Âncora

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  Como ancorar em condições difíceis Você sabe o que fazer para não sair derivando por ai durante uma ventania? Confira as dicas para fundear corretamente em uma pauleira.  Eram 80 nós de vento, ondas enormes e “voando” uns por cima dos outros. Mesmo assim, o veleiro Guruça, de Fausto Pignaton, sobreviveu ao Luís, um dos mais destruidores furacões da história do Caribe. Esta história, contada em Náutica 92, gerou um grande número de cartas para nossa Redação. Os leitores queriam detalhes técnicos sobre como o velejado brasileiro salvou seu barco e também indagavam sobre o jeito certo de fundear durante uma “pauleira”. Assim, decidimos pedir a Fausto que revelasse sua tática (veja quadro) e explicar, ainda, o que fazer quando a ventania chega.  Antes de qualquer coisa, é preciso ter em ment e que os barcos fora m feitos para navegar, e não para ancorar. Sim, pois se você for apanhado por uma tormenta daquelas cinematográficas, a melhor coisa a fazer é levar seu barca para alto-mar – não importa o quanto sua mulher, filhos e amigos reclamem. Explica-se: as tempestades brasileiras, feliz-mente, estão bem longe de ser furacões. Assim, desde que você se mantenha atento no leme, as ondas e o vento podem, no máximo, assustar e marear a tripulação. Em contrapartida, uma aproximação de terra em circunstâncias difíceis muitas vezes leva a um trágico encalhe. Se, no entanto, você já estiver sob a pseudoproteção da linha da costa e pretender fundear – para passar uma daquelas memoráveis noites contando os segundos enquanto espera o dia raiar –, vale a pena observar alguns fatores de segurança. Em primeiro lugar, é bom entender que duas forças agem sobre o barco. Uma delas é obra da natureza, especifica-mente do vento ou da corrente. É a força impulsiva, que empurra o barco para onde Netuno quiser. A outra é resultado de uma boa âncora, empregada por um marinheiro ' esperto – no caso, você. Esta se chama força retentiva. Com o barco à deriva, a Força Impulsiva depende da velocidade do vento, da área vélica do barco (e atenção: este termo vale tanto para veleiros quanto para lanchas e navios, ainda que estes últimos não tenham velas propriamente ditas), da corrente no local, da energia cinética do barco (caso esteja manobrando velozmente) e até mesmo das ondas. Um vento de 15 nós (considerando que o barco esteja fundeado em local com um certo abrigo) faz uma força de 80 kg em um barco de 50 pés (veja quadro na seqüência). Porém, se o vento for de 50 nós (equivalente a uma tempestade de pequena intensidade), o esforço sobre o barco quadruplica, ou seja, é de 520 kg. Por isso, procure um bom local para fugir da “pauleira”. E a nossa aliada, a Força Retentiva? Esta é conseguida graças à resistência causada pelo cabo de fundeio e sua âncora. E, é claro, ao tipo de fundo, fator que garante seu sono ou provoca insônia. Torça para existir uma areia das boas no lugar onde for ancorar durante o sufoco. Se ela existir, tudo o que você vai precisar é de um ferro que “agüente o tranca”. Aliás, dois ferros. Sim, pois o ideal é ter, no mínimo, duas âncoras de peso apropriado, e não esquecer de amarrar a segunda. Entretanto, tome cuidado para não "esconder” a âncora: por ser grande e desajeitada, o ferro é muitas vezes guardado no fundo do porão, sob sacos de velas e todas as tralhas imagináveis. Na hora da “pauleira” isso faz diferença. Com duas boas âncoras, cabos em perfeito estado e corrente adequada, tudo que você vai precisar para sair do sufoco é de paciência e conhecimento das três manobras principais de fundeio: à galga, a pé-de-galo e, simplesmente, a dois ferros. Mas, antes de falar delas, convém esclarecer p modo certo de jogar a âncora. Muita gente acha que “amarra” significa “a corrente”. Pode até ser, mas o ideal – sobretudo para

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Como ancorar em condiçõesdifíceis

Você sabe o que fazer para não sair derivando por ai durante uma ventania? Confira as dicaspara fundear corretamente em uma pauleira.

Eram 80 nós de vento, ondas enormes e “voando” uns por cima dos outros. Mesmo assim, oveleiro Guruça, de Fausto Pignaton, sobreviveu ao Luís, um dos mais destruidores furacões dahistória do Caribe. Esta história, contada em Náutica 92, gerou um grande número de cartas paranossa Redação. Os leitores queriam detalhes técnicos sobre como o velejado brasileiro salvouseu barco e também indagavam sobre o jeito certo de fundear durante uma “pauleira”. Assim,

decidimos pedir a Fausto que revelasse sua tática (veja quadro) e explicar, ainda, o que fazer quando a ventania chega.

Antes de qualquer coisa, é preciso ter em mente que os barcos foram feitos para navegar, e nãopara ancorar. Sim, pois se você for apanhado por uma tormenta daquelas cinematográficas, amelhor coisa a fazer é levar seu barca para alto-mar – não importa o quanto sua mulher, filhos eamigos reclamem. Explica-se: as tempestades brasileiras, feliz-mente, estão bem longe de ser furacões. Assim, desde que você se mantenha atento no leme, as ondas e o vento podem, nomáximo, assustar e marear a tripulação. Em contrapartida, uma aproximação de terra emcircunstâncias difíceis muitas vezes leva a um trágico encalhe.

Se, no entanto, você já estiver sob a pseudoproteção da linha da costa e pretender fundear – para

passar uma daquelas memoráveis noites contando os segundos enquanto espera o dia raiar –,vale a pena observar alguns fatores de segurança. Em primeiro lugar, é bom entender que duasforças agem sobre o barco. Uma delas é obra da natureza, especifica-mente do vento ou dacorrente. É a força impulsiva, que empurra o barco para onde Netuno quiser. A outra é resultadode uma boa âncora, empregada por um marinheiro ' esperto – no caso, você. Esta se chamaforça retentiva. Com o barco à deriva, a Força Impulsiva depende da velocidade do vento, da áreavélica do barco (e atenção: este termo vale tanto para veleiros quanto para lanchas e navios,ainda que estes últimos não tenham velas propriamente ditas), da corrente no local, da energiacinética do barco (caso esteja manobrando velozmente) e até mesmo das ondas.

Um vento de 15 nós (considerando que o barco esteja fundeado em local com um certo abrigo)faz uma força de 80 kg em um barco de 50 pés (veja quadro na seqüência). Porém, se o vento for de 50 nós (equivalente a uma tempestade de pequena intensidade), o esforço sobre o barcoquadruplica, ou seja, é de 520 kg. Por isso, procure um bom local para fugir da “pauleira”. E anossa aliada, a Força Retentiva? Esta é conseguida graças à resistência causada pelo cabo defundeio e sua âncora. E, é claro, ao tipo de fundo, fator que garante seu sono ou provoca insônia.Torça para existir uma areia das boas no lugar onde for ancorar durante o sufoco. Se ela existir,tudo o que você vai precisar é de um ferro que “agüente o tranca”. Aliás, dois ferros. Sim, pois oideal é ter, no mínimo, duas âncoras de peso apropriado, e não esquecer de amarrar a segunda.Entretanto, tome cuidado para não "esconder” a âncora: por ser grande e desajeitada, o ferro émuitas vezes guardado no fundo do porão, sob sacos de velas e todas as tralhas imagináveis. Nahora da “pauleira” isso faz diferença.

Com duas boas âncoras, cabos em perfeito estado e corrente adequada, tudo que você vaiprecisar para sair do sufoco é de paciência e conhecimento das três manobras principais defundeio: à galga, a pé-de-galo e, simplesmente, a dois ferros. Mas, antes de falar delas, convémesclarecer p modo certo de jogar a âncora.

Muita gente acha que “amarra” significa “a corrente”. Pode até ser, mas o ideal – sobretudo para

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quem não tem experiência – é que a amarra seja um conjunto de corrente e cabo. Explica-se:ainda que os elos de metal sejam mais resistentes, é bom ter cabos de náilon na amarra para quese possa sentir se a âncora unhou, e, além disso, torna a amarra mais elástica (absorvendo oschoques das ondas). Afinal, é muito mais fácil perceber a tensão num cabo do que numa corrente.E isso não compromete a segurança? A resposta é “não”, pois a maioria dos problemas defundeio ocorre em função de ferro garrando (arrastando pelo fundo). Os casos de rompimento sãoraros.

Por isso, não “decore” o fundo do mar com metros de corrente. É melhor terum cabo, para sentir na mão o momento em que o barco “porta pelaamarra”, ou seja, afila a proa em direção ao vento, com a âncora unhandoao fundo. Isto feito, basta largar a quantidade de cabo necessária paracompletar no mínimo cinco vezes a profundidade do local e dar um toquecom motor à ré, para conferir se a âncora está segura. Lembre-se quequanto maior o comprimento do cabo (o chamado filame), mais a âncoraunha no fundo.

Mas não adianta saber quando os ferros unharam se você não tiver idéia de quantos deles jogar eem que posição. Agora, sim, é hora de falar dos três tipos de ancoragem. O mais seguro numa

tempestade é o fundeio à galga. Ele consiste em largar uma amarra com duas âncoras: uma naponta e outra a alguns metros da primeira, presa por uma manilha (veja ilustração). O únicoproblema deste tipo de fundeio é peso: se você não tiver um bom guincho a bordo, precisará deum marinheiro halterofilista na hora de largar ou trazer as âncoras de volta. o pé-de-galo, por suavez, está mais para uma precaução do que para um tipo de fundeio. Acontece quando você jáestá ancorado e, com medo do vento, decide soltar uma segunda âncora – independente daprimeira. Ela só vai ser acionada se a primeira garrar. Nesse caso, o cabo da segunda âncora vaise esticar, avisando que algo não vai bem.

Você, então, deve soltar um pouco o cabo dessa segunda amarra para formar um sistema defundeio

com as duas âncoras. Simples, não? Tão simples quanto essa manobra é,finalmente, a de amarrar a dois ferros. Considerado quase tão seguro quantoo fundeio à galga, nada mais é que jogar dois ferros com o mesmo filame esuas respectivas amarras, formando um ‘V “com aproximadamente 50º deângulo. Por que? Pois isso distribui melhor o esforço, reduzindo a fadiga detodo o equipamento”.

Para quem acha isso um exagero de precaução, vale lembrar uma máxima entre os marinheiros:“Quem tem dois, na verdade tem só um. E quem tem um, não tem nenhum!”

Ajuda Eletrônica

Alguns equipamentos eletrônicos têm funções que ajudam a fazer uma ancoragem segura:

Radar: É importante usá-lo não só na aproximação como também no fundeio. Através dele vocêverifica se está garrando ou mesmo se alguém fundeado a barlavento vem escorregando em suadireção. Quando estiver afilado com o vento, use o anel de marcação de distância (EBL)marcando o ponto maia próximo da terra pela proa ou popa. Anote estas informações em umpapel, para não perdê-las.

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Ecosonda: Uma sonda (ou ecobatímetro) Indica a profundidade e auxilia na localização de umbom ponto de fundeio. De preferência, Jogue a amarra da parte mais funda para a mais rasa.

Algumas destas sondas com tela colorida permitem que se identifique o tipo de fundo pela cor mostrada no visor. Mesmo nas monocromáticas é possível perceber quando o fundo é mole. Alinha de fundo se torna manchada e bem grossa, enquanto fundos de areia desenham uma linhafina e bem definida.

GPS: Esta pequena maravilha da eletrônica tem capacidade de fazer soar um alarme quando obarco se desloca a uma determinada distância do ponto em que largou a sua âncora.

CONTRA O FURACÃO

Fausto Pignaton encarou o furacão Luís a bordo de seu veleiro Guruçá. Abaixo, ela diz o queusou para sair ileso do vendaval. “O Guruqá é um sloop de 35 pés, em fibra de vidro, projetadopor Cabinho e construído por mim mesmo, especialmente para regiões de furacão. Agüentou doisdeles (Luís e Marilyn). Mesmo navegando depois mais de 3 mil milhas com maré e vento contra,não percebi um rangido sequer. Na ocasião do furacão, usei o primeiro cabo de uma polegadacom 40 m e iguais 40 m de corrente de 8 mm, com duas âncoras de 15 kg (Bruce e Britanic),

distando 2 m entre elas; um segundo cabo de uma polegada com 60 m e 20 m de corrente de 8mm com uma âncora CQR e outra Danforth, de 10 kg, com distância de 5 m entre elas. Para seter uma idéia da força do Luís, nas rajadas, a velocidade do vento chegou a 205 nós (379,6 km/h), segundo o aeroporto internacional de St. Martin. Dos aproximadamente 1800 barcosfundeados, menos de 100 foram seguros por suas âncoras. Um amigo colocou na suaembarcação, de 25 pés, cinco cabos compostos de correntes e cinco âncoras de 15 kg nomínimo... E não garrou!”

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