóveis que deve proceder à notificação do devedor fiduciante, depois do prazo de carência para intimação, conforme previsto no contrato, para, no prazo de quinze dias, fazer o devido pagamento de prestações vencidas e as que vencerem, com todos os encargos, inclusive condominiais, tributos e despesas da cobrança (art. 26, Lei nº 9.514/1997). Ao atender à notificação, o devedor poderá efetuar o pagamento do que lhe está sendo cobrado, convalescendo o contrato de alienação fiduciária, inclusive com sua extinção e resolução da transferência, quando for o caso, cumprindo ao oficial fazer o pagamento ao credor no prazo de três dias. Todavia, transcorrido o prazo para o devedor sem purgação da mora, o oficial competente do RGI certificará o fato e, recolhido pelo credor fiduciário o imposto de transmissão, se já não o pagou, será feito o devido registro na matrícula respectiva, declarando-se consolidada a propriedade para esse credor (ou seu sucessor, cessionário ou adquirente em leilão extrajudicial), que poderá requerer a reintegração de posse do imóvel a ser atendida liminarmente, cujo prazo para desocupação é de sessenta dias (SANTOS, Ernane Fidélis dos. Alienação Fiduciária de Coisa Imóvel. Revista Jurídica, Porto Alegre, 1999, Ano 47 – n. 261, p. 21-24). 327 Para melhor compreender o instituto: “Normalmente uma instituição bancária financia a aquisição ou construção de imóvel. Por conseguinte, fica com um crédito, que é o valor do financiamento, o qual deve ser pago pelo devedor que financiou a construção ou a aquisição. O banco vende esse crédito para uma companhia de capitalização. Esta subdivide o crédito em títulos, colocando-os no mercado. Possíveis interessados adquirem os títulos, podendo negociá-los. Permite-se que os títulos vendidos tenham lastro ou garantia no próprio imóvel. Por outras palavras, tais títulos podem ser executados no

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hipótese de falência do devedor cedente, e se não tiver havido a tradição dos títulos

representativos dos créditos cedidos, ficará assegurada ao cessionário a restituição,

demonstrada a posse injusta da massa exercida sobre os títulos de propriedade do

credor requerente (art. 66B, Lei n° 4.728/1965, Lei n° 10.931/2004 com princípios

dos arts. 18 e 20, Lei n° 9.514/1997).328

5.3 Restituição das Mercadorias Vendidas a Prazo

Hipótese de restituição especial ocorre quando houver mercadorias vendidas

a crédito, não alienadas e entregues até quinze dias antes da distribuição do pedido

de falência do devedor (art. 85, parágrafo único, LRF).

Fundamenta-se na repressão à má-fé do falido, que vem presumida, ao

aceitar, às vésperas do requerimento de falência, mercadoria sob a modalidade de

venda a crédito, já ciente da pouca probabilidade de vir honrar o compromisso,

visando a lei proteger o vendedor de boa-fé que,329 de certo modo, foi induzido a

erro.330

próprio imóvel que deu origem à sua emissão. Diante da circulação dos títulos, consegue-se mais capital, para novos investimentos, com o que incrementa-se a construção civil. Este o escopo básico do novo regime, segundo nota do Ministério do Planejamento e Orçamento, sobre o projeto de lei encaminhado ao Legislativo: ‘O objetivo fundamental do projeto é estimular o desenvolvimento da indústria da construção civil, com vistas a reduzir o déficit imobiliário do País, bem como promover a geração de empregos (...) Com a instituição do SFI, quer-se estimular a canalização de capitais privados a longo prazo para o setor, notadamente por parte dos investidores institucionais, que concentram hoje volume crescente da poupança aqui e no exterior’. Este financiamento distingue-se do comum, utilizado pelo Sistema Financeiro de Habitação, que teve suas bases na Lei n° 4.380, de 1964, por dois fatores básicos: a garantia pela alienação fiduciária do crédito, a pr de outras, e a transferência ou cessão dos créditos decorrentes do financiamento a companhias de capitalização, que os poderá fragmentar em títulos e colocá-los no comércio. De modo que, com o financiamento, forma-se um crédito. E para negociá-lo, angariando, assim, novas aplicações, dito crédito do banco é fracionado e vendido em parcelas ou não sua globalidade paras as sociedades de securitização. Ou seja, os créditos do agente financiador, garantidos pela alienação fiduciária ou outra garantia, poderão ser cedidos a uma companhia securitizadora de crédito imobiliário. Adquirindo esta companhia os créditos junto aos bancos, gabarita-se a transferi-los a terceiros através de títulos, que serão vendidos, com remuneração, e resgatáveis segundo os prazos convencionados. Estes títulos denominam-se Certificados de Recebíveis Imobiliários. Este é o significado constante do art. 6° da Lei n° 9.514: ‘O Certificado de Recebíveis Imobiliários – CRI é título de crédito nominativo, de livre negociação, lastreado em créditos imobiliários e constitui promessa de pagamento em dinheiro.” RIZZARDO, Arnaldo. Títulos de Crédito: Lei n° 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 316-317. 328 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 379. 329 Existe corrente isolada no sentido de que o legislador atual poderia afastar este caso de restituição, coibindo, desta forma, o uso indevido, na medida em que seu acolhimento diz respeito a crédito de natureza extraconcursal sendo desnecessária habilitação, que deveria ser a ação cabível a este credor (ABRÃO, 2005, op. cit., p. 219). 330 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 382.

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Segundo a doutrina moderna o art. 85, caput, LRF, atende a pressupostos

diversos do seu parágrafo único, o que dispensaria a necessidade de arrecadação

do bem para o pleito.331 Por outro lado, é requisito desta restituição extraordinária,

para a corrente clássica, que a coisa tenha sido arrecadada em poder do falido.332

Este é o melhor entendimento, pois pela técnica legislativa o parágrafo sempre está

atrelado ao caput do artigo.

Logo, o bem não pode ter sido alienado antes da falência ou no âmbito do

processo de falência judicialmente, devendo ser entregues em espécie. Nesta

circunstância, é imputado ao credor participar do concurso falimentar na classe

quirografária, não existindo embasamento legal para proceder à restituição em

dinheiro.333

Convém apontar que há elisão da restituição se o comprador já revendeu a

terceiros as mercadorias antes da quebra ou haja sua alienação judicial na

falência,334 só sendo possível habilitar o crédito e concorrer na massa passiva,

ressalva configuração de má-fé do terceiro comprador.335

No entanto, a interpretação para aplicação do instituto é ampla,336 pois ainda

que consumida ou transformada a coisa, conforme sumulado pelo STF, é possível

restituição, o que, acreditamos, continuará sendo utilizado.337

Pressupõe venda operada a prazo, descartada a venda à vista. A esta se

equipara emissão de cheque338 desprovido de fundos ou aceitação de duplicata à

vista não paga na apresentação. Isto porque, o pagamento efetuado por meio de

331 COELHO, 2005, op. cit., p. 242. 332 VALVERDE, 1999, op. cit., p. 33; BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 218. 333 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 384. 334 Uníssono posicionamento dos tribunais: “FALÊNCIA. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO. PRECEDENTE DA CORTE. 1. Está pacífica a jurisprudência da Corte no sentido de que não cabe restituição quando consumida ou alienada a mercadoria, no caso, fato reconhecido no Acórdão recorrido (...).” (STJ – REsp 176011/SP. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO. Julgamento em 31.08.2000). 335 COELHO, 2005, op. cit., p. 242. 336 ABRÃO, 2005, op. cit., p. 218. 337 Enunciado nº 495 da Súmula do STF: “A restituição em dinheiro da coisa vendida a crédito, entregue nos quinze dias anteriores ao pedido de falência ou de concordata, cabe, quando, ainda que consumida ou transformada, não faça o devedor prova de haver sido alienada a terceiro”. 338 Theophilo de Azeredo Santos define: “O cheque é ordem de pagamento, em dinheiro, à vista, um banco ou instituição financeira (sacado), por alguém (emitente) que tem fundos disponíveis nessa empresa, em favor próprio ou de terceiro (tomador, beneficiário, favorecido ou portador). É de vida brevíssima, mas título de crédito.” (SANTOS, Theophilo de Azeredo. O Cheque: Doutrina e Prática, Jurisprudência, Legislação. Rio de Janeiro: Bloch, 1992, p. 3).

98

título de crédito deve ser considerado, dado a sua natureza, um pagamento pro

solvendo339 e não pro soluto.340

Entregue a coisa vendida à vista, sem o simultâneo pagamento do preço, o

vendedor altera a condição preliminarmente pactuada,341 não gerando sua atitude

novação. Desprestigia-se a omissão do vendedor,342 a quem é facultado negar a

entrega sem correspondente quitação.343

Segundo a jurisprudência anterior a LRF, equipara-se à venda a prazo a

compra realizada por meio de cheque pós-datado,344 devolvido pelo banco sacado

em razão de insuficiência de fundos.345

São irrelevantes as datas do contrato, vencimento ou despacho,346

interessando apenas a efetiva entrega,347 ou seja, a entrega real348 que é aquela

materializada com a chegada das mercadorias adquiridas no estabelecimento do

devedor falido ou seu representante.349

Mas e se a venda foi realizada dentro dos ditos quinze dias, mas a entrega

posterior o requerimento de falência? Requião350 responde que se o vendedor não

teve conhecimento do pedido de falência do comprador, ou não pôde obstar a

339 Natureza pro solvendo denota que a emissão de titulo de crédito não implica em novação da relação causal, que subsiste junto com a relação cambiária, porque as duas relações coexistem (ROSA JÚNIOR, Luiz Emigdio Franco da. Títulos de Crédito. 2 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 56). 340 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 382. 341 VALVERDE, 1999, op. cit., p. 21. 342 Diversamente entende-se que esta solução não leva em conta a boa-fé do vendedor e a má-fé do comprador, que recebeu a mercadoria escondendo a sua insolvência (REQUIÃO, 1998, op. cit., p. 283). 343 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 383. 344 O cheque é ordem de pagamento à vista (art. 32, LC), mas as partes podem, por convenção particular, determinar a apresentação do cheque em data futura, que não desvirtua a relação com o banco sacado, para o qual esta convenção é estranha e de nenhum efeito. Representa, outrossim, garantia de dívida (BOITEUX, Fernando Netto. Títulos de Crédito: Em Conformidade com o Novo Código Civil. São Paulo: Dialética, 2002, p. 159-161). 345 NEGRÃO, 2005, op. cit., p. 135. Paralelos estão os julgados dos tribunais superiores: “FALÊNCIA. Pedido de restituição de coisa vendida (art. 76, par-2) é coisa vendida a crédito, e não à vista, aquela por cheque pós-datado e sem suficiente provisão de fundos (...).” (STJ - AgRg no Ag 1022/MG. Min. NILSON NAVES. Julgamento em 20.03.1990). 346 Para Rubens Requião não é justo que se exclua a tradição simbólica (REQUIÃO, 1998, op. cit., p. 284). 347 COELHO, 2005, op. cit., p. 243. 348 Enunciado nº 193 da Súmula do STF, correspondente ao dispositivo que tratava da matéria no Decreto-lei nº 7.661/45: “Para a restituição prevista no art. 76, § 2º, da Lei de Falências, conta-se o prazo de 15 (quinze) dias da entrega da coisa e não da sua remessa”. 349 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 383. 350 REQUIÃO, 1998, op. cit., p. 284.

99

entrega real, o fato desta ter se operado após o requerimento ou quebra não deve

impedir a restituição.

A solução não é tão simples. Advinda a falência e ainda não entregue a

coisa ao comprador, está o vendedor desobrigado a fazê-lo. Todavia, como os

contratos bilaterais não se resolvem com a falência, pode o administrador judicial dar

cumprimento ao contrato, na forma do art. 117, LRF, pagando pelas mercadorias

quando determinada continuação provisória dos negócios.351

Situação diversa há se a coisa, embora não paga, encontra-se em viagem

com destino ao comprador e sobrevier a sua quebra, pode o vendedor ordenar o

retorno da mercadoria para que não seja entregue ao falido e evitar seu prejuízo

(instituto do stoppage in transitu).352

A restituição, por sua vez, só é permitida dentro da limitação temporal, fixada

pelo pedido de falência protocolado judicialmente, não obstante entre o

requerimento e a falência decorrer, por certo, tempo muito dilatado, o que acaba

dificultando o direito à restituição em espécie.353

Além disto, é larga, vaga e subjetiva a aferição real do momento em que o

vendedor poderia ter tomado conhecimento do pedido de quebra, só excepcionado,

por plausibilidade, quando a entrega se efetivar no dia do requerimento, ou seja, no

dia do ajuizamento, pois somente no dia subseqüente é que se faria possível ao

mercado tomar conhecimento do pedido de falência, pela publicidade que lhe

segue.354

5.4 A Criticável Restituição de Valores no Contrato de Adiantamento de Câmbio

Permitia os tribunais restituição extraordinária em dinheiro da quantia

entregue ao devedor decorrente contrato de adiantamento de câmbio, com

351 Conforme a assertiva, com menção da legislação anterior: “FALÊNCIA. RESTITUIÇÃO. CONTRATO DE FABRICAÇÃO. PAGAMENTOS ANTECIPADOS. O numerário recebido pela fabricante que veio a falir, na execução de contrato de fornecimento de maquinaria, não pode ser objeto de restituição, aplicando-se a espécie a regra do art. 43, par. único da Lei de Falências, relativa aos contratos do falido (...).” (STJ - REsp 37259/SP. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR. Julgamento em 18.02.1997). 352 LACERDA, 1999, op. cit., p. 151-152. 353 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 216. 354 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 384.

100

supedâneo no art. 75, §3º, Lei n° 4.728/1965; hoje legalmente prevista no art. 86, II,

LRF.

Tal negócio jurídico surge quando o banco compra moeda estrangeira

pagando ao vendedor em moeda nacional na exportação do vendedor-

contratante.355 Estes valores podem ser adiantados como forma de financiamento

pela instituição financeira, em que a vantagem por lei assegurada tem em mira

ampliar as exportações de produtos nacionais com o barateamento do empréstimo

respectivo, visando contribuir para a redução do risco de não recebimento e, por

conseguinte, da taxa de juro356 em relação àquela que seria demandada caso não

houvesse esta regra especial.357 É bem colocada e sapiente a seguinte afirmação

do Professor Theophilo de Azeredo Santos: 358

“Parece-nos injusto esse favorecimento aos bancos. (...). Esses financiamentos são – inexiste dúvida – espécie do gênero operações bancárias, não havendo para que os bancos tenham o privilégio do pedido de restituição, diminuindo os recursos à disposição dos credores, especialmente os empregados.”

O privilégio legalmente assegurado possibilita ao banco credor deste

contrato receber antes dos credores do falido, o que gera verdadeira subversão de

valores, já que a instituição financeira receberá antes dos créditos trabalhistas,

acidentários e os demais arrolados nos art. 83 e 84, LRF.359 Um privilégio

355 ABRÃO, 2005, op. cit., p. 227. 356 É o conceito de Sidnei Turczyn para spread bancário: “O banco capta recursos a prazo ou à vista, e os transforma em crédito contra terceiros. (...) Tais recursos ao serem repassados a seus tomadores, devem ser remunerados em taxas obviamente superiores àquelas pagas na captação. A diferença entre a taxa de captação e a taxa de aplicação desses recursos é o que se denomina spread bancário, e essa diferença deve ser suficiente para que o banco pague seus custos operacionais, tributos e demais encargos e proporcione, ainda, uma taxa líquida de retorno (o lucro na operação), sem o que não se justificaria o exercício da atividade bancária.” (TURCZYN, Sidnei. O Sistema Financeiro Nacional e a Regulação Bancária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 62-63). 357 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 385. 358 SANTOS, Theophilo de Azeredo. Parecer Sobre o Projeto de Lei nº 4.376, de 1993 "Regula a Recuperação Judicial de Devedores Pessoas Jurídicas e Pessoas Físicas Que Exercem Atividades Econômicas e Dá Outras Providências". www.estacio.br, 2007. Disponível em: <http://www.estacio.br/graduacao/direito/revista/revista3/artigo4.htm>. Acesso em: 18.01.2007. 359 Sobre o recebimento prioritário deste credor, já consolidado no sistema anterior: “RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL E FALÊNCIA. PEDIDO DE SOBRESTAMENTO FORMULADO PELO BANCO CREDOR DE ADIANTAMENTO DE CONTRATO DE CÂMBIO. ALEGAÇÃO DE PREFERÊNCIA NA RESTITUIÇÃO. INDEFERIMENTO. 1. A execução fiscal não fica paralisada em face da decretação da quebra no juízo, soi disant, universal. O juízo da execução fiscal é privilegiado, por isso que a Fazenda Pública não se sujeita ao concurso de credores nem à habilitação. Exegese

101

demasiado ao contrato discutido, que se consubstancia em mera modalidade de

mútuo.

dos artigos 5º e 29 da LEF (Lei 6.830/80). 2. O Banco credor por adiantamento de contrato de câmbio não tem legitimidade para intervir na execução fiscal pleiteando a sua sustação, porquanto ingressa por interesse próprio e econômico, motivações que desamparam a intromissão na qualidade de assistente simples. Deveras, o assistente simples não deduz direito próprio e tampouco formula pedido. A pretensão de recebimento prioritário de crédito ou restituição de dinheiro compete única e exclusivamente ao juízo falimentar quando formulado por suposto credor do falido. 3. Contrato de câmbio. Adiantamento. Através do contrato de câmbio ‘os bancos que operam com câmbio concedem aos exportadores os Adiantamentos sobre os Contratos de Câmbio (ACC), que consistem na antecipação parcial ou total dos reais equivalentes à quantia em moeda estrangeira comprada a termos desses exportadores, pelo Banco. O ACC poderá ocorrer e desdobrar-se em duas fases. Primeira fase: concessão do adiantamento pelo banco em até 180 (cento e oitenta dias antes) do embarque da mercadoria, caracterizando-se como um financiamento à produção, embora perdendo a desvalorização cambial posterior que possa ocorrer. Segunda fase: a mercadoria já está pronta e embarcada, até 60 após o embarque. Entretanto, poderá o exportador (vendedor) requerer o adiantamento da obrigação do banco - antecipação do pagamento em moeda nacional, que deverá, obrigatoriamente, ser averbado no próprio instrumento do contrato de câmbio’. ‘O Comunicado Bacen/Gecam n. 331, de 01.11.1976, define esta operação, dizendo, em seu art. 45, que o adiantamento sobre o contrato de câmbio configura uma antecipação parcial ou total, por conta do preço em real da moeda estrangeira comprada a termo, pelo Banco negociador’. 4. Deflui da dinâmica do referido contrato que se o negócio de exportação correr normalmente, o banco recebe de volta o valor adiantado, tão logo receba a moeda estrangeira remetida pelo banco do importador estrangeiro. No entanto, pode ocorrer que a exportação não seja efetuada por falência do exportador brasileiro; pode ser também que o exportador brasileiro venha a entrar em regime de concordata. No primeiro caso (falência) o negócio de exportação provavelmente não se realizará e, desta forma, o banco não receberá as divisas estrangeiras, que não serão pagas pelo importador estrangeiro, que não recebeu a mercadoria. No segundo caso (concordata), independentemente da exportação vir ou não a ser cumprida integralmente, surge em favor do banco o direito à restituição do valor adiantado, não precisando o banco submeter-se à forma de pagamento estabelecida na concordata. 5. A exegese do § 3º, do art. 75, da Lei de Mercado de Capitais que deu ensejo às Súmulas 133 do STJ e 495 do STF pressupõe a falência do exportador e a não entrega do bem, por isso que o Banco que adiantara as somas, nada receberá, ressoando justa a restituição. 6. Diversamente, entregue a mercadoria ou embarcada, o Banco subroga-se no crédito do exportador, arrecadando-se o importe adiantado como bem da massa. Desta sorte, ainda que a instituição pretenda reaver a importância, deverá habilitar-se como credora, haja vista encerar, nesse caso, a operação, negócio semelhante ao mútuo feneratício com cláusula especial de câmbio. 7. Consoante assentado no REsp nº 24.477-1/RS ‘cumpre não valorizar, além do explicitamente previsto, a situação jurídica da instituição financeira, colocando sem limite o pedido de restituição de dinheiro em potencial prejuízo aos créditos privilegiados derivados das relações trabalhistas, previdenciárias ou fazendárias’. 8. Entretanto, como ressaltado pelo Ministro Teori Zavascki: ‘1. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido do reconhecimento do direito à restituição das quantias relativas a adiantamento de contrato de câmbio, tal como previsto no art. 75, § 3º, da Lei 4.728/65, afirmando ainda sua prioridade em relação a quaisquer créditos da massa, porquanto representam, na verdade, dinheiro de terceiro em poder da pessoa jurídica concordatária’ (RESP 533.522/RS, 4ª Turma, Min. Fernando Gonçalves, DJ de 03.11.2003). 2. Segundo a orientação firmada pela Corte Especial no julgamento do RESP 188.148/RS, Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 27.05.2002, a compatibilização entre as regras da não-sujeição dos créditos fiscais ao juízo falimentar e da prioridade na satisfação, em relação a esses, dos créditos trabalhistas faz-se, na hipótese de quebra superveniente à execução, mediante a entrega das somas aí apuradas ao juízo da falência, para que se incorpore ao monte e seja distribuída com observância das preferências e das forças da massa. 3. Trata-se de solução plenamente aplicável ao caso concreto, em que se busca compatibilizar a regra da continuidade do executivo fiscal com a preservação da prioridade absoluta das quantias objeto do direito de restituição (ou, mais precisamente, da viabilidade da satisfação de tal direito, cuja existência pende de certificação, em ação própria, ajuizada perante o juízo da falência). 9. Recurso especial provido para para determinar a reversão dos valores arrecadados na execução fiscal ao juízo falimentar.” (STJ – REsp 365778/RS. Min. LUIZ FUX. Julgamento em 20.09.2005).

102

Antagônico é o caminho dos tribunais,360 que não sujeita tal quantia à

habilitação deste crédito.361 Aliás, sempre consubstanciou hipótese distinta do art.

85, parágrafo único, LRF, não limitada, cabe asseverar, a um lapso temporal.362

Diferentemente da concordata,363 os referidos valores são excluídos da

recuperação judicial e extrajudicial.364 Na falência, provado que o contrato está

rigorosamente de acordo com as normas do BACEN (sob pena de perda do direito e

transformação em crédito quirografário),365 são restituíveis os recursos, com

360 Afirmam os tribunais: “(...) 1. Trata-se de recurso especial interposto pelo Instituto Nacional de Previdência Social -INSS em impugnação a acórdão que, ao deferir pedido de restituição de adiantamento de contrato de câmbio, formulado pelo Banco do Brasil em autos de execução fiscal promovida pelo INSS contra Cicade Industrial de Carnes S/A – Massa falida, determinou a suspensão da execução até o julgamento de ação de restituição pelo Juízo falimentar. 2. É possível que a ação executiva fiscal seja suspensa em razão de exame, no Juízo Falimentar, de pedido de restituição de adiantamento de contrato de câmbio, uma vez que esse crédito, por se constituir em coisa de terceiro, prefere a qualquer outro, inclusive o crédito trabalhista e o fiscal. 3. Precedentes: REsp 533.522/RJ, DJ 03/11/2003; REsp 469.390/RS, DJ 03/11/2003; REsp 109.396/RS, DJ 04/08/2003; REsp 324.482//RS, DJ 06/12/2001; MC 2924/RS, DJ 27/08/2001; REsp 227.708/SC, DJ 1/06/2000 (...).” (STJ - REsp 644.337/RS. Min. JOSÉ DELGADO. Julgamento em 28.06.2005). 361 É o Enunciado nº 307 do STJ: “A restituição de adiantamento de contrato de câmbio, na falência, deve ser atendida antes de qualquer crédito.” Não obstante acima, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul formulou o seguinte enunciado: “20. Em processo de falência o pagamento dos créditos trabalhistas tem prioridade sobre a devolução de valor adiantado ao falido à conta de contrato de câmbio.” 362 Enuncia o nº 133 na Súmula do STJ: “A restituição da importância adiantada, à conta de contrato de câmbio, independe de ter sido a antecipação efetuada nos quinze dias anteriores ao requerimento da concordata.” Em sinonímia com o sumulado: “FALÊNCIA. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES REFERENTES À ANTECIPAÇÃO DE CONTRATO DE CÂMBIO. ADIANTAMENTO EM QUINZENA POSTERIOR AO REQUERIMENTO DA FALÊNCIA. IRRELEVÂNCIA. SÚMULA N. 133, DO STJ. ‘A restituição da importância adiantada, à conta de contrato de câmbio, independe de ter sido a antecipação efetivada nos quinze dias anteriores ao requerimento da concordata’.” (TJESC – Ap. Cível 8520. Des. VANDERLEI ROMER. Julgamento em 27.06.1995). 363 Decidia-se acerca do tema: “Jurisp. Pacífica: art. 76 (JTJ – Volume 175 – Página 14) Concordata. Restituição. Contrato de câmbio. Não equiparação a venda de coisa a crédito. Inexigibilidade da observância dos quinze dias anteriores ao requerimento da concordata” (ASSAN, 2000, op. cit., p. 348). 364 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 220-221. 365 O julgado pormenoriza os aspectos contratuais: “(...) 3. Contrato de câmbio. Adiantamento. Através do contrato de câmbio ‘os bancos que operam com câmbio concedem aos exportadores os Adiantamentos sobre os Contratos de Câmbio (ACC), que consistem na antecipação parcial ou total dos reais equivalentes à quantia em moeda estrangeira comprada a termos desses exportadores, pelo Banco. O ACC poderá ocorrer e desdobrar-se em duas fases. Primeira fase: concessão do adiantamento pelo banco em até 180 (cento e oitenta dias antes) do embarque da mercadoria, caracterizando-se como um financiamento à produção, embora perdendo a desvalorização cambial posterior que possa ocorrer. Segunda fase: a mercadoria já está pronta e embarcada, até 60 após o embarque. Entretanto, poderá o exportador (vendedor) requerer o adiantamento da obrigação do banco - antecipação do pagamento em moeda nacional, que deverá, obrigatoriamente, ser averbado no próprio instrumento do contrato de câmbio’. ‘O Comunicado Bacen/Gecam n. 331, de 01.11.1976, define esta operação, dizendo, em seu art. 45, que o adiantamento sobre o contrato de câmbio configura uma antecipação parcial ou total, por conta do preço em real da moeda estrangeira comprada a termo, pelo Banco negociador’. 4. Deflui da dinâmica do referido contrato que se o negócio de exportação correr normalmente, o banco recebe de volta o valor adiantado, tão logo receba a moeda estrangeira remetida pelo banco do importador estrangeiro. No entanto, pode ocorrer que a exportação não seja efetuada por falência do exportador brasileiro; pode ser também que o

103

conversão da moeda para o câmbio do dia da sentença falimentar, corrigido

monetariamente,366 observado o prazo relativo à operação financeira.367

5.5 O art. 86, III, LRF e a Sua Consolidação Legal

A última modalidade especial é a da restituição dos valores entregues ao

devedor pelo contratante de boa-fé, se revogado ou tornado ineficaz o ato que lhe

deu causa (art. 86, III e 136 da LRF).

Estancada está a celeuma acerca do cabimento ou não de restituição

quando há a perda do bem na decretação de ineficácia ou revogação do contrato

celebrado.368 Aqui não se indaga sobre domínio, já que o pilar protetivo da demanda

é evitar o enriquecimento ilícito da massa ou consolidar o prestígio que devem os

contratantes nutrir nas transações empresariais.369

exportador brasileiro venha a entrar em regime de concordata. No primeiro caso (falência) o negócio de exportação provavelmente não se realizará e, desta forma, o banco não receberá as divisas estrangeiras, que não serão pagas pelo importador estrangeiro, que não recebeu a mercadoria. No segundo caso (concordata), independentemente da exportação vir ou não a ser cumprida integralmente, surge em favor do banco o direito à restituição do valor adiantado, não precisando o banco submeter-se à forma de pagamento estabelecida na concordata. 5. A exegese do § 3º, do art. 75, da Lei de Mercado de Capitais que deu ensejo às Súmulas 133 do STJ e 495 do STF pressupõe a falência do exportador e a não entrega do bem, por isso que o Banco que adiantara as somas, nada receberá, ressoando justa a restituição. 6. Diversamente, entregue a mercadoria ou embarcada, o Banco subroga-se no crédito do exportador, arrecadando-se o importe adiantado como bem da massa. Desta sorte, ainda que a instituição pretenda reaver a importância, deverá habilitar-se como credora, haja vista encerar, nesse caso, a operação, negócio semelhante ao mútuo feneratício com cláusula especial de câmbio. 7. Consoante assentado no REsp nº 24.477-1/RS ‘cumpre não valorizar, além do explicitamente previsto, a situação jurídica da instituição financeira, colocando sem limite o pedido de restituição de dinheiro em potencial prejuízo aos créditos privilegiados derivados das relações trabalhistas, previdenciárias ou fazendárias’. 8. Entretanto, como ressaltado pelo Ministro Teori Zavascki: ‘1. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido do reconhecimento do direito à restituição das quantias relativas a adiantamento de contrato de câmbio, tal como previsto no art. 75, § 3º, da Lei 4.728/65, afirmando ainda sua prioridade em relação a quaisquer créditos da massa, "porquanto representam, na verdade, dinheiro de terceiro em poder da pessoa jurídica concordatária’ (RESP 533.522/RS, 4ª Turma, Min. Fernando Gonçalves, DJ de 03.11.2003). (...).” (STJ - REsp 365.778/RS. Min. LUIZ FUX. Julgamento em 14.09.2004). 366 Sumulou o STJ no Enunciado nº 36: “A correção monetária integra o valor da restituição, em caso de adiantamento de câmbio, requerida em concordata ou falência.” 367 ABRÃO, 2005, op. cit., p. 220. 368 Era o posicionamento na vigência do antigo Decreto-lei n° 7.661/1945: “FALÊNCIA. Revocatória. Restituição. Dívida da massa. O preço pago pelo comprador de imóvel, no negócio declarado ineficaz em relação à massa, é considerado dívida da massa, nos termos do art. 124, § 2º, inc. III, da Lei de Falências (...).” (STJ – REsp 251021/RJ. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR. Julgamento em 24.04.2001). 369 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 376-386.

104

Para Fabio Ulhoa Coelho370 os legitimados do art. 136, LRF, que cogitarem

postular a declaração de ineficácia de certo ato devem avaliar criteriosamente se o

resultado final será negativo ou positivo para a comunhão de credores, tendo em

vista que em certas situações a declaração da ineficácia pode redundar na redução

dos recursos disponíveis na massa para o atendimento dos credores, pois surgirá ao

titular o direito à restituição, que tem natureza de crédito extraconcursal.

Segundo ele, o administrador judicial ou o legitimado que ingressar com o

pedido, ação própria ou revocatória responde por má administração dos interesses

da comunhão de credores se ignorar esse cálculo de custo e benefício. Todavia,

não se pode prestigiar a má-fé em detrimento de equações matemáticas, que na

maioria das vezes não são facilmente vislumbráveis.

5.6 Procedimento

A ação restitutória é um procedimento incidental que afasta o pedido de

reintegração na posse e os interditos, pois a lei falitária prevê instituto específico e a

constrição advém de ato judicial exarado em virtude da quebra do devedor. Tem

feição cognitiva sumária371 e, dependendo da modalidade, será revestido de

natureza real reivindicatória ou de relação obrigacional, nesta caracterizada como

verdadeira ação pessoal restitutória.372

É função jurisdicional decidir se certa mercadoria ou bem integra ou não, a

massa falida.373 Apesar disto, Campinho argumenta que seria útil um procedimento

administrativo, perante o administrador judicial que, com a autorização do juiz, após

oitiva do comitê de credores, pudesse promover a restituição; só suscitando medida

contenciosa em caso de dúvida, para investigação mais detalhada da espécie. Aduz

que a exigência da via judicial não condiz com os princípios da economia e

celeridade processual, pois, muitas vezes ocupa desnecessariamente a máquina

judicial, que poderia se centrar nos demais incidentes ajuizados.374

370 COELHO, 2005, op. cit., p. 247. 371 Ibdem, p. 241. 372 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 375. 373 COELHO, 2005, op. cit., p. 241. 374 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 376.

105

A ação restituitória será distribuída por dependência ao processo da falência,

com autuação em apartado, certificando-se nos autos principais da falência para

conhecimento de todos.375 O art. 87 da LRF apresenta o rito a ser utilizado, que é o

mesmo para todas as modalidades de restituição (representado graficamente o

procedimento na figura 09 - conforme o antigo sistema; na figura 10 sob a égide do

atual sistema).

FIGURA 09

375 ABRÃO, 2005, op. cit., p. 222.

Restituição Arts. 76 e 77, LF c.c Art. 282, CPC

Edital de Quebra Art. 14, LF

Arrecadação Art. 70, LF

Falido

Síndico

Contestação Credores

Produção de Provas

AIJ Art. 77, § 3º, LF

Sentença Art. 88, LF

3 dias 3 dias 5 dias

Art. 77, § 1º, LF

Apelação

Indisponibilidade do Bem Art. 78, LF

Inclusão do Crédito

Art. 77, § 3º, LF

Sem Contestação

Devolução do Bem

MP

106

FIGURA 10

Embora a lei atual não o diga expressamente,376 o pedido inicial pode ser

feito a qualquer tempo,377 por óbvio até o encerramento da falência. Indispensável

ajuizamento por advogado, seguindo as regras gerais do art. 282, CPC, com

endereçamento ao juízo falimentar, pois a competência para a matéria é absoluta,

inclusive se o bem for de propriedade da União, por inaplicabilidade do art. 109,

CRFB/1988.378

Antes do Decreto-lei n° 7.661/1945 o legitimado ativo era chamado

reivindicante ou credor de domínio. O rol da LRF é bem mais amplo: o proprietário

na restituição ordinária; o vendedor, não obstante tenha feito a tradição da

376 PACHECO, 2005, op. cit., p. 225. 377 Nesta linha de raciocínio: “RECURSO ESPECIAL. FALÊNCIA. PEDIDO DE HABILITAÇÃO DE CRÉDITO ANTERIOR AO PEDIDO DE RESTITUIÇÃO. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. INEXISTÊNCIA. O pedido de habilitação de crédito não impede que seu autor, renunciando a tal pedido, requeira a restituição do bem ou do valor a ser habilitado (...).” (STJ – REsp 410363/SP. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS. Julgamento em 18.04.2006). 378 Não é destoante o seguinte julgado: “Competência. Falência. Pedido de restituição. Agravo interposto por autarquia federal. Tribunal Regional Federal não e competente para julgar recurso de decisão proferida por juiz estadual não investido de jurisdição federal, a teor da Súmula nr. 55/STJ. Conflito conhecido, declarando-se a competência do E. Tribunal de Justiça suscitado.” (STJ - CC 14680/PR. Min. PAULO COSTA LEITE. Julgamento em 08.11.1995).

Restituição Arts. 85 ao 87,

LRF c.c Art. 282, CPC

Edital de Quebra Art. 99, LRF

Devolução do Bem Art. 88, LRF

Arrecadação Art. 108, LRF

Julgamento Antecipado da Lide ou Saneamento do Feito

Falido

Comitê

Credores

Produção de Provas

AIJ, se necessária

Sentença

Art. 88, LRF

5 dias 5 dias 5 dias

Art.87, §1°, LRF

Apelação

Indisponibilidade do Bem Art.91, LRF

Inclusão no QGC Art. 89, LRF

5 dias Adm.

Judicial

107

mercadoria (art. 85, parágrafo único); o fornecedor do adiantamento do contrato de

câmbio; aquele que por lei ou por contrato tem direito a reaver ou obter a coisa, que

está em poder da massa.379

Cabe ao autor individualizar a coisa reclamada na peça exordial, sem

prejuízo da fundamentação do pedido em uma das hipóteses legais (arts. 85 e 86,

LRF), esclarecendo mediante provas precisas: se o bem foi arrecadado e se consta

do inventário, se está em poder do falido, ainda que não tenha sido arrecadado ou

na detenção ou posse imediata não-própria da massa.380

Assim, instruir-se-á com fotocópias do auto de arrecadação, bem como da

prova do direito real ou contratual sobre o bem; das notas fiscais e comprovantes de

entrega de mercadorias se o pedido for baseado no art. 85, parágrafo único, da LRF;

no pedido formulado de acordo com o art. 86 deste diploma legal, dos documentos

em que se funda o direito.

Ad cautelam, o reclamante também deve formular requerimento de inclusão

no quadro-geral de credores, se entender o juiz pela denegação da ação restitutória,

o que torna desnecessária a habilitação do eventual direito de crédito.

Tecnicamente, estará o requerente formulando pedido sucessivo381 na forma do art.

289 do CPC, na qual o juiz somente acatará o segundo pedido se indeferir o

primeiro.

Para assegurar a participação em eventuais rateios realizados e afastar a

penalidade do art. 10, §3º, LRF,382 convém requerer, ainda, reserva do crédito sobre

o objeto discutido ao juiz, por aplicação analógica do art. 6º §3º, LRF. Isto porque

podem ser alienados bens da massa com o pagamento aos credores concursais,

não sobrando qualquer valor para satisfação daquele que teve improcedência na

restituição, mas cujo crédito foi reconhecido.383

O juiz determinará, se for o caso, emenda da peça vestibular no prazo de 10

dias, sob pena de rejeição liminar do pedido (art. 189, LRF).384 Por outro lado, o

379 PACHECO, 2005, op. cit., p. 220-221. 380 Ibdem, p. 221. 381 Cumulação em sentido amplo, eventual ou subsidiária, quando o autor formula dois (ou mais) pedidos, sendo certo que, nesta hipótese, o segundo pedido só será apreciado se o primeiro for julgado improcedente (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 9. ed. V. 1, 2. tir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 322). 382 A LRF, art. 10, estabelece: “(...) §3º Na falência, os créditos retardatários perderão o direito a rateios eventualmente realizados e ficarão sujeitos ao pagamento de custas, não se computando os acessórios compreendidos entre o término do prazo e a data do pedido de habilitação.” 383 NEGRÃO, 2005, op. cit., p. 137. 384 ABRÃO, 2005, op. cit., p. 221.

108

procedimento é de cognição sumária,385 que na sua estreita limitação legal, deve ser

exercida com a máxima prudência pelo juiz, pronunciando-se contra o pedido de

restituição e a favor da massa dos credores, em caso de dúvida.386 Logo, não pode

ser convolada esta sede processual em habilitação de crédito, conforme já decidido

pelos tribunais.387

O primeiro despacho do juiz no pedido restitutório,388 torna indisponível o

bem reclamado, ou seja, é vedada a sua alienação até que haja uma sentença

definitiva. O comando tem duplo efeito, tanto a massa como o interessado, nenhum

dos dois poderá realizar ato de disposição, haja vista restrição cogente impeditiva de

venda, cessão ou transferência do bem,389 exceto se perecíveis, deterioráveis, etc.

(art. 113, LRF).390

Intimar-se-á o falido, comitê, credores e administrador judicial para se

manifestarem sucessivamente,391 no prazo de cinco dias para cada um (pela LF, o

prazo era de 3 dias), começando a fluência a partir da juntada nos autos do

respectivo mandado. Nada obsta formação de litisconsórcio passivo facultativo, mas

considerando a pluralidade de credores, o prazo poderá se tornar elástico e

prejudicial à restituição, exceto se estes forem cientificados por edital, caso contrário

não se poderá computar o prazo, isolada e individualmente, em relação aos demais

interessados.392

Mister frisar que o juiz deve ter extrema prudência no exame de eventuais

pedidos de dilação de prazo para manifestação, objetivando não cercear a

apresentação de defesa por parte dos outros intimados.393 A resposta contrária das

pessoas acima mencionadas será recebida como contestação.

385 COELHO, 2005, op. cit., p. 241. 386 LACERDA, 1999, op. cit., p. 149. 387 Julgado pertinente ao tema: “Empresarial. Pedido de restituição formulado em face de empresa falimentar que atuava no mercado de distribuição de títulos e valores mobiliários. Convolação em habilitação de crédito. Impossibilidade. Patrimônio de terceiros. Inteligência do artigo 76 do Decreto-lei nº 7.661/45 (...).” (TJERJ – Ap. Cível 2005.001.29901. Des. HELENA BELC KLAUSNER. Julgamento em 06.12.2005). 388 PACHECO, 2005, op. cit., p. 225. 389 ABRÃO, 2005, op. cit., p. 225. 390 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 227. 391 ULHOA (2005, op. cit., p. 242): “Quando a lei fala em sucessão dos prazos, isso significa que cada parte terá o seu prazo para manifestação iniciado no dia seguinte ao término do anteriormente aberto, sem que se promova novo ato de cientificação ou intimação. Assim, o juiz intima a todos conjuntamente, mas o administrador judicial só fala nos 5 dias seguintes ao término do prazo dado aos credores; estes, nos 5 dias seguintes ao Comitê, e assim por diante.” 392 ABRÃO, 2005, op. cit., p. 222. 393 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 223-224.

109

Deve o falido informar, sempre que possível, se o título, alegado ou

demonstrado pelo requerente é verdadeiro, ilegítimo ou nulo; se, ainda que

autêntico, o autor já havia perdido o direito alegado, por alguma causa extintiva; se a

propriedade invocada pelo requerente pertence a outra pessoa; se adquiriu ou

obteve a coisa de outrem e, neste caso, chamá-lo a autoria; se detinha a coisa de

boa-fé, em nome alheio, a qualquer título, nomeando à autoria o verdadeiro

possuidor; se detinha a coisa ou a possuía por legítimo direito, que sobre ela

adquiriu; se é seu verdadeiro e único proprietário, juntando o respectivo título de

propriedade; se está prescrita a ação; se fez, na coisa, benfeitorias necessárias ou

úteis, sem oposição do requerente, especificando-as e estimando-as (art. 104,

LRF).394

O administrador judicial diante da informação do falido, e tendo em vista as

faturas, documentos, livros, inventários e papéis da massa falida, inclusive certidões

do registro competente, se houver, dará, no prazo, o seu parecer, opinando pela

procedência ou não do pedido.395

Decerto, quando o valor for elevado e seguro do pedido, o administrador

judicial pode reconhecê-lo de forma expressa (se sua manifestação foi isolada), com

vistas a elidir eventual sucumbência em desfavor da massa.396

Ao contrário da LF, a lei novata dispensa a intervenção do MP. Entretanto,

além do interesse público, é imprescindível sua participação para facilitar a apuração

do crime falimentar;397 e, ainda, a critério do juízo, convocar-lhe à manifestação, cujo

parecer sobrevirá às contestações apresentadas.398

Suprimido o prazo de vinte dias para instrução pela LRF. Não obstante

eventual contestação, pode o juízo deferir tutela antecipada, porém a matéria

probatória será devidamente especificada e fundamentada, com supedâneo no

CPC.399

Apesar desta ação seguir a sistemática do rito ordinário de forma subsidiária,

descabe a realização de audiência preliminar, uma vez que não é facultado às

394 PACHECO, 2005, op. cit., p. 222. 395 Ibdem. 396 ABRÃO, 2005, op. cit., p. 224. 397 NEGRÃO, 2005, op. cit., p. 136. 398 ABRÃO, 2005, op. cit., p. 222. 399 Ibdem.

110

partes transacionar sobre o direito de restituição,400 ou seja, não pode haver nenhum

tipo de acordo, eis que não é possível devolução amigável pelo administrador

judicial.401

Mesmo que não contestado o pedido, o juiz pode determinar a produção de

provas.402 Por conseguinte, ele julgará antecipadamente o feito se não houver

necessidade desta;403 caso contrário, saneará, determinará a produção das provas

requeridas e designará audiência de instrução e julgamento, se necessária (art. 189,

LRF e art. 331, CPC).404 Recomendáveis alegações finais apenas se houver a dita

instrução.405

5.7 Sentença e Recursos

Trata-se de sentença mandamental (art. 88, LRF),406 que obedece as regras

gerais contidas no art. 458 do CPC. O juiz estabelecerá a restituição do bem

pleiteado se julgar procedente,407 expedindo-se alvará de liberação em 48 horas ou

pagamento em dinheiro.

Destoante do antigo sistema, a lei atual não prevê especificamente a

restituição da coisa sub-rogada, mas a aplicação de interpretação sistemática

permite tal entendimento.408

400 Ao comentar as normas gerais acerca da audiência preliminar (art. 331, §3º, CPC), assevera Barbosa Moreira sobre a possibilidade do juiz afastá-la: “Parece-nos que o texto contém duas prescrições distintas: a primeira afasta categoricamente o cabimento da audiência preliminar, sempre que indisponível o direito controverso; a segunda deixa ao órgão judicial uma alternativa entre realizar ou não a audiência – mudança que nos interessa particularmente, como sinal de ampliação do poder de dirigir o processo.” (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Reformas Processuais e Poderes do Juiz. Revista Jurídica, Porto Alegre, 2003, Ano 51 – n. 306, p. 12 – grifos nossos). 401 Minoritariamente BEZERRA FILHO leciona que a conciliação é imaginável em casos especialíssimos, sendo obrigação do juiz justificar detalhadamente a conveniência de tal designação (BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 224). 402 Ibdem, p. 225. 403 No antigo sistema os tribunais já adotavam as regras instrumentais do CPC: “(...) Não havendo prova a ser produzida em audiência, pode ser feito o julgamento antecipado da lide, adaptando-se o que dispõe a Lei de Falências ao sistema introduzido pelo vigente Código de Processo Civil (...).” (STJ – REsp 27017/RJ. Min. EDUARDO RIBEIRO. Julgamento em 09.08.1993). 404 ABRÃO, 2005, op. cit., p. 222. 405 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 225. 406 PACHECO, 2005, op. cit., p. 223. 407 A minudência do bem é obrigatória, senão vejamos: “(...) A segunda parte, no entanto, não atendeu aos requisitos da lei 11.101/2005, que determina que a restituição deva ser fundamentada e descrito o imóvel a ser devolvido, requisitos ausentes da decisão recorrida (...).” (TJERJ – Ag. Instrumento 2005.002.09324. Des. RAUL CELSO LINS E SILVA. Julgamento em 09.11.2005). 408 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 228.

111

Incumbe ao titular do direito à restituição ressarcir a massa ou a quem tiver

suportado as despesas incorridas com a conservação da coisa reclamada, facultado

condicionar a entrega ao ressarcimento do devido409 pelo preço de mercado,410 que

compreende as despesas comprovadas relativas a reparos, consertos, guarda,

depósito, armazenagem, manutenção e todas aquelas necessárias ou úteis para

conservá-la em bom estado.411

Se os ditos bens foram vendidos, observar-se-ão as seguintes regras:

a. na alienação pelo devedor antes da quebra não cabe restituição. A massa

falida é terceira no tocante à relação jurídica entre o terceiro e o devedor, não

podendo arcar com a responsabilidade dos atos, culposos ou dolosos, praticados

antes da quebra e que resultaram no desaparecimento do bem.412 Se constado

direito de crédito, o juiz incluirá o reclamante no QGC.

b. pela massa e após a arrecadação,413 porque foi alienado, roubado, furtado

ou se perdeu.414 Aplica-se o art. 86, I, LRF, pagando-se o valor da avaliação ou o

preço da venda se esta ocorreu. Nada impede que o juiz estabeleça seja entregue

ao prejudicado, se possível, o valor da avaliação do bem, ainda que indireta

(avaliação feita judicialmente). Outrossim, faculta-se ao reclamante intervir na

venda, na qualidade de interessado, para evitar a alienação por preço vil, que virá

trazer-lhe prejuízo no momento do recebimento do preço.415

Quando o bem for indevidamente alienado pela massa falida ou nas demais

hipóteses do art. 86 da LRF, a restituição será feita em dinheiro (importâncias

extraconcursais prioritárias), havendo rateio proporcional entre os diversos

requerentes de restituição, se não existir saldo suficiente para o pagamento

integral,416 com vistas a atender a finalidade e preservar a higidez do crédito.417

409 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 386-387. 410 ABRÃO, 2005, op. cit., p. 226. 411 PACHECO, 2005, op. cit., p. 226. 412 NEGRÃO, 2005, op. cit., p. 132. 413 Sustenta o autor aqui referido que a inexistência do bem deve ser verificada entre a data do pedido de restituição e o momento posterior da efetiva restituição (BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 218). 414 COELHO, 2005, op. cit., p. 241. 415 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 219. 416 Já decidiu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal: “COMERCIAL. PROCESSO CIVIL. FALÊNCIA. RESTITUIÇÃO DE CRÉDITO. LEI DE FALÊNCIAS ART. 78, § 3º. PROVIMENTO DO RECURSO. 1. Nos termos do art. 78, § 3º, da Lei de Falências, o pedido de restituição em dinheiro deve ser atendido mediante rateio entre os habilitados na mesma classe, se a massa não dispõe de saldo para atender de outro modo (...).” (TJDFT – Ap. Cível 20010150046904APC. Des. ESTEVAM MAIA. Julgamento em 13.03.2006). 417 ABRÃO, 2005, op. cit., p. 224.

112

As restituições em pecúnia serão corrigidas monetariamente,418 intentando o

legislador impedir qualquer desvalorização.419 Não inclusos, ao revés, eventuais

juros, na esteira geral do art. 124, LRF.420

Imperioso salientar que tais restituições são as primeiras a receber, salvo os

credores mencionados nos arts. 150 e 151 da LRF (art. 86, parágrafo único, LRF),

desde que as antecipações advindas do primeiro artigo, não prejudique o

adimplemento da restituição e créditos extraconcursais, a fim de evitar a frustração

daqueles pagamentos que o precede.421

Obedecidos aos artigos supra mencionados, nada impede que a restituição

em dinheiro seja feita independentemente da confecção do QGC, o que agiliza o

andamento processual e caminha no sentido da efetividade da jurisdição, até porque

não está se trata de habilitação e sim a retomada de um bem que não deveria ter

sido arrecadado. Mas, na prática, o pagamento acaba sendo feito logo que formado

o quadro.422

Caso entenda pela denegação do pedido, pode o juiz incluir o requerente no

QGC quando reconhecer que este tem direito de crédito em face da massa falida,

apontando a classificação que lhe couber (art. 89 da LRF), dispensada habilitação

ou qualquer outra demanda.

O dispositivo resultou de criação pretoriana e é desdobramento do princípio

da igualdade entre os credores.423 Se houver elementos suficientes, a sentença

obrigatoriamente o fará,424 ante a fungibilidade característica da conotação de

crédito, atendendo aos princípios da instrumentalidade, economia e celeridade

processuais.425

418 A regra tornou-se corrente, mesmo na antiga LF: “(...) Já se firmou nesta corte o entendimento de que, em falência ou em concordata, e cabível a correção monetária com base na Lei 6899/81, inclusive quando se trata de restituição de mercadoria pelo equivalente em dinheiro, ou restituição de quantia adiantada em decorrência de contrato de câmbio (...).” (STF - RE 112318/RS. Min. MOREIRA ALVES. Julgamento em 13.10.1987). Também: “(...) O pagamento do preço da mercadoria já utilizada pelo concordatário tem o caráter de dívida de valor, sendo devida a correção monetária a partir da data da entrega do bem. Mantida, no caso, a vigência estabelecida pelo acórdão recorrido (Lei 6.899/81), (...).” (STF – RE 104616/SP. Min. OCTAVIO GALLOTTI. Julgamento em 18.06.1985). 419 ABRÃO, 2005, op. cit., p. 219. 420 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 219. 421 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 387. 422 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 217-227. 423 ABRÃO, 2005, op. cit., p. 224. 424 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 227. 425 ABRÃO, 2005, op. cit., p. 224.

113

As custas e despesas processuais correm às expensas do autor da ação,

mas na apresentação de contestação, o juiz condenará o sucumbente ao

pagamento dos honorários de advogado (art. 88, parágrafo único, LRF).426 Pouco

importa saber se a oposição foi apresentada por credor, comitê, administrador

judicial ou MP.427 A lição relevante de Bezerra Filho aponta que massa só deve

responder por estes custos, caso a defesa tenha advindo do administrador

judicial.428

A sentença proferida no pedido de restituição é, de forma excepcional,

apelável sem efeito suspensivo, na forma do art. 513 do CPC, conforme o que

dispõe o art. 90 da LRF.

Frise-se que a suspensão da disponibilidade do bem só termina quando não

mais houver recurso cabível, com o trânsito em julgado da sentença,429 salvo

permissão no mesmo dispositivo de execução provisória da sentença, que possibilita

ao requerente receber o bem ou quantia reclamada antes do trânsito em julgado da

sentença, desde que prestada caução (arts. 90, parágrafo único e 91, caput, LRF

c.c. art. 475-O, CPC - Lei n° 11.232/2005).

426 Era assim no antigo diploma: “Honorários de advogado no processo falimentar. Em se tratando de embargos de terceiro ou pedidos de restituição contestados pelo síndico, são devidos os honorários da sucumbência, vencida a massa, em exceção ao sistema da lei especial (...).” (STF - RE 92606/RJ. Min. CORDEIRO GUERRA. Julgamento em 02.12.1980). Também: “(...) Ainda que concordando com o pedido de restituição de coisas, se a parte ré põe-se a que ele seja atendido em pecúnia, resiste parcialmente ao feito, razão pela qual, havendo sucumbência recíproca entre as partes, deve arcar com os honorários advocatícios, na proporção de sua derrota.” (STF - RE 35893/SP. Min. NANCY ANDRIGHI. Julgamento em 24.05.2001). Concernente à forma de recebimento destes honorários: “PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. MASSA FALIDA. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUJEIÇÃO AO CONCURSO DE CREDORES. PRECEDENTE. 1. Cuida-se de recurso especial interposto pelo INSS contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, segundo o qual os honorários advocatícios, decorrentes do pedido de restituição, devem ser habilitados na classe dos créditos com privilégio especial. Inconformado, o INSS interpõe recurso especial no qual alega negativa de vigência do § 7º do art. 77 do Decreto-lei 7.661/45. Sustenta, em síntese, que a verba honorária devida pela massa falida, arbitrada em razão do deferimento do pedido de restituição de contribuições previdenciárias descontadas dos empregados e não repassadas ao cofres públicos não deve ser objeto de habilitação de crédito nos autos de falência. Contra-razões (fls. 252/257) pugnando pela mantença do julgado impugnado. 2. A 1ª Turma deste Tribunal quando do julgamento do REsp 666351/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 26/09/2005, dediciu: ‘Os juros de mora e os honorários advocatícios oriundos da sucumbência da massa na ação de restituição, posto não decorrerem de obrigação de terceiro, mas do inadimplemento do dever do responsável tributário de repassar à autarquia as contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados, contribuintes da exação, não se subsumem ao regime da restituição’ (...).” (STJ – REsp 861390/RS. Min. JOSÉ DELGADO. Julgamento em 05.10.2006). 427 NEGRÃO, 2005, op. cit., p. 137. 428 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 225. 429 PACHECO, 2005, op. cit., p. 225.

114

Será plausível mediante garantia real ou fidejussória, correspondente com o

que for restituído, mantendo congruência e harmonia, inclusive para não causar

dano à massa, se por ventura houver reforma da decisão. Custos excessivos

desaconselham a medida, por não integrar o ativo e competir ao titular essa função

em relação à coisa restituenda.430

430 ABRÃO, 2005, op. cit., p. 225.

115

“O art. 93 da nova Lei não repete a lei anterior

nos pontos em que merecia sérias críticas dos

comentadores. Limitou-se a facultar os

embargos de terceiro, com observância da

legislação processual civil nos casos em que

não couber pedido de restituição”

(PACHECO, 2005, op. cit., p. 227).

116

6 EMBARGOS DE TERCEIRO: É O FIM DA CONTROVÉRSIA?

6.1 Natureza dos Embargos de Terceiro no Processo Falimentar

Os embargos, como instrumento processual para obstar ou impedir os

efeitos de um ato ou decisão, tem gênese no direito lusitano reinol, sem qualquer

antecedente conhecido, seja no direito romano, germânico, canônico ou outro

ordenamento jurídico da civilização ocidental.431

Remonta do Decreto n° 917/1890 a previsão em legislação falimentar dos

embargos de terceiro, remédio protetivo do domínio e da posse contra atos de

constrição judicial decorrentes do processo falimentar.432

Convém esclarecer que no art. 79 do Decreto-lei nº 7.661/1945, havia a

menção de que eram cabíveis embargos de terceiro na falência por aquele que

fosse turbado ou esbulhado na sua posse ou direito sobre bem indevidamente

arrecadado ou seqüestrado.433 Tal regra era muito discutida na doutrina, pois alguns

doutrinadores defendiam que o prejudicado poderia optar entre ajuizar embargos ou

restituição.

Pela nova sistemática, os embargos de terceiro falimentares, que seguirá o

procedimento previsto no art. 1.046 ao 1054 do CPC, na forma do art. 93, LRF,

passam a ser a via de exceção, isto é, só será utilizado nos casos em que não for

possível o ajuizamento de ação restitutória (ver figura 11 que retrata o Decreto-lei n°

7.661/1945 e a figura 12, que traz o procedimento à luz do novel sistema).

431 TUCCI, José Rogério Cruz e. Embargos de Terceiro: Questões Polêmicas. Revista Jurídica, Porto Alegre, 2004, Ano 52 – n. 322, p. 30. 432 PACHECO, 2005, op. cit., p. 226-227. 433 Julgado sob esta norma: “(...) Embargos de Terceiro. Falência. Arrecadação. Propriedade industrial. Marca. Concessão de seu uso. As partes não discordam quanto ao fato de que a autora é titular da marca e que, mediante contrato, por tempo indeterminado, cedeu sua utilização para a ré. Falindo esta, resolveu romper o contrato, notificando-a. Poderia fazê-lo porque é titular da marca. Indiferente à solução do litígio o fato de a marca constar da denominação social da empresa concessionária do seu uso, porque tal singularidade não a torna titular da marca que continua a pertencer à autora (...)” (TJERJ – Ap. Cível 2000.001.14092. Des. GUSTAVO KUHL LEITE. Julgamento em 19.12.2000).

117

FIGURA 11

FIGURA 12

Embargos de Terceiro

Art. 93, LRF c.c Art. 282, CPC

Edital de Quebra Art. 99, LRF

Devolução do Bem Art. 88, LRF

Arrecadação Art. 108, LRF

Sentença Art. 88, LRF

Apelação

Indisponibilidade do Bem Art.91, LRF

Art. 1046, usque, CPC

Embargos de Terceiro

Art. 79, §1º, LF c.c Art. 282, CPC

Edital de Quebra Art. 14, LF

Devolução do Bem Art. 77, § 6º, LF

Arrecadação Art. 70, LF

Sentença

Apelação

Indisponibilidade do Bem Art.78, LF

Art. 1046, usque, CPC

118

Definidos os embargos de terceiro como a demanda, que dá origem a

processo de conhecimento de procedimento especial, através da qual se busca

excluir bens do demandante da apreensão judicial determinada em processo de que

ele não é sujeito,434 convém delimitar a sua nova abrangência falimentar.

A doutrina recente o vislumbra como meio processual de proteger a posse

ameaçada (turbação) ou perdida definitivamente (esbulho). Diferente da restituição,

o embargante prescinde da condição de proprietário, bastando ser possuidor direto

ou indireto, ou titular do direito real ou pessoal, incidente sobre a coisa.435

6.2 Hipóteses de Cabimento

Protege-se o locatário,436 credor pignoratício, as benfeitorias que permitem

retenção, direitos imateriais, marcas de indústria,437 etc.438 Alguns autores

especificam que se a falida é sociedade empresária limitada ou anônima, não

haverá espaço para os embargos de terceiros, pertinentes somente para empresário

individual439 ou sócio ilimitadamente responsável, ou seja, participantes de tipos

societários menores.440

Especificamente em relação ao empresário individual, cujo patrimônio é uno

e indivisível, serão arrecadados não só os bens que integram o estabelecimento,

mas também aqueles que não são direta ou indiretamente envolvidos no exercício

434 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 5. ed. V. 3, 2. tir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 485. 435 ABRÃO, 2005, op. cit., p. 227. O autor é seguido por: CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 377; PACHECO, 2005, op. cit., p. 227; COELHO, 2005, op. cit., p. 240-250. Há quem sustente que dois são os critérios: 1. ser ou não processualmente cabível; 2. conveniência na escolhe mais viável à satisfação do direito (BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 227). 436 Aponta-se um exemplo ditado julgado a seguir: “(...) Quem exerce o comércio em prédio que lhe foi locado pela falida tem legitimidade para opor embargos de terceiro contra o ato de arrecadação do imóvel, impedindo o prosseguimento da atividade empresarial (...).” (STJ – REsp 579490/MA. Min. ARI PARGENDLER. Julgamento em 20.09.2005). 437 ABRÃO, 2005, op. cit., p. 227. 438 Hipótese ventilada jurisprudencialmente: “(...) Procedem os embargos de terceiro opostos pelos adquirentes do imóvel, no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, não atingindo a garantia hipotecária do financiamento o terceiro que comprou de boa-fé, que responderá apenas pelo seu débito (...).” (STJ – AgRg no Ag 534872/GO. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR. Julgamento em 01.04.2004). 439 Empresário individual ou unipessoal é a pessoa física que explora empresa e exercente de atividade econômica (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. V. 1. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 64). 440 COELHO, 2005, op. cit., p. 251.

119

da atividade profissional, excetuados os bens legalmente excluídos.441 Daí surge

problema que se torna factível na falência para aquele casado pelo regime da

comunhão parcial ou universal de bens.442

Na falência a meação deve ser verificada e arrecadada em caráter global para

todos os bens, bem como há presunção relativa do benefício no exercício regular da

atividade profissional e de que foram dívidas contraídas em benefício da família,443

devendo por elas responder o patrimônio comum.444

A jurisprudência vinha entendendo que o isolamento da meação do cônjuge

não signatário da obrigação,445 ocorreria quando a dívida assumida pelo outro não

fosse em benefício do casal,446 cabendo ao reclamante que deseja obter o

reconhecimento da incomunicabilidade, provar que não compartilhou das vantagens

do ato,447 pois os interessados são alheios aos fatos porventura ocorridos no lar

conjugal.448

441 Sobre os bens excetuados pela lei: “EMBARGOS DE TERCEIRO. Acolhimento em primeiro grau o fim de declarar insubsistente a arrecadação do bem imóvel da embargante. Decisório que merece subsistir. Ora apelada que reside no imóvel em causa com um neto. Incidência, no particular, do artigo 1º da Lei n. 8.009/90. Bens absolutamente impenhoráveis que, ademais, não são compreendidos na falência (artigo 41 do Decreto-lei n. 7.661/45). Apelo não provido.” (TJESP – Ap. Cível 273.659-4/9. Des. PAULO DIMAS MASCARETTI. Julgamento em 20.04.2004). 442 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 388. 443 Cite-se jurisprudência que afasta a presunção relativa: “MULHER CASADA. EMBARGOS DE TERCEIRO NOS AUTOS DE FALÊNCIA DO MARIDO. MEAÇÃO. Prova, reconhecida pela sentença e pelo acórdão recorrido, de que a dívida contraída pelo marido não beneficiou a família. Vícios processuais não configurados recurso extraordinário não conhecido.” (STF – RE 72016/PI. Min. LEITAO DE ABREU. Julgamento em 07.09.1977). 444 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 390. 445 Acerca da temática em comento: “Embargos de terceiro intentados por mulher casada em defesa de sua meação. Comerciante individual, que teve a sua falência decretada. A presunção e a de que as dívidas contraídas pelo falido o foram em benefício da família, cabendo a mulher elidir essa presunção (...).” (STJ - REsp 58854/SP. Min. NILSON NAVES. Julgamento em 30.05.1995). 446 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 389. 447 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito de Família. V. 2, 37 ed. rev. e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 202. É o deslinde jurisprudencial do tema: “APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA SOBRE BEM INTEGRANTE DA MEAÇÃO. Situação em que o cônjuge da embargante era sócio e avalista da empresa, que esteve em regime de concordata e de falência. Caso em que a autora não comprovou a ausência de proveito econômico advindo da referida garantia. Ônus que lhe competia, segundo a jurisprudência do STJ (...).” (TJERS – Ag. Instrumento 70010605624. Des. UBIRAJARA MACH DE OLIVEIRA. Julgamento em 21.09.2005). Julgado similar: “EMBARGOS DE TERCEIRO. Oposição por mulher casada visando excluir sua meação arrecadada na falência do marido. Inadmissibilidade. Hipótese de comerciante individual. Impossibilidade de estabelecer distinção entre os seus bens particulares e os bens da pessoa jurídica. Dívidas contraídas pelo marido, ademais, em benefício da própria família. Embargos improcedentes. Recurso não provido.” (TJESP – Ap. Cível 213.799-1. Des. SOUSA LIMA. Julgamento em 06.04.1994). 448 CAMPINHO, 2006, op. cit., p. 390.

120

Mantido incólume o direito do meeiro e havendo bens indivisíveis, poderão

ser liquidados na falência, entregando-se a metade do preço alcançado ao consorte

protegido.449

6.3 Procedimento

Como verdadeira ação de intervenção, não se confunde com os interditos

nem é uma espécie deles,450 veiculam os embargos de terceiro, tanto a ação de

manutenção, quanto à sede de reintegração de posse e, ainda, a ação de terceiro

turbado ou esbulhado no exercício de direito real ou pessoal vinculado a

determinado bem.451

Serão processados em autos apartados como incidente para ato indevido

proveniente de arrecadação ou medida constritiva de seqüestro decretado de

ofício,452 cuja competência é funcional e absoluta do juízo que determinou a

449 Ibdem, p. 391. Para corroborar: “Embargos de terceiro. Mulher casada. Meação. Bem indivisível. Praceamento do bem em sua totalidade. Entrega da metade do preço alcançado ao cônjuge-meeiro. O bem que não comporte cômoda divisão será levado por inteiro à hasta pública, entregando-se a metade do preço alcançado ao cônjuge-meeiro, após o praceamento. Hipótese em que se deu por preservada a meação da mulher, pois a constrição do bem decorreu de aval prestado pelo marido sem nenhum benefício para a sua mulher (...).” (STJ – REsp 171275/SP. Min. CESAR ASFOR ROCHA. Julgamento em 01.09.1998). 450 PACHECO, 2005, op. cit., p. 227. 451 VALVERDE, 1999, op. cit., p. 70. 452 ABRÃO, 2005, op. cit., p. 227. Os embargos de terceiro afastam o ajuizamento de outras medidas: “Agravo de instrumento. A falência é a execução coletiva de comerciante insolvente. A defesa de terceiros, em relação a bens constritos, por ato de arrecadação no juízo falimentar, deve ser deduzida através da ação incidental prevista pelos arts. 1.046 e seguintes do Cód. Proc. Civil, cuja fase cognitiva, propiciará aos interessados ampla discussão sobre o direito esgrimido. O âmbito estreito do recurso de agravo não comporta a amplitude de defesa que a norma constitucional assegura à cidadania. O agravo de instrumento não é substituto dos embargos de terceiro, remédio processual adequado à espécie.” (TJERJ – Ag. Instrumento 1996.002.02058. Des. LUIZ CARLOS MOTTA. Julgamento em 30.10.1996). Ainda: “FALÊNCIA. Arrecadação, pelo síndico, de bens apreendidos em benefício de credor da rima que veio a falir. Mandado de segurança objetivando tornar sem efeito a arrecadação. Meio processual impróprio, nos termos do art. 79 da Lei de Falências, que prevê expressamente a via de embargos de terceiro para o fim colimado pelo impetrante (...).” (STF - RE 87255/RJ. Min. CUNHA PEIXOTO. Julgamento em 05.02.1980). Concernente ao seu descabimento: “APELAÇÃO CÍVEL. FALÊNCIA. EMBARGOS DE TERCEIRO. PROTESTO CONTRA ALIENAÇÃO DE BENS. AUSÊNCIA DE CONSTRIÇÃO JUDICIAL. CARÊNCIA DE AÇÃO. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 867 E 1046 DO DIPLOMA PROCESSUAL. PRECEDENTES. Não havendo qualquer apreensão judicial do patrimônio, sem existir qualquer turbação ou esbulho à posse da embargante, não há falar-se em cabimento da ação de Embargos de Terceiro, pois falta à autora uma das condições da ação: interesse processual. Preliminar ministerial acolhida para reconhecer a carência de ação, julgando extinto o feito, sem julgamento do mérito, com

121

ordem,453 portanto, inderrogável.454 O seu cabimento é possível enquanto perdurar

a eficácia da decisão judicial tida como prejudicial ao terceiro.455

É mister afirmar que o legitimado ativo ad causam será aquele que, não

figurando como parte na demanda de natureza falimentar, for molestado em sua

posse.456

a manutenção do ônus sucumbencial.” (TJERS – Ap. Cível 70010127744. Des. ARTUR ARNILDO LUDWIG. Julgamento em 19.10.2005). Por fim: “PROCESSUAL. MANDADO DE SEGURANÇA. FALÊNCIA. ARRECADAÇÃO DE BENS. DESCABIMENTO NOS TERMOS DA SÚMULA 267 DO STF ORDEM DENEGADA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. DEC.-LEI 7.661/21/6/45 ART. 79 E LEI 1533/31/12/51 ART. 5o., II. Não se admite mandado de segurança contra arrecadação de bens em massa falida, visto existir recurso próprio previsto na Lei de Falências, os embargos de terceiro, com possibilidade, inclusive, de liminar.” (TJESC – MS 8832. Des. AMARAL E SILVA. Julgamento em 27.06.1995). 453 Mutatis Mutandis, é a jurisprudência: “PROCESSO CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. MEDIDA LIMINAR. JUÍZO TRABALHISTA E JUÍZO FALIMENTAR. Ação de execução da qual não é parte a massa falida e na qual, segundo alega, foi penhorado bem de sua propriedade. Julgamento de improcedência dos embargos, com trânsito em julgado. Inexistência de conflito. Se a massa falida não é parte na execução trabalhista, não se justifica o deslocamento da competência para promover referida execução para o juízo universal da falência. Do mesmo modo, se a massa opõe embargos de terceiro visando desonerar imóvel penhorado na execução, do qual se afirma proprietária, e se tais embargos são julgados improcedentes por decisão transitada em julgado, também não há conflito de competência a ser solucionado. Conflito de Competência não conhecido.” (STJ – CC 57.523/PE. Min. NANCY ANDRIGHI. Julgamento em 28.02.2007). 454 CÂMARA, 2004, op. cit., p. 489-490. Assim decidem os tribunais: “Agravo de instrumento. Decisão de 1º grau que considerou competente para conhecimento dos Embargos de Terceiro o juízo deprecante. 1. Os Embargos de Terceiro devem ser processados perante o mesmo juiz que ordenou a constrição. Tendo a ordem partido do juízo deprecante, este será o competente para o julgamento dos Embargos. 2. Interesse de bens da massa falida. Atração do juízo universal. O juízo universal da falência é competente para o processamento de todas as questões atinentes a bens de interesse da massa falida, em decorrência do disposto no § 2º do art. 7º da Lei Falimentar.” (TJEMG – Ag. Instrumento 1.0000.00.319567-4/000(1). Des. CORRÊA DE MARINS. Julgamento em 24.04.2003). 455 TUCCI, 2004, op. cit., p. 33. Especificamente sobre o prazo para os embargos de terceiro na falência: “AC. FALÊNCIA. EMBARGOS DE TERCEIRO. NATUREZA DA SENTENÇA QUE DECRETA A QUEBRA. PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO DOS EMBARGOS. Aplicação do art. 1.048 do CPC, omissa a lei falimentar a respeito. Confirmação da sentença (...).” (TJERS – Ap. Cível 70014881734. Des. OSVALDO STEFANELLO. Julgamento em 29.06.2006). De igual modo: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL E FALIMENTAR. EMBARGOS DE TERCEIRO DE EX-SÓCIO DE EMPRESA FALIDA. SEQÜESTRO DE CRÉDITO E NOTA PROMISSÓRIA ORIUNDOS DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS QUE SE ENCONTRAVAM REGISTRADOS EM SEU NOME PESSOAL. 1. Recurso da Massa Falida: a) Preliminar de preclusão (art. 1.048, CPC). Ao julgar procedentes os embargos, a Juíza afastou a preclusão, que não ocorreu, desde que o art. 1.048, aplicável subsidiariamente, os admite a qualquer tempo enquanto não transitada em julgado a sentença no processo de conhecimento. Preliminar rejeitada. b) Mérito - Inexistência de demonstração de que o preço de aquisição dos imóveis se fez com o produto do comércio exercido pela firma individual do embargante e que ditos imóveis teriam constituído patrimônio com que o embargante tivesse integralizado as suas cotas de capital da empresa falida (...).” (TJDFT – Ap. Cível APC3532595. Des. CAMPOS AMARAL. Julgamento em 18.09.1995). 456 Sobre a legitimidade ativa nos embargos de terceiro: “Agravo de instrumento. Falência. Ações de cautelar de seqüestro e revocatória. Liminar. Ação incidental de embargos de terceiro promovida por quem é parte no processo. Pedido de liminar. Indeferimento. Ilegitimidade ativa ad causam. Recurso não conhecido, por maioria. Quem é parte no pólo passivo das ações cautelar de seqüestro e principal revocatória que versam sobre o mesmo bem demandado, não tem legitimidade ad causam para reclamá-lo em ação de embargos de terceiro e, decorrentemente, para recorrer de ato proferido

122

De outro modo, o legitimado passivo será a massa falida457 ou o autor da

demanda de que derivou a constrição, sobretudo se foi ele quem indicou o bem à

arrecadação. Se o réu ou devedor tiver, de alguma forma colaborado para que a

apreensão recaísse sobre bem de terceiro, também deverá figurar como litisconsorte

passivo. Entretanto, não há o que se falar de litisconsórcio passivo necessário nesta

hipótese.458

Ao receber os embargos o juiz poderá conceder tutela liminar,459

suficientemente provada a posse,460 expedindo mandado de manutenção ou

restituição, mas a entrega do bem dependerá da prestação de caução.461 Inexiste o

mesmo benefício para a ação restitutória, o que não afasta a faculdade da tutela

antecipada, cumpridos os requisitos do art. 273, CPC.462

Nada obsta a aplicação do art. 91, LRF, para suspender a disponibilidade da

coisa durante o trâmite do processo. De outro modo, não incide o art. 1052, CPC,

que prevê a suspensão do processo enquanto não decididos os embargos, uma vez

que o processo de falência não deve parar.463

pelo juiz indeferindo a liminar neste processo.” (TJEPR – Ag. Instrumento 0103997-2. Des. JAIR RAMOS BRAGA. Julgamento em 27.06.2001). 457 Todavia o síndico, ou pelo sistema atual, o administrador judicial, não possui legitimidade passiva: “APELAÇÃO CÍVEL. FALÊNCIA. EMBARGOS DE TERCEIRO OPOSTOS CONTRA O SÍNDICO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM RECONHECIDA. Não possui o síndico, mero representante legal da massa falida, a teor do artigo 12, III, do CPC e 63, XVI, do Decreto-Lei nº 7.661/45, legitimidade passiva ad causam para ação de embargos de terceiro fundada no artigo 79 da Lei de Falências. Processo extinto sem julgamento de mérito, de ofício.” (TJERS – Ap. Cível 70010605624. Des. ANTÔNIO CORRÊA PALMEIRO DA FONTOURA. Julgamento em 16.03.2005). 458 TUCCI, 2004, op. cit., p. 33. 459 Sobre a possibilidade de concessão da liminar na referida hipótese: “EMBARGOS DE TERCEIRO. Senhor e possuidor. Falência. Arrecadação. Imóvel adquirido legalmente do Poder Público, que o teria expropriado dentro do termo legal da falência. Ineficácia inocorrente. Não incidência dos artigos 52 e 53 da LF. Concessão liminar dos embargos. Provimento ao agravo, para esse fim. Constitui esbulho, remediável por embargos de terceiro senhor e possuidor, a arrecadação de imóvel adquirido legalmente ao Poder Público, que o teria expropriado dentro do termo legal da falência” (TJESP – Ag. Instrumento 65.807-4 . Des. CEZAR PELUSO. Julgamento em 18.08.1998 – grifos nossos). 460 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 230. 461 ABRÃO, 2005, op. cit., p. 227. Todavia, os tribunais já julgaram em sentido contrário, dispensando a necessidade de caução: “FALÊNCIA. IMÓVEL. ARRECADAÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO. LIMINAR DE MANUTENÇÃO DE POSSE. CAUÇÃO. Havendo evidências de que irregular a arrecadação, na falência, do imóvel adquirido pelo embargante, não é razoável onerá-lo com a prestação de caução para se cumprir liminar de manutenção de posse a ele deferido nos embargos de terceiro. Agravo provido.” (TJDFT – Ag. Instrumento 20010020014370AGI. Des. JAIR SOARES. Julgamento em 24.09.2001). 462 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 230. 463 Ibdem, p. 230. De modo idêntico julgou o tribunal estadual paulista: “FALÊNCIA. Embargos de terceiro. Suspensão do processo principal. Impossibilidade, posto que traria prejuízo à coletividade dos credores. Circunstância em que a suspensão deve abranger apenas o bem objeto desses embargos. Recurso parcialmente provido.” (TJESP – Ag. Instrumento 420.700-4/2-00. Des. SÉRGIO GOMES. Julgamento em 21.02.2006).

123

O pedido inicial é contestável no prazo 10 dias contados da citação ou do

julgamento da justificação prévia, na qual a matéria de defesa pode ser ineficácia do

ato que transmitiu a posse ou direito ao terceiro embargante. Todavia descabe

alegação de fraude contra credores (possibilidade de ineficácia ou revogação do ato

sob este fundamento), que não pode ser objeto de julgamento no angusto

procedimento dos embargos de terceiro.464

6.4 Sentença e Recursos

Não impugnada a pretensão inicial, a presunção relativa de veracidade

inclinará o juízo para o sentenciamento, que se procedente, terá natureza

preponderantemente mandamental, determinativa do desfazimento do ato

processual atacado.465

A dita decisão se sujeita à apelação no efeito meramente devolutivo, visto

que a forma da caução produzirá eficácia, no sentido de permitir a entrega da coisa

em mãos do terceiro embargante, provisoriamente, na expectativa do trânsito em

julgado da sentença.466

Se houver dúvida sobre a efetiva existência do bem ou sua perfeita

individuação, não é conveniente ajuizar embargos pois esta é medida que incide

diretamente sobre o próprio bem.467 Deste modo, há impossibilidade de sub-

464 TUCCI, 2004, op. cit., p. 37. A Súmula nº 95 STJ trata do tema genericamente: “Em embargos de terceiro não se anula ato jurídico, por fraude contra credores.” Em idêntica linha, especificamente no processo falimentar: “DIREITO COMERCIAL. FALÊNCIA. ARRECADAÇÃO DOS BENS. BLOQUEIO DO VEÍCULO ADQUIRIDO ANTES DA DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA. EMBARGOS DE TERCEIRO CONTRA A MASSA FALIDA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA COM RECONHECIMENTO DE INEFICÁCIA DO ATO DE ALIENAÇÃO. INADMISSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PROPOSITURA DE AÇÃO REVOCATÓRIA. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 52 E 149 DO DECRETO-LEI N.° 7.661/45 (ANTIGA LEI DE FALÊNCIAS). PRECEDENTES. É indispensável a propositura de ação revocatória para que a massa obtenha a declaração de ineficácia da alienação, sem autorização judicial, levada a efeito durante a concordata. Não pode o Juiz simplesmente declarar ineficaz a alienação do bem ocorrida antes da decretação da falência, incidentalmente na sentença que julga os embargos de terceiro (...).” (STJ – REsp 594609/SP. Min. NANCY ANDRIGHI. Julgamento em 06.10.2005). 465 TUCCI, 2004, op. cit., p. 38. 466 ABRÃO, 2005, op. cit., p. 227. 467 No que tange à produção de provas: “FALÊNCIA. ARROLAMENTO DE BENS. PROVA DA PROPRIEDADE. INEXISTÊNCIA. EMBARGOS DE TERCEIRO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL. AGRAVO RETIDO. ARRECADAÇÃO DE BENS DA FALIDA. EMBARGOS DE TERCEIRO. Dispensa pelo juízo da audiência de depoimento do sócio-gerente da falida. Agravo retido. Improvimento, ante a falta de utilidade de seu depoimento no conjunto

124

rogação, já que interpretação analógica do art. 92, LRF, seria problemática, visto que

a sede processual diz respeito a um bem especifico e determinado, garantido o

direito de retenção. Inaplicável, ainda, eventual recebimento do valor

correspondente em dinheiro.468

De outra feita, não obstante falta de previsão legal para inclusão do crédito

no QGC na improcedência do pedido, não há nada que impeça esta solução nos

embargos, com vistas ao princípio da economia processual e instrumentalidade das

formas.469

probatório. Embargos de terceiro alvejando bens arrolados como sendo da falida. Falta de prova da propriedade desses bens. Sentença de improcedência, correta (...).” (TJERJ – Ap. Cível 2002.001.03093. Des. MURILO ANDRADE DE CARVALHO. Julgamento em 18.12.2001). 468 BEZERRA FILHO, 2005, op. cit., p. 231. 469 Ibdem, p. 230-231.

125

“Além de atuar decisivamente no campo econômico, a nova Lei de Falências ainda traz mais transparência ao processo, antes tão enredado e intrincado que, nele, eram

recorrentes as denúncias de desfalques e manipulações por parte de síndicos de massa falida. Aliás, no vetor transparência, o Senado deu outro passo essencial na semana

passada: a aprovação da reforma do Poder Judiciário, com a criação do controle externo e da súmula vinculante – que também podem tornar a Justiça mais ágil e mais acessível. Se as duas idéias aprovadas agora funcionarem

como o previsto, dando eficiência à economia e agilidade à Justiça, o país terá registrado um avanço tão significativo quanto longamente esperado.”

(Veja Online. Um Passo Decisivo: Num Avanço Essencial, o Senado Aprova Nova Lei de Falências e a Reforma do Judiciário.

www.veja.abril.com.br, 2004. Disponível em:

<http://veja.abril.com.br/140704/p_046.html>.

Acesso em: 04.10.2006.)

126

7 CONCLUSÃO

A Constituição da República de 1988 constitui vigorosa resposta à ideologia

e políticas sociais e econômicas dominantes durante a ditadura, imposta à

sociedade brasileira por mais de vinte anos a partir de 1964. Os dispositivos e

principalmente a principiologia de nossa Lei Maior expressam a vontade constituinte

originária, ressoando as demandas sociais reprimidas ao longo de décadas, no

sentido de garantir o acesso universal à justiça e aos direitos de cidadania, o que se

concretiza por meio da efetividade do processo, além da plena implementação do

Estado Democrático de Direito.

Guardando coerência com essa filosofia constitucional, parte da doutrina e,

posteriormente, os legisladores ordinários e significativa parcela de magistrados não

ficaram silentes em seus papéis, engendrando suas forças na busca de consolidar

as novas tendências constitucionais. É evidente que a concretude de uma nação

democrática e garantista dos princípios de cidadania não se alcança pela mera

disponibilidade de normas escritas, eis que demanda respeito pelos cidadãos,

grupos, instituições e órgãos públicos e privados e principalmente aplicação nos

tribunais de forma célere, para que não se dilua a própria essência da justiça pelo

transcurso do tempo.

Neste contexto, adquire realce o princípio da efetividade, através de normas

e de medidas concretas que possibilitem um rápido desfecho processual, sem

prejuízo de interpretação condizente com as especificidades nacionais e a agilidade

esperada do órgão jurisdicional competente.

Sem sombra de dúvidas, um dos aspectos mais depreciadores do Poder

Judiciário pátrio é a lentidão na conclusão dos processos. O prejuízo é sentido

diretamente pelo indivíduo que busca a tutela jurisdicional. No âmbito das relações

empresariais nacionais e internacionais, porém, os efeitos são incomensuráveis,

pois, via de regra, atingem um número significativo de pessoas.

Para ilustrar, basta trazer a lume questões como as seguintes: Como

transacionar com um país, ou com uma empresa, quando se tem consciência do alto

127

risco de inadimplemento? Ou então, quando se sabe que, em caso de falência da

empresa, é enorme a possibilidade de não cumprimento da obrigação ou contrato?

Ou, ainda, quando se imagina que, mesmo havendo respeito ao que foi contratado,

a média para finalização do processo falimentar brasileiro alcança um período de

dez anos?

Por óbvio, nenhum investidor admite correr riscos como os aqui listados.

Alargando a abrangência do olhar, fica evidente que o processo falimentar destituído

da devida efetividade acarreta prejuízos financeiros, que, no plano sócio-econômico,

desdobram-se em diminuição das frentes de trabalho, aumento das taxas de juros,

redução dos limites das linhas de crédito, dificuldades de investimento, incômodos

ao importador, insegurança para o exportador, entre outros obstáculos que não

podem ser desprezados.

Desse modo, é compreensível a grande pressão social, de órgãos e

instituições que constituem os mercados nacionais e internacionais para a

reformulação do dito processo, tendo em vista a adequação à realidade

contemporânea, tal como tratada em muitos países de longa data. Sob essa

perspectiva de análise, tornou-se premente a compatibilização das normas de

insolvência, conferindo-se ênfase à adoção do princípio da preservação da empresa,

orientado pelo princípio da função social da atividade econômica.

Muitos foram os esforços legislativos para tornar mais célere e econômico

aos jurisdicionados o processo, como é o caso da Emenda Constitucional 45, que

instituiu a Reforma do Judiciário e as várias reformas ao CPC efetuadas nos últimos

anos.

No campo do fomento à iniciativa econômica, também tem o legislador

prezado pelas alterações legais, já que promoveu o Código de proteção e Defesa

Consumidor (Lei nº 8.078/1990), a Lei Antitruste (Lei nº 8.884/1994), o Código Civil

de 2002(Lei nº 10.406/2002), a Lei de Recuperação e Falência (Lei nº 11.101/2005),

a Lei das Micro e Pequenas Empresas (Lei Complementar n° 123/2006), entre

outras.

Importa salientar que o Decreto-Lei n° 7.661/1945 tem nascedouro sob a

Constituição Ditatorial de 1937 e do CPC de 1939, não acompanhando as cartas

constitucionais subseqüentes e a reforma processual ocorrida em 1973, sem

prejuízos das leis acima mencionadas que tiveram imensa interferência nos

parâmetros contratuais. As discrepâncias da legislação falimentar ao sistema

128

jurídico vigente ensejaram intensas discussões doutrinárias e, principalmente, vários

equívocos na prática forense.

Não se discute que o vestuto Decreto-lei precisava de profunda

reformulação. Entretanto, ainda é cedo para afirmar que a nova Lei de Recuperação

e Falência tomou o caminho acertado e a intensa discussão acerca do tema

possibilita buscar os melhores métodos interpretativos para a efetividade do

processo falimentar.

Doutrinadores clássicos que se debruçaram sobre a matéria falimentar, tais

como Trajano de Miranda Valverde, Rubens Requião e Jozé Cândido de Sampaio

Lacerda infelizmente faleceram, antes da entrada em vigor do novel sistema

falimentar.

Coube (e cabe) aos modernos autores trazer a lume importantes

esclarecimentos sobre as alterações trazidas, sendo que alguns pontos ainda não

foram suficientemente debatidos, até pela exigüidade temporal entre a entrada em

vigor da Lei n° 11.101/2005 e a conclusão deste trabalho, o que não nos permite

afirmar que os posicionamentos trazidos não serão posteriormente alterados pela

jurisprudência ou doutrina pátria.

No que tange às alterações de cunho processual, o saldo parece positivo,

uma vez que o legislador teve o cuidado de adequar o novo regramento às normas

constitucionais e procedimentais já existentes em outros ramos do direito,

merecendo relevo a adoção expressa dos princípios da celeridade e da economia

processual (art. 75, LRF), norteadores da jurisdição constitucional e processo civil

modernos.

Importa aduzir que a substituição da figura do síndico pelo administrador

judicial foi deveras relevante para a verificação dos créditos, uma vez que o primeiro

era eleito entre os credores preferencialmente, o que exigia procedimento específico

para apuração do seu direito de crédito. Já o administrador judicial, por ser nomeado

por aferição de sua formação e competência técnica, torna mais imparcial e eficiente

o exercício da função de apuração creditícia.

Especificamente no procedimento de habilitação dos créditos, acertou o

legislador, pois o novo trâmite acelerou a fase de verificação creditícia, com o

aumento da ingerência do administrador judicial e credores, diminuindo a atuação do

estado-juiz, já que este só se manifestará se houver impugnação dos créditos

arrolados pelo administrador judicial.

129

Nada obsta, inclusive, que o administrador judicial receba as divergências e

habilitações de crédito tempestivas por meio eletrônico, o que faz diminuir a

burocracia documental com a respectiva desnecessidade de locomoção ao cartório e

facilitação do seu trabalho.

Por outro lado, esta conduta não prejudicaria os credores concursais:

primeiro, porque é conferido ao administrador judicial incluir os créditos que

encontrar em documentos contábeis do devedor na relação de credores a ser

publicada por edital (art. 7°, LRF); segundo, pelo fato de o prejudicado poder

impugná-la, na forma do art. 8°, LRF.

Aos direitos creditórios que demandam análise jurisdicional, promoveu-se a

adequação nomenclatural às regras emanadas pelo CPC, tais como “julgamento

antecipado da lide” e “despacho saneador” (arts. 330 e 331, CPC), revogando

expressões arcaicas como a vislumbrada no art. 92, II, ‘a’, DL nº 7.661/1945, que

tratava da “audiência de verificação de crédito” em sede de habilitação de crédito,

que nada mais era do que uma espécie de AIJ.

Traz a LRF, ainda, a aplicação de modernos institutos processuais, entre

eles, o efeito suspensivo ativo no agravo, específico ao feito da Habilitação de

Crédito Retardatária (art. 17, parágrafo único, LRF), execução provisória da

sentença mediante caução (art. 19, §2º, LRF) e revogação dos institutos em que a

aplicação subsidiária do CPC, na forma do art. 189, LRF, é mais propicia, já que

quando houver alteração das regras processuais gerais, evita discussão se são ou

não aplicáveis à legislação falimentar, cujo efeito se dá em esfera específica.

De primeiríssima qualidade a faculdade de declaração incidental e ex officio

à ineficácia. Retrocedeu a lei, ao revés, por não reger a delimitação espacial da

ação revocatória, transferindo ao intérprete dificultosa incumbência de suprir a

lacuna legal. A esse respeito, sem dúvidas deverão emergir acaloradas discussões.

Cláusulas abertas são, de todo, rechaçáveis pela acepção vanguardista dos

processualistas civis, remetendo ao julgador função legislativa, o que não lhe

compete.

Por interpretação sistemática, soa mais técnico possibilitar aos interessados

ajuizar ação revocatória para as hipóteses do art. 129, LRF, na qual o lastro

probatório é amplo. É sabido que, quando o juiz deixar de prolatar a ineficácia

incidentalmente, caberá agravo da decisão, cujo meio não é o correto para produção

de provas capazes de ensejar o fim colimado.

130

No mais, a mantença das antigas regras para esta ação, nas quais é

relevante comentar a possibilidade de rescisória falimentar, amplo rol de legitimados

ativos e passivos, coadunam com os modernos princípios falimentares. Por outro

lado, as inovações legislativas de inclusão do MP como sujeito ativo, aumento do

prazo decadencial para propositura da demanda e direito de restituição ao

prejudicado de boa-fé na procedência do feito, permitem caracterizar efetividade

ritualística.

Em termos genéricos, são louváveis as regras processuais atinentes à ação

restitutória, tendo em vista que o legislador aumentou o rol de hipóteses, aperfeiçoou

a redação legal aos ditames processuais vigentes, bem como positivou várias

nuances estabelecidas jurisprudencialmente, v.g., a dinâmica possibilidade de, se for

o caso, incluir o crédito no QGC do reclamante, quando julgado improcedente o seu

pedido de restituição.

Sob outro ângulo, o legislador parece ter perdido a oportunidade de tornar

administrativa, por meio do administrador judicial, a devolução dos bens

indevidamente arrecadados ao respectivo proprietário, medida que possibilitaria

celeridade a estes atos, desde que garantida aos interessados demanda judicial nas

situações em que constatado equívoco ou má-fé na conduta de quem promoveu o

ato.

Merece ainda ressalva a restituição das quantias emprestadas ao falido, a

título do contrato de adiantamento de câmbio, uma vez que, nesse caso, o banco

não deixa de ser credor mutuante de modalidade específica de financiamento, sendo

este beneficiado em demasia, além de fazer ruir a paridade entre os credores,

princípio basilar do sistema falimentar.

Relativamente aos embargos de terceiro, tentou o legislador pôr fim à

celeuma acerca da natureza jurídica do instituto no direito falimentar, tornando-o via

subsidiária à ação de restituição, o que importou em posicionamento doutrinário

praticamente uníssono de seu cabimento unicamente na defesa pelo terceiro da

posse turbada ou esbulhada.

A remessa da matéria procedimental ao Código de Processo Civil, conforme

descrito no art. 93, LRF, evita eventual contradição superveniente, haja vista que

posterior mudança das normas processuais genéricas não demandará modificação

da lei falimentar em vigor.

131

Certamente as mudanças paradigmáticas não serão rápidas, mas caminham

na busca de melhores soluções para se encontrar os ditames de efetividade e, por

conseguinte, justiça. Para concluir, é mister lembrar que ao operador do direito

incumbe tomar medidas para implementar a eficiência de uma lei, aplicando-a ao fim

a que se destina.

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