Análise Econômica Da Propriedade Intelectual

download Análise Econômica Da Propriedade Intelectual

of 30

Transcript of Análise Econômica Da Propriedade Intelectual

  • 5/20/2018 An lise Econ mica Da Propriedade Intelectual

    ECONOMICANALYSIS

    ISSN 1022-4057

    Portugus

    English

    Espaol

    www.ealr.com.br

    LAW REVIEWOF

  • 5/20/2018 An lise Econ mica Da Propriedade Intelectual

    EALR, V. 1, n 1, p. 49-77, Jan-Jun, 2010

    49

    EEEEconomic AAAAnalysis of LLLLaw RRRReview

    As Teorias Rivais sobre a Propriedade Intelectual no Brasil

    Luciano Benetti TimmPUC-RS

    Renato CaovillaAdvogado

    RESUMO

    O objeto do presente ensaio o debate existente

    acerca da relao entre propriedade intelectual epromoo de inovaes e de desenvolvimentoeconmico, por meio da exposio de teoriasrivais. De um lado, expe-se a abordagem AEDsobre o tema e adota-se por premissa a teoriaschumpeterianade desenvolvimento, bem comoa teoria de Douglass North, que expressainstituies, formais e informais, comoestruturas de incentivos aos agentes econmicoscapazes de punir (custo) ou premiar (benefcio)

    o desenvolvimento de inovaes; ainda, ressalta-se a conseqncia da no-proteo das inovaescomo uma tragdia dos baldios. De outro lado,expe-se o resultado da proteo conferida pelapropriedade intelectual como uma tragdia dosanti-baldios, incapaz de trazer benefcios quer promoo de inovaes, quer aodesenvolvimento econmico. Descreve-se aindaa posio da doutrina brasileira que exalta afuno social da propriedade como elemento delegitimao da propriedade, analisando-se asimplicaes e dados brasileiros referentes aotratamento conferido inovao.

    ABSTRACT

    The present essay analyzes the state-of-the-art in

    the debate concerning the interactions betweenintellectual property, innovation and economicdevelopment. On one hand, the treatmentconferred to the theme by the Law &Economics approach is exposed, taking aspremises the Schumpeterian theory of creativedestruction, as well as Douglass Norths neo-institutional theory. Accordingly, a faultyintellectual property protection is considered atragedy of the commons. On the other hand, the

    theory supporting that the consequence of thecurrent protection provided by intellectualproperty and its exclusionary rights is actually atragedy of anticommons. It is also described herethe social function of property theory (sovigorous in Brazil) that considers intellectualproperty as a form of property that should bedevoted to satisfy a social function. Finally, aBrazilian innovation database and someimplications in the country about the

    importance given by the government and societyto intellectual property are analyzed.

    Palavras-chave:AED; Propriedade Intelectual;Inovao; Tragdia dos Baldios; Tragdia dosAnti-Baldios; Funo Social.

    Key words: Law & Economics; IntellectualProperty; Innovation; Tragedy of Commons;Tragedy of Anticommons; Social Function

    JEL:D23, K11, L10 R: 23/10/09 A: 15/3/10 P: 11/6/10

  • 5/20/2018 An lise Econ mica Da Propriedade Intelectual

    As Teorias Rivais sobre a Propriedade...

    50 EALR, V. 1, n 1, p. 49-77, Jan-Jun, 2010

    Universidade Catlica de Braslia - UCB

    1.

    Introduo

    lguns pases so mais ricos do que outros porque as suas economias crescem mais. Para finsde se alcanar o desenvolvimento econmico, o caminho mais adequado, de acordo com ateoria schumpeteriana, em voga entre muitos economistas e aqui adotada como premissa, ode que a inovao constitui-se em fator essencial para este desiderato.1

    Alm disso, o desenvolvimento de inovaes, conforme afirmado por Cooter eSchaefer,2 resultaria do jogo praticado entre agentes a partir dos incentivos institucionais. Dessemodo, boas instituies entendidas aqui como conjunto de regras formais e informais (NORTH) incentivariam inovaes. Dentre essas instituies, os autores citados enfocam as instituiesjurdicas e seu reflexo no desenvolvimento econmico por meio do estmulo combinao entrefinanciamento e inovao. Cooter e Schaefer conferem especial destaque, nesse campo, ao direitocontratual, aos direitos de propriedade e finalmente ao direito societrio e de mercado de capitais.

    Chama a ateno que Cooter e Schaefer no conferem nesse estudo, especial destaque

    propriedade intelectual. Ainda que se possa admitir que seja esta uma forma de direito depropriedade, causa estranheza a ausncia de referncia especfica a este ponto, at porque a literaturajurdica tradicional nos Estados Unidos relativa propriedade intelectual costumeiramentereconhece a importncia desses direitos para a promoo de pesquisa e desenvolvimento em novastecnologias.

    Com efeito, o mesmo Professor Robert Cooter (juntamente com Thomas Ulen), em obra jclssica da abordagem de Law and Economics, defende que os direitos de propriedade intelectualdestinar-se-iam a eliminar uma falha de mercado provocada pela dificuldade que o inovador tem deapropriar o valor social daquilo que produz. Trata-se da nonappropriability, que derivada dascaractersticas, assemelhadas aos bens pblicos, das informaes e das inovaes baseadas nestas.3

    como se a propriedade intelectual viesse a resolver problemas da chamada tragdia dos comuns(tragedy of commons) isto , tendncia exausto derivados do consumo de bens pblicos ou quasepblicos. Por essa razo, deve-se acreditar que, de acordo com essa mesma literatura, ainda que noreferida expressamente, a propriedade intelectual estmulo inovao.

    Essa abordagem da propriedade intelectual vem sendo rivalizada por crticos na Europa ecom grandes reflexos no Brasil (HESTERMEYER, MATHEWS). So autores que afirmam que apropriedade intelectual e seu direito de excluso e de exclusividade geram lucros extraordinrios scompanhias farmacuticas e outras empresas de tecnologia s custas da limitao do acesso daspopulaes carentes a bem essenciais. So autores que defendem, no mbito internacional, umainterpretao do TRIPS (Acordo no mbito da Organizao Mundial do Comrcio sobre padres

    mnimos de proteo da propriedade intelectual) luz de Convenes Internacionais sobre DireitosHumanos, Sociais e Econmicos no mbito da ONU (Organizao das Naes Unidas); e, nombito domstico, uma interpretao das leis de propriedade intelectual luz da ConstituioFederal da Repblica do Brasil e dos direitos fundamentais individuais e sociais.

    Vale dizer, as polticas pblicas de sade no poderiam ficar refns dos direitos depropriedade intelectual. Mais, estes direitos de excluso no trariam qualquer benefcio gerao deinovao; ao contrrio, traria estagnao tecnolgica endgena do pas (BASSO, WACHOWICZ,

    1COOTER, Robert et al. O Problema da Desconfiana Recproca, The Latin American and Caribbean journal of Legal

    Studies, Vol. 1, n.1, artigo 8, 2006, p. 2.2Idem, Ibidem.3COOTER, Robert e ULEN, Thomas.Law and Economics, Addison Wesley Editor, 2003, p. 126.

    A

  • 5/20/2018 An lise Econ mica Da Propriedade Intelectual

    Luciano Benetti Timm e Renato Caovilla

    EALR, V. 1, n 1, p. 49-77, Jan-Jun, 2010 51

    Universidade Catlica de Braslia - UCB

    BARBOSA). Seria, em linguagem de law and economics, a tragdia dos anti-commons(descrita maisadiante no trabalho).

    Percebe-se, portanto, hoje no Brasil um intenso debate acerca do papel desempenhado pelosdireitos de propriedade intelectual. Afinal, quem tem razo? possvel buscar dados empiricamenteconstatveis para comprovao das hipteses cientficas em debate para o caso brasileiro?

    Do ponto de vista legal, no h como negar que o legislador brasileiro reconheceu napropriedade intelectual um meio idneo para que fossem atingidos o desenvolvimento tecnolgico eeconmico do pas.

    Tal entendimento corroborado pelo disposto no inciso XXIX, do artigo 5, daConstituio Federal, ao reconhecer que a lei assegurar aos autores de inventos industriaisprivilgio temporrio para sua utilizao, bem como proteo s criaes industriais, propriedadedas marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e odesenvolvimento tecnolgico e econmico do Pas. (grifo nosso).

    Alm disso, o artigo 2, do Cdigo de Propriedade Industrial, ao arrolar as formas mediante

    as quais sero os direitos de propriedade industrial protegidos, insculpe que tal proteo far-se-tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnolgico e econmico do Pas.4Entretanto, conforme j ressaltado, vigora, no que tange propriedade qualquer que seja

    esta o princpio da funo social, amplamente disposto nos diplomas legais, tanto no mbitoconstitucional quanto na legislao infraconstitucional.5

    No presente ensaio, pretende-se analisar os pressupostos tericos, favorveis e contrrios relao que h entre proteo dos direitos de propriedade intelectual e desenvolvimento deinovaes, vale dizer, esclarecer os posicionamentos da literatura acerca de tal relao, delineando omarco terico sobre o tema. Em uma segunda fase, ainda em construo, buscar-se- dados econstataes especficos, sobre o tratamento brasileiro inovao e sobre a relao propriedade

    intelectual e desenvolvimento.Essa constatao emprica da relao entre proteo da propriedade intelectual e gerao de

    inovao e de desenvolvimento ser feita por meio de questionrios a serem enviados aosrepresentantes do setor empresarial brasileiro de farmcias (ou outro a ser definido), questionando arelao dos direitos de propriedade intelectual na promoo das inovaes no Brasil.

    Tambm se imagina avaliar o nmero de patentes registradas no Brasil e depositadas noprprio pas e no por extenso de registros em outros rgos patentrios como dos Estados Unidos,Japo, entre outros pases. Acredita-se que se a patente foi originalmente depositada aqui, h fortepresuno (a ser investigada caso a caso) de inovao ocorrida em territrio nacional.

    Por ora, foram aproveitados levantamentos governamentais sobre a matria com o fim de

    buscar elementos para julgar a acuidade das teorias rivais.Assim, o presente ensaio est dividido em duas partes. Na primeira, faz-se o debate sobre o

    tratamento conferido pela abordagem de Law and Economics ao tema da propriedade intelectual,versando sobre a possvel tragdia dos comuns adveniente da inexistncia de proteo. Ainda naprimeira parte, constatam-se as seguintes teorias (aqui denominadas de) rivais: Anticommons e aFuno Social da Propriedade (associada aos direitos fundamentais individuais e sociais).

    4 Lei n 9.79/1996, artigo 2: A proteo dos direitos relativos propriedade industrial, considerado o seu interessesocial e o desenvolvimento tecnolgico e econmico do Pas [...].5 Para alm das normas referidas, o Cdigo Civil, de 2002, prev, no pargrafo primeiro de seu artigo 1.228, que O

    direito de propriedade deve ser exercido em consonncia com as suas finalidades econmicas e sociais e de modo quesejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilbrioecolgico e o patrimnio histrico e artstico, bem como evitada a poluio do ar e das guas.

  • 5/20/2018 An lise Econ mica Da Propriedade Intelectual

    As Teorias Rivais sobre a Propriedade...

    52 EALR, V. 1, n 1, p. 49-77, Jan-Jun, 2010

    Universidade Catlica de Braslia - UCB

    Na segunda parte deste ensaio, h a constatao de implicaes e dados brasileiros referentesao tratamento conferido inovao, o que servir de base para o futuro debate sobre as evidnciasempricas a serem colhidas no Brasil.

    2.

    Pressupostos Tericos

    Por parte da literatura, a propriedade intelectual considerada como o necessrio incentivopara que algum produza alguma coisa melhor ou que encontre um jeito melhor de produzir umacoisa antiga.6Vale dizer, a propriedade intelectual apresenta-se como um mecanismo de incentivospara que os agentes econmicos engajem-se em atividades de elevados custos e riscos de pesquisa edesenvolvimento (P&D).

    Em sentido contrrio, h os que defendam que a propriedade intelectual considerada umentrave para o desenvolvimento de inovaes, principalmente as subseqentes quelas jdesenvolvidas. Isso, argi-se, tem por conseqncia a sub-utilizao da novidade protegida e, em

    decorrncia, a perda de bem-estar para a sociedade como um todo. Aliam-se nessa linha depensamento aqueles autores que defendem que a propriedade intelectual bloqueia o acesso a direitosfundamentais, sobretudo os de sade, dificultando polticas pblicas governamentais.

    Tais posicionamentos so de difcil composio. muito difcil que ambos autores tenhamrazo. Diante disso, busca-se, neste ensaio, que preliminar, explicitar este conflito de opinies edelinear os limites tericos desses posicionamentos.

    2.1.

    A Abordagem de Law and Economics e a Tragdia dos Comuns em

    Relao Propriedade Intelectual

    H na literatura jurdica norte-americana uma constante referncia de que os direitos depropriedade intelectual ajudam a impulsionar o desenvolvimento da economia, por meio daconcesso do direito exclusivo de criar, usar e explorar o objeto protegido.7

    Argumenta-se que a proteo da propriedade intelectual confere o incentivo necessrio parao aperfeioamento de tecnologias e idias, tendo os inventores o direito de ser proprietrios daquiloque criaram, com a possibilidade de se apropriar de seu valor social. Se esse incentivo econmico nofor concedido, os agentes econmicos no tero a vontade e o emprenho necessrios para inovar,tendo em vista que os concorrentes fiar-se-iam em suas descobertas8, vale dizer, seriam caroneiros(free-riders) de seu desempenho.

    Ademais, constante na literatura jurdica dos Estados Unidos de que todos tm o direitomoral de apropriar o resultado de seu trabalho e de seu conhecimento the sweat of the brow 9.Ainda, o sistema de registro dispe sobre a divulgao da informao envolvida na novidade, demodo que os demais agentes econmicos podem fiar-se e utilizar essa informao no longo prazo.Enquanto isso, o inventor tem o direito de explorar o monoplio a ele concedido, a fim de reaver oinvestimento feito em pesquisa e desenvolvimento (P&D)10.

    6COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Law and Economics, Addison Wesley Editor, 2000, p. 126.7HETTINGER, E. "Justifying Intellectual Property Rights". In 18(1) Philosophy and Public Affairs 31-52.

    8Idem, p. 48.9Idem, p. 36.10CORNISH, p. 108.

  • 5/20/2018 An lise Econ mica Da Propriedade Intelectual

    Luciano Benetti Timm e Renato Caovilla

    EALR, V. 1, n 1, p. 49-77, Jan-Jun, 2010 53

    Universidade Catlica de Braslia - UCB

    De acordo com a definio de Douglass North, as instituies de um pas formam a estruturade incentivos que recai sobre a sociedade.11Especificamente, North define as instituies como (..)as regras do jogo, tanto formais quanto informais e, tambm, as suas caractersticas de eficcia.Juntas, definem a forma em que o jogo deve ser jogado (...). 12

    De acordo com a definio de Douglass North, as instituies de um pas so um fator maisimportante para o seu desenvolvimento do que as riquezas naturais, o clima favorvel ou aagricultura. Afirma North que as instituies so as regras do jogo, tanto as formais quanto asinformais e tambm as suas caractersticas de eficcia. Juntas, definem a forma em que o jogo deve serjogado (...).13

    Os agentes econmicos, ou os jogadores na expresso de North, so seres racionais quereagem estrutura de incentivos representada pelas instituies. Uma das premissas adotadas pelomovimento de Direito e Economia que os agentes econmicos reagem aos incentivos fornecidospelo ambiente em que vivem e, ainda, que tais incentivos podem ser fornecidos pelo ordenamentojurdico.

    Em assim sendo, as regras jurdicas, os tribunais e os rgos registrais e regulatrios dogoverno compem as instituies. Isso significa que se o ordenamento jurdico emitir sinais de queno proteger os direitos de propriedade ou de que ineficiente nesse campo, o resultado seria,seguindo aquela mesma literatura, a dissipao de rendas atravs da competio entre os agenteseconmicos para se apropriarem (mais do que produzirem) dos escassos recursos existentes.

    Nesse sentido, a fim de bem compreender a necessidade de um pas contar com a adequadaestrutura de incentivos capaz de estimular os seus cidados a alocar recursos, tempo e energia naatividade produtiva de inovaes, cabe analisar a natureza destas.

    Para tanto, h que se ressaltar a diferena existente entre bens pblicos e bens privados,conforme o estabelecido pela cincia econmica (e no com base na classificao jurdica do Cdigo

    Civil Brasileiro, que classifica os bens no a partir de sua natureza, mas de sua titularidade). Os benspblicos, economicamente considerados, assumem as caractersticas de no-rivais (no-disputvel) eno-exclusivos.

    Por no-rival, entende-se o bem em que, para qualquer nvel especfico de produo, o customarginal de sua produo zero para um consumidor adicional. Vale dizer, o custo adicionaloriundo de uma pessoa a mais utilizar esse bem igual a zero o que aconteceria, por exemplo, emsituaes de ausncia de escassez de um bem como o ar ou segurana pblica.

    Por rivalidade, entende-se que o consumo de um bem por uma pessoa deixa menos domesmo bem para o consumo de outra pessoa. E por exclusividade, entende-se que o consumo de umbem por uma pessoa exclui outra de consumir, ao mesmo tempo, o mesmo bem.

    Com efeito, percebe-se que os bens privados, tendo em vista o sentido econmico, so bensrivais e excludentes. Ora, um automvel no pode ser utilizado, ao mesmo tempo, para trafegar emdirees opostas, vez que a utilizao do veculo por um motorista, em uma direo, exclui outromotorista de us-lo, ao mesmo tempo, na direo oposta. Ento, o uso do carro por um motoristadeixa menos (nesse caso, no deixa nada) do mesmo carro para o uso do outro motorista.

    Por outro lado, a caracterstica de no-exclusividade significa que a utilizao de um bem porum indivduo no exclui outros indivduos de utilizarem, ao mesmo tempo, o mesmo bem. Como aexcluso de um indivduo muito difcil de ser feita, mesmo aqueles que no desejam retribuir pela

    11NORTH, Douglass C Economic PerformanceThrough Time.The American Economic Review, Vol 84, No. 3, (Jun.

    1994), p.360.12NORTH, op. cit., p. 361.13Idem, Ibidem.

  • 5/20/2018 An lise Econ mica Da Propriedade Intelectual

    As Teorias Rivais sobre a Propriedade...

    54 EALR, V. 1, n 1, p. 49-77, Jan-Jun, 2010

    Universidade Catlica de Braslia - UCB

    utilizao do bem, podero usar o mesmo. Se conseguem faz-lo sem, contudo, retribuir, desapareceo incentivo utilizao mediante pagamento.14

    Em assim sendo, os bens pblicos, na definio econmica, qualificam-se como no-rivais eno-excludentes. Pense-se na prestao do servio de segurana nacional contra ataques areos.15Seuma companhia privada fosse a prestadora do servio, aqueles cidados que desejassem ser protegidosdeveriam pagar uma quantia mensal ou anual para que o servio fosse a eles prestado. Em umamesma rua, alguns moradores iriam contratar o servio e, assim, pagariam companhia prestadora.Outros moradores vizinhos, entretanto, agiriam oportunistamente e no contratariam o aludidoservio. Isso significa que no seriam protegidos? No. Seriam protegidos tanto quanto aqueles quecontrataram o servio. Por qu?

    A explicao econmica para isso a de que se demonstra herclea a tarefa de excluir osmoradores que no contrataram o servio de receber proteo, vez que a companhia prestadora doservio, ao proteger os morados contratantes, estaria, automaticamente, protegendo os moradoresno-contratantes. O servio de vigilncia e monitoramento realizado para o contratante do serviode segurana contra ataques areos abrange as intermediaes de sua casa, englobando,necessariamente, as casas vizinhas. Dessa forma, por que os vizinhos pagariam pela proteo que j,gratuitamente, receberiam?

    Assim, tem-se que a excluso daqueles que no pagaram pela prestao do servio muitocustosa, pelo fato de ser muito barata a sua proteo (no exemplo seria automtica). 16So chamadosdefree-ridersaqueles indivduos que recebem os benefcios da prestao do servio (ou utilizam-se deum bem) sem pagar pelo mesmo. Isso faz com que a companhia privada no tenha incentivos paraprestar esse tipo de servio e, ento, a quantidade ofertada do mesmo seria abaixo de um nvel timo.Tal servio deveria ficar, dessa forma, a cargo do Poder Pblico - como ocorre na realidade.

    O mesmo se d com as informaes. As informaes so, no sentido econmico,

    assemelhadas aos bens pblicos, ou bens quase-pblicos. Isto , a utilizao da informao por umapessoa no deixa menos da mesma informao para a utilizao por outra pessoa (no-rival) e, via deconseqncia, a utilizao da informao por uma pessoa no exclui outra de valer-se da mesmainformao ao mesmo tempo (no-excludente).17

    Tal como no exemplo da prestao do servio de segurana contra ataques areos, a exclusodos indivduos, que no pagam por informao, muito custosa, vez que a sua transmisso muitobarata. Assim, os indivduos que produzem informao e no conseguem excluir de seu uso aquelesque dela se valem sem retribuio, tero poucos incentivos para continuar produzindo informao.

    Na economia do conhecimento, este, que baseado em informaes, insumo, meioprodutivo e produto. Por exemplo, devido a pesquisas sobre gros hbridos de alta produtividade, os

    agricultores, no final do sculo XX, j produziam cerca de cinco vezes mais milho por hectare do queo faziam na dcada de 1920. Isso significa que, neste incio de sculo, uma espiga de milho contm80% de conhecimento.18

    14 cf. PINDYCK, Robert; RUBENFIELD, Daniel L. Microeconomia. Trad. Eleutrio Prado, So Paulo: Prentice Hall,2002, p. 655.15Exemplo baseado em COOTER e ULEN, op. cit., p. 51.16Note-se que a prestao do servio para aqueles que no o contrataram barata, mas a produo do servio, antes deofert-lo, muito custosa.17

    COOTER e ULEN, op. cit., p. 126.18STEWART, Thomas A. A Riqueza do Conhecimento: o capital intelectual e a organizao do sculo XXI. Trad.Afonso Celso da Cunha Serra. Rio de Janeiro: Campus, 2002, p. 14.

  • 5/20/2018 An lise Econ mica Da Propriedade Intelectual

    Luciano Benetti Timm e Renato Caovilla

    EALR, V. 1, n 1, p. 49-77, Jan-Jun, 2010 55

    Universidade Catlica de Braslia - UCB

    Na antiga economia, a economia do concreto, o resultado de um processo de produo e,portanto, o objeto que se comercializava eram recursos congelados, significando uma grandequantidade de material unida por um pouco de conhecimento. Ao reverso, na economia doconhecimento, comercializa-se conhecimento congelado, vale dizer, uma grande quantidade decontedo de conhecimento em uma pequena caixa.19

    O conhecimento materializa-se na forma de um novo processo, do qual resultar, por certo,um novo produto. Mas esse produto, no-raro, compe um novo processo produtivo. Por exemplo,dota-se um chip de valor apenas se tiver a capacidade para melhorar a performance de uma mquina,que visa a desenvolver um melhor produto ou servio. Ainda, uma clula geneticamente modificadater o seu significado na interao com as demais partes do corpo humano. Em assim sendo, asrevolues tecnolgicas e a atual, baseada na intangibilidade, no diferente constituem-se deinovaes, cujos resultados so produtos, servios e processos, com a caracterstica de que, no-raro,os primeiros (produtos e servios) integram o ltimo (processo).20

    Na medida em que a globalizao requer a transformao dos insumos, dos meios e doproduto da produo, e, no atual contexto tecnolgico, por ser o conhecimento elemento quepermeia todos os nveis de produo, o conhecimento (elemento do modo informacional) acaba poratuar e transformar a si mesmo (insumo).

    As inovaes contm informaes as quais so a base do conhecimento - e, devido a isso,enfrentam o mesmo problema dos bens pblicos econmicos, vale dizer, tendem a ser no-rivais eno-excludentes. Em assim sendo, aqueles agentes econmicos que produzem inovaes no teroincentivos para faz-lo, uma vez que qualquer indivduo possa valer-se das mesmas sem que haja, emcontrapartida, a retribuio.

    Os custos de produo da inovao so, geralmente, elevados, ao passo que a suadisseminao custa tanto quanto o meio usado para a sua transferncia. 21 Ou seja, uma vez que a

    inovao foi produzida, o custo marginal para a produo de uma unidade a mais irrisrio (pelomenos se comparados aos custos fixos). Veja-se o exemplo do software (custoso para produzir)distribudo pela internet (barato para disseminar).22

    Essa situao representa uma falha do mercado. Isso porque o montante de inovaoproduzido ser abaixo do timo quando o inovador no conseguir se apropriar do valor social

    19Idem Ibidem.20Cabe aqui citar a idia schumpeteriana de destruio criadorasegundo a qual o desenvolvimento econmico no se dde maneira uniforme, ou na analogia de Schumpeter, no avana uniformemente como cresce uma rvore. Ao reverso,as novas combinaes, como podem ser caracterizadas aquelas derivadas da inovao tecnolgica, tais como, novos

    produtos, novos processos produtivos, novos mercados, outras organizaes, no so distribudas uniformemente atravsdos tempos, mas aparecem, descontinuamente, em grupos ou bandos, cf. SCHUMPETER, Joseph A. Teoria doDesenvolvimento Econmico: uma investigao sobre lucros, capital, crdito, juro e o ciclo econmico. Trad. de Maria SlviaPossas, 2 Ed., So Paulo: Nova Cultural, 1985, p. 148.21Nesse sentido, asseverou o Advogado Geral e Vice-Presidente Senior da Microsoft, Brad Smith, aps o anncio, em17/09/07, de que a desenvolvedora de software fora condenada pela Corte de Primeira Instncia da Unio Europia,dentre outras coisas, a pagar uma multa de 497 milhes de Euros (R$ 1.3 bi), que It is remarkable, as I mentioned thismorning, that, when this case started, Microsoft was spending only US$ 3 million a year on research and development

    (R&D) in Europe. One might fairly ask what took us so long. I am pleased today that we spend almost $500 million a year

    on R&D in Europe, a number which will clearly continue to rise (disponvel emhttp://www.microsoft.com/Presspass/exec/bradsmith/09-17-07CFI.mspx). Por outro lado, To illustrate, Hong Kong

    shops resell American software at the cost of a diskette. COOTER e ULEN, op. cit., p. 126.22 POSNER, Richard A. Intellectual property: A Law and Economics Approach. Journal of Economic Perspectives,Volume 19, Number 2, 2005, p. 58.

  • 5/20/2018 An lise Econ mica Da Propriedade Intelectual

    As Teorias Rivais sobre a Propriedade...

    56 EALR, V. 1, n 1, p. 49-77, Jan-Jun, 2010

    Universidade Catlica de Braslia - UCB

    daquilo que produzir. Com a proteo, via propriedade intelectual, atribui-se ao bem pblico umaexclusividade, transformando-o em bem privado, do ponto de vista econmico.

    Com a introduo da propriedade privada, resulta elucidado quem proprietrio do qu. Aalocao dos recursos produo, o que incentivado com a proteo pelos direitos de propriedade,faz com que o bem-estar da populao resulte mais elevado do que quando, concomitantemente,ocorre a dissipao da renda (retirada de recursos da produo e a sua destinao atividadeexpropriadora). Em especial, a formalizao da propriedade privada e a sua defesa pelo Estadopermitem que, em vez de gastar parte do seu tempo defendendo o que possuem, as pessoas podem seconcentrar inteiramente em produzir e gerar renda.23Claro, na propriedade intelectual, no seria aescassez do produto que exigiria a atribuio de direitos de propriedade, mas a necessidade de seestabelecer uma poltica correta de incentivos em prol da inovao, evitando-se aquilo que aliteratura econmica denomina de tragdia dos comuns.

    Explica-se. Harold Demsetz, em um artigo seminal intitulado Toward a theory of propertyrightsrefere uma experincia com ndios no Canad. Aduz a existncia de duas reas, uma em que

    existiam direitos de propriedade e outra em que tais eram ausentes. Esse teria sido o resultado,segundo ele, de realidades geogrficas e climticas diversas, que estabeleceram ora a abundncia, ora aescassez de recursos. A propriedade privada fora estabelecida em reas de escassez a fim de protegeraqueles mesmos recursos, conferindo-lhe uma explorao racional.

    Como j referidosupra, a previso e a proteo dos direitos de propriedade tm o condo depromover a eficincia produtiva. Alis, Cooter e Ulen asseveram que o regime de propriedadeprivada criado visando a encorajar a produo, desincentivar o roubo e reduzir os custos deproteger os bens.24

    Nesse sentido, direitos de propriedade claramente assinalados fazem diminuir o montante deexternalidade gerado. A externalidade um conceito econmico. Define-se como a gerao de um

    benefcio (externalidade positiva) ou a causao de um dano (externalidade negativa) em que oproveito(adveniente do benefcio gerado) no usufrudo por quem o gerou e o custo(decorrente deum dano) no suportado por quem o causou. Tratando-se de custos, quando no h a definioclara dos direitos de propriedade, aquele agente que causa o dano no leva em conta, ao agir (sejaprodutor ou consumidor), os custos deste dano advenientes. E se no recair sobre o ofensor, aresponsabilidade pelo dano causado, no haver incentivos para que o reduza. Dessa forma, o nvelde externalidade negativa gerado estar sempre acima de um ponto timo, sendo o dano causado eningum pelo mesmo responsabilizado. Alm disso, cabe notar que a propriedade faz recair sobre oseu titular todos os benefcios e os custos dela advenientes. Vale dizer, as externalidades, com apropriedade, so internalizadas.

    Assim, tem-se que a propriedade exerce outras funes para alm de, to-somente, proteger aposse, como a de conferir segurana s transaes, o que gera um incentivo aos cidados no sentidode respeitarem ttulos, honrarem contratos e obedecerem lei.25Por isso, a assinalao objetiva dapropriedade tende a fazer com que o seu titular d a melhor destinao quilo que titulariza,maximizando a sua utilidade, vez que preferir mais gozar dos seus benefcios do que suportar os seuscustos.8 E a internalizao perfeita quando todos os custos e benefcios entram no processo detomada de deciso do titular da atividade que os gera. Definir claramente direitos de propriedadetem por conseqncia promover esta internalizao.

    23

    PINHEIRO, Armando Castelar e SADDI, Jairo. Direito, economia e mercados, Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 95.24COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Law and Economics, Addison Wesley Editor, 2000, p.77.25SOTO, Hernando de. O Mistrio do Capital. (trad. De Zaida Maldonado), Record, Rio de Janeiro, 2001. p.79.

  • 5/20/2018 An lise Econ mica Da Propriedade Intelectual

    Luciano Benetti Timm e Renato Caovilla

    EALR, V. 1, n 1, p. 49-77, Jan-Jun, 2010 57

    Universidade Catlica de Braslia - UCB

    de se notar a possibilidade de ocorrncia, em situaes como a referida, do que sedenominou de a tragdia dos comuns (ou tragdia dos baldios, como prefere Fernando Arajo,abaixo citado). A tragdia dos comuns ocorre quando os direitos de propriedade sobre um ativoprodutivo so deficientemente assinalados ou no podem ser tornados vlidos e respeitados.

    O exemplo clssico que ilustra tal situao o referido por Garrett Hardin, o professor debiologia da Universidade da Califrnia, Santa Barbara, que cunhou a expresso tragdia dos comuns,em artigo de 1968 publicado na revista norte-americana Science.26Imaginou Hardin um campo depasto cuja propriedade seria comum, vale dizer, todo pecuarista que quisesse levar o seu gado para alipastar poderia faz-lo, sem que tivesse de pagar por essa oportunidade. Um pecuarista, ao agirracionalmente, perguntaria: Qual a utilidade, para mim, adveniente do incremento de um animaladicional em meu rebanho?.

    Desse ato, o pecuarista perceber todos os ganhos e s incorrer, imediatamente, em umafrao dos custos do incremento que realizou. Ao agir assim, gerar um problema de externalidade,vez que no leva em considerao, no processo de tomada de deciso para incrementar o seu rebanho,

    os custos sociais de tal aumento advenientes. E s o faz porque sabe que, pelo fato de se tratar de umrecurso comum27, o custo de sua atividade ser suportado, pelo menos imediatamente, mais pelosoutros pecuaristas do que por ele prprio.

    Mas isso no tudo. O incremento no rebanho no seria feito por apenas um pecuarista.Pelo fato de ser irrisrio o custo para incrementar o rebanho em uma unidade e levar um animal amais para o pasto comum, e em razo de o custo gerado no ser suportado por quem o originou, atendncia que todos os pecuaristas que se valem do recurso comum assim atuem. Tal situaodecorre, ainda, de que cada pecuarista no tem incentivos para levar em conta o quanto a sua prpriaatividade afetaria a atividade dos demais pecuaristas.28

    Dessa forma, o ato de um pecuarista que visava a, to-somente, maximizar o seu interesse,

    transforma-se em uma tragdia, vez que o recurso que antes era tido por comum (livre acesso paraqualquer pessoa) e suficiente, passa a ser comum e escasso, porquanto o nmero total de cabeas degado excederia a capacidade suportada pela rea destinada ao pasto, vale dizer, a sua utilizao emexcesso conduziria concretizao da chamada tragdia dos comuns.

    A insero de uma unidade a mais traz, a quem a insere, mais ganhos do que perdas. Emassim sendo, a racionalidade impe que a insero continue sendo feita de maneira irrestrita, parafins de colher os ganhos da explorao do recurso comum. Isso porque se um agente assim no fizer,outros assim agiro.

    Essa concluso assume um tom de generalidade. Isso porque no s o pastor, cuidando deseu rebanho em um pasto de uso comum, que agir dessa forma; mas, sim, todos os agentes que se

    26HARDIN, Garrett. The Tragedy of the Commons. Science, Vol. 162, n 3859, ano 1968, p. 1246.27 Cabe diferenciar, com base em Fernando Arajo, os bens pblicos (j analisados acima), dos recursos comuns e dapropriedade comum. Entende-se por recursos comunsum recurso no qual aqueles que dele se utilizam no tm poderesde excluso dos demais indivduos e marcado pela caracterstica da rivalidade, ou seja, escasso/finito. Por outro lado, apropriedade comum significa que os usurios do recurso (insiders) tm poderes para excluir terceiros (outsiders) de suautilizao, mas o recurso tambm escasso. Nas palavras de Arajo: Temos, pois, que os recursos comuns partilham comos bens pblicos as dificuldades de excluso eficiente, enquanto que os produtos desses recursos comuns partilham comos bens privados a caracterstica de a sua utilizao subtrair utilidade ao total disponvel revelando por isso rivalidadeno uso, a raiz de que partem problemas como congestionamento, degradao, esgotamento dos recursos. ARAJO,

    Fernando. A Tragdia dos baldios e dos anti-baldios: o problema econmico do nvel ptimo de apropriao. Lisboa:Almedina, 2008. p. 70.28PINDYCK e RUBENFIELD, op.cit., p. 652.

  • 5/20/2018 An lise Econ mica Da Propriedade Intelectual

    As Teorias Rivais sobre a Propriedade...

    58 EALR, V. 1, n 1, p. 49-77, Jan-Jun, 2010

    Universidade Catlica de Braslia - UCB

    encontrarem em situao semelhante, vale dizer, quando o ganho em utilizar um recurso comumdemonstrar-se superior perda de tal uso adveniente.29

    Por isso, a racionalidade colectiva levar ao incremento cumulativo e runa do recurso,dada a liberdade de acesso: essa liberdade acaba por ter conseqncias trgicas.30

    Como dito j, a situao se assemelha quando se adentra no campo da propriedadeintelectual. No af de tornar as criaes intelectuais amplamente acessveis, no se conferindodireitos de propriedade intelectual sobre as mesmas, pode degenerar, em ltima instancia, numaTragdia dos Baldios.31

    Com efeito, a produo de inovaes pelos inovadores faz com que gerem sociedadeexternalidades positivas. Se no houver mecanismo que faa com que o inovador possa permitir ouno o acesso de terceiros ao resultado de sua atividade inventiva, ter-se- um recurso comum. Comotal, estar sujeito tragdia dos comuns.

    Isso porque o inovador no estar hbil a afastar do uso de sua inovao aqueles que com asua produo no contribuem, o que o deixa sem possibilidade de recuperar uma mnima frao da

    externalidade positiva que causou. Dito de outra forma, investir recursos sem que possa reaver oinvestimento. Nas palavras de Fernando Arajo, [d]ada essa deficincia de incentivos, a tendnciaser para o sub-investimento.32

    Com efeito, a sobre-utilizao da expresso de uma idia (no da idia considerada em si),isto , uma inovao passvel de proteo pelas vias da propriedade intelectual, capaz de gerar umdesincentivo ao desenvolvimento de outras inovaes. Ou seja, a sobre-utilizao (leia-se acessoilimitado) de inovaes torna escasso o desenvolvimento de outras inovaes. Se o inovador no fordotado de salvaguardas que o guarneam da sobre-utilizao da inovao que produz, no terincentivos para continuar produzindo.

    Embora haja o argumento de que a informao33 tenha por caracterstica a no-rivalidade,

    deve-se ressaltar que a produo de inovaes custosa. O agente que produz informaes e que, apartir delas, desenvolve um objeto patentevel, espera obter retorno pelo seu investimento, o que seconstitui em um mecanismo de incentivo para que continue a gerar outras informaes passveis deconverso em patente. Alis, tomando por base o argumento de Lemley de que no h sentido emevidenciar a tragdia dos comuns em informao34-, se a informao no-rival, o retorno esperadopor ela o .35Havendo mais de um fornecedor do objeto que contm a informao e somente umdeles tendo arcado com os custos de produo desse objeto, o retorno ficar com aqueles que no

    29ARAJO, Fernando. A Tragdia dos Baldios e dos Anti-Baldios: o problema econmico do nvel ptimo de apropriao.Lisboa, Ed. Almedina, 2008, p. 63.30

    Idem, ibidem.31Idem, p. 192.32ARAJO, op.cit., p. 75.33A idia em si, como j observamos aqui, tende a ser no-rival (portanto, assemelhada a um bem pblico), mas no asua expresso, vale dizer, uma inovao passvel de patenteamento. Cabe lembrar que as idias, por si s, no so passveisde proteo pelas modalidades de propriedade intelectual, mas, to-somente, a sua expresso.Importa notar que nem todainformao passvel de proteo por patente (a patente a modalidade de propriedade intelectual que mais nosinteresse neste ensaio).34LEMLEY, Mark A. Ex Ante Versus Ex Post Justifications for Intellectual Property. UC Berkeley Pubic Law, Paper n.144, 2003, p. 14. Disponvel em 12/05/09 em: http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id= 494424.35Portanto, se o inovador no vislumbrar a possibilidade de reaver os custos, ou dito de outra forma, se os benefciosadvenientes da atividade que desenvolve forem menores do que os custos de sua realizao, no haver incentivos para

    que demandem tempo e recursos a fim de superar o fator randmico de tal empreitada, cf. LVQUE, Franois andMNIRE, Yann. Patents and Innovation: Friends or Foes?, 2006, disponvel emhttp://www.cerna.ensmp.fr/Documents/FL-YM-PatentsInnovationJanuary07.pdf.

  • 5/20/2018 An lise Econ mica Da Propriedade Intelectual

    Luciano Benetti Timm e Renato Caovilla

    EALR, V. 1, n 1, p. 49-77, Jan-Jun, 2010 59

    Universidade Catlica de Braslia - UCB

    precisaram despender recursos e tempo em seu desenvolvimento, vez que podem cobrar dosdestinatrios do objeto insuficientemente protegido um preo muito abaixo daquele que pode cobraro seu desenvolvedor, que ser punido por inovar.

    Devido a isso, se a dissipao de renda destinada a apropriao de recursos de terceiros tiverpor conseqncia um prmio, ao invs da punio de quem a pratica, pode-se atingir como resultadoa denominada seleo adversa.36Vale dizer, os agentes econmicos que despendem renda, recursos eesforos na promoo de inovaes, por no ter recuperados os investimentos realizados, soincentivados a deixar esta atividade quando a dissipao de renda premiada. 37A concorrnciaenfrentada pelos inovadores, que adveniente dos dissipadores de renda, torna insustentvel a suapermanncia em determinados mercados. Nesse sentido, o inovador no conseguir comercializar asua inovao por um preo que reflita o seu valor real, tendo por conseqncia a desistncia daatuao.38Com o tempo, os inovadores deixaro o mercado. Ao final, tem-se a escassez de inovaes,i.e., a tragdia dos comuns. um desfecho que no interessa a ningum.

    Como evitar esse resultado? Ao valer-se da economia, o Direito passou a contar com uma

    teoria capacitada para analisar e descrever como as pessoas responderiam s leis. Para a melhorcompreenso, considere-se a clssica definio de uma lei: A lei uma obrigao respaldada por umasano estatal.39

    Norberto Bobbio aduz que a noo de sano positiva deduz-se, a contrario sensu, daquelamais bem elaborada de sano negativa. Enquanto o castigo uma reao a uma ao m, o prmio uma sano a uma ao boa.40Nesse sentido, o mecanismo de prmios e punies deve fazer comque os indivduos tenham incentivos a inverter recursos na atividade produtiva e, ainda, seremsancionados quando dissipam renda na atividade expropriadora.

    O problema da no-apropriabilidade representa uma falha do mercado. Isso porque omontante de inovao produzido ser abaixo do timo quando o inovador no conseguir se

    apropriar do valor social de sua inovao. Para a correo dessa falha, Cooter & Ulen, em seu livroLaw and Economics, sugerem a concesso de direitos da propriedade intelectual para os agentes

    36 EATON, B. Curtis; EATON, Diane F.Microeconomia. Traduo de Ceclia C. Bartalotti. So Paulo, Ed. Saraiva, 3edio, 1999, p.163. Ver, tambm, VARIAN, Hal R. Microeconomia: princpios bsicos. Traduo de Maria Jos CyblarMonteiro. Rio de Janeiro, Ed. Campus, 6 edio, 2002, p. 721.37ARAJO, op.cit., p. 90.38COOTER, Robert D. e SCHAEFER, Hans-Bernd. Solomons Knot: how law can end the poverty of nations. Cap. 3, p.4.39COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Law and Economics. 3 Ed. Califrnia, EUA: Addison Wesley Longmann, 2000,

    p. 3. Ainda, cabe referir a noo de Hans Kelsen, quando vale-se da coeropara identificar o elemento diferenciadorentre as normas jurdicas e as normas morais. Ver BARZOTTO, Lus Fernando. O Positivismo Jurdico Contemporneo:

    uma introduo a Kelsen, Ross e Hart. So Leopoldo: Editora Unisinos, 2004, p. 36. Da mesma forma, REALE asseveraque o cumprimento obrigatrio da sentena satisfaz ao mundo jurdico, mas continua alheio ao campo propriamentemoral. Isto nos demonstra que existe, entre o Direito e a Moral, uma diferena bsica, que podemos indicar com estaexpresso: a Moral incoercvel e o Direito coercvel., in REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. So Paulo:Saraiva, 2002, p. 46. Ainda, do termo sano, no caso, no se tem a noo puramente restritiva. Como assevera TrcioSampaio Ferraz Jr., o Estado contemporneo, caracterizado por sua extensiva interveno no domnio econmico,tomou a tese da essencialidade da sano, no sentido de um ato de coao enquanto um mal, demasiadamente estreita.Hoje se fala, cada vez mais de sanes premiais, como so, por exemplo, os incentivos fiscais, cuja funo oencorajamento de um ato (sano-prmio) e no seu desencorajamento (sano-castigo), cf. FERRAZ JUNIOR, Trcio

    Sampaio.Introduo ao Estudo do Direito: tcnica, deciso, dominao. 3 Ed., So Paulo: Editora Atlas, 2001, p. 118.40BOBBIO, Norberto.Da Estrutura Funo: novos estudos de Teoria do Direito.Trad. de Daniela Versiani, Barueri, SP:Manole, 2007, p. 24.

  • 5/20/2018 An lise Econ mica Da Propriedade Intelectual

    As Teorias Rivais sobre a Propriedade...

    60 EALR, V. 1, n 1, p. 49-77, Jan-Jun, 2010

    Universidade Catlica de Braslia - UCB

    promotores de inovaes.41A concesso de direitos de propriedade intelectual assume a roupagem deprmio aos inovadores, bem como o cogente respeito aos mesmos faz as vezes de sano aosexpropriadores.

    Cooter e Schaefer, em obra no prelo, The Solomons Knot, apresentam um grfico em quedispem as propores de apropriao, pelo inovador, do valor social daquilo que produziu42:

    Figura 1 O valor da Inovao

    Ao se conferir proteo, pelos direitos de propriedade intelectual, ao desenvolvedor dainovao, atribui-se a ele a capacidade de reaver o investimento feito no desenvolvimento do novoproduto ou processo produtivo. O resultado econmico de um custoso projeto de pesquisa edesenvolvimento, muitas vezes, no previsvel, sendo incerto o seu sucesso financeiro. Em vista

    disso, ao se conferir direitos exclusivos de propriedade ao criador da idia sobre o modo como aexpressa faz com que possa se apropriar do valor social gerado, o que talvez no ocorresse se outrosindivduos pudessem usar, fruir e dispor da inovao sem ter contribudo para o seudesenvolvimento.

    Alm disso, importa notar que, se na evoluo biolgica os mais aptos sobrevivem, naevoluo econmica os mais aptos so emulados. Vale dizer, os mais aptos no mercado de inovaes(os inovadores) atraem os concorrentes. Se estes tiverem o poder de se apropriar dos resultados dainovao dos mais aptos, imprimiro deslealmente a concorrncia, vez que se beneficiaro dos frutosdecorrentes sem terem incorrido nos custos inerentes.

    Entretanto, importa considerar a assertiva do eminente professor portugus Fernando

    Arajo, ao alertar que:

    41Alm da propriedade intelectual, Cooter e Ulen asseveram que h outras duas sadas: ou o prprio Estado fornece asinovaes ou o Estado financia o seu desenvolvimento. O prprio Professor Cooter, em ensaio intitulado Menos Mais,do qual co-autor, afirmou que os agentes estatais no tm capacidade de prever de onde adviro as inovaes, nopodendo, portanto, ser os principais responsveis pela sua produo. Ainda, no mesmo trabalho, h o argumento de queos agentes estatais no tm incentivos para gerar inovaes, pelo simples fato de no serem capazes (legitimados) aapropriarem-se do valor socila gerado claro que se est excluindo a hiptese de corrupo, mas se a corrupo passar aser justificativa, com muito mais razo o Estado no deve ser o promotor de inovaes. Por fim, h o argumento de que osinvestidores privados, agindo no mercado, gastam melhor o seu prprio dinheiro, do que o Estado gasta o dinheiro dos

    outros, cf. COOTER, Robert et al. Menos Mais. The Latin American and Caribbean journal of Legal Studies , Vol. 1,n.1, artigo 8, 2006, p.3.42COOTER e SCHAEFER, op.cit., p. 4.

  • 5/20/2018 An lise Econ mica Da Propriedade Intelectual

    Luciano Benetti Timm e Renato Caovilla

    EALR, V. 1, n 1, p. 49-77, Jan-Jun, 2010 61

    Universidade Catlica de Braslia - UCB

    Terminemos este ponto com a ressalva com a qual possivelmente o deveramos tercomeado: a soluo da privatizao, ainda onde possvel e abstractamente desejvel, no isenta de riscos graves que se prendem com outros tipos de questes: a excessivafragmentao em parcelas privadas de um recurso que se encontrava at uma certa alturaindiviso pode inutilizar esse recurso, no sentido de o colocar em dimenses inferiores saceitveis em termos de explorao, fazendo perder economias de escala e impondo custos

    de coordenao - pode, em suma, conduzir ao plo opostos dos .43

    Devido a este alerta, necessria a anlise das teorias rivais abordagem de Law andEconomics, para fins de diagnosticar os possveis ndulos no tratamento da propriedade intelectualcomo mecanismo de incentivo ao desenvolvimento de inovaes.

    2.2.

    As Teorias Rivais: Anticommons e Funo Social da Propriedade

    Intelectual

    Com efeito, h a posio doutrinria de que os direitos de propriedade intelectual gerammais danos do que benefcios atividade inovadora (ineficincia, portanto, mesmo sob critrios deKaldor-Hicks). Com base nos afirmaes de que a propriedade intelectual d causa ao bloqueio depesquisas, falta de acesso a frmacos, ao elevado preo dos produtos protegidos, analisam-se duasteorias que contraditam a abordagem da anlise econmica do direito tradicional. Trata-se dosAnticommonse da, principalmente no Brasil,funo social da propriedade.

    2.2.1.Anticommons

    No ano de 1998, o professor da Universidade de Michigan, Michael Heller, conferiu umamais til e realista definio quilo que fora chamado em 1982, por Frank Michaelmann, 44deAnticommons. Em primeiro lugar, o prprio Heller reconheceu, no citado artigo, que a noo deanticommons o dimetro oposto da noo de commons, bem como as respectivas tragdias.

    Em assim sendo, se o que se entende por tragdia dos comuns, conforme elaborado porGarret Hardin, a situao em que h vrios usurios de um bem escasso e nenhum destes usuriostm o poder de excluir os demais, o resultado seria a sobre-utilizao do bem. Os usurios assimagiriam porque no teriam incentivos para conservar o recurso.

    Por outro lado, a tragdia dos anticomunssurge quando h mais de um proprietrio sobreum recurso escasso e a cada um deles (proprietrios) atribudo o direito de excluir os demais. Ou

    seja, trata-se de uma situao na qual nenhum dos proprietrios tem a totalidade de direitos sobre orecurso (bundle of rights), mas cada um deles tem partes dos respectivos direitos e, disso, portanto,decorre o poder de excluso. Dito de outra forma, se no houver unanimidade de vontades, o recursoresultar no-utilizado.

    Michael Heller, para chegar mencionada mais realista noo, baseou-se no exemplo daslojas de Moscou, no perodo da Rssia ps-socialista. Heller relata que, no perodo socialista, as lojas

    43

    ARAJO, op.cit., p. 81.44HELLER, Michael. The Tragedy of the Anticommons: property in transition from Max to Markets . Harvard LawReview, 111, pp. 45 e ss.

  • 5/20/2018 An lise Econ mica Da Propriedade Intelectual

    As Teorias Rivais sobre a Propriedade...

    62 EALR, V. 1, n 1, p. 49-77, Jan-Jun, 2010

    Universidade Catlica de Braslia - UCB

    de Moscou apresentavam as vitrines e as prateleiras vazias pelo fato de que tal regime no ofereciaincentivos suficientes para que houvesse a produo de bens de consumo.45

    No entanto, no incio dos anos 90, do sculo passado, quando a derrocada do regime emvigor, e ao longo daquela dcada as lojas permaneceram vazias, ao passo que houve a proliferao dequiosques de metal sobre as caladas em frente s lojas. Acerca disso, Heller fez a seguinte indagao:por que os proprietrios dos quiosques no deixam o frio e passam a ocupar as lojas?46

    A queda do regime socialista fez com que o governo russo emitisse uma pliade de leis edecretos descentralizando os direitos de propriedade sobre os prdios comerciais nas cidades. Ointuito era que os governos locais passassem a ter a propriedade de tais construes, com o direito devender, locar ou financiar os imveis destinados ao comrcio. Mas o governo central no queriaperder o controle total sobre estes bens. Assim, por falta de clareza nas regras do jogo, nem osgovernantes locais nem os locatrios/usurios dos prdios comerciais sabiam quais direitos possuam.O resultado disso foi que os agentes econmicos interessados em praticar o comrcio em Moscoumontaram quiosques nas ruas para contornar a burocracia. E as lojas continuaram vazias.

    A explicao que circunda tal fato que nenhum dos proprietrios das construes detinhaos direitos necessrios para que pudessem exercer a sua propriedade. Por meio de agnciasregulamentadores, os governos, central e local, impunham demasiados encargos para a juno detodos esses direitos. Por exemplo, havia seis agncias para aprovar os contratos de locao dosimveis. Com tamanho nmero de proprietrios, o bloqueio ao uso demonstrava-se imperativo.

    Nesse caso, o governo central no proveu cada indivduo com um bundle of rightsrepresentativo dos direitos de propriedade tal como em uma economia de mercado. Ao reverso,fragmentou direitos e os distribuiu, fragmentadamente, aos governos regionais e locais, a empresasquase-pblicas, a sindicatos e a agncias privadas. Os direitos de propriedade somente eram capazesde ser exercidos quando houvesse unanimidade de vontades.

    Essa situao ilustra, adequadamente, a tragdia dos anticomuns, vale dizer, a sub-utilizaode um recurso pelo fato de aos seus proprietrios ser conferido o direito de excluso e, ainda, pelafalta de hierarquia entre os proprietrios quando da tomada de deciso. Assim, ao agiremisoladamente podem, coletivamente, subutilizar o recurso.

    Mas, qual o motivo que teriam os proprietrios para vetar (excluir) a utilizao do recursoescasso? Com base nos escritos de Ronald Coase, possvel compreender o motivo pelo qual osproprietrios utilizam o seu poder de veto sobre o recurso escasso e, como conseqncia, geram a suasubutilizao.

    Para melhor entendermos o problema, regressaremos ao exemplo das lojas de Moscou, dadopor Hardin. Enquanto a loja permanecesse desocupada, tudo aquilo que um dos proprietrios

    deveria fazer, para ver se os seus direitos estavam ou no sendo respeitados pelos demaisproprietrios, era passar em frente loja e, rapidamente, perceber ou no movimento. De outro lado,caso a loja estivesse em funcionamento, para que qualquer dos proprietrios pudesse verificar se o seudireito estava ou no sendo respeitado pelos demais proprietrios, deveria fazer muito mais do quepassar em frente loja e verificar o movimento. Dito de outra forma, os custos de transaoincorridos pelos proprietrios para deixar a loja fechada muito menor se comparados aos custos queincorreriam para controlar as atitudes de cada um dos agentes ao longo das transaes.47

    45Idem, p. 1246Idem, ibidem.47Idem, p. 64.

  • 5/20/2018 An lise Econ mica Da Propriedade Intelectual

    Luciano Benetti Timm e Renato Caovilla

    EALR, V. 1, n 1, p. 49-77, Jan-Jun, 2010 63

    Universidade Catlica de Braslia - UCB

    A partir do afamado texto de Hardin, em relao tragdia dos anticomuns sobre apropriedade real, h, por parte da doutrina, a alegao de que o mesmo ocorreria com a propriedadeintelectual.48

    Da mesma forma que a multiplicidade de proprietrios dos prdios comerciais das ruas deMoscou gerou a subutilizao do recurso apropriado, a multiplicidade de titulares de direitos depropriedade intelectual ocasionaria a no proliferao de inovaes.49 Para o caso de Moscou, asoluo apontada foi a privatizao. Contudo, especificamente em termos de patentes,50a doutrinano aponta a privatizao como soluo, justamente porque o resultado seria uma tragdia.

    Nos Estados Unidos, a concesso de direitos de propriedade intelectual, aos agentes privados,sobre os resultados de pesquisas cientficas, a partir dos anos 1980, propiciou a apropriao privadasobre algo que, anteriormente, era de domnio pblico.51 Principalmente no ramo das cinciasbiomdicas, Heller & Eisenberg argumentam que os direitos de propriedade intelectual provocamuma fragmentao de direitos, o que faz com que os custos de transao tornem-se elevados para odesenvolvimento de inovaes subseqentes. Isso equivale a dizer que aos titulares dos direitos de

    propriedade intelectual foram concedidos o direito de excluir os demais inovadores, opondo um vetosobre a possibilidade de inovaes futuras. A conseqncia disso seria a tragdia dos anticomuns.52Entretanto, Heller & Eisenberg aplicam, na opinio de Richard Epstein & Bruce Kuhlik, 53a

    analogia da tragdia gerada em termos de propriedade real sobre a propriedade intelectual demaneira equivocada. Isso porque Heller & Eisenberg, ao basearem-se em exemplos tais como as lojasde Moscou ou de praas de pedgio que cobram elevados preos dos motoristas nas estradas,desconsideram a natureza dinmica do processo de inovao.54

    H, ainda, outra referncia em relao ao bloqueio inovao causado por agentes privadosque depositam pedidos de patentes to-somente para impedir que os concorrentes possamdesenvolver produtos similares. So os chamadospatent-trolls.55

    Ademais, o amplo escopo de proteo conferido aos titulares de patentes o que permitidopor escritrio de patentes, pelo fato de ser permitido na respectiva legislao - faz com que qualquer

    48Exemplo de autores que mencionam que a tragdia dos anticomuns um fenmeno que ocorre, tambm, em relao propriedade intelectual: HARDIN. Michael; EISENBERG, Rebeccas. Can Patents Deter Innovation? The Anticommonsin Biomedical Research. Science, 280/5364, 698.; ARAJO, op. cit.; EPSTEIN, Richard. Is There a BiomedicalAnticommons?, Regulation, 27, 54-58.49HARDIN e EISENBERG. op.cit., p. 698.50 Conceito de acordo com a lei brasileira: o ttulo de propriedade limitado no tempo sobre inveno ou modelo deutilidade, o qual conferido pelo Estado ao inventor, sobre objetos ou processos que cumpram os requisitos de novidade,atividade inventiva e aplicao industrial (art. 8, lei 9.279/96).51HARDIN e EISENBERG. op.cit., p. 698.52HARDIN e EISENBERG. op.cit., p. 698.53Idem, ibidem.54Cabe ressaltar, por oportuno, que o processo de inovao caracterizado como um processo no qual novasorganizaes destroem velhas organizaes, novos mercados so suplantados por novos mercados e antigas (ou nem toantigas) tecnologias so superadas por novas tecnologias. Trata-se da idia schumpeteriana de destruio criadora,segundo a qual o desenvolvimento econmico no se d de maneira uniforme, ou na analogia de Schumpeter, noavana uniformemente como cresce uma rvore. Ao reverso, as novas combinaes, como podem ser caracterizadasaquelas derivadas da inovao tecnolgica, tais como, novos produtos, novos processos produtivos, novos mercados,outras organizaes, no so distribudas uniformemente atravs dos tempos, mas aparecem, descontinuamente, emgrupos ou bandos, cf. SCHUMPETER, Joseph A. Teoria do Desenvolvimento Econmico: uma investigao sobre lucros,

    capital, crdito, juro e o ciclo econmico. Trad. de Maria Slvia Possas, 2 Ed., So Paulo: Nova Cultural, 1985, p. 148.55RIMMER, Matthew. Patent Trolls and Patent-Buster. ABC News: http://www.abc.net.au/news/stories/2008/04/21/2222428.htm. Acessado em 21/04/2008.

  • 5/20/2018 An lise Econ mica Da Propriedade Intelectual

    As Teorias Rivais sobre a Propriedade...

    64 EALR, V. 1, n 1, p. 49-77, Jan-Jun, 2010

    Universidade Catlica de Braslia - UCB

    inovao sobre o objeto protegido constitua uma infrao. A conseqncia o fenmeno do lock-out,podendo causar a inviabilidade de setores industriais.56

    Sem falar ainda na discusso sobre medicamentos e sade pblica, em que a mencionadatragdia dos anti-comuns se acentuaria sobremaneira (como se ver abaixo).

    Inobstante, a prpria doutrina que argumenta em favor da possibilidade da ocorrncia datragdia dosanticommons, na seara da propriedade intelectual, reconhece a no-existncia de dadosempricos confirmando a hiptese.57

    Alis, as pesquisas empricas apontam o contrrio. John P. Walsh, Ashish Arora e Wesley M.Cohen58conduziram 70 entrevistas com (i) advogados atuantes na rea da propriedade intelectual,(ii) cientistas, (iii) gerentes da indstria farmacutica, (iv) empresas de biotecnologia, (v) escritriosde transferncia de tecnologia de universidades e (vi) agentes governamentais, com o propsito deaveriguar a hiptese de o patenteamento de ferramentas de pesquisa ter por conseqncia o retardoda produo de inovaes na rea especfica das cincias biomdicas.

    Como resultado, os autores da pesquisa obtiveram que:

    Nenhum dos pesquisados informou que os projetos de importncia para a respectivainstituio no deixarem de ser desenvolvidos em razo de dificuldade a ferramentas depesquisas protegidas por direitos de propriedade intelectual;As universidades e as indstrias pesquisadas adotaram working solutions, capazes deviabilizar os seus projetos de pesquisa e desenvolvimento, tais como: a) licenciamento detecnologia; b) inventing around; c) utilizao de patentes estrangeiras no depositadas nopas da pesquisa; d) utilizao de bases pblicas de dados e de ferramentas de pesquisas, (e)disputas judiciais e, finalmente, (f) valer-se da tecnologia sem a permisso do titular dodireito;

    O licenciamento de tecnologia expediente comum na indstria farmacutica, o quesugere que o problema do acesso a ferramentas protegidas por direitos de propriedadeintelectual tornam-se acessveis pela via contratual (contrato de transferncia de tecnologia);A maioria dos pesquisados responderam que a infrao da patente, principalmente, poruniversidades comum, o que justificado com exceo para pesquisa;1/3 das indstrias pesquisadas reconheceram valer-se de ferramentas patenteadas semobter a devida licena, o que, da mesma forma, justificado como exceo para pesquisa;

    56MUELLER, Nicole Sigrid. Should Research Tools Be Patentable?Troubles & Chances of Patenting Research Toolsin Biotechnology and Nanotechnology (August 31, 2008). Disponvel em SSRN: http://ssrn.com/abstract=1265731.Acessado em 31/08/2008.57 Idem, p. 44. There is no empirical evidence of its occurrence. It is difficult to conduct studies of anticommons inbiotechnology. That is because licensing negotiations may be cancelled without leaving any traces in the files, especially ifthey stay mere ideas. Additionally, the reasons for cancelling negotiations may be complex and difficult to be assigned toa certain problem, but in any case if files exist they are most likely to be confidential. A mistake of the anticommonstheory, however, is that it does not consider the supplemental strategies companies may adopt to prevent innovationfrom being slowed down. Those include strategies such as inventing around blocking patents, going offshore,committing legally unsanctioned infringement and litigation against patent validity. Other strategies depend oncooperation between companies like creation of private research exemptions, agreeing on non-enforcement, cross-

    licensing agreements, patent pools or clearing houses.58WALSH, John P.; ARORA, Ashish; WESLEY, M. Cohen. Working Through the Patent Problem. Science,24/02/2003, Vol. 299, n 5609, p. 1021.

  • 5/20/2018 An lise Econ mica Da Propriedade Intelectual

    Luciano Benetti Timm e Renato Caovilla

    EALR, V. 1, n 1, p. 49-77, Jan-Jun, 2010 65

    Universidade Catlica de Braslia - UCB

    A maioria das indstrias pesquisadas revelou que tolera a infrao de suas patentes pelasuniversidades (com exceo das patentes sobre processos de diagnsticos a ser utilizados emtestes clnicos), vez que este uso tem o condo de elevar o valor da tecnologia patenteada.

    Essa teoria da tragdia dos anticommons, revela-se no Brasil no debate dos juristas em tornodo abuso de direito (artigo 187 do Cdigo Civil) e sobretudo da funo social da propriedade(inclusive intelectual) e da chamada constitucionalizao do Direito Civil, movimentos quedefendem a releitura do Direito Privado a partir das lentes dos direitos fundamentais (inclusive ossociais ou positivos e no apenas os meramente negativos).

    No Brasil, principalmente aps a Constituio de 1988, ganha fora na doutrina adenominada funo social da propriedade, constitucionalmente prevista, alm de previso expressaigualmente no art. 1228 do Cdigo Civil Brasileiro. No prximo tpico, fazemos a anlise dotratamento do tema pela doutrina brasileira.

    2.2.2.

    A Funo Social da Propriedade Intelectual no Brasil

    Em diversos pases de civil law, a noo de funo social emerge em contraposio concepo dita individualista e liberal do direito de propriedade.59Trata-se de um modelo solidaristade direito privado, cuja gnese, encontra-se nas diversas formas de socialismo, na sociologia cientficade Durkheim60 bem como na doutrina social da Igreja Catlica revelada por meio das EncclicasRerum Novarum (do Papa Leo XIII),Quadragsimo Ano (do Papa Pio XI),La Solemita e Oggi(doPapa Pio XII),Mager et Magistra(do Papa Joo XIII) ePopulorum Progressio(do Papa Paulo VI), aqual propugnava pela harmonizao entre os interesses individuais e os anseios coletivos, chegando aasseverar que, sobre a propriedade, deveria incidir uma espcie de hipoteca social, com os bens

    materiais bastando apenas para o suprimento das necessidades bsicas dos indivduos, indo deencontro ao fato de que estes pudessem valer-se do excedente em detrimento daqueles que nadadetinham.61

    Em assim sendo, no proprietrio no se reconhecia o titular de direito subjetivo, mas, aoreverso, o detentor da riqueza, mero administrador da coisa que deveria ser socialmente til.62

    J no sculo XIX, a concepo da funo social era desenvolvida pelas obras socialistas eanarquistas da Europa Industrializada,63 mas ganhou status constitucional, to-somente, com a

    59TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. A Garantia da Propriedade no Direito Brasileiro. Revista daFaculdade de Direito de Campos, Ano VI, N 6 - Junho de 2005, p. 102.60 No possvel exista funo social sem disciplina moral. Pois, doutra forma, j no estariam em presena senoapetites individuais; e, como so, naturalmente, infinitos, insaciveis, se nada os regrasse, eles que no saberiam regrar-sea si mesmos. (...) Esses interesses sociais que o indivduo deve levar em conta, no os apercebe seno confusamente e,por vezes, at, no os apercebe por lhe serem externos, por serem os interesses de algo que ele, indivduo, no . (...)Cumpre, pois, realmente, haja uma organizao que os lembre, ao indivduo, e o obrigue a respeit-los; e essaorganizao no pode ser seno uma disciplina moral. Pois, toda disciplina desses gnero um corpo de regras aprescrever, ao indivduo, aquilo que deve fazer para no atentar contra os interesses coletivos, para no desorganizar asociedade da qual faz parte., cf. DURKHEIM, Emile. Lies de Sociologia: a Moral, o Direito e o Estado. Trad. J.B.Damasco Penna. So Paulo: T. A. Queiroz, Ed da Universidade de So Paulo, 1983, pp. 10; 13; 14.61GAMA, Guilherme Calmon Nogueira Gama; CIDA D, Felipe Germano Cacicedo, in GAMA, Guilherme CalmonNogueira (org).Funo Social no Direito Privado e Constituio. So Paulo: Atlas, 2007, p. 5 e 6.62

    FORNEROLLI, Luiz Antonio Zanini. A propriedade relativizada por sua funo social. Jurisprudncia Catarinense.Florianpolis, Tribunal de Justia, v. 106, p. 200.63GAMA e CIDAD, op.cit., p. 18.

  • 5/20/2018 An lise Econ mica Da Propriedade Intelectual

    As Teorias Rivais sobre a Propriedade...

    66 EALR, V. 1, n 1, p. 49-77, Jan-Jun, 2010

    Universidade Catlica de Braslia - UCB

    edio da Constituio mexicana, de 1917 e, ao depois, com a Constituio alem, de 1919, aConstituio de Weimar.

    No Sculo XX, com o final da Primeira Grande Guerra, o Estado passa a ser maisintervencionista, haja vista as mazelas trazidas pelo conflito. Da posio de instrutor das regras dojogo, o Estado passa a ser jogador, atuando diretamente no desenvolvimento econmico. Em razo,por exemplo, dos problemas habitacionais advindos do referido confronto, as leis locatcias passam afavorecer os locatrios. O mesmo se d com os empregados, em vista do problema de desempregoenfrentado, principalmente, pelos pases derrotados.

    Assim, novas leis sobre acidente de trabalho e responsabilidade civil foram promulgadas, margem dos princpios estruturais do Cdigo Civil, sacrificando o princpio da liberdade contratuale da responsabilidade civil subjetiva.64

    Aps a Primeira Grande Guerra tem-se a elaborao de leis que prevem o remdio paracasos que necessitam ser imediatamente sanados, ocorrendo aumento da legislao especial, tanto noconcernente ao setor privado, quanto ao setor pblico, porquanto o Estado passa a intervir naeconomia, em prejuzo da sistematicidade do Cdigo Civil.

    Desse modo, em que pese esteja, ainda, no centro do ordenamento jurdico, o Cdigo Civilvai passando de lei geral a lei residual, vez que a pletora de leis efmeras passa a sustentar as baseslegislativas especficas para determinada situao, as quais so resultado de ativos gruposintermedirios que pressionam no sentido de formulao de leis particulares que lhe so favorveisdeixando para o Cdigo Civil a previso geral da matria. A especificao das leis, como satlitesautnomos procuram regies prprias na rbita incontrolada da ordem jurdica, (...) formando-semicrossistemas legislativos apartado do macrossistema do Cdigo Civil.65

    A descodificao propriamente dita surge em diferentes pases e em discrepantes momentos,na medida em que vo caindo as potncias militares totalitrias.

    Sempre que h a mudana de regime, h a inaugurao de uma nova ordem jurdica. Pois, asordens jurdicas ps-Segunda Guerra Mundial erigiram-se com a Constituio garantidora dosdireitos sociais no centro do ordenamento jurdico. nesse sentido que se fala em descodificao,para apontar a relativizao do Cdigo Civil, submetendo os seus princpios aos princpiosconstitucionais, mais protetores, mais interventores, menos individualistas, mais sociais.

    No Brasil, aps a Constituio de 1934, diversas leis especiais foram editadas emconformidade com a concepo social da propriedade, subjugando a matria principiolgica doento Cdigo Civil, de 1916, como, por exemplo, o Estatuto da Terra (1964), o Estatuto da Mulher(1962), a Lei do Inquilinato (1979/1991), a alienao fiduciria em garantia (DL 911/69).66

    64TIMM, Luciano Benetti. Descodificao, Constitucionalizao e Descentralizao no Direito Privado: o Cdigo Civilainda til?op.cit., p. 237.65Esta leitura leva-nos a constatar que a propriedade saiu das razes do direito civil, mas que atualmente encontra umateia de normas (administrativa, consumerista, comercial, tributria etc.) que aambarca e tem por fundamento aspremissas insculpidas na Constituio Federal. Positivou-se, assim, um novo regime jurdico para o entendimento doinstituto da propriedade. FORNEROLLI, op.cit., p. 203.66O Cdigo Civil brasileiro, de 2002, no 1, do artigo 1.228, expressamente prev que a propriedade deve atender uma

    funo social, verbis: 1o

    O direito de propriedade deve ser exercido em consonncia com as suas finalidades econmicase sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezasnaturais, o equilbrio ecolgico e o patrimnio histrico e artstico, bem como evitada a poluio do ar e das guas.

  • 5/20/2018 An lise Econ mica Da Propriedade Intelectual

    Luciano Benetti Timm e Renato Caovilla

    EALR, V. 1, n 1, p. 49-77, Jan-Jun, 2010 67

    Universidade Catlica de Braslia - UCB

    No texto constitucional de 1946, no Brasil, a noo de propriedade resultou vinculada aobem-estar social, objetivando a sua justa distribuio em igualdade de condies para todos. NaCarta de 1967, a funo social foi erigida categoria de princpio da ordem econmica e social.67

    Quanto Constituio Federal de 1988, corriqueiro o entendimento de que nela estprevisto, no inciso XII, de seu artigo 5, o direito propriedade, mas que, no inciso imediatamenteposterior, XIII, previsto est que a propriedade atender a sua funo social.

    A partir disso, declinam-se ilaes do tipo que propriedade o ordenamento brasileiro noconfere proteo, seno quando imbuda de sua funo social. Vale dizer, ou a propriedade cumpre asua funo social ou no protegida.68 Trata-se da idia solidarista de Duguit, segundo a qual osdireitos de um homem no lhe so alcanados pela sua qualidade de homem, mas, sim, so um poderque lhe permite cumprir, na verdade, um dever, pelo fato de ser um homem social. Assim, o direitode propriedade caracterizaria um dever e no um direito.

    Nesse sentido, afirma Duguit:69

    Fundando-se o direito objetivo na solidariedade social, o direito subjetivo da deriva, diretae logicamente. E sendo todo o indivduo, com efeito, obrigado pelo direito objetivo acooperar na solidariedade social, resulta disso, necessariamente, que ele tem o direito depraticar todos aqueles atos pelos quais coopera na solidariedade social e de impedir que,seja quem for, obste realizao do papel social que lhe incumbe. O homem que vive emsociedade tem direitos; mas estes direitos no so prerrogativas que lhe pertenam na suaqualidade de homem; so poderes que lhe pertencem porque, sendo homem social, temum dever a cumprir e deve ter o poder de cumprir tal dever. V-se como se est longe daconcepo do direito individual. No so os direitos naturais, individuais, imprescritveisdo homem que fundamentam a regra de direito que se impe aos homens em sociedade. ,pelo contrrio, porque existe uma regra de direito que obriga cada homem a desempenharcerto papel social, que cada homem goza de direitos, - direitos que tm assim por princpioe por limites a misso que devem desempenhar. (...) Tem, por conseguinte, o direito dedesenvolver livremente a sua atividade; mas, ao mesmo tempo, s possui esse direito namedida em que consagra a sua prpria atividade realizao da solidariedade social.

    67TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. A Garantia da Propriedade no Direito Brasileiro. Revista daFaculdade de Direito de Campos, Ano VI, N 6 - Junho de 2005, p. 103.68 Em outras palavras: no h, no texto constitucional brasileiro, garantia a propriedade, mas to-somente, garantia propriedade que cumpre a sua funo social. (...) A garantia da propriedade no tem incidncia, portanto, nos casos emque a propriedade no atenda a sua funo social, no se conforme aos interesses sociais relevantes cujo atendimento

    representa o prprio ttulo de atribuio de poderes ao titular do domnio. Idem., p. 105. Jos Afonso da Silva apontaque A atual Constituio, como se ver no texto, ainda mais enftica nesse sentido, de tal sorte que a propriedade nose concebe seno como funo social, in SILVA, Jos Afonso da. Comentrio Textual Constituio.1 Ed. So Paulo:Malheiros, 2005, p. 117. FORNEROLLI afirma que Contudo, instalou no inc. XXIII um inciso aps a garantia dapropriedade, a inteno socializante de que a propriedade dever atender a sua funo social, em FORNEROLLI, op.cit., p. 203. No mesmo sentido, BOHEN FILHO, Alberto. Cidade, propriedade e o novo paradigma urbano no Brasil.Revista Jurdica da Universidade de Franca, 2005.HAJEL, Flavia Nassif. A funo social da propriedade no cdigo civil.Revista Jurdica da Universidade de Franca, 2004; MARQUES, Benedito Pereira. Justia agrria, cidadania e incluso

    social. Procuradoria-Geral da Justia Militar, 2005; SALLES, Venicio Antonio de Paula. O direito de propriedade em facedo novo cdigo civil. Revista do Tribunal Regional Federal, 2004; TEIZEN JUNIOR, Augusto Geraldo. A funo socialno cdigo civil. Revista dos Tribunais, 2004; TEPEDINO, Gustavo Jos Mendes. Contornos constitucionais da

    propriedade privada. Revista Dialtica de Direito Processual, 2004.69DUGUIT, Lon. Fundamentos do Direito. Trad. Eduardo Salgueiro. Porto Alegre: Srgio Antnio Fabris Editor,2005, p. 25.

  • 5/20/2018 An lise Econ mica Da Propriedade Intelectual

    As Teorias Rivais sobre a Propriedade...

    68 EALR, V. 1, n 1, p. 49-77, Jan-Jun, 2010

    Universidade Catlica de Braslia - UCB

    Ainda que no se concorde integralmente com a preciso dessas afirmativas postas, importante, ento, questionar o que se entende por funo social.

    Com efeito, preencher o contedo de tal clusula genrica tarefa rdua. A propagao doentendimento de que o princpio da funo social deve ser observado alerta para a forma, masdescura do seu contedo. Ou seja, propugna-se por sua aplicao imediata, fornecendo-se aseventuais bases propcias para tanto, mas no se queda demonstrado o que, de fato, vem a ser afuno social da propriedade e quando realmente a coletividade aumenta o seu bem-estar nojulgamento de um determinado caso concreto.

    Nesse sentido:

    O efetivo controle desta conformidade somente pode ser feito em concreto, pelo PoderJudicirio, no exame dos conflitos que se estabelecem entre os interesses proprietrios eaqueles no-proprietrios. Os tribunais brasileiros tm desempenhado seu papel, como se

    v das decises mais recentes (...).70

    O aspecto problemtico desse modelo social ou solidarista, como vem sendodenominado, o alto risco da politizao do Direito.71

    Em assim sendo, de acordo com esse modelo solidarista, a funo social da propriedadesignificaria a correo do desequilbrio de poderes vigente na sociedade, vale dizer, fazer justiadistributiva no mbito do direito privado, de modo a neutralizar desigualdades sociais,desconsiderando as conseqncias causadas ao sistema econmico.72

    Com efeito, como j visto, no Brasil, segundo parte substancial da literatura jurdica, apropriedade ou cumpre uma funo social ou no propriedade. Isso dito em relao propriedadesobre bens tangveis. Contudo, o mesmo posicionamento adotado em relao propriedadeintelectual?

    Para Jos Afonso da Silva, a Constituio Federal de 1988 abriga a tese de que a propriedadeno se constitui em instituio nica, mas vrias instituies diferenciadas, em correlao com osdiversos tipos de bens e de titulares, de onde ser cabvel falar no em propriedade, mas empropriedades.73

    Nesse sentido, tem-se, segundo o mesmo autor,74a propriedadepblica, a propriedadesocial,a propriedade privada, a propriedade agrcola, a propriedade rural, a propriedade urbana, apropriedade de bens de consumo, a propriedade de bens de produo, a propriedade de uso pessoal,dentre outras.

    70TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. A Garantia da Propriedade no Direito Brasileiro. Revista daFaculdade de Direito de Campos, Ano VI, N 6 - Junho de 2005, p. 107.71Nesse sentido, um estudo desenvolvido por Armando Castelar Pinheiro demonstrou que 73,1% dos magistrados queresponderam pesquisa pensam que o juiz tem um papel social a cumprir e a busca da justia social justifica decises queviolem os contratos, cf. PINHEIRO, Armando Castelar. Direito e Economia num mundo globalizado: cooperao ouconfronto?InTIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito e Economia. 2 Ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p.38.72 Em termos de atuao do Poder Judicirio para o fim de aplicao, no caso concreto, da funo social de centraisinstitutos jurdicos, tem-se que o corolrio do subjetivismo, na hermenutica de clusulas genricas, a incerteza jurdica,que se queda prejudicada e potencializada por um sistema processual confuso, que no dispe de suficientes mecanismosde uniformizao jurisprudencial, conduzindo o juiz ao extremo de sua liberdade de decidir, ainda que isso colida com o

    interesse coletivo de previsibilidade das decises.73SILVA, Jos Afonso da. Comentrio Contextual Constituio. 1 Ed., So Paulo: Malheiros, 2005, p. 118.74Idem, ibidem.

  • 5/20/2018 An lise Econ mica Da Propriedade Intelectual

    Luciano Benetti Timm e Renato Caovilla

    EALR, V. 1, n 1, p. 49-77, Jan-Jun, 2010 69

    Universidade Catlica de Braslia - UCB

    Esse sistema de propriedades, na viso de Jos Afonso da Silva, no difcil de sercompreendido, desde que tenhamos em mente que o regime jurdico da propriedade no umafuno do direito civil, mas de um complexo de normas administrativas, urbansticas, empresariais(comerciais) e civis (certamente), sob fundamento das normas constitucionais.75 Assim, o textoconstitucional insculpe o princpio da funo social da propriedade, o qual deve ser aplicado aquaisquer das aludidas modalidades.

    A propriedade intelectual, prevista constitucionalmente,76no seria exceo visopublicistada propriedade. E como tal, a limitao decorrente da necessidade de sua utilizao visando ocumprimento de uma funo promotora do desenvolvimento social, no lhe escaparia.

    Nesse sentido:

    A definio do termo propriedade, mencionado nos incisos XXII e XXIII do artigo 5 daConstituio, permite demonstrar que toda propriedade dever atender sua funosocial. Ao assim dispor a Constituio prev que o interesse individual do proprietrio terque se subordinar ao seu exerccio adequado, conforme os parmetros sociais vigentes ou

    determinados em lei (...) Assim sendo, no s pela importncia atualmente conferida aosdireitos relacionados propriedade industrial, essenciais para o desenvolvimento nacional,mas tambm, por tratar-se de direitos de propriedade assim reconhecido pela doutrina tais como os demais existentes e protegidos pela Constituio da Repblica de 1988, apropriedade industrial sujeita-se aos limites constitucionais impostos a toda e qualquer

    propriedade privada.77

    Essa viso da propriedade intelectual a partir do vis constitucional poderia justificar, comode fato justificou medidas governamentais desfavorveis propriedade intelectual, como a adotadano Brasil contra a Merck, concedendo licena compulsria de fabricao do medicamento Efavirenz.

    A idia subjacente a de que os direitos de propriedade intelectual devem estar a servio do

    interesse pblico e de sua funo social, associados aqui com justia distributiva e acesso amedicamentos.

    Mas, a despeito do discurso terico, resta saber se o respeito aos direitos de propriedadeintelectual tem ou no o condo de promover o desenvolvimento de inovaes.

    3.As Implicaes e as Evidncias da Propriedade Intelectual no Brasil

    No ano 2000, no Brasil, o Estado investia mais em cincia e tecnologia (C&T) do que o setorprivado. Nesse sentido, o Estado gastou, no referido ano, R$ 8.651,3 bilhes (oito bilhes seiscentos

    75Idem., ibidem.76Artigo 5, da CF, XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilizao, publicao ou reproduo de suasobras, transmissvel aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; XXVIII - so assegurados, nos termos da lei: a) a proteo sparticipaes individuais em obras coletivas e reproduo da imagem e voz humanas, inclusive nas atividadesdesportivas; b) o direito de fiscalizao do aproveitamento econmico das obras que criarem ou de que participarem aoscriadores, aos intrpretes e s respectivas representaes sindicais e associativas; XXIX - a lei assegurar aos autores deinventos industriais privilgio temporrio para sua utilizao, bem como proteo s criaes industriais, propriedadedas marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento

    tecnolgico e econmico do Pas;77cf. MONTEIRO, Renata Pozzato Carneiro. A Funo Social da Propriedade na Constituio da Repblica de 1988 ea Propriedade Industrial. Revista da ABPI, n 69, Mar/Abr, de 2004, p. 27.

  • 5/20/2018 An lise Econ mica Da Propriedade Intelectual

    As Teorias Rivais sobre a Propriedade...

    70 EALR, V. 1, n 1, p. 49-77, Jan-Jun, 2010

    Universidade Catlica de Braslia - UCB

    e cinqenta e um milhes e trezentos mil), ao passo que a iniciativa privada, no mesmo perodo,despendeu R$ 5.699,1 bilhes (cinco bilhes seiscentos e noventa e nove milhes e cem mil).78

    No ano de 2004, no Brasil, os gastos em Pesquisa e Desenvolvimento, em termospercentuais, eram efetuados, em 60%, pelo Estado, e, em 40%, pelo setor privado.79 de serressaltado, ainda, que nos pases da Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico(OCDE) a relao entre investimento em P&D e Produto Interno Bruto (PIB) de, em mdia,2,5%, destacando-se a Coria do Sul, pas em que a referida relao de 3%. Por outro lado, noBrasil, a relao entre investimentos em P&D e PIB de 1%.80

    Em que pese tal constatao, verifica-se que o nmero de pedidos de patentes depositados noBrasil, por solicitantes residentes no Brasil, apresenta pequeno e constante crescimento (salvopequenas excees) desde o incio da dcada de 1990, segundo dados do Instituto Nacional dePropriedade Industrial (INPI).81

    Cabe notar, por relevante, que o nico perodo no qual se percebe, claramente, um salto nonmero de pedidos depositados deu-se entre os anos de 1996 e 1997, poca em que, justamente,entrou em vigor a nova Lei de Propriedade Industrial, a Lei n 9.279/1996. Nesse sentido, tem-seque, em 1996, foram depositados 17.916 pedidos e, no ano de 1997, houve 20.354 depsitos depedidos.82

    Contudo, em mbito internacional, a situao brasileira no varia em demasia em relao asi prpria. O que deve ser levado em conta, inobstante, a disparidade que emerge quando dacomparao entre o Brasil e pases que, no incio da dcada de 1980, encontravam-se, em termos depedidos e concesso de patentes no United States Patent and Trademark Office (USPTO), emsituao assemelhada.

    Com efeito, no ano de 1980, no USPTO, residentes brasileiros depositaram 53 (cinqenta etrs) pedidos e obtiveram 24 (vinte e quatro) concesses, ao passo que os residentes na Coria do Sul,

    por exemplo, depositaram, no mesmo ano, 33 (trinta e trs) pedidos e obtiveram 8 (oito)concesses.83Todavia, de ser referida a desigualdade entre estes dois pases no ano de 2006: o Brasildepositou 333 (trezentos e trinta e trs) pedidos e obteve 152 (cento e cinquenta e duas) concesses;

    78BRASIL, Ministrio da Cincia e Tecnologia. Brasil: Investimentos nacionais em cincia e tecnologia (C&T)(1) , 2000-2006. Disponvel em: http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/9058.html. Acesso em: 03.set.2008.79SALERMO, Mario Sergio; KUBOTA, Luis Claudio. Estado e Inovao. In DE NEGRI, Joo Alberto; KUBOTA,

    Luis Claudio.Polticas de Incentivo Inovao Tecnolgica no Brasil. Braslia: IPEA, Cap. 1, p. 24, 2008.80TAKAI, Anselmo; CAMARGO, Hlio; MENDES, Ricardo; SENNES, Ricardo. Propriedade Intelectual e Inovao:uma anlise de dez instituies brasileiras. In CENTRO DE GESTO E ESTUDOS ESTRATGICOS. ParceirasEstratgicas. Braslia: CGE, N 26, Junho 2008, p. 180.81, cf. BRASIL, Ministrio da Cincia e Tecnologia. Brasil: Pedidos de patentes depositados no Instituto Nacional dePropriedade Industrial (INPI), segundo tipos e origem do depositante, 1990-2006. Disponvel em:http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/5688.html. Acesso em: 06.set.2008. Entretanto, deve ser notado queos no-residentes depositam mais patentes no INPI do que os residentes brasileiros o fazem.82Assim, veja-se nmero de pedidos em relao ao ano: 12.744 (1990); 11.891 (1991); 10.909 (1992); 12.639 (1993);13.362 (1994); 15.839 (1995); 17.916 (1996); 20.354 (1997); 21.526 (1998); 23.877 (1999); 24.151 (2000); 24.348(2001); 23.995 (2002); 24.753 (2003); 26.702 (2004); 26.398 (2005); 26.509 (2006); cf. Idem, ibidem.83

    BRASIL, Ministrio da Cincia e Tecnologia. Brasil: Brasil: Pedidos e concesses de patente de inveno depositados porresidentes no Brasil no escritrio de marcas e patentes dos Estados Unidos da Amrica, 1975-2007. Disponvel em:http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/5702.html. Acesso em: 09/09/2008.

  • 5/20/2018 An lise Econ mica Da Propriedade Intelectual

    Luciano Benetti Timm e Renato Caovilla

    EALR, V. 1, n 1, p. 49-77, Jan-Jun, 2010 71

    Universidade Catlica de Braslia - UCB

    a Coria do Sul depositou 21.963 (vinte e um mil novecentos e sessenta e trs) pedidos e obteve5.835 (cinco mil oitocentos e trinta e cinco) concesses.84

    O Brasil, em termos de cincia e tecnologia, um pas tardio. A sua indstria desenvolveu-se,to-somente, na segunda metade do sculo XX, bem como a estruturao dos cursos de ps-graduao deu-se no antes da dcada de 1970.85

    As polticas governamentais brasileiras tm o seu foco voltado muito mais para a pesquisaacadmica, descompromissada com os resultados prticos, do que para o desenvolvimento deinovaes nas empresas.

    Com o apoio de rgos pblicos, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientficoe Tecnolgico (CNPq), da Financiadora de Projetos (FINEP) e da Coordenao deAperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Capes), o Brasil investiu, a partir do ltimo quartodo sculo XX, em cincia e em mecanismos de financiamento para o desenvolvimento de pesquisacientfica nas universidades e nos institutos de pesquisa. Por outro lado, deixou a descoberto odesenvolvimento de inovaes tecnolgicas nas empresas.

    Com efeito, em que pese a existncia de tentativas por parte do governo brasileiro defomentar a inovao no setor privado,86somente a partir de 2003, com a adoo da PolticaIndustrial, Tecnolgica e de Comrcio Exterior (PITCE) e de seus derivados, tais como, a Lei deInovao e a Lei do Bem, que as instituies (no sentido dado por Douglass North) brasileiraspassaram a induzir a inovao nas empresas nacionais.87

    O processo de inovar complexo. No basta ter uma boa produo cientfica sem que, aliadoa isso, se tenha uma boa base produtiva, capacitada para empregar o desenvolvimento cientfico nodesenvolvimento de novos produtos e processos. No Brasil, durante muito tempo a cincia e atecnologia tiveram caminhos paralelos. Isso resultado, tambm, da noo decorrente do modelolinear de inovao.

    Este modelo, desenvolvido por Vannevar Busch, em seu trabalho denominado Science TheEndless Frontier, prev que, de um lado, as atividades de pesquisa bsica deveriam ser desenvolvidas

    84 A Coria do Sul no calcou a sua indstria nas infraes de copyrights ou de patentes relativamente aos produtosamericanos e japoneses (alis, as reas nas quais a Coria tornou-se deficiente, na dcada de 1990 foram, justamente,aquelas em que a sua proteo propriedade intelectual era fraca. Por exemplo, filmes, produtos farmacuticos, produtosqumicos). Ao contrrio, valeu-se da chamada engenharia reversa, instrumento utilizado para que a indstria aprendesseo funcionamento da tecnologia e, com isso, produzisse os seus prprios produtos. Mas estes deveriam suficientementedistinguir-se dos que serviam de paradigma, para que pudessem ser patenteados nos Estados Unidos e no Japo. Outro

    expediente de que se valeu a Coria foi a criao de subsidirias locais de empresas multinacionais a fim de celebrar jointventures, com o objetivo de exportao de produtos e peas acabados, cf. SHERWOOD, op.cit., p. 175. Ainda, cabenotar que intento sul-coreano, na dcada de 1980, foi parecido com o do Brasil, a saber, fortalecer a indstria nacional.Entretanto, o governo coreano investiu nos chamados chaebols, fazendo com que competissem internacionalmente(alguns desses conglomerados so Hyundai, LG, Daewoo e Samsung), ao passo que a indstria brasileira, no referidoperodo, por sua posio de principiante, foi protegida da concorrncia internacional.85SALERMO, Mario Sergio; KUBOTA, Luis Claudio. Estado e Inovao. In DE NEGRI, Joo Alberto; KUBOTA,Luis Claudio.Polticas de Incentivo Inovao Tecnolgica no Brasil. Braslia: IPEA, Cap. 1, p. 31, 2008.86Faz-se referncia, no final da dcada de 1990, na esteira d