Analise Historia Da Provincia de Santa Cruz
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“A causa principal que me obrigou a lançar mão da presente história, e sair com ela a luz, foi por não haver até
agora pessoa que a empreendesse, havendo já setenta e tantos anos que esta província é descoberta”...
Trecho do "Prólogo ao leitor" |
Com essas palavras Pero Magalhães de Gândavo abre o Prólogo ao leitor da sua História da Província de Santa
Cruz, o primeiro livro inteiramente dedicado ao Brasil escrito por um autor português.
Esta obra de Gândavo hoje ocupa um incontestável e merecido lugar de destaque: considerada “a primeira
história do Brasil”, leitura obrigatória para os interessados no período colonial, foi recentemente objeto de
excelentes edições comentadas e diversos trabalhos acadêmicos. É difícil imaginar, diante disso, que este relato
pioneiro tenha permanecido escondido do mundo durante os trezentos anos que se seguiram à sua primeira
impressão em 1576. Mas a verdade é que a atenção em torno da obra de Gândavo só teve início no século XIX,
depois da tradução francesa de Henri Ternaux em 1837 – até então, o livro de Pero de Magalhães havia sido
deixado em relativo esquecimento pelos portugueses, como observa o tradutor em seu prefácio:
“Desgraçadamente, a indiferença dos portugueses e espanhóis, mesmo para os seus melhores autores, impediu
que esta obra fosse outra vez reimpressa. Tornou-se tão excessivamente rara, que não se encontrariam agora
senão três ou quatro exemplares; não se acha em nenhuma Biblioteca Pública de Paris, e é raramente citada pelos
autores portugueses que têm tratado do Brasil”. De fato, os séculos XVII e XVIII só viram surgir duas cópias
manuscritas – anônimas – do livro impresso em 1576, que circularam obscuramente entre aficionados em Portugal.
Duas décadas depois da tradução de Ternaux, surgem duas novas edições impressas portuguesas da “História”, as
duas no ano de 1858: uma oferecida pela Academia de Ciências, a outra pelo Instituto Histórico e Geográfico –
ambas agora disponíveis em versão digital na Brasiliana-USP. O “esquecimento” secular da obra de Gândavo se
insere no contexto geral das discussões sobre o lugar reservado pelos portugueses às notícias, relatos de viagens
e descrições das suas possessões na América ao longo do século XVI. Interpretado por alguns historiadores como
simples desprezo, e por outros como estratégia diplomática perspicaz, esse “esquecimento” – ou segredo ? –
resultou, de todo modo, na dificuldade que hoje encontramos na tarefa de contextualizar algumas dessas obras e
seus autores.
É esse certamente o caso da “História” de Gândavo: pouco se sabe sobre o autor e o contexto da construção de
seu relato, estando hoje em debate até se Pero Magalhães algum dia chegou a colocar os pés nas terras que
descreve no livro. Alguns especialistas consideram mais provável que Gândavo tenha reunido as informações
apresentadas na “História” ao longo dos anos que antecedem a publicação do texto, quando teria trabalhado nos
arquivos da Torre do Tombo justamente com a tarefa de reunir e traduzir papéis relativos à ocupação das colônias.
Outros, ainda, afirmam que Pero Magalhães teria estado na verdade na Índia enquanto escrevia a primeira história
do Brasil... Nas obras listadas mais abaixo, o leitor poderá encontrar discussões extremamente interessantes em
torno deste tema. No texto de Gândavo, por outro lado, o que o leitor vai encontrar são momentos de grande
prazer de leitura. A obra é apresentada por ninguém menos que Luís de Camões, que ofereceu tercetos e sonetos
inéditos para anteceder as páginas em que Magalhães “tece sua breve história para ilustrar a terra Santa Cruz
pouco sabida”. Camões e Gândavo foram contemporâneos e companheiros em diferentes contextos – entre os
quais, o de compartilharem a mesma oficina tipográfica, de Antonio Gonçalves. A obra de Gândavo é, na esfera
historiográfica, também companheira da obra de Camões, no seu desejo de elevar e imortalizar os grandes feitos
dos portugueses. Na sua “História”, Gândavo relata as “cousas dignas de grande admiração” que há nesta
província, para “dá-las a perpétua memória, como costumavam os Antigos: aos quais não escapava coisa alguma
que por extenso não reduzissem a história, e fizessem menção em suas escrituras de coisas menores que estas,
as quais hoje em dia vivem entre nós como sabemos, e viverão eternamente”
E por fim, tenha sido ou não o autor “testemunha de vista” (como diz ter sido) dos acontecimentos e das cenas
dignas de admiração que relata, uma coisa é certa: o texto de Gândavo é tão vivo, corre com um estilo tão limpo e
fluente, que as imagens que ele desenha com as palavras se levantam vivas diante dos olhos do leitor: imagens de
rios caudalosos e seus peixes estranhos; imagens de tatus, onças e antas; imagens de batalhas medonhas e
terríveis monstros marinhos... Quase nos sentimos “testemunhas de vista” nós, que o lemos quase quinhentos
anos depois.