André Midani e a Indústria Fonográfica

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21/05/2003 - 02h33 Leia a íntegra da entrevista de André Midani à Folha PEDRO ALEXANDRE SANCHES LAURA MATTOS da Folha de S.Paulo André Midani, um dos nomes mais importantes da indústria fonográfica brasileira dos anos 60 aos 90, conta como é feita a cobrança para execução de música nas rádios e TVs, conhecida como jabá. Leia a entrevista: Folha - Na indústria fonográfica, é unânime a afirmação de que não existe jabá no Brasil. É verdade? André Midani - Não, o jabá existe. Acho que o jabá sempre existiu. Não é uma coisa nova, nem particular da indústria fonográfica. É uma coisa universal, acho que desde que o homem começou a existir. Sempre se ouve falar "vamos acabar com a prostituição", "vamos acabar com as drogas", "vamos acabar com o jabá" _que é uma corrupção, não é? O mundo nasceu corrupto e acabará um belo dia na miséria da sua corrupção. Tendo dito isso e indo ao mercado musical, o jabá, porquanto eu saiba, já existe desde o século 19, quando o grande astro da música era a ópera. Havia um grande terreno de ensaio dos novos tenores e sopranos que estavam para ser descobertos, em Marselha, na França. Lá, os empresários de novos talentos da época compravam 50, 80, cem lugares dos teatros e davam de graça para as pessoas aplaudirem muito. Era uma forma de jabá. Isso é inerente ao negócio, existe desde o início da música como setor lucrativo. Quando cheguei no Brasil, em 55, o jabá não existia do jeito que possa ser pensado hoje. Mas havia meios de pressão, desde aquela época. Tal como ele é hoje, e em quantidades talvez menores do que agora, o jabá começou, creio, em 70, 71 ou 72. Eu tinha uma parte grande dos artistas importantes daquela época, então não tinha tanta preocupação. Fazia sucesso no rádio porque os artistas genuinamente faziam sucesso. Mas num belo dia um colaborador meu chegou dizendo que estava havendo

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Òtima entrevista de André Midani para a folha sobre seu tempo como produtor musical. Faz um critica ao famoso jaba.

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21/05/2003-02h33Leia a ntegra da entrevista de Andr Midani FolhaPEDRO ALEXANDRE SANCHESLAURA MATTOSdaFolha de S.Paulo

Andr Midani, um dos nomes mais importantes da indstria fonogrfica brasileira dos anos 60 aos 90, conta como feita a cobrana para execuo de msica nas rdios e TVs, conhecida como jab.

Leia a entrevista:

Folha - Na indstria fonogrfica, unnime a afirmao de que no existe jab no Brasil. verdade?

Andr Midani -No, o jab existe. Acho que o jab sempre existiu. No uma coisa nova, nem particular da indstria fonogrfica. uma coisa universal, acho que desde que o homem comeou a existir. Sempre se ouve falar "vamos acabar com a prostituio", "vamos acabar com as drogas", "vamos acabar com o jab" _que uma corrupo, no ? O mundo nasceu corrupto e acabar um belo dia na misria da sua corrupo.

Tendo dito isso e indo ao mercado musical, o jab, porquanto eu saiba, j existe desde o sculo 19, quando o grande astro da msica era a pera. Havia um grande terreno de ensaio dos novos tenores e sopranos que estavam para ser descobertos, em Marselha, na Frana. L, os empresrios de novos talentos da poca compravam 50, 80, cem lugares dos teatros e davam de graa para as pessoas aplaudirem muito. Era uma forma de jab. Isso inerente ao negcio, existe desde o incio da msica como setor lucrativo.

Quando cheguei no Brasil, em 55, o jab no existia do jeito que possa ser pensado hoje. Mas havia meios de presso, desde aquela poca. Tal como ele hoje, e em quantidades talvez menores do que agora, o jab comeou, creio, em 70, 71 ou 72.

Eu tinha uma parte grande dos artistas importantes daquela poca, ento no tinha tanta preocupao. Fazia sucesso no rdio porque os artistas genuinamente faziam sucesso.

Mas num belo dia um colaborador meu chegou dizendo que estava havendo um movimento segundo o qual o pessoal do rdio gostaria que se reconhecessem seus mritos. Ele foi conversar com eles e voltou me dizendo que tnhamos que tomar certo cuidado, porque se havia formado uma rede entre vrios programadores importantes de Rio e So Paulo. Eu disse: "O que me importa?".

Tive a precauo de telefonar para alguns artistas e explicar o que estava acontecendo, que eu no estava a fim de entrar naquilo e que estava dando a instruo de no participarmos. Os artistas apoiaram, aplaudiram. Para minha surpresa, uns dias depois a gente saiu de programao.

Folha - Saiu literalmente, por completo?

Midani -No me lembro direito mais, mas a imagem que tenho de que os nossos discos de sucessos naquele momento _havia um de Chico Buarque, por exemplo_ saram de programao. Aguentei uma semana, duas semanas. Na terceira no deu mais para aguentar, porque os prprios artistas chegaram dizendo: "Pelo amor de Deus, como vai ficar essa histria?, a gente est fora do ar". Era uma preocupao legtima deles.

Ento foi, creio, a primeira vez que isso aconteceu. Dali por diante houve altos e baixos, e o jab estava instalado. Tomei uma atitude bastante pragmtica, dizendo: se esta a regra do jogo, l vou eu com a regra do jogo.

Folha - Quais eram as regras do jogo?

Midani -As regras eram lamentveis, porque, como em muitas coisas aqui no Brasil, no eram profissionais. Eu tinha vindo em 55 do Mxico, onde o jab rolava com grande despudor. Mas l, um dia, estava eu na sala de um diretor de companhia, competidor meu, e tocou o telefone. Era um jabazeiro, e meu colega disse, com o palavreado mais vulgar: "Dei meu compromisso com voc de tocar X vezes por dia e voc no est tocando. Ou voc toca ou voc sai do rdio, porque eu vou lhe colocar para fora".

No Mxico, pelo menos, havia uma regra (ri): toco cinco vezes por dia, lhe pago tanto e agora voc tem que tocar. No Brasil se tentou vrias vezes negociar isso, de as rdios tocarem o que as gravadoras queriam, o que seria justo dentro desse esquema injusto. Mas a sempre se deu um jeitinho aqui, outro l, e o fato que a indstria perdeu muito rapidamente o controle sobre o que se tocava. Pagava e no sabia se ia tocar.

Folha - o que acontece at hoje?

Midani -No, piorou. Hoje no estou muito a par, mas piorou. No me lembro direito, mas devo ter tido vrias interferncias dentro da indstria, no sentido de dizer "vamos parar com esse negcio".

Minha prxima interferncia formal j foi mais tarde, acho que em 78 ou 79, j na Warner. Estava lanando Baby Consuelo e Pepeu Gomes, que como integrantes dos Novos Baianos haviam sido os protegidos e queridos do Chacrinha. De repente recebo a notcia de que o Chacrinha disse que, se no pagssemos, Baby e Pepeu no apareceriam em seu programa. A coisa mais inteligente que achei por bem fazer foi denunciar isso nos jornais. Em termos de companhia, isso me custou caro.

Fui aos jornais, dizendo factualmente que Chacrinha queria cobrar dinheiro para passar os artistas no programa _jabacul. Isso me custou a adeso causa do Chacrinha de outros meios de comunicao. Rdios e outros programas de TV passaram a cobrar tambm.

Agora, como que a indstria se manifesta nessa histria? Vamos dizer que existem cinco importantes companhias na indstria. Vrias vezes os presidentes das companhias de discos foram se reunir para tentar chegar a um acordo. Essas coisas acontecem em momentos de crise do mercado ou de crise financeira, quando voc v que o oramento para o jab to grande que realmente desestabiliza um pouco sua economia interna.

Folha - Voc pode quantificar o peso dos oramentos das gravadoras destinados ao jab?

Midani -Gostaria de dar uma porcentagem, mas o conceito de publicidade mudou muito no decorrer dos anos. Na poca em que isso comeou, a verba publicitria era 5% das vendas, em geral. Na poca do Chacrinha, com certeza era alguma coisa como 10%. At o momento em que eu estava militando, ou seja, at dois anos atrs, os oramentos publicitrios variavam entre 12% e 16%. E na ltima vez que vi ou ouvi falar de nmeros, entre o jab que voc dava e alguma regalia, podia chegar a representar 70% das verbas de publicidade.

Folha - O jab ento a principal fatia da publicidade?

Midani -, e asfixia a indstria. Na minha poca brasileira no chegava a asfixiar, era mais uma questo moral: o que isso, o cara j ganha seu dinheiro e ainda quer ganhar para tocar disco meu? Se no houvesse meu disco ele no teria uma estao de rdio, o ponto de partida esse, o absurdo.Pensava que se as cinco companhias se levantassem juntas, em um ano, sem grandes prejuzos, botavam as rdios que praticavam jab fora do mercado.

Folha - Isso no acontecia por falta de capacidade de articulao da indstria fonogrfica?

Midani -Pode-se dizer exatamente isso. No sentido do jab e das presses, a indstria fonogrfica, mais no Brasil que em outros lugares, uma indstria muito frgil.

Folha - refm das rdios?

Midani - refm de muitas coisas, mas, nesse sentido, refm do jab.

Folha - O esquema montado pelos programadores no incio no tinha a participao dos donos das emissoras?

Midani -No. O que aconteceu que os funcionrios de rdio no ganhavam e no ganham muito dinheiro. So salrios modestos. Ento no incio o disc-jquei encontrou nessa manobra um meio de ganhar um pouco mais. Isso foi cegamente apadrinhado pelos donos das rdios. Eles ficavam contentes, pois no tinham que aumentar os salrios. Comearam a fechar os olhos, porque era conveniente para eles. Mas, na medida em que a soma de dinheiro foi ficando maior, os donos comearam a pensar: "Mas e eu nessa histria?".

Ento houve decises, por certos donos de rdio, de dizer: "Tudo bem, mas o dinheiro meu". Entraram em contato com as companhias de disco e disseram: "A partir de agora quem manda na programao da rdio no meu programador ou meu disc-jquei. Sou eu". Passaram acordos que, no incio pelo menos, foram acordos comerciais. A, sim, era uma relao profissional.

Tutinha, da Jovem Pan, por exemplo, gostava do disco ou no. Se ele no gostasse do disco no pegava acordo financeiro com a companhia, no havia jeito. J no se pode chamar isso de jab, uma relao comercial como outra. Tutinha, pelo menos, era um grande profissional. No sei como est hoje, mas era. Se no gostava do disco dizia: "No toco". Se gostava, ento se sentava l para uma negociao. E ele fazia isso de uma forma profissional: "Vou tocar tantas vezes por dia, vou fazer um especial". Armava-se quase que uma operao de marketing genuna.

Folha - Ento voc tinha que agradar e tambm pagar?

Midani -Mas a regra desta vida tem sido essa. Evidentemente h um lado obscuro nessa histria, do porqu da fragilidade das companhias de disco. O bvio o resultado comercial, o resultado promocional. Mas, se pelo lado dos presidentes e diretores havia grandes ressalvas sobre a prtica, o jab representava para muitas pessoas dos departamentos de promoo com rdio uma possibilidade de dizer: "Toma dez, mas eu fico com dez". Voc se reencontra com um cncer estabelecido dentro da companhia. Isso lutava contra qualquer poltica encontrada por qualquer companhia para eliminar o jab.

Folha - Ento havia gente dentro das gravadoras fazendo acordos clandestinos com gente das rdios?

Midani -At um momento houve o pagamento em espcie. No havia recibo, nada. Ento certos divulgadores na segunda-feira pegavam uma bolada de dinheiro l e iam distribuir. E guardavam uma parte para eles. Se estabelecia uma cumplicidade entre representante da gravadora e representante da rdio.

A veio um outro elemento. At os anos 80 _vamos colocar 85 como uma data hipottica_, a lucratividade de uma companhia de discos era uma coisa desejada, como em qualquer negcio. Mas me refiro agora s relaes entre os presidentes das companhias e as matrizes das multinacionais. Nos anos em que trabalhei na Philips, uma vez por ano ia Holanda e dizia: "O ano foi assim". Quando muito a cada trs meses a gente mandava um relatrio. As companhias naquela poca eram uma brincadeira gostosa do dono de cada conglomerado.

Folha - Por que isso se modificou nos anos 80?

Midani -A coisa comeou a degringolar quando as companhias de discos e seus conglomerados foram comprados por megainvestidores que tinham suas aes no mercado de Wall Street. Paulatinamente a indstria fonogrfica, que era talvez uma indstria de relaes pblicas, de imagem, passou a ser um centro de lucro completo.

Na medida em que o mercado de Wall Street comeou a encurtar os prazos, os investidores comearam a ficar mais sedentos. Isso impossibilitou aos presidentes dos conglomerados de terem polticas de compaixo com seus negcios. Cada vez Wall Street foi mais nervosa quanto aos resultados semestrais, depois trimestrais, depois mensais. Se deu uma variao, por pequena que fosse, as aes j ficavam nervosas. Dali ento foi: "D lucro! E j!". Na medida que isso foi penetrando na indstria fonogrfica se instalou uma presso sobre os dirigentes locais, daqui e do resto do mundo, cada vez mais feroz.

O cara que est sentado aqui recebe telefonemas a cada trs dias: "Como que est esta semana?". Ele pira daqui. "no quero saber, eu quero os nmeros". Eu estive do outro lado, sei bem como esse negcio (ri).

Folha - Ou seja, a indstria foi sendo cada vez mais pressionada, por um lado por Wall Street e por outro pelas rdios locais?

Midani -A situao hoje to incompreensvel como era ento. Como possvel que cinco companhias poderosas no possam se sentar e dizer: "Acabou", e acabou? Vrias vezes tentei isso, e sempre me dei mal. Eu ia l, propunha o acordo. Uma semana depois, tal pessoa furava o acordo. A outros todos furavam tambm, eu continuava e me dava mal a cada vez. Houve uma vez, por exemplo em que no fui eu que liderei o movimento. Quando a corda roeu, todo mundo disse: "Foi o Midani". Paguei pelo pecado que fiz e outras vezes paguei pelo pecado que no fiz. Um dia vi que no tinha nenhum talento para ser um crucificado, ento fui tentar organizar isso dentro da companhia para que pelo menos fosse uma coisa mais objetiva e profissional.

Folha - Por que esses acordos nunca deram certo?

Midani -S posso entender que em determinado momento uma determinada companhia est numa situao de fragilidade oramentria, e ento a tentao do diabo muito grande. Sempre h um nessa situao. H, por exemplo, o caso recente da Abril Music. Essa companhia entra no mercado, paga o que tiver que pagar para poder tocar e desestabiliza as outras companhias. O prejuzo da Abril foi de milhes e milhes de reais em cinco anos. Evidentemente, esse dinheiro foi para a contratao de artistas em demasia, para formar um catlogo, o que compreensvel. Mas a sede de ter sucesso imediatamente fez com que a companhia fosse uma grande catalisadora da tormenta jabazeira.

Mas uma vez a Abril, outra vez outra empresa que est em situao complicada, outra uma mudana de gerncia... Sempre h um acidente que impossibilita a tranquilidade do trabalho.

Folha - Tambm por presso do esquema organizado, dos divulgadores?

Midani -No, porque se as cinco companhias se entendessem e aguentassem um tempo eu suponho que a situao se tranquilizaria. Se no toda, porque toda corrupo impossvel, pelo menos parcialmente, que no seja um cncer como o de que todo mundo se queixa hoje.

Folha - Marcos Maynard sempre negou que fizesse jab na Abril.

Midani -Essas pessoas sempre dizem que no jab, mas simplesmente um jogo de palavras.

Folha - O sucesso ficou necessariamente condicionado a esse esquema?

Midani -Temo dizer que sim. A gente no sabe se a galinha ou se so os ovos, mas isso veio a ser agravado pelo que poderia se dizer uma falta de novos talentos genunos. No sei se verdade ou no, mas se poderia dizer que, na viso da indstria, isso foi agravado por uma certa falta de talentos novos, pouco preparados ainda. Ento veio um novo tipo de executivo, o cara que faz o artista, escolhe as msicas, bota dentro do estdio. msica pr-fabricada para o sucesso. Nos anos 80, os produtores passaram a dizer: "Ns fazemos o artista".

uma coisa completamente antpoda da minha atitude quanto ao artista. No vou dizer que tenho razo, mas so estilos absolutamente opostos. Telvez, dentro das minhas loucuras, eu tivesse gostado de dizer: "Vou fazer um artista". Mas eu no tinha capacidade nenhuma de fazer, ento nunca me meti nisso. Se h uma pessoa que nem canta muito bem nem canta muito mal, nem tem muita personalidade nem tem pouca personalidade, o que eu vou fazer com ela? No sei trabalhar assim, nunca foi meu estilo.

A partir do momento em que um artista fabricado, necessariamente o investimento em publicidade e marketing comea a tomar uma importncia desmedida.

Folha - Profissionais de rdio afirmam que no se toca uma msica s por causa de jab. Dizem que preciso haver um respaldo de audincia. Com dinheiro, qualquer coisa toca no rdio?

Midani -Quando surgiu o rock dos anos 80, o rdio estava absolutamente fechado a esse tipo de msica. O rdio um sistema eminentemente conservador. Quando lanamos a bossa nova, o rdio achou que era um absurdo, o mesmo aconteceu com a tropiclia. O homem do rdio no v a msica pelo que ela , v o anunciante, que vai tirar sua publicidade se a rdio baixar de audincia.

No rock dos 80, existiram algumas msicas de Paralamas do Sucesso, Kid Abelha, Tits e Ultraje a Rigor que furaram o bloqueio natural. Foi uma surpresa. Ficamos com a msica "Intil", do Ultraje, quatro, cinco ou seis meses sem tocar. Um belo dia, comeou a tocar. Acho que o rock no sofreu efeitos de jab para impedi-lo de penetrar. Os programadores devem ter achado que era um sopro novo nas suas programaes.

Folha - A o jab entrou como elemento para fortalec-lo?

Midani -Com certeza. Se me perguntar quais lembranas eu possa ter do meu jab, posso dizer: paguei por toda aquela linha de frente que eu tinha.

Folha - A gerao dos anos 80 contou muito com o programa do Chacrinha para fazer sucesso. Como terminou sua briga com ele?

Midani -A gente coloca o Chacrinha, mas ele tambm foi uma pessoa que fechou os olhos para seu filho, Leleco Barbosa. Leleco era quem fazia a programao do Chacrinha, e foi uma das pessoas mais militantes, se se pode dizer isso, desse caso.

No me lembro direito de como acabou, levou um tempo. Certamente houve a turma do deixa-disso, amigos comuns, artistas dos quais Chacrinha gostava muito e estavam trabalhando na Warner. Um dia, recebi um recado de que ele gostaria de se reconciliar. Creio que a gente almoou, ele fingiu que no houve nada, eu tambm fingi que no havia nada. Ficou aquela mtua hipocrisia. Chacrinha me convidou ao programa dele para receber um prmio, as pazes foram feitas e no tinha mais problema, sempre nos amamos muito.

Folha - Os grandes nomes de sucesso pagam jab?

Midani -At hoje. Hoje estou realmente afastado, mas at um ano atrs era assim. Havia nmeros, que eram estupendos. Nos anos do milagre brasileiro do incio do governo FHC, se nos Estados Unidos o custo de lanar uma msica no rdio com esse tipo de ajuda promocional era de US$ 300 mil por uma cano, no rdio brasileiro era de R$ 80 mil a R$ 100 mil, na poca em que um dlar era um real. Ou recebi informaes erradas, ou esses nmeros so reais.

Folha - Para uma rdio no seria vantajoso tocar a nova msica de artista de grande sucesso?

Midani -No hesito em dizer que, a no ser honrosas e poucas excees, como Roberto Carlos, no importa o tamanho dos artistas. Tem que pagar. A honra e o prazer so coisas que no existem mais.

Folha - Mesmo a rdio correndo o risco de prejudicar sua prpria audincia?

Midani -, mas a partir do momento em que o sistema funciona dessa maneira, no tem como. Uma toca porque algum deu dinheiro, outra tambm toca o mesmo cara, ento todo mundo vai. Hoje, a indstria fonogrfica vive um momento de crise estrutural (por causa da mudana de tecnologia), criativa (porque raramente se pega um artista que j est pronto no primeiro disco) e econmica (por recesso).

Folha - O que voc acha de uma lei de criminalizao do jab?

Midani -Acho que indispensvel, porque se voc paga jab e no tem recibo voc no pode deduzir essa despesa do seu Imposto de Renda. No pode entrar como despesa operacional. Hoje o meio radiofnico e o meio fonogrfico esto cheios de subterfgios para isso. Se voc comprovar que esse dinheiro no foi usado para isso, mas para jab, no acontece nada, porque no existe uma lei que diga que subornar contra a lei e d cana. No se tem nem esse elemento.

Quando comecei a trabalhar nos Estados Unidos, a primeira coisa que recebi em minha mesa foi o chamado livro branco. Eram diretrizes de como se deve comportar com tica, e eu tinha que assinar que na minha gerncia nenhum pas que estava ligado a mim em nenhum momento ia fazer prticas de suborno. L lei.

Folha - E l jab considerado uma forma de suborno?

Midani -Ento, o que ? Aqui no considerado dessa maneira, mas claro que . uma questo vernacular: eu lhe pago para voc falar bem de mim no seu jornal ou na sua rdio, mesmo que voc no goste da minha cara, eu aumento o preo e voc acaba falando bem de mim. Isso suborno. Se chama jab, suborno ou campanha promocional (ri), moralmente um suborno.

Folha - Quais outros prejuzos a prtica de jab pode trazer ao mercado musical?

Midani -Hoje em dia eu diria que no tenho nada contra o jab. Tudo depende do que se faz com esse jab. um pouco como a Rifle Association nos Estados Unidos. Eles dizem que o fuzil no mata, que quem mata quem puxa o gatilho. um raciocnio incrvel, n? Vamos supor que nos idos de 70 a situao fosse como hoje. Eu teria botado jab em cima de Caetano, Gil, Chico, desse pessoal todo. E todo mundo teria aplaudido, porque valia a pena. Comea a ficar pior quando voc faz uma outra viagem: pega um artista que no tenha nenhuma qualidade que no seja a de ser bonitinho, empurra uma meia dzia de canes feitas por quilo, e depois coloca dinheiro por cima.

Tudo depende do que voc faz com o jab. Se for colocar o famoso jab em cima do que poderamos chamar uma causa nobre, graas a Deus poder convencer essas pessoas de tocar uma coisa que boa. Se era para botar jab em cima de Raul Seixas, por exemplo, no me lembro, mas botei com muito prazer, porque estava convicto que esse menino era fantstico. H cores nessa histria, no no lado tico, mas do lado empresarial, objetivo.

Folha - Se emplacasse, a lei anti-jab seria boa para qu?

Midani - bom que exista a lei, no s do jab do disco, mas no geral. Este pas est permeado de jab, no s do fonogrfico. uma sociedade cancerosa com o jab. O pas jabazeiro.

Folha - Alm de dinheiro vivo, o jab tambm inclua "mercadorias"?

Midani -O que for. Dinheiro, drogas, prostitutas que eram levadas at o cara no fim-de-semana. Isso j no creio que exista hoje em dia na indstria.

Folha - H quem defenda no a criminalizao do jab, mas sim sua legalizao e regulamentao. O que voc acha disso?

Midani -Mas a se est violando o que se chama de as foras do mercado. Como se vai fazer isso? Determinar quanto se paga para um artista novo, quanto se paga para um veterano?

Folha - Seria mais difcil do que coibir?

Midani - claro. Dali a pouco ia precisar de uma Ecad [rgo responsvel pela cobrana de direitos autorais] para controlar isso, uma Ecad do jab. So coisas ingnuas.

Folha - Tambm no seria ingnuo acreditar numa lei de criminalizao?

Midani -Mas assim que se faz. A lei sempre um suporte, um sof sobre o qual voc pode se sentar quando necessrio. H 10 ou 15 anos, os polticos roubavam muito, mas nem se sabia disso. A veio um ciclo em que comeou a se saber, estamos entrando num ciclo em que comea a custar caro. Acho que ainda vai ser um grande negcio ser um poltico honesto. O que a gente pode desejar que se minimize essas coisas. Acabar com isso no d.

Folha - Gravadoras e rdios em geral so vistas como as vils desse esquema todo, enquanto os artistas s vezes aparecem at como vtimas. Mas eles no so coniventes?

Midani -Posso dizer que, uma vez que se faa um acordo, muito artista deve saber. No passado, quem pagava o jab era o empresrio do artista. De onde ele recebia a grana? Da gravadora, obviamente. E o artista estava ciente. O artista sempre sabe. O que ele diz que no quer se meter em briga de gente grande, "no estou aqui para pagar pelas brigas de vocs". objetivo assim.