Análise geográfica da letra da música asa branca

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Análise Geográfica da letra da Música Asa Branca Quando olhei a terra ardendo como fogueira de São João. Eu perguntei, a Deus do céu, por quê tamanha judiação! Que braseiro, que fornalha, nem um pé de plantação. Por falta d´água, perdi meu gado morreu de sede meu alazão. Até mesmo Asa branca bateu asas de sertão. Então eu disse, adeus Rosinha guarda contigo meu coração. Hoje longe muitas léguas numa triste solidão. Espero a chuva cair de novo pra mim vortá pro meu sertão. Quando o verde dos teus olhos Se espalhar na prantação. Eu te asseguro, num chore não, viu? Que eu voltarei, viu, meu coração. Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira-1947

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Análise Geográfica da letra da Música Asa Branca

Quando olhei a terra ardendo

como fogueira de São João.

Eu perguntei, a Deus do céu,

por quê tamanha judiação!

Que braseiro, que fornalha,

nem um pé de plantação.

Por falta d´água, perdi meu gado

morreu de sede meu alazão.

Até mesmo Asa branca

bateu asas de sertão.

Então eu disse, adeus Rosinha

guarda contigo meu coração.

Hoje longe muitas léguas

numa triste solidão.

Espero a chuva cair de novo

pra mim vortá pro meu sertão.

Quando o verde dos teus olhos

Se espalhar na prantação.

Eu te asseguro, num chore não, viu?

Que eu voltarei, viu, meu coração.

Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira-1947

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“ Quando olhei a terra ardendo,

como fogueira de São João.

Eu perguntei, a Deus do céu,

por quê tamanha judiação!”

No primeiro verso, descreve o tipo de solo da região das secas, uma

terra vermelha, quente como o fogo da fogueira, porém transmite a alegria, a

cultura desse sertanejo quando fala da festa junina. No segundo verso trata da

questão da crença, onde são predominantemente católicos tendo a devoção do

Padre Cícero, abordando a questão da religiosidade fazendo um pedido para

que a “água”, a chuva, amenizasse o tempo climático, pois segundo AB’SABER

(2003, p.85), no período seco há a predominância de nuvens esparsas, mas

não chove, entretanto na estiagem os sertões funcionam, muitas vezes, como

semidesertos nublados.

“Que braseiro, que fornalha,

nem um pé de plantação.

Por falta d´água, perdi meu gado

morreu de sede meu alazão.”

Na primeira frase, relata a comparação do ‘braseiro, fornalha’ ao calor

intenso que é o Sertão, tendo o clima semi-árido na região do polígono da seca.

Conforme AB’SABER (2005, p. 85), quando as árvores perdem as suas folhas,

os solos se ressecam e os rios perdem a correnteza, enquanto o vento seco

vem com os bafos de quentura. E na frase seguinte mostra o baixo índice de

pluviosidade e também nos remete a uma questão polêmica:será que a

transposição de parte do rio São Francisco seria a solução?

Nisso SAUER apud SANTOS (1997, p. 64), considera dois tipos de

paisagem, a natural e a artificial, pois a transposição será feita através da

canalização de parte do rio São Francisco; e argumenta que a medida que o

homem se defronta com a natureza,há entre os dois uma relação cultural, que é

também política ou técnica. Com isso, a territorialidade é entendida como

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tentativa de um indivíduo ou grupo de atingir, influenciar ou controlar pessoas,

fenômenos e relacionamentos através da delimitação e controle sobre uma área

geográfica. (SACK apud HAESBAERT. 2002, p.19)

Conforme HAESBAERT (1988, p.19), o espaço está reduzido pelos

marxistas, onde o conceito de região tenderia a desaparecer, pois reconhece

nele um espaço vivido e que a própria delimitação política e o polígono da seca

acaba forçando uma identidade. Nessa abordagem materialista dialética, a

região passa a ser concebida como produto da desigualdade sóco-espacial

intrínseca ao desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo.

“ Até mesmo Asa branca

bateu asas de sertão.

Então eu disse, adeus Rosinha

guarda contigo meu coração. ”

De acordo com SANTOS (2006, 328), o conceito de desterritorialização,

onde o movimento se sobrepõe ao repouso, e com isso a desculturalização

surge no primeiro trecho da música que aponta a migração, no qual o

nordestino ao ir para uma cidade grande deixará uma cultura herdada para se

encontrar com outra e nisso defronta-se com um espaço que não ajudou a criar.

Já no segundo verso traduz a relação do lugar associando ao espaço vivido,

onde existe uma afetividade, um envolvimento, nesse caso a Rosinha. E o

sentimento de pertencimento é o que determina e classifica o espaço, e ao

mesmo tempo a afetividade que o povo projeta a um lugar, insuficiente para

compreender a fenomelogia ou o espaço vivido (TORRES, 2006,p.5).

“ Hoje longe muitas léguas

numa triste solidão.

Espero a chuva cair de novo

pra mim vortá pro meu sertão.”

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Citando HAESBAERT (2004, p.127), no outro verso o local onde esses

migrantes se deslocaram já possui a sua territorialidade, ocasionando a re-

territorialização, pois ao retornar ao seu Sertão, o sertanejo volta com mais

experiências vividas dos lugares que se estabeleceram.

“ Quando o verde dos teus olhos

se espalhar na prantação.

Eu te asseguro,num chore não,viu?

que eu voltarei,viu, meu coração. ”

A expressão verde dos teus olhos reflete o tipo de vegetação do Sertão,

que é a caatinga, pois na língua Tupi Guarani significa mata branca, nisso os

galhos sem folhas, outros com folhas secas e uma coloração cinza-

esbranquisada. AB’SABER (2006, p.85) nos ilucida em afirmar que quando

chegam as primeiras chuvas, as árvores e arbustos de folhas miúdas e

múltiplos espinhos protetores entremeados por cactáceas empoiradas, tudo

reverdece. Sendo que a existência de água na superfície dos solos, em

combinação com forte luminosidade dos sertões, restaura a funcionalidade da

fotossíntese e nisso o verde designa, o rebrotar.

De acordo com TORRES (2006, p.13), no último verso, representa que

cada indivíduo quer ocupar “seu espaço” se manifestar através de sua região,

através de suas ações sobre os objetos da paisagem através de suas

manifestações simbólicas ou concretas, não importando o lugar onde ele tenha

escolhido para seu “assentamento espacial”.

Feita a análise da letra de Asa Branca, buscamos nos conceitos de

HAESBAERT apud CORREA (2000, p.170), no que se refere ao processo de

globalização colocando uma tríade conceitual para se compreender a

desterritorialização: território, onde prevalece a política; a rede, prevalecendo a

economia, e os aglomerados de exclusão, em que os indivíduos perdem seus

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laços com o território e passam a viver numa mobilidade e insegurança atrozes,

como por exemplo em grupos de sem-teto; nesse caso os próprios nordestinos.