Analise Material Eja Marcia Takeuchi

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MÁRCIA REGINA TAKEUCHI ANÁLISE MATERIAL DE LIVROS DIDÁTICOS PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Mestrado em Educação: História, Política, Sociedade PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO São Paulo 2005

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MÁRCIA REGINA TAKEUCHI

ANÁLISE MATERIAL DE LIVROS DIDÁTICOS PARA EDUCAÇÃODE JOVENS E ADULTOS

Mestrado em Educação: História, Política, Sociedade

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

São Paulo

2005

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2

MÁRCIA REGINA TAKEUCHI

ANÁLISE MATERIAL DE LIVROS DIDÁTICOS PARA EDUCAÇÃODE JOVENS E ADULTOS

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

como exigência parcial para obtenção do título de

Mestre em Educação: História, Política, Sociedade

sob orientação do Prof. Dr. Kazumi Munakata.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

São Paulo

2005

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3

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________

______________________________________________

______________________________________________

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4

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo estudar a materialidade dos livros didáticos

destinados a estudantes da modalidade de ensino denominada educação de jovens e adultos.

Buscou-se identificar os títulos existentes no mercado editorial e, dada a constatação

de sua escassez entre as maiores Editoras do país, procurou-se investigar as razões dessa

limitação diante da profusão de livros didáticos endereçados a estudantes do ensino regular.

A análise que se segue confronta os dispositivos editoriais desse material de

educação de jovens e adultos em relação aos livros didáticos de maior importância do ponto

de vista comercial — o número de páginas, os elementos gráficos, a tiragem, os autores, a

seleção de conteúdo, a divulgação.

Acredita-se que esse percurso investigativo proporcione o conhecimento de

estratégias editoriais e de representações dos editores em relação ao público leitor.

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ABSTRACT

This work aims to study the didatics books destinated to students who are attending

the young and adult educational system courses — people who could not accomplish the

studies in regular ages.

First of all it searched for the titles of this type of book devoted to this kind of

students and, due to its lackness, it tried to explain why there are such a few books in

relation to the great number of books that are produced to other students — those who are

attending fundamental regular courses.

The investigation goes on by comparing editorial disposals of these books and of

those that are comercially more atractive to the publishing companies. The number of the

pages, the graphic elements, the number of samples printed in each edition, the authors, the

contents, the means of distribution of each kind of material were the features that were

considered in this comparative analysis. The belief is that this type of research may give us

information of the strategies the editors intended to use as well as the ideas they have

conceived about this specific book readers and how they represent them.

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A meus avós maternos.

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AGRADECIMENTOS

Ao professor doutor Kazumi Munakata, meu orientador, que confiou em meu projeto e me

incentivou. A maneira descontraída, direta, porém cheia de erudição, e seu jeito amigo de

me orientar na pesquisa me foram valiosos e desse contato levarei lembranças plus.

Aos professores das disciplinas que cursei no Programa de Pós Graduação de Educação:

História, Política, Sociedade, pelo exemplo de seriedade, pela dedicação, pela confiança em

mim depositada.

Às professoras Circe Bittencourt e Maria das Mercês Ferreira Sampaio, pelas observações

apuradas que fizeram no exame de qualificação e pela delicadeza com que apontaram

falhas severas às quais pude atentar na escrita final deste trabalho.

Aos professores de educação de jovens e adultos, que tive o privilégio de conhecer durante

a pesquisa.

A João Guizzo, meu chefe na Editora Ática, que me permitiu negociações de horário e,

sempre que precisei, me forneceu informações que acresceram na condução do estudo. A

José Antonio Ferraz pelas explicações de aspectos relativos à produção e a Marco Aurélio

Feltran pelas informações sobre as tiragens. A Tiago Yokomizu pela assessoria na pesquisa

de dados da Internet; a Silvio Kligin, querido amigo, pela prontidão em fazer as fotos. A

Samir Thomas pelos reiterados empréstimos do gravador. A Lafayette Megalle pelo

depoimento sobre a edição de livros de educação de jovens e adultos na Editora FTD. E a

Marise Leal pela revisão de grande parte do trabalho — a ela e ao Kazumi peço desculpas

pela apresentação de um material em versões ainda tão cheias de imperfeições formais, tão

distantes do que se espera no ofício.

À Capes pela bolsa concedida em 2003 e 2004.

Devo dizer ainda, parafraseando a professora Mirian Warde, que, do que sobra, a culpa é

toda minha.

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8

Será passatempo?

Escrever é um passatempo?

Sonhar é um passatempo?

Esta página

Estava em branco

Há poucos segundos

Um minuto

Ainda não transcorreu

E agora eis a obra.

Jacques Prévert

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9

Sumário

1. Introdução 13

1.1 Do lugar que se fala 13

1.2 Do lugar que se focaliza 18

1.2.1 Uma ordenação das políticas públicas 20

1.3 Educação de Jovens e Adultos 24

1.4 O livro didático e a forma escolar 33

1.4.1 Estudos sobre livros didáticos e sobre

educação de jovens e adultos 35

2. Observação de práticas em instituições escolares de

educação de jovens e adultos 40

2.1 O contato com as escolas 43

2.1.1 Centro Integrado de Educação de Jovens

e Adultos 45

2.1.2 Escola Estadual Major Arcy 53

2.1.3 Escola Municipal de Ensino Fundamental

Professor Olavo Pezzoti 56

2.2 Avaliação das observações 60

3. Livros didáticos para educação de jovens e adultos 66

3.1 A concentração das Editoras 69

31.1 Duas Editoras comerciais 73

3.2 Os títulos e a autoria 76

3.3 Tiragem 82

3.4 Número de páginas 89

3.5 Papel, formato, acabamento e impressão 96

4. A seleção de conteúdos 99

4.1 Capa, projeto gráfico e imagens 103

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4.1.1 Capas Ática 103

4.1.2 Capas FTD 107

4.1.3 Imagens Geografia FTD 119

4.1.4 Imagens Ciências Ática 126

4.2 A estrutura das obras 134

4.2.1 Sumário Geografia FTD mercado 136

4.2.2 Conteúdos Ciências Ática 140

4.3 Atividades 145

4.3.1 Atividades Ciências Ática 146

4.3.2 As atividades e o currículo 147

4.4 O manual do professor 148

4.4.1 Manual Ciências Ática 149

4.4.2 Manual Geografia FTD 149

4.4.3 O manual do professor e o destinatário 151

4.5 A divulgação 152

5. Considerações finais 156

6. Bibliografia 158

Anexo 168

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SIGLAS E ABREVIATURAS

Abrelivros: Associação Brasileira de Editores de Livros

BNDES: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CBL: Câmara Brasileira do Livro

CEB: Câmara de Educação Básica

Cieja: Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos

CNE: Conselho Nacional de Educação

EJA: Educação de Jovens e Adultos

FNDE: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

Fundef: Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

Inep: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC: Ministério da Educação

Mobral: Movimento Brasileiro de Alfabetização

ONG: Organização Não-Governamental

ONU: Organização das Nações Unidas

PCN: Parâmetros Curriculares Nacionais

PIB: Produto Interno Bruto

PNAC: Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania

PNLD: Programa Nacional do Livro Didático

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PNUD: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

SEB: Secretaria de Educação Básica

SEF: Secretaria de Ensino Fundamental

Senac: Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

Unesco: Organização das Nações para a Educação, a Ciência e a Cultura

Usaid: United States Agency for International Development

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1. Introdução

1.1 Do lugar que se fala

Lidar com livro didático como objeto de pesquisa implica articular, primeiramente,

o discurso internalizado resultante de minha atividade profissional com um universo

teórico. Para isso, tomo emprestado de Michel de Certeau a noção de “o lugar de onde se

fala”1, título deste primeiro texto que seria uma apresentação do trabalho, e identifico

algumas dificuldades que se apresentaram na realização da pesquisa.

Conforme Certeau, o gesto de escrever implica uma clivagem entre a tradição vivida

e o presente, entre um sujeito e um objeto de operação, circunscrevendo e organizando as

experiências num corpo escrito. A mim, no caso, caberia transformar concepções e

procedimentos tidos como naturais, posto que atuo como profissional há quase vinte anos

no campo que agora pretendo pesquisar, em um corpo opaco, em discurso presente. Para

isso é preciso também articular a produção acadêmica sobre o livro didático com as

representações que se fazem desse objeto: a do público em geral, dos professores, dos

editores, da mídia. Importa, nesse caso, considerar a sedimentação do conceito de livro

didático nessas esferas de atuação.

Da formação universitária guardava referências rarefeitas a Louis Althuser

(Aparelhos ideológicos do Estado); Theodor Adorno e outros da Escola de Frankfurt;

Pierre Bourdieu (A economia das trocas simbólicas); K. Marx (Manifesto comunista e A

ideologia alemã). As leituras feitas na ocasião, dadas as limitações de repertório, interesse

e, se assim se pode dizer, maturidade cognitiva, não responderam por uma sólida formação

teórica, mas esboçaram na minha lembrança a vaga amargura de que o ingresso efetivo no

campo da indústria cultural não promoveria uma identidade nutrida com boa taxa de auto-

1 CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1982.

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estima. Nesse mesmo período, a retórica acadêmica construída sobre o livro didático

deitava-se sobre a teoria da dominação e considerava esse produto como instrumento

ideológico que realizava as aspirações das classes dominantes por meio do Estado. Embora

tal tipo de análise se encerre em si mesmo, posto que não dá margem a saídas ou outras

opções interpretativas, mas, ao contrário, serve para justificar o estado das coisas, essa

tendência marcou uma época. Barbara Freitag2 e João Batista Araújo e Oliveira3 não podem

deixar de ser mencionados.

Na década de 1990 outras formas interpretativas se construíram à luz de novos

aportes teóricos da história, das comunicações, da lingüística, da sociologia. O programa

me deu oportunidade de conhecer os trabalhos de Circe Bittencourt4, Maria Rita Toledo5,

Kazumi Munakata6, Celia Cassiano7, os quais foram por mim absorvidos como norteadores

de uma linha de tratamento de meu objeto de pesquisa.

2 FREITAG, B.; COSTA, W. F. da; MOTTA, V. R. 2. ed. O livro didático em questão. São Paulo, Cortez, 1989.p. 11. Leia-se um trecho emblemático dessa autora: “Poder-se-ia mesmo afirmar que o livro didático não temuma história própria no Brasil. Sua história não passa de uma seqüência de decretos, leis e medidasgovernamentais que se sucedem, a partir de 1930, de forma aparentemente desordenada, e sem a correção oua crítica de outros setores da sociedade (partidos, sindicatos, associações de pais e mestres, associações dealunos, equipes científicas etc.). Essa história da seriação de leis e decretos somente passa a ter sentidoquando interpretada à luz das mudanças estruturais como um todo, ocorridas na sociedade brasileira, desde oEstado Novo até a ´Nova República´”. E mais adiante continua: “A primeira constatação [o fato de que apolítica do livro didático do período por ela analisado, do regime militar ao governo Sarney, é praticamenteidêntica à política estatal do livro didático] implica o fato de que não houve até recentemente, fora do Estado,outras instituições no Brasil capazes de influenciar, formular e redirecionar o processo decisório sobre o livrodidático. […] Nem mesmo as editoras, que à luz do seu poderio econômico teriam condições de influenciar oconteúdo e a distribuição dos livros didáticos, têm usado a sua força para participar com propostas própriasdas decisões políticas sobre o livro didático”.3 OLIVEIRA, J. B. A.; GUIMARÃES, S. D. P.; BOMÉNY, H. M. B. A política do livro didático. SãoPaulo/Campinas, Summus/Unicamp, 1984.4 BITTENCOURT, Circe M. F. Livro didático e conhecimento histórico: uma história do saber escolar. SãoPaulo, Universidade de São Paulo, 1993. Tese de doutorado.5 TOLEDO, Maria Rita de A. Coleção Atualidades Pedagógicas: do projeto político ao projeto editorial (1931-1981). São Paulo, PUC-SP/EHPS, 2001. Tese de doutorado.6 MUNAKATA, Kazumi. Produzindo livros didáticos e paradidáticos. (Tese de doutorado.) São Paulo,Pontifícia Universidade Católica, 1997. Investigações acerca dos livros escolares no Brasil: das idéias àmaterialidade. Comunicação no VI Congreso Iberoamericano de Historia de la Educación Latinoamericana,San Luis Potosí, México, 2003.7 CASSIANO, Célia C. de Figueiredo. Circulação do livro didático: entre práticas e prescrições. São Paulo,PUC/EHPS, 2003. Dissertação de mestrado.

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Os clássicos do livro didático, Alain Choppin8 e Egil Børre Johnsen 9, me foram

apresentados por meu orientador logo no início do curso, mas, conforme partilhei naquele

momento com alguns colegas de trabalho, não havia coisa mais desestimulante do que ler

textos que falam sobre livro didático. Qual seria o motivo? Se ainda não o desvendei, ao

menos já é possível a simples tarefa de integrar esses estudos, de fato não à prática

profissional, mas à escrita de um trabalho acadêmico. Os exercícios intelectuais que se

desencadearam a partir da leitura dos diversos autores propostos proporcionaram, como era

de se esperar, a elaboração de textos e forneceu utensílios mentais para praticar outras

leituras de minha atividade profissional, o que não reverteu necessariamente em

pragmatismo nem “agregou valor” à carreira profissional, mas, ao contrário, desdobrou-se,

no mínimo, em tensão no universo empírico da pesquisa10.

Há que se destacar os autores que me foram apresentados sobretudo na disciplina

“História do livro, do livro didático e dos impressos pedagógicos”. Autores como Roger

Chartier11, Robert Darnton12, Gimeno Sacristán13, Michael Apple14 dedicam-se a estudar,

entre outros assuntos, o tão prosaico livro didático ou material didático impresso. Um

conceito caro extraído desses dois primeiros autores foi o de materialidade. Abarcar esse

conceito na investigação requer que se considere que os aspectos materiais de que uma obra

didática se compõe (título, capa, formato, cores, imagens, número de páginas, tipologia, 8 CHOPPIN, Alain. La recherche sur les manuels scolaires. In: Les manuels scolaires: histoire et actualité.Paris, Hachette Éducation, 1992.9 JOHNSEN, Egil B. Libros de texto en el calidoscopio. Estudio crítico de la literatura y la investigación sobrelos textos escolares. Barcelona, Ediociones Pomares-Corredor, 1993.10 Tomo como inspiração o tom de depoimento apresentado pelo trabalho de CARVALHO, Marta M. Chagasde. A escola e a República e outros ensaios. Bragança Paulista, Universidade São Francisco, s.d. Parte III.11 CHARTIER, Roger. A história cultural — entre práticas e representações. Rio de Janeiro, Bertrand, 1996.CHARTIER, Roger & ROCHE, Daniel. O livro. In: História: novos objetos. São Paulo, Martins Fontes, s.d.CHARTIER, Roger. A aventura do livro; do leitor ao navegador. São Paulo, Unesp/Imprensa Oficial, 1998.12 DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette. São Paulo, Companhia das Letras, 1990.13 GIMENO SACRISTÁN, J. Materiales y textos: contradicciones de la democracia cultural. In: MÍNGUEZ, J.García & MIRANDA, M. Beas. Libros de texto y construcción de materiales curriculares. Granada, EdicionesS.A.L. s. d. GIMENO SACRISTÁN, J. O currículo: os conteúdos do ensino ou uma análise prática? In: GIMENOSACRISTÁN, J. & PÉREZ GÓMEZ, A. I. Compreender e transformar o ensino. 4. ed. Porto Alegre, Artmed,2000. GIMENO SACRISTÁN, J. Reformas educativas y reforma del currículo: anotaciones a partir de laexperiencia española. In: WARDE, M. J. (org.) Novas políticas educacionais: críticas e perspectivas. IISeminário Internacional. São Paulo, PUC-SP/EHPS, 1998.

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papel, tiragem) são dispositivos que corporificam estratégias ou táticas dos agentes que o

produzem ao mesmo tempo em que eles pressupõem expectativas e competências do leitor.

Essa linha de argumentação é também tributária Michel de Certeau15, que considera que,

assim como o livro, tanto a sua produção quanto a sua leitura e a subseqüente apropriação

que o leitor dela faz são práticas culturais.

O apelo à análise da materialidade dos objetos veio ao encontro das habilidades

desenvolvidas ao longo da prática profissional e, portanto, foi um elemento prontamente

incorporado à investigação, dada a facilidade com que elas podem ser vertidas no texto e a

legitimidade que esse recurso autoriza.

Uma dificuldade inicial foi a de encontrar livros didáticos específicos de educação

de jovens e adultos, objeto de meu trabalho. Essa primeira dificuldade, entretanto, me levou

a circunscrever a análise de livros didáticos de educação de jovens a adultos no âmbito da

produção de outros produtos das Editoras. Essa tática me possibilitou traçar algumas

hipóteses do motivo da baixa oferta desse material no mercado.

Houve também a decisão de observar o uso de materiais didáticos em escolas

voltadas para a educação de jovens e adultos. A análise material pode revelar o leitor

previsto nas decisões editoriais; em contrapartida, a observação do uso dos materiais pode

revelar a apropriação que os leitores fazem deles. Visita e observação não bastam para

constituir um texto posterior. É preciso saber o que observar. A depender do olhar que se

dirige a uma instituição escolar, é possível dar como relevante detalhes de naturezas

diversas, como: a fala do professor (as frases, seu repertório cultural, o domínio que ele

revela da disciplina escolar e de outras áreas do conhecimento, sua inclinação política, o

afeto que ele expressa em relação aos alunos, o grau de apego à sua atividade ou a

indiferença, a representação que fazem de seu trabalho e a representação que fazem do

aluno); os objetos presentes na sala de aula; os recursos materiais; o número de alunos

presentes; o número de alunos regularmente matriculados; a lista de presença; a disposição

14 APPLE, Michael W. Cultura e comércio do livro didático. In: Trabalho docente e textos: economia políticadas relações de classe e de gênero em educação. Porto Alegre, Artmed, 1995.15 CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano; a arte de fazer. 8. ed. Petrópolis, Vozes, 2002.

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das carteiras e seu formato; a carga horária; as avaliações; o número de alunos que têm

livro ou material didático (eles encapam o livro?, como o manuseiam?, como ou com que

freqüência o levam à escola?, que comentários fazem dele?). Enfim, há um sem-número de

pontos a observar. Para nortear esse processo, foi-me recomendada a leitura de Roper P. de

Carvalho Filho16, Luciana T. Araújo17 e David Hamilton18. Também essa etapa criou tensão

com a atividade profissional, à medida que se identificaram professores em sala de aula que

eram capazes de criar uma dinâmica de absoluto envolvimento dos alunos sem fazer uso,

naquele momento, de qualquer livro didático. Por outro lado, em outra escola, nota-se certa

reverência que os alunos têm em relação ao livro didático: um aluno de EJA de 16 anos

orgulhava-se de exibir um livro didático de Matemática que havia ganhado da professora e

que trazia em sua mochila todos os dias, embora não o usasse em aula.; em outra escola,

vários alunos tinham o livro encapado e o manuseavam com cuidado, folheavam devagar e

não dobravam o volume. Numa das escolas visitadas, na sala dos professores, ouviram-se

muitas críticas ao departamento de divulgação da Editora: a de que o divulgador não deixou

material, e quando deixou não o fez em tempo hábil para a adoção.

Tal como as narrativas acadêmicas, a prática de produção editorial se insere no

tempo. Também os profissionais não dedicam parte significativa de sua jornada a elaborar

conceitualmente cada um de seus gestos que constituem a rotina de trabalho. Trata-se de

um campo de lutas, mas cujas ações nem sempre são justificadas conceitualmente ou

abalizadas por uma concepção global do amplo processo editorial, mas que pode vir a se

constituir como norma da atividade profissional, quer na circunscrição da empresa, quer

entre empresas do mesmo ramo, conforme se dê a luta de representações e negociações

com outras entidades privadas ou públicas, governamentais ou não.

16 CARVALHO FILHO, Roper Pires de. Práticas dos professores de história do 1º ano — ciclo II em relação afacetas da cultura escolar. São Paulo, PUC/EHPS, 2003. Dissertação de mestrado.17 ARAÚJO, Luciana Telles. O uso do livro didático no ensino de história: depoimentos de professores deescolas estaduais de ensino fundamental situadas em São Paulo/SP. São Paulo, PUC-SP/EHPS, 2001.Dissertação de mestrado.18 PARLETT, Malcom & HAMILTON, David. Avaliação iluminativa: uma nova abordagem no estudo deprogramas inovadores. In: GOLDBERG, Maria Amélia et al. (org. e trad.). Avaliação de programaseducacionais: vicissitudes, controvérsias e desafios. São Paulo, EPU, 1982.

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18

A urdidura da dissertação implica, portanto, uma relativa desconstrução de uma

memória individual legitimada pela prática profissional e a seleção de um universo teórico

que lhe dê suporte. Tarefa mais complexa do que concebi quando de meu ingresso no

programa, porém que me levou à fruição intelectual, emocional, afetiva e estética e me

proporcionou sinapses cognitivas que revelaram que vale a pena a aventura de tornar

público o que antes podia se reservar à esfera da memória particular, baseada na

experiência vivida, em objeto de pesquisa e, seguindo os conformes acadêmicos instituídos,

compor uma possível fonte de informações para pesquisas posteriores. Contribuição

mínima, é claro, mas cujo esforço promoveu a relativização do saber-fazer profissional,

tido como natural, como “o ar que se respira”19, em face dos discursos que se fazem dele, e

o conformou num objeto e, portanto, a um ponto discreto na rede de objetos de estudo

possíveis.

1.2 Do lugar que se focaliza

A inovação é, no momento, uma das principais prioridades educacionais. Nos últimos dois

decênios, ela tem se expandido e multiplicado. Consome hoje verbas cada vez maiores, tanto

públicas quanto privadas. Seu impacto é sentido no mundo inteiro. Currículos são

reestruturados, novos recursos pedagógicos, introduzidos e as formas de ensinar,

transformadas. Mas estas decisões relativas a mudanças, não são somente de origem,

educacional: sofrem a interferência da política, da ideologia, da moda e até mesmo de

aspectos financeiros.20

19 Referência à expressão usada por MUNAKATA, Kazumi no título do seu artigo Como o ar que se respira:uma resenha de algumas idéias que se disseminavam pelo Brasil nos anos 30. Horizontes. Bragança Paulista,v. 14. O empréstimo restringe-se somente à expressão, posto que o artigo concentra-se em tema bastantediverso desta dissertação.20 PARLETT, Malcom & HAMILTON, David. Avaliação iluminativa: uma nova abordagem no estudo deprogramas inovadores. In: GOLDBERG, Maria Amélia e outros (org. e trad.). Avaliação de programaseducacionais: vicissitudes, controvérsias e desafios. São Paulo, EPU, 1982. p. 38. O texto de David Hamiltonfoi originalmente publicado em 1972, na série Occasional Paper n. 9, do Centro de Pesquisas de CiênciasEducacionais da Universidade de Edimburgo.

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Parte do que David Hamilton observou há trinta anos ao apresentar um novo tipo de

avaliação aplicável a propostas educacionais inovadoras também podem ser utilizadas para

entender o fenômeno da profusão da oferta de livros didáticos nos sistemas de ensino

público regular e à configuração da modalidade educacional de Educação de Jovens e

Adultos nos últimos vinte anos.

A distribuição de um grande volume de livros didáticos a alunos do sistema público

de ensino desde 1985, com a implementação do Programa Nacional do Livro Didático, e a

mirrada presença de livros didáticos para o público de EJA pode ser entendida como

configurações que se manifestam mediante interferências políticas, ideológicas e

financeiras.

As altas tiragens desse material didático percebidas nas últimas décadas não devem

ser entendidas apenas como um fenômeno em si, resultante do esforço individual de um

programa de governo ou apenas da parceria entre governo federal e Editoras, mas como um

aspecto que integra uma política um pouco mais ampla, em que o contorno das ações

governamentais e das iniciativas privadas locais se define segundo projetos de

realinhamento econômico global.

Na orientação dessas políticas destacam-se os organismos de cooperação

internacional — ONU, Unesco, Banco Mundial, Unicef — criados no pós-guerra e que,

tendo equacionado o problema das nações européias vitimizadas pelos conflitos, voltaram-

se para os problemas das desigualdades entre nações ricas e pobres e para os focos de

extrema pobreza no planeta, fatores potencialmente geradores de instabilidade social e

insustentabilidade econômica.

Segundo José Luis Coraggio, para essas entidades, dois aspectos se interpõem na

transição entre o modelo de desenvolvimento econômico baseado na industrialização

nacional e o do mercado global almejado:

1. os desequilíbrios ecológicos, desencadeados na transição entre os modelos industrialista

e informacional de desenvolvimento, que podem colocar em risco não somente a

sustentação da economia mundial como também a própria espécie humana;

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2. a intensificação dos desequilíbrios sociais, que corroem a estabilidade política necessária

para que a nova economia se consolide em escala global.21

Como soluções para evitar essas tensões, passam a ter prioridade a política de

focalização nos mais pobres e o investimento em educação.

E, como nos últimos vinte anos o livro didático no Brasil tem integrado uma política

pública educacional, considera-se válido, nesta dissertação, antes de partir para a análise

material propriamente dita, abordar rapidamente esses aspectos, que, se não determinam

objetivamente essa política, ao menos a influenciam.

Nesse sentido, estaremos reforçando o que Robert Darnton propõe como tarefa de

quem se aventura a estudar a história dos livros: analisar cada etapa do circuito de

comunicação (autor, editor, impressor, distribuidor, vendedor, leitor), bem como as

variações de conjuntura política, econômica, social.

A história do livro se interessa por cada fase desse processo e pelo processo como um todo,

em todas as variações no tempo e no espaço, e em todas as suas relações com outros

sitemas, econômico, social, político e cultural, no meio circundante.22

A breve consideração dos fatores conjunturais a se realizar neste primeiro capítulo

pretende, portanto, ajuizar que fatores favorecem a disponibilização de tantos livros

didáticos para alunos de ensino fundamental enquanto se verifica a existência de tão poucos

livros para alunos de EJA, que, apesar de ter sido incluída na forma legal pela última LDB

(1996) como uma modalidade do ensino básico, continua à margem das prioridades

educacionais.

1.2.1 Uma ordenação das políticas públicas

21 CORAGGIO, José Luis. Propostas do Banco Mundial para a educação: sentido oculto ou problemas deconcepção? In: TOMMASI, Livia de; WARDE, Mirian Jorge; HADDAD, Sérgio (orgs.). O Banco Mundial e aspolíticas educacionais. São Paulo, Cortez/Ação Educativa/PUC-SP, 1996. p. 84-5.22 DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette; mídia, cultura e revolução. Op. cit., p. 112-3.

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21

A atuação dos organismos internacionais não é recente. O Banco Mundial, criado

em 1944, teve inicialmente sua atuação vinculada ao FMI para o restalebecimento da ordem

mundial com vistas a evitar novas crises internacionais, impulsionar o desenvolvimento e

soerguer as nações destruídas pelos conflitos.

Atingida essa primeira meta, de meados da década de 1950 até o fim da década de

1960, os recursos desses organismos foram dirigidos aos países em desenvolvimento para

incrementar a industrialização. Nesse sentido, grande parte dos investimentos foi destinada

à infra-estrutura, consolidando setores como o de energia, telecomunicações e transportes.23

Criou-se também a Usaid (Agência para o Desenvolvimento Internacional, ligada ao

Departamento de Estado Norte-Americano) para garantir assistência técnica em várias áreas

aos países em desenvolvimento, inclusive no campo da educação.

Na década de 1970 a influência desses organismos sobre aspectos da educação

brasileira se amplia, começando a impactar nas orientações das reformas educacionais.

Acreditava-se que o investimento em educação, notadamente a formação técnica, pudesse

incrementar diretamente o setor produtivo.

Já no fim dessa década, entretanto, observa-se um novo panorama mundial

configurado pelo acúmulo de capital nos países de economia central, por um lado, e o

acirramento da crise financeira dos países em desenvolvimento promovido pelo

endividamento externo, juntamente com o início do processo de globalização da economia.

Essas mudanças no sistema capitalista mundial foram acompanhadas pelo progressivo

declínio das concepções keynesianas que haviam dominado as políticas macroeconômicas

desde o pós-guerra. Assim, já nos anos 70, era marcante a crescente influência das teorias

monetaristas neoliberais. Estas iriam ganhar hegemonia nas décadas seguintes na condução

das políticas globais, constituindo-se no alicerce ideológico que vem fudamentando a atuação

do Banco Mundial e do FMI desde então.24

23 A esse respeito, ver: SOARES, Maria Clara Couto. Banco Mundial: políticas e reformas. E FONSECA,Marília. O financiamento do Banco Mundial à educação brasileira: vinte anos de cooperação internacional. In:TOMMASI, L.; WARDE, M. J.; HADDAD, Sérgio (orgs.). O Banco Mundial e as políticas educacionais. Op. cit.24 SOARES, Maria Clara Couto. Banco Mundial: políticas e reformas. Op. cit., p.20.

Page 22: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

22

A partir da década de 1980, esses organismos, embasados em extensos estudos

sobre aspectos econômicos e sociais, passaram a promover ajustes estruturais nos países

endividados, condicionando os empréstimos financeiros e a alocação de recursos ao

compromisso de engajamento dessas nações às orientações por eles propostas.

Superando a tradicional influência que já exercia sobre as políticas setoriais dos países em

desenvolvimento, o Banco Mundial passou a exercer amplo controle sobre o conjunto das

políticas domésticas, sendo peça-chave no processo de reestruturação desses países ao

longo dos últimos quinze anos.

É importante compreender que essa influência se dá menos em função do volume de recursos

emprestados, embora este seja importante para grande número de países, do que pelo fato de

os grande capitais internacionais e o Grupo dos Sete terem transformado o Banco Mundial e o

FMI nos organismos responsáveis não só pela gestão da crise de envididamento como

também pela reestruturação neoliberal [destaque nosso] dos países em desenvolvimento.25

A Conferência Mundial de Educação Para Todos, realizada em 1990 em Jomtiem,

convocada pela ONU e patrocinada pelo Banco Mundial, juntamente com o PNUD, a

Unesco e o Unicef constitui, hoje, o referencial de compromissos que as nações signatárias

assumiram atingir no campo da educação. Desde então esses órgãos têm destinado a esses

países investimentos prioritariamente dirigidos à educação básica e têm exercido controle

sobre suas políticas educacionais.

Nessa época, seguiram-se no Brasil, no campo da educação, medidas cujo objetivo é

aumentar os índides de escolarização da população brasileira. Em 1985 o governo José

Sarney instituiu o Programa Nacional do Livro Didático; em 1988 a Assembléia

Constituinte promulgou a nova Constituição Federal; em 1994 o governo Itamar Franco

estabeleceu o Plano Decenal de Educação; em 1996 o Congresso do governo de Fernando

Henrique Cardoso votou a Lei de Diretrizes e Bases 9394; em 1997 publicaram-se os

Parâmetros Curriculares Nacionais. Embora nem todas essas medidas se destinem

diretamente à educação, todas têm reflexos sobre ela.

25 SOARES, Maria Clara Couto. Banco Mundial: políticas e reformas. Op. cit., p. 21.

Page 23: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

23

Como já se disse anteriormente, o ensino básico foi priorizado pelas políticas

subseqüentes, considerando-se que o desenvolvimento do potencial educacional humano

assegure a estabilidade social. Os livros didáticos passaram a ter papel preponderante na

difusão da instrução básica e, conforme apontam alguns estudiosos, sua importância

prevaleceu sobre fatores prioritários do ensino, como a formação do professor e a reforma

curricular:

Frente às fragilidades e fracassos reais de muitas tentativas de reforma curricular, o Banco

Mundial propõe um novo viés e possivelmente um novo beco sem saída: a prioridade do livro

didático. Se a década de 60 foi a década da infra-estrutura, a década de 90 aparece como a

década do texto escolar.

O Banco Mundial […] Desaconselha as reformas curriculares empenhadas em modificar o

currículo prescrito, argumentando contra sua complexidade e contra o fato de gerar muitas

expectativas e, finalmente, por não se traduzir em melhorias na sala de aula. No seu lugar,

aconselha melhorar os textos escolares, considerados no currículo efetivo, já que é neles que

se condensam os conteúdos e orientam-se as atividades que guiam tanto os alunos quanto os

professores. Como resultado dessa análise, o Banco Mundial está aumentando notavelmente

a dotação orçamentária para o item textos escolares [destaque nosso] nos seus projetos de

melhoria da qualidade.26

José Luis Coraggio também analisa a importância dada aos livros didáticos em

detrimento do investimento na formação do professor, que acarretaria aumento no custo

direto de salários e em treinamento, e da opção de centrar os recursos no aluno, medida que

iria contra a orientação de o Estado afastar-se do contexto da aprendizagem e de delegá-lo à

escola, à família, à comunidade.27

No campo das idéias neoliberais prevalecem as estratégias para reformar os Estados

e prepará-los para a economia global, entre as quais, em linhas gerais, destacam-se: ajuste

estrutural; descentralização e enxugamento do Estado; eliminação dos bens e serviços

26 TORRES, Rosa Maria. Melhorar a qualidade da educação básica? As estratégias do Banco Mundial. In:TOMMASI, Livia de et al. (orgs.). O Banco Mundial e as políticas educacionais. Op. cit., p. 154.27 CORAGGIO, José Luis. Desenvolvimento humano e educação. São Paulo, Cortez/Instituto Paulo Freire,2000. p. 64-5.

Page 24: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

24

garantidos pelo Estado como direitos universais; criação de políticas sociais compensatórias

focalizadas nos mais pobres.

Nessa orientação, a sociedade civil, em suas diversas formas de expressão, passou a

ter papel fundamental na condução de políticas públicas. Entre essas formas de expressão,

estão as ONGs.

Diante do exposto até aqui, acreditamos ter evidenciado algumas das condições que

permitiram que os livros didáticos voltados para o ensino básico, principalmente os do

ensino fundamental, ganhassem notoriedade e força no panorama educacional brasileiro a

partir de meados da década de 1980. Resta ainda levantar dados que norteiem uma

compreensão das razões que levam os livros de EJA não integrar esse cenário.

1.3 Educação de Jovens e Adultos

A intenção de disseminar a educação para todos, integrando analfabetos e jovens e

adultos que não tiveram oportunidade de cumprir o ensino regulamentar dentro da idade

prevista não é nova. Data, pelo menos, de 1824, nossa primeira Constituição. Nela estava

inscrita a garantia de uma “instrução primária e gratuita para todos os cidadãos” [grifo

nosso], e essa garantia continuou sendo assegurada constitucionalmente ao longo dos

governos que se seguiram, independentemente da forma de organização do Estado e da

orientação política.

De 1824 a 1990, quando se realizou a Conferência Mundial de Educação Para

Todos, a expressão para todos, que alude à intenção de viabilizar a escolarização a todos os

cidadãos, esteve presente em diversos compromissos formais, porém, a sua concretização

nem sempre se confirmou.

A história da educação de jovens e adultos é caracterizada, portanto, por uma série

de descontinuidades de ações práticas em sua implementação. Esta dissertação não se

Page 25: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

25

propõe a fazer um levantamento dessas ações.28 Mas marcaremos aqui alguns momentos

que se tornaram referências nessa trajetória. Faremos também uma distinção entre educação

de jovens e adultos, que diz respeito à escolarização do público que não pôde ingressar ou

completar sua instrução na idade regular, e educação popular, que, embora tenha sido a

origem da educação de jovens e adultos (antes denominada suplência), remete, atualmente,

mais a práticas educativas extra-escolares, como cursos de qualificação profissional,

telecursos e outras.

Se, como já dissemos, no plano das idéias a intenção de oferta de educação para

jovens e adultos está registrada, no plano da efetivação isso não se verifica com a mesma

reincidência e continuidade. Ao longo dos governos instituídos no período republicano, a

questão do federalismo versus centralização, que implica em que esfera do governo recaem

os recursos financeiros para a implementação das políticas destinadas à EJA, bem como a

organização e a execução do sistema são uma constante.

Vanilda Pereira Paiva, que analisa os movimentos educacionais brasileiros29, afirma

que eles estão intimamente ligados com a disputa entre diversos grupos pelo poder, quer

para sedimentar quer recompor o poder político e as estruturas sócio-econômicas. Nesse

sentido, a bandeira do combate ao analfabetismo já esteve erigida por escolanovistas,

esquerda marxista, estadonovistas, católicos.

Segundo essa autora, é na segunda metade da década de 1940 que a educação de

adultos passa a ser encarada de forma distinta. Criado em 1942, porém com suas atividades

iniciadas só em 1946, o Fundo Nacional do Ensino Primário é um marco no tratamento da

educação de adultos como um aspecto da educação popular.

28 Tal trajetória pode ser acompanhada pela consulta a textos que se dedicam a esse tema ou que remetem àeducação popular ou a certos períodos dessa história, tais como: PAIVA, Vanilda P. Educação popular eeducação de adultos; contribuição à história da educação brasileira. São Paulo, Loyola, 1973. PAIVA, VanildaP. Mobral: um desacerto autoritário. Rio de Janeiro, Síntese/Ibrades, n. 23-4. HADDAD, Sérgio & DI PIERRO,Maria Clara. Escolarização de jovens e adultos. Revista Brasileira de Educação, 14: maio/jun./jul./ago. 2000.E também: PROPOSTA CURRICULAR PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS — segundo segmento do ensinofundamental. Introdução. Brasília, MEC/SEF, 2002. p. 13-7.29 PAIVA, Vanilda P. Educação popular e educação de adultos. Op. cit.

Page 26: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

26

Até então, o problema da educação de adultos era tratado juntamente com o da difusão do

ensino elementar. Somente na década dos 40 é que reacende-se o tema dos altos índices de

analfabetismo com a atuação de Teixeira de Freitas, à frente do Serviço de Estatísticas da

Educação, e a educação dos adultos começa a ganhar relevância. Sua independência torna-

se concreta com a própria criação do Fundo, com a dotação de 25% de seus recursos para

uma campanha especificamente destinada à alfabetização e educação da população adulta

analfabeta.30

Sérgio Haddad também partilha do entendimento de que a década de 1940 constitui

o início de uma nova visão da escolarização de jovens e adultos, até então praticada como

instrução de crianças.31 Nesse período, no bojo do impulso de fortalecimento do Estado

nacional, o governo federal tendeu a deixar claros qual era o papel da União na educação e

quais eram as responsabilidades dos estados e municípios. O Plano Nacional de Educação,

a criação do Inep (em 1938) e do Fundo Nacional do Ensino Primário (em 1942), a

instalação do Serviço de Educação de Adultos (SEA, em 1947) foram medidas que

fomentaram pesquisas e a destinação de recursos financeiros e de infra-estrutura para a

instrução de adolescentes e adultos. Tais ações foram capazes de reduzir a taxa de

analfabetismo de forma considerável em relação aos números exibidos em décadas

anteriores (46,7% da população com idade superior a cinco anos), mas esse nível ainda

continuava alto em termos mundiais.

Em 1958 realizou-se o II Congresso Nacional de Adultos, em que se discutiu

novamente a questão da especificidade dessa modalidade de ensino. As idéias de Paulo

Freire se disseminavam e uma atmosfera de renovação pedagógica se configurava dentro de

um quadro de turbulências políticas. Com a intensificação da mobilização de grupos

populares e a luta por sua legitimação, criaram-se campanhas e programas de valorização

da cultura popular e de educação de adultos tanto entre setores da sociedade civil quanto

comandadas por secretarias de governo, a maioria dos quais patrocinados por verbas

públicas. Tais iniciativas acabaram por dar o reconhecimento da especificidade pedagógica

30 Idem. p. 48.31 HADDAD, Sérgio & DI PIERRO, Maria Clara. Escolarização de jovens e adultos. Op. cit., p. 110.

Page 27: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

27

e didática dessa modalidade de ensino e se nortearam não só pela formação educacional,

mas sobretudo política, constituindo-se numa via de legitimação de ideais políticos.

O golpe militar de 1964 interrompeu esse processo de organização política, cultural

e educacional que vinha sendo promovido pelo movimentos populares. Segundo Maria

Lúcia Hilsdorf32, após o golpe militar de 1964, as formas de participação popular são

substituídas por critérios de eficiência, a sociedade se despolitiza por uma

“compartimentação do trabalho” e o Estado, com sua política crescente de privatização,

deixa gradativamente de assumir a responsabilidade de provedor de bens públicos — entre

eles a educação.

Na década de 1960, muitas agências financiadoras internacionais, principalmente as norte-

americanas, propagaram essa teoria garantindo que a conquista de graus escolares mais

elevados proporcionava ascensão social. Isso lhes permitiu oferecer programas de ajuda para

o Terceiro Mundo, intervindo no financiamento e na redefinição da organização escolar de

vários países.

Entretanto, na cidade de São Paulo, o curso público de suplência foi oficializado

como resultado das demandas de movimentos populares — até então o ensino supletivo era

ministrado por escolas particulares e a luta pela oferta pública era incipiente. Marilia Pontes

Sposito traça uma cronologia dos movimentos populares especialmente entre as décadas de

1970-1990 e mapeia a instalação de diversas unidades escolares de ensino supletivo em

bairros da cidade como forma de atendimento a reivindicações da população local:

Como aumento da demanda o curso passa a funcionar em escola de primeiro grau localizada

na baixada do Glicério. E em 1976, a Secretaria Municipal de Educação assume a

responsabilidade do Ensino Supletivo corporificada na Lei 8389 de 1975. Oficializado o ensino

supletivo municipal, a escola em funcionamento (EMES Prestes Maia na Liberdade) passa a

ter estrutura, duração e regime escolar próprios. […]

A criação dessas primeiras unidades municipais não obstante o interesse eleitoral que as

determinou, exprime, de um lado, uma forma pontual de resposta do Poder Público à demanda

32 HILSDORF, Maria Lúcia S. História da educação brasileira: leituras. São Paulo, Pioneira Thomson, 2003.

Page 28: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

28

mas, de outro, a abertura de caminhos para novas e mais expressivas reivindicações que

adquirem maior visibilidade a partir de 1983.33

Antes da criação do ensino supletivo, porém, diante do esvaziamento das ações no

setor de educação de jovens e adultos, sua desarticulação e a constatação de um grande

contigente populacional analfabeto, que contradizia a imagem que se queria imprimir de

um país gigante, os militares conceberam, em 1967, o projeto do Mobral (Movimento

Brasileiro de Alfabetização). Pretendia-se com isso erradicar o analfabetismo do país.

O Mobral funcionava com verbas captadas de empresários e da loteria esportiva e

era, portanto, descentralizado em suas operações, mas centralizado na concepção e direção

político-pedagógica e nas avaliações que implementava aos estudantes. O empreendimento

coexistiu com outros programas de educação, inclusive o ensino supletivo.

A LDB 5692/1971 consolidou o ensino supletivo e o Parecer do Conselho Federal

de Educação 699/1972, juntamente com o documento “Política para o Ensino Supletivo”,

trataram em mais detalhes essa modalidade de ensino. Porém, uma idéia que embasou o

encaminhamento desses documentos era a de que o ensino supletivo devia ser guiado por

uma metodologia adequada à massa de estudantes e não segundo sua origem social,

cultural ou econômica — o que contrariou radicalmente as experiências construídas na

década anterior pelos movimentos populares.

O ensino supletivo se disseminou mais nas esferas estaduais e houve também certa

proliferação do ensino privado nesse setor, com a maioria dos estabelecimentos voltados

para cursos de suplência de 1º e 2º graus, ficando desassistida a alfabetização de adultos.

Em 1985, o Mobral foi substituído pela Educar (Fundação Nacional para Educação

de Jovens e Adultos), que posteriormente passou a se subordinar ao MEC, formulou novas

diretrizes pedagógicas e se transformou em órgão de fomento e apoio técnico junto a

governos estaduais e municipais, empresas e entidades da sociedade civil na implementação

do ensino de jovens e adultos.

33 SPOSITO, Marilia P. A ilusão fecunda; a luta por educação nos movimentos populares. São Paulo,Hucitec/Edusp, 1993. p. 107.

Page 29: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

29

Em 1990, entretanto, o governo Fernando Collor de Mello extinguiu a Educar, sob a

alegação de enxugamento da máquina administrativa e de restrição dos gastos púbicos.

Juntamente com essa medida, também extinguiu a destinação de recursos financeiros de

empresas privadas à Fundação (que vinha ocorrendo desde a época do Mobral). Esses

cortes implicaram a transferência das responsabilidades por esse setor do ensino da União

para os estados, municípios e sociedade civil.

Com tantos programas descontínuos e de orientações ideológicas e pedagógicas tão

diversas quanto os seus propósitos, quando a ONU convocou a Conferência Mundial de

Educação Para Todos, o Brasil exibia a posição de um dos nove países que mais

contribuem com altas taxas de analfabetismo no mundo. Essa data marcou uma série de

compromissos assumidos pelos países signatários em relação à educação básica, nela se

incluindo a educação de jovens e adultos.

Porém, com esses compromissos também vieram dos organismos internacionais

orientações de ajuste estrutural e reorganização do estado no sentido de diminuir seus

encargos financeiros e os transferir a outras esferas de governo e à sociedade civil. E a

educação de jovens e adultos foi novamente deixada de lado.

Um reforço ainda maior ao quadro de abandono dessa modalidade de ensino veio

com a emenda constitucional 14/1996, que aboliu a obrigação do governo federal de aplicar

metade dos recursos destinados à educação para erradicar o analfabetismo no Brasil, e a

criação do Fundef (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do

Magistério), alocado em cada unidade federada e que repassaria as verbas de educação para

as esferas estaduais ou municipais conforme o número de matrículas no ensino

fundamental. Em sua regulamentação pela Lei 9424/1996, o presidente da República vetou

o dispositivo que permitia que as matrículas de jovens e adultos fossem contabilizadas no

cálculo desse fundo, o que criou dificuldades para a expansão dessa modalidade de ensino.

Esse regime de colaboração entre a União e as esferas estadual e municipal do

governo acabou configurando uma redistribuição de funções entre essas instâncias bem

como com organizações da sociedade civil:

Page 30: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

30

No contexto fiscal e tributário brasileiro, esse mecanismo induziu à municipalização do ensino

fundamental, e foi acionado com base no suposto de que o investimento mais eficaz dos

recursos municipais nesse nível de ensino daria maior liberdade aos estados para investir no

ensino médio e à União para investir no ensino superior. […]

Com a aprovação da Lei 9424, o ensino de jovens e adultos passou a concorrer com a

educação infantil no âmbito municipal e com o ensino médio no âmbito estadual pelos

recursos públicos não capturados pelo Fundef. […]

As políticas de estabilização monetária e ajuste macroeconômico condicionaram a expansão

do gasto social público às metas de equilíbrio fiscal, o que implicou a redefinição de papéis

das esferas central e subnacionais de governo, das instituições privadas e das organizações

da sociedade civil na prestação dos serviços sociais.34

Os documentos legais acentuam o pacto federativo da Constituição de 1988 e

refletem a disposição para um sistema de cooperação entre a União, os governos

subnacionais e o setor privado.

Maria Clara Di Pierro analisa esse contexto no âmbito da EJA:

Destacam-se as tendências à proliferação de provedores e à multiplicação de programas de

educação de jovens e adultos implementados em parceria entre agentes governamentais e

não-governamentais. Essas práticas inspiram-se em diferentes significados atribuídos aos

conceitos de parceria e de serviço público não-estatal, que comportam tanto uma visão

econômico-instrumental quanto uma perspectiva de democratização da esfera pública.35

O texto a seguir, extraído de uma matéria do jornal Folha de S.Paulo recapitula as

iniciativas governamentais para enfrentar o problema do analfabetismo:

Campanhas oficiais de alfabetização desde a década de 1940

1947 — O governo Eurico Gaspar Dutra começa a Campanha de Educação de Adolescentes

e Adultos.

34 HADDAD, Sérgio & DI PIERRO, Maria Clara. Escolarização de jovens e adultos. Op. cit., p. 123-4.35 DI PIERRO, Maria Clara. Descentralização, focalização e parceria: uma análise das tendências nas políticaspúblicas de educação de jovens e adultos. Educação e Pesquisa, 27 (2): São Paulo, jul./dez. 2001.

Page 31: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

31

1952 — Inicia-se a Campanha Nacional de Educação Rural no governo de Getúlio Vargas.

1958 — Juscelino Kubitschek cria a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo

(CNEA), reestruturada em 1960.

1961 — O Movimento de Educação de Base, criado pela Conferência Nacional dos Bispos do

Brasil, visa extinguir o analfabetismo com escolas radiofônicas. Atende a 455671 alunos de 14

estados.

1962 — O professor da Universidade Federal de Pernambuco, Paulo Freire, propõe técnica

que prevê ensino a partir do universo de cada grupo a ser alfabetizado.

1964 — Em 21 de janeiro, o método Paulo Freire vira programa oficial do governo, mas é

extinto em 14 de abril, logo depois do movimento militar.

1967 — O regime militar (1964-1985) cria a Fundação Mobral (Movimento Brasileiro de

Alfabetização) com o objetivo de alfabetizar 11,4 milhões de pessoas em quatro anos e

erradicar o analfabetismo em oito anos (1975).

Até 1977, teriam sido alfabetizados 11,2 milhões, reduzindo a taxa de analfabetos para 14,2%.

Os dados são questionados (o Censo de 1976 estimava 24%).

1985 — O Mobral é extinto, e é criada a Fundação Nacional de Educação de Jovens e Adultos

(Educar) no governo José Sarney. Em quatro anos, a fundação atendeu a 5 milhões de

analfabetos, de um total de 30 milhões.

1990 — O PNAC (Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania) é criado no governo

Fernando Collor com o objetivo de reduzir em até 70% o número de analfabetos em quatro

anos.

1993 — O Plano Decenal, firmado em 1993 por mais de 70 países sob a chancela da Unesco

(Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), é assinado pelo

presidente Itamar Franco. A taxa de analfabetismo deveria chegar a zero em 2003. 36

1997 — O governo de Fernando Henrique Cardoso cria o programa Alfabetização Solidária.

Em julho de 2002, atinge a marca de 3 milhões de alunos, em 2010 municípios.

36 Embora o jornal cite o ano de 2003 como o da assinatura do Plano Decenal, outros textos informam a datade 1994 para a assinatura desse compromisso.

Page 32: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

32

2003 — Programa Analfabetismo Zero (depois mudado para Brasil Alfabetizado), do governo

Lula, objetiva atingir 20 milhões em quatro anos.

O País luta há quase 60 anos contra o problema.37

Atualmente a educação de jovens e adultos está legalmente amparada na

Constituição Federal de 1988, que estabelece que "a educação é direito de todos e dever do

Estado e da família" e que o ensino fundamental é obrigatório e gratuito e a sua oferta deve

ser garantida para todos os que a ele não tiveram acesso na idade regular.

A LDB 9394/1996 destina uma seção à educação de jovens e adultos38, reafirmando

o direito dessa parcela da população brasileira ao ensino básico, oferecido pelo poder

público de forma gratuita, estabelece novos limites de idade (15 anos para o ensino

fundamental e 18 para o ensino médio) e integra essa modalidade de ensino à educação

básica.

O Parecer 5/1997 do Conselho Nacional de Educação trata das denominações

"educação de jovens e adultos" e "ensino supletivo", estabelece os limites de idade para

jovens a adultos que pretendam se submeter a exames supletivos, entre outras questões.

A Resolução 1/2000 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de

Educação estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e

Adultos.

Na década de 1990, paralelamente à busca de novos modelos de Estado e sociedade,

vivíamos um período de crise financeira e fiscal e de endividamento, quer entre esferas

governamentais — as prefeituras, os governos estaduais e o governo federal — quer no

âmbito externo, entre o país com agentes credores internacionais. Como já vimos no item

anterior, o caminho da globalização impôs ao Estado um projeto neoliberal, que abole a

noção de Estado-empreendedor e o substitui paulatinamente pela concepção de Estado-

mínimo. Nessa doutrina o Estado se desincumbe das responsabilidades pelas políticas

37 Folha de S.Paulo, 13/5/2003.38 Seção V — Da Educação de Jovens e Adultos, artigos 37 e 38.

Page 33: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

33

públicas, notadamente as sociais, e as transfere ao setor privado, regido pelos interesses de

mercado, ou a associações da sociedade civil. O Estado assim enxuto ganha a função de

gerenciamento e controle administrativo das políticas sociais.

Nosso entendimento é que é esse distanciamento do Estado em relação às ações de

EJA que configura a dispersão de materiais didáticos dedicados a essa modalidade de

ensino: dadas as grandes Editoras comerciais, somente duas delas tinham, na data da

realização deste trabalho, título de EJA; os outros exemplares colhidos na pesquisa eram

publicações resultantes de iniciativas diversas, como ONGs (a de maior repercussão era a

coleção da organização não-governamental Ação Educativa, inicialmente lançada em

parceria com o Inep), associações de professores, Editoras regionais.

Tudo o que foi exposto até o momento serve para propor uma explicação para a

base deste trabalho — a existência de poucos livros didáticos para a EJA em relação ao

volume existente para o ensino regular. A análise da materialidade dos livros selecionados

se desdobra um pouco também a partir dessas idéias e será feita nos capítulos 3 e 4, depois

da exposição das observações feitas sobre prática educativa em algumas instituições

escolares de EJA.

Antes, porém, será preciso retomar os estudos que já se fizeram no campo do livro

didático e sobre a EJA.

1.4 O livro didático e a forma escolar

O livro didático como recurso de ensino tem sua história, assim como a instituição

escolar. Comenius39, já no século XVII, dava alguns preceitos de como deve ser um livro

didático: livro único, escrito por um único autor, com gradualidade e a ser usado em todas

as escolas.

39 Ver, desse autor, entre outras obras, Didática magna. São Paulo, Martins Fontes, 2002.

Page 34: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

34

A forma escolar hoje instituída tem cerca de 100 anos no Brasil.40 Dentre os

recursos empregados nessa forma até hoje vigente na maioria das escolas do país — a

lousa, o giz, o professor à frente de um grupo de estudantes selecionados de acordo com a

idade cronológica, o ensino gradual, simultâneo e de conteúdo cumulativo dado num

espaço e numa carga horária definidos — está o livro escolar.

Sobre a vinculação do livro didático ao ensino formal, Marisa Lajolo discorre:

Didático é, então, o livro que vai ser utilizado em aulas e cursos, que provavelmente foi escrito,

editado, vendido e comprado, tendo em vista essa utilização escolar e sistemática. Sua

importância aumenta ainda mais em países como o Brasil, onde uma precaríssima situação

educacional faz com que ele acabe determinando conteúdo e condicionando estratégias de

ensino, marcando, pois, de forma decisiva, o que se ensina e como se ensina o que se ensina.

[…] Assim, para ser considerado didático, um livro precisa ser usado, de forma sistemática, no

ensino-aprendizagem de determinado objeto do conhecimento humano, geralmente já

consolidado como disciplina escolar. Além disso, o livro didático caracteriza-se ainda por ser

passível de uso na situação específica da escola, isto é, de aprendizado coletivo e orientado

por um professor.41

De Comenius aos nossos dias, o livro didático mudou, quer em seus aspectos

materiais quer no conteúdo e no seu uso. Como portador de conteúdos selecionados em

determinado tempo histórico, os quais se quer transmitir ou inculcar em gerações futuras, o

que equivale a dizer a selecionar e estender idéias42, o livro se define conforme as

mentalidades da época, a tendência do pensamento educacional, do método de ensino, as

reformas, o entendimento do papel da escola, do professor e do aluno, do incremento da

atividade econômica do país, especialmente do setor editorial. Como produto comercial, o

livro também se define ao longo dos tempos conforme o desenvolvimento tecnológico, o

setor produtivo e a apropriação dessas novas tecnologias de produção e de difusão pelo

40 Dentre os autores que estudam o assunto, pode-se ver: SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de civilização: aimplantação da escola graduada no estado de São Paulo (1890-1919). São Paulo, Unesp, 1998.41 LAJOLO, Marisa. Livro didático: um (quase) manual de usuário. Em Aberto, 16 (69): jan./mar. 1991.42 O conceito de seleção e extensão é mencionado por MÍNGUEZ, J. García & MIRANDA, M. Beas. Análisishistórico del libro de texto. In: ____ . Libro de texto y construcción de materiales curriculares. Granada,Ediciones S.A.L. s. d. p. 13.

Page 35: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

35

setor editorial. Como signo cultural, a forma material que ele assume agrega, em certa

medida (além dos conceitos, que são culturais e determinados historicamente), a estética da

época. A distribuição do texto nas páginas, o uso de imagens, o tipo de traço, a tipologia

têm seu peso estabelecido como elementos significativos do texto impresso de acordo com

a confluência e a articulação dos agentes que definem sua materialidade e de seus

respectivos repertórios. O próprio entendimento de autoria é uma elaboração cultural e,

conseqüentemente, sua expressão material numa obra didática resulta da negociação entre

sujeitos ou grupos de agentes em determinado lugar e tempo.

Podemos dizer que, como produto cultural, o próprio papel do livro didático se

transformou e se transforma conforme as mentalidades, notadamente as que concernem às

idéias educacionais e à formatação do sistema educacional.

1.4.1 Estudos sobre livros didáticos e sobre educação de jovens

e adultos

Até poucas décadas atrás, o livro didático era colocado na tradição acadêmica — o

que de certo modo se refletia na opinião púbica — como o cerne dos problemas

educacionais brasileiros. Um autor que bem destaca essa tendência é Kazumi Munakata, em

sua tese de doutorado na qual cita autores43 que assumiram a linha da análise ideológica,

bem como transcreve episódios noticiados pela imprensa — o que, de certa forma, em

alguns momentos, assume tom anedótico, tamanho é o estigma que se atribui a esse produto

editorial:

Sobre os livros didáticos produzidos no Brasil recaiu série de acusações como se eles fossem

os principais responsáveis pelas mazelas da Educação brasileira. Análises abstratas de

43 Dentre os quais destacaremos, com suas respectivas obras: FRANCO, Maria Laura P. Barbosa. O livrodidático de história no Brasil. São Paulo, Global, 1982. (Teses, 9) FARIA, Maria Lúcia G. de. Ideologia nolivro didático. 10. ed. São Paulo, Cortez/Autores Associados, 1991. (Polêmicas do Nosso Tempo, 7) ECO,Humberto & BONAZZI, Marisa. Mentiras que parecem verdades. 6. ed. São Paulo, Summus, s.d. FREITAG, B.;COSTA, W. F. da; MOTTA, V. R. 2. ed. O livro didático em questão. São Paulo, Cortez, 1989.

Page 36: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

36

conteúdo denunciavam-lhes a ideologia subjacente, e abordagens de indústria cultural

caracterizam-nos como instrumentos da hegemonia burguesa e da acumulação capitalista.44

Subitem da superestrutura, tema pouco valorizado para sondagens acadêmicas, o

livro didático era, grosso modo, estudado apenas para constatar a determinação direta entre

a base econômica e os sistemas simbólicos.

Entretanto, ultimamente tem-se verificado que o livro didático ganha legitimidade

como objeto de pesquisa no cenário intelectual, fato que se comprova pelos trabalhos de

Circe Bittencourt45, Kazumi Munakata, Célia Cristina F. Cassiano46, Luciana Telles de

Araújo47, entre outros, que ultrapassam os limites impostos pelas lentes da análise

ideológica e inscrevem o livro escolar como material portador de significações e

historicidade próprias.

Livro é signo cultural na e pela sua materialidade, pela sua natureza objetivada como

mercadoria, resultado de uma produção para o mercado. A análise do livro requer, pois, a

recusa do idealismo que sobrevaloriza a ideação da Obra e desdenha o momento da produção

editorial. Ao contrário do que muitos acreditam, não há no livro a imediatez das idéias; é a

soma (material) como elas se apresentam, tão desprezada em certos meios, que lhes confere

possibilidade e ocasião de significação.48

Em função da grande divulgação do PNLD implementada em 1985, pelo volume de

materiais distribuídos e pelo montante de recursos financeiros envolvidos, o livro didático

ganhou visibilidade junto à opinião pública. Essa posição de destaque tem revertido

também em estudos acadêmicos, como os de Eloisa Höfling, que critica a concentração dos

resultados dos PNLD em número reduzido de Editoras — todas circunscritas na cidade de 44 MUNAKATA, Kazumi. Produzindo livros didáticos e paradidáticos. São Paulo, PUC-SP/EHPS, 1997. Tesede doutorado.45 BITTENCOURT, Circe M. F. Livro didático e conhecimento histórico: uma história do saber escolar. SãoPaulo, USP/FFCLH, 1993. Tese de doutorado.46 CASSIANO, Célia C. de Figueiredo. Circulação do livro didático: entre práticas e prescrições. São Paulo,PUC/EHPS, 2003. Dissertação de mestrado.47 ARAÚJO, Luciana Telles. O uso do livro didático no ensino de história: depoimentos de professores deescolas estaduais de ensino fundamental situadas em São Paulo/SP. São Paulo, PUC/EHPS, 2001.Dissertação de mestrado.

Page 37: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

37

São Paulo —, e os de Antonio Augusto Gomes Batista, que analisa os PNLD, entre outros

aspectos.

Estudar o livro didático requer, portanto, atentar não só ao seu conteúdo, pois há que

se considerar a tradição crítica que o enquadra como produto cultural, mas também articular

seu significado entre os agentes que dele se utilizam ou participam de sua elaboração. Se,

por um lado, há (ou não) um conteúdo prescrito e, no caso dos PNLD, uma forma de

apresentação e de circulação, por outro lado, autores, editores, professores, pais, alunos,

opinião pública são agentes desse processo e reelaboram o produto nos âmbitos em que ele

lhes é destinado, re-significando-o conforme o uso que dele fazem.

Egil Borre Johnsen49 destaca três categorias de estudo do livro didático

desenvolvidas no mundo: os que se centram no conteúdo (do ponto de vista da mensagem

ideológica subjacente); o da produção; e o do uso (em sala de aula).

Nosso objetivo aqui é estudar a produção do livro didático, ou seja, a sua

conformação material: o projeto editorial, o número de volumes, o número de páginas de

cada volume, a tiragem, a capa, as cores, os recursos gráficos, o conteúdo selecionado, a

linguagem, o processo editorial, a divulgação. Mas não se trata de qualquer livro didático,

mas daqueles destinados a jovens e adultos que não puderam completar seus estudos na

idade regular. Que contornos as Editoras fazem desse público? E que material é esse?

Como ele se diferencia dos demais materiais por elas disponibilizados aos estudantes?

No que se refere aos estudos do ensino de jovens e adultos, muitos são os trabalhos

desenvolvidos até o momento. Podemos destacar os que constam da obra organizada por

Sérgio Haddad através da entidade não-governamental Ação Educativa, que, entre outras

tarefas, dedica-se a prestar assessoria a órgãos governamentais e instituições a eles ligadas e

que produz materiais didáticos comercializados no mercado.

Sérgio Haddad organizou um estudo em que objetiva:

48 MUNAKATA, K. Op. cit. p. 18-9.49 JOHNSEN, Egil B. Libros de texto en el calidoscopio. Barcelona, Ediciones Pomares-Corredor, 1993.

Page 38: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

38

detectar e discutir os temas emergentes da pesquisa em educação de jovens e adultos no

Brasil. A pesquisa compreendeu trabalhos que abordam as concepções, metodologias e

práticas de educação de pessoas jovens e adultas, envolvendo questões relativas à psicologia

da educação, à formação de educadores, ao currículo e ao ensino e aprendizagem das

disciplinas que o compõem.50

A análise de materiais da Ação Educativa mostra que tais estudos concentram-se

prioritariamente em experiências localizadas de alfabetização, questões de formação do

professor, currículos, e não se detêm no estudo de livros didáticos, quaisquer que sejam os

aspectos: conteúdo, produção ou uso. Nas raras referências, o livro didático é mencionado

ao largo, como elemento coadjuvante dos processos em foco.

Chegando a essa parte de texto acreditamos ter explanado o cenário no qual se

localiza o objeto da pesquisa, os livros didáticos de educação de jovens e adultos:

exemplares de formatação variada derivados de iniciativas dispersas e muitas vezes

vinculadas à prática educacional localizada e, no segmento das maiores Editoras de livros

didáticos do país, apenas duas coleções dentre centenas de obras que compõem, em

determinados anos, uma produção que supera a marca de dezenas de milhões de

exemplares.

Como já vimos, a dispersão de publicações por organizações diversificadas, a

maioria das quais não vinculadas a Editoras comerciais que concorrem com outros produtos

no mercado, deve-se à descentralização das iniciativas no setor que foi se intensificando a

partir da década de 1990.

Também já se assinalou que o livro didático está intimamente ligado à forma escolar

disseminada há um século ao menos. Se considerarmos esse aspecto, é evidente que, na

ausência de uma forma escolar definida para a EJA e na indeterminação de continuidade

dos programas que se constituíram, os livros didáticos também não tenham se formatado

para essa modalidade de ensino. Se o ensino carece de livros, a recíproca também pode ser

50 O título do trabalho é O estado da arte das pesquisas em educação de jovens e adultos no Brasil: aprodução discente da pós-graduação em educação no período 1986-1998. São Paulo, 2000 e foi citado emhttp://www.acaoeducativa.org/public2.htm.

Page 39: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

39

verdadeira: o livro se define conforme o ensino, e as Editoras ressentem a ausência de uma

forma.

Os elementos analisados nas obras escolhidas (capa, imagens, autores, conteúdo)

refletem de alguma forma o quadro geral. Seguindo indagações do tipo “o quanto se agrega

nos livros didáticos de EJA comparativamente ao que se agrega nos livros didáticos

destinados ao mercado ou ao MEC”, buscamos explicitar alguns desses aspectos.

Page 40: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

40

2. Observação de práticas em

instituições escolares de educação de

jovens e adultos

A opção por observar a prática em salas de aula foi movida pela intenção de avaliar

o uso que os estudantes de EJA faziam do livro didático. Consultou-se uma lista de

instituições de ensino do município de São Paulo que se dedicavam à oferta de EJA. Essa

lista havia sido montada com dados fornecidos no site do MEC no ano de 2003 e constava

do nome da instituição de ensino; da rede a que ela pertencia (estadual, municipal ou

particular); do telefone; endereço; e número de estudantes matriculados em EJA.

Pretendia-se entender como os alunos usavam os livros; se eles acompanhavam a

exposição teórica, se se entretiam com o material didático; como eles decifravam os

recursos dispostos nas páginas; de que maneira liam o que editores e autores haviam

selecionado e materializado sob a forma de livro.

Não havia a pretensão de decifrar a leitura individualizada, mas a maneira como o

livro se comportava como objeto de transmissão de conteúdos escolares em sala de aula na

comunidade de leitores formada por estudantes de EJA.51

Nessa etapa do trabalho, ainda não se tinha noção da organização dessa modalidade

de ensino, quer no município, no estado de São Paulo, tampouco no país. As várias

entrevistas feitas a coordenadores e professores, somadas à leitura da legislação e de textos

sobre a EJA, me permitiram concluir que ela é reconhecida e orientada pela LDB

9394/1996 e segue instruções do Parecer CNE/CEB 11/2000 e da Resolução CNE/CEB

1/2000. Fica a cargo de cada Conselho (estadual ou municipal) estabelecer a carga horária,

51 Sobre a prática de leitura, ver CHARTIER, Roger. A ordem dos livros; leitores, autores e bibliotecas naEuropa entre os séculos XIV e XVIII. 2. ed. Brasília, UnB, 1998.

Page 41: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

41

a organização funcional das escolas, o sistema de avaliação, bem como, juntamente com a

Secretaria de Educação, credenciar os estabelecimentos de ensino.52

Assim, nos anos em que esta pesquisa se desenvolveu, a EJA era oferecida no

município de São Paulo nas seguintes formas:

Cieja (Centros Integrados de Educação de Jovens e Adultos) — treze unidades

no município de São Paulo, distribuídas por regiões e reguladas pela instância

municipal;

escolas da rede municipal;

escolas da rede estadual;

escolas particulares.

No ano de 2002 o Ministério da Educação criou o Exame Nacional de Certificação

de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), no qual podiam se inscrever jovens a

partir dos 15 anos de idade. Esse Exame podia ser utilizado pelas Secretarias Estaduais e

Municipais de Educação como instrumento de certificação de conclusão do ensino

fundamental e médio. A avaliação era destinada às pessoas, matriculadas ou não em

escolas, que estivessem acima da faixa etária própria para cursar o ensino regular e ainda

não tinham concluído essa etapa da escolarização. 53

52 A esse respeito, ver, além dos documentos oficiais citados: CURY, Carlos Roberto Jamil. Por uma novaEducação de Jovens e Adultos. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE QUALIDADE NA EDUCAÇÃO — formação deprofessores. Simpósios. Brasília, MEC/SEF, 2001. p. 308-10. v. 1. E PROPOSTA CURRICULAR PARAEDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS — segundo segmento do ensino fundamental. Introdução. Brasília,MEC/SEF, 2002. p. 79. v. 1.53 Um dos aspectos marcantes do Encceja é que ele preconizava como objetivo possibilitar uma avaliação decompetências e habilidades básicas de jovens e adultos. A matriz de competências e habilidades do Enccejaconsiderava, simultaneamente, as competências relativas às áreas de conhecimento e as que expressam aspossibilidades cognitivas de jovens e adultos para a compreensão e realização de tarefas relacionadas comessas áreas: “competências do sujeito”. Essas competências referem-se ao domínio de linguagens, àcompreensão de fenômenos, ao enfrentamento e à resolução de situações-problema, à capacidade deargumentação e elaboração de propostas. Essas cinco competências do sujeito são eixos cognitivos,associados com as nove competências apresentadas nas disciplinas e áreas do conhecimento do ensinofundamental e do ensino médio. Dessas interações resultam, em cada área, 45 habilidades que serão avaliadaspor meio de questões objetivas (múltipla escolha) e pela produção de um texto (redação). As provas do ensinofundamental correspondiam às quatro áreas de conhecimento estabelecidas na Base Nacional Comum: LínguaPortuguesa, Língua Estrangeira, Educação Artística e Educação Física; História e Geografia; Matemática;Ciências Naturais.

Page 42: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

42

Nas palavras de Jamil Cury, relator do Parecer CNE/CEB 11/2000, “os certificados

são a expressão oficial de que o estudante conseguiu transformar um direito num exercício

de cidadania”54.

Entretanto, já em 2003, na gestão do presidente Lula, o Inep suspendeu o Encceja,

alegando ser a certificação uma responsabilidade dos Estados e dos municípios, e não

federal.55

Segundo o então ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, que criou o

Encceja, o objetivo do exame era avaliar os cursos supletivos com o resultado dos exames e

permitir que estados e municípios pudessem “descredenciar os cursos que emitiam

certificados sem que os alunos, de fato, aprendessem”. 56

O mapeamento inicial da organização das escolas não foi tarefa imediata. Talvez

por causa da instabilidade histórica desse sistema de ensino nas várias instâncias de

governo, principalmente das iniciativas cuja operacionalização esteja fortemente vinculada

a uma gestão de governo, que demandam uma série de dispositivos para se iniciar e podem

ser desmontadas tão logo se afigure o final do mandato. Haja vista também que a

modalidade educação de jovens e adultos é relativamente recente, tendo sido orientada no

ano de 2000 pelo Parecer 1/2000 do CNE. E essa descontinuidade constitui-se numa

limitação na definição de um meio de aprendizagem para EJA. David Hamilton explica

esse conceito:

É o contexto sócio-psicológico e material em que professores e alunos trabalham juntos. O

meio de aprendizagem representa um complexo de variáveis culturais, sociais, institucionais e

psicológicas. Estas interagem de forma complicada, produzindo em cada sala de aula ou em

cada curso um arranjo único de circunstâncias, pressões, hábitos, opiniões e estilos de

trabalho, o qual influencia o ensino e a aprendizagem que lá se realizam. A configuração que o

meio de aprendizagem assume em cada classe depende da interação de numerosos e

diferentes fatores. Por exemplo, várias restrições (legais, administrativas, profissionais,

54 CURY, Carlos Roberto Jamil. Por uma nova Educação de Jovens e Adultos. Op., cit., p. 311.55 Até janeiro de 2005, não havia comunicado oficial ou nota na impressa da data em que um novo exame decertificação entraria em vigor.56 Folha de S.Paulo, 8/9/2003.

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43

arquitetônicas e financeiras) pesam sobre a organização do ensino nas escolas: há

pressupostos difusos em ação (relativos à organização de matérias, currículos, métodos de

ensino e avaliação do aluno); há as características de cada professor (estilo de ensino,

experiência, orientação profissional e objetivos particulares); e há, também, as perspectivas e

preocupações do próprio aluno.

Reconhecer a diversidade e a complexidade dos meios de aprendizagem é um pré-requisito

para um estudo sério de progamas educacionais.57

Em termos de EJA, podemos dizer que os pressupostos são mais difusos ainda: nem

sempre há treinamento de professores, salas de aula e prédios específicos, livros didáticos e

outros recursos pedagógicos.

Para analisar a prática docente em sala de aula, recorri à dissertação de Roper P.

Carvalho Filho58, na qual se identificam algumas práticas consolidadas no que se refere à

organização do tempo, aos conteúdos, ao uso do livro didático, à avaliação e a

disciplinarização dos alunos. Desses aspectos, tomarei como pontos relevantes para minhas

observações e análises o aspecto da distribuição do tempo em aula e do uso do livro

didático. De modo semelhante a ele, tomei como base para a observação os elementos

constantes do roteiro proposto por Luciane P. de Oliveira59, dispensando o formato em

ficha: escola; nível (módulo/ciclo/série); data; horário; número de alunos matriculados;

número de alunos presentes; professor; descrição da observação; análise da observação.

2.1 O contato com as escolas

Primeiramente enviou-se um e-mail a centenas dessas escolas perguntando-lhes

informações do tipo:

57 HAMILTON, David. Avaliação iluminativa: uma nova abordagem no estudo de programas inovadores. In:GOLDBERG, Maria Amélia et al. Op. cit., p. 40.58 CARVALHO FILHO, Roper Pires. Práticas dos professores de História do 1. Ano — ciclo II em relação afacetas da cultura escolar. São Paulo, PUC-SP/EHPS, 2003. Dissertação de mestrado.59 OLIVEIRA, Luciane Paiva de. Práticas para o controle do corpo no início do ensino fundamental: entre adisciplinarização e a não disciplinarização. São Paulo, PUC-SP, 2001. Dissertação de mestrado.

Page 44: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

44

1. Que materiais didáticos vocês utilizam para a EJA Fundamental 1?

2. E para a EJA Fundamental 2?

3. Como a escola obteve esse material?

4. Qual a carga horária? Um ano EJA corresponde a 2 anos do ensino regular?

5. Qual o horário das aulas?

6. O professor do Fundamental 1 é polivalente?

7. E o professor do Fundamental 2?

8. Vocês utilizam ou consultam os documentos do MEC relativos à EJA, como a Proposta

Curricular e o material didático Viver, Aprender?60

Como o retorno foi muito pequeno61 e pouco elucidativo, optou-se pelo contato

telefônico com as unidades com maior número de alunos matriculados. Dada a 60 Trata-se de material didático formulado pela organização não-governamental Ação Educativa, em parceriacom o Inep, entre os anos de 1998-1999. Foi primeiramente em versão espiral, tendo sido posteriormenteadaptada em versão brochura por alguns governos regionais (como ocorreu no estado de Pernambuco) e,atualmente, está disponível no site do MEC (www.mec.gov.br) no programa de computador acrobat. Constade 3 volumes para o aluno e 2 volumes para o professor.61 Muitos e-mails voltaram porque os endereços constantes da lista extraída dos dados do MEC estavamerrados. Como exemplo de retorno, vejam-se: “Márcia, sou professora do EJA Fund. I e lhe adianto que nãohá no mercado material de qualidade para jovens e adultos. Essa é uma grande dificuldade nossa, tanto EJA Ie II, pois temos que adaptar textos de trabalho de ensino regular, além de pesquisar em jornais e revistas. Acarga horária é de 25 horas/aula diárias, com cada série tendo a duração de 6 meses, exceto o 1° ano(alfabetização), que tem a duração de um ano completo. Não conhecemos o material Viver e Aprender efazemos uso (relativo) da Proposta Curricular. Os professores do EJA I são polivalentes e os do EJA II sãoespecialistas em suas respectivas áreas, porém o trabalho com jovens e adultos tem tantas particularidades,que todos acabamos sendo polivalentes. Qualquer informação, entre em contato conosco – […].” (EscolaEstadual Monteiro Lobato); “Nós, professores do EJA, utilizamos os materiais que recebemos da Prefeiturade São Paulo. Um ano de EJA corresponde a 2 anos do Ensino Regular e cumprimos 5 h/a diárias de 45 min.cada aula. Não só o professor do ciclo I é polivalente como alguns professores do ciclo II também o são, poisexercem outros cargos em outras redes. Consultamos os documentos do MEC relativos ao EJA, porémpercebemos que faltam subsídios para atendermos a nossa demanda, que é muito variada. Gostaríamos dereceber materiais didáticos que possam nos auxiliar, pois pouco material didático encontramos para o ensinodo EJA. Profª Maria José.” (Escola Municipal de Ensino Fundamental Álvares); “Em resposta à solicitação:1. Não temos o curso; 2. Alunos utilizam livro didático, mapas, atlas, dicionários do ensino regular em algunscomponentes apenas na sala de aula, eventualmente livros paradidáticos do PNLD; 3. Sobra de livros doPNLD após distribuição para o ensino regular, material adquirido com verba do PNDE/PDDE; 4. Cargahorária por semestre: 400 horas (100 dias letivos). Curso EJA Fundamental II: 4 semestres(2 anos); 5. das19h05 às 23h05. 6. Não temos; 7. Professor específico do componente curricular; 8. Até o momento não. Peçodesculpas pela demora. Edna (coord. pedagógica) (Escola não identificada, pois a coordenadora respondeu deseu e-mail pessoal.)

Page 45: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

45

receptividade dos coordenadores das escolas contatadas, decidiu-se pela visita a duas delas:

o Cieja Guaianases e o Cieja São Mateus, ambos na zona leste da cidade de São Paulo.

Posteriormente, solicitei ao departamento comercial da Editora Ática uma lista de

escolas que tinham adotado sua coleção de EJA. Mas, com o passar do tempo, esse

procedimento não se mostrou produtivo, pois havia demora no retorno dos dados e algumas

das informações eram imprecisas. Parti para o contato de duas escolas indicadas por esse

departamento: uma estadual e outra municipal.

A seguir descreverei aspectos relacionados à estrutura da EJA nessas instituições, a

organização das aulas e alguns episódios nelas transcorridos. A avaliação geral dessas

observações será feita em outro tópico adiante.

2.1.1 Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos

Foram observados dois Cieja: o de Guaianases e o de São Mateus.

As treze unidades Cieja existentes na cidade foram criadas pelo governo da prefeita

Marta Suplicy em 2001, embora tenham sido idealizadas pelo governo do mesmo partido, o

Partido dos Trabalhadores, na gestão da então prefeita Luíza Erundina. Os Ciejas são

denominados integrados porque se pretendeu aliar, integrar, a qualificação profissional62 ao

ensino de conteúdos básicos do ensino fundamental. São unidades exclusivamente

destinadas à EJA, quer no aspecto político-pedagógico, quer em suas instalações

arquitetônicas, pois suas aulas são ministradas em prédios alocados pela prefeitura para

esse fim específico.

O conteúdo relativo à qualificação profissional ficou a cargo do Senac — que

preparou material didático a ser distribuído aos estudantes e treinou os professores de EJA.

62 Nesse contexto, qualificação profissional não é o mesmo que ensino profissionalizante, que é formalmenteinstituído como categoria correspondente ao ensino médio. Trata-se apenas de uma formação básica e visa darao estudante certa familiaridade com a prática profissional em questão.

Page 46: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

46

Os Ciejas ministram cursos semi-presenciais que correspondem ao ensino

fundamental. A carga horária63 é de 2h15, de segunda à quinta-feira de aulas presenciais e

de 1h15 de trabalhos em casa. Em geral, os professores do primeiro segmento (módulos 1 e

2, ou seja, 1ª e 2ª séries) são polivalentes e os do segundo segmento (módulos 3 e 4, ou seja,

3ª e 4ª séries) são especialistas conforme a sua habilitação, e sua atuação no Cieja é

adaptada de acordo com a área de conhecimento — Códigos e Linguagens (Língua

Portuguesa, Inglês e Artes), Ciências da Natureza e Matemáticas (Ciências e Matemática),

Ciências Humanas (História e Geografia).64 Os professores são selecionados pela prefeitura

dentro de sua rede de professores concursados. As sextas-feiras são reservadas ao

treinamento do corpo docente e discussões — principalmente entre professores de uma

mesma área de conhecimento, visando à articulação de conteúdos e à proposição ou revisão

do currículo.

No dia 27/5/2004 entrevistou-se Ana Küller, coordenadora do já referido projeto de

parceria Senac–Cieja. Segundo a entrevistada, o projeto foi implantado no governo da

prefeita Marta Suplicy e aliava a educação básica à qualificação profissional. O consultor

contratado pelos grupos gestores do projeto junto à prefeitura procurou a gerência de

desenvolvimento educacional do Senac, que repassou a iniciativa ao centro de treinamento

especializado em educação.

Isso ocorreu no ano de 2002, e esse consultor acabou se afastando do projeto por ter

assumido a secretaria da educação do município de São Paulo. Esse projeto começou a ser

formulado em 2001, juntamente com esse consultor (Carlos…) e chegou ao Senac no início de

2002. A proposta inicial sofreu uma série de transformações. A carga horária, antes restrita a

algumas horas extras, consistia inicialmente em um apêndice do ensino, mas o pessoal do

Senac resolveu inovar e transformá-lo em algo mais substancial, aliado à educação básica, o

que requereu o treinamento de profissionais que se integrassem às escolas. Em abril de 2002,

começou-se um trabalho de formulação de projeto, de definição de áreas, de profissionais

envolvidos. Elaborou-se um questionário para identificar o perfil do aluno (nível sócio-

econômico, situação empregatícia, ocupações, região de origem, migrantes ou não,

63 Estabelecida pelo Conselho Municipal de Educação e pela LDB 9394/96.

Page 47: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

47

expectativas de formação profissional. Paralelamente ao levantamento do perfil dos alunos,

fez-se um levantamento da capacidade instalada das escolas: quantas unidades, número de

salas, mapeamento da infraestrutura da localidade (que atividades disponíveis, ocupações de

maior demanda, projeção de oferta de trabalhos, empregos, etc.). Essa segunda tarefa contou

com dados da secretaria do planejamento e do IBGE, entre outros órgãos.

Definiram-se cinco áreas a serem oferecidas como suporte de qualificação

profissional, às quais eles chamaram de itinerários: lazer e desenvolvimento social;

atendimento e vendas; serviços domiciliares; beleza; serviço de alimentação. Cada área

seria composta por quatro módulos, o que se integrava à estrutura já montada nos Cieja.

Coube ao Senac: o mapeamento das escolas e da população escolar; o planejamento

dos cursos; a qualificação de profissionais; o suporte na elaboração e escrita dos

documentos referentes ao projeto junto à prefeitura; a elaboração do material didático; a

implantação do projeto; a assessoria dos professores dos Cieja no que se refere à definição

do planejamento integrado nas reuniões docentes que ocorrem às sextas-feiras; a

contratação e o treinamento do professor de qualificação profissional, incumbido das aulas

das quintas-feiras nas unidades Cieja; o acompanhamento do projeto junto aos Cieja; a

formação continuada dos professores da rede (mudança de trabalho por disciplina para

trabalho por competência; interdisciplinaridade; trabalho por projeto; avaliação). Todos os

profissionais contratados para a elaboração do projeto participam da implantação (os treze

prestadores de serviço que já desenvolviam treinamento de professores em outros projetos

do Senac), mas há mais profissionais contratados para ministrar as aulas e comparecer às

unidades Cieja.

O primeiro Cieja observado foi o de Guaianases. As informações foram obtidas

junto ao orientador pedagógico, Joseildo65, à secretária da escola, Márcia, à professora Rita

do Módulo 2, ao professor Edson do Módulo 1 e ao professor Marcos (Módulo 4).

64 Essa proposta foi inspirada na Proposta Curricular do Ensino Médio, e, segundo o entrevistado, trata-se deuma tentativa de adequar os conteúdos aos limites da carga horária.65 Não houve restrição à citação dos nomes dos profissionais envolvidos na pesquisa. Porém, dada adificuldade posterior de retomar o contato com todos eles para padronizar esse tratamento, optou-se porindicar só o primeiro nome.

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48

Na unidade de Guaianases, os alunos ainda têm, fora do horário, aulas de

informática e educação física.66

Na data da visita, o Cieja Guaianases tinha 1200 alunos matriculados, o que lhe

conferia a destacada posição de terceira escola do município com maior número de alunos,

além de novecentas pessoas na lista de espera. A idade mínima dos alunos é de 15 anos,

não havendo limite máximo. No momento da visita, havia uma aluna de 79 anos de idade.

Essa escola possui oito turmas em cada um dos seis horários (das 7h30 às 9h45; 10h00 às

12h15; das 13h00 às 15h15; das 15h30 às 17h45; das 18h00 às 20h15; das 20h30 às 22h45)

— o que corresponde à grade de horário máxima dos Cieja.

Para a composição do currículo relativo à formação básica, os professores dessa

escola utilizam vários recursos, entre eles o antigo material do Cemes acima descrito,

filmes, discussões, cópia no caderno de frases escritas na lousa pela professora, passeios,

etc., mas tanto o orientador quanto a professora de classe do módulo 2, Rita, salientam que

o currículo ainda está em construção e é definido no processo.

A aula do Módulo 2 a que estive presente consistiu de discussão sobre o filme

anteriormente assistido pelos alunos, Tainá67. A professora pediu aos alunos que

identificassem o nome das personagens, seu papel no enredo, a trama principal e estimulou

a discussão de questões relacionadas à preservação ambiental e ao contrabando de animais

silvestres. Antes da discussão, a professora orientou os alunos a registrar no caderno a data,

o módulo de aprendizagem (Módulo 2), o nome da professora, o tema da aula (Discussão

sobre o filme Tainá) — tarefa para a qual se destinaram cerca de 12 minutos e que,

conforme pôde-se observar, foi completada por todos os alunos.

66 Essa escola tem também duas salas de apoio para portadores de necessidades especiais (as Sapnes, paraportadores de deficiências mentais leves), que são integrados, juntamente com os portadores de deficiênciasauditivas, às aulas regulares do Cieja conforme o desenvolvimento individual. São aceitos também alunos emliberdade assistida, e eles são integrados aos demais estudantes sem ter seu status divulgado.67 Tainá — uma aventura na Amazônia, de Tânia Lamarca e Sérgio Bloch, 2000.

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49

A aula de Módulo 1 ministrada pelo professor Edson no primeiro dia de visitas

concentrou-se no processo de alfabetização. Iniciou escrevendo na lousa um cabeçalho:

data, Módulo 1, professor Edson, solicitando aos alunos que fizessem o registro no caderno.

Passou à leitura de um texto literário e incentivou uma discussão entre os alunos. Orientou

então uma atividade de descoberta e registro (no caderno) de sete nomes próprios e

posterior confecção de lista, em papel avulso, em ordem alfabética desses vocábulos. A

mesma estratégia foi orientada para nome de fruta.

No dia seguinte, esse professor dedicou-se ao ensino da tabuada: as leis

fundamentais e a confecção de um quadro com esses números.

Na sala de aula observaram-se atlas do corpo humano, mapa-múndi, quadro-mural

com recortes de fotos extraídas de revistas acompanhadas de palavras formadas pelos

alunos, palitos de picolé (usados nas atividades de Matemática), revistas, papel sulfite,

alguns livros paradidáticos, bonecos e roupas confeccionados pelos alunos para atividades

de teatro. Na aula a que estive presente, o professor deu a cada aluno um exemplar da

revista Seu Bairro, da qual extrairia diversas atividades, como a leitura de mapas, tabelas,

índices, o que lhe permitia cobrir propostas curriculares de várias áreas de conhecimento. O

professor comentou que, naquela semana, os alunos iriam assistir ao filme Central do

Brasil68.

Na aula de Módulo 4, de Ciências Humanas, o professor Carlos (licenciado em

Geografia) conduziu uma discussão acerca do filme Canudos69, a que os alunos assistiram

em aula anterior. Após a discussão, o professor fez uma explanação acompanhada de

registro na lousa de alguns fatos históricos e fez desdobramentos para questões atuais,

como liderança política, poder instituído, interesses de grupos econômicos, migração,

configuração do espaço urbano (áreas centrais e periferia), exclusão social. Finalmente, deu

aos alunos um texto xerocado que tratava de Canudos, solicitando-lhes a leitura individual e

em voz alta, parágrafo por parágrafo. Após cada leitura, fazia comentários sobre os fatos e

conceitos abordados. 68 Central do Brasil, de Walter Salles Jr., 1998.

Page 50: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

50

Nessa escola os alunos são dispostos em mesas circulares e se agrupam conforme

sua afinidade.

Perguntado sobre o motivo de não se utilizar livros didáticos específicos para a EJA,

o orientador educacional afirmou que não existe nenhum que atenda às necessidades desse

público. O único material didático, mostrado pelo professor Edson, foi um exemplar da

coleção Viver, Aprender (exemplar do professor), da qual, segundo ele, extrai várias

atividades para passar aos alunos. Os alunos dessa unidade não recebem os exemplares

dessa coleção.

No dia 26/5/2004 visitou-se o Cieja São Mateus, que, segundo uma das

coordenadoras, Bárbara, tem em média 1500 alunos matriculados e 450 em lista de espera.

Os alunos encontram-se assim distribuídos nos seis turnos:

Módulo 1 — 2 turmas em cada turno;

Módulo 2 — 1 turma em cada horário;

Módulo 3 — 3 turmas em cada horário;

Módulo 4 — 4 turmas em cada horário.

Assistiu-se a uma aula do Módulo 1. A professora afirmou que usa alguns livros

didáticos apenas como suporte de sua prática em sala de aula. Nesse sentido, pude observar

que ela copia enunciados de problemas de matemática na lousa (livro brochura dobrado ao

meio) e pede aos alunos que os reproduzam no caderno e resolvam a questão. No caso, o

livro era da coleção De Olho no Futuro, da Quinteto Editorial, v. 1.

A professora retirou do armário da classe vários exemplares de livros que ela utiliza

para consulta ou reprodução de atividades:

Coleção de Olho no Futuro — Matemática: Angelo Passos. Quinteto

Editorial, PNLD 2000. A coleção é destinada ao primeiro segmento do ensino

fundamental e consta de 4 volumes.

69 Guerra de Canudos, de Sérgio Rezende, 1997.

Page 51: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

51

Coleção De Olho no Futuro — Ciências: Marinez Meneghello. Quinteto

Editorial, PNLD 2000. Idem acima.

Novo Caminho — Língua Portuguesa: José de Nicola, Editora Scipione,

PNLD 2001. Idem acima.

Novo Caminho — Ciências: Rosalina Chiaron, Editora Scipione, PNLD

2001. Idem acima.

Alfabetização de Jovens e Adultos: Regina Iara M. Nasser, Editora Ática.

Caderno do Futuro — a evolução do caderno: várias disciplinas, Ibep.

Almanaque Popular de Sabedoria. Secretaria Municipal da

Educação/Vereda, Centros de Estudos de Educação, junho de 2003.

Marcha criança — exemplares de volumes diversos, de várias disciplinas.

Editora Scipione.

Revistas, jornais, atlas.

Em aula de Módulo 2, com a professora Maria do Socorro, pude constatar que ela

também se vale de livros didáticos apenas como suporte para o desenvolvimento de

algumas aulas. Como fonte principal de consulta, a professor mostrou uma coleção

especialmente desenvolvida para EJA: Eterno Aprendiz, de Adriana de Oliveira,

Uberlândia, Editora Claranto, 2000. Trata-se de uma coleção integrada70 de 4 volumes.

Alguns alunos dessa escola possuem, para seu uso, um volume da coleção Viver,

Aprender. Segundo a professora Carmelita e o coordenador da escola, Jurandir, a diretora

havia conseguido da prefeitura cerca de dez exemplares desse material para a escola toda.

Nesse caso, o livro foi dado a alguns alunos, que fazem uso dele conforme a sua vontade;

às vezes, a professora dispõe para os demais alunos algumas das atividades propostas. A

professora de Módulo 1 afirma que, se a escola pudesse contar com esse material para todos

os alunos, ela o usaria como livro didático único ou pelo menos, como principal recurso

70 No jargão editorial, obra integrada refere-se àquela que contém, num mesmo volume, várias disciplinas.

Page 52: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

52

didático. Por outro lado, para a professora do Módulo 2, Maria do Socorro, a coleção carece

de “conteúdo”, pois, ao se trabalhar com esse tipo de material ou com projetos (como o

meio ambiente, por exemplo) por mais de três dias seguidos, os alunos reclamam por

“conteúdo”: “Eles querem mesmo é aprender a ler, a escrever e a fazer contas”.

Na sala de aula também se observam Atlas do corpo humano, mapa-múndi, livros

didáticos, giz de cera, jogos de letras, recortes de jornal, que ficam à disposição dos alunos.

Outras fontes de consulta são trocadas entre os professores nas reuniões das sextas-

feiras, quando ocorrem o planejamento das aulas, discussões sobre o currículo, definição de

projetos integrados, treinamento dos professores.

Embora o material didático mostrado estivesse devidamente organizado e as

professoras demonstrassem conhecer seu conteúdo e as possibilidades de seu

aproveitamento, quer como fonte de pesquisa, quer como material a ser reproduzido

parcialmente na lousa aos alunos, constatou-se certa dispersão. Ou seja, as professoras

usam aquilo de que dispõem, que recebem da diretora ou do coordenador da escola, ou

trazem de outras escolas em que trabalham, mas não podem solicitar esta ou aquela

coleção, mesmo que para seu próprio uso e não para distribuição entre os alunos.

De fato, indagada dias depois, a coordenadora Bárbara afirmou que os livros

didáticos do primeiro segmento de que a escola dispõe para consulta provêm de doações de

escolas vizinhas, cujos professores recebem dos PNLD ou diretamente das Editoras.

Uma professora dos Módulos 3 e 4 da área de Ciências Matemáticas e Naturais

reclamou que a escola não recebeu a coleção para EJA recém-reformulada da Editora Ática.

Tendo tido conhecimento dessa versão na escola da prefeitura (Escola Municipal de Ensino

Fundamental) em que também leciona, que recebera da Editora os exemplares de todas as

disciplinas destinados ao professor, ela analisou os volumes relativos a Ciências, de autoria

de Carlos Barros e Wilson Paulino71, e comentou que, em relação à edição anterior, que era

“muito simplória”, a nova edição melhorou, mas ainda não atende às necessidades dos

alunos da EJA, pois “não tem nada a ver com a realidade do aluno, que, em geral, está 15,

Page 53: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

53

20 anos longe das salas de aula, tem uma bagagem de experiências e expectativas bem

diferentes”. Segundo ela, essa nova edição está muito calcada em materiais didáticos para

alunos do ensino regular — 5ª a 8ª séries.

Questionado sobre o assunto, o supervisor de divulgação de área da Editora Ática

afirmou:

Nós realizamos um trabalho em algumas escolas que trabalham com EJA, selecionei escolas

com mais de 300 alunos e fizemos um trabalho de divulgação. Não tivemos muito sucesso

com adoções, devido a alguns motivos, entre eles o baixo poder aquisitivo dos alunos, por

exemplo. Mas o que mais me chamou a atenção no relato dos professores é que os alunos

não têm as habilidades necessárias para acompanhar esse material…Também fiz um trabalho

com instituições que tratam de formação de professores para o EJA, como: Secretaria de

Educação do Estado, Secretaria Municipal de Educação, Instituto Paulo Freire, Fórum do EJA

de SP, Ação Educativa (ONG), Confederação da Mulher do Brasil — órgãos esses ligados ao

Programa Brasil Alfabetizado. Além disso atendemos muitos recados de professores que

receberam nossa mala direta e solicitaram os livros.72

Essa declaração leva-nos a investigar o processo de divulgação dos livros didáticos

destinados ao ensino regular. Em que aspectos a divulgação dessas obras para EJA difere

da divulgação dos demais livros? E isso será visto adiante neste trabalho, no próximo

capítulo.

2.1.2 Escola Estadual Major Arcy

No dia 16/6/04 visitou-se essa escola, que se localiza no bairro paulistano de Vila

Mariana, e entrevistou-se a professora de Matemática da fase 2 (designação que equivale à

6ª série do ensino fundamental), Angela. A escola tinha uma classe de 1ª, 2ª e 3ª fases e

duas classes de 4ª fase. As aulas da EJA têm 50 minutos cada e são dadas no período

noturno, das 19h00 às 23h00. Na sala observada havia quarenta alunos matriculados e,

segundo a professora, havia em média a presença de vinte alunos por dia. 71 Essa coleção será analisada nos capítulos 3 e 4 deste trabalho.

Page 54: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

54

A indicação dessa escola havia sido passada por um divulgador da Editora Ática,

que afirmou que ela tinha adotado a coleção de EJA da Editora. Mas, logo no início da

entrevista, na sala dos docentes, a professora reclamou incisivamente da Editora: disse que

o divulgador deixou o exemplar do livro didático de EJA para a diretora em abril de 2004,

que lhe entregou em junho, quando já era tarde para solicitar aos alunos que o comprassem.

Reclamou também da não doação de exemplares a cada professor, e não apenas de um

volume de cada disciplina para a diretora. Afirmou que “os alunos compram. Eles gostam

de ter livros. Eles acham o máximo”. Comentou que, se pelo menos a metade dos alunos

tivesse o livro, a aula “renderia muito mais. Passar as atividades na lousa não rende”. Como

professora de 7ª e 8ª séries de uma escola particular das imediações (Vila Mariana,

Aclimação) que adota livro didático73, faz uma boa avaliação da sua prática pedagógica

com o uso desse material. Comentou também que, “lá na outra escola, as Editoras deixam

livros pra gente [professores] à vontade, diferente do que acontece aqui”.

Foram observadas duas aulas seguidas de Matemática. Na primeira, de 50 min,

houve a presença de apenas seis alunos. Na segunda aula, na qual a professora fez chamada,

o número de alunos chegou a doze. A professora usa o livro de EJA de Matemática de

Oscar Guelli (da Editora Ática, 2003, 3º e 4º ciclos) e estabelece uma dinâmica na qual ela

escreve na lousa, lê ou dita os enunciados das atividades propostas no livro, uma por uma.

Nessa aula, o tópico era razão, divisão, proporção e porcentagem. Também permite que os

alunos peguem no livro e copiem as atividades, chequem o enunciado de questões e

formulem perguntas com base nesse contato. Durante a aula, explorou as páginas 84-5 do

livro acima referido, lendo os enunciados das atividades para os alunos e anotando os

conceitos mais importantes. A correção era feita oralmente e depois transcrita na lousa

pelos alunos.

A professora leva para a classe outros livros didáticos que lhe servem de suporte.

Naquele dia tinha em mãos Matemática e realidade, de Gelson Iezzi, da Editora Atual

72 Comunicação via e-mail, 3/6/2004.73 No caso, a escola em questão adota, para o ensino de matemática nessas séries, a coleção daEditora Saraiva.

Page 55: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

55

(volume de 8ª série) e outro título da Editora Moderna. De acordo com o tópico abordado,

extrai alguns exemplos e atividades dessas fontes.

A certa altura, para reforçar a idéia de que tanto ela quanto os alunos gostariam de

usar livros didáticos específicos para EJA, pediu a um aluno que mostrasse o exemplar que

ela lhe havia dado, pois o encontrou como sobra da biblioteca. O aluno, de dezesseis anos,

uniformizado da touca ao tênis, passando pelas meias, conforme a torcida organizada de um

time de futebol da capital, tirou prontamente o exemplar (Matemática em movimento, de

Adilson Longen, Editora do Brasil, 6ª série, PNLD 2002) da mochila, orgulhoso, e o exibiu

a mim. Notava-se que estava em boas condições de uso. Talvez o aluno não o utilizasse de

fato, nem na escola nem em casa, mas era perceptível sua satisfação de carregar o livro

como material escolar.

A professora também comentou com os alunos que eles estavam faltando muito às

aulas, fato que pude confirmar quando ela me mostrou o livro de chamada.

Apesar do grande número de alunos ausentes, pôde-se constar, entre os presentes,

interesse pelo aprendizado. Os que haviam faltado à aula anterior pediram ao colega o

caderno emprestado e copiaram o conteúdo dado; os alunos que estavam com dificuldade

para entender o desenvolvimento de atividades vinham até a professora para pedir

explicações. Havia um aluno que não anotava nada no caderno, pois gostava de fazer os

cálculos de cabeça. Acompanhava atentamente a leitura do enunciado da questão que a

professora extraía do livro didático e, logo em seguida, deitava a falar em voz alta as

passagens das operações matemáticas. A professora, dirigindo-se a mim, comentava

baixinho: “Olha que gracinha! E ele vai acertar, quer ver?”.

A avaliação é feita pela professora, de acordo com a participação nas aulas, e,

conforme ela me relatou, a presença dos alunos às aulas garante que eles passem para a fase

seguinte. O número máximo de faltas nas instituições escolares de EJA do sistema estadual

é cem no total (ou vinte em uma das disciplinas).

Page 56: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

56

2.1.3 Escola Municipal de Ensino Fundamental Professor Olavo

Pezzoti

No dia 18/6/04 visitou-se essa escola, onde se assistiu a duas aulas da professora de

Língua Portuguesa, Eliana. Trata-se de uma escola municipal de ensino fundamental

localizada no bairro de Pinheiros e cuja unidade dedicada ao curso de EJA está alocada no

prédio do Colégio Assunção, no Jardim Paulistano. As turmas de EJA dessa professora

adotam o livro didático da Editora Ática, de Maria das Graças Vieira e Regina Figueiredo.

Ela era a única professora da escola que tinha optado pela adoção de livro didático. E foi

ela quem se dirigiu à Editora à procura de um material que pudesse utilizar em suas aulas,

pois, conforme me relatou, “o tempo é muito curto, as aulas são muito corridas, e o livro

didático ajuda na condução das aulas”. Apesar de ter optado pelo uso do livro, pois avalia

que foi a melhor solução, ela afirmou que, ao utilizá-lo, fugiu um pouco da sua maneira

habitual de ser: “Deixei de ser eu para usar o livro. O livro é meio rígido, já traz as

atividades todas encadeadas. Mas como eu não tenho tempo pra criar com os alunos e

desenvolver os conceitos como eu faço na outra escola, acho que foi a melhor opção”. Ela

também comenta que percebe que é difícil para os alunos acompanhar o livro, tanto no

processo de leitura propriamente dita quanto na compreensão dos conteúdos.

A primeira aula se iniciou às 18h00, conforme o horário estabelecido, com treze

alunos; aos poucos a classe foi se completando, e, às 18h33, a professora fez a chamada,

quando se contaram 33 alunos. A classe era composta de 35 alunos matriculados, sendo que

um aluno havia desistido do curso. Antes de dar andamento ao trabalho pedagógico, a

professora distribui a todos os alunos dois folhetos informativos publicados pela Secretaria

da Saúde — Saúde da Mulher, n. 1, abr. 2004 e Você sabe o que é saúde reprodutiva? — e

um folheto da iniciativa da farmácia popular do governo Lula. Escreve na lousa um

cabeçalho, composto de saudação (“Boa noite”), data e de uma frase — “Toda empresa

precisa ter gente que erra, que não tem medo de errar, que aprende com o erro” (Bill Gates)

— e comenta com a turma essa idéia e sua autoria.

Page 57: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

57

A distribuição de material vinculado à prefeitura antes da aula pela professora

remeteu à lembrança da observação feita por David Hamilton sobre “lealdade profissional”

característica dos meios de aprendizagem — no caso uma escola municipal — , a saber:

Por sua vez, este contexto “administrativo” está imerso em estruturas departamentais ou

institucionais mais amplas, cada uma delas com seu próprio conjunto de procedimentos e de

lealdades profissionais e sociais.74

Ao retomar com os alunos o que havia sido dado na aula anterior (na noite passada),

faz uma remissão à página 42 do livro (no caso, o volume do 3º ciclo, que corresponde a 5ª

e 6ª séries), que focalizava o estudo de uma fábula como gênero textual em comparação

com um texto informativo. A grande maioria dos alunos tem o livro — alguns encapados e

um exemplar xerocado — e o abrem na página referida. Da página 43, detém-se apenas na

atividade 1, justificando aos alunos que não se deteria na produção de textos proposta na

atividade 2, pois achava melhor “dar mais matéria” uma vez que eles teriam avaliação na

próxima semana. Solicita a participação da classe para comentar as frases indicadas na

atividade como a moral de duas fábulas: “Seja sempre você mesmo”; “Amigos pequenos

podem ser grandes amigos”. Alguns alunos aderem à solicitação e dão contribuições.

Segue então para a página 44, que trata de gramática (o artigo), lê o texto da página

para a classe, que a acompanha de livro aberto, uns olhando para a professora, outros para o

livro. Chega a perguntar se algum aluno quer ler, mas, como ninguém se prontifica,

completa ela mesma a leitura da página. Escreve na lousa alguns elementos-chave do texto

lido, retomando os conceitos apresentados no texto (“um louco/o fogo”, explicando a

diferença entre artigo definido e artigo indefinido. Pergunta à classe quem se lembra do

conceito de substantivo, e os alunos não demonstram segurança para responder. Então

retoma esse conceito escrevendo na lousa alguns exemplos.

Às 18h33, dá uma pausa em suas explicações e pede aos alunos que realizem as

duas atividades propostas na página 45 do livro, enquanto faz a chamada:

74 HAMILTON, David. Avaliação iluminativa: uma nova abordagem no estudo de programas inovadores. In:GOLDBERG, Maria Amélia et al. Op. cit., p. 41.

Page 58: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

58

1. No caderno, crie frases com as palavras a seguir, de acordo com as indicações entre

parênteses. Siga o exemplo:

Cachorro, medroso (artigo definido, masculino, plural)

Os cachorros eram medrosos.

a) amigo, esperto (artigo indefinido, feminino, singular)

b) raposa, perigosa (artigo definido, feminino, plural)

c) doce, delicioso (artigo indefinido, masculino, plural)

2. Copie as palavras no caderno e acrescente os artigos definidos o ou a:

a) fome e) dó (pena, compaixão)

b) alface f) problema

c) fênix g) telefonema

d) dó (nota musical) h) eclipse75

Os alunos lêem o enunciado em silêncio e fazem o exercício no caderno. Alguns

partilham o livro com um colega.

A professora pergunta quem fez o exercício. Uma aluna, usando os termos amigo e

esperto propostos na atividade 1a), tenta, mas não consegue formular a resposta esperada.

Entre várias tentativas elaboradas pelos alunos, a professora destaca a opção mais adequada

e elabora, ela mesma, a frase (“A Bruna tinha uma amiga muito esperta”) e a escreve na

lousa. Dá mais um tempo aos alunos, orientando-os a consultar o quadro de classificação

dos artigos apresentado na página 44 do livro, que “explica tudo direitinho”. Diz que

aqueles exercícios serão para a próxima aula e, às 18h45, encerra a aula.

Dirige-se rapidamente para a outra classe (que corresponde à 7ª série) e inicia a aula

da mesma forma: entrega os folhetos, escreve o mesmo cabeçalho. Essa turma compõe-se

75 VIEIRA, Maria das Graças & FIGUEIREDO, Regina. EJA — Língua Portuguesa. 3º ciclo. São Paulo, Ática,2003. p. 45.

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de 34 alunos, além de um desistente e um outro recém-falecido. Todos os alunos estavam

presentes.

Como os alunos dessa classe estão em estágio mais avançado que o da primeira

turma visitada, eles adotam o livro referente ao ciclo 4 dessa mesma coleção76. Nessa

classe, também a maioria dos alunos tem o livro.

A professora pede-lhes que abram o livro na página 38, que trata de complementos

nominais e verbais. Para explicar melhor o assunto, escreve na lousa um quadro extraído de

outro livro didático — Gramática, de Carlos E. Faraco & Francisco M. Moura (Ática,

1994, p. 326-7). Todos os alunos copiam o quadro no caderno, enquanto a professora

explica o assunto, intercalando algumas perguntas. Nesse momento, notou-se que certos

alunos se lembravam de conceitos adquiridos anteriormente: artigo, objeto direto, por

exemplo.

A professora lê para os alunos o texto da página 38 do livro didático (EJA) e pede-

lhes que façam as atividades 1, 2 e 3 da página 39. Após alguns minutos, desenvolve a

primeira atividade com os alunos e solicita-lhes que façam a duas restantes em casa. Além

disso, orienta a retomada do conteúdo exposto em aula anterior, às páginas 36-7, e pede-

lhes que produzam em casa a atividade proposta (assistir a um programa de TV e elaborar

um comentário crítico), à qual lança um comentário elogioso: “Olhem só que lição de casa

gostosa: assistir TV! Não percam essa oportunidade, hein?!”.

Pôde-se constatar que a professora calca sua prática em sala no livro escolhido;

porém o faz conforme um planejamento previamente efetuado, pois escolhe as atividades,

lança mão de outras fontes para desenvolver determinado tópico, faz comentários sobre

algumas atividades, pergunta aos alunos se estão entendendo. O ritmo da aula é impresso

por ela com todas essas operações. Nota-se bastante domínio da condução da aula e do

conteúdo, bem como familiaridade no uso de livros didáticos. A habilidade que ela

demonstrou na condução dos assuntos, fazendo avanços, saltos e retrocessos nas atividades

76 VIEIRA, Maria das Graças & FIGUEIREDO, Regina. 4º ciclo. Op. cit.

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60

propostas no livro, evidencia que as aulas haviam sido preparadas com antecedência — a

professora sabia, de fato, qual conteúdo queria transmitir aos alunos naquela aula.

A presença era massiva nas salas de aula e a grande maioria tinha seu próprio

material escolar, inclusive o livro didático. Das turmas observadas, considerando-se todas

as escolas visitadas, essas turmas eram as mais “disciplinadas” — na maneira de sentar, de

organizar o material na carteira, na quase ausência de brincadeiras, conversas e

questionamentos durante a aula. Talvez se possa arriscar a constatação de uma postura mais

passiva dos alunos diante do saber expresso pelo professor e pelo livro — mas uma

generalização desse tipo de atitude precisaria ser investigada mais extensivamente em

outros momentos e em outras turmas, professores e escolas.

Com a observação das aulas, pôde-se endossar a percepção da professora de que o

livro é difícil para os alunos. Eles gostam de portar o livro, de manuseá-lo, de cuidar dele.

Mas quase não se percebeu uma interação mais intensa com esse material, quer na leitura

ou em expressão de dúvida, questionamento, crítica ou manifestação de prazer.

2.2 Avaliação das observações

É oportuno que se deixe claramente expresso que, tendo sido minha primeira

intenção verificar o uso de livros didáticos por estudantes de EJA, as visitas aos Cieja e à

escola estadual constituíram num “erro de percurso”. Pelos contatos iniciais, entendeu-se

que essas instituições “usavam livros didáticos”. De fato, de uma forma indireta, esse

material está presente em sala de aula, mas não por meio de sua adoção pelos alunos.

Apesar desse “descaminho”, as observações serviram para identificar aspectos importantes

para o desenvolvimento deste trabalho: os materiais didáticos utilizados pelo professor e

pelos alunos na sala de aula, as queixas dos professores em relação aos livros didáticos e

em relação à presença das Editoras nas escolas, as diferenças entre os meios de

aprendizagem (o treinamento de professores, as situações pedagógicas propostas, o

envolvimento dos alunos, entre outros fatores).

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61

Das visitas a essas instituições de ensino e observação da prática em sala de aula,

pôde-se constatar uma nítida diversidade de culturas organizativas. As duas unidades Cieja

visitadas demonstraram dominar maior grau de coesão entre proposta político-educacional,

treinamento docente e prática em sala de aula. Embora houvesse diversidade entre as

práticas adotadas entre professores das duas unidades, as entrevistas com os professores

revelaram a existência de um discurso dominante e consolidado quanto à proposta

pedagógica e à representação que eles fazem do aluno e do próprio trabalho docente.

Comentários sobre os livros didáticos de EJA disponíveis no mercado eram marcados por

queixas do tipo: “Não têm a ver com a realidade do aluno”; “São livros do ensino regular

reduzidos na extensão”; “O aluno de EJA tem toda uma bagagem de vida, fantástica, que

não pode ser desprezada quando damos aula. Livros para crianças do ensino regular não

servem pra ele”77. E percepções do tipo: “O aluno de EJA tem expectativas bem claras: quer

aprender a ler, a escrever, a fazer contas”78; “O aluno de EJA já tem vivência e, por isso,

quando vem ao curso tem objetivo, quer aprender. E isso é muito legal. Trabalhar com eles

é muito bom”79; “Aqui nós temos alunos que causaram problemas sérios quando cursavam

a escola normal, do ensino regular, inclusive temos alunos em liberdade assistida, mas aqui

eles não dão trabalho nenhum. É que eles querem aprender. É diferente”80.

A professora da escola municipal demonstrou autonomia em relação à escolha do

material didático a utilizar. Foi ela quem, de fato, tomou a iniciativa de procurar na sala dos

professores de uma Editora alguma obra que pudesse atender a seus interesses, pois, como

professora do curso regular do ensino fundamental, ela já havia adotado livros didáticos

dessa Editora e estava habituada a fazer esse tipo de busca. Tendo encontrado essa obra,

consultou os alunos de cada classe sobre a compra, fez uma lista, arrecadou dinheiro e

adquiriu os livros (com desconto de 20% sobre o preço de capa). Note-se que nesse caso a

77 Comentário da professora de Ciências (bióloga de formação) do Cieja de São Mateus feito à pesquisadorana sala dos professores.78 Comentário da professora de Matemática (geógrafa e pedagoga de formação) do Cieja São Mateus feito àpesquisadora em sala de aula.79 Comentário do professor de Ciências Humanas (geógrafo de formação) do Cieja Guaianases — sala dosprofessores.80 Comentário da secretária do Cieja Guaianases, que coincide no conteúdo e no tom com o depoimento dadopelo coordenador do curso dessa mesma instituição.

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62

iniciativa partiu da professora em relação à Editora, e não o contrário, como costuma

ocorrer, da equipe de divulgadores aos professores.

A escola estadual demonstrou certo grau de desordenação nas ações didático-

pedagógicas, na escolha do material didático e do conteúdo e da freqüência dos alunos. Já

na sala dos professores, a fala dos docentes revelou desconhecimento das políticas de

escolha do livro didático para o PNLD e dos processos de adoção de livros junto às

Editoras comerciais81. Essa escola me havia sido indicada pelo departamento de divulgação

da Editora como uma das que adotaram a coleção de livros didáticos de EJA. Para minha

surpresa, no contato telefônico com a coordenadora, foi-me dito que a adoção só ocorrera

por parte da professora de Matemática (de livros dessa disciplina). O pedido de visita e

observação foi aceito sem restrição. Maior surpresa tive ao saber dessa professora que, de

fato, suas turmas não adotaram esses livros, mas apenas ela o fizera porque o divulgador

não lhe deu material (os livros para avaliação) nem informações suficientes para uma

possível adoção: preço, por exemplo. Com o tom queixoso, reiterou várias vezes, inclusive

durante a aula, diante dos alunos, que um livro didático a ajudaria muito nas aulas: “Eles

adoram ter um livro. Quanto custa? [E eu não sabia informar.] A maioria trabalha, pode

comprar.”; “Eles se acham o máximo quando têm um livro!”; “Mostre a ela o livro que eu

te dei”; “Se ao menos a metade comprasse o livro, os alunos poderiam trabalhar em duplas

ou em grupos e a aula renderia muito mais!”.

De fato, o objetivo primeiro de observar o uso de livros didáticos em sala de aula

não foi atingido, dada a escassez de instituições escolares de EJA identificadas para esse

fim. Entretanto, com base nas visitas realizadas pôde-se constatar que o livro didático está

presente de maneiras diversas em sala de aula. Embora algumas unidades escolares (como

os Cieja) definitivamente não adotem esse tipo de material, eles estão presentes nas aulas

sob a forma de textos fotocopiados, nas mãos do professor, em sua mesa, no armário, na

81 Uma professora de História do ensino regular do segundo segmento do ensino fundamental me perguntouquando deveriam ser feitos os pedidos de livros didáticos; comentou também que houve problemas naremessa de coleções, pois a escola, tendo solicitado um título, havia recebido duas coleções, o que lhe causavatranstornos para conduzir o programa com as turmas. Perguntou-me também o que ocorreria se o governo(estadual, no caso) lhes enviasse uma coleção diferente da que estavam usando naquele momento.

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63

mochila do aluno. Nesse sentido, essa constatação reforça o que Luciana Araújo82 chama de

“diferentes materialidades” do livro didático:

[…] pude perceber que o livro didático está presente diariamente na sala de aula. Mas a sua

materialidade é diversa: são as páginas fotocopiadas (“xerocadas”, como dizem os

professores); são trechos digitados e impressos, dos quais se multiplicam cópias para os

alunos; são as figuras transformadas em cartazes; são textos e exercícios mimeografados ou

transcritos na lousa, dentre outras formas de apresentação.

Chegando às escolas, “o livro” [aquele encadernado, formato padrão, com capítulos, etc.] que

encontrei não foi bem esse. No mais das vezes, deparei-me com sua inexistência material, e,

em seu lugar, “textos soltos”, selecionados de diversos livros didáticos ou paradidáticos e

copiados, digitados/impressos, mimeografados pelos próprios professores.

De modo geral, as observações das práticas em sala de aula conduziram a

conclusões contrárias às expectativas iniciais.

Se a expectativa inicial era encontrar a coleção de livros didáticos de EJA mais

vendida, supostamente a mais aceita pelo estudante, ao menos pelo professor, isso ficou

longe de ser concretizado. Conforme os depoimentos, os livros didáticos existentes são mal

divulgados nas redes de ensino. E, também de acordo com esses professores, os livros

existentes estão longe de atingir as suas expectativas, pois são incompatíveis com o

universo do público leitor.

Se a expectativa era assistir a aulas que empregavam o livro didático como recurso

utilizado pelo aluno, a amostragem foi pequena: apenas um curso. E a observação resultou

numa avaliação não muito otimista em relação à obra, pois não se percebeu motivação dos

alunos, interação com o objeto, mas disciplina como aspecto preponderante. Nesse aspecto,

David Hamilton afirma:

Os alunos não reagem apenas a um conteúdo apresentado ou às tarefas prescritas. Ao

contrário, eles se adaptam e trabalham dentro de um meio de aprendizagem, tomado como

82 ARAÚJO, Luciana Telles. O uso do livro didático no ensino de História: depoimentos de professores deescolas estaduais de ensino fundamental situadas em São Paulo/SP. São Paulo, PUC-SP/EHPS, 2001.Dissertação de mestrado. p. 97-8.

Page 64: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

64

um todo. Eles levam em conta seja o currículo “latente”, seja o currículo “aparente”. E, além de

adquirirem hábitos de estudo, de leitura e de reagir, assimilam também as convenções, as

crenças e os modelos de realidade que estão sendo constante e inevitavelmente transmitidos

por meio de processo de ensino.83

Que modelos da realidade, convenções e crenças estariam sendo transmitidos nessas

situações didáticas? Se nos basearmos na dinâmica das aulas e na estruturação pedagógica,

pode-se considerar que as situações propostas nos Cieja pretendam proporcionar aos

estudantes oportunidades de participação ativa no aprendizado, de integração ao grupo e à

comunidade, a despeito de terem ou não um livro a acompanhar.

Já o caso da situação em que se optou pela adoção do livro didático, podemos,

grosso modo, considerar que o ensino se pauta pela transmissão de um modelo de

conhecimento consolidado, tomado pronto de uma realidade externa aos estudantes. Nesse

sentido, o livro seria o objeto veiculador do saber necessário ao aluno, o objeto que porta o

conhecimento que faz a diferença entre os que tiveram estudo e os que não tiveram essa

chance. Poderíamos até considerar que, paradoxalmente, o livro reforça o modelo de

sociedade que excluiu o próprio aluno.

A pesquisa deveria ter sido aprofundada em outras escolas que usam livros

didáticos, mas, como já se explicitou acima, foi (e é) difícil conseguir uma lista dessas

escolas. Não tanto porque a Editora queira sigilo dessas informações, mas mais por causa

da falta de sistematização do trabalho da empresa nesse segmento: datas de visitas em

períodos não previsíveis, não atualização do cadastro de professores e coordenadores de

EJA, controle irregular das visitas84 — supõe-se.

Se considerarmos a motivação, o envolvimento afetivo, o interesse dos alunos pelo

aprendizado, as unidades Cieja foram as que mais evidenciaram uma dinâmica de aula que

83 HAMILTON, David. Avaliação iluminativa: uma nova abordagem no estudo de programas inovadores. In:GOLDBERG, Maria Amélia et al. Op. cit., p. 41.84 Além disso, o tempo imposto para o término dessa dissertação não o permitiu, pois o prazo finalmentedestinado a contatos com escolas, visitas e observação acabou ficando delimitado para os meses de novembroa janeiro, período em que as instituições escolares estão promovendo avaliações, reuniões de coordenação ouem férias.

Page 65: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

65

se destacasse nesses aspectos, mas os estudantes não utilizavam livros didáticos. Só os

professores o faziam, em geral para extrair atividades ou textos para os alunos.

Pode-se concluir, portanto, que, na educação de jovens e adultos, o livro didático

está presente nas salas de aula apenas como recurso material extra que auxilia o professor

em sua prática pedagógica — conforme já se havia afirmado anteriormente. Até mesmo na

instituição em que ele estava formalmente adotado pela classe, a professora demonstrou

usá-lo conforme as estratégias por ela elaboradas previamente, o que reforça a idéia de que

o livro didático pode ser usado como suporte, por professores preparados, não como muleta

de professores despreparados. No tocante aos alunos, entretanto, o livro se presta mais

como um bem em si, e não como um veiculador de conteúdos dos quais eles se apropriam

ativamente, contrariamente ao que se costuma conceber no senso comum, ou imagina-se

que se conceba pelo menos no processo de edição.

Se essa avaliação for de fato pertinente, cabe perguntar: a que se deve tal

distanciamento? Por que o livro didático (o livro analisado) não se realiza como objeto de

conteúdos culturais para o aluno, o aluno de EJA? Por que ele não dialoga com o

estudante, o estudante de EJA?

Um estudo da destinação dessas obras, com base nos dispositivos editoriais

escolhidos em sua produção, presta-se a responder a esse tipo de indagação.

Page 66: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

66

3. Livros didáticos para educação de

jovens e adultos

Serão considerados nessa categoria os materiais didáticos que se destinam à EJA e

produzidos por Editoras diversas, que se componham pelo menos de livros para o uso do

aluno em sala de aula, e que não sejam simplesmente usados como suporte da prática

pedagógica pelo professor. Por causa do enorme volume de materiais e pela dispersão, a

identificação baseou-se, num primeiro momento, no material que chegou fisicamente às

minhas mãos no momento do desenvolvimento deste estudo — quer via Editora Ática, quer

nas visitas feitas em escolas.

Estes foram os títulos identificados na primeira etapa do trabalho:

Ciências — Cidadania e qualidade de vida, de Arilete Regina Cytrybski e Maria

Helena Orlowski. Curitiba, Educarte, 1998. 2 v. (Livros do aluno e livros do

professor.) EJA 2º segmento do ensino fundamental.

Ciências, de Arilete Regina Cytrybski e Maria Helena Orlowski. Curitiba,

Educarte, 2001. 2 v. EJA 1º segmento do ensino fundamental.

Matemática, de Leoni Teresa Mezzadri Brudzinski. Curitiba, Educarte, 2001. 2

v. (Livros do aluno.) EJA 1º segmento do ensino fundamental.

Estudos da sociedade e da natureza, de Maria Inez Kierski Motta e Rose Maria

A. M. Nepomuceno. Curitiba, Educarte, 2001. 2 v. EJA 1º segmento do ensino

fundamental.

Língua Portuguesa, de Rubi Rachel Nascimento e Júlia Gerin. Curitiba,

Educarte, 2001. 2 v. EJA 1º segmento do ensino fundamental.

Matemática — A historicidade do ser humano. Recife, Edições

Bagaço/Universidade Federal de Pernambuco – Núcleo de Ensino, Pesquisa e

Page 67: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

67

Extensão em Educação de Jovens e Adultos e em Educação Popular, 1998. 1 v.

EJA Módulo 1.

Língua Portuguesa — A sociabilidade do ser humano. Recife, Edições

Bagaço/Universidade Federal de Pernambuco - Núcleo de Ensino, Pesquisa e

Extensão em Educação de Jovens e Adultos e em Educação Popular, 1998. 1 v.

EJA Módulo 2.

Geografia, de Sonia Castellar e Valter Maestro. São Paulo, FTD, 2001. 2 v.

(Livros do aluno e livros do professor.) EJA 2º segmento do ensino

fundamental.

Ciências — Natureza e vida, de Demétrio Gowdak e Eduardo Martins. São

Paulo, FTD, 2001. (Livros do aluno e do professor.) EJA 2º segmento do ensino

fundamental.

Entre palavras, de Mauro Ferreira. São Paulo, FTD, 2001. 2 v. EJA 2º segmento

do ensino fundamental.

História do Brasil — Colônia, Império, República, de Alfredo Boulos Jr. São

Paulo, FTD, 2001. (Livros do aluno e livros do professor.) EJA 2º segmento do

ensino fundamental.

História geral — Antiga, medieval, moderna, contemporânea, de Alfredo

Boulos Jr. São Paulo, FTD, 2001. (Livros do aluno e do professor.) EJA 2º

segmento do ensino fundamental.

A conquista da Matemática, de José Ruy Giovanni. São Paulo, FTD, s.d.

Ciências, de Carlos Barros e Wilson R. Paulino. São Paulo, Ática, 2003. 2 v.

(Livros do aluno e livros do professor.) EJA 2º segmento do ensino

fundamental.

Matemática, de Oscar Guelli. São Paulo, Ática, 2003. 2 v. (Livros do aluno e

livros do professor.) EJA 2º segmento do ensino fundamental.

Page 68: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

68

Geografia, de Vânia Vlach e J. W. Vesentini. São Paulo, Ática, 2003. 2 v.

(Livros do aluno e livros do professor.) EJA 2º segmento do ensino

fundamental.

História, de Nelson Piletti e Claudino Piletti São Paulo, Ática, 2003. 2 v.

(Livros do aluno e livros do professor.) EJA 2º segmento do ensino

fundamental.

Língua Portuguesa, de Graça Proença e Regina Horta. São Paulo, Ática, 2003. 2

v. (Livros do aluno e livros do professor.) EJA 2º segmento do ensino

fundamental.

Visão para o futuro. Livro integrado de Português, Matemática, Ciências,

Geografia, História, de José Camargo; Francisco Gemaque; Marcelo Costa;

Mauro Miranda; Nonato Bouth; André Estumano; Lena Miranda. Editora Mega-

Mestre, s.d. 4 v. Sem ficha catalográfica, sem endereço, sem data de

publicação.85

Coleção Curupira. Livro integrado, de Alfredo Cardoso; Joaquim Camara;

Joana Brito; Regina Rayol; Pedro Palheta. Belém, Editora Amazônia, 2003. 2

v.86

Viver, Aprender. 2. ed./3. ed. São Paulo, Ação Educativa/Global, 2002. 3 v. (3

livros do aluno e 2 livros do professor.) EJA 1º segmento do ensino

fundamental.

Viver, Aprender. São Paulo/Brasília, Ação Educativa/Ministério da Educação e

do Desporto – Secretaria de Educação Fundamental, 1998/1999. 3 v. (3 livros do

aluno e 2 livros do professor.)87

85 Em um papel que parece ser uma lista de preços da empresa que publica e comercializa esse material,constam, entre outras, as seguintes informações no rodapé: Editora Amazônia Livros e Videos Ltda., Belém.Consta também a versão não-integrada dessa coleção e uma coleção destinada ao EJA 1º segmento do ensinofundamental, a coleção Curupira.

Page 69: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

69

Reitero que, além desses títulos, deve haver uma infinidade de outros, dada a

configuração pulverizada em que se encontra esse segmento de ensino. Diferentemente do

que se verifica com os materiais didáticos destinados ao ensino infantil, fundamental e

médio, os livros dedicados à EJA são, em sua grande maioria, resultantes de iniciativas

dispersas em entidades não-governamentais, grupo de professores, sindicatos, escolas

particulares, casas publicadoras de difusão local.

3.1 A concentração das Editoras

Ao verificar a produção de livros didáticos destinados ao ensino regular, quer no

mercado das escolas particulares, quer no PNLD, verificamos a participação de um número

reduzido de Editoras, a maioria concentrada na cidade de São Paulo. Essa realidade é

criticada por pesquisadores como Eloisa Höfling88, que escreve:

A participação historicamente concentrada de reduzido número grupos editoriais privados no

processo decisório referente à implementação do PNLD coloca em questão tanto os objetivos

como o alcance de uma política pública de corte social.89

Os dados a seguir do PNLD 2004 servem para reforçar o que essa autora aponta:

86 Identificou-se uma versão desta edição com patrocínio da Secretaria Executiva de Educação do Estado doPará no ano de 2003. A edição original tem o acabamento em espiral e esta versão patrocinada tem oacabamento em brochura.87 Identificou-se uma edição especial desta coleção para a Prefeitura de Recife no ano de 2000. Idem acimaem relação à diferença de acabamento (espiral/brochura).88 HÖFLING, Eloisa de Mattos. Notas para discussão quanto à implementação de programas de governo: emfoco o Programa Nacional do Livro Didático. Educação & Sociedade, 21 (70): abr. 2000.89 De fato, ao analisar listas de adoções do PNLD veremos que as vendas se concentram em número restritode Editoras (as de maior porte), notadamente as da cidade de São Paulo, situação que pode ser explicada peloque foi exposto anteriormente. Entretanto, esses dados não explicam a atuação dessas empresas naimplementação e execução dessa política pública. Nesse sentido, o que se pode constatar é a existência deuma entidade de negociação, a Associação Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros), que se relaciona cominstâncias do governo nos assuntos que dizem respeito à sua área de ação (prazos, forma material de entregadas obras, etc.).

Page 70: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

70

Entrega integral dos livros de 1ª a 4ª série e reposiçãode livros de 5ª a 8ª série.

Editora Tiragem Marketshare

Editora Ática Ltda. 20.033.049 20,4%

Editora FTD S.A. 19.358.031 19,7%

Editora Saraiva Ltda. 17.538.240 17,8%

Ibep — Instituto Brasileiro de Edições Pedagógicas

Ltda.

12.373.412 12,6%

Editora Scipione Ltda. 9.544.909 9,7%

Editora Moderna Ltda. 9.386.413 9,5%

Editora do Brasil S.A. 4.037.665 4,1%

Editora Nova Didática Ltda. 2.576.378 2,6%

Editora Nova Geração Ltda. 1.075.673 1,1%

Editora Dimensão Ltda. 1.015.264 1,0%

Quinteto Editorial Ltda. 689.923 0,7%

Formato Editorial Ltda. 322.794 0,3%

Base Editora e Gerenciamento Pedagógico Ltda. 268.194 0,3%

Companhia Editora Nacional 218.018 0,2%

Total 98.437.963 100,0%

Fonte: www.fnde.gov.br.Obs.: Esses números são referentes à compra efetuada pelo governo

federal. As compras do estado de São Paulo não estão contabilizadas.

Embora Eloisa Höfling tenha baseado sua argumentação em dados anteriores ao ano

de 2000, as informações do quadro ora exposto ainda confirmam essa tendência. Com

exceção da Editora Nova Didática, que está vinculada ao Grupo Positivo, e da Base

Editora, fundadas em Curitiba (estado do Paraná), as demais estão sediadas na cidade de

São Paulo. E, considerando-se que as Editoras Dimensão e Formato estão vinculadas à

Saraiva; a Quinteto, à FTD; e que as Editoras Ática e Scipione pertencem ao mesmo grupo

empresarial, assim como a Companhia Editora Nacional juntamente com o Ibep, são apenas

nove “grandes Editoras” que produzem 100 milhões de livros (só para o governo). 90 Tal

ranking confere a essas empresas o status de ricas e famosas no setor editorial brasileiro.

90 Quadro bastante semelhante se confirmou no PNLD 2005.

Page 71: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

71

Neste trabalho, sempre que usarmos o termo “grandes Editoras” estaremos nos referindo às

indicadas no quadro anterior.

Nesse sentido, é interessante considerar também os dados de uma pesquisa realizada

pelo BNDES sobre o setor editorial. Sobre a tendência de concentração, o estudo assinala:

Estima-se, no Brasil, a existência de aproximadamente 1 200 Editoras, sendo que, filiadas à

CBL, são 400 empresas, das quais 10% podem ser consideradas grandes. A CBL considera,

como comerciais, as que editam, pelo menos, cinco livros, anualmente, e cuja atividade

principal seja a edição.

As Editoras estão concentradas, principalmente, em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo

Horizonte, Porto Alegre e Curitiba. Nas regiões Sul, especialmente Porto Alegre, e Nordeste,

encontram-se, também, Editoras voltadas para a produção regional. As únicas Editoras de

capital aberto são a Editora Saraiva e a Editora Melhoramentos. Nenhuma Editora possui mais

do que 7,0% do mercado. Algumas Editoras, mesmo as de pequeno porte, possuem livrarias.

Nesse sentido, merece destaque a Editora Saraiva, com a sua rede de livrarias e a Siciliano.91

Sobre a importância do segmento de didáticos no setor, aponta:

O segmento de livros didáticos, incluindo-se, também, os paradidáticos, é o mais importante

do setor, representando, em média, 54% da produção editorial. Dos 369 milhões de livros

produzidos, em 1998, 244 milhões referiram-se a livros didáticos. É o segmento mais

concentrado, ou seja, com o menor número de Editoras (Ática, Scipione, Saraiva, Moderna), o

que pode ser explicado pelo seu elevado custo de produção.

O mercado de livros didáticos faturou cerca de US$ 998 milhões, em 1998, acompanhando o

aumento no número de crianças e adolescentes matriculados nas escolas. O governo é o

maior comprador de livros didáticos do país, tendo participado com cerca de 44%, das

compras deste segmento, em 1998, quando adquiriu cerca de 114 milhões de exemplares;

mesmo com margens menores e com os colégios integrados produzindo material didático,

essa expansão da venda de livros didáticos vem chamando a atenção de Editoras

estrangeiras, especialmente da Europa, onde as possibilidades de crescimento quase não

91 CADEIA de Comercialização de Livros; situação atual e propostas para desenvolvimento. Brasília,BNDES/Gerência Setorial de Comério e Serviços, 1999. p. 15.

Page 72: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

72

existem mais. Assim, haveria uma tendência de internacionalização do segmento de livros

didáticos brasileiro.92

Dadas as discussões acerca do grande volume de livros mobilizado pelas Editoras

de didáticos, é interessante avaliar a participação do setor editorial na movimentação da

economia brasileira. Ainda segundo o estudo acima apontado, essa contribuição não é das

mais representativas: “A participação da indústria editorial no PIB brasileiro cresceu

42,1%, de 1990 a 1998, mas ainda representa apenas 0,27% do mesmo”. E apresenta os

dados numa tabela, que reproduzimos a seguir:

Brasil – Participação da Indústria Editorial no PIB Brasileiro

Ano Faturamento(US$) (a)

PIBbrasileiro

(US$ milhões)(b)

Faturamento/PIB(em %)

1990 901.503.687 469.318 0,19

1991 871.640.216 405.679 0,21

1992 803.271.282 387.295 0,21

1993 930.959.670 429.685 0,22

1994 1.261.373.858 543.087 0,23

1995 1.857.377.029 705.449 0,26

1996 1.896.211.487 775.409 0,24

1997 1.845.467.967 804.182 0,23

1998 2.083.338.907 777.083 0,27

Fontes: CBL(a) e Revista Conjuntura Econômica, FGV, out. 1999 (b).

Se conferirmos as Editoras constantes na lista dos livros de EJA obtidos logo no

começo da pesquisa e indicados no início deste capítulo, veremos que só duas delas fazem

parte desse ranking das Editoras que mobilizam grande volume de livros: a Ática e a FTD.

Voltando ao nosso objeto de estudo, acredita-se pertinente, portanto, que se tenha

questionado em certo momento: por que a maioria delas não se interessa em produzir livros

para EJA, uma vez que, conforme os dados já apresentados neste trabalho, a população

92 CADEIA de Comercialização de Livros; situação atual e propostas para desenvolvimento. Op. cit., p. 21.

Page 73: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

73

estudantil dessa modalidade de ensino justificaria uma ação dessa natureza? Esse

estranhamento gerou a suposição de que os livros de EJA são irrelevantes na conjuntura

atual e conduziu a pesquisa a definir seu foco em aspectos da produção de livros didáticos

de EJA dessas duas grandes Editoras (Ática e FTD) e a fazer uma comparção dos produtos

de EJA com outros supostamente de maior relevância.

3.1.1 Duas Editoras comerciais

Após a listagem do material de EJA disponível para consulta, a pesquisadora checou

se as outras Editoras com participação no PNLD tinham títulos para EJA. A consulta ao

catálogo das maiores Editoras comerciais e ao site das livrarias Cultura e Saraiva entre o

ano de 2003 e o mês de junho de 2004 levou a pesquisadora a reafirmar a constatação de

que apenas duas das maiores Editoras comerciais possuem coleções para EJA93: a Ática e a

FTD94. Se de fato alguma outra Editora tem obras didáticas de EJA, não fazem sua

divulgação em livrarias, nem expõem seus títulos no site da empresa.

Como já se disse, este trabalho fará um estudo mais detalhado das coleções dessas

duas Editoras. Antes, porém, dada a constatação da escassez desse material no mercado,

acreditamos pertinente indagar em que momento essa produção se encaixa na programação

dessas duas Editoras, qual o investimento dedicado a ela e quais as expectativas que os

editores têm do produto. Algumas entrevistas com os agentes envolvidos nas decisões

editoriais se prestam a responder a essas questões, e isso será feito e transcrito ao longo do

trabalho, porém uma análise comparativa entre os materiais de EJA e os considerados de

maior prioridade também pode fornecer dados que nos levem a entender tal panorama. Esse 93 Sobre o conceito de coleção, ver: TOLEDO, Maria Rita de A. Coleção Atualidades Pedagógicas: do projetopolítico ao projeto editorial (1931-1981). Op. cit., p. 2-5. E OLIVERO, Isabelle. L´invention de la colection.Paris, IMEC/Maison des Sciences de H´Homme, 1999. Esta última autora analisa as operações editoriais queconfiguraram o surgimento de coleções com o objetivo do barateamento dos custos unitário de produção.Nesse caso, eram livros de diversas naturezas: devocionais, para moças, de divulgação científica. Nestadissertação não nos deteremos a analisar a origem das coleções didáticas como estratégia editorial. Mas pode-se considerar que essas coleções apresentam uma padronização na forma de apresentação (capa, formato,projeto gráfico), bem como no que se refere à autoria e à divulgação — o que provavelmente diminui oscustos de produção em relação ao lançamento de unidades de livros isoladas.

Page 74: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

74

exercício pode revelar importantes estratégias adotadas por esses agentes, suas

representações do público consumidor (o aluno? que aluno?; o professor? ou o avaliador?),

segundo suas visões do mercado editorial e perspectivas de negócio.

Os editores, ao materializar suas obras, o fazem segundo sua leitura do mercado,

suas metas, e as destinam a um público específico também conforme as representações que

fazem dele. Há que se ressaltar, no entanto, que ao investigar livros didáticos do ensino

regular e da EJA, estamos lidando com dois produtos diferentes e cujos processos

produtivos, portanto, podem envolver aspectos também diferentes.

Antes de partir para a análise dessas duas realidades, há ainda que se distinguir duas

situações hoje integradas ao cotidiano das Editoras no que diz respeito à produção de livros

didáticos para o ensino regular: a destinada a alunos das escolas particulares e a destinada a

alunos de escolas públicas, ou seja, os que são atendidos pelo PNLD. Posto que são

produtos de destinação específica (“livro para o mercado” e “livro para o PNLD ou MEC”,

como se diz no jargão das Editoras), é plausível supor que eles conformem dispositivos

editoriais e suportes materiais também específicos.

A produção de livros para EJA segue, portanto, uma determinação diversa dos dois

produtos prioritários (para o governo e para o mercado) e é viabilizada conforme a

disponibilidade de tempo — encaixando-se entre as programações principais —, de mão-

de-obra e de verba. É, portanto, um produto secundário. A implantação do PNLD fez com

que as Editoras se reestruturassem para atender às regras impostas pelo programa. Nesse

sentido, elas passaram a planejar sua programação conforme a projeção95 que fazem da

provável data da próxima publicação do edital de convocação, das regras por ele

determinadas, do prazo de inscrição, das expectativas dos avaliadores. Por sua vez, a

94 Curiosamente, as duas de maior vendagem para o MEC.95 É de se notar que embora se trate de uma projeção, pois as regras podem mudar a cada PNLD e a cadaequipe de governo, a análise das obras identificadas no Guia indica que as Editoras trabalham com base naexperiência acumulada, partindo daquilo que já apresentaram e em cujas inscrições e vendas obtiveramsucesso. Também é factível conceber que parte dessas projeções se baseia nas negociações prévias entregoverno e entidades representantes do setor editorial antes da proposição pública do edital de convocação. Sea cada governo mudam os agentes instituídos (MEC, FNDE), o setor se adapta a esse panorama depositandoem novos interlocutores e em outras vias de comunicação o acesso ao poder público.

Page 75: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

75

programação destinada ao mercado corre paralelamente, obedecendo seu processo

específico de produção, quer para reedições quer para lançamentos, conforme as projeções

que os editores fazem desse mercado (a situação dos concorrentes tradicionais, as obras

emergentes, o resultados das vendas das edições atuais).

Diante disso, não é difícil imaginar que as Editoras vislumbrem que os

investimentos em livros para EJA sejam pouco atrativos e os releguem a plano secundário.

E, quando o fazem, dedicam menos recursos que os investidos em seus produtos de

primeira linha. A comparação a seguir se presta a analisar essa hipótese.

Conforme já se apontou anteriormente, neste trabalho considera-se que livro não é

apenas um conjunto de idéias, mas um objeto constituído de dispositivos materiais e que

agrega práticas — ações e relações humanas — tanto em sua produção quanto no uso que

dele se faz.

Justifico, portanto, a análise que será feita a seguir baseando-me em Roger Chartier:

Manuscritos ou impressos, os livros são objetos cujas formas comandam, se não a imposição

de um sentido ao texto que carregam, ao menos os usos de que podem ser investidos e as

apropriações às quais são suscetíveis. As obras, os discursos, só existem quando se tornam

realidades físicas, inscritas sobre as páginas de um livro, transmitidas por uma voz que lê ou

narra, declamadas num palco de teatro. Compreender os princípios que governam a “ordem

do discurso” pressupõe decifrar, com todo o rigor, aqueles outros que fundamentam os

processos de produção, de comunicação e de recepção dos livros (e de outros objetos que

veiculem o escrito). Mais do que nunca, historiadores de obras literárias e historiadores das

práticas e partilhas culturais têm consciência dos efeitos produzidos pelas formas materiais.96

Como dispositivos materiais dessas obras, serão analisados a tiragem, o número de

páginas, o formato, o acabamento, o papel, as imagens, a estrutura do livro e a seleção de

seu conteúdo. Como por materialidade se entende o que existe além do conteúdo simbólico

mas que lhe serve de suporte, vamos analisar também alguns aspectos que dizem respeito

ao tempo de edição, aos profissionais de edição, ao autor e à divulgação.

96 CHARTIER, Roger. A ordem dos livros. leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV eXVIII. Op. cit., p. 8.

Page 76: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

76

3.2 Os títulos e a autoria

No momento em que esta pesquisa se iniciou, constatou-se que os títulos de EJA

dessas duas Editoras destinam-se a alunos que almejam a certificação da escolarização

correspondente ao segundo segmento do ensino fundamental. Essas Editoras identificavam

esses livros como relativos ao 3º e 4º ciclos. Nessa data, essas Editoras não apresentavam

títulos correspondentes ao primeiro segmento do ensino fundamental, ou 1º e 2º ciclos.

Coincidentemente ou não, as duas Editoras tinham produzido livros de EJA nas mesmas

disciplinas: Ciências, Geografia, História, Língua Portuguesa, Matemática e Inglês. E o

conteúdo de cada disciplina estava desenvolvido em dois volumes.

No caso da Editora Ática, esses títulos podem ser encontrados no site

(www.atica.com.br). No da Editora FTD, que não exibe esses títulos no site

(www.ftd.com.br), a pesquisadora pôde saber da existência das obras por ter recebido do

departamento de divulgação da Editora Ática alguns exemplares de EJA da Editora FTD de

uma disciplina e outra e pelo contato telefônico com um dos editores e funcionários da sala

de atendimento aos professores dessa Editora (FTD).

Ao fazer um levantamento desses autores de obras de EJA, percebemos que eles

constam como autores também em outras versões de coleções — mercado e MEC. Em

alguns casos, ocorrem arranjos, como a supressão de um ou outro sobrenome na capa, mas,

de qualquer forma, a função da autoria é atribuída a personagens de nomes já consagrados

em livros didáticos de ensino regular. E não a agentes de fato vinculados à prática do

ensino de jovens e adultos, como a especificidade da obra poderia aludir.

A constatação da existência de títulos desses autores elaborados na versão de

mercado pode ser feita nos sites de ambas as Editoras. Os títulos que constam da lista de

obras aprovadas no PNLD 2005 podem ser obtidos por meio de consulta ao Guia do Livro

Didático 5ª a 8ª séries — PNLD 2005 de cada disciplina, disponível, entre outros meios, no

site www.mec.gov.br.

Page 77: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

77

Até aqui nos detivemos a expor os produtos vinculados aos autores de livros de

EJA. Mas se avançamos na observação desses materiais, percebemos, com base numa

análise superficial de dispositivos desse conjunto de obras (EJA, mercado e MEC), como o

próprio título, o sumário e às vezes a capa, que as Editoras procederam a uma seleção

dentre as coleções já existentes, pois ambas possuem mais de uma coleção de cada

disciplina, e as adaptaram para a EJA.

Tal confluência de estratégias básicas tomadas por essas Editoras evidencia que os

livros de EJA resultam, portanto, de um projeto totalmente concebido pelas empresas.

Trata-se de uma observação justificável na medida em que explicita uma possível prática

editorial. Roger Chartier chama atenção para uma distinção a ser feita entre “dois conjuntos

de dispositivos”:

os que destacam estratégias textuais e intenções do autor, e os que resultam de decisões de

editores ou de limitações impostas por oficinas impressoras.97

Nesse sentido, ao que tudo indica, o projeto de EJA das duas Editoras se caracteriza

por ser um produto de decisões tomadas pelos editores, e não uma obra idealizada por

autores.

Vejamos então os autores de EJA e suas obras (de EJA, mercado e MEC).

Autor—títulos ÁticaAutor Título

Carlos Barros e Wilson R. Paulino Ciências (MEC)

Ciências (mercado)

EJA Ciências

J. William Vesentini e Vânia Vlach Geografia crítica (MEC)

Geografia crítica (mercado)

EJA Geografia

Oscar Guelli Matemática; uma aventura do

pensamento (MEC)

Matemática; uma aventura do

pensamento (mercado)

97 CHARTIER, R. A ordem dos livros; leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII.Op. cit. p. 17.

Page 78: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

78

EJA Matemática

Claudino Piletti e Nelson Piletti História e vida integrada (MEC)

História e vida integrada (mercado)

EJA História

Maria das Graças Vieira e Regina

Figueiredo

Ler, escrever, criar (MEC)

Ler, escrever, criar (mercado)98

EJA Língua Portuguesa

Eliete Canesi Morino e Rita Brugin

de Faria

Start up (mercado)99

EJA Inglês

Autor—títulos FTDAutor Título

Eduardo Martins e Demétrio Gowdak Ciências; novo pensar (MEC)100

Ciências; natureza e vida (mercado)

EJA Ciências; natureza e vida

Sonia Castellar e Valter Maestro Geografia (MEC)101

Geografia (mercado)102

EJA Geografia

José Ruy Giovanni; Castrucci; José

Ruy Giovanni Jr.

A conquista da Matemática — Nova

(MEC)

A conquista da Matemática — Nova

(mercado)

EJA Matemática

Alfredo Boulos Jr. História, sociedade & cidadania —

Nova (mercado)103

EJA História do Brasil (3º ciclo)

EJA História geral (4º ciclo)

Mauro Ferreira Entre palavras —edição renovada

(MEC)

98 Essas autoras tinham, no mercado, a versão A palavra é português, na qual seus nomes constavam comoGraça Proença e Regina Horta.99 O nicho desse mercado é restrito a escolas públicas. Para as escolas particulares, a Editora divulga a coleçãoHello!, preexistente à Start up e da qual esta deriva com arranjos que se destinam a atender a esse públicoespecífico. Dado que o PNLD não inclui livros de língua estrangeira, percebe-se que a Editora usou dessaestratégia conforme seu entendimento de que existem dois nichos de mercado — o das escolas públicas e odas escolas privadas — e mediante as representações que faz de cada público leitor. Ressalte-se que EJAInglês deriva de Start up, que se destina às escolas públicas.100 Selo Quinteto Editorial. Em 6/12/2004, na página do site da Editora FTD destinada aos títulos desse selo,lê-se “A Editora FTD é distribuidora exclusiva dos produtos Quinteto”.101 Selo Quinteto Editorial.102 Idem.103 Esse autor não consta da lista do PNLD 2005.

Page 79: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

79

Entre palavras (mercado)

EJA Entre palavras

Dirce Guedes de Azevedo e Ayrton

Gomes

Blow-up (mercado)

EJA —Do it!

Alguns desses autores têm seu nome vinculado a mais de uma coleção de livro

didático para o mesmo segmento de ensino, além das coleções identificadas no quadro e

que são objeto de análise desta pesquisa.104

Como já se observou em nota de rodapé anterior, é o caso de Eliete Morino e Rita

Brugin de Faria105 (da Editora Ática), autoras de Hello!, edição que visa às escolas

particulares, e Start up, que visa às escolas públicas e é mais simplificada que a primeira.

Como também já se assinalou, a coleção EJA — Inglês é derivada da Start up e sempre que

nos referirmos neste trabalho a uma comparação mercado–EJA Inglês, estaremos aludindo

à coleção Start up e não à outra.

Demétrio Gowdak e Eduardo Martins (da Editora FTD) também apresentam uma

versão de mercado da coleção Ciências; novo pensar106. Mas, ao que o próprio título da

obra expressa, a coleção de EJA — Ciências foi derivada da versão Ciências; natureza e

vida107.

José Ruy Giovanni e Giovanni Jr. têm no mercado também a coleção Matemática;

pensar e descobrir. Como nos casos apontados anteriormente, este estudo sinaliza a

existência de similaridades entre as versões de A conquista da Matemática — Nova

(mercado e MEC), das quais se origina o EJA Matemática108.

104 Como já se disse, essa constatação pode ser feita pela consulta aos sites das duas Editoras e ao Guia doLivro Didático 5ª a 8ª séries — PNLD 2005.105 Segundo depoimento das próprias autoras, elas começaram a carreira na Ática em 1989.106 Como na versão MEC de mesmo título, também se apresenta com o selo Quinteto Editorial.107 A ficha catalográfica na página 2 dos livros dessa coleção nos fornece, entre outras, as seguintesinformações: Demétrio Gowdak nasceu em 1933, Eduardo Martins, em 1949 e a coleção foi registrada em1996. Esses dados serão utilizados pela pesquisadora ao longo da argumentação deste item.108 A ficha catalográfica destas obras indica que: José Ruy Giovanni nasceu em 1937, Benedito Castrucci, em1909, Giovanni Júnior, em 1963, e que a coleção, em sua versão Nova, foi registrada em 1998.

Page 80: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

80

Em situação semelhante estão Claudino e Nelson Piletti, autores de História e vida

intergrada (versões MEC e mercado indicadas no quadro) e História e vida (versão

mercado, não indicada no quadro e não analisada neste trabalho).

Carlos Barros, co-autor da coleção de Ciências indicada no quadro anterior, teve o

primeiro volume de sua obra publicado pela Editora Ática em 1975. Seu co-autor, Wilson

Roberto Paulino, foi convidado a assinar a coleção em julho de 1996, mas já tinha

publicado o título Biologia atual pela Editora desde 1988109.

Alfredo Boulos Jr. é autor da Editora FTD desde 1990. Em depoimento, afirma que

suas obra de EJA fora “adaptada da coleção História: sociedade, política, economia, vida

cotidiana e mentalidades, edição renovada de 1997”110. Disse também que foi professor de

cursos de suplência, como o Santa Inês e o Módulo.

Embora não se tenha pesquisado a história de cada autor da Editora FTD, pode-se

perceber por essa amostragem que os projetos de EJA não partiram da escolha de material

original e específico para EJA. Tal como Alfredo Boulos Jr., é possível que outros autores

tenham tido experiência como professores de suplência ou EJA. Mas esse aspecto não foi o

fator determinante. O que ocorreu, foi, de fato, uma adaptação de obras de alguns autores

para uma nova coleção EJA. Os critérios de escolha de uma coleção entre outras e de uns

autores em detrimento de outros devem ter sido de ordem comercial — as coleções de

maior sucesso — ; de atualização — as edições mais recentes quando do início do projeto

de EJA, dada a facilidade de manipulação de arquivos digitais ou de informações (como no

caso de livros de Geografia, História e Ciências, que são constantemente atualizados) —;

de negociação entre Editora e autor, pois é possível que alguns autores não tenham tido

interesse em vincular seu nome a esse projeto ou a essa concepção de projeto, ou mesmo

que os editores tenham dificuldade em lidar com uns autores e facilidade de lidar com

outros. Os motivos podem ser variados, o que justificaria uma investigação mais

aprofundada; aqui nos restringiremos a apontar algumas dessas possibilidades, que só

poderiam ser comprovadas por meio de entrevistas com editores e autores. 109 Ano de lançamento da obra e não de sua contratação pela Editora, que ocorreu em 1985.

Page 81: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

81

Isso não deve sinalizar como uma crítica ao papel reduzido dos autores em

contraposição ao poder absoluto dos editores na concepção e elaboração das obras, mesmo

porque a proposta desta pesquisa é tão-somente analisar a presença de dispositivos

materiais de que as Editoras se valeram para produzir essas coleções. Mas acredita-se que a

inserção do debate em torno da figura do autor seja um aspecto que de certa forma explicita

seu papel histórico. O que importa aqui é destacar que, apesar de alguns autores terem mais

de uma coleção para um mesmo segmento de ensino, vamos lidar com apenas uma delas,

que, pela análise feita neste trabalho, foi supostamente a escolhida como fonte da

transposição de conteúdos para os livros de EJA. No caso da disciplina de História da

Editora Ática, usaremos a coleção História e vida integrada (mercado e MEC) e não

História e vida; em Inglês, vamos nos referir à Start up, e não à Hello!; o mesmo ocorrendo

em coleções da Editora FTD que apresentem a mesma natureza de composição de títulos.111

Até aqui o estudo permitiu identificar que os autores de EJA não são especializados

na área e que os projetos não foram concebidos para EJA, mas adaptados de material

preexistente. E, dentro do espectro de intenções dos editores, sublinho que, com base na

análise do material selecionado, não houve a busca por profissionais ligados à prática

educativa a que os livros se destinam.

Diante desses dados, resta perguntar: quais foram os dispositivos de fato escolhidos

para tornar o produto efetivo ao novo leitor — o aluno de EJA? Se os autores não

respondem pela especificidade do conteúdo, que dispositivos cumprem esse papel? Ou será

que esse trabalho foi dispensado?

110 Comunicação via e-mail de dezembro de 2004.111 Talvez seja válido um estudo das várias composições de títulos de coleções de um mesmo autor (oumesmos autores) ao longo do tempo: que alterações figuram entre um projeto e outro? Por que os editoresteriam decidido usar dessa estratégia? Qual a história de cada título: sucesso comercial, tempo de edição? Porquanto tempo um título resistiu? Entretanto, também ressalto que isso não será feito neste trabalho porextrapolar o tema e, pela experiência obtida nesta pesquisa, é de se supor que seria uma tarefa queapresentaria certa dificuldade dada a relativa resistência que as Editoras oferecem em expor seus dados eestratégias à pesquisa acadêmica.

Page 82: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

82

3.3 Tiragem

O estudo desenvolvimento pelo BNDS aponta aspectos interessantes acerca da

tiragem:

As tiragens traduzem um conjunto de variáveis, como o conteúdo da obra, os custos de

produção, o público alvo, o momento do lançamento, etc. Nos Estados Unidos, os mega best-

sellers podem alcançar tiragens de mais de um milhão de exemplares. O foco num público de

interesse específico, no entanto, pode facilitar a produção de livros de baixa tiragem, com o

apoio de novas tecnologias.

No Brasil, já são considerados livros com grande público os que atingem 30 mil cópias. A

tiragem padrão, de 3 mil exemplares, vem diminuindo ainda mais. De fato, a novidade é que

dá impulso à indústria, pois vai ao encontro das necessidades da mídia, do varejo e dos

consumidores, com seus interesses diversificados. Tendo em vista que não há significativo

aumento do número de novos leitores, o que se pretende é que o mesmo público leitor compre

mais títulos. Ao ter que investir em produtos novos, que demorarão ou não serão reimpressos,

a rentabilidade das editoras fica prejudicada.

Assim, a diversificação da produção tem sido uma estratégia das editoras, para garantir

presença no mercado, e um grande desafio da indústria editorial encontra-se no fato de que, a

cada ano, torna-se necessário publicar mais livros, para garantir a mesma vendagem. A

redução do tamanho das tiragens responde também aos altos custos de estocagem e de

encalhe.112

Pelo que esse estudo afirma, é possível concluir que o segmento de didáticos

constitui um fenômeno singular no setor editorial. De fato a tiragem expressa uma série de

características implícitas no livro, inclusive limitações de espaço para estoque, mas as

recentes políticas públicas de distribuição de livros didáticos deram novas características a

esses padrões: não se formam estoques nem encalhes de livros impressos; os custos de

produção, dadas as tiragens, que costumam ser altas, são relativamente mais baixos; o

público-alvo é previamente definido (alunos do ensino básico de escolas públicas

112 CADEIA de Comercialização de Livros; situação atual e propostas para desenvolvimento. Op. cit., p. 12.

Page 83: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

83

brasileiras). A data do lançamento é que constitui um fator novo, pois implica que as

Editoras considerem três datas: a da incrição no Programa, a da publicação da avaliação e

conseqüente início da divulgação das obras nas escolas públicas, e o início do uso dos

livros pelos alunos (que deve corresponder ao início de um período letivo).

Todos esses fatores impuseram um novo paradigma de produção às Editoras e,

diante disso, mais uma vez, considero justificada a análise do fato tiragem de livros de EJA

por meio de um confronto com a dos demais produtos dessas empresas.

Este tópico será desenvolvido apenas com dados da Editora Ática. Ao solicitar tais

dados à diretoria comercial da Editora FTD em novembro de 2004, a pesquisadora obteve a

resposta de que a Editora “não abre” essas informações de forma alguma e a quem quer que

seja. Essa conduta pôde ser comprovada quando a pesquisadora entrou em contato com um

dos editores que havia coordenado a edição de duas coleções de EJA, e que lhe reforçou,

ainda, que nem ele nem os demais editores têm acesso a tais números. Nessa oportunidade,

esse editor lhe informou que a Editora FTD “só imprime EJA mediante pedidos de

prefeituras ou secretarias estaduais de ensino”. Essa opção não se verifica na outra Editora

analisada, a Ática, que apresentou uma tiragem inicial, apesar de reduzida em relação aos

demais de seus livros didáticos.

Vejamos então os dados relativos à tiragem da primeira edição da coleção EJA da

Editora Ática para o 3º e 4º ciclos113: nos casos destacados em negrito, os números

correspondem à soma da 1ª e da 2ª impressões.Tiragens EJA114

Disciplina Ciclo Livro doaluno

Livro doprofesso

rCiências 3º ciclo

4º ciclo

50000

6000

5000

5000

Geografia 3º ciclo

4º ciclo

6000

6000

5000

5000

História 3º ciclo 45000 5000

113 Dados fornecidos pelo departamento de produção em 8/6/2004.114 Optamos por resumir o título das tabelas que seguem. Em cada uma delas, leia-se: “Exemplos de tiragensde livros didáticos para EJA”, “Exemplos de número de páginas de livros didáticos para o mercado”, etc.

Page 84: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

84

4º ciclo 50000 5000

Língua Portuguesa 3º ciclo

4º ciclo

6000

8000

5000

8000

Matemática 3º ciclo

4º ciclo

6000

6000

5000

6000

Inglês 3º ciclo 2000 —115

Inglês 4º ciclo 2000 —

A soma auferida pela 1ª e 2ª. impressões se deve a vendas extraordinárias realizadas

junto a governos estaduais (do Pará, por exemplo).

Se compararmos esses números com os livros de mercado, vemos que a tiragem

inicial de livros para EJA é tímida, pois em geral os títulos de mercado ultrapassam a marca

de uma dezena de milhar (nessa Editora). Seguem exemplos abaixo:

Tiragens mercado ÁticaDisciplina Sér

ieExemplar (alunoou professor)

Edição Exemplares daúltima ediçãoimpressos atéagosto/2004

Ciências 5ª

Aluno

Professor

Aluno

Professor

Aluno

Professor

Aluno

Professor

58 ed.

58 ed.

72 ed.116

72 ed.

65 ed.

65 ed.

66 ed.

66 ed.

108000

39000

128000

39000

122000

38000

128000

39500

Geografia 5ª

Aluno

Professor

Aluno

Professor

31 ed.

31 ed.

30 ed.

30 ed.

23000

16000

22000

16000

115 Na data da consulta a esses dados, não havia exemplares do professor.116 Pode-se estranhar que a edição varie entre as séries, mas esse dado se explica por dois motivos: emprimeiro lugar, é comum que os livros de cada série de uma coleção tenham uma vendagem própria, postoque muitas escolas não adotam uma mesma coleção ao longo do segmento (5a- a 8ª séries, neste caso); emsegundo lugar porque a Editora costumava chamar indistintamente de “edição” tanto as reimpressões quantoas reedições, que são as reformulações da obra, e só recentemente passou a distinguir esses doisprocedimentos — a saber: reimpressão, para operações que se limitem à impressão do material, semmudanças significativas, e edição, para reformulações que impliquem mudança substancial da obra (quer naestrutura, no conteúdo, nas atividades, nas imagens e/ou outros elementos).

Page 85: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

85

Aluno

Professor

Aluno

Professor

27 ed.

27 ed.

26 ed.

26 ed.

21000

16000

20000

16000

História 5ª

Aluno

Professor

Aluno

Professor

Aluno

Professor

Aluno

Professor

26 ed.

26 ed.

25 ed.

25 ed.

23 ed.

23 ed.

22 ed.

22 ed.

23000

15000

20000

15000

18000

15000

16000

15000

Língua

Portuguesa

Aluno

Professor

Aluno

Professor

Aluno

Professor

Aluno

Professor

1 ed.

1 ed.

1 ed.

1 ed.

1 ed.

1 ed.

1 ed.

1 ed.

25000

24000

24000

24000

23000

24000

23000

24000

Matemática 5ª

Aluno

Professor

Aluno

Professor

Aluno

Professor

Aluno

Professor

8 ed.

8 ed.

6 ed.

6 ed.

8 ed.

8 ed.

7 ed.

7 ed.

35000

35000

28000

35000

26000

35000

24000

48000

Inglês 5ª

Aluno

Professor

Aluno

Professor

Aluno

Professor

Aluno

Professor

1ª ed.

1ª ed.

1ª ed.

1ª ed.

1ª ed.

1ª ed.

1ª ed.

1ª ed.

51000

18000

44000

18000

40000

18000

33000

18000

Page 86: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

86

A comparação entre as tiragens de livros para EJA e de obras para o MEC revela

diferenças ainda mais acentuadas, uma vez que, em certos casos, estas superam a marca de

1 milhão de exemplares e se dá mediante pedidos dos professores. Nesse caso, os

professores fazem a escolha consultando o Guia de Livros Didáticos organizado e

publicado pelo MEC após o processo de avaliação de cada PNLD e também após a

divulgação promovida pelas Editoras, que costuma ocorrer por intermédio de visitas que os

divulgadores fazem às escolas para doar um exemplar da(s) coleção(ões) da Editora e

mostrar as qualidades dos livros. Vale explicar que, como os exemplares vão para avaliação

na forma de bonecos, pois a cada PNLD as coleções costumam passar por reformulações,

correções ou ajustes, conforme a necessidade ou o critério definidos pela Editora, em geral

não há em estoque exemplares impressos dessa versão, pois, para essas empresas, seria

arriscado imprimir antes do resultado da avaliação e da definição da lista de pedidos dos

professores.

Tomemos como exemplo o número de exemplares pedidos pelos professores no

PNLD 2005117:

Tiragens Ática PNLD 2005118

Disciplina 5ª 6ª 7ª 8ª Exemplaresdo

professor(5ª/8ª)

Total:aluno +

professor

Ciências 905021 773510 679831 603748 24756 3011510

Língua

Portuguesa

262781 212228 186329 163144 13890 838372

Matemática 49608 41492 36295 31158 3112 161665

Geografia 654812 518608 454806 398158 35826 2062210

História 422475 345733 303813 265515 23147 1360683

117 Dados fornecidos pela diretoria comercial em 20/6/2004.118 No caso dos livros para o PNLD, as tiragens praticamente correspondem ao total vendido pelas Editoras aogoverno, posto que essa versão não é comercializada no mercado particular.

Page 87: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

87

Diante desses números não é difícil auferir que as Editoras tenham como cliente

prioritário o governo federal, e invistam grande parte de seu tempo e capital para mais bem

atender às regras por ele impostas e a adequar sua estrutura empresarial a esse negócio. A

análise de outros aspectos também pode indicar essa idéia.

Tamanha quantidade de livros — a qual dá ao MEC a posição de maior comprador

de livros do Brasil e do mundo — suscita interesse da imprensa e de intelectuais. É pelo

incômodo instilado pela vultosa soma das tiragens que se geram, em grande parte, os

debates. Nesse contexto, onde estariam os livros de EJA? Como os números expostos

anteriormente elucidam, a produção de materiais para o segmento de EJA não é, de fato,

prioritário nas Editoras que têm participação no PNLD e posição consolidada no mercado.

Vejam-se a seguir alguns textos que enunciam o que se afirmou anteriormente no

tocante ao impacto causado pelo volume de exemplares de livros didáticos em circulação:

MEC é o maior comprador de livros do mundo119

O Ministério da Educação compra, anualmente, 100 milhões de livros didáticos e 36 milhões

de obras de literatura. Para a aquisição do acervo deste ano, o investimento foi de R$ 488

milhões. Os dados foram apresentados na 50ª Feira do Livro de Porto Alegre, que termina no

dia 15 próximo. O MEC é, assim, o maior comprador de livros do mundo.

O raio-x da crise120

• 50% foi quanto caíram as vendas de livros entre 1995 e 2003

• 48% foi quanto diminuiu o faturamento das Editoras

• 13% foi quanto caiu o número de títulos

• 10% foi quanto diminuíram os exemplares editados

119 Trecho de matéria assinada por Flavia Nery em 5/11/2004 e veiculada em vários sites, entre eles o do MEC(www.mec.gov.br/acs/asp/noticias/noticiasId.).120 Quadro anexo à matéria “Em queda livre, livros fazem sua primavera”, do jornal Folha de S.Paulo, de16/9/2004, que cobre a abertura da “Primavera de livros”, feira de livros de pequenas e médias Editoras nacidade do Rio de Janeiro e aponta para a crise no mercado editorial brasileiro. Destaque em negrito dado pelapesquisadora, que indica exceção à crise geral do setor e remete a dados relativos às Editoras de livrosdidáticos que participam do PNLD. A matéria se embasa em estudos do Banco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social (BNDES).

Page 88: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

88

• 15% dos exemplares produzidos em 2003 não foram vendidos

• Pelo menos um terço de todos os exemplares editados é comprado pelo governofederal, atenuando a crise e tornando o mercado dependente

• Cada uma das 13 maiores editoras do mundo vende mais do que todas as editoras

brasileiras.

Antônio Augusto Gomes Batista é um dos pesquisadores que vêm se dedicando a

estudar as políticas públicas de livros didáticos e a inserção das Editoras nesse processo. No

que se refere à dependência desse setor do mercado em relação ao governo federal, ele

escreve:

Embora não se disponham de séries históricas de dados, verifica-se, ao longo dos anos 90,

que o setor editorial brasileiro possui uma relação de forte dependência para com o subsetor

de livros didáticos e que este, por sua vez, é dependente das compras efetuadas pelo PNLD.

Ainda que se observe, a partir de 1998, um pequeno decréscimo da participação de livros

didáticos no total de exemplares produzidos no Brasil, os dados mostram que a indústria

editorial brasileira está voltada, majoritariamente, nos últimos anos desta década [1990], para

a produção de livros destinados ao mercado escolar e que, com o correr do tempo, essa

tendência se acentuou.121

Considerando a reformulação do PNLD a partir de 1995, que aprimorou sua ações

nos processos de compra e distribuição de livros didáticos, esse autor acrescenta ainda para

afirmar que a situação de dependência se acentuou:

A dependência da indústria editorial brasileira em relação ao livro didático é também

evidenciada pelas vendas de exemplares. Em 1997, por exemplo, os didáticos

corresponderam a 58% do total de exemplares vendidos. Em 1998, esse percentual se elevou

para 64% do total.122

Claro está que não é a tiragem em si que instiga as críticas, mas a receita que dela

advém, o lucro que as Editoras obtêm nessa transação. Por um raciocínio de lógica simples,

121 BATISTA, Antônio Augusto Gomes. Recomendações para uma política pública de livros didáticos.Brasília, MEC/SEF, 2001. p. 37.122 Idem, p. 38.

Page 89: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

89

quanto maior o volume de exemplares de venda garantida, maior o retorno financeiro123, e é

por esse motivo que os livros de EJA (que não têm retorno garantido) são projetos

relegados a segundo plano — quando chegam a ser concebidos.

A insistência neste tópico — tiragem livros EJA/mercado/MEC — corre o risco de

desviar nossa análise para fora do foco de pesquisa, porém trata-se de uma tentativa de

contextualizar os produtos de EJA na realidade das maiores Editoras de didáticos do país e

explicar por que sua oferta é escassa, ou, melhor dizendo: o quão escassa ela é em relação

aos demais produtos — e a tiragem, que conforma potencialmente o montante

comercializado, é um dos indicadores mais eloqüentes dessa realidade.

3.4 Número de páginas

Para prosseguir na análise do suporte material, vamos considerar títulos que se

apresentem nas três versões analisadas; a saber: mercado, governo e EJA. Tomemos, então,

como exemplo, as coleções EJA para o 3º e 4º ciclos das Editoras Ática e FTD:

Número de páginas EJA ÁticaDisciplina Série Livro do

alunoLivro doprofessor

Ciências 3º ciclo

4º ciclo

224

216

224 + 24124

216 + 32

Geografia 3º ciclo

4º ciclo

184

208

184 + 24

208 + 24

História 3º ciclo 208 208 + 24

123 A relação volume de vendas–receita não é proporcional, mas a investigação dos respectivos cálculos nãoserá feita neste trabalho por fugir do tema principal e implicar esforços que demandam tempo superior aolimite estabelecido para a pesquisa. O que se pode apontar é que as tiragens elevadas resultam em diminuiçãodo custo de produção por livro.124 Esses números que se somam referem-se ao número de páginas do manual do professor, que consiste decadernos acrescidos ao livro do aluno. Tanto o livro do aluno quanto o manual do professor tem um númerode páginas múltiplo de 8, que resulta em aproveitamento total do papel destinado à impressão desse tipo deproduto. Na maioria dos casos analisados, o manual do professor foi impresso em preto-e-branco (e o mioloem quatro cores). As exceções serão identificadas.

Page 90: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

90

4º ciclo 248 248 + 32

Língua Portuguesa 3º ciclo

4º ciclo

216

208

216 + 8

208 + 8

Matemática 3º ciclo

4º ciclo

200

232

200 + 88

232 + 104

Inglês 3º ciclo

4º ciclo

120 + 112125

120 + 136

Número de páginas mercado ÁticaDisciplina Série Livro do

alunoLivro do professor

Ciências 5ª série

6ª série

7ª série

8ª série

288 + 48*

304 + 24** +

56***

256 + 16** +

40***

328 + 48*

288 + 48 + 96126

304 + 24 + 56 + 104

256 + 16 + 40 + 88

328 + 48 + 160

Geografia 5ª série

6ª série

7ª série

8ª série

184 + 88****

160 + 72****

248 + 88****

152 + 72****

184 + 88 + 40

160 + 72 + 40

248 + 88 + 40

152 + 72 + 32

História 5ª série 176 + 48**** 176 + 48 + 64

125 Os livros EJA de Inglês da Editora Ática são exatamente dois livros do ensino regular justapostos, sem asrespectivas capas e numerados individualmente. O comentário sobre esse produto será feito posteriormente,após a exposição das tabelas.126 Os valores em negrito referem-se ao número de páginas do manual do professor. Os valores acompanhadosde asteriscos referem-se ao número de páginas de suplementos (Caderno de experimentos*, Miniatlas**,Caderno de esquemas***, Caderno de atividades****) acrescidos ao miolo e que acompanham tanto o livrodo aluno quanto o do professor.

Page 91: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

91

6ª série

7ª série

8ª série

176 + 48****

232 + 72****

240 + 64****

176 + 48 + 64

232 + 72 + 88

240 + 64 + 80

Língua

Portuguesa

5ª série

6ª série

7ª série

8ª série

248

240

248

256

248 + 32

240 + 32

248 + 32

256 + 32

Matemática 5ª série

6ª série

7ª série

8ª série

312

272

320

304

312 + 120

272 + 128

320 + 160

304 + 176

Inglês 5ª série

6ª série

7ª série

8ª série

120

112

120

136

120 + 32127

112 + 32

120 + 32

136 + 32

Número de páginas PNLD 2005 ÁticaDisciplina Série Livro do

alunoLivro doprofessor

Ciências 5ª série

6ª série

7ª série

8ª série

272

288

248

312

272 + 80

288 + 88

248 + 72

312 + 128

Geografia 5ª série

6ª série

7ª série

8ª série

208

192

272

184

208 + 40

192 + 40

272 + 56

184 + 48

História 5ª série

6ª série

7ª série

8ª série

192

192

240

248

192 + 64

192 + 64

240 + 88

248 + 80

Língua

Portuguesa

5ª série

6ª série

7ª série

8ª série

216

216

208

216

216 + 32

216 + 32

208 + 32

216 + 32

Matemática 5ª série 320 320 + 120

127 O manual do professor desta coleção é colorido. A coleção vem acrescida de CD.

Page 92: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

92

6ª série

7ª série

8ª série

280

344

312

280 + 120

344 + 128

312 + 136

O levantamento e a análise das obras da Editora FTD foram feitos com base no

material disponível à mestranda no momento da realização da pesquisa. Pela dificuldade de

acesso, não serão consideradas as coleções destinadas ao PNLD, nem os exemplares do

professor no caso dos livros de EJA. No que diz respeito às coleções voltadas ao PNLD,

cabe a observação de que, de fato, os exemplares da última edição (no caso PNLD 2005)

não costumam estar disponíveis em nenhuma Editora (na data da realização desta etapa da

pesquisa, a saber, início de dezembro de 2004), dado que são impressos mediante tiragem

acordada com o MEC. A pesquisadora só conseguiu os dados do PNLD da Editora Ática

anteriormente listados por ter trabalhado em algumas dessas obras e pelo acesso pessoal

com agentes que lidam com tais informações. Novamente, enfatizo que os dados do PNLD

2005 foram inseridos neste texto porque a pesquisadora considera importante contextualizar

a produção de livros de EJA no circuito produtivo “normal” das Editoras comerciais e desse

modo auscultar o peso atribuído a cada um de seus produtos.

Apesar de só ter conseguido dados da Editora Ática, que não podem ser

generalizados para o setor ou tidos como exemplares, acredita-se que a estrutura dessa

Editora, seu processo produtivo, suas opções reflitam em certo grau a realidade de várias

Editoras comerciais e traduzam informações de certa validade para análises que vêm se

configurando sobre o livro didático e as políticas públicas educacionais.

Os dados a seguir são, portanto, restritos aos exemplares gentilmente cedidos pela

Editora FTD para a pesquisa.

Número de páginas EJA FTDDisciplina Ciclo Livro do

alunoLivro doprofessor

128

128 A pesquisadora recebeu da Editora somente exemplares do aluno para a análise, com exceção do livro deGeografia.

Page 93: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

93

Ciências 3ª etapa129

4ª etapa

208

208

___

Geografia 3ª etapa

4ª etapa

224

224 224 + 8

História 3ª etapa

4ª etapa

224

208

___

Língua Portuguesa 3ª etapa

4ª etapa

200

208

___

Matemática 3ª etapa

4ª etapa

216

216

___

Número de páginas mercado FTDDisciplina Série Livro do aluno Livro do

professorCiências 5ª série

6ª série

7ª série

8ª série

240 + 56*

256 + 48*

216 + 56*

296 + 64*

240 + 56 + 24130

240 + 28 + 24

216 + 56 + 24

296 + 64 + 32

Geografia 5ª série

6ª série

7ª série

8ª série

191

224

191 + 48

224 + 48

Matemática 5ªsérie

6ª série

7ª série

8ª série

272

272

288

304

272 + 56131

272 + 56

288 + 56

304 + 64

Essa análise revela que as coleções de EJA têm um número menor de páginas que as

outras duas versões e nos leva à conclusão de que os livros de EJA constituem formas

129 Na identificação dos livros de EJA a Editora FTD chama de etapa o que a Editora Ática denomina deciclo.130 Os valores em negrito dizem respeito ao número de páginas do manual do professor. Os valores queaparecem acompanhados de asterisco referem-se ao número de páginas do suplemento Atividades práticas eteóricas presente tanto no livro do aluno quanto no livro do professor.131 O manual do professor desta coleção foi impresso, na edição analisada, em quatro cores.

Page 94: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

94

reduzidas de uma coleção de referência. Em geral, podemos perceber que o conteúdo de

duas séries foi concentrado num único volume, de modo que os livros de 5ª e 6ª séries

compõem o volume relativo ao 3º ciclo, e os livros de 7ª e 8ª séries compõem o livro de 4º

ciclo.

O procedimento de transformar dois volumes em um volume implicou uma seleção

de conteúdos — uns a serem mantidos e, obviamente, outros a serem excluídos.

Que tipo de conteúdo foi mantido? E que tipo de conteúdo foi excluído? Essas

perguntas poderão ser mais bem exploradas adiante no item relativo à análise da estrutura

das obras e da seleção de conteúdos. Por ora basta perceber que o número de páginas de

livros de EJA é reduzido em relação às outras versões. Obedece, basicamente, a uma

relação de 2 para 1. No que se refere ao custo derivado dessa estratégia, verificamos que o

valor que dela resulta é também inferior, pois a quantidade de papel é bem menor.132

E por que, grosso modo, se decide dividir por dois o número de páginas?

A carga horária destinada aos cursos de EJA talvez possa ser considerada uma pista

em que os editores se basearam, uma vez que, como já dissemos anteriomente, os ensinos

da rede estadual e municipal de São Paulo dedicam um semestre para contemplar cada série

do ensino regular. Assim, o aluno que queira obter certificação correspondente ao primeiro

segmento do ensino fundamental (1ª à 4ª série) tem de cursar dois anos de EJA133; e se

quiser a certificação do segundo segmento do ensino fundamental (5ª à 8ª série), tem de

cursar mais dois anos de EJA. Por essa lógica, é possível que os editores tenham

compreendido que os alunos de EJA, orientados pelo seu professor, seriam capazes de

percorrer durante o curso aproximadamente a metade do número de páginas que o aluno em

curso regular, posto que a carga horária daqueles equivale à metade deste.

Define-se aí o delineamento que os editores fizeram de uma das competências do

leitor — neste caso, o professor e o aluno de EJA —, em função da limitação de tempo em

sala de aula.

132 Isso não significa preço de capa mais baixo.133 Refiro-me aqui aos cursos de natureza presencial, para os quais os livros didáticos são destinados.

Page 95: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

95

O caso da coleção de Inglês da Editora Ática constitui uma exceção dentre os livros

analisados. Ela é também composta de dois volumes, como as coleções das demais

disciplinas discriminadas no quadro anterior, mas que cada volume é a soma de dois livros

da Start up. Soma na acepção mais pura, de justaposição de um livro de 5ª série mais um

livro de 6ª série encadernados juntos. Nem sequer a numeração foi refeita considerando-se

o volume final. Ou seja: o volume 1 de EJA vai da página 1 à 120 (seqüência que

corresponde ao livro da 5ª série do ensino regular) mais a outra parte que vai da página 1

(novamente, pois se refere ao livro da 6ª série do ensino regular) à página 112.134

De qualquer maneira, se a estratégia identificada para os demais livros não vale para

os dessa disciplina, podemos concluir que, nesse caso, pensou-se menos ainda no público

leitor. E que essa operação não contou, na realidade, com trabalho de edição propriamente

dita, mas lançou mão apenas de um artifício “mecânico”. Se as outras estratégias

demonstram a intenção de simplificar o livro e reduzir o conteúdo para estudantes de EJA,

esta última pode ser considerada o exemplo lapidar da intenção única de ofertar um título

ao mercado, de atender apenas à demanda comercial quantitativa. É de se supor que uma

operação dessa natureza seja uma exceção na rotina das Editoras desse porte, uma vez que

elas contam com um quadro de profissionais relativamente preparados para os processos

editoriais. Então pode-se supor também que essa operação tenha sido movida pela pressa e

pela falta de profissional disponível no momento da decisão da impressão e encadernação.

No mais, fica a constatação de que as duas Editoras analisadas usaram de estratégias

materiais para configurar as coleções de EJA, visto que o conteúdo das obras fora

aproveitado parcial ou integralmente de livros preexistentes.

134 É importante observar que o exemplar de Inglês obtido para a análise é do ano de 2004. Essa condiçãopode não se verificar em período posterior, por opção da Editora. O mesmo comentário vale para as outrasobras analisadas neste trabalho, uma vez que as Editoras reformulam seus produtos conforme a leitura quefazem do mercado — suas expectativas, necessidades e exigências — e disponibilidade de recursos. Arespeito da defasagem entre edições atualizadas e o material utilizado em análises, principalmente asacadêmicas, pode-se ler o artigo de Nelio Bizzo, “Livros velhos, crítica ultrapassada”, para o jornal CorreioBraziliense (agosto de 2004) em resposta ao artigo “Festival de erros”, publicado pelo jornal e assinado poruma pesquisadora acadêmica. Esse texto pôde ser obtido emhttp://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=292OFC001 em 9/1/2005.

Page 96: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

96

3.5 Papel, formato, acabamento e impressão

Para a análise desses aspectos, tomaremos como exemplo os livros de Ciências de

Carlos Barros e Wilson R. Paulino da Editora Ática, em suas três versões:

Formato Papel Acabamento Impressão

EJA20,4 cm X 27,5 cm Miolo: off-set 70 g

Capa: cartão 250 g

Lombada

quadrada

4 cores, off-set plana

ou rotativa135

Mercado20,4 cm X 27,5 cm Miolo: off-set 70 g

Capa: cartão 370 g

Espiral 4 cores, off-set

rotativa

MEC20,4 cm X 27,5 cm Miolo: off-set 75 g

Capa: cartão 250 g

Lombada

quadrada

4 cores, off-set

rotativa

Podemos perceber que o formato é o mesmo nas três versões. O mesmo ocorre

praticamente com o papel. Salvo na versão de mercado, que é espiral (mais cara) e que

inclui acabamento em espiral, os aspectos analisados são semelhantes.

Em tiragens superiores a 10 mil exemplares, a empresa opta pela impressão “em

rotativa” (tipo de equipamento), que é mais rápida e bem mais barata. Aliás, quanto maior a

tiragem, menor será o custo de produção136. Os cálculos a seguir servem para demonstrar

essa afirmativa. Para isso, vamos simular a produção de uma obra de 160 páginas (portanto,

dez cadernos de dezesseis páginas)137:

135 Depende da tiragem.136 Papel, acabamento e impressão compõem, com alguns outros aspectos, o que se chama de “custo deprodução”. Estão fora desse cálculo, o custo com direitos autorais, edição, arte, revisão e comercialização.137 Valores aproximados, fornecidos por José Antônio Ferraz, coordenador de produção das Editoras Scipionee Ática, em agosto de 2004.

Page 97: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

97

Tiragem Custo por caderno Custo do livro5 mil

R$ 0,32 R$ 3,52138

12 mil R$ 0,1287 R$ 1,41 (gráfica) + 1,03 (papel)

1 milhão R$ 0,05 R$ 0,55 (gráfica) + R$ 1,03 (papel)

Nota-se que o volume de material impresso influi sobre o custo do produto numa

proporcionalidade inversa. Também convém informar que quanto maior é a gramatura do

papel (mais grosso, mais pesado), maior também é o preço que a Editora paga ao

fornecedor e, portanto, maior é o custo.

Esses dados nos levam a constatar que a Editora optou, nos casos analisados, por

gastar um pouco mais na versão de mercado, pelo menos no tocante ao papel da capa e

acabamento em espiral. Mas, conforme o resultado das vendas, é o material que pode dar

maior retorno financeiro, pois é nesse nicho que o produto tem preço de capa mais elevado,

que confere maior margem de lucro. A consulta ao site dessa Editora nos fornece o valor do

preço de capa das coleções de EJA e de mercado139:

EJA: R$ 34,90 (todos os volumes de todas as disciplinas).

Mercado (Ciências Barros & Paulino): R$ 59,00 (5ª e 6ª séries); R$ 64,00 (7a e 8ª

séries).

Os valores das edições para o MEC puderam ser obtidos no site da Associação

Brasileira de Autores de Livros Educativos (Abrale,

http://www.abrale.com.br/destaques/abrale_destaque006-a.htm)140 e também no site do

próprio MEC, www.fnde.gov.br/programas. O quadro exposto nesses dois sites mostra que

o valor pago pelo governo federal para as obras do PNLD 2005 é negociado por caderno

138 À soma do valor relativo ao número de cadernos deve-se acrescer o valor do papel da capa. Na data darealização desta etapa da pesquisa (início de agosto de 2004), o valor de uma capa padrão de 250 g estavaorçado em torno de R$ 0,093.139 Dados consultados em 7/1/2005.140 Dados colhidos no dia 9/1/2005.

Page 98: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

98

tipográfico de dezesseis páginas e é individualizado (cada Editora obtém um valor), e que o

preço médio do livro da Editora Ática foi de $R 5,07 (caderno de R$ 0,3180).141

A constatação de que, no aspecto dos custos de produção, a Editora aplicou mais

recursos (papel de capa e acabamento em espiral) na versão de mercado do que em outras

versões não deve ser generalizada como procedimento para todas a obras de mercado nem

como regra dessa Editora, tampouco de outras empresas. A análise feita anteriormente

limita-se à coleção de Ciências de Barros & Paulino e está inscrita no período estudado (as

edições mais recentes durante a realização da pesquisa).

O que nos interessa aqui é apontar que, quanto ao formato, acabamento, papel e

impressão, a Editora não relegou a segundo plano as edições de EJA. Não é, portanto,

nesses fatores que podemos constatar claramente a adoção da estratégia da economia de

recursos.

O mesmo procedimento parece ter sido adotado pela Editora FTD, visto que seus

produtos se assemelham — quanto a formato, papel, impressão e acabamento — aos livros

anteriormente analisados. Conforme já se mencionou, essa Editora não expõe seus títulos

de EJA no site, visto que as respectivas impressões só ocorrem mediante encomendas ou

acordos (com prefeituras e governos estaduais). Não há, desse modo, livros disponíveis

para venda avulsa ao público em livrarias ou aos professores que recorram à sala de

atendimento aos professores, conforme costuma ocorrer com os demais títulos didáticos.

141Ver anexo.

Page 99: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

99

4. A seleção de conteúdos

Michael Apple afirma que, em vários países do mundo, os livros didáticos se

constituem num importante recurso material para que o processo de ensino e aprendizagem

se efetive.142

Há que se notar também uma tendência de padronização de conteúdo entre os livros

didáticos e que estes acabam se impondo como o currículo de certa disciplina em certa

época. Nesse sentido, aproprio-me do que André Chervel descreve para o fenômeno de

“vulgata” no estudo da história das disciplinas e o aplico ao livro didático:

O estudo dos conteúdos beneficia-se de uma documentação abundante à base de cursos

manuscritos, manuais e periódicos pedagógicos. Verifica-se aí um fenômeno de “vulgata” , o

qual parece comum às diferentes disciplinas. Em cada época, o ensino dispensado pelos

professores é, grosso modo, idêntico, para a mesma disciplina e para o mesmo nível. Todos

os manuais ou quase todos dizem então a mesma coisa, ou quase isso. Os conceitos

ensinados, a terminologia adotada, a coleção de rubricas e capítulos, a organização do corpus

de conhecimentos, mesmo os exemplos utilizados ou os tipos de exercícios praticados são

idênticos, com variações aproximadas. São apenas essas variações, aliás, que podem

justificar a publicação de novos manuais e, de qualquer mdo, não apresentam mais do que

desvios mínimos: o problema do plágio é uma das constantes da edição escolar.143

A menção de Chervel à configuração sutil de um “plágio” nos remete de novo à

questão da autoria dos livros didáticos. Posto que se verifica que após certo período de

tempo os livros passam a se assemelhar uns com os outros (quer considerando-se as obras

do mercado como um todo, quer as obras de uma mesma Editora) e que os conceitos

formalizados na disciplina, qualquer que ela seja, não foram desenvolvidos pelo autor, esse

questionamento de fato tem lugar.

142 Ver APPLE, Michael W. Trabalho docente e textos: economia política das relações de classe e de gêneroem educação. Porto Alegre, Artmed, 1995. p. 81.143 CHERVEL, André. História das disciplinas escolares; reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria &Educação, 2: 1990, p. 203.

Page 100: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

100

A prática recentemente adotada pela Editora Modera/Santillana com o lançamento

dos Projetos Pitanguá e Araribá, que não tem autor (nem profissionais com vínculo

empregatício envolvidos no projeto), levou essa proposição à materialização à prática

radical.

De qualquer forma, é importante frisar que, conforme a análise que fizemos nas

obras das Editoras FTD e Ática, pudemos perceber que elas entendem como legítima a

função do autor e reservam a ele parte da verba investida. A referência às discussões a

respeito da função do autor teve o objetivo de inserir o papel do autor também como um

elemento constitutivo da edição de livros historicamente construído, embora, ao público em

geral, essa figura possa parecer natural e intríseca aos livros.

Neste capítulo, é intenção da pesquisadora comprovar e descrever que os PNLD têm

imposto certa formatação aos livros didáticos. Para isso, transcreve-se novamente um

trecho de André Chervel:

A experiência elementar de todos historiador das disciplinas lhe ensina que as vulgatas nem

sempre se acomodam numa evolução gradual e contínua. A história das disciplinas se dá

freqüentemente por alternância de patamares e de mudanças importantes, até mesmo de

profundas agitações. Quando uma nova vulgata se toma o lugar da precedente, um período de

estabilidade se instala, que será apenas perturbado, também ele, pelas inevitáveis variações.

Os períodos de estabilidade são separados pelos períodos “transitórios”, ou de “crise”, em que

a doutrina ensinada é submetida a turbulências. O antigo sistema ainda continua lá, ao mesmo

tempo em que o novo se instaura: períodos de maior diversidade, onde o antigo e o novo

coabitam, em proporções variáveis. Mas, pouco a pouco, um manual mais audacioso, ou mais

sistemático, ou mais simples do que os outros, destaca-se do conjunto, fixa os “novos

métodos”, ganha gradualmente os setores mais recuados do território, e se impõe. É a ele que

doravante se imita, é ao redor dele que se contitui a nova vulgata.

Gimeno Sacristán144 afirma que a educação deve ser compreendida em três

instâncias, pelo menos: 1. a atividade; 2. o conteúdo; 3. os agentes e outros elementos que

determinam a atividade e o conteúdo. Há também a instância da avaliação, que, em EJA,

144 GIMENO SACRISTÁN, J. O currículo: os conteúdos do ensino ou uma análise prática? In: GIMENOSACRISTÁN, J. & PÉREZ GÓMEZ, A. I. Op. cit., p. 120.

Page 101: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

101

ganha relevância fundamental, posto que a certificação é o aspecto que norteia a

escolarização.

Nesse sentido, os livros didáticos atuam como um elemento que determina a

atividade do professor e o conteúdo aplicado em sala de aula.

De acordo com sua noção de currículo em processo145, o livro didático ocupa o

campo “práticas de desenvolvimento, modelos em materiais, guias, etc.”. Seria, portanto, o

currículo planejado para professores e alunos. O autor defende o conceito de currículo em

processo, entendendo que da elaboração do currículo até o seu uso em sala, ou melhor, até

a avaliação de seu uso, há várias instâncias de negociação e “re-significação” de idéias,

valores e práticas. E cada um desses âmbitos não corresponde exatamente a um conteúdo

ou saber exterior a ele. Ou seja, no âmbito da seleção das idéias que comporão o currículo,

nem sempre elas correspondem com exata precisão à noção desenvolvida e empregada em

seu meio cultural original. Os agentes que fazem sua seleção interpretam essas idéias e as

ordenam.

Num segundo momento, os agentes que interpretam o currículo formulado

reinterpretam o conteúdo do currículo e o desdobram, reproduzem, recriam. Assim ocorre

no processo de produção de livros didáticos. Os editores lêem o currículo formulado,

prescrito, e dão forma a seus produtos de acordo com a interpretação que fazem dele,

conjugada a outros fatores que incidem no âmbito da produção: materiais disponíveis,

autores, prazos, cronograma, planejamento editorial, recursos financeiros, etc.

Os professores, de posse desse material, empregam o livro didático com base nas

leituras que fizeram dele, das condições disponíveis em sala, de outros recursos materiais,

conforme a interlocução com pais, linha pedagógica da escola, nível de desenvolvimento

cognitivo dos alunos, a sua própria disponibilidade de criar formas alternativas de explorar

conteúdos, de transpor as limitações e equívocos do livro-texto, etc.

São, portanto, vários fatores que mediatizam o currículo prescrito à sua efetivação e

avaliação. O produto final é o resultado de múltiplas determinações.

Page 102: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

102

o currículo é o âmbito de interação no qual se entrecruzam processos, agentes e âmbitos

diversos e que, num verdadeiro e complexo processo social, dão significado prático e real ao

mesmo. Somente no marco de todas essas interações podemos chegar a captar seu valor

real, daí que é imprescindível um enfoque processual para entender a dinâmica que dá

significado e valores específicos a um currículo concreto […]. Este não existe à margem das

circunstâncias contextuais que o moldam […] O que é o currículo real na prática? O que

resulta dessas interações.146

Nesse sentido, é interessante a abordagem que esse mesmo autor faz do currículo

como texto.147 Para ele, qualquer programa político deve ser entendido como texto, pois sua

elaboração implica processos complexos de codificação; e, em contrapartida, o seu uso ou a

sua apreensão implicam complexos processos de decodificação. A cada leitura que um

agente faça desse texto, ocorre uma recodificação. Os programas curriculares subentendem,

portanto, pelo menos três instâncias de leituras textuais: a da elaboração; a da interpretação;

e a da implantação. Tudo isso ratifica a noção de currículo em processo, do qual estamos

tratando.

Tomando como base as acepções de Gimeno Sacristán, podemos considerar que os

PCN e as Propostas Curriculares para Educação de Jovens e Adultos têm se constituído

como o currículo prescrito ou regulamentado em cada modalidade de ensino. A formulação

desses documentos estabeleceu novos entendimentos de noções como as de conteúdo,

conhecimento, avaliação .148

Nosso objetivo neste capítulo é verificar como essas noções e outros elementos que

compõem um livro, como imagem, projeto gráfico, se materializam nas obras selecionadas.

4.1 Capa, projeto gráfico e imagens

145 Idem, p. 139.146 Ibidem. p. 129.147 GIMENO SACRISTÁN, J. Reformas educativas y reforma del currículo: anotaciones a partir de la experienciaespañola. In: WARDE, M. J. (org.). Novas políticas educacionais: críticas e perspectivas. II SeminárioInternacional. São Paulo, PUC-SP/EHPS, 1998. p. 92.

Page 103: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

103

No capítulo anterior, inserimos a análise da capa no tocante ao papel. A análise que

faremos a seguir diz respeito ao aspecto gráfico ou visual da capa. Também abordaremos o

tratamento dedicado ao projeto gráfico do miolo (as páginas internas do livro) e às

diferentes categorias de imagem nele inseridas (ilustrações, esquemas, fotos, mapas,

gráficos).

Os elementos visuais de livros têm sido considerados fatores relevantes, quer como

recurso de descanso da leitura, item de embelezamento ou portador de conteúdos

significativos. No caso de livros didáticos, pode-se citar o seguinte trecho de um texto que

assinala a importância das imagens nos manuais de História:

Gravuras, fotos, filmes, mapas e ilustrações diversas têm sido utilizados, há algum tempo,

como recurso pedagógico no ensino de História. Os livros didáticos de História, já em meados

do século XIX, possuíam litogravuras de cenas históricas intercaladas aos textos escritos,

além de mapas históricos. Nas primeiras décadas do século XX, os filmes foram apontados

pelo professor Jonathas Serrano, do Colégio Pedro II do Rio de Janeiro, como instrumento

didático importante, considerando-o material fundamental do “método intuitivo” em substituição

ao “método mnemônico”. 149

A observação das capas leva à conclusão de que algumas delas foram preparadas

para sua destinação específica (EJA, mercado ou MEC). Desse modo, não é, portanto, nesse

fator que percebemos um reaproveitamento de dispositivos editoriais. No caso das obras da

Editora FTD, percebemos que houve certo reaproveitamento da foto de capa. Vejam-se os

exemplos de capa a seguir:

4.1.1 Capas Ática

148 Ver, respectivamente: Parâmetros Curriculares Nacionais. Introdução. Brasília, MEC/SEF, 1998. p. 71-81.PROPOSTA CURRICULAR PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS. Introdução. Op. cit. Parte 2.149 BITTENCOURT, Circe M. F. (org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo, Contexto, 1997.

Page 104: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

104

Capas EJA

Page 105: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

105

Capas MEC

Page 106: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

106

Capas mercado

Page 107: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

107

4.1.2 Capas FTD

Page 108: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

108

Capas EJA

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109

Page 110: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

110

Capas mercado

A observação das capas pode nos levar a detectar mais um elemento da estratégia

editorial. No caso da Editora Ática, podemos perceber que todos os livros de EJA se

apresentam num mesmo projeto gráfico, o que nos leva a crer que se pensou em criar uma

identidade visual para essa coleção. De fato, se consultarmos o site dessa Editora,

verificaremos que a classificação “EJA” é usada para identificar uma coleção de obras, o

que não ocorre com os livros da Editora FTD.

Page 111: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

111

A 4ª capa de qualquer obra da coleção EJA da Editora Ática expõe as capas dos

títulos desta coleção lançados em 2003.

A uniformidade do projeto gráfico se estende ao miolo dos livros: isso pode ser

constatado tanto pela leitura da página de créditos (há uma mesma equipe de profissionais

envolvidos na elaboração da parte gráfica e de Arte) quanto pela observação interna, página

por página. Isso também não se verifica nos livros da Editora FTD, cuja estrutura das

equipes editoriais difere da existente na outra Editora. Como se pode detectar pela leitura

da página de créditos dos livros da Editora FTD, cada obra foi desenvolvida por uma

equipe editorial específica (Exatas, Ciências Humanas, Língua Portuguesa, Ciências

Biológicas), que, por sua vez, agrega sua própria equipe de Arte.

Page 112: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

112

EJA — Língua Portuguesa 3º ciclo, páginas 152-3 e 156. (Ática)

Na página 153 vemos uma abertura de uma das 20 unidades que compõem o

livro. Nela podemos observar a aplicação de uma tarja superior em tom

alaranjado150, da mesma família da cor aplicada no algarismo que representa a

unidade, da tarja no pé da página e do fio de boxes (ver página 152). A

mesma cor foi usada em intertítulos.

150 A discriminação expressa das cores aqui se presta a eventual esclarecimento que se fizer necessário emfunção do desvirtuamento da impressão e reprodução gráfica deste trabalho.

Page 113: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

113

Page 114: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

114

EJA — Ciências 4º ciclo, páginas 36-7 e 40. (Ática)

Na página 36 vemos a abertura de um capítulo (o livro tem 29 capítulos).

Observe-se que a cor escolhida para a disciplina de Ciências foi o verde (ver

capa também). Na parte superior da página há uma tarja na cor verde-

acinzentada sobre banda verde-musgo, também utilizada na representação do

algarismo, do texto no pé da página, dos intertítulos e do fundo do boxe que

recobre a seção de atividades no final dos capítulos.

EJA — Geografia 4º ciclo, páginas 42-3. (Ática)

Nessas páginas podemos perceber mais um exemplo de aplicação de

elementos do projeto gráfico: tarja superior em tom ocre sobre banda marrom,

cores que se repetem em intertítulos e em boxe de seção de atividades no final

do capítulo.

Page 115: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

115

Esses três exemplos selecionados anteriormente nos permitem identificar a opção

por uma identidade visual para a coleção de EJA. Por sua vez, os exemplos selecionados a

seguir (além da observação já realizada das respectivas capas), da outra Editora, nos

comprovam o contrário:

EJA — Matemática, 3ª etapa, páginas 10 e 11. (FTD)

Page 116: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

116

EJA — Matemática, 3ª etapa, páginas 154 e 155. (FTD)

EJA — Ciências, 4ª etapa, páginas 28 e 29. (FTD)

Page 117: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

117

EJA — Geografia, 4ª etapa, páginas 44, 45, 56 e 57. (FTD)

Page 118: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

118

A observação desses três casos colhidos aleatoriamente nos revela que não houve

nessas edições a busca de uma identidade visual comum para as obras de EJA. O

tratamento dado à abertura de capítulo ou tema estudado, atividades, intertítulos, margens,

numeração das páginas, tipologia, entre outros elementos, difere nas obras anteriormente

expostas. No que se refere ao aspecto visual, podemos notar uma semelhança, sim, entre o

livro de EJA Geografia e sua versão para o mercado, o que reforça nossa idéia de

reaproveitamento. Veja-se um exemplo a seguir:

Geografia, 6ª série, páginas 200 e 201. (FTD)151

A comparação dessas páginas da versão de mercado com as de EJA

anteriormente expostas revela semelhança entre elementos do projeto gráfico:

tipologia, cores de intertítulos e fundo de boxes, ícones são iguais.

151 A seleção foi aleatória, portanto os conteúdos conceituais abordados não equivalem.

Page 119: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

119

Independentemente da estrutura da empresa, pois uma configuração funcional pode

ser criada ou adaptada mesmo que provisoriamente para atender determinado projeto, nota-

se que uma Editora optou por lançar seus produtos dentro de uma coleção e a outra as

publicou de forma avulsa, independentes entre si. Isso não quer dizer que a coleção que

tenha uma única programação visual tenha sido de fato estruturada para refletir concepções

pedagógicas e conteúdos específicos para alunos de EJA. Aspectos como o conteúdo

selecionado, os tipos de atividade e de proposição ao professor podem ser mais expressivos

dessas opções. Tampouco a identidade visual é um critério que serve para avaliar o uso

efetivo que o leitor faz do produto, o grau de apreensão dos conteúdos, a legitimação e o

contentamento usufruído do aprendizado. Mas, em ambos os casos analisados, é um item

que pode ser encarado como elemento revelador da concepção e idealização do produto e

que insinua possíveis diálogos entre os sujeitos envolvidos — editor, diretor de arte,

programador visual, autor, diretor editorial, diretor comercial.

O aspecto iconográfico se revela pelo reaproveitamento de material constante na

versão de mercado ou MEC. A dissecação detalhada do material disponível permite-nos

generalizar essa afirmação para todas as obras analisadas das duas Editoras. Selecionamos a

seguir apenas alguns exemplos, pois a exposição de todos os casos seria extensa demais,

além de desnecessária. Escolhemos mostrar primeiro situações praticadas em livros de

Geografia, pois trata-se de uma disciplina que costuma implicar o uso de variados

elementos iconográficos, a saber: mapas, tabelas, esquemas, fotos. Isso será feito com o

título da Editora FTD, cujos autores são Sonia Castellar e Valter Maestro e cujos

exemplares analisados tanto da versão mercado quanto na versão de EJA são de 2001.

Indicaremos cada um por meio de intertítulo específico com o objetivo de manter certa

organização na exposição de dados, sempre iniciando a enumeração com o exemplar que

acreditamos ser o original, ou seja, o livro de onde a imagem foi extraída (juntamente com

o texto). É oportuno notar que, conforme se estenda a exposição de situações características

da operação de reaproveitamento de material iconográfico, também se explicita a estratégia

de reaproveitamento e enxugamento de conteúdos conceituais e estruturas da organização

textual, os quais configuram a edição de texto propriamente dita.

Page 120: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

120

4.1.3 Imagens Geografia FTD

Geografia mercado, 5ª série, páginas 6 e 7.

EJA — Geografia, 3ª etapa, página 5.

Page 121: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

121

No caso anterior, duas páginas da versão de mercado transformaram-se numa

única página, e a ilustração e o mapa foram reduzidos no tamanho e

aproveitados.152

Geografia mercado, 5ª série, páginas 58 e 59.

152 A atividade 2, constante na versão de mercado, foi suprimida na versão de EJA. Como o exemplar de EJAobtido para análise foi o do aluno, não sabemos ao certo se o comentário para o professor, que aparece naversão de mercado, foi mantida.

Page 122: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

122

EJA — Geografia, 3º ciclo, páginas 34 e 35.

Nesse caso, os elementos das páginas originais (58-9 versão mercado) foram

mantidos integralmente e transpostos para a edição de EJA. Isso pode ser

verificado tanto em relação às imagens quanto em relação ao texto.

Page 123: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

123

Geografia mercado, 5ª série, páginas 82 e 83.

Page 124: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

124

EJA — Geografia, 3º ciclo, página 48.

Aqui percebemos a transformação de duas páginas da versão anteriormente

existente numa página de livro de EJA. A edição de texto e de imagem se

manifesta pela transposição de todos os elementos constantes das páginas 82

e 83 para uma única, que ficou sendo a 48 na nova versão, pela redução no

tamanho das ilustrações e do mapa e pela rediagramação de texto e imagens.

Page 125: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

125

Geografia mercado, 5ª série, páginas 142, 143 e 144.

Page 126: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

126

EJA — Geografia, 3º ciclo, páginas 81 e 82.

Agora vemos que o conteúdo de três páginas foi condensado em duas páginas.

A página 142 do mercado foi transposta integralmente para página 81 de EJA

(foto, legenda e texto principal); mas a partir da página 143 os conteúdos

foram reduzidos para que pudessem caber na página 82: a foto da “cidade de

São Paulo em maio de 1998” foi cortada em mais de 50% de sua altura, a

seqüência de imagens que mostra a evolução do buraco na camada de ozônio

foi suprimida, a legenda dessa imagem foi incorporada parcialmente ao texto

principal, o que permitiu que o conteúdo da página 143 fosse deslocado,

compondo uma massa de texto com o bloco anterior.

Page 127: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

127

Como exemplo de reaproveitamento de material iconográfico realizado pela Editora

Ática, listaremos situações praticadas na obra de Ciências, de Carlos Barros e Wilson

Paulino, por ser também uma disciplina que agrega uma variedade interessante de imagens:

esquemas, ilustrações, gráficos, fotos. Os exemplares de mercado usados na análise foram

do ano de 2002 e os de EJA, de 2003. Da mesma forma como fizemos com os livros

selecionados da Editora FTD, consideramos que o material de EJA seja derivado de uma

edição anterior — no caso, da versão de mercado. Desse modo, todas as imagens contidas

na versão EJA constam na edição correspondente para o mercado, mas a recíproca não é

verdadeira, pois, nessa transposição de contéudos, várias imagens foram eliminadas.

4.1.4 Imagens Ciências Ática

Ciências mercado, 5ª série, página 6./ EJA — Ciências, 3º ciclo, página

7.

Page 128: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

128

Vemos que a página de abertura da unidade I do livro de 5ª série foi

aproveitada integralmente na versão de EJA, exceto no projeto gráfico, que é

um elemento novo dessa edição.

Ciências — mercado 5ª série, páginas 8 e 9.

Page 129: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

129

EJA — Ciências, 3º ciclo, páginas 8 e 9.

No caso da página anterior já podemos perceber certa edição de conteúdos. Da

versão de mercado para a de EJA, manteve-se, na página par, a mesma

seqüência de imagens em sua disposição original e o texto foi transposto

integralmente; na ímpar, o texto sofreu cortes e, por causa da tipologia mais

econômica em termos de espaço, pôde “correr”, ou seja, ser trazido da página

seguinte (p. 10) para essa (p. 9). Mudança de tipologia e corte de texto, além

do já mencionado projeto gráfico, são os dispositivos que por hora podemos

identificar na edição da versão EJA.

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130

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131

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132

Ciências mercado, 5ª série, páginas 96 a 104.

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133

Page 134: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

134

EJA — Ciências, 3º ciclo, páginas 55 a 60

A análise dessas páginas dá uma amostra da transformação do conteúdo de

dois capítulos num único. Acompanhando a seqüência de imagens,

constatamos que as duas fotos da primeira página desse conjunto foram

mantidas com as respectivas legendas, sendo que uma delas sofreu um corte

na largura, permitindo melhor aproveitamento da página pelo texto escrito.

Percebemos também que se suprimiu um intertítulo (“Do solo à rocha matriz”)

e o que originalmente consistia numa atividade dirigida ao aluno, dela se

aproveitando apenas o esquema, que passou a integrar o texto teórico. O

mesmo ocorreu com o gráfico “Composição de solo fértil”, que antes estava

numa atividade e passou a constituir o texto teórico. Se compararmos todos os

parágrafos, veremos que o texto coincide, com pequenos ajustes, até o fim da

enumeração dos componentes do solo e que o intertítulo “A importância do

solo” foi eliminado por completo (texto e imagens), saltando ao item “Tipos de

solo”. Nessa parte, as três fotos iniciais foram mantidas na mesma forma em

que haviam sido reproduzidas na versão de mercado, o texto foi resumido e os

três gráficos, eliminados. A partir de “ O solo pode ser melhorado”, o texto foi

Page 135: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

135

simplificado em alguns trechos, e as imagens, ora foram suprimidas ora

tiveram o tamanho de sua reprodução reduzido — das doze fotos seguintes da

versão de mercado, restaram seis (atente-se para as dimensões da última

delas, “Os aspersores espalham bem a água”). A foto que aparece na página

60 de EJA foi trazida de um capítulo seguinte da versão do mercado,

configurando com os elementos seguintes um tópico resumido de um único

capítulo no novo livro.

Os exemplos dessa natureza que se poderiam expor são numerosos — veja-se que

só estamos na página 104 do livro de 5ª série. Uma vez que essas imagens não estão soltas,

mas são referidas no texto, reforçando ou explicitando conteúdos, é conveniente que a

análise do uso ou manejo delas seja feita de forma integrada, levando-se em conta as

interferências correspondentes no texto e na paginação. E a enumeração desses aspectos

seria descabida, pois excederia a extensão adequada deste trabalho.

Para o propósito da pesquisa, entretanto, acredito que os elementos indicados até o

momento são bastantes para demonstrar a estratégia das duas Editoras em relação ao

material iconográfico.

Com base nos exemplos expostos, podemos constatar que a edição de imagens nas

versões de EJA contou com operações de reaproveitamento integral, com a manutenção do

tamanho de reprodução original, ou, para economizar espaço, redução no tamanho ou

eliminação delas. Essa estratégia de reaproveitamento de material iconográfico pode ter

objetivado a economia de custo na compra, na mão-de-obra ou no tempo despendido na

pesquisa (no caso de fotos), na confecção (no caso de ilustrações, esquemas, gráficos), ou

no tratamento da imagem (escanerização, preparo do arquivo digital). Salvo se as Editoras

de fato não pagaram pelo uso dessas imagens em edição diversa para a qual elas foram

originalmente contratadas, a redução do custo deve ter sido inferior às originais, pois o

processo de reutilização também implica certo tempo de trabalho de busca das fontes

originais (impressas ou digitais), avaliação de sua adequação a cada nova situação em que a

imagem é referida, adaptação dos arquivos digitais, readequação de legendas e revisão.

Page 136: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

136

Até o momento, a análise das estratégias adotadas nos permite considerar que as

Editoras visaram a redução de custo na edição de livros para EJA em relação ao custo

auferido nas versões de mercado e MEC. Utilizando um raciocínio simples, podemos supor

que essa decisão tenha se embasado no fato de os empresários terem calculado um retorno

financeiro baixo ou no mínimo duvidoso, tanto do ponto de vista imediato quanto dentro de

certo período de tempo — o tempo no qual uma publicação se paga (paga seus custos de

produção e divulgação) e começa a reverter em ganho.

4.2 A estrutura das obras

As obras têm, em geral, a seguinte estrutura: página de rosto ou fronstispício (p. 1);

página de créditos, em que aparecem dados de quem trabalhou no livro, como editores,

editores-adjuntos, assistentes, auxiliares, revisores, pesquisadores iconográficos, diretor de

arte, diagramadores, progamador visual, ilustradores, cartógrafos, assessores, consultores,

colaboradores, a ficha catalográfica para registro em bibliotecas, o número do ISBN, a data

da publicação e o endereço da Editora (p. 2); apresentação (p. 3); sumário (p. 4 e

eventualmente páginas subseqüentes); miolo; páginas pós-textuais (glossário, indicação de

obras adicionais para o aluno, referências bibliográficas, suplementos, crédito das

ilustrações e fotos); manual do professor (em caso de o livro ser o exemplar destinado ao

docente). Trata-se de dispositivos que aparecem na maioria dos casos analisados, adotados

por grande parte das maiores Editoras, mas que não são regra. A ficha catalográfica, por

exemplo, por não ser um elemento estritamente obrigatório na publicação de livros, pode

constar numa edição e não constar em outra de uma mesma Editora, conforme fatores

circunstanciais diversos.

Qualquer que seja a estrutura da obra e a seqüência dos conteúdos selecionados, os

livros costumam ter o mesmo formato e o número total de páginas (múltiplo de 8), de

acordo com o segmento de ensino a que se destinam. Essa prática deve ter se definido ao

longo do tempo em função do aproveitamento máximo em corte e dobra do papel

Page 137: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

137

disponibilizado pela indústria de papel e pela prática ou mesmo “tradição” que foi se

estabelecendo entre as Editoras mobilizadas pela concorrência. Desse modo, livros voltados

ao 1º segmento do ensino fundamental costumam ter menos páginas que os destinados ao

2º segmento, e os do ensino médio são mais volumosos, qualquer que seja a Editora. Os

suplementos também variam conforme o rumo dos lançamentos e da concorrência, de

modo que, por exemplo, se uma Editora lançar uma coleção com CD, e obtiver sucesso

financeiro, logo virá uma versão semelhante de outra Editora.

Um dispositivo que se presta a uma análise preliminar do conteúdo selecionado

numa obra é o sumário, que discrimina a estrutura e os temas inseridos no miolo em tópicos

dispostos em hierarquias que podem ser unidades, capítulos, intertítulos, atividades, ou

outra organização escolhida para a obra (partes, lições, textos, aulas).

Ao analisar a iconografia do material de Geografia, a pesquisadora teve de consultar

o sumário das respectivas obras, o que reforçou a constatação de que o conteúdo havia sido,

de fato, transformado de dois volumes originais num único volume de EJA. A título de

exemplificação, expõe-se a seguir o sumário da referida obra, reforçando-se a observação

de que não se trata de um único caso, mas, conforme já dissemos anteriormente, a

reprodução de todos os casos seria extenuante (mais ao leitor que à pesquisadora), além de

desnecessária para o que se quer comprovar.

4.2.1 Sumário Geografia FTD mercado

5ª série (inicia-se na página 5)153

Unidade 1 — Aprendendo cartografia 6

Capítulo 1 — A localização e a orientação 8

Capítulo 2 — As diferentes concepções sobre a Terra 16

Capítulo 3 — mapeando a Terra 30

153 A página 4 é “em branco”, como se costuma nomear a página que ficou sem conteúdo textual impresso.

Page 138: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

138

Projeto 1 45

Unidade 2 — Paisagens 50

Capítulo 4 — A origem da Terra e das paisagens 52

Capítulo 5 — A vida modificando as paisagens 74

Capítulo 6 — As mudanças provocadas pela vida 104

Projeto 2 119

Unidade 3 — As dinânicas da natureza e a ação humana:

apropriação dos recursos e mudanças nos ritmos 122

Capítulo 7 — A dinâmica da atmosfera 124

Capítulo 8 — A dinâmica da água no planeta Terra 147

Capítulo 9 — A dinâmica do relevo 170

Projeto 3 189

Bibliografia e sugestão de leitura para os alunos 191

Atlas consultados nas pesquisas de mapa 191

6ª série (inicia-se na página 5)

Unidade 1 — Para entender o Brasil 6

Capítulo 1 — A identidade brasileira 8

Capítulo 2 — A construção e a formação do território brasileiro 29

Capítulo 3 — As origens culturais do povo brasileiro 47

Projeto 1 63

Unidade 2 — O estudo do Brasil e de sua população pelas

linguagens gráfica e cartográfica 66

Capítulo 4 — A localização do Brasil e a cartografia 68

Capítulo 5 — A dinâmica populacional brasileira 83

Page 139: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

139

Capítulo 6 — Migrações 107

Projeto 2 124

Unidade 3 — As regiões brasileiras 126

Capítulo 7 — A identidade das regiões 128

Capítulo 8 — Amazônia Legal 135

Capítulo 9 — Nordeste 165

Capítulo 10 — Centro-Sul 191

Projeto 3 220154

A leitura do sumário do livro do 3º ciclo de EJA de Geografia permite-nos perceber

que ele se compõe dos conteúdos de 5ª e 6ª séries anteriormente identificados, salvo a seção

de projetos155, que foi eliminada na nova versão. Se o volume de 5ª tem nove capítulos e o

de 6ª, dez, o livro de EJA tem dezenove capítulos, nomeados de forma idêntica, conforme

vemos a seguir156:

Unidade 1 — Aprendendo cartografia 5

Capítulo 1 — A localização e a orientação 6

Capítulo 2 — As diferentes concepções sobre a Terra 10

Capítulo 3 — Mapeando a Terra 18

Unidade 2 — Paisagens 50

Capítulo 4 — A origem da Terra e das paisagens 30

154 Embora o livro tenha, tal como o de 5ª série, as partes relativas a bibliografia, sugestão de leituras para osalunos e atlas consultados nas pesquisas de mapa, elas não aparecem nesse sumário.155 Trata-se de uma seção de proposição de atividades (práticas, de pesquisa, planejamento, tabulação deresultados, redação, etc. ) em grupo aos alunos. Parecem constituir um “bônus” aos alunos e ao professor, quepoderão optar pela sua realização conforme a conveniência e a disponibilidade de tempo, embora todas asatividades e a própria leitura do texto principal, sua seqüência inclusive, sejam facultadas ao professor seguirou não.156 A pesquisadora espera escusar-se da redundância de dados justificando a exposição para comprovar averacidade de sua leitura e análise. Não usou do recurso da reprodução fotográfica para não “carregar” demaiso arquivo digital e pelo receio de comprometer a legibilidade do texto, fundamental para esta etapa da análise.

Page 140: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

140

Capítulo 5 — A vida modificando as paisagens 43

Capítulo 6 — As mudanças provocadas pela vida 59

Unidade 3 — As dinâmicas da natureza e a ação humana:

apropriação dos recursos e mudanças nos ritmos 68

Capítulo 7 — A dinâmica da atmosfera 70

Capítulo 8 — A dinâmica da água no planeta Terra 84

Capítulo 9 — A dinâmica do relevo 99

Unidade 4 — Para entender o Brasil 110

Capítulo 10 — A identidade brasileira 112

Capítulo 11 — A construção e a formação do território brasileiro 123

Capítulo 12 — As origens culturais do povo brasileiro 134

Unidade 5 — O estudo do Brasil e de sua população pelas

linguagens gráfica e cartográfica 144

Capítulo 13 — A localização do Brasil e a cartografia 146

Capítulo 14 — A dinâmica populacional brasileira 155

Capítulo 15 — Migrações 172

Unidade 6 — As regiões brasileiras 179

Capítulo 16 — A identidade das regiões 180

Capítulo 17 — Amazônia Legal 183

Capítulo 18 — Nordeste 197

Capítulo 19 — Centro-Sul 209

Bibliografia e sugestões de leitura para os alunos 223

Atlas consultados nas pesquisas de mapa 223

Page 141: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

141

A leitura desses sumários pode nos remeter a indagar sobre o número de páginas de

cada livro. O de 5ª série tem 192 páginas (a última página é “branca”, só constando do

colofão157), o de 6ª tem 224 páginas (idem última página) e o livro de 3º ciclo de EJA tem

224 (idem última página).

Como se chega a tal feito de transformar dois volumes em um, mantendo-se os

conteúdos e sem aumentar o número de páginas? Obviamente reduzindo-se a extensão de

alguns conteúdos indicados no sumário. Como já vimos em tópicos anteriores deste estudo,

a supressão de imagens, elemento que ocupa grande parte da mancha, e a redução do seu

tamanho também são operações que se prestam a esse objetivo.

Então se pode perguntar: por que se usou dessa estratégia em vez de se optar por um

projeto novo, dedicado desde sua origem ao público de EJA?

Segundo Lafayette Megale, editor da FTD,

partir de um projeto zero quilômetro para EJA, baseado nos Parâmetros [proposta curricular],

é inviável, entre outros motivos, pelo tempo. É, por exemplo, o governo do estado do Pará que

quer não sei quantos mil livros de EJA para tal período, e a gente corre para atender. O que se

fez foi um material de uso imediato para escolas noturnas, com base nos livros de ensino

fundamental, com método mais próximo do expositivo.158

A organização dos cursos de EJA nos estabelecimentos de ensino, que em geral

dedica um semestre a cada ano do curso regular, reduzindo-se pela metade o período de

presença obrigatória do estudante na escola, é uma justificativa objetiva. Mas também se

pode perguntar: o que se eliminou? E, indo um pouco além: por que se eliminou o que se

eliminou?159

Para tentar responder a essas questões, vamos analisar o tratamento dado ao texto

propriamente dito, indicando trechos transpostos integralmente, reduzidos ou eliminados.

Um obra que se presta a esse fim é a coleção de Ciências da Editora Ática. Já vimos alguns

157 Identificação da gráfica em que o material fora impresso.158 Depoimento concedido por telefone à pesquisadora em dezembro de 2004.159 Paráfrase ao que se diz no ambiente de cursos relacionados com a história das disciplinas escolares: “Porque se estuda o que se estuda?”.

Page 142: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

142

trechos que sofreram modificações quando levantamos casos de reutilização de imagens.

Daremos prosseguimento à leitura desse material, focalizando as alterações operadas no

texto.

4.2.2 Conteúdos Ciências Ática

Tomemos como exemplo o capítulo “O ser humano e o ambiente”, título dado o

capítulo 23 na versão de mercado (com sete páginas) e também capítulo 13 na versão de

EJA (com quatro páginas).

No primeiro exemplar, o capítulo é iniciado com uma foto (suprimida na versão de

EJA), de lixão a céu aberto, que ocupa cerca da metade da página 235, chamando a atenção

do leitor para a existência famílias que freqüentam locais desse tipo para obter o sustento.

Em seguida vem uma atividade sob a classificação de “Mãos à obra: atividade prática ou

experimental”, que solicita aos alunos que façam uma entrevista com pessoas que tenham

mais de 60 anos de idade para descobrir de que o lixo doméstico consistia nas décadas de

1950 e 1960. Isso também foi suprimido na versão de EJA, cujo capítulo citado começa na

página 108.

Vem então a atividade “Discutam estas idéias”:

a) Que materiais e produtos geralmente vão para o lixo de suas casas? Façam uma lista.

b) Retomem o relatório das entrevistas realizadas. Comparem os componenetes do lixo

doméstico produzido nas décadas de 1950 e 1960 com os componentes atuais do lixo

doméstico. Indiquem as principais semelhanças e diferenças.

Trata-se de um tipo de atividade que solicita a participação do aluno, levando-o a

prestar atenção em aspectos do seu cotidiano, a falar sobre eles e a trocar informações com

colegas e outras pessoas do seu grupo social ou comunidade. Analisando os dois capítulos e

as duas obras por completo, podemos perceber que esse tipo de atividade não existe na

versão de EJA, tampouco as proposições de atividades experimentais, como a indicada

anteriormente. A inserção da foto do lixão a céu aberto pode ser entendida como uma

Page 143: Analise Material Eja Marcia Takeuchi

143

tentativa de “evidenciar a necessidade de tratar de temas sociais urgentes — chamados

Temas Transversais no âmbito das diferentes áreas curriculares e no convívio escolar”160,

intenção preconizada pelos PCN, e a expressão da leitura que editores e autores fizeram

dessa demanda curricular.

O texto teórico segue de forma idêntica nas duas versões (páginas 236 e 108,

respectivamente), distribuído em seis parágrafos. Vem então o intertítulo “Tipos de lixo”,

presente nos dois casos, e, apenas na versão de mercado, há a atividade “Trabalhe estas

idéias”, eliminada no livro de EJA, cujo enunciado expomos a seguir161:

Há quem jogue embalagens ou restos de alimento pela janela do ônibus, do carro ou de casa.

Além de constituir um péssimo hábito de higiene pessoal, demonstra falta de cuidado com a

limpeza e o embelezamento de áreas públicas. Favorece, além disso, a ocorrência de

enchentes.

Descubra por que esse tipo de atitude contribui para a ocorrência de enchentes.

Diferentemente da atividade “Discutam estas idéias”, anteriormente discriminada,

que se dirige a grupos de alunos, esta, “Trabalhe estas idéias”, dialoga com o aluno

individualmente, solicitando-lhe que atente para atitudes de cuidado com o seu bem-estar e

o da coletividade e, nesse caso específico, desafia-o a inferir a causa de um problema

público — o entupimento de bueiros — relacionando comportamentos humanos e seus

efeitos possíveis no meio.

Seguem-se seis parágrafos de texto teórico e expositivo (iguais nos dois casos), até

o intertítulo “O destino do lixo” , após o que se percebem algumas manobras efetuadas no

texto na nova edição: uma foto foi reduzida e reproduzida com a mesma legenda; o

parágrafo inicial, que fazia remissão à foto, foi suprimido; um esquema que mostrava a

contaminação da água subterrânea foi eliminado. Fora a supressão das remissões às

160 PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. Introdução. Op. cit., p. 11.161 Esses aspectos seriam mais bem visualizados com a inserção de fotos das páginas e dos trechosmencionados. Porém, para que o arquivo digital não fique pesado demais e o trabalho impresso muitoextenso, optou-se por desenvolver este tópico e os seguintes apenas com base em citações dos textosselecionados, reservando o recurso da reprodução fotográfica à explicitação de aspectos iconográficos erelativos ao projeto gráfico.

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144

imagens, o texto foi reaproveitado quase que integralmente nesse trecho. Uma tabela sobre

o tempo de decomposição de materiais, que constava no final do capítulo na versão

original, passou a integrar o texto teórico. Após a entrada do intertítulo “Como reduzir o

lixo” na versão de mercado, que mudou para “Como reduzir o volume de lixo” na versão de

EJA (talvez porque o editor de texto tenha julgado conceitualmente mais correto), percebe-

se que também se suprimiu a atividade “Trabalhe esta idéia” no segundo exemplar. A

atividade mostra uma foto de uma pessoa depositando recipiente de vidro em contêiner

destinado a reciclagem e solicita ao aluno que descubra por que a atitude exibida na

imagem ajuda a reduzir o lixo no ambiente.

Os parágrafos seguem com poucas alterações significativas, como a eliminação de

remissões a capítulos anteriores (pois isso difere nas duas versões) e a quebra de parágrafos

(que deve ter sido promovida pelo editor não na edição de texto, mas na liberação da prova

com vistas a que o texto final ocupasse mais espaço e não restasse tanto espaço em branco

nessa página). O texto que entrava dentro de um boxe de leitura complementar foi

transposto, dando seguimento às atividades finais.

Aqui também se percebem interferências distintivas entre uma edição e outra. Na

versão destinada ao mercado, este capítulo apresenta dois tipos de atividade (além daquelas

“Discutam/Trabalhe esta idéias”): “Integrando o conhecimento”, com questões mais ligadas

à cobrança de conteúdos, e “Em grupo: ligados no ambiente”, com a proposição de

observação de uma foto de turistas em ambiente natural e inferência e discussão de

questões a ela relacionadas. Na versão de mercado também apresenta a seção “Você vai

gostar de ler”, que indica ao aluno algumas obras de leitura complementar.

Um estudo conseqüente do conteúdo não pode deixar de considerar as

recomendações indicadas como parâmetro curricular ou proposta curricular, que se

constituem num currículo prescrito ou numa tentativa mais próxima de homegeneização de

conteúdo. Nesse sentido, os PNLD entendem que a atenção para os temas sociais é urgente

e uma tarefa educativa que se preze deve necessariamente levar em consideração a

dinâmica social e visar sobretudo à integração do aluno na escola, na sociedade e no

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145

mundo. A formação cidadã almejada subentende a noção de aprendizagem como

compromisso e responsabilidade do próprio aluno, e à escola cabendo o papel de se

constituir como um “ambiente de construção de conhecimentos e de desenvolvimento de

sua inteligências, como suas múltiplas competências”162.

A Proposta Curricular para Educação de Jovens e Adultos também almeja a

“educação cidadã”:

O ensino de Ciências Naturais para jovens e adultos fundamenta-se nos mesmos objetivos

gerais do ensino voltado para crianças e adolescentes, uma vez que a formação para a

cidadania consitui meta de todos os segmentos e modalidades da escolaridade.

Cada um dos objetivos dos Parâmetros Curriculares Nacionais — Ciências Naturais, dirigidos

para 5ª a 8ª série (alunos entre 7 e 14 anos), está comentado a seguir, ressaltando aspectos

fundamentais para a Educação de Jovens e Adultos.

[…]

Formular questões, diagnosticar e propor soluções para problemas reais a partir de elementos

das Ciências Naturais, colocando em prática conceitos, procedimentos e atitudes

desenvolvidos no aprendizado escolar.

[…]

Saber combinar leituras, observações, experimentações e registros para coleta, comparação

entre explicações, organização, comunicação e discussão de fatos e informações.

[…]

Valorizar o trabalho em grupo, sendo capaz de ação crítica e cooperativa para a contrução

coletiva do conhecimento.163

Sobre o trabalho em grupo, o documento ainda enfatiza:

Por meio dos trabalhos individuais, os alunos desenvolvem e sistematizam suas próprias

explicações para os fenômenos. Daí a importância desse tipo de prática. Já os trabalhos em

grupo permitem e estimulam o confronto de explicações e argumentos, possibilitando a

162 PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. Introdução. Op. cit., p. 10-1.163 PROPOSTA CURRICULAR PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS. v.3. Op. cit., p. 80-3.

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146

desestabilização de opiniões arraigadas. Esse processo, responsável pelos avanços no

conhecimentos dos temas, não ocorre no trabalho individual.

E, concluindo o comentário desse último objetivo, a proposta reforça seu

engajamento na luta pela paz no convívio social por meio da admistração dos conflitos

interpessoais e das diferenças e pelo trabalho dirigido ao desenvolvimento dos valores de

convivência e integração social:

Além disso, no trabalho em grupo o aluno adulto aprende a respeitar a pluralidade de opiniões

sobre cada assunto e tem ainda a oportunidade de perceber-se como um dos responsáveis

pela formação dos colegas. É papel do professor de EJA desenvolver em seus alunos essa

consciência sobre a construção coletiva do conhecimento.

Partindo da consideração desses pressupostos, podemos auferir que na transposição

de conteúdos de edições de mercado ou MEC para EJA, foram eliminadas as partes que se

propunham a dialogar com o aluno, a colher suas noções prévias acerca de determinado

assunto, a levá-lo a observar o entorno, a construir conhecimentos com base na auto-

avaliação e na aferição das mudanças conceituais que ele mesmo percebe ter promovido

com o estudo. Ao que tudo indica, priorizaram-se o que Lafayette Megalle, o editor

anteriormente citado, nomeou de textos “mais próximos do expositivo”, além de atividades

que se restringem a perguntas objetivas, cujas respostas são calcadas no texto teórico.

Suprimiram-se também as atividades práticas e em grupo, louvadas como estratégia de

efetivação da formação cidadã.

Vale observar ainda as páginas pós-textuais presentes em cada edição de Ciências

dessa Editora. Na versão de mercado, encontramos glossário com imagens coloridas (mapa,

fotos), bibliografia, 16 páginas de exercícios de revisão, um caderno de experimentos de 48

páginas com atividades consumíveis (preto-e-branco). Na versão de EJA há apenas um

glossário não-ilustrado e a bibliografia.

Como do levantamento que fizemos identificou-se que a grande mudança

concentrou-se nas atividades, vamos analisar esse aspecto com um pouco mais detalhes no

tópico seguinte.

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147

4.3 Atividades

Um pouco do que desenvolveremos agora já foi adiantado em tópicos anteriores,

quando vimos exemplos de reaproveitamento de material iconográfico e de mudanças

operadas no texto. Aqui também nos deteremos ao estudo de poucos exemplares, pois não

caberia uma análise extensiva de todos os livros que foram reunidos, uma vez que os

aspectos implicados nesse tipo de trabalho são de naturezas variadas e não se esgotariam

apenas num item de dissertação como este.

Também é preciso assinalar que, por estarmos analisando as atividades e as

confrontando com a Proposta Curricular para Educação de Jovens e Adultos, divulgada no

ano de 2002, só poderemos desenvoler este item do trabalho com livros da Ática, pois os da

FTD a que a pesquisadora teve acesso datam de 2001 — muito embora se tenha registrado

a declaração de um editor da FTD que a elaboração de um projeto para EJA “partindo do

zero” e baseado no currículo proposto seria inviável, inclusive na época em que o

depoimento foi concedido (dezembro de 2004).

Apesar desse corte restritivo, os resultados podem ser significativos, como veremos

a seguir.

A análise desenvolvida no tópico anterior já adiantou um pouco da explanação que

faremos aqui.

As atividades estão intimamente relacionadas à noção do que se quer avaliar do

aprendizado do aluno.

Como afirma André Chervel,

Se os conteúdos explícitos constituem o eixo central da disciplina ensinada, o exercício é a

contrapartida quase indispensável. […] Sem o exercício e seu controle, não há fixação

possível de uma disciplina. O sucesso das disciplinas depende fundamentalmente da

qualidade dos exercícios aos quais elas podem se prestar. 164

164 CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Op. cit., p.204.

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148

Vamos então discriminar as atividades propostas nos livros de Ciências da Editora

Ática:

4.3.1 Atividades Ciências Ática

Um levantamento das atividades da coleção destinada ao mercado identificou estes

tipos de atividade:

“Trabalhe esta(s) idéia(s)” e “Discuta esta(s) idéia(s)” — solicitam a

participação do aluno e o leva a antecipar determinado conteúdo conceitual que

será exposto ao longo do texto a partir de observação de aspectos do cotidiano,

do meio natural ou social, do seu corpo, etc.;

“Integrando o conhecimento” — basicamente, atividades de cobrança de

conteúdo conceitual, com maior ou menor necessidade de reflexão e

estabelecimento de relações entre conceitos dados;

“Mãos à obra: atividade prática ou experimental”;

“Em grupo…” — a proposta desse último tipo de atividade, cujo título explicita

que deve ser realizada em grupo, aparece discriminada segundo o tipo de

habilidade que se quer desenvolver. São elas, basicamente: leitura de mapas;

pesquisa; análise de esquemas; coleta de informações sobre o município, o

estado ou país; relacionamento de conceitos; redação; observação de atitudes ou

atividades humanas; entrevista; retrospectiva de conceitos estudados; coleta de

material veiculado na mídia; debate; expressão oral.

Agora se pode indagar: quais desses tipos de atividade foram transpostos para EJA?

Apenas as do grupo “Integrando o conhecimento”, muitas vezes modificadas de modo a

que se tornassem ainda mais objetivas e a que o aluno pudesse encontrar as respostas

esperadas prontamente no texto anteriormente exposto. Em alguns capítulos dos livros de

EJA, houve inserção de questões do Encceja/2002 (Exame Nacional de Certificação de

Competências de Jovens e Adultos).

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149

4.3.2 As atividades e o currículo

As atividades explicitam o que se quer que o aluno fixe do conteúdo trabalhado e

dão pistas sobre as formas válidas para avaliá-lo.

A inserção de questões extraídas do Encceja evidenciam que o entendimento dos

editores a respeito de uma das expectativas do leitor: a certificação. Oferecer esse tipo de

atividade dá a entender que a obra se alinha com essa intenção e se constitui num meio de

obtenção desse objetivo.

Salvo essa estratégia, claramente focalizada no estudante de EJA, que outras

interferências podem ser discriminadas como favorecedoras de uma aproximação entre a

obra e o seu público? Que idéias pedagógicas podem ser identificadas pela análise das

atividades remanescentes, extraídas da fonte original e transpostas para EJA?

A abordagem proposta no grupo de exercícios do tipo pergunta-e-resposta,

organizados linearmente, cobrindo o conteúdo conceitual exposto, insinua uma

característica comumente verificada em livros didáticos de cerca de 30 anos atrás, antes do

PNLD, tão combatidos em suas primeiras avaliações: livros “conteudistas”, tradicionais,

que cobram tão-somente a capacidade de memorização do aluno.

Com as reflexões sobre os currículos e a proposição de um relacionamento

interdisciplinar entre eles ocorridas na década de 1980 no Brasil, a noção de aprendizagem

foi revista, assim como a de conhecimento, avaliação e conteúdo. Este último passou a

remeter a conceitos, atitudes e procedimentos, que subentendem um aluno ativo diante do

aprendizado.

O fato de as atividades suprimidas serem justamente as que mais se aproximavam

desse referencial, inclusive do que norteia a Proposta Curricular para EJA, faz-nos

questionar se isso ocorreu por acaso, por reminescência de uma prática característica do

passado ou por certa representação do público-alvo.

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150

4.4 O manual do professor

Um elemento que estabelece um diálogo com o professor e que também deve

explicitar as idéias pedagógicas que nortearam a escrita e a edição de uma obra didática é o

manual do professor.

Os PNLD estabeleceram um peso importante à coerência entre o que se apregoa que

a obra possui no manual do professor e o que de fato ela oferece no miolo, a parte destinada

ao aluno — o texto teórico, sua organização, seu conteúdo e desencadeamento, a natureza

das atividades e avaliações propostas. Desse modo, é comum encontrarmos nos livros

aprovados pelo MEC manuais relativamente mais desenvolvidos e ricos que nos outros

tipos de livros didáticos. E, na maioria dos casos, esses manuais acabam sendo

incorporados na versão de mercado.

4.4.1 Manual Ciências Ática

Conforme vimos no capítulo 3 deste trabalho, o número de páginas do manual da

obra de Ciências na versão de mercado dessa Editora varia de acordo com a série: o livro de

5ª série tem 96 páginas; o de 6ª tem 104; o de 7ª, 88; e o de 8ª, 160 páginas. Todos os

volumes, no entanto, compõem-se de uma parte geral comum e, em específicas, aquelas

que dizem respeito ao trabalho com a série a que o livro se destina, nas quais inserem textos

para o professor, respostas das atividades, bibliografia adicional ao professor. Esse mesmo

manual consta tanto na versão de mercado quanto na versão do MEC.

O manual que se observa na edição de EJA, entretanto, compõe-se apenas das

respostas das atividades propostas ao longo do livro. Não se observa, portanto, um diálogo

com o professor de EJA, não se oferecem subsídios teóricos adicionais para a condução das

aulas, como lidar com atividades experimentais, como planejar diversas atividades,

tampouco há uma oferta de bibliografia, textos, sites, filmes para consulta e enriquecimento

da prática pedagógica e atividades adicionais — itens que constam nas outras versões.

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151

4.4.2 Manual Geografia FTD

Dos exemplares de EJA disponibilizados para a pesquisa, apenas um deles era o do

professor. Era o de Geografia 4ª etapa; os demais apresentavam um carimbo com a

inscrição “Exemplar para análise — cortesia da Editora FTD S.A.” , que possivelmente se

destinasse à doação ao docente.

No contato telefônico estabelecido com o editor da FTD, foi-lhe perguntado sobre

como era o manual do professor, ao que ele comentou, rapidamente, que esse material

constituía apenas das respostas das atividades. O mesmo editor também comentou

rapidamente que a maioria das obras que têm uma edição na versão de EJA se apresentam

com o mesmo conteúdo tanto no MEC quanto no mercado.

Considerando que os comentários desse editor atendiam na ocasião a perguntas

secundárias às principais questões formuladas pela pesquisadora, cabe atentar para que não

se generalizem as afirmativas para todas as versões MEC e sua contrapartida de mercado.

Sabe-se que as reformulações obedecem a imposições diversas, como a concorrência, a

queda nas vendas, o próprio prazo de inscrições ao PNLD, e esse fatores podem determinar

ambos os materiais, resultando diferenças circunstanciais entre essas duas versões. O que se

quer dizer aqui é que, “cada caso é um caso”, mas, atualmente, percebe-se uma

aproximação entre essas duas versões.

Mesmo não tendo diversos exemplares para comprovar minhas suposições e o que

se afirmou acima sobre o livro do professor de EJA, vale identificar os elementos que

constituem o manual de Geografia nas duas versões.

Na edição destinada ao mercado (os livros analisados foram os de 5ª e 6ª séries),

esse manual é constituído de 48 páginas e é impresso em preto-e-branco. Tal como ocorre

nos livros da Editora Ática indicados no item anterior, há uma parte que é comum a todos

os volumes e uma específica. Vamos transcrevê-las aqui:

Um breve histórico do ensino de Geografia

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152

A construção do conhecimento

Geografia e constução do conhecimento

A concepção desta coleção

Habilidades operatórias e competências

Procedimentos

Leitura de imagens

Leitura de gráficos e tabelas

Resolução de problemas

Painel

Estudo do meio e pesquisa

As seções que você vai encontrar no livro

Avaliação

Estrutura da obra

A Geografia no 3º ciclo do ensino fundamental

Estrutura do volume 1 — 5ª série165

Conversando sobre os capítulos

Bibliografia do professor

Respostas possíveis

O sumário desse manual apresenta conceitos que expressam certo alinhamento com

algumas idéias contidas nos PCN e nos discursos que se orientavam para uma revisão das

noções de aprendizagem, conhecimento, concepções acerca do aluno e do professor:

“construção do conhecimento”, “habilidades”, “competências”, “procedimentos”.

Já no caso de EJA, o manual é menos enxuto que o da outra Editora na interlocução

com o professor, pois, além das respostas, apresenta trechos relativos a “A concepção desta

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153

coleção”, “Estrutura da obra” e “ Bibliografia”, e compõe-se de 8 páginas em preto-e-

branco.

Percebe-se também nesse caso uma economia de recursos em relação à edição de

origem.

4.4.3 O manual do professor e o destinatário

Nas versões de mercado das duas Editoras, podemos perceber certo esforço

dialógico com um destinatário, dando-se a ver que certas premissas estão sendo cumpridas,

no caso, a atualização da concepção de ensino de que se vestem as obras. Talvez o

destinatário seja o avaliador do MEC, embora os exemplares estudados fossem de mercado,

talvez smplesmente o professor.

De qualquer maneira, não é exagero afirmar que, em certa medida, os PNLD têm

formatado os livros didáticos, quer na apuração dos conceitos, na seleção dos conteúdos, na

natureza das atividades, nos recursos oferecidos ao professor. Também em certa medida,

essa formatação se estende aos livros voltados para as escolas particulares, visto que várias

edições acabam sendo aproveitadas tal e qual tanto no governo quando no mercado.

Com base nisso talvez se possa afirmar que a inexistência de um programa de livros

didáticos de EJA facilita esse tipo de atitude por parte dos editores, resultante de

alheamento a esse público específico (estudantes e professores), desconhecimento ou

indiferença, que poderiam ser superados pela necessidade de se atender a certos parâmetros

ou referenciais impostos por um programa governamental. Também é possível que a

inexistência de um sistema de ensino minimamente homogêneo em termos nacionais

dificulte aos editores auscultar o tipo de livro que mais atenderia à demanda desse professor

tão diversificado — ou indistinto. Visto que o livro didático se presta à homogeneização de

conteúdos tidos como legítimos em certo lugar e período da história, é válido afirmar que a

configuração pulverizada em que se encontram os materiais didáticos de EJA e a forma

165 Aqui começa a diferenciação: volume 2 — 6ª série/ volume 3 — 7ª série/ volume 4 — 8ª série.

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154

secundária em que eles se materializam expressam a imprecisão do respectivo sistema de

ensino.

4.5 A divulgação

As Editoras selecionam originais, editam a obra e a publicam. Se ela não tiver um

braço na empresa que possa comercializar o produto — uma livraria —, terá de vendê-lo

por meio de livrarias, distribuidores ou professores. Todos esses personagens obtêm os

títulos com desconto da Editora e os repassam ao consumidor final, o aluno. 166

Quem usa e compra o livro didático é o aluno, mas quem define a sua adoção é o

professor. As Editoras de livros didáticos disputam o nicho das escolas, fazendo chegar ao

maior número possível de escolas uma amostra de seus produtos. A amostra, nesse caso, é o

livro do professor.

Quando os livros se destinam ao mercado de escolas particulares, a divulgação deve

ocorrer em tempo hábil para que o professor possa receber o exemplar, analisá-lo e, no

início do período letivo (começo do ano), indicar o seu uso. Por isso, a divulgação de livros

didáticos para essa fatia do mercado (escolas particulares) costuma ocorrer a partir de

setembro de cada ano, para que o professor possa adotá-lo no início das aulas do próximo

ano letivo. Já quando o comprador é o governo, o período em que os divulgadores saem a

campo fica atrelado à divulgação do resultado da avaliação pelo MEC (e divulgação do

Guia de livros didáticos). Para essa operação as Editoras costumam imprimir exemplares

do professor da versão apresentada à avaliação, e a tiragem depende das estratégias que se

adotam para cada coleção. Em geral, nesse caso, a escala é de dezenas de milhar (10, 20, 50

mil exemplares do professor).

Esses dados nos permitem entender por que é difícil às Editoras pequenas fazer

chegar seus produtos aos professores. Não raro elas possuem títulos bem avaliados pela

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155

MEC, mas não obtêm resultados expressivos nas vendas. Isso se deve ao fato de elas não

terem condições de imprimir uma quantidade razoável de exemplares aos professores e sair

em campo em tempo hábil. Imprimir tamanha quantidade de livros, que são doados e cujo

retorno é incerto, requer capital, poder de negociação com gráficas e outros fornecedores de

serviço, recrutamento e treinamento de pessoal para divulgação (mesmo que em caráter

temporário). Algumas dessas Editoras pequenas chegam posteriormente a vender seus

títulos (já avaliados e aprovados pelo MEC) a grandes Editoras.

Aos professores cabe tomar conhecimento do Guia no qual constam as coleções

aprovadas na avaliação167, analisar o que os especialistas disseram de cada obra e escolher a

que mais se adequa ao seu trabalho pedagógico e à linha adotada por ele e pela unidade

escolar. Nesse processo, pode ocorrer de um livro que vinha sendo adotado por ele há

algum tempo ser excluído na avaliação, o que lhe custará a opção por outra coleção e

adaptar o seu trabalho e os alunos a ela.

Do que foi exposto, podemos identificar dos segmentos básicos de atuação das

Editoras de livros didáticos: um voltado para o mercado de escolas particulares, o outro

voltado para o governo. Tal segmentação se reflete no processo produtivo (organogramas,

lançamentos, mão-de-obra) e na divulgação (para o mercado particular, terceiro trimestre

do ano; para o governo, período incerto).

As Editoras vêm o governo como a fonte mais garantida de retorno recursos e nele

destinam todos os seus esforços, decisão que afeta o processo produtivo outrora assentado

em outras bases para a produção de livros voltados ao mercado de escolas particulares, com

periodicidade definida. Antes dos PNLD as Editoras de livros de didáticos em geral tinham

um ritmo de trabalho em certa medida previsível e definido. As etapas de entrada de

originais, edição, preparação, diagramação ou paginação, revisão, produção e impressão

166 Célia Cassiano (Op. cit.) estudou em profundidade em sua dissertação o processo de escolha, divulgação eadoção de livros didáticos. Aqui faremos apenas uma rápida descrição de alguns desses itens.167 O processo de avaliação das coleções pelos especialistas de área leva, em geral, mais de um ano. Para oPNLD 2005, por exemplo, o edital de convocação foi emitido em final de 2002, o prazo de inscrição dasobras pelas editoras foi final de julho daquele mesmo ano e o resultado da avaliação (a publicação do Guiapelo MEC) ocorreu em janeiro de 2004.

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156

obedeciam a certo cronograma estabelecido conforme o ano letivo: em setembro os livros

deviam estar prontos para a divulgação.

Esse fluxo de trabalho se alterou com a implementação dos PNLD, pois as Editoras

passaram a organizar sua produção de uma “data provável” de publicação do edital de

convocação e a conciliar a manutenção de seu acervo voltado para o mercado e seus

lançamentos. O espaço que as obras de EJA ocupam na esteira produtiva dessas Editoras

subordina-se, portanto, ao grau de premência dos dois materiais prioritários — o MEC e o

mercado. Talvez isso elucide por que as duas Editoras analisadas optaram pelo

reaproveitamento de material e a economia de recursos — sem que se justifiquem, louvem

ou condenem essas medidas.

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157

5. Considerações finais

Todo o esforço de explicitação de dados anteriormente expostos tentou situar os

livros didáticos de EJA, nosso objeto de estudo, em relação aos demais produtos editoriais

no circuito produtivo de duas Editoras. O fato de, no momento da realização da pesquisa, só

duas das empresas classificadas no ranking das Editoras como “grandes” produzem esse

tipo de material, já revela em si relativo desinteresse por esse projeto.

A pulverização de publicações destinadas à EJA em outros tipos de instituições,

comerciais ou não, expressa a política de terceirização que vem sendo adotada pelos

governos em relação a aspectos de destinação social, entre eles a educação. Essa tendência

veio ao encontro dos movimentos sociais que se configuraram no país a partir dos anos

1980, que instituíram a ação de formas organizativas, como entidades sem fins lucrativos,

associações de moradores de bairro, na efetuação de funções antes restritas aos poderes

públicos. Da confluências de tais movimentos e do interesse das gestões de políticas

neoliberais, institucionalizaram-se essas organizações não-governamentais, delegando-se a

elas as atribuições antes respondidas por esferas governamentais. E a existência de grande

número de títulos de EJA distribuídos de forma não-sistemática, diferentemente da

veiculação dos demais produtos editoriais, é um aspecto dessa conformação política.

A análise das duas coleções de EJA das duas únicas Editoras que apresentavam esse

produto no período do desenvolvimento deste trabalho mostrou que elas foram elaboradas a

partir de materiais pré-existentes, configurando-se como um subproduto.

A estratégia de recortar e colar não é tão nova assim. Nesse sentido, as duas únicas

Editoras que se prestam a se lançar nesse nicho de mercado — no momento da realização

desta pesquisa, é sempre importante ressaltar —, eram também as duas maiores empresas

do ramo, não usaram de ações inovadoras. Curioso que a opção de “vulgarização” de obras

já consagradas, sua facilitação a um público economicamente menos favorecido já foi uma

estratégia usada por editores franceses há mais de três séculos — refiro-me aos editores de

Troyes na composição da Biblioteca Azul, publicando-se versões mais baratas e de

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158

circulação popular de textos já editados168. E, se as nossas Editoras atuais não estão sendo

inovadoras nas estratégias adotadas no projeto, tampouco estão sendo nas intenções que as

mobilizaram a ele. Redimensionando espaço, tempo e sujeitos, percebemos a permanência

da estratégia editorial — baseada na concepção de um público leitor sem identidade

temporal, espacial e como sujeito da história.

Se de fato a política pública do PNLD melhorou a qualidade dos livros didáticos,

talvez o mesmo possa se vislumbrar em relação aos livros de EJA se se instalar uma

política específica. Para o bem ou para o mal, do ponto de vista dos editores, que poderão

reclamar do valor negociado pelo produto com o governo, talvez as revisões que se fizeram

sobre as idéias pedagógicas, a prática pedagógica, o estudante, a criança de sete a quatorze

também tenha sua contrapartida a aspectos atinentes ao público de EJA. O aspecto singular

é que, se a política der certo, ela será relativamente breve, de curta duração, pois terá

disseminado a escolarização a esse público que sempre esteve à margem das prioridades

educacionais, que com a ação educativa terá deixado de existir ou ao menos se reduzido

consideravalemente.

168 A esse respeito, ver, entre outras obras: CHARTIER, Roger. Do livro à leitura. In: CHARTIER, Roger (org.).Práticas da leitura. São Paulo, Estação Liberdade, 2001. p. 77-105.

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159

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Epígrafe

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ANEXO