ANDRADE, Oswald de - O Perfeito Cozinheiro Das Almas Deste Mundo

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    OBRAS COMPLETAS DE OSWALD DE ANDRADE

    O PERFEITO COZINHEIRODAS ALMAS DESTEMUNDO

    ''O

    perfeito cozinheiro das almas deste mundo''Por Mrio da Silva Brito

    Rquiem paraMiss Ciclone, musadialgicada pr-histria textual oswaldiana

    Por Haroldo de Campos

    Transcrio tipogrfica de Jorge Schwartz

    )G0BO

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    CIP-Brasil. Catalogao-na-fonte Cmara Brasileira do Livro, SP

    Andrade, Oswald dc, 1890-1954.O perfeito cozinheiro da almas deste mundo / Oswald de Andra-

    de. Sio Paulo : Globo. 1992. (Obras completas dc Oswald dcAndrade)

    Apndice: "O perfeito cozinheiro das almas deste mundo" / porMrio da Silva Brito Rcquicm para Miss Ciclone, musa dialgica dapr-histria textual oswaldiana I por Hiroldo de Campos Transcri-o tipogrfica / de Jorge Schwanz.

    ISBN 85-250-1088-X

    1. Andrade, Oswald de, 1890-1954. O perfeito cozinheiro das al-mas deste mundo - Crtica c interpretado 2. Biografias - Sculo 20 3-Dirios brasileiros (Literatura) I. Brito, Mrio da Silva, 1916. II. Cam-pos, Haroldo de, 1929- III. Schwanz, Jorge, 1944. IV. Ttulo. V. Srie.

    92-0014 CDD-869.9803

    ndices para catlogo sistemtico:1. Dirios : Literatura brasileira 869-98032. Reminiscncias : Escritores : Literatura brasileira 869-9803

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    OBRAS COMPLETAS DE OSWALD DE ANDRADE

    O PERFEITO COZINHEIRO

    DAS ALMAS DESTE MUNDO

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    SUMRIO

    "O Perfeito Cozinheiro das Almas deste Mundo"Mrio da SUva Brito, VII

    Rquiem para Miss Ciclone, Musa Dialgica

    da Pr-Histria Textual OswaldianaHaroldo de Campos, XIII

    O Perfeito Cozinheiro das Almas deste Mundo, 1

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    "O PERFEITO COZINHEIRODAS ALMAS DESTE MUNDO"*

    MRIO DA SILVA BRITO

    De 30 de maio a 12 de setembro de 1918, Oswald de An-drade compe, com amigos,O Perfeito Cozinheiro das Almas deste

    Mundo. Trata-se de um grande caderno de duzentas pginas, me-dindo trinta e trs centmetros de altura por vinte e quatro delargura, quesetransforma num dirio dosfreqentadores dagar

    onnire, provida de fonola e alguns discos, que Oswald man-tm Rua Libero Badar, 67, 3? andar, sala 2.1

    No enorme caderno, escrito a tinta roxa, verde e vermelha,ou a lpis s vezes, h de tudo: pensamentos, trocadilhos (in-meros), reflexes, paradoxos, pilhrias com oshabitues do reti-ro, aluses marcha da guerra, a fatos recentes da cidade, aautores, livros e leituras, s msicas ouvidas (das eruditas s com-posies populares americanas), a peas em representao nos

    palcos de So Paulo, s companhias francesas emtourne peloBrasil. H mais porm: h colagens, grampinhos de cabelo, pen-tes, manchas de batom, um poema pr-concreto de Oswald,feito com tipos de carimbo,2 cartas de amigos grudadas emsuas pginas, afora charges da imprensa com legendas adapta-das para zombarias com os integrantes do grupo, enigmas pito-rescos, recortes de jornais e, inclusive, o carto de um usurioem que se l: "de la part de Dcio de Paula Machado".3Sol-

    tas entre as pginas do caderno,flores murchas e uma pequenabandeira norte-americana de seda.

    * Este texto, aqui revisto pelo autor em 1987, foi publi cado origina lmen te no Supl emen-

    to Literrio de O Estado de S. Paulo, de 16 de maro de 1968.

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    A idia do lbum partiu de Pedro Rodrigues de Almeida,4

    literatorat que acabou delegado de carreira, esprito perfeito deacadmicien escrevendo o mdio do bomgosto.Sobopseudni-mo de Joo deBarros, ele quemabreocaderno,ondediz:"Mui-to de arte entrar nestes temperos, arte e paradoxo quefraternal-mente se misturaro paraformar, no ambiente colorido e musi-cal deste retiro, o cardpio perfeito para o banquete da vida".5

    Os colaboradores no se utilizam de seus nomes. Valem-sede pseudnimos ou apelidos. Sabe-se que freqentaram agar-

    onnire, entre outros, Monteiro Lobato (que l, um dia, esque-ceuasprovas deUrups), Menotti dei Picchia, Lo Vaz, Guilher-

    me de Almeida, Igncio da CostaFerreira,Edmundo Amaral, SartiPrado e Vicente Rao. Nas suas Memrias e Confisses, Oswaldrevela alguns dospseudnimos: Joode BarrosPedro Rodriguesde Almeida;6Miramar e Garoa, Oswald de Andrade;7Viviano,Edmundo Amaral;8Ferrignac e Ventania, Igncio da Costa Fer-reira;9e Bengala, Lo Vaz;10Guy todos os paulistas o sabem foi sempre pseudnimo de Guilherme de Almeida. Sarti Pra-do pode ser identificado pelo seu latinrio ou por sua "literatu-

    ra bestssima" como diz Oswald,11

    literatura ondefala em "aAlameda do Sonho", "o halo do passado". Em algumas pginasdo dirio, Ferrignac deixou caricaturas de Oswald, de Deisi, deJeroly, de Viviano, de Guilherme de Almeida, de Vicente Raoe de Lo Vaz.12

    Afigura dominante deOPerfeito Cozinheiro Deisinovoamor de Oswald, misteriosa mulher com que depara ao sair demomentos sentimentais turbulentos, mulher que exerce grandefascnio nossobre o jovem jornalista mas tambm sobre todosos que o rodeiam efazem ponto nasuagaronnire. H uma es-pcie de secreta paixo coletiva por Deisi, que amante de Os-wald. "Todos declaram que amavam a Ciclone", escreve ele.13

    Deisi surge na vida de Oswald aps seu rompimento comKamiex-rainha dos estudantes de Montparnasse, que trouxede Parise superada a crise amorosa que teve por centro a bai-larina Landa Kosbach, por ele batizada no Duomo de Milo. O

    encontro dos dois assim relatado por Oswald: "Em minha casacalma daRuaAugusta,a professora de piano de Kami, uma moachamada Antonieta que mora ao lado, na Rua Olinda, traz parao almoo uma prima esqueltica e dramtica, com uma mecha

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    de cabelos na testa. Chamavam-na Deisi.Padeceinteligente. Con-vido-a cinicamente a amar-me. Ela responde: Sim, mas sem

    premeditao. Quando nos encontrarmos um dia. Pergunto-lhe que opinio tem dos homens.Uns canalhas!E as mu-lheres? Tambm!"14Pormenor a registrar: este dilogo abreo romanceA Estrela de Absinto, de Oswald, escrito de 1917 a1921,refundido vrias vezes, mas publicado em 1927 na suafor-ma primitiva. Aps esse primeiro contato, logo se estreitam asrelaes comDeisi, a quem chamam deMiss Ciclone,"acentuandona primeira slaba".15

    Figura estranha efugidia, normalistaepoitrinaire,

    16

    Deisi,cortejadae festejada pelo grupo, aparece e desaparece dagaron-nire. Inquieta e fantasiosa, tem problemas com a famlia, quelhe vigia os estudos, mas, ao mesmo tempo, mantm esquisitasrelaes. Oswald refere-se a seus passos escusos: "Os amores deCicloneinfelizmente no tm somentesergents de ville, tm tam-bmcambrioleurs. Eque h qualquer mistrio que minha amantevagamenterefere. Um sujeito esquisito do Brs".17Outro depoi-mento: "Chego ainda a tempo de v-la galgar ligeira o estribopoeirento de um bonde e mergulhar, com a lentido do monstro"deferro, nesse abismo bumoso da vrzea quefaz supor, paia ldobstI3of~cle crimes dasvielas,a bastencja.de rnmanr* em qiipelaseobstina. Com uma timidez depotache,murmurei-lhe, en-trc dentes, um bom-dia idiota. Ela nem sorriu nem olhou. Par-tiu. Pela primeiravez,percebi uma coisa sriaque ela mefazfalta. Assino: Mirabismo".18Doutra feita, Oswald surpreende-aentrando numa "penso de rapazes" na Rua Anhangaba.19

    Desentendimentos com a tia, que a expulsa decasa,obrigam-na a partir para Cravinhos, onde, por exigncia da parente, deve-r obter licena da me para ser independente.20 Nessa cidadedo interior adoece, e de l manda cartas. Numa delas, sem data,escrita em tinta roxa, dirigida a Oswald ("Meu Miramar") e assi-nada GraciaLohe,conta que vai indo bem mal de sade. Indagado amor de ambos e recomenda: " preciso velar por ele, muito,muito!" Mais adiante, pungentemente discreta, revela: "como

    me sintomorrer! Eisto sem gesto teatral, e olhos em alvo... sabescomo sou simplria a esse respeito'Pede-lhe que a visite, tele-fone ou escreva. Suplica s tantas: "consola a tua pobre amigui-nha" eafirma: "sou to s e to triste sem ti". Sugere-lhe quedesfaa agaronnire e solicita, ento, coisas, objetos que l se

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    encontram. "Nessa carta roxa, ela exige tudoa almofada ver-de, a peluda, a pele de tamandu que estava na parede sob umflorete, o meu retrato, o reposteiro claro, os tapetes macios e osDi e Malfatti que possuo", escreve Oswald.21Deisi termina a car-ta dizendo: "beijo-te o olhar verde".22

    A ausncia de Miss Ciclone, sempre lamentada, esvazia o re-tiro de Oswald e amigos. "O covil da Rua Libero agoniza."23Aoseu retorno de Cravinhos,agaronnire fechada e chega ao fimO Perfeito Cozinheiro das Almas deste Mundo. 24 Encerra-se odirio com a sentenaActa est fabulal Abaixo dela, registra-se:"...e o livro se fecha silenciosamente, com a prestigiosa atrao

    das coisas silenciosas:monsilence estmaforce...*' Como ltimacontribuio, em nome da Ciclone, afrase: "E tanta vida, bemvivida, se acabou". Era o seu epitfo.

    Aps narrar que seguiu a Ciclone at uma penso de rapa-zes, Oswald anota em suas memrias: ''Deisi visgo puro. Notenho a coragem de romper. Ela tambm no explica nada, noconta, no se defende. Em Junho, ela me diz que est grvida.De quem? No pergunto. Ela no fala. Concordamos no abor-

    to".25 O aborto praticado, sobrevm violenta hemorragia,torna-se necessria a extirpao do tero, o mal atinge os pul-mes.26Agrava-se o estado da doente e Oswald casa-se com elain extremis a11de agosto, presentes Guilherme de Almeida, Fer-rignac e Monteiro Lobato. A 24, Deisi agoniza e morre. "Esfacela-se meu sonho'', lamenta Oswald, que dir tambm: ' 'Aque en-contrei enfim, para ser toda minha, meu cime matou".27

    Recorte de jornal colado ao fim de OPerfeito Cozinheiro

    das Almas deste Mundo noticia que Deisi (D. Maria de LourdesCastro de Andrade) esteve casada uma semana e que tinha 19anos aofalecer. Vo a seu sepultamento, entre outros, Ferrignac,Edmundo Amaral, Lobato e Vicente Rao. Miramar manda umacoroa com a inscrio: "A Deisi, o teu pobre Oswald". Vestidade branco, est enterrada no jazigo dafamlia do marido, na Rua17, n? 17, do Cemitrio da Consolao. Estava encerrada uma eta-pa da vida de Oswald, que em breve instala outragaronnire,

    agora na Praa da Repblica, esquina da Rua Pedro Amrico.28

    Nela entraria em fermentao o Modernismo.OPerfeito Cozinheiro das Almas deste Mundo, dirio a um

    tempo pessoal e coletivo, alm de testemunho de um tempo, dabelle poquepaulistana, da atmosfera e esprito em que se for-

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    mava uma gerao, , no tocante a Oswald, documento existen-cial que reflete os seus anos de aprendizagem, no s literria eartstica, mas de vida ela mesma, com seus jbilos, dramas, con-flitos esofrimentos: inicia-se sob o signo do riso e do otimismo, jocoso e pilhrico no comeo; vai, a pouco e pouco, crescendoem termos de inquietao, melancolia, angstia, dvidas e sus-peitas, para atingir, aofinal, o plano de lgrimaedo trgico coma morte da bela Miss Ciclone, figura smbolo para o grupo deuma outra mulher que ento seforjava a mulher moderna,em busca de liberdade, deafirmao, de independncia. Veja-seo depoimento dePedroRodrigues de Almeida:''Elasozinha bastapara encher um ambiente intelectual de homens de quanto eleprecisa defeminino para sua alegriaepara seu encanto.Ela mul-tiforme evarivel na sua interessante unidade de mulher moder-na".29Para Ferrignac, Deisi "cheia de graa, amorvel e ben-dita entre as mulheres".30

    Mais do que um dirio,OPerfeito Cozinheiro um caticoe desencontrado ou desordenado romance, por ondeflui uma his-tria de amor, com seupathose sofrimento desentranhados daprpria vidaa histria de amor de Oswald e Deisi, das surti-das sentimentais e misteriosas da freqentadora do Brs pen-sode rapazes do Anhangaba, e, ainda,ahistria do recndito,secreto amor de todos os que transitam pelagaronnire seduzi-dos pela jovem normalista marcadacomo observa Oswald por "um sentimento iniludvel de doena, de morte e de frus-trao".31Um romance de nova estrutura, de tcnica inusitada,de um surrealismo natural e espontneo, em que esto o climaeaspersonagens quevogerarepovoarOs Condenados, Mem-

    rias Sentimentais de Joo Miramar eSerafim Ponte Grande. Dongulo da estrutura, do caricato das personagens, estes dois lti-mos livros derivam do dirio, nele se enrazam, ali comeam in-conscientemente. Todo o processofragmentrio de Oswald nascedessa experincia pessoal de diaristaeum pouco tambm das suasleituras doJournal, dosirmos Goncourt,cujacriture artistiquebuscou assimilar, notadamente cmOs Condenados. Machado Pe-

    numbra, deJoo Miramar, certamente um dos freqentadoresdagaronnire. Aviso de crimes e traies, debas fond e desa-gregao deOs Condenados decorre dos mistrios que cercavamMiss Ciclone. Os nomes grotescos ou humorsticose por issomesmo crticos deMiramar eSerafim em nadadiferem, como

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    esprito ou essncia, dos pseudnimos e apelidos usados em 0Perfeito Cozinheiro. O gosto pelo trocadilho, cultivado abusiva-mente no dirio e provindo de Emlio de Menezes, o amor pelas

    situaes inslitas e imprevistas com tons de stira e humor tma mesma fonte.O dirio, por outro lado, tem ainda especfico valor ,

    em si mesmo, com suas tintas de diversas cores, suas colagens,trechos a carimbo, caricaturas, charges e caligrafias, um objetocriativo, uma inveno como livro, pea rara em sua aparnciae organizao. E precursor de vrias obras que, grafcamente,tentam inovar as formas de comunicao. Texto e contexto, as-

    pecto interno e externo, contedo, forma efundo esto indisso-luvelmente ligados nessa rara pea que documenta uma pocae uma cultura.

    NOTASIndicam-se a seguir as pginas de Um Homem semProfisso (So Paulo, Editora

    Globo, 1990), primeiro volume das Memrias e Confisses de Oswald de Andrade, deonde foram retiradas as citaes deste artigo: 1) Pg. 109; 2) Reproduzido em Inveno,n? 5, dezembro 1966; 3) Pg. 118; 4) Pg. 109; 5) Pgs. 110-111. Nas Memrias e Confis-ses, das pgs. 109 a 128, Oswald reproduz diversos trechos do dirio dagaronnire;6) Pg. 111; 7) Pgs. 112 e 116. Oswald tambm usa o pseudnimo de Irmo Garoa einmeras variaes dc Miramar; 8) Pg. 113; 9) Pgs. 110 e 115; 10) Pg. 117; 11) Pgs.121-122; 12) Pgs. 113 e 117; 13) Pg. 120; 14) Pg. 108; 15) Pg, 109; 16) Pg. 117; 17)Pg. 113; 18) Pg. 116; 19) Pg. 131; 20) Pg. 120; 21) Pg. 127; 22) Oswald reproduzdiversos trechos da cana, omitindo outros porm; 23) Pg. 122; 24) Pg. 127; 25) Pg.132; 26) Pg. 132; 27) Pg. 133; 28) Pg. 133; 29) Pg. 112; 30) Pg. 119; 31) Pg. 127.

    As referncias a certas peculiaridades da obra, que se encontram nos prefcios dcMrio da Silva Brito e de Haroldo dc Campos, so pertinentes ao original. Estes pref-cios, bem como a transcrio de Jorge Schwartz, aqui reproduzidos, constam da ediofc-similar, projeto c produo de Frederico Jayme Nasser, para a Editora Ex LibrisLrda., 1987. (Maria Augusta Fonseca)

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    REQUIEM PARA MISS CICLONE,MUSA DIALGICA

    DA PR-HISTRIA TEXTUAL OSWALDIANA

    HAROLDO DE CAMPOS

    A folheatura destelivro-lbum, peasdeummosaicodisper-sivo, livro-caixa-de-surpresas numerado derrisoriamentecomoumlivro-razo (e quese vaicompondo porfrases fragmentrias, ano-

    taes, rplicase trplicas,intervenesready-made, exerccios "be-letrsticos" de circunstncia, caricaturas,cartoons, cartas, ao rit-mo bomio dosmoresehumores doshabitues do ' 'covildo Mira-mar"agaronnire oswaldiana dos anos 17/18), projeta umaestranha luz, uma luz memorial, de pantalhaart nouveau.1

    No sei se pela influncia subliminar da tinta violeta damanuscritura de sua primeira centena de pginas (uma dominantegrafocromtica depois substituda pelo verde,encre verte, a par-

    tir da pgina 112, e, sucessivamente, pelo vermelho, "tinta en-carnada'',rubricas rubras, desde a pgina 149). No sei. Mas, medida que essa luz de vitral coa sobre um passado hoje maisdo que sexagenrio e o nimba de uma aura deliqescente e fan-tasmtica, produz-se um efeito ptico-mnemnico quefaz comque esse pretrito relativamente recente nos parea mais distantedo que o passado remoto, arcaico. Como parece estar longe notempo essagaronnire oswaldiana da Rua Libero Badar, fre-

    qentada por rapazes de palhetaegravataos''gravatas'' (pg.94)que trocavam irreverncias amigveis emfrancs nem sem-pre correto (mas constantemente ferino) e acompanhavam comdistncianonchalante ossucessos do anofinal da Primeira Gran-de Guerra. Como tem um ar fanado essa escritura lils do ano

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    dcimo oitavo deste sculo, mais morta e cedia para o nosso cri-ticismo desromantizado de homens ps-modernos da dcada de80 do que as incises parietais, cursivamente picassianas,4de um

    desenho rupestre.Aomesmo tempo, h alguma coisa de persistentemente no-vo, instigante, vivo, por trs desses caracteres coloridos (s vezesdisciplinados emcaligrafia elegante, outras garatujados emrabiscos,aosaborgrafolgico de cada temperamento), queconfiguram umaespcie de simpsio risonho:OPerfeito Cozinheiro das Almas deste

    Mundo... Ei-lo, nossavista,nesta cuidada reproduofac-similar,apresentado na letra roxa do //^r^ar-delegado-de-polcia Joo

    de Barros (Pedro Rodrigues de Almeida), com umprefcio no es-tilo retrico-ornamental dofuturo Machado Penumbra dasMe-mrias Sentimentais de Joo Miramar: "Para os que vm do so-nho e do impalpvel, acreditando na bondade nativa da mulhere na felicidade poetizada do amor, alinhar-se-o como lanceirosespirituais, agressivasesperas, as receitas apimentadas comaver-dade picante dos desenganos reais..." (...) "Muito de arte entrarnestes temperos, arteeparadoxo, que, fraternalmente, se mistu-

    raro para formar, no ambiente colorido e musical deste retiro,o cardpio perfeito para o banquete da vida"; ''...o triunfo maiscompleto da culinria espirituale openhor certo dafora psqui-cadas geraesvindouras''.A verveparnaso-acadmica diz de umapocanossa leviana e retardadabelle poquecm que a li-terarua pretendia ser o1'sorrisoda sociedade'', afraniopeixotes-camente. Desmitificada, minada nos resqucios prestigiosos de so-lenidade que lhe sobravam da ''escrita artista'', transposta para

    um novo contexto, assumida ao revs enquanto possibilidade depardia (e de autopardia), essa mesma verve dar nutrimento stira mordentemente demolidora dos romances-invenes os-waldianos. Mas o trao vital que procuro surpreender e definiragora noexatamente este, do qual jmeocupei em outras opor-tunidades. Aqui me interessa sentir uma presena. Uma presen-a queseimpedisseminao, ao desconcerto estilhaado dessedirio coletivoealegremente proliferante, coma fora coesiva dc

    ummagneto. uma imagem de mulher:perfil degaronne,me-cha ruiva agressiva, feies petulantes, um trao azul marcandoa olheirafunda, desenhada por Jeroly-Ferrignac (alis, Igncio daCostaFerreira):Deise (Daisy), Dasinha, Miss Ciclone, a musaart

    nouveaudagaronnire miramarina...

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    No preciso muitoesforo para dar-se conta de que nessejornal caleidoscpico, movido a alfinetadas de humor e a passesde trocadilhos mais e menosfelizes, o trao de unio que suturaos momentos dispersos do mosaico, e lhes d conexo e sentido, a presena/ausncia ciclnica (e cclica) daMiss.Musa polifni-ca, ela quem aparecendo e desaparecendo tece e retecea trama do "Dirio", deflagrando as interrogaes, os coment-rios, as glosas, as pulses lrico-epigramticas e os arroubos pas-sionais do grupo disponvel de' 'estetas'',freqentadores do' 'co-vil" do miramante (e mais de umavezmirabismado e miramar-gurado)Miramar:todos sobaregncia de sua "batuta invisvel''...Musa palimpsstica, boa parte dosgrafemas que constelam o textocomo que a reinscrevem implicitamente, em linha d'gua, figu-ra latente e latejante de um desejo ubiquamente plural.

    Deise, Miss Ciclone, Miss Tufo, Tufozinho a pr-Paguda Idade Bomia de Oswald de Andrade, da era em que o autordasMemrias Sentimentais de Joo Miramar o Mramar/Ga-roa doCozinheiro acreditava que o contrrio do burgus seria

    o bomio, no o proletrio. Pagu, a Musa Antropfaga daRevis-ta de Antropofagia (2 *Dentio), a Musa Proletria dafase doHomem (e daMulher) do Povoe do Parque Industrial, to bemretratada por Augusto de Campos emPagu-Vida-Ohra, est pa-ra Oswald de Andrade como Asja-Lacis para Walter Benjamim a musa militante da virada ideolgica. Como refere Mrio daSilva Brito, com certeiro poder de observao(As Metamorfosesde Oswald de Andrade), se Pagu, ''a Passionria Nacional dos

    momentos primeirosehericos da luta ideolgica no Brasil", es-t caracterizada na revolucionria Mongol, personagem deAEs-cada Vermelha (da TrilogiaOs Condenados), Deisium compo-nente essencial do retrato de Alma: essa Lucola tardo-romnticae evanescente, protagonista dos primeiros dois livros da Trilogia,escritos basicamente entre 1917-1921. Musa crepuscular e agni-ca, sua morte prematura, dolorosa, joga o irresponsvel e destro-ado Miramar num outro tempo de sua carreira de escritor e de

    homem: ele comea a experimentarforas e amadurec-las paraas escaramuas do Modernismo, a afiar sua navalha crtica paraos anos polmicos dos romances-invenes da dcada de 20 quese anuncia. S depois, ao cabo dessa nova etapa (que se ir de-senrolarao longo dos anosda vidaemcomumcom apintoraTarsilaofulgurante perodo "Tarsiwald"biografado por Aracy Ama-

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    ral), emergir o Oswald dos anos 30,' 'casaca-de-ferro na revolu-o proletria", pedindo contas a seus avatares provisoriamenteconjurados: tanto ao Miramar docemente alienado dos discursos

    cvicos de Tijucpolis (Aradpolis), como a seu desabusado su-cessor, o carnavalescohomo seraphinicus: "Necrolgio da bur-guesia. Epitfio do que fui".

    Um outro necrolgico encerra este lbum-vida que OPer-feito Cozinheiro: um recorte amarelecido de jornal (sobrescritopor uma data a mo: "Agosto 25-8-1919"), registrando o faleci-mento da normalista Deise e o seu casamento inextremis como jovem Oswald, bacharelando em Direito. (Pagu, poca, tinha

    apenas 9 anos e freqentava o Grupo Escolar da Liberdade.) l-bum-vida:a vida,aqui, imitaa arte,estiliza-se como arte, na formado paradoxo wildeano. Deise, a normalista de Cravinhos, a "es-finge do deserto do Brs"2(o Brs da "divina encrenca e do mis-trio", o "delicioso bairro d'apaches", como ela o definia ideali-zadamente, velando assim o seu ''mundo de caixeiros'' e a cenaproletria dofuturo romance de Pagu), assume, vivncia exaspe-radamente e satura um paradigma literrio: o modelo romanes-

    co das' 'almasdefico'', cujos sofrimentos elaafirma reviver nos"momentos de veemncia crtica", confessando-se "deformadasentimentalmente pelos livros". Comoasheronas dos "roman-ces de paixo'', de Manon Lescaut Dama das Camlias (sem es-queceravariante virginal de VirginieeAtala),a Miss ora' 'musa

    gavrochedo vcio ligeiro'', ora''silhueta de mistrio'', 4'estranhacriana" morre por amor. Mrio da Silva Brito resume, emseu comovente estudo sobre OPerfeito Cozinheiro, o entrecho

    dessa pera de Puccini que a vida real orquestrou. A morte danormalistapoitrinaire sobrevm, como um desenlace infeliz, aum aborto, forado pelos cimes apaixonados de Oswald, que,liqidadaagaronnire, contava casar-se com a enigmtica Dei-se (essa resoluo rastrevel j antes, nos crescentes protestosamorosos lanados nas pginas do "Dirio" pelo cada vez maisenamorado e possessivo Miramar, a quem os amigos, solidriosno amor e na dorcomo no humor,comeavam a alcunharde "Miramr...tir" e "Miramar...ido"). A nota de tragdia, noirreparvel da notciafnebre, recortada do jornalecoladaaol-bum bomio como umclofon pstumo redigido pela vida real,sobreleva o trao constante de mordacidade e ironia que tempe-ra mesmo os momentos de angstia e sofrimento registrados no

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    Cozinheiro. Nas suas' 'Memriase Confisses'' publicadas em1954{Um Homem sem Profisso), o velho Oswald revive e epitomizaos sentimentos dilacerados do jovem Miramar, na passagem dosanos10:' 'A queencontreienfim, para ser toda minha, meu cimematou... Estou s e a vida vai custar areflorir. Estou s".

    Conhecemos, de longa data, a aclimatao literria desse pa-radigma entre ns, desde o Romantismo alencariano. ComLu-

    cola \1862) eIracema (1865), o romancista cearense conseguiudesvencilhar-se, at onde lhe era possvel dentro dos preconcei-tos puritanos da sociedade do seu tempo e de suas prprias con-tradies, da visualizao tradicional da mulher intangivelmentecastaesublimadamente distantea donzeladasconvenes doamor-corts luso-europeu, que ainda persiste na Ceei doGuara-

    ni,para criar os seus mais livres tipos femininos: a indgenaem estado de natureza e a desinibida mundana de salo, ambas

    a priori ou pordefinio resgatadas do cdigo de tica dominan-te, de imposio patriarcal, pela exceo ou pelo excesso. Irace-ma, a virgem dos lbios de mel, na verdade uma tigresa na obsti-nao de suas opes ("a virgem morena dos ardentes amores"),decidida, no ntimo, a deixar-se possuir pelo guerreiro branco,Martim, apesar dos escrpulos e relutncias deste, acaba, de cer-to modo,por''possu-lo'',seduzindo-ono sono-sonho,aninhando-se em seus braos depois de ter consentido em faz-lo provar oembriagante licor da jurema, do qual ela mesma era a guardie a vestal. Lcia Lucola, "o lampiro noturno que brilha deuma luz to viva no seio da treva" , orgiasticamente dispostaa submeter os homens que a infelicitavam ao prestgio erticodo seudesenfreio carnal; a autopunir-se, flagelando-os tambm,num impulso ambguo de gozo e dio ("Em lugar de Lciadiga-seLcifer" l-se numa passagem do romance). Ambas, es-tando margem por fora de sua condio ou "selvagem", ou"luciferina", podemfazer amor e dispor erogenamente do pr-prio corpo fora das normas masculinas que prescrevem, para amulher, o recato virginal e a abulia encorrinada do decoro espon-salcio, na sociedade brasileira do Segundo Imprio. (Lembrar queFranklin lavora, o regionalista estreito, que seria dado como pre-cursor do naturalismo brasileiro por seus pruridos de localismodocumental, insurgiu-se com indignao moralista contraIrace-ma;nasCartas a Cincinato, de 1870, a pretexto de criticar o' 'es-banjamento de imaginao'' queafastaria o autor da''verdade'',

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    denuncia, na cena da "posse" do Captulo XV, em particular,1'a maisdeslavada materialidade'', a "baixeza'' que supunha assimdesmascararsobodisfarce de um estilo''alambicado'', sob o' 'ar-

    tefato de roupagens suprfluas". Recordar ainda, luz dos da-dos recolhidos por Raimundo de Menezes, queD.Pedro II estra-nhara como um homem doestofo moral do Conselheiro Alencartivesse sido capaz de escrever um livro "to licenciosamente rea-lista" comoLucola...) Iracema e Lucola, ambas essasfiguras denossa galeria feminina defico, excepcionaiseexcessivas para osmoldes da poca, tm de pagar com a morte o tributo pela in-fringncia da norma. E a maneira de Alencarfazer as pazes com

    a conveno e com seus prprios prejuzos conselheirais, exem-plando as suas insubmissas heronas (para isto, semiologicamen-tefalando, tinhasua disposio a alternativa do''desenlace in-fortunado'', contida no esquema romanesco que lhe serve de pa-dro). Iracema expira, depois de dar luz Moacir, ' 'ofilho dador'', sentindo-se abandonada por Martim; Lucola, condenadacisocorpo/alma(ver,nesse sentido, o penetrante estudo de Dan-te MoreiraLeitesobre a "teoria romntica do amor''), redime-se

    de sua condioluciferina: morre de um aborto, resultado de umviolento choque emocional ainda umavezautopunitivo, sabendo-se grvida de seu devotado Paulo e sentindo-se indigna de umamor puro ("Fui tua esposa no cu!"). Poderia parecer-nos queessa idealizao romntica do ''eros'' na mulher, maniqueista-mente livre em suas exteriorizaessquando destinado a ter um"final infeliz", teria sido, de uma vez por todas, relativizada eambigizada pelos olhos ciganos da Capitu machadiana (na car-

    ta roxa, do final deste "Dirio", Miss Ciclone diz estar relendoDomCasmurro...). Avida mostrou que o modelo supostamentedefico subsistia, apesar de tudo, em outros termos e cercadode novas tenses, mas igualmente dotado defora coercitivaere-pressora, na Paulicia no to desvairada dos anos17a19de nos-so calendrio provinciano, ainda pr-futurista...

    Deise, Miss Ciclone, Miss Terremoto, a Tufozinho dagar-onnireque eraZfiro no Brs-Montmartredosdevaneiosafran-

    cesados dos redatores doCozinheiro, viveu com tenacidadeevee-mncia o seu paradigmaliterrio.O quesignificava, antes de maisnada, para ela, uma opo literria, decididamente igualitria,noconfronto com o universo masculino. Uma opo interioriza-da e determinada at a fatalizao, como o provam, aqui e ali,

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    no "Dirio",frases e cartas suas. Como o prova a sua resistnciaspresses moralizantesecensreas dafamlia edo acanhado meioburgus, os estratagemas desenvoltos de que lanava mo paraver-se livre dessas peias. Como o demonstra, por outro lado, aindependncia altiva que marca o seu relacionamento comogrupobomio dosfreqentadores dagaronnire; seu ritmo de andori-nha; suas presenas e suas ausncias misteriosas; sua terna doa-o de amante ("Porti,Joo Miramar, a Miss tem mais profun-dos os olhos e a cabea bizarra mais revolta"), e suasfugas sobe-ranaseinexplicveis, que assustam Miramarecomovemseuscom-

    panheiros ("Flores para a Ciclone! Ressurreio provisria paraoutra provisria agonia... E de novo h de ressurgir de grandesolhos sob a boina ligeira de estudante anossa Ciclone, a nossamocidade, o nosso smbolo esguio"). O "Dirio" um grficodessas atitudes, contraditriassnaaparncia,da''singular doida-lcida, Miss Ciclone de olhos tristes..." A irreverncia galantea-dora e cobiosa dos' 'seusrapazes'', ela responde com ceticismomelodramtico, quando no a paga tambm na mesma moeda

    brincalhona de irreverncia. Num trecho em que Joo de Barrosliterateja loas em louvor daMiss("A Ciclone um desenho mo-derno do Sexo, feito nervosamente e a carvo, de um interesseempolgante, capaz de satisfazer a todos os espritos de homem,os mais diversos e exigentes...") e onde Miramar, trocadilhesco,entoa: "E o pecado imortal!" Deise entra no jogo e ironiza, nomesmo tom de clich grandiloqente: ' 'ACicloneo grande v-cio desta vida...", para afirmar em seguida, nummoodafetado,

    dramtico:' 'Oh!o passado ser-me- sempreagrande chaga quesangra e cheira mal..." Em outro momento, escreve: "Mas a arte to longa... e a vida to curta", e o velho paradoxo latino,de dicionrio de citaes, ganha repentinamente um sentido do-cumental de instantneo. Pginas adiante, compara "Le Cygne",que "morre lentamente" nafonola, com um "vampiro de san-gue" que lhe suga os sonhos... Tiradas literrias e vida crua seinterpenetram: "O dia afalecer no hospital de sangue do poen-

    te"... Ou: "Vou ao mdicofazer uma puno. Ciclone". Oswald-Miramar caoa das "literatices" da amiga (embora ele mesmo,de quando em quando, no deixa de perpetrar "tiradas" do g-nero nas pginas do "Dirio"). A certa altura, j quase no finaldoCozinheiro, anota: "Daisy continua a fazer literatura cravi-nhense". Antesfora o Ventania (o caricaturista Ferrignac) quem

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    glosara, mordaz, um trecho idlico-paisagstico, caprichadamen-te composto na letra caligrfca da Ciclone: "Viva abasbleuzi-

    nhado Brs!" A Miss no perde o prumo: assina uma de suas

    cartas "Missa Literria''... Diverte-se comascomplicaes doms-ticas do Miramar (que se estava separando de uma antiga liga-o, afrancesa Kami): "Kami!"registra em letras garrafais1'Oswald entrouc miando, pelochapu.Ciclone''.Eno deixade anotar, fazendo troa com a ambigidade de sua situao nomeio dos "gravatas": "Eu sou como a cobracascavel!Sou trata-da a ponta-pel!" Provocante e reticente, joga um jogo de esqui-vanas com os seus mal-dissimulados pretendentes e com o pr-

    prio Miramante, que, saudoso da sua presena, prorrompe, maisde umavez,emefuses ditirmbicas: "Ciclone, pinga da minhataverna sentimental! (...)Volta!Volta!" Ou ainda: "Amo-te. Souteuescravo!Abaixo o13de maio... Miramorto". Quando um doslitterteurs condimenta uma receita galante de amor e mulher, pg. 104 do Cozinheiro, deixa escrito: "...e como ella se nosescapam sempre com um lindo riso por entre malhas inhabeisdo sentimentalismo macho''. Denuncia-se nessa passagem invo-

    luntariamente o "machismo" mal-contido, "poetizvel", mas nofundo cioso de domnio, dos bomios do "covil" miramarino,os "neoromnticos de 1918"... Talvez porissoCiclone zombe doscimes do Miramar. Conta-lhe dos seus misteriosos namoros doBrs. Do seu Harrusam, amarelo amor japons, cujo nome ''didia de uma pastilha de chocolate ou mel rosado''.a "Cclow-ne" do "circlone"... Coqueteia comos"seus rapazes",flerta comeles todos, cobrando-lhes tributo de afeto ("Ferrignac que no

    se esquea muito de mim e Viruta e Leo e Sarti, o meigo poeta,enfim todos os pequeninos deuses do meu paraso perdido").Manda-lhes bilhetinhos, mimando-os com apelidos ("O bilhetechamava o Leo sabem de qu? 'Meu doce de abbora sentimen-tal!', e dizia tambm isto: 'Mas tira esse bigode esquisito, esseindcio piloso e frgil da raa nobre!', e assina 'Tua sereia'. Leodesfez a tromba, gozou, depois murmurou: No, os bigodesno, ainda no esqueci a histria do Sanso"). Se lhe celebram

    parnasianamenteas"mos reais d'unhas perfeitas", replica, p-ginas (e vida) adiante, j do seu exlio de convalescente em Cra-vinhos: ' 'Aterra deescarlata mas no h mos reais de unhasperfeitas: quando muitoumasmozinhas avermelhadas com mon-tanhas de calos, unhas torturadas, comidas de um lado". Se o

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    Miramar-Garoa, hamletiano,faz "blague": "Ciclone, que maisesperas? Vai para um convento, philia!", ela retoma a "deixa"

    eatia: ' 'Receitas conventuais:Quiseras estarnoconvento?Nucom vento? ...!!! / Preferiria estar nua com garoa..." (OMiramar-Garoaeo Ferrignac-Ventania entram na dana,ea Miss,maliciosamente, replica ' 'Primeira receita'' escrita em30de maiode1918pelamodo Miramar, logo pg.2 doCozinheiro: "Noscasos de amor, Dulcinia prefira-se a Dulce nua"). Mas a ob-sesso do infortnio, do "final feliz", persiste, atravessa o texto,resiste, convincente, ao prprio tora pattico, empostado, de con-fisso "literatizada": "Que ser que eu tenho em mim? Umaansiedade m que me tortura um pouco... Sinto a premeditaoqueaalma tem paraa desgraa!Queserque eu tenho em mim?...A medalha mostrou-me o reverso''. Na cartafinal, na''carta ro-xa", naquela em que Deise, segundo o relato confessional do l-timo Oswald(Um Homem sem Profisso), "exige tudo" daalmofada verde aos tapetes e quadros que guarneciam agaron-nireem dissoluoela junta as duas pontas da dor e do hu-mor: "Lego-teobidet, mas manda-me o espelho". Lia baudelai-reanamente asFlores do Mal, e como que adivinhava a proximi-dade da morte (que aguardava "sem gesto teatral e olhos em al-vo"). "Beijo-te o olhar verde" suafrase de despedida. Poemade ums verso.Sinttico.Beijometonmico, atirado noimpromp-tude uma frase-em-liberdade.

    Da Miss de quimono lils e mecha interrogante no restouobra, restou vida. Breve, intensa, fragmentria, epifanicamente

    reconhecvel nos instantneos dispersos deste "Dirio". Escreveainda o Oswald reflexivo das Memrias eConfisses de 54: "DeDeise, que tambm usara o pseudnimo de Gracia Lohe, restabem pouco, apesar de ter deixado umadifusa enumerosa litera-tura. Se, nas minhas peregrinaes, eu no tivesse perdidoassuasmemrias inteiramente fantsticas, ela talvez tivesse sido a pre-cursora do conto policial que hoje to bem cultiva meu amigoLuiz Coelho''. Da fbula vividaActaest fabulal, l-se em la-tim de bacharel na ltima pgina doCozinheiro , elafoi, noentanto, actante e atrizagente e reagente (no sentido qumi-co ou alqumico) da"funo fabuladora". "Evocno conhecea Cyclone?!..." (pg. 68). "Todos ns, defacto, ammos a Cyclo-ne..." (pg. 156). Plurabela e analvica presena, amante-e-mecomo o "Eterno Feminino" em Joyce ("Well, you know Anna

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    Lvia? Ycs,of course,we ali know Anna Livia"). Mrio da SilvaBrito apontou com razo afuso dessa dupla imagem, desse du-plo papel da mulher em Alma, deOs Condenados. Assim, Daisy

    (Deisi), MissTufo, a ciclnicaTufozinho, acaba sendo, por os-mose e catalisao, a autora-regente de0Perfeito Cozinheiro. Ecomo este, ainda na certeira apreciao de Mrio, visivelmenteo embrio''catico'',' 'de um surrealismo naturaleespontneo'daTrilogia; como tambm , na novidade da estrutura aleatriae daforma ready-made, de livro-objeto, o nascedouro do parMi-

    ramar/Serafim, osromances-invenes da radicalizao modernistaMiss Ciclonefica sendo uma espcie de "ghost writer" desse

    agendrio coletivo, dessa escritura originariamente plural, quefluipor revezamento e contraste, por idlio e trocadilho, ponteio econtraponto, exerccio estilizanteemordacidadepardica.Nofazerdas contas, Miss Ciclone, a "basbleuzinha do Brs", emerge pa-ra ns, do seu nostlgico' 'auto-epitfo'' no lbum miramarino("E tantavida,bem vivida, se acabou"), como a musa dialgicada pr-histria textual oswaldiana.3

    Eaqui que alcano entender melhoroque persiste de ins-

    tigantee vivopara alm da escriturafanada deste lbum repus-cular, quase monumentofnebre, decorado com marcas de flo-res murchas, retalhos de cartas, gramposenferrujados, peas vo-tivas de umbric--brac memorial. Penso dissipar-lhe a distncia''aurtica'',penetrar orayon violet que se projeta de suas pgi-nas como um revrbero de miradaart nouveau, surpreender-lheo sentido prospectivo, j agora apostilado histria ( Histriado ModernismoBrasileiro,de que Oswald de Andrade seriaaper-

    sonagem "mais caractersticaedinmica", no testemunho auto-rizado do outro Andrade, Mrio). Peter Szondi, numa compara-oiluminadora entreo' 'tempo perdido'' proustianoeo dcWal-ter Benjamin (da "infncia berlinense" revisitada), esclarece: "O

    tempo perdido de Benjamin no o passado, mas ofuturo". Eapoia essa observao num aforismo deEinbahnstrasse: "Comoa luz ultravioleta, a recordao manifesta, a cada um, a glosa se-creta que acompanhava, como uma profecia, o livro de sua vi-da". O que nos interessa (e fascina) nesse livro passado recap-turar nele a figurao do futuro.

    SoPaulo, julho de 1982.

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    NOTAS

    1EmUm Homem semProfisso (Memrias c Confisses), voi. I, 1890-1919(Sob as ordensde mame),RiodeJaneiro, Jos Olympio, 1954, Oswald escreve (pg. 109) "Alugo umagaronnire, Rua Libero Badar, nos fundos de um terceiro andar. Estamos no ano de17. Dessa poca, do ano de 18 e at 19, componho com os freqentadores dagaronniree com Deisi, quesetornou minha amante, um caderno enorme que Non conserva'M-rio da Silva Brito refere como datas de elaborao do dirio: "30 de maio de 1918 a 12 dcsetembro de 1919" ( "O perfeito cozinheiro das almas deste mundo'Suplemento liter-

    riode OEstado de S. Paulo, 16.3.1968).Aorepublicaresseestudo pioneiro(ngulo e Hori-zonte,So Paulo, Martins, 1969;AsMetamorfoses deOswaldde Andrade, So Paulo, Con-selho Estadual de Cultura, Comisso dc Literatura, 1972), Mrio indica "30 de maio dc

    1918a 12 de outubro de 1919". Frederico Nasser e eu, depois dc cuidadosa verificao dooriginal e sua confrontao com os trechos correspondentes deUm Homem semProfisso(UHSP), chegamossseguintes concluses:A garonnire poder ter sido alugada por Os-wald no ano de 1917, ano em queseestreitaram suas relaes com Deisi (UHSP, pgs. 175a 177). O dirio, todavia, apesar de trazer na frente da segunda guarda, a lpis, as datas1918-1919. parece ter sido escrito ao longo exclusivamente do ano de 1918. A pg. 1, a dataexpressa de seu incio c 30 dc maio dc 1918. O encerramento sc d cm 12 dc setembro domesmo ano de 18. O ms e o dia esto expressos ltima pgina do caderno; o ano resultadasinformaes contidas em UHSP, pgs. 209-211. No dirio, nafrente da penltima guar-da, encimando a carta final de Deisi, escrita cm roxo, h um carto-postal, colado, coma data completa: 12.9-18. Desfeita agaronnire, Oswald instala Deisi "numa casa da RuaSanta Madalena, no Paraso" (UHSP, pg. 214). As referncias Ciclone, que seguem emUHSP, no mais esto registradas no dirio, j concludo. Neste, como acrscimos posterio-res a 1918, podemos encontrar apenas: a) o recorte de jornal, noticiando o falecimento deDeisi, colado na ltima guarda, com a data, a mo: 25.8.1919); b) a inscrio no verso dapenltima guarda, comentada na nota 3, abaixo (atribuio conjectural).

    2 Lily Litvak,Erotismo Fin de Siglo, Barcelona, Antoni Bosch Editor, 1979, mostra comoa simbolizao da mulher sedutora numa esfinge foi uma constante no erotismo europeu

    finissecular: "Assim presidiu a uma revista criada na Holanda e a outra na Alemanha; as-sim a pintaramKhnopff, na Blgica, e Toorop, na Holanda; e assim escreveram a respeitodela D Annunzio, na Itlia, Wilde, na Inglaterra, Eugnio D'Ors, na Espanha. Nesse sen-tido representa o enigma da vida e o mistrio do destino humano".

    3 O anncio "No Ibrno / Brevemente 21 rao", completado por um lema recursivo, emitaliano "de ore lhada'DA CAPO AL(sic) FINE, parece-me umPost Scriptum algo tardio,acrescentado ao lbum nafase da segundagaronnire de Oswald, onde a "Semana de ArteModerna" germinaria em "discusses entusiasmadas sobre pintura, escultura, msica, poe-sia, prosa, romance, tudo, enfim, num ambiente heterogneo econfuso..." (Conferir Mrio

    da Silva Brito, ' 'O Arauto da Semana de Arte Moderna", cmAsMetamorfoses de Oswaldde Andrade.) Oswald provavelmente pretendeu, em certo momento, manter um novo "Di-rio" desses anos modernistas. Do perodo de 1929-31 "O Romance da poca Anarquistaou Livro das Horas de Pagu que So Minhas'\ publicado parcialmente por Augusto de Cam-pos{Pagu Vida-Obra, So Paulo, Brasiliense, 1982) com o pertinente comentrio: "...est pa-ra o Perfeito Cozinheiro (...) como um concerto de cmara a duas vozes para uma sinfonia''.

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    NOTA DO EDITOR

    Na transcrio do manuscrito, optamos por manter a gra-fia original e algumas outras de suas caractersticas tais como:disposio do texto na pgina, sinais grficos, alteraes e cor-rees. Conservamos tambm a numerao das pginas e repro-

    duzimos nas de nmero 28, 29, 30, 31, 32 e 33 os desenhosassinados por Jeroly.A ttulo de ilustrao, reproduzimos e encartamos algu-

    mas pginas do dirio, de forma a proporcionar ao leitor umaidia mais aproximada da riqueza da obra.

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    1918

    Maio 30

    Perfeito cosinheiro das almas., deste mundo: naformula brevee extica d'este titulo est a promessa, que, praza a Deus noseja mentirosa, do livro mais util, mais pratico e mais modernodeste sculo de grandes torturados. Si o nosso pobre corpo, depaupe-rado a toxicos e reduzido s propores de carcassa degene-rada, precisa dos condimentos que rehabilitam, no me negara posteridade deliquescente, que se annuncia, serem almas humanas as coisas mais esfomeadas e debeis, que se agitamneste conflagrado planeta dos absurdos e das inverosimilhanas. Aqui, e nofoi outro o intuito humanitario dosabnegados autores, encontrarfho as irriquitas e contradicto-rias almas deste mundo com que matar a sua fmg jeo^^^m^Lai^fomedolluso. Para os que vem

    na bondade nativa damulher e na felicidade poetisada do amor, alinhar-se-ocomo lanceiros espirituaes, aggressivas e asperas, as receitas api-mentadas com a verdade picante dos desenganos reaes, que fer-

    vem em volta de tudo, para nosso assombro e desolao Paraos que precisam mitigar o grande mal de ter vivido muito,paraosque sentem, na ruina dos sentimentos monos, o desen-cantamento doentiio das coisas e dos homens, os pratos com muitosaL osanti-pastosfones, as salitradasfatias de bom-humor,que do sede para beber, num clice de ouro improvisado ecom relevos de sonho, a ambrosia embriagante das horas despreoc

    cupadas, que produz asressurreiesdo bem cubiado e perdidoe acorda, na bruma parda da viso pessimista, os vagos contornos da chimra, que consola e quasi cura.Muito de ane entrar nestes temperos, arte e paradoxo, que,fraternalmente se misturaro paraformar, no ambiente colorido e musical deste retiro, o cardapioperfeito para o banquete

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    da vida. Comendo assim, as almas sans sefaro robustas e as doen-

    tes sustero, com grande encanto e surpreza, a marcha dos seusmales. Ser o regimen idal e hygienico, nada de excessos, nadade indigestes. Almas equilibradas e sanguineas: o triumphomais complto da culinaria espiritual e o penhor certo daforapsychica das geraes vindouras. Que o livro produza o bem queha de encerrar.

    Joo de Barros

    Primeira receita:XMpM/Affott

    Piii Nos casos de amor, Dulcinaprefira-se a Dulce nua.Dr. xxxx

    Maio 31

    A Cyclone bateu a borracha.Miramar

    Ri devagar

    Cyclone

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    Eu tinha trez amigas

    A primeira partiu Asegunda

    A terceira,f^! V

    Quem o sabe?

    Cyclone.

    A segunda? Repartiu.Miramar

    E o amigo? ^ 2

    tentou rehavel-a... .negando-lhe beijos indaque falsos.

    Cyclone.

    h

    Tarirari taranta n tan!fari fan fan! C a t m caT\Phonola

    Estou desesperado, morro enforcado, Cyclone muito m. Nh, nh, nh...

    Therezo.

    Em torno da mulher, os homensformam duas corren-tes, completamente diversas e oppostas: uns procurammaterializal-a, cultivando-lhe a carne e abafando-lhea alma; os outros anceiam por espiritualizal-a demais, eri-ando-a de complicaes psychicas. Como so raros os

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    transfugas d'essa generalidade bi-partidaitofriti

    i que comprehendem que ella, afutil e gloriosa herdei-ra de Eva, composta de corpo e alma. S esses so ca-pazes de plasmal-a completamente, no grande sentido,ii\ fa-zendo-ai integraM,fortei e tranquilla . Honra aelles!

    Joo de Barros.

    Paradoxo para uso interno:A mulher a costella de Ado,

    o sopro de Deus e a saudade da Serpente.Joo de Barros.

    .. ou a saudade de Deus, o sopro de Ado e a costella

    da serpente.Miramar

    O perigo do engasgo de Ado nofoi ter sido com ama e sim com a prpria costella

    M.

    Sha um mommento interessante no dia, o do cre-musculo, s existe uma edade interessante nas mulheresa dos trinta annos. Uma mulher de 18 annos to massan-te como um morma#o.

    Viviano

    Junho 1

    Manh s, manh triste. O Sr. de Kubelick, pallido e cabelludo,tropeando no tapete chega e toca Rubinstein para eu ouvir.

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    Lfora briga-se por causa do Valois. Hontem entrevisteia Pavlowa. Ella tem marido, cachorro,frio e bocejacomo qualquer de ns.

    Miramar

    Ferrignac chegou, ja eratempo!Com elle, um minue-to de Beethoven e o "Momento Musical" de Schubert.Significativo para 4aihii phase de verve morta.

    Miss Cyclone c'est la fatalit!

    Mich... let.

    Apague a luz!...Chico Ventania

    Sur la Cyclone on pourra dire tout ce qu'onvoudra: tout sera galement vrai... Parce qu'elle est le ihMensonge... Ou laVerit! Ferrignac

    sde vidrio la Pina!Lucena

    Oswald.Burrinha! Burrinha!Cyclone. Ai, Juo! Ai,Juo!...

    Burrinho voc, seu FerrignacMiracydone

  • 5/24/2018 ANDRADE, Oswald de - O Perfeito Cozinheiro Das Almas Deste Mundo

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    Sobre a graphonola:

    Uma mulherfeia como o 'Chui-Chui" de Carylum discodesafinado. Uma mulher bonita como "LeCygne" de Maud Powerum disco afinado.

    Viviano..

    Noite. Silencio. O retiro deserto... Sobre a mesa os destro-os tristes de uma refeio: "andaram barbaras por aqui".

    Abro o nosso registro: "Oh! lindo, lindo, Ferrignac chegou".Leio as paginas dehoje:"Os barbaras so sentimentaes esonham; que delicias {arharos!" Fao musica em honradelles: "Viva a phonola"..

    Joo de Barras.

    44A ultima rosa do vero."... Vem perto o outomno para todos

    ns; maturidade gloriosa dosfructos cidos da mocidade! Outomnoque nos chegas, evocado pela musica, que se desmancha numagraciosa agonia deflres, chega-nos com sombra amena e doura nospomos; no nos seja preciso temperar o que a vida nos devraterAfeito bom e assucarado; Outomno, s benigno e transformaos azedumes da illuso na essencia dce de uma experienciavencedora! Soa Phonola! Faz-nos pensar na ultima rosa que

    se desfolha no escaldante vero da existencial. Quando ser? Quan-do ser isso?logo, decerto, e deve ser encantadorver,sob umcu que sefaz diverso, no desmaio chlorotico da cor, umaptala, outra depois, depois mais outra.. irem todas, lentamen-te, cahindo, cahindo...

    Joo de Barros.

    Lendo, na Gazeta de hoje, a entrevista de Miramar com afriorenta Pavlowa, convenci-me, mais ainda, de quesomosmesmoum povo fundamentalmente elegante, elegante no conjuncto, nos

  • 5/24/2018 ANDRADE, Oswald de - O Perfeito Cozinheiro Das Almas Deste Mundo

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    capiteis, na cupola e nas bases: temos entre ns o primeirosapateiro do mundo. Irra! j a gloria!..

    Joo de Barros.

    junho 2

    Some sunday morning"Pedro ri litteratura. Estivemos na missa em So Bentoe, vista dos ltimos telegrammas, quizemos saberdo Cyro qual era a candidatura derrotista. Os al-lemes bombardeiam Paris. Ferrignac comprou umpapa-capim. Nadje, que tem cabellos de bronze , um

    cunhado deferro e umafrgil alma de crystal, man-dou-me um carto com isto lithographado sobre umapaysagem defolhinha: "A*tua ingratido me mata".

    M.

    Amanheci amarfanhado e molie; a noite correu-metumultuosa de sonhos e escassa de repouso; sahi indeciso,

    amado e bambo de alma e decorpo.Apezar de todas interes-santes noticias da campanha em que se mediram o Abrao Cri-minoso do Valois e o Cavalleiro Andante da Peuana, notinha vontade, nenhuma vontade de rir. Mas, depois damissa, aqui, as piadas sobre aoffensiva, a phonola, o Mira-mar afazer arrumaes divertem-me, alegram-me e,porfim (Oh!Prodgio!) o sr. Ren Zapata Quesada arran-

    ca-me gargalhadas immensas, gargalhadasfeitas na barri-ga,faz-me chorar de rir.Acarta que elle escreveu aonosso amado Guy,que coisa, que monumento, que preciosida-de! Tristes, doentes dofgado ide a essafonte beber alegria!Quecarta!Ainda haver mo-humor depois de se ler a prosa

  • 5/24/2018 ANDRADE, Oswald de - O Perfeito Cozinheiro Das Almas Deste Mundo

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    do grande homem? Leiam, leiam todos os quesoffrem e

    respondam. Zapata, eu te admiro, e te agradeo commo-vido; s um benemerito, Zapata, quero-te aqui, quero dar-tepinga com limo e piadas do Ferrignac, quero ofiertar-te umTherezo, quro beijar-te, Zapata! Eu te amo de longe, vempara ns, vem alegrar-nos; no sejas mo!..

    Joo de Barros.

    Homem no MunicipalRofthkoff, blagueur do sculo 21,diz-me da pederastia de Nijinski e do seu casamentopor 200 pesos com "alfombra", levando o cura em con-siderao, a reclame para sua#greja.Roskoff o south american modem boyfilho de russos.

    M.

    Apezar de ser, comoficou consignado, to desopilante o sr.Quesada, a quem no tenho o direito de negar talento (e deve tel-odefacto) fiquei encantado, intima e sinceramente satisfeito comesse documento mais, que elle, expontanea e calorosamente, veio

    juntar aos muitos, aos valiosos, aos indiscutveis titulos,quefazem, neste momento, a consagrao justa e, para

    mim, desvanecedora, do grande pota, do realmente etotalmente pota Gy, meu amigo, meu bom, meu velho, meucarinhosissimo amigo.

    J. Barros.

    Tarde azul. Almoo com Pedro. Palestra com Rothkoffno quarto, naRotisserie.Buenos-Ayres, S. Paulo, a

    Europa.M.

  • 5/24/2018 ANDRADE, Oswald de - O Perfeito Cozinheiro Das Almas Deste Mundo

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    Junho, 3.

    No pude vir, honrem, noite, hora combinada. Quandocheguei, encontrei a portafechada. Lamentei, lamento.

    J.B.

    A Cyclone, ella sosinha, basta para encher um ambienteintellectual de homens do quanto elle precisa de feminino,

    para sua alegria e para seu encanto. Ella multiformee variavel, na sua interessante unidade de mulher moderna.

    Joo de Barros.

    A Cyclone um desenho moderno do Sexo, feito nervosa-mente e a carvo, de um intersse empolgante, capaz desatisfazer a todos os espiritos de homem, os mais diversos eexigentes.

    Joo de Barros.

    Ainda no vi Ferrignac, depois que chegou de suaviagem. Estoucom saudade d'elle. Como eu gosto desse typo! Que bizarro bla-gueur!

    Joo de Barros.

    A vida um bem, mesmo para o pessimista, porque estepoder e deve definida assim:" o bem de esperar a morte".Ou isso, ou a esperana um mal.

    Joo de Barros..

    Tens a alma opilada? O triatoma cupidineo infeccio-nou-te o corao? O hematozoario de Laveran te anemiaa inventiva?

    Cyclomol, q.s.X

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    Difinio graphica da vida:"...?..."

    Viviano Pacchcco

    Nous dcvons acccptcr lc vent comme il souf-flc, lc temps comme il vientla "Cyclone" com-me elle est...

    Chico Ventania

    Cumulo de pacincia:

    Catar carrapatos com luvas de box...

    Viruta

    da impacincia:

    Jogar box com luvas de pellica.M.

    Reflexes sobre a Cyclone:

    Cyclone uma espiral defumo de perfumadorespiritualisada em rithmos de musica slava.

    Viviano.(com vistas ao Dr. Franco da Rocha)

    Cyclone... (Honny soit qui malypense...)Chico Ventania

    Se a Cyclone estivesse entre os ventos da tempestadeclassica de Virglio, Enas no escapava.

    M.A Cyclone a desolao do Amadeu Amaral

    C.V.

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    A "Cyclone" uma brisa que annuncia o btMlh

    simum.V.v.

    A Cyclone a quarta virtude theologal.C.V.

    E o pecado immonal!Miramar.

    O que consegue a Cyclone socialmente? Na-da. O que consegue a Cyclone na solido? Tudo

    CV.

    A Cyclone a hyperbole do complicado e a quintessnciado simples.

    Joo de Barros.

    A Cyclone um comprimido de pyramidanpara certas migraines sentimentaes...

    C.V.

    A Cyclone o bem, porque mulher; a Cyclone omal, porque mulher; a Cyclone o bem c o mal, queEva trouxe da Arvore da dupla sciencia e transmittiu mulher.

    Joo de Barros.

    Trocadilho paradisaco de Ado (o primeiro da Terra) Eprefervel ser pente a ser mulher!

    M.

    A Cyclone o grande vicio desta vida.Cyclone

  • 5/24/2018 ANDRADE, Oswald de - O Perfeito Cozinheiro Das Almas Deste Mundo

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    Oh! o passado scr-mc-ha sempre a grande chaga

    que sangra e cheira mal...Cyclone.

    Um grande motivo de melancolia:"Porque o cigarro apaga" Cyclo

    J ter talento e ser mulher!M.

    Que pessimismo, Cyclone! Todas as chagas se cu-ram.

    Joo de Barros.

    O Ferrignac deante da Cyclone a philarmonica deRio Claro, em dia de festa.

    M.O Ferrignac quando v a Cyclone

    fica sentimental e maroto.J - B '

    No se encoste em mim, sino sahe cinza.Cigarro Accezo

    O Pedro deante da Cyclone o directorio politicode Itaporanga em diarfde eleioagita-se.M.

    Viva a Bacchanal de Glazunow!M.

    O cysne deslisa agonisante na phonola, est tudo azul,o ceu, a vida, a tinta. At logo, vou ver se os allemes

    tomaram Paris. M.Ainda no. 8h.xx. J.B.

  • 5/24/2018 ANDRADE, Oswald de - O Perfeito Cozinheiro Das Almas Deste Mundo

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    Hafraquezas que fortalecem.

    M.

    O Pedro positivamente deixou de ser o Dr. Sorrizode Itaporanga paraficar, um instante, estanoite pelo menos, o Dr. Tristeza de So Paulo.

    "Xarope de dynamite" o nome da valsa que a

    nossa orchestra de cegos toca dias e dias, sobo balco hypothetico de D. Felicidade.

    M.

    Quando que a gente poderfazer a arte?M.

    Depois quefizer a vida.J-B.

    Joo de Barros, com um pictoresco real que meda illuso de leitura,i iiAi illustra avida desse "hinterland" da maleita e do sen-timento que d expresso territorial pelo me-nos bandeira verde e amarella dos batalhesde meninos nacionalistas. O preto Sebastio,morto em cima do cavallo,i que pacientementeo conduz assim at acasa;a tragdia do Isaiascuja familia acaba antes do seu corpo podreser pescado numa volta doRio Verde;o sol-dado Clodomiro que amava a Tica e ratou emsyncope, no matto, o suicidio sensacionaltudo isso me pe ante os olhos, a poderosa ma-gia d'expresso que possue o nosso trefego emascarado companheiro de rota. A elle a home-nagem sincera do meu enthusiasmo!

    M.

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    Ri devagar(?)

    Muito obrigado Miramar, tniatua generosidadefoi sempre o microscopio que me centuplica. No me zan-go com isso, porque: Ora cebo, ou a gente amigo ouno! Com tudo isso, porm, que voc enxerga emmim, eu no passo do desterrado delegado de Itaporan-ga, cuja mais nobrefunco caar homens. Coisas davida e no me queixo.O que voc chama poderosa magia

    de expresso no mais do que o meu pobre dom de ver bem.E, com isso, meu velho, sem outros elementos, no sefaz arte. Pbrtal motivo, sou da policia e no das letras. Ahomenagem,que sincra, guardo-a no corao e levo-a commigo paraesse scenario verde e vivo, onde se desenrolaram as coisas queo impressionaram e repartil-a-ei com a vida de l, quefoi o seu prestigio, e no o meu, que o empolglhou e

    seduzio. Mais uma vez, muito obrigado.Joo de Barros.

    Junho 4

    Trag rapadura de cidra e uma alma pre-homerica,cheia de pinga com limo Positivamente amanhecena Vida.

    M.

    Acabo de ouvir paradoxos, bebo madeira e penetro nesteasylo de msicos cgos, onde vejo que Miramar, illudidopelas virtudes do limo ou da pinga, sob a canicula dasua vida intensa de sempre e, sobretudo, do momento, divi-sa, optimistamente,frescas madrugadas azues.assim,meufilho, que sevive: faz-se mistr que no nos queimeo sol e no nos assuste a noite. Temperemos osfogos dodia e atiremos punhados de luz na treva. Que os elementosheterogeneos do nosso existir de bruscas transies se mis-

  • 5/24/2018 ANDRADE, Oswald de - O Perfeito Cozinheiro Das Almas Deste Mundo

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    turem, na retorta da nossa experiencia, para formar

    a suavidade, harmoniosa vista e grata ao corao, dasmeias tintas, das meias luzes, das emoes em surdina edos risos devagar. Que amanhea sempre, para sempre pardejare que ns ii faiih do alvorecer alegre de um cyelo de espe-ranas boas saibamos e possamos repousar, passado o diaintenso e inconseqente, no crepusculo de uma saudaderesignada e quasifeliz. E que a vida sino uma succes-so de madrugadas? Ha dias que amanhecem calmos, corremserenos e entardecem poticos; outros correm turvos e se fchamem tormenta. Que amanhea.

    J. de Barros.

    Pensamento inconfessvel da Cyclone:"s meias luzes eu prefiro as meias de seda.

    M.

    Collaborao da Cyclone

    O Sarti deante da Cyclone illustra o primeiro encontroAiiihTtM que Ado teve com Eva, depois da queda

    Effi toma um ar desconfiado e malandro.

    Madrigal itaporanguense:"Ofogo da mulher amada no queima, illumina"

    BenedictoXVdesculpeM.

    A Cyclone a celebre prophecia a Balthazar: Manes, thecel, phars! ( da Cyclone)

    pesada, contada e dividida. J. de Barros.O peor que:"Dans cettefosse aux "lions", il n'ya pasde Daniel"

    M. Victorhuguinho.

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    Je porte tous Alies biens avec moi!...

    (Isto da Cyclone) Viviano.

    Casa a arte com tua vida e talves sejas feliz!... Mas a arte to longa... e a vida to curta....

    (Isso insinuao de casamento com o Pedrinho) Cyclone.M.

    A Cyclone acaba dedefinir o Pedro:' 'Otheatro ly-rico de Itaporanga" e eu accrescentei: "Em diade beneficio". M.

    Reflexes culinarasFerrignacFoie-gras "Pimpona".Miramar beef la mode do sentimentalismo

    Joo de Barrospicadinho do "donjuanismo" itaporanguenseCycloneMayon&aise da nevrose.

    Vivianocook

    Mh Prato do dia: Feijoada de Cyclones.M.

    O Viviano mordeu o dedo daCfyclone. E a mania de chuchar.M.

    A Cyclone vem me confessar que ama... (o Pedro). Defacto, ella est com o coraoferido epidermicamente.

    M.O estylo o homem, a mulher o estalo.M.

    Lobato esteve aqui e esqueceu as provas dos seus "Urups"sobre osofa. ACyclone, muito pimpona, attribuiu sua in-fluencia desnorteadora esse gesto do nosso homem do dia.

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    Lobato, defenda-se ou confesse que tomou Cyclomol.

    Ferrignac no chegou, que coisa pau!

    Anoitece (na Wida no,) lfora. Aphonola canou detocar tangos. Eu penso no Edmundo, nos alliadosque o Fiore acha que "s uns burro", no Braz, e idh1\i descubro enfim que a cr do sculo

    "A Zul Mira Mar"Viva a Mimi Pinson de Chicago!

    Vou me embora.. No vou.

    locaKubelick!Toca, meu ceguinho!

    Vou.

    Fui.A phonola arrasta o mommento musical de Schubert

    em largas arcadas de violino.Faz-me por issoreflexionar sobre este instrumento

    Reflexes sobre o violino

    O homem o arco; a mulher o "stradivarius"; oarco passa/ e o Stradivarius fica vibrando...

    ViviolineSejamos os virtuoses d'esses stradivarius.

    ViviolinineUma mulher meiga um violino tocado emsurdina. Isso eu j li

    V.V. nos pensamentos dosCigarros Castelles

    Ventania.

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    D.Juan Tcnorio y Salazarfoi o Paganini dos

    coraes femeninos.Vivioline.

    "Chego: tudo deserto: a vida em tomo to deserta... quevontade me vem de chorar mais...!

    Cyclone.A Cyclone diz que isto est semrythmo.Juro que mentira,

    oh entertela da minha vida!Miramar.iiiiiiii

    "Comeo a prever que tambm ja tenho meu corao de moae de menina, estrangulado por um sentir devotado e maligno,mordido pela volpia da vida incgnita que me oferecem:"Le cygne" morre lentamente... e com elle se desdobra de manso

    uma immensa tristeza que como um vampiro de sanguesuga os meus sonhos, matando o meu ardor!

    Cyclone.

    E o Pedro que novem!Que corao de pedra!Cyclone.

    BenedictoXVdesculpe-nos

    J de Barros.

    A Cyclone mysteriosamente leal.J. de Barros.

    . . .eo Pedro grosseiramente leal!Cyclone.

    E ambos so desleaes.M.

  • 5/24/2018 ANDRADE, Oswald de - O Perfeito Cozinheiro Das Almas Deste Mundo

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    Meus amigos, at a volta. A vida boa. Viva a saudade!

    J. Barros.

    Amanh, eu volto.J.B.

    No chorem.

    J-B.

    Ultimo pensamento:

    A vida como o disco comprado pelo Pedro:bem intencionada e mal comprehendida.

    Joo de Barros....maltocada, quervocdizer.

    M.

    No entanto, outra coisa era a vida, ha pouco,para o Pedroa gondola de vime, sem en-

    costo. Ao que a Cyclone observou que o Lobatono bestasenta de atravessado na vida.

    ^Prolongando um trocadilho:Corao de Pedro, corao de pedra, corao de padre.

    M.Bis-Ultimo pensamento: O meu disco uma

    pssima musica tocada por um grande artista;o amor , a maior parte das vezes, uma grande msi-ca, tocada por um pssimo artista. No lhe sabeeste dar expresso e relevo,ih apezar da sua immensabelleza, como no consegue o outro corrigir os defeitos

  • 5/24/2018 ANDRADE, Oswald de - O Perfeito Cozinheiro Das Almas Deste Mundo

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    da composiofalsa e apagada.

    Joo dc Barros

    Se isso e piada commigo,fique sabendo que j toqueia Pathetica de Beethoven numa sanfona.

    M.E eu j executei Wagner no pente.

    De quem? (M.)J.B.

    E o que vale ser cgo de orchestra.M.

    PS. dos ltimos pensamentos:Nofaamos piada, eu pano para

    Itaporanga:fique o meu disco de violoncello sendo anica voz humana deste recinto. Adeus. E com pezarque os deixo, mas o dever me priva de os ver por mais tem-po (sem trocadilho). Adeus e muita saudade, acreditem.

    Joo de Barros.

    Se verdade que violoncello temvozde gente,oiit AUi violoncello

    6h fim iiih ii M Tiii Ai UiT

  • 5/24/2018 ANDRADE, Oswald de - O Perfeito Cozinheiro Das Almas Deste Mundo

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    Daisydesfallece cm crise dc sentimento. Esqueceu-sc

    de rir devagar. O Pedro, esse esqueceu-se de que poli-

    la-me olhos de assassino. Positivamente o disco queelle adquiriu destavezem So Paulo a:

    "AveMaria!M Uttt Tit" do Othello.M.

    Na orchestra de cegos, eu sou o violoncello:falo como gente.

    J. Barros.

    A Daisy a batuta invisvelM,

    Para uma orchestra de cgos, s uma batuta invisvel;si desafinarmos, a culpa delia.Joo de Barros.

    iiiiiiiiiiiiiUii

    J. dc Barros? Daisy? Miramar?.... No grande scenariode um dia depois do outro ho de resolver juntos o cora-co e a cabea. Que grande alma, o Miramar! Queencanto, aDaisy!Que paradoxo,o Joode Barros!

    Como os tres so bons! Como os tres se querem! Acimade tudo, sejamos leaes, prudentes e sensveis.

    J. de Barros.

    Daisy, vocfica insensvel deante d'isso?

    M.

    Fico imprudente e deslealCyclone

    Que prudente lealdade!M.

  • 5/24/2018 ANDRADE, Oswald de - O Perfeito Cozinheiro Das Almas Deste Mundo

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    Pedro parte.Aesta hora apita o trem que ovaemer-

    gulhar em Ituparipiranga ou coisa equidistante. Novou ao botafra para documentar-lhe minha amizade. Nobotofora amigos. Ventos galemos o levem, mas fiquemos... cyclonicos.

    Frei LupusDona Urraca Briolanja de Vermuiz Tructezinda, acastell "com canteiros de violeta em torno dos olhos" que

    pe em cheque o DictoXVdesta rabelaisiana manso quem... (caroo) quem... (caroo). Socorro! Socorro!Sinto o On... nacabea!Audam!

    Frei Lupus

    Do Lobatoos torcedores da guerra Esahimos, to-mando no cabide o chapo, o guarda-chuva e asideas l de fra.

    Junho 6

    Ei iiiiiiii O Miramar "le poids lourd" do romanticismo.MfCyclone

    A Cyclone o "poids leger".M.

    O Viviano, illustrando a sua opinio a meu respeitome (adivinhe sefor capaz.) nueto?

    Cyclone.

    A ^Cyclone a sphinge do deserto do Braz

    Viviano.

    O Viviano d vida um sabor d"exquise" descenas azues... de ternas crianadas...

    Cyclone.

  • 5/24/2018 ANDRADE, Oswald de - O Perfeito Cozinheiro Das Almas Deste Mundo

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    O Viviano disse que sente dentro d'alma umlindoarfar de andorinhas azues.

    (confere Viviano)Cyclone

    Dessa lucta grega entre o "poids leger" e o "poidslourd" restar pelo menos a saudade das attitudes.

    M.Daisy o petit-pois do amor, a ervilha daindif-ferena, ofeijo mulatinho da blague.

    Joo Gourmet.

    Dasyandorinha de dois veres inquieta edificadorade ninhos flor saudadebusca-p!

    Junho 7.3 h. da tarde.O Miramar dorme o somno da innocencia

    CycloneE sonha comtigo.

    Miramar (s3e 2 segundos)

    Emilio morreu hontem. Uma epocha morreu com elle.M.

    Ferrignac em Rio Claro, Pedro em Itaporanga, Rao em Ta-quaritinga, s eu e Dasy enchemos de sombra o claro retiro.

    D-me agua do Taboo, oh samaritana da minha

    JxAii peregrinao sentimental!

    Dasy sahiu dizendo-me que no eradnada d'isso, apenasa "cegonha do meu lago escocez".

    M.

  • 5/24/2018 ANDRADE, Oswald de - O Perfeito Cozinheiro Das Almas Deste Mundo

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    Ao Miramar.

    Como bom querer bem... ser uma cabea loira ouno, umaface de mrmore ou rubra em rosas, unslbios e uma alma irm a quem se diga soffro parece-nos que os espinhos menos se aguam e aflormais se perfuma!

    Cyclone (isto do Viviano)

    LUHi ilii U biMiii M Uiii

    vmuLa beaut cest une premesse de bont (E de voc?)

    VivianoAmo as mulheres quando ellas se parecem

    com as rosas; amo as rosas quando ellas separecem com as mulheres; amo ambas quan-do ellas se parecem com o meu sonho...

    VivianoA vida toda pregada de alfinetes... cheiade "plisses" de franzidos e ns somos os grandescostureiros da Rua da Amargura, sempre

    numero impar...Cyclone.

    Junho 8

    Et vous contemplerez

    Don Quichotte qui

    charge!

  • 5/24/2018 ANDRADE, Oswald de - O Perfeito Cozinheiro Das Almas Deste Mundo

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    Junho 10

    E a vida prossegue.M.

    V se reanimas o teu pobre corao.Cyclone

    Minha creanaDei-te a chave de uma gaveta muito mais preciosa doque essa, a de tudo o quesoffro e que quero. E outras mem-rias mais caras, as que vou compondo com lagrimasbaques e sorrisos de victoria ou de dor, tu as conheces, asque vou compondo hoje, amanh...

    Miramar.

    Pedro, poceiro, encontrasteafinal o poo deRocinha?

    Jeroly

    Os beijos da Cyclone descendem em linha recta e sempre varonildos beijos de Lucrecia...Jeroly

    Os abraos, dos abraos do tamandu da parede.M.

    Miss Cyclone embellie la vie... Jerolyelle fait la vie!

    et la mort!M.

  • 5/24/2018 ANDRADE, Oswald de - O Perfeito Cozinheiro Das Almas Deste Mundo

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    Miss Cyclone, meu "Vermouth Cinzano" dos agapes

    "pinianos"...Jeroly

    Lagarta rosada do meu algodoeiro!M.

    Monteiro Lobato dos opilados!Jeroly

    O violino o instrumento do sentimento assim como a mulher o sentimento do instrumento

    Viviano. (Caliniano deSalazar)

    Dasy o piro deste menu.M.

    Ferrignac chegou com maneiras de gentilhomme campagnard.Trouxe bom humor e bom tabaco. Dasyvaepara Itaporanga.

    Paulino Piza, "sergent de ville" dos amoresda Cyclone.

    Chico VentaniaOs amores da Cyclone nfelismente no tm somente"sergents de ville" tm tambm "cambrioleurs".

    M.Maspara isso, aqui esta a policiascientifica. Cuidado!

    MiramarCyclone

    Veremos quem dir, por ultimo:

    Tas gagn la partie!Miramar

  • 5/24/2018 ANDRADE, Oswald de - O Perfeito Cozinheiro Das Almas Deste Mundo

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    Cyclone:

    "Calypso ne pouvat pas se consoler iii les dpartd'Ulysses..."

    Ferrignac

    Fan-faririn -fan-fararin-fan-fa fan fan fan!Phonola

    Junho 11 (Bat. de Riachuelo)

    Fi!fifi! trrrri...f! Viu! Viiii! trrrr.. .fi!

    (Patativa do 1? andar)

    Vidari e Carvalho de Mendona sustentam quea lei de 1902 no seu artigo 49, dos contractosunilateraes, no produziroeffeto erga omnes, de-vendo, portanto, como diz Brustlein, declarar osmotivos juridicos que podem auctorisar a resci-so da concordata.

    Dr. Vicente Rao

    Justinianusdefinio: "Jris vinculum et cyclopi-cum necessitat obligatium ut nobis alicujus etsolvendae rex". Ora, o contracto aleatorio, por con-seguinte... Irra! a hespanhola de Ribeiro nome sae da cabea!...

    Dr. Vicente Ro

    Volinine! Que monada demuchacho!Que pier-nas, Dios! Bemdicta sea la madre... que hahecho usted!...

    Don Garcia de Faria,servidor de ustedes...

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    5 horas da tarde

    Passou por ahi a procissosinha do Lessa, do Stcidcle da Sociedade Hippica. Enfermeiras fazendo beicinho parachorar aos estalos minados das palmas, escoteiros de annoe meio grudados no leno clssico de procisso, oPaulino Piza, a gloria das bandeiras e o Plinio Barre-to. O Lobato diria que isso que guerra, o mais his-toria. Assisti aodesfile com Non e Kamia. Os jornaes

    amanhvoii affirmar que havia 20.000 pessoas.Ementira.

    A phonola convida Dansa pela magia persuasiva deCarl MariaWeber.Depois Iseult que entrega a almaao Creador numa arcada de violino. Depois o capricho poderosode Rubinstein que agita um teclado onde segue amelancolia patritica de Chopin. SemiHi isso tambm,

    que seria a vida?

    Nesta morte de Isolda, a gente sente ella penetrar no Paraizo.

    A Cyclone Wagner alegre.Miramar.

    Junho 12

    Regresso da missa doEmiiio.Na nave deserta, ondeum orgo resa, a mais disparatada meia dziade pessoaspapae, SantosSilva,Jlio Cezar, Chichorro,Nita, Armando Prado, Leoncio Corra e Sucupira!Volto, pela clara manhcom Jairoe Amadeu. Caf.

    Saio. Volto. Saio. De novo aqui, ouo Rubinstein, Weber... O Fioretem uma criada nova e est de enxaqueca. Vou comprar um franga

    Viva Rubinstein!Miramar.

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    Cebo, quedefluxo! Ha uma semana que estou endefluxado

    como um beduinoou como Fradique...Sintoumaneva intellectual s comparavelia do Thomaz LessaUmdefluxo abominavel como um discurso de Senado; umespirro to estpido como uma piada do Malho.Ferrignacchegou! bravo!Nosinto nem coragem para tocar outrodisco; aftcho aphono-larouca;sera tambm algum resfriamento?

    Viviano

    Viva o "Frango"!M.

    Junho 13

    O cysne redivivoentenda-se.

    Sim, imagine-se um "menu" de cysne.

    Fui missa e de l almoar com Kamia no restauran-te do Ignacio "o dottore non vinho" disse-nos o homemdo guardanapo. Dahi, Academia, louvao, coisas, o mi-

    nuetto celebre de Boccherini.Ehontem? Assisti aocasamento do Dudu com a Dod na policia. Que "courtelinade"!

    Ser negocio importal-o directamente?Ese a paz vem, e o stockfica desvalorisado? That is the question.

    Ancylostomo14 deJunho

    Cyclone, frisson nouveau!Ferrignac

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    2 e meia

    Minuette de Boccherini... Como rola triste a vidano covil de Miramar! Encontrei discos novos: in-dcios mui vivos de grossas transaes de terras.Cerqueira Cezar, a Sion, a Meka, as terras figuei-ras de Chanaan de todos ns!... O mandarimK-Yama declama, todavia, coisasconfusas de

    Confucio sobre afuga ligeira das horas. E Carmen,afeiticeira, debruada no caixilho negro, decabelleira ruiva revolta pelos vendavaes das paixes,pergunta-me docemente:

    At quando, Jeroly!hei de esperar pelo meuD. Sebastio?

    Ferrignac

    "Momento musical" de Schubert... Volto do guardacomida. Que misria! Na vastido da segunda prate-leira uma bojuda lata de manteiga dorme o seu somnode cebo; ao lado, uma altiva garrafa de mel assuca-rado chora saudades do tempo em quefoi liquida.Indicios mui vivos de magras transaes de terras!...

    Ferrignac

    Fox-trot... EViruta? Em Santos? Na casado Zoz? Nos braos da viuva vulcanica? Entreas saias d'aquella senhora gorda e loira?

    Ferrignac

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    Llama a un automovil!

    Chicharrn.

    O Fiore tem uma mucamanova!0 velho Panno morreu!

    Pansinho

    Ao Miramar:

    ... no restauram do Ignacio?Velle!Ferrignac

    Miramar quersecasar com Miss & Terremoto!Evocs, homens da "Eugenia", o que dizem?

    FerrignacParaficar redusido aescombros! V elle!V elle!

    MiramarLlama a un automovil!!

    M.Ferrignac acha Debussy "um caso interessante demediocridade". Falamos Frana, America, offensivae ouvimos com assombro a trompa prophetica deLohengrin na phonola.

    M.Cyclone, vieuxfrisson!

    Miramar.Mais pinga com limo!

    M.

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    Mexe, bem!...

    Chicharrn

    Est um dia de Gnova, diz Ferrignac. Um dia de Londres,digo eu. Um dia pardo, um dia nocturno.

    Miramar

    Um dia de pole, um dia de canap... Ai, as

    delicias dos salesfeltrados! Ai, as angustias dos cli-mas lattitudinaes!

    Ventania

    Um dia para amarrotar a Dulce sobre essescretones...

    Ferrignac

    Doutrina de Monre:ADulce para osrio-clarenses!

    FerrignacEu podia oppor outra theoria americana,offerecida peloproprio Ferrignaca de SansPefia (a Dulce para a humanidade). Acho porm uma deshumanidade, uma pena(sem ser a do cysne de Saint-Sans) estragar assim a Divade Rio Claro.prefervel adoar a vida com a Dulce, j queo assucar est to caro.

    Pensamento rio-clarense:"A vida sem a Dulce caf sem assucar".

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    Junho 15

    ManhBoccheriniBoccheriniBoccherini

    Mais BoccheriniM.

    E Ferrignac, Miramar, Cyclone?

    Realidades ou sonhos, matrias ou essencias, permanen-tes ou transitivas? Onde esto

    "No esto aqui nem esto ali, esto no turbilho davida"... (hinode Job)

    Viviano

    Junho 17

    Para o Viviano:"Fradique o Conselheiro Accacio tomado a serio"

    Fialho

    Reflexes sobre o Viviano:

    Viviano o Fradique no tomado a serio.

    VentaniaViviano? Boccados ardentes d'Ea, diludos emagua de Sabin.

    V.

    Isso emfrancez era melhor: "Des bouches ardentes...."que horror!

    Garoa.

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    Viviano, rat d'hotel dos menages...

    Ventania

    10e meia da noiteFui redaco do "Jornal" Encontrei l um retra-

    to para mim. Era de Anna Pavlowa. Trouxe-o parac. Na primeira parede, entrada da 'garoniere', a

    dansarina ergue-se ligeira,ibiii numfundo negro,entre reprodues celebres e loucuras do Di.S bemvinda Pavlowa, no retiro musical, ondeno desconforto das noites longas, fazem ronda o pal-lido Kubelik, Beethoven e Rubinstein, e resa em timida surdinapara que o Veiga no accorde, a trompa prophetica deLohengrin!

    S bemvinda!Janjo Garoa

    Junho 18Dia molhado. Ferrignac mais uma vez desertou. Virutadeve andar desapparecido sob alguma pyramide domes-tica de chles-mantas. Cyclone,conforme me confessou ou-tro dia, passa manhs assimfrias, no calor desconfortante

    do seu George Walsh de terceira classe, o terribil Azevedo que dpunhaladas no escuro dos jardins. Eu, eu.... sei l!

    Ah!Jasei!Eu... toco a phonola.

    t Garoa

    A vergonha italiana findou no Caporeto!

    V.

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    18graus acima de zero. Dia arripiadinho! Triste

    e comprido como a rabona do Marra!V.

    choveUm dia de chuva e lama como um pranto escorrendo por

    umaface velha.Vivi

    P. Qual adifferena entre o Marra e um verme?R. Nenhuma os doisfossam nos cadaveres...

    V.

    7h.l0.

    Viviano, cavalheiro de Fnblas.

    Viviano, primo Bazilio.

    Viviano, inexperiente Dante de uma Beatrizligeira...

    Viviano, pallido Gonzaga de uma Mariliade segunda mo!Ventania

    O Romeu, quem ser essa Julieta suburbana que averveelu-cidativa de Irmo Ventania me descreve de sexo pelludoe robusto? Cuidado IrmofFoguinho. Reza uma chronica

    de sculoifafah antigo que cabellos assim so barbas pican-tes do demonio!Irmo Garoa

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    Mais umavez, Jos,adolescente, na arapuca de .

    Madame Putiphar!Irmo Ventania

    Jos, segundo a Biblia, tinha 24 annos. Mme Putiphar, 30. O Da-maso tinha 24, Calinoficou nos 24. Oh! irmo fFoguinho,envelhece

    Frater Garoa

    Accacio comeou a ser accaciano aos 24...

    Gouvarinho, aos 24 j era par do reino!

    Monsieur de la Paiisse (que Deus guarde!)foieleito senador do Imprio e cavalheiro do Merito Agrcola aos 24...

    Irmo Ventania

    Uma reminiscencia de delegacia:Authoridade Quantos annos tem?Dud 24...Authoridade Ento case!

    Frei Garoa

    Os versos celebresde Jacquesd'Avrayforampublicados aos 24!

    Ventania

    Reprter: De quando datam as suas inclinaeshierophanticas?

    Baro Mucio: Dos 24...V.

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    Sccnas de alcova:

    (A' ModeloI(A' luz que um abat-jour de rendinhas apenas incom-moda, elle se ageita mais e mais nas saias grossasd'Ella)Jure-me que ser s minha, quefoi s minha, que s deste seu garoto Que edade voc tem, meu bensinho- 2 4 . . .

    Modelo II(A luz velada, M uma garonire americana. Noconfuso claraAit cretones e di"dessous", elle temamoperdida,eparadaentre pernas para o ar.Elladescerra oslbios.) O teu sexo todo.,.Eteu... Que edade tens? Nunca tive 24.

    F.G.

    No jury. O advogado do ru, gordo, t itt negrassuissas de conselheiro do Imprio, pede afflictivamente

    aos jurados a absolvio do ru:... e depois lembrem-se os srs. jurados que omeu constituinte s tem 24 annos!...

    Ventania

    Campos Elyseos. Noite velha. Luar de legenda. Najanella baixa, um idyllio.

    Elle.Sim, amanh o meu anniversario. O pap vaeme dar um relogio... A titi pretende convidartodos os meninos do bairro para o jantar...

    Ella.Que idade completas?Elle. - Os 24...

    Ventania

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    Junho 19

    Sol,emfim! Cu de faiana hispano-arabe... "Momen-to musical" de Schubertque a minha morphina.Depois, canninha com limo! Mais canninha comlimo!Amucama do Guy, alegre como umcanario, desafoga a almasinha das coisas semnome que n'ella tumultuam... Nada de Viruta.

    Fadigas amollecidas das rapaziadas d'hontem. Sol,emfm! Cu de faiana hispano-arabe...

    Ventania

    Decididamente, este covil sem a Cyclone intilcomo um gramophone sem discos, (bip'&Ai\)

    Ventania

    Viruta, a estas horas, repousa, contente, a carnesinhasatisfeita... (iMAiM6Widlmiimi{iM1)

    V.

    Que tal o gado no momento supremo, Viruta?{muimittyiiimimimwm)

    v.

    fogosa? Diz cochonneries entre os dentes?(miitfii)

    V.

    A famlia a pedra angular dasociedade.

    Conselheiro Accacio(angular no digo-mas' 'triangular'' sim-a famlia moderna um tringulo:cujos ngulos so: -elle, cila e c "outro"-) Vivi

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    "Sans-rfSouci"... Nem Miramar, nem Viruta, nemCyclone... Que abundancia de discos e que mi-sria no guarda-comida!

    "La cigale ayant chantTout l't,

    Se trouva fort deporvue"...V.

    Palestra d'esquina: Sabes, casou na policia... Quem, o Dudu? No, o Viruta..

    Conseqncias dos 24 annos...Garoa.

    O Covil sem a Cyclone... eu preferia, no emtanto, aCyclone sem o covil.

    Miramar

    Irmo Ventania pra, luz clara da janella, num movi-mento de surpreza triste...

    O primeiro disco quebrado...E mostra-me a rodella negra onde um accordeon ame-ricano acabara de repetir o seu motivo nostlgicoO primeiro...E a "garonire" que vive... que v vivendo mas nochegue nunca nos 24.

    Garoa

    A "mo real d'unhas perfeitas" da Cyclone oresultado de cinco sculos de ociosidade. (Isto ja disse

    o Balzac)V.

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    24 lindo, encantador numero que encerras o mysterio,

    a belleza a mocidade no conjuncto das tuas unidades!

    Assim o dia, glorioso espasmo de luz, tem24horas;12 sao os mezes,istometade de 24;24foram osltimossobreviventes da gloriosa passagem das Thermopylas; 24 eram osraios do calcanhar de Jpiter; Helena, loiraebranca, quando iiffazia estremecerasbrancurasdos Mrmores de Tria com a irradiaode

    sua bellesa, que eraacondensao de todaaharmonia daHellade,iquandoiiti ti a suagraaperfeita fez atrairashostes de Menelaucontra os escudos luminosos dos homens deParis,tinha(eisso com-provado por Homero, Aristophanese Lucianode Samosata) tinha so-menteM fceis e seremnos24 annos... Os antigos deuses juvenis do culto helienico tinham eternamente 24 annos...lambem N no rastro luminoso da vida humana 24 representa toda a mocidade,

    afora entremeada razo; aos 24 anossente-se comoummooe pensa-secomo um homem.Nosfeitos humanosessaedade temsido sempreomeio-diadasenergias

    Assim Newtonquando espantou o Sbio do Instituto com a suacelebrelei dasattraes tinhaapenas 24descanadosannos sob adou-ras das macieiras doscondadosdoSuldaInglaterra.Gama (Vasco)quando sonhavacom a suaepopea martima

    tinha24annos.Napoleo quando venceuabatalhadePaysanditit tinha apenas

    24 annos cheios desonho.

    S. PedroQue fizeste pelo mundo?

    o espiritoS. PedroNo podes entrar. (Depois de uma pausa)Que edade tens?

    o espirito24 annos...S.Pedro(sorridente) entrafilho... essa edade perigosal embaixo.

    Viviano.

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    "12 so os mezes, isto , metade de 24..."Ora bolas, seu Viruta

    V.Argumentos arithmeticos do Viruta:Titi 3 so as virtudes theologaes x 8 = 24

    7 so os peccados mortaes x 3 = 21 + 3 = 24Gara

    "Lyrismo ingnuo de potaches'' 24 letras1.2-3-4-5-6-7-8-9-10-11-12-13-14-15-16-17-18-19-20-21-22-23-24

    O alfabeto esta maravilha humanatambm tem 24 letras. Ventania

    Vivi.

    25, homem!Irra tem 26!Vivi Ventania

    Sim 24 + 1 G.A gaitafona o lohengrin... Vimos da Annette

    Kellerman, um peixo australiano que nada como

    o Marra berra... Umfrio de 70 gros abaixo de zerona rua { sombra)... O resto do aniz pYo papo...Essa coisa bonita do minueto de Boccherini...

    A vida boa, orase! Avida tem 24 annos,no resta duvida

    Irmo AncylostomoJunho 20

    Manh gelada. Ningum, Um pouco da "Morgada". Valse capriceIrmo Gara

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    48 + 2 = 24

    A "Morgada" aquece o corpo e contenta a alma!

    Parece sol liquido! Esse Miramar descobre cada coisa...

    Ventania

    O "24" no appareceu. Miramar, longe. De Cycloneningum sabe noticias. S eu e a gaita... Ha, tambm,a "Morgada",filhos! Que bella sociedade!

    V.

    A graphonola deu uns estlos mysteriosos!... Estoucom medo! Ser a alma do Emlio?!...

    Outravez!Outro estalo! Que coisa esquisita! Vouchamar o Fiore!

    V.

    Agora o relogio que despertou! Trrinim!... Que susto,Jesus! Estou gelado que nem uma ran!...

    V.

    O Fiorefa disse quefoi n'esta sala (ai, Jesus!)que se matou o cnsul da Argentina! Que horror,"minha Nossa Senhora"!

    V.

    O "24", longe. O Miramar, longe. De Cyclone,nenhuma noticia. S eu e... os estlos! "Marvdos"!V.

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    sola beatitudo, beata solitudoS. Bernardo

    Vivi

    Junho21 Cyclone, "morgada" do meu inverno! Cyclone, "morro comcambucy"! Cyclone, pinga da minha taverna sentimental!Ja l vae um longo mez que no pes no retiro musical a tuafeminilidade exquisita! Volta! Volta!

    Irmo GaraFe