ANÁLISE DOS PROCESSOS DE DIFRAÇÃO E REFRAÇÃO DE …siaibib01.univali.br/pdf/Marina Werner...
Transcript of ANÁLISE DOS PROCESSOS DE DIFRAÇÃO E REFRAÇÃO DE …siaibib01.univali.br/pdf/Marina Werner...
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS TECNOLÓGICAS DA TERRA E DO MAR – CTTMar
CURSO DE OCEANOGRAFIA
ANÁLISE DOS PROCESSOS DE DIFRAÇÃO E REFRAÇÃO DE ONDAS NA PRAIA
DE PIÇARRAS, E SUAS CONSEQUÊNCIAS NO TRANSPORTE DE SEDIMENTOS,
UTILIZANDO MODELAGEM NUMÉRICA
MARINA WERNER BEAL
ITAJAÍ
2013
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS TECNOLÓGICAS DA TERRA E DO MAR – CTTMar
CURSO DE OCEANOGRAFIA
ANÁLISE DOS PROCESSOS DE DIFRAÇÃO E REFRAÇÃO DE ONDAS NA PRAIA
DE PIÇARRAS, E SUAS CONSEQUÊNCIAS NO TRANSPORTE DE SEDIMENTOS,
UTILIZANDO MODELAGEM NUMÉRICA
MARINA WERNER BEAL
Trabalho de Conclusão de
Curso apresentado ao curso
de Oceanografia, para a
obtenção do grau de
Oceanógrafa.
Orientador: Rafael Sangoi
Araujo, MSc.
ITAJAÍ
2013
iii
NOTA
O presente documento – Trabalho de
Conclusão de Curso – faz parte do
processo de avaliação da disciplina
Projeto de Graduação do curso de
Oceanografia da UNIVALI, a qual tem
os seguintes objetivos:
Proporcionar aos acadêmicos,
condições complementares de atividades de aprendizagem teóricas e práticas nos diferentes campos de atuação profissional;
Proporcionar condições para que
os acadêmicos formados desenvolvam atitudes e hábitos profissionais, bem como adquiram, exercitem e aprimorem seus conhecimentos;
Estimular a especialização em um
campo de atividade específica;
Promover a integração entre o acadêmico formado e o mercado de trabalho.
O TCC é resultado do trabalho do
aluno, executado sob orientação de um
professor orientador. Por ter como
finalidade documentação de aprendizado,
não se trata de uma publicação científica
estrito senso, sendo que os métodos
empregados, resultados e conclusões
obtidas, devem ser consideradas nesse
contexto. Maiores informações sobre o
conteúdo específico do documento podem
ser obtidas com o autor ou professor
orientador do trabalho.
iv
Dedico esta obra à minha bisavó Cilda, por todo amor que lhe tenho,
e por não poder ver-me chegar aqui.
v
Agradeço:
à Deus, por provar que seus caminhos são perfeitos;
aos meus pais, por me ensinarem a ser independente, mesmo sem saber;
à minha irmã Renata, por estar sempre ao meu lado, de qualquer forma;
aos meus avós, por acreditarem, cegamente, no meu potencial;
à Fernando Sanchez, por demonstrar seu amor na forma de paciência, e por ajudar-
me em cada momento mais difícil;
aos meus amigos de curso e de vida, por tornarem inesquecíveis os anos de estudo;
ao Laboratório de Mergulho e todos os seus integrantes, por estarem presentes em
todos estes anos e por me mostrarem um mundo novo;
ao professor Rafael Sangoi, pelo privilégio de tê-lo como orientador;
aos professores da UNIVALI, por todo o conhecimento transmitido;
ao Programa Universidade para Todos, pela oportunidade de crescer.
vi
“Tenho a impressão de ter sido uma criança brincando a beira-mar, divertindo-me em
descobrir uma pedrinha mais lisa ou uma concha mais bonita, enquanto o imenso oceano de
verdade continua misterioso diante dos meus olhos.”
Isaac Newton
vii
RESUMO
O ajuste mútuo entre a topografia e a dinâmica do fluido envolvendo transporte de
sedimentos caracteriza a morfodinâmica costeira. Na costa, devido à variação de
profundidade e a presença de obstáculos, ocorrem diversos processos físicos que
evidenciam esta dinâmica. Estes processos determinam a transformação das ondas
em águas rasas, que a partir daí tem sua direção de propagação alterada, o que
resulta em formação de correntes, concentração de energia e transporte de
sedimentos, que ocasionalmente resulta em erosão da linha de costa. A Praia de
Piçarras localiza-se no centro-norte de Santa Catarina e possui uma dinâmica tal que
todos estes processos ocasionados pela incidência de ondas na costa são bem
destacados. Assim, o presente trabalho teve por objetivo avaliar os processos de
difração e refração de ondas no local, com intuito de avaliar a chegada das ondas na
costa, a concentração e dispersão da energia das mesmas, as correntes geradas
pelas ondas a influência destas no transporte de sedimentos da área de estudo. Para
isso foi utilizado o software de modelagem numérica Delft 3D, capaz de modelar
propagação e transformação de ondas, formação de correntes e transporte de
sedimentos, entre outros processos. Foram escolhidos cenários de incidência de
ondas distintos, verificando-se que as ondas predominantes do quadrante leste, ainda
que de menor intensidade, influenciam mais na costa do que as ondas predominantes
do quadrante sul. Nenhum deles foi intenso o suficiente para transportar uma
quantidade de sedimentos necessária para causar um estado de erosão na Enseada.
Palavras-chave: transformação de ondas, processos costeiros, Delft 3D.
viii
Sumário
LISTA DE FIGURAS XI
LISTA DE TABELAS XIII
1 INTRODUÇÃO 1
1.1 ÁREA DE ESTUDO 2
1.1.1 MORFOLOGIA 4
1.1.2 MORFODINÂMICA 5
1.1.3 CLIMA DE ONDAS 5
1.1.4 REGIME DE MARÉS 5
1.1.5 CARACTERIZAÇÃO GRANULOMÉTRICA 6
2 OBJETIVOS 6
2.1 OBJETIVO GERAL 6
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 7
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 7
3.1 ONDAS 9
3.1.1 EMPINAMENTO 11
3.1.2 REFRAÇÃO 11
3.1.3 DIFRAÇÃO 14
3.1.4 REFLEXÃO 16
3.1.5 QUEBRA 16
3.2 MARÉS 16
3.2.1 CORRENTES DE MARÉS 18
3.2.2 VARIAÇÕES MORFODINÂMICAS TEMPORAIS EM UM CICLO DE MARÉ 19
3.3 CORRENTES GERADAS POR ONDAS E O TRANSPORTE DE SEDIMENTOS 19
3.3.1 CORRENTES LONGITUDINAIS À COSTA 20
3.3.2 CORRENTES TRANSVERSAIS À COSTA 20
3.4 MODELOS MATEMÁTICOS E O DELFT 3D 20
3.4.1 HIDRODINÂMICO – FLOW 21
ix
3.4.2 ONDA – WAVE 23
4 MATERIAIS E MÉTODOS 25
4.1 DADOS DE ENTRADA NO MODELO 25
4.1.1 BATIMETRIA 25
4.1.2 LINHA DE COSTA 26
4.1.3 ONDAS 27
4.1.4 MARÉS 29
4.2 CRIAÇÃO DAS MALHAS E INTERPOLAÇÃO DA BATIMETRIA 30
4.3 CONFIGURAÇÃO DOS MODELOS 35
4.3.1 MODELO HIDRODINÂMICO E TRANSPORTE DE SEDIMENTOS 35
4.3.2 MODELO DE ONDAS 37
5 RESULTADOS 38
5.1 DESCRIÇÃO DA MORFOLOGIA 40
5.1.1 SETOR 1 41
5.1.2 SETOR 2 42
5.1.3 SETOR 3 43
5.2 REFRAÇÃO E DIFRAÇÃO 44
5.2.1 CENÁRIO 1 44
5.2.2 CENÁRIO 2 47
5.3 CONCENTRAÇÃO DE ENERGIA 50
5.3.1 CENÁRIO 1 50
5.3.2 CENÁRIO 2 50
5.4 CORRENTES GERADAS PELAS ONDAS 53
5.4.1 CENÁRIO 1 53
5.4.2 CENÁRIO 2 55
5.5 TRANSPORTE DE SEDIMENTOS 57
5.5.1 CENÁRIO 1 57
5.5.2 CENÁRIO 2 57
6 DISCUSSÃO 60
x
7 CONCLUSÕES 61
8 REFERÊNCIAS 62
xi
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Apresentação da área de estudo (Praia de Piçarras – Enseada do
Itapocorói). Fonte: ArcGIS - Datum SAD 69. ................................................................. 3
Figura 2: Porção Sul (A), Porção Central (B) e Porção Norte (C) da Praia de Piçarras. 4
Figura 3: Esquema representando o que ocorre com uma frente de ondas quando
sofre o processo da refração. ..................................................................................... 12
Figura 4: Esquema representando o que ocorre com uma frente de ondas quando
estas sofrem o processo da difração. ......................................................................... 14
Figura 5: Variações dos ciclos de maré de acordo com a região do globo onde se
encontra. ..................................................................................................................... 18
Figura 6: Dados batimétricos utilizados para a interpolação e caracterização da
morfologia da Enseada do Itapocorói. ......................................................................... 26
Figura 7: Linha de Costa cedida pelo LOG e utilizada como dado de entrada no
modelo FLOW. ............................................................................................................ 27
Figura 8: Localização da boia coletora dos dados que caracterizaram os cenários de
ondas utilizados no trabalho. ...................................................................................... 28
Figura 9: Valores de nível de água gerados pela execução do para o cenário 1. ........ 29
Figura 10: Malha hidrodinâmica e morfológica criada para a execução do modelo
FLOW e geração dos resultados na área de Estudo. .................................................. 31
Figura 11: Número de Courant para o grid hidrodinâmico, com passo de tempo de 15
segundos. ................................................................................................................... 32
Figura 12: Malha regional criada para a execução do modelo WAVE e propagação das
ondas até as proximidades da área de estudo. ........................................................... 34
Figura 13: Número de Courant para o grid de ondas, com passo de tempo de 15
segundos. ................................................................................................................... 35
Figura 14: Divisão da área de estudo em setores para a melhor visualização dos
resultados gerados. .................................................................................................... 39
xii
Figura 15: Morfologia do perfil subaéreo da Enseada do Itapocorói após a interpolação
da batimetria pelo software DELFT 3D. ...................................................................... 41
Figura 16: Morfologia do setor 1 após a interpolação dos dados batimétricos pelo
software DELFT 3D. ................................................................................................... 42
Figura 17: Morfologia do setor 2 em detalhe após a interpolação da batimetria pelo
software DELFT 3D. ................................................................................................... 43
Figura 18: Morfologia do setor 3 em detalhe após a interpolação da batimetria pelo
software DELFT 3D. ................................................................................................... 44
Figura 19: Direção e altura significativa de ondas na Enseada do Itapocorói após a
execução do modelo para o cenário 1. ....................................................................... 46
Figura 20: Direção e Altura significativa das ondas na Enseada do Itapocorói após a
execução do modelo para o cenário 2. ....................................................................... 49
Figura 21: Pontos de concentração de energia das ondas na Enseada do Itapocorói
após a execução do modelo para o cenário 1. ............................................................ 51
Figura 22: Pontos de concentração de energia de ondas na Enseada do Itapocorói
após a execução do modelo para o cenário 2. ............................................................ 52
Figura 23: Dinâmica das correntes na Enseada do Itapocorói após a execução do
modelo para o cenário 1. ............................................................................................ 54
Figura 24: Dinâmica das correntes na Enseada do Itapocorói após a execução do
modelo para o cenário 2. ............................................................................................ 56
Figura 25: Transporte de sedimentos em suspensão na Enseada do Itapocorói após a
execução do modelo para o cenário 1. ....................................................................... 58
Figura 26: Transporte de sedimentos em suspensão na Enseada do Itapocorói após a
execução do modelo para o cenário 2. ....................................................................... 59
xiii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Estados de mar que caracterizam a área de estudo segundo Araújo e
colaboradores (2003). ................................................................................................... 5
Tabela 2: Casos de Ondas obtidos de Araujo (2003) e utilizados como dados de
entrada no modelo WAVE. ......................................................................................... 28
Tabela 3: Parâmetros de Contornos Abertos utilizados na configuração do modelo
FLOW. ........................................................................................................................ 36
Tabela 4: Características do Sedimento requeridas pelo modelo FLOW. ................... 36
Tabela 5: Parâmetros de ondas requeridos na configuração do modelo WAVE. ........ 37
Tabela 6: Parâmetros físicos adicionados à configuração do modelo WAVE. ............. 37
1
1 INTRODUÇÃO
Geograficamente, não há limites para o estabelecimento de praias, sejam
arenosas ou não, desde que haja disponibilidade de sedimentos para formá-las,
espaço e agentes hidrodinâmicos para concentrar os sedimentos em zonas
transicionais entre o ambiente aquático e terrestre (HOEFEL, 1998). As costas
arenosas podem sofrer erosão em longo prazo se o suprimento de areia é diminuído
ou totalmente interrompido. Entretanto, deve-se levar em conta, também, que litorais
arenosos vão passar por ciclos naturais com movimentação da linha de costa de
dezenas de metros em poucas décadas (NIELSEN, 2009).
Segundo Short (1999), o termo Morfodinâmica, no que se refere às praias, envolve
um ajuste mútuo entre topografia, movimentação de fluídos e transporte de
sedimentos. Os processos mais importantes que controlam a morfologia e
hidrodinâmica do desenvolvimento das praias estão associados com a dissipação da
energia das ondas. Estes processos incluem quebra e atenuação, células de
circulação na costa, correntes de retorno, ondas de infragravidade e set-up de onda.
Em praias onde as amplitudes de maré são altas, estas também possuem um papel
importante.
A palavra onda usualmente traz à mente uma imagem de ondulações na superfície
do mar ou lagos, frequentemente com algum aspecto de regularidade, e usualmente
progredindo de uma região de formação para a costa, onde geralmente são dissipadas
como ondas de surfe ou podem, em parte, ser refletidas (POND e PICKARD, 1983).
Segundo Alves (1996 apud SIGNORIN, 2010), ventos e correntes superficiais não
apresentam significativa importância em estudos de transformação de ondas, o que
induz a avaliações mais significativas de variações de profundidade para entender os
processos costeiros. A diminuição da profundidade local, característica de ambientes
costeiros, gera um atrito entre as ondas e o fundo. Este atrito provoca a alteração da
direção de propagação da onda, fenômeno conhecido como refração. Além deste, há
outros processos que alteram a direção das ondas: difração (quando estas encontram
um obstáculo ao se propagar), empinamento (caracterizado pelo aumento da altura e
diminuição do comprimento), e dissipação de energia (devido ao atrito com o fundo)
(HOEFEL,1998).
Uma importante consequência da movimentação de ondas e marés na costa é o
fato de que parte de sua energia é transferida para a movimentação dos sedimentos.
O tipo de sedimento e para onde ele é movido depende de fatores como a energia das
correntes de ondas e marés e sua direção de propagação. Durante períodos de tempo
relativamente curtos, há um equilíbrio natural entre a quantidade e a taxa com que o
2
sedimento é fornecido para as regiões costeiras e a redistribuição deste sedimento
pela movimentação da água. Este equilíbrio pode ser desestabilizado, com
desastrosas consequências, por construções na praia, extensões adjacentes da linha
de costa, ou ambos (BROWN et al., 1989).
Os processos morfodinâmicos definem, entre outros, a dinâmica de um ambiente
costeiro, e podem ser simulados através de diversos modelos numéricos, que se
fundamentam simplesmente em princípios físicos expressos na forma de leis
(PASSOS, 2010).
Segundo Rosman (2001), a necessidade da aplicação de modelos para estudos,
projetos e auxílio à gestão de recursos hídricos é inquestionável, face à complexidade
do ambiente de corpos de água naturais, especialmente em lagos, reservatórios,
estuários e zona costeira adjacente das bacias hidrográficas. A modelagem numérica
mostra-se como uma importante ferramenta para o melhor entendimento dos
processos dinâmicos, auxiliando na interpretação de medições pontuais e servindo
como base para a simulação de cenários via introdução de determinadas forçantes
externas. Modelos são ferramentas integradoras, sem as quais dificilmente se
consegue uma visão dinâmica de processos nestes complexos sistemas ambientais
(AMARAL, 2003).
Para o estudo da hidrodinâmica da Praia de Piçarras, foco deste estudo, foi
escolhido o Sistema de Modelagem DELFT 3D, software desenvolvido pelo Delft
Hydraulics, Holanda. Além do interesse acadêmico em entender e explicar a interação
dos processos morfodinâmicos que governam a dinâmica das costas, a avaliação e
previsão destes é uma questão de suma importância para a gestão de zonas
costeiras. (ALENCAR et al., 2011). O DELFT 3D tem sido amplamente utilizado no
meio acadêmico e profissional, e foi escolhido por sua formulação numérica englobar
uma série de fenômenos físicos de interesse, entre eles: efeitos barotrópicos e
baroclínicos, efeitos de rotação da Terra e de maré, tensão de cisalhamento do vento
e dissipação de energia, entre outros (RIBAS, 2004).
1.1 Área de Estudo
A Praia de Piçarras, localizada no município Balneário Piçarras, está situada no
litoral centro-norte do estado de Santa Catarina (Figura 1). Ao sul, é delimitada pela foz
do rio Piçarras, a partir da qual se encontra a Praia Alegre, com 1 km de extensão,
pertencente ao município de Penha. Ao norte, por sua vez, a Praia de Piçarras é
delimitada pela Praia de Itajuba, que apresenta 1,5 km de extensão. A Praia de
Piçarras, Alegre e de Itajuba formam, juntas, a Enseada do Itapocorói.
3
Figura 1: Apresentação da área de estudo (Praia de Piçarras – Enseada do Itapocorói). Fonte: ArcGIS - Datum SAD 69.
Apresentando uma extensão de 8,0 km, a Praia de Piçarras é considerada uma
praia de enseada e possui, em sua adjacência, as ilhas Feia e Itacolomis, além de
outras estruturas submersas que influenciam diretamente nas ondas que incidem no
local.
Ilha
Feia
Praia de Piçarras
Promontório de
Itajuba
Barra Velha
4
1.1.1 Morfologia
A parte central da Enseada do Itapocorói, onde se localiza a Praia de Piçarras,
apresenta um perfil quase retilíneo, com orientação NNE-SSE. Essa conformação
segue até a porção mais ao Norte da enseada. Na porção mais ao Sul, onde está a
Praia Alegre, o perfil apresenta-se mais curvado, estando protegido das ondulações
provenientes de Sul e Sudeste. Portanto, devido à maior exposição do perfil central ao
regime energético incidente, a Praia de Piçarras apresenta maior variabilidade na
morfologia quando comparado à porção Sul da enseada, com menor largura e
variabilidade no perfil praial (Figura 2) (KLEIN e MENEZES, 2001). Quanto às
variações de largura média e volume, Araujo (2008) afirma através de dados medidos
que a Praia de Piçarras apresenta ambos aumentando de sul para norte.
Abreu (1998) sugere que, quanto à batimetria, esta parte do estado (litoral centro-
norte) apresenta uma diminuição de declividade de sul para norte (na porção sul, as
isóbatas estão mais próximas entre si do que nas outras porções). Na porção sul de
Piçarras, a praia apresenta-se estreia e com alta declividade, com características
reflectivas, sem zona de surfe e com arrebentação do tipo ascendente (ARAUJO,
2008).
Aparentemente, há uma ausência de bancos na região, pois a característica
reflectiva faz o volume sedimentar se acumular na parte subaérea do perfil. Isto,
juntamente com a característica de granulometria grossa, leva as ondas a quebrarem
muito próximas da costa (HOEFEL, 1998; ARAUJO, 2008).
Figura 2: Porção Sul (A), Porção Central (B) e Porção Norte (C) da Praia de Piçarras.
Fonte: ARAUJO (2008)
Araujo (2008) descreve que cerca de 1 km ao norte da foz do Rio Piçarras,
algumas alterações são observadas: a largura média aumenta e a declividade diminui.
Nota-se uma morfologia mais variável, e em alguns pontos desenvolvem-se cúspides
e cavas nos eventos mais energéticos. Ainda mais ao norte, já se evidencia a
exposição mais forte desta região à incidência de ondas. As cúspides e cavas são
bem pronunciadas e a energia de ondas é alta. Na seção transversal, há uma alta
B A C
5
variabilidade morfológica na zona de espraiamento, que frequentemente apresenta
escarpas de até 1 metro.
1.1.2 Morfodinâmica
O estágio morfodinâmico da Enseada do Itapocorói pode ser considerado semi-
exposto, pois apresenta um estágio reflectivo na parte norte (com um perfil de convexo
a linear e areia média) e dissipativo na parte sul (côncava e plana com areia fina)
(KLEIN, 2004).
Segundo o mesmo autor, as praias da Enseada do Itapocorói encontram-se em
equilíbrio dinâmico, onde as ondas que incidem na região quebram com um
determinado ângulo em relação à linha de costa, gerando correntes capazes de
transportar sedimentos.
1.1.3 Clima de Ondas
Em 2003, Araujo et al. analisaram o estado de mar a partir de dados coletados por
uma boia localizada a 35 km da Ilha de Florianópolis e a 80 metros de profundidade
(Tabela 1). Segundo estes autores, o inverno é a estação mais energética na região,
provavelmente devido à ocorrência de ventos mais intensos associados a um alto
número de frentes frias. Apesar disso, a média da altura significativa entre as estações
não apresenta muitas variações, sendo 1,46 m no verão e 1,96 m no inverno. É
importante ressaltar que em todas as estações ocorrem grandes eventos de onda
(Hs>4m).
Tabela 1: Estados de mar que caracterizam a área de estudo segundo Araújo e colaboradores (2003).
ESTAÇÃO VAGAS ONDULAÇÕES
θp Tp(s) Hs(m) θp Tp(s) Hs(m)
Primavera E 8,0 1,25 ... ... ...
Verão E 8,0 1,25 S 11,0-12.0 1,25
Outono ... ... ... S 12,0 1,5-1,75
Inverno E 8.0-9.0 1.25 S 12.0 1.75-2.0
Os autores detalham que, na primavera, vagas de Leste dominam sobre todos os
outros estados de mar. No verão, há um equilíbrio entre vagas de Leste e ondulações
de Sul. No outono, ondulações de Sul dominam, embora hajam ondulações dispersas
das direções Leste. No inverno, ondulações de Sul prevalecem sobre vagas de Leste.
6
Por fim, vagas de Leste de 8s, com Hs média de 1,25 m e ondulações de Sul de 12s,
com aumento de Hs do verão para o inverno são nossos regimes de onda médios.
1.1.4 Regime de Marés
Segundo Davies (1964), pode-se classificar a área de estudo como apresentando
um regime de micro-maré mista, com predominância semidiurna. Schettini et al.(1999)
ressaltam que há desigualdades de altura para preamares e baixa-mares
consecutivas, e que a maré astronômica local apresenta alturas máximas de 1,2 m
durante os períodos de sizígia e mínimas de 0,3 m durante os períodos de quadratura,
com altura média de 0,8 m.
Segundo Truccolo (1998), importantes oscilações do nível do mar ocorrem na
região devido a fenômenos atmosféricos. Durante a passagem de ventos frontais,
ventos de sul empilham a água junto à costa pelo efeito do transporte de Ekman. Esta
sobre-elevação pode chegar a 1 metro.
1.1.5 Caracterização Granulométrica
Araujo (2008) e Sprovieri (2008) analisaram as características granulométricas da
Enseada do Itapocorói, a fim de determinar a variação sedimentar ao longo da mesma.
Para a Praia Alegre, Araujo coletou 18 amostras e definiu que a face praial apresenta
areia fina (entre 0,16mm e 0,22mm), com 77,7% de grãos moderadamente
selecionados. A pós-praia apresentou 88,8% das amostras de areia fina (entre
0,17mm e 0,23mm) e 11,1% compostas por areia média (em torno de 0,49mm). Neste
local, as amostras variaram de pobremente selecionas a bem selecionadas.
Para a Praia de Piçarras, foram coletadas 56 amostras, das quais 96% coletadas
na face praial apresentavam tamanho médio (entre 0,25mm e 0,44mm) e 4% areia fina
(0,22mm), entre bem e moderadamente selecionados. Na região do pós-praia, 76%
das amostras foram compostas por areia média (0,25mm a 0,33mm) e 24% por areia
fina. 92% da areia analisada apresentava selecionamento moderado.
Sprovieri caracterizou a Praia de Piçarras como sendo uma praia de areia
média, que apresenta na face praial o valor granulométrico médio de 0,36 milímetros,
e no pós-praia 0,28 milímetros.
2 OBJETIVOS
2.1 Objetivo Geral
Avaliar processos de refração e difração de ondas e suas consequências no
transporte de sedimentos da Praia de Piçarras, utilizando como ferramenta a
modelagem numérica.
7
2.2 Objetivos Específicos
Descrever a morfologia da Enseada e da Praia de Piçarras através de dados
batimétricos;
Identificar processos de refração e difração que esta morfologia causa, nas
ondas de maior frequência de ocorrência e energia, utilizando o software Delft
3D;
Determinar a concentração de energia e as correntes geradas pela quebra das
ondas na zona de surfe; e
Definir o transporte sedimentar da enseada, ainda utilizando o Delft 3D.
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
As praias estão entre os sistemas físicos mais dinâmicos da superfície da Terra, e
ocorrem em qualquer costa onde haja sedimentos suficientes para serem depositados
pelas ondas acima do nível do mar (SHORT, 1999). Embora os conceitos utilizados
para definir o termo “praia” possam diferir consideravelmente entre si, é evidente o
caráter não coesivo dos sedimentos que a compõe e, também, a dominância de
fatores hidrodinâmicos primários como ondas e marés (HOEFEL, 1998).
Enquanto as praias são totalmente dependentes de ondas e sedimentos, sua
presença é independente da maioria dos outros processos da superfície, e
consequentemente elas ocorrem em todas as latitudes, climas, amplitudes de maré e
formas de costa. Elas são, entretanto, influenciadas e modificadas por outros
processos, particularmente maré e vento, e parâmetros como tamanho e tipo de
sedimento, biota, temperatura do ar e da água, e química da água (SHORT, 1999). A
As praias tenderão a ser mais desenvolvidas onde a disponibilidade de sedimentos for
maior e sobre regiões preferencialmente amplas, sendo influenciadas pela tectônica
de placas em última instância (HOEFEL, 1998).
Os litorais do mundo podem ser divididos inicialmente de acordo com os seus
materiais dominantes, isto é, em costas rochosas, arenosas ou lamosas.
Alternativamente, elas poderiam ser categorizadas como em erosão ou acresção
(NIELSEN, 2009). Sedimentologicamente, as praias podem ser formadas por
sedimentos de diversas composições e granulometrias. Esta última variável, em
combinação com o clima de ondas incidente, determina a morfologia do perfil
(HOEFEL, 1998).
Respondendo às flutuações dos níveis de energia locais através de mudanças
morfológicas e trocas de sedimentos com regiões adjacentes, as praias atuam como
zonas tampão e protegem a costa da ação direta da energia do oceano, sendo esta
8
sua principal função ambiental (HOEFEL, 1998). A zona costeira constitui uma
fronteira sujeita a contínuas alterações morfodinâmicas, modeladas por processos de
origem continental ou marinha. Apresenta grande variabilidade temporal e espacial,
comportando-se como um sistema ambiental instável (BAPTISTA NETO et al., 2004).
Em termos topográficos, a praia é dividida em setores. A parte da zona litorânea
exposta durante a maré baixa e submersa durante a maré alta é denominada face da
praia. A região pós-praia é a zona acima da linha de maré alta, que só é alcançada
pelo mar durante as ondas de tempestade. Após a face da praia, em direção ao mar, a
região permanentemente coberta pelas águas é chamada de antepraia, que se
estende desde o limite inferior da face da praia, até profundidades em torno de 20 a 30
m, onde o fundo submarino normalmente não é mais afetado pelas ondas de tempo
bom (BAPTISTA NETO et al., 2004).
Segundo Short (1999), o termo morfodinâmica foi introduzido na literatura em 1977
por Wright e Thom. Eles definiram o termo como um ‘ajuste mútuo entre topografia e
fluídos dinâmicos envolvendo transporte de sedimentos’. Em praias isto implica que a
topografia da praia irá se ajustar para acomodar as movimentações dos fluidos
produzidas por ondas, marés e outras correntes, que por sua vez irão influenciar os
processos de ondas e marés. Em outras palavras, morfodinâmica é um feedback entre
topografia e dinâmica de fluídos, que impulsiona o transporte de sedimentos
produzindo mudanças morfológicas.
A classificação morfodinâmica das praias foi sugerida por Wright et al. (1979a, b);
Short e Wright (1981) e Wright e Short (1984), entre outros. Eles integraram fatores
morfológicos e hidrodinâmicos e determinaram seis estágios morfodinâmicos distintos:
os extremos ‘dissipativo’ e ‘reflectivo’, e mais quatro intermediários entre eles. O
estágio dissipativo corresponde a praias planas e rasas com grande estoque de areia
na parte submersa, enquanto que o estágio reflectivo é caracterizado por praias
íngremes com pequeno estoque de areia (BAPTISTA NETO et al., 2004).
Morfodinâmica de praia ainda envolve a interação mútua de ondas com a
batimetria da praia, onde a onda modifica a batimetria, que em troca modifica a onda e
assim por diante (SHORT, 1999). Batimetria é o termo utilizado para definir a aferição
da profundidade dos oceanos, lagos e rios e é expressa cartograficamente por curvas
batimétricas que unem pontos da mesma profundidade com equidistâncias verticais, à
semelhança das curvas de nível topográfico (DNIT, 2012). A batimetria de um fundo
costeiro define a intensidade da transformação das ondas que vem de águas
profundas e seu comportamento em regiões costeiras.
9
Os processos morfodinâmicos que atuam na linha de costa são representados por
ações naturais físicas, químicas e biológicas, que exercem grande influência na
modelagem costeira, seja através da ação destrutiva (erosão) em determinados locais
ou da ação construtiva em outros (deposição). Os processos físicos responsáveis
pelas modificações da linha de costa são basicamente gerados pela ação das ondas e
correntes costeiras ou pela ação das marés (BAPTISTA NETO et al., 2004).
3.1 Ondas
Aristóteles observou em torno de 384-322 AC uma forte relação entre ondas e
ventos e, desde então, esta relação tem sido estudada. Apesar disto, até hoje, o
entendimento dos mecanismos de formação das ondas e sua viagem através do
oceano não é completo. Isto acontece em parte porque as observações das
características das ondas no mar são complexas, e em parte porque os modelos
matemáticos de ondas são baseados em dinâmicas de fluidos idealizados, e as águas
oceânicas não concordam com estes ideais. Mesmo assim, alguns fatos sobre as
ondas são bem conhecidos (BROWN, et al., 1989).
Há muitas formas de ondas no oceano, variando de pequenas ondulações a ondas
de vento, infragravidade, marés e tsunamis (SHORT, 1999). A maioria das ondas
oceânicas, conhecidas como ondas de gravidade, são formadas pela ação do vento,
que ao soprar sobre a superfície da água forma pequenas ondas capilares (BROWN,
et al., 1989). A formação e as dimensões das ondas dependem da velocidade do
vento que as criou, do tempo durante o qual sopra este vento e da distância ao longo
do qual ele sopra, a chamada “pista” (GUILCHER, 1957).
Em 1925, Harold Jeffrey tentou descrever o que ocorre com uma onda no
momento em que ela é formada. Segundo ele, quando o vento passa a agir na
superfície do mar, inicia-se um processo de transferência de energia do vento para a
água e formam-se pequenas depressões e elevações na superfície. Assim, uma face
da onda fica sujeita à ação do vento e consequentemente a uma maior pressão,
enquanto a outra face fica abrigada e com menor efeito de pressão. Isso faz com que
vórtices de ar se formem na frente da onda, proporcionando o desenvolvimento de
ondas progressivamente maiores e que são empurradas para frente devido à diferença
na pressão atmosférica. Esta teoria é válida se a velocidade do vento for superior à da
onda, se a velocidade do vento for maior que 1m/s, e se as ondas forem esbeltas o
suficiente para criar o efeito de abrigo (BROWN et al., 1989).
Podemos descrever uma onda através de seus principais parâmetros, que
incluem: 1) o comprimento de onda (L), que é a distância entre duas cristas ou duas
10
cavas sucessivas; 2) a altura (H), representada pela distância entre a crista e a cava
da onda; 3) a amplitude (a), que corresponde à metade do comprimento da onda; 4) o
período (T), que se refere ao tempo recorrido entre a passagem de duas cristas ou
cavas por um ponto fixo; e 4) a frequência (f), que é a quantidade de cristas ou cavas
que passam por um determinado ponto em um intervalo se tempo fixo, ou seja, o
inverso do período (BAPTISTA NETO et al., 2004).
Uma vez gerada, as ondas podem viajar grandes distâncias através das bacias
oceânicas, mantendo sua trajetória mesmo depois de o vento haver cessado. Fora da
área de ação do vento, essas ondas são denominadas marulhos ou swell (THURMAN
et al., 2004; BAPTISTA NETO et al., 2004). Durante a propagação da onda, a água
transfere energia movimentando-se orbitalmente. As partículas de água em uma onda
em águas profundas movem-se num percurso circular quase fechado. Na crista da
onda, as partículas se movem na mesma direção da propagação da onda, enquanto
nas cavas elas movem-se na direção oposta. Na superfície, o diâmetro orbital
corresponde à altura da onda, mas o diâmetro diminui exponencialmente com o
aumento da profundidade, até que a uma profundidade mais ou menos igual à metade
do comprimento de onda, o diâmetro orbital é negligenciado, e praticamente não há
deslocamento das partículas de água (THURMAN et al., 2004 ; BROWN et al., 1989).
Ao contrário do que frequentemente se ouve, os movimentos de rotação que a onda
imprime às moléculas de água não as devolve exatamente aos seus respectivos
pontos de partida, visto que o raio de rotação diminui ao aumentar a profundidade e,
por conseguinte, o movimento de retrocesso das partículas é menor que o movimento
de avanço das mesmas. Assim, a onda determina uma pequena corrente na direção
se sua própria propagação (GUILCHER, 1957).
Em virtude da formação de ondas com diferentes períodos e comprimentos, há
uma separação das ondas conhecida como dispersão, onde aquelas com maior
comprimento e período movem-se mais rapidamente, chegando primeiro às regiões
mais distantes da tempestade que as gerou (BROWN et al., 1989).
A maioria das ondas geradas na pista por ventos de tempestades movem-se
através do oceano como swell. A dissipação da energia das ondas ocorre em um
processo chamado ‘atenuação’, e resulta em uma redução da altura de onda. Essa
dissipação de energia pode ocorrer de quatro maneiras: 1) White-capping, que envolve
transferência de energia da onda para energia cinética de movimentação da água; 2)
atenuação da viscosidade, que é importante apenas para ondas capilares de alta
frequência, e envolve dissipação de energia pela fricção entre as moléculas de água;
3) resistência do ar, que se aplica para ondas de grande esbeltez logo após terem
11
deixado a região de formação e encontrarem regiões de calmaria ou vento contrário; e
4) interação onda-onda não linear, que é mais complicada que a combinação simples
de frequências para produzir grupos de ondas (BROWN et al., 1989).
Quando as ondas se aproximam de regiões mais rasas, inicia-se um processo de
interação entre as ondas e o fundo, acarretando uma série de mudanças no seu
comportamento. Observa-se que o movimento das partículas de água passa a ser
cada vez mais achatado em profundidade, até atingir um movimento horizontal junto
ao fundo, enquanto na superfície este movimento permanece elíptico (BAPTISTA
NETO et al., 2004). Segundo este autor, o comportamento das ondas em águas rasas
é determinado pela profundidade relativa, que é a relação entre o comprimento de
onda e a profundidade da lâmina d’água. Considera-se que em profundidades
menores do que a metade do comprimento de onda, as ondas comecem a agir como
ondas de águas rasas, ou seja, começam a interagir e remobilizar o fundo marinho,
adquirindo a capacidade de movimentar os sedimentos. A partir deste ponto, operam
sobre as ondas quatro processos básicos: empinamento, refração, difração e fricção
com o fundo, antes de quebrarem na zona de surfe (HOEFEL, 1998).
3.1.1 Empinamento
É o processo de mudança na altura da onda para conservar o fluxo de energia.
Segundo este princípio de conservação, quando a celeridade das ondas diminui
devido à diminuição da profundidade, a energia aumenta na forma de altura de onda,
caracterizando o empinamento (NIELSEN, 2009).
3.1.2 Refração
Caracteriza-se por um fenômeno através do qual há uma mudança de direção das
ondas devido à influência do fundo (Figura 3). Segundo a batimetria local, ao
aproximar-se da costa as ondas vão sofrendo diferencialmente os efeitos do
empinamento, de modo que as porções da frente de onda que estiverem em regiões
mais rasas terão suas velocidades retardadas em relação àquelas porções que se
encontram em regiões mais profundas. Por este princípio, regiões mais profundas
tendem a divergir a energia de onda e regiões mais rasas, convergir. Quando as
ondas finalmente chegam à praia, suas cristas estão paralelas à costa, sem relacionar
sua direção com a de águas profundas. A magnitude dos efeitos da refração pode ser
calculada desde que se conheça a direção das ondas iniciais, o período e o relevo do
fundo (GUILCHER, 1957; HOEFEL, 1998; ARAUJO FILHO, 2008; WMO, 1998).
Refração também pode ocorrer quando as ondas mudam sua velocidade absoluta
por estarem viajando em uma corrente não uniforme. Este processo pode acontecer
12
próximo a embocaduras de rios e onde correntes oceânicas convergem em torno de
uma borda do continente (NIELSEN, 2009).
Tradicionalmente, o processo de refração é estudado a partir de modelos de onda
que resolvem a fase (Phase Resolving), e modelos de ondas que resolvem a fase
média (Phase Averaged). Dentre os modelos de fase, podem-se citar aqueles de
pendente suave, modelos de Boussineq e dos raios. Quanto aos modelos de fase
média, são aqueles conhecidos como modelos espectrais, que avaliam o processo de
refração a partir da energia, tal como o SWAN (HOLTHUIJSEN et al, 2003).
Figura 3: Esquema representando o que ocorre com uma frente de ondas quando sofre o processo da refração.
Fonte: WMO (1998)
No caso da figura 3, onde se consideram ondas de crista longa, quando as ondas
se aproximam de uma praia reta (com contornos de fundo reto), a Lei de Snell governa
a direção das ondas, pela qual se tem a seguinte relação ao longo do raio da onda:
O ângulo θ é dado entre o raio e a normal do contorno da profundidade, e
a velocidade do perfil da onda. Para dois pontos diferentes, a direção da onda pode
13
ser facilmente determinada a partir de
. Quando se
aproxima de zero, o ângulo θ se aproxima de zero e a crista está paralela à praia
(WMO, 1998).
A mudança na altura de onda pode ser obtida facilmente através de um balanço de
energia. Na ausência de dissipação, o transporte de energia entre dois raios de ondas
não é afetado. Isso significa que o transporte de energia entre dois raios de ondas
adjacentes é constante (condições estacionárias). Quando há um aumento na
distância entre os raios, isto é acompanhado por uma diminuição da altura de onda. A
mudança na separação dos raios de onda pode ser obtida pela lei de Snell:
(sendo o transporte de energia entre dois raios de ondas adjacentes). Se o
transporte de energia segue sendo constante, então:
√
√
sendo H a altura da onda e a velocidade de grupo.
Quando as ondas se aproximam da costa com uma incidência normal, as
cristas estão paralelas aos contornos do fundo. Nenhuma refração ocorre e o raio da
onda permanece reto, de forma que a relação
. Neste caso, a mudança na
altura da onda é inteiramente devido à mudança na velocidade de grupo, como nos
casos de empinamento. A relação adicional √
representa o efeito da refração na
altura da onda (WMO, 1998).
Nos casos em que a linha de costa não é retilínea, os raios das ondas são
calculados com uma generalização da lei de Snell, que diz que a taxa de
transformação da direção da onda depende da taxa de mudança da velocidade de
fase ao longo da crista (devido às variações de profundidade):
onde é a distância ao longo do raio da onda, é a velocidade de fase e é a
distância ao longo da crista da onda.
Nas aproximações tradicionais, normalmente se calcula os efeitos de refração
com um conjunto de raios de ondas inicialmente paralelos que se propagam de limites
de águas profundas até águas rasas. As mudanças nas direções de onda assim
obtidas podem focar a energia em áreas onde os raios convergem, e espalhar a
energia em áreas onde os raios divergem. Em locais com batimetria suave, a
14
aproximação baseada na separação dos raios locais geralmente não apresenta
problemas. Entretanto, em casos de batimetria muito irregular, o raio padrão pode se
tornar caótico (WMO, 1998).
3.1.3 Difração
Resulta da energia da onda sendo transferida em torno ou atrás de barreiras que
impedem o movimento das ondas para frente (Figura 4). A difração ocorre porque
qualquer ponto de uma frente de onda é uma fonte a partir da qual a energia pode se
propagar em todas as direções, mantendo o período e a velocidade da onda original,
como prediz o princípio de Huygens (THURMAN et al., 2004; NIELSEN, 2009) . Este
processo é caracterizado pela redistribuição lateral de energia ao longo da crista da
onda, dos pontos de maior energia para os de menor. Este processo é facilmente
observado em regiões costeiras interrompidas por obstáculos à propagação de
energia de ondas (HOEFEL, 1998).
Figura 4: Esquema representando o que ocorre com uma frente de ondas quando estas sofrem o processo da difração.
Fonte: WMO (1998).
Em mar aberto, a difração é geralmente ignorada. Isso é aceitável porque a
aleatoriedade e característica de cristas curtas das ondas são espacialmente
misturadas sobre toda a área geográfica, difundindo assim os efeitos da difração.
15
Entretanto, logo atrás de obstáculos, a aleatoriedade e as ondas de cristas curtas não
dominam. Além disso, o swell é bastante regular e de longa-crista, fazendo com que
estes aspectos sejam menos efetivos em dispersar os efeitos da difração. A
necessidade da inclusão da difração nos modelos de onda se limita, portanto, a
pequenas regiões por trás de obstáculos e para condições do tipo swell,
principalmente no que diz respeito à campos de ondas em áreas protegidas (MWO,
1998).
Uma teoria conjunta para refração e difração está disponível na equação da
pendente suave de Berkhoff de 1972 (Equação 1). A premissa chave para a pendente
suave é que as variações de profundidade são graduais, mas as variações horizontais
nas características das ondas podem ser rápidas, como na refração. Essa equação
inclui os efeitos de reflexão de ondas. Para ondas que se aproximam de uma costa
com inclinação suave, a reflexão pode ser frequentemente negligenciada, implicando
no fato de que somente as variações de altura de onda ao longo da crista da onda são
relevantes. Uma aproximação mais geral do que a equação da pendente suave é dada
pela equação de Boussinesq. A premissa básica de ondas harmônicas não é
requerida e o movimento aleatório da superfície do mar pode ser reproduzido com alta
acurácia (HULTHUIJSEN, 2007; WMO, 1998).
Equação da Pendente Suave de Berkhoff
(1)
Onde
e
, número de onda.
A computação dos processos de difração em modelos baseados no balanço de
energia espectral não é muito conveniente por duas razões. Primeiro, a formulação da
difração como transformadora da direção das ondas se aplica a ondas harmônicas, e
não aleatórias. Segundo, uma implementação numérica seria difícil porque a inclusão
da difração transformaria a equação do balanço de energia, que é uma equação
diferencial de primeira ordem em uma equação diferencial de quarta ordem. Além
disso, os tipos de estruturas ou obstáculos criam singularidades no campo de ondas, o
que é notoriamente difícil de manusear em modelos numéricos.
Como se faz necessário ter informações de fase, a difração é mais
convenientemente computada com modelos de Phase Resolving, baseados no
princípio de Huygens. Entretanto, uma aproximação é dada na aproximação Euleriana
da equação do balanço da energia para ondas aleatórias de crista curta (a
aproximação difração-refração com fase desacoplada) (HOLTHUIJSEN, 2007).
16
A difração é implementada no modelo espectral SWAN adicionando um parâmetro
de difração à expressão para os componentes de velocidade de grupo e , e
à taxa de transformação (os parâmetros de difração). Esse parâmetro é igual a ,
onde a amplitude é substituída pela raiz quadrada da densidade de energia √ ,
que implica em ignorar a informação da fase. Em cada uma das interações no
esquema de propagação, uma derivada de segunda ordem √ na
expressão de é obtida. Isto é feito com um simples esquema central de segunda
ordem baseado nos resultados das interações prévias. Na dimensão , a estimativa é:
[
(
√
)]
[{( )
( ) } √ {( )
( ) }√ { } √ ]
Onde é o contador do grid na dimensão e o subscrito indica o número de
interações. Para a dimensão , a expressão é idêntica, com substituindo . A
estimativa de é então baseada nos valores de densidade de energia obtidos dos
processos de interação (HOLTHUIJSEN, 2003).
3.1.4 Reflexão
Segundo Thurman e Trujillo (2004), as ondas também sofrem um processo
chamado reflexão, quando nem toda a energia das ondas é expandida para a costa.
Uma barreira vertical, como um quebra mar ou uma saliência rochosa, podem refletir
de volta uma proporção da energia das ondas que se chocam contra eles. Este
processo se dá obedecendo à mesma lei da ótica, que diz que os ângulos de
incidência e de reflexão serão iguais. A reflexão é desprezível para pendentes muito
baixas, e total para um obstáculo com máxima verticalização (GUILCHER, 1957).
3.1.5 Quebra
A quebra das ondas é um fenômeno altamente complexo. Durante a quebra, a
energia que foi obtida a partir do vento é dissipada na forma de reflexão, calor, quebra
de rochas ou minerais, ou no aumento de altura e consequentemente energia
potencial. Quatro tipos de quebra são conhecidos: deslizantes, mergulhantes,
colapsantes e ascendentes, de acordo com o gradiente do fundo marinho e as
características da onda (BROWN et al., 1989).
3.2 Marés
As marés são um componente não essencial das praias. Entretanto, como a
maioria das praias são afetadas por elas, é importante entender a sua contribuição
para a morfodinâmica das praias. Elas não afetam diretamente os processos
17
hidrodinâmicos dirigidos pelas ondas, pois a escala de tempo é muito diferente, mas o
estágio mareal de uma praia determina quando e por quanto tempo certos processos
costeiros irão atuar e afetar a morfologia da praia (SHORT, 1999).
As marés são resultado da variação da intensidade da força gravitacional da Lua e
do Sol, que fazem o nível dos oceanos ao redor do mundo variar quase
periodicamente, com períodos de aproximadamente 24 horas e 50 minutos (NIELSEN,
2009). Essa força é combinada com a força centrífuga (gerada pelos movimentos de
rotação em torno do centro de massa do sistema Sol-Terra-Lua) e estas se mantêm
em equilíbrio. A proximidade entre a Terra e a Lua faz com que esta última tenha um
efeito gravitacional mais considerável do que o Sol, apesar da significativa diferença
de massa entre ambos (BAPTISTA NETO et al., 2004).
Embora a força centrífuga tenha a mesma magnitude em todos os pontos da
superfície terrestre, a força gravitacional pode ser variável, e é maior quanto maior for
a proximidade em relação à Lua. Quanto ao efeito do Sol, ele também exerce
modificações importantes nas amplitudes de marés, sendo responsável pelas
variações observadas entre as marés de sizígia e quadratura. Duas marés de sizígia e
duas de quadratura formam um ciclo de maré, que leva aproximadamente 30 dias para
se completar (BAPTISTA NETO et al., 2004).
Nos anos 80, cientistas e matemáticos como Bernoulli, Euler e Laplace
desenvolveram a “teoria dinâmica de marés”, que considera que a profundidade e
configuração das bacias oceânicas, a força de Coriolis, a inércia, e as forças de fricção
podem influenciar no comportamento dos fluidos sujeitos à forças rítmicas. Como
consequência, tanto a teoria quanto as soluções das equações são complexas, apesar
de ter sido refinada e, atualmente, ser possível chegar a marés teóricas com uma alta
aproximação das marés observadas (BROWN et al., 1989).
Os ciclos de maré podem variar de local para local, apresentando diferentes
amplitudes e mudanças de períodos. Em alguns lugares, as marés são semidiurnas
(duas baixa-mar e duas preamar em um período de 24 horas e 50 minutos), e em
outras áreas elas são diurnas (com uma baixa-mar e uma preamar), ou ainda mistas,
que engloba variações entre estes dois extremos (Figura 5). As marés diurnas e
semidiurnas possuem diferentes comprimentos, gerando diferentes padrões de
interferência quando são refletidas entre os continentes (BAPTISTA NETO et al., 2004;
NIELSEN, 2009).
Segundo Short (1999), o grau do efeito dos processos mareais na morfodinâmica
costeira deverá crescer progressivamente com o alcance da maré. Em 1964, Davies
classificou as marés do mundo em micro (<2m), meso (2-4m) e macro (>4m), de
18
acordo com a sua amplitude. Assume-se que costas de ‘micro’ são dominadas
essencialmente por ondas, enquanto as de ‘macro’ são dominadas por marés e
caracterizadas por planícies de marés. Assim, as costas ‘meso’ são influenciadas por
ondas e marés.
Os efeitos de meso e macro-marés, além de serem considerados importantes
agentes do transporte de sedimentos, são responsáveis pelo deslocamento periódico
da posição da zona de espraiamento, de surfe e de empinamento do perfil praial
(HOEFEL, 1998).
Figura 5: Variações dos ciclos de maré de acordo com a região do globo onde se encontra.
Fonte: BROWN et al. (1989)
3.2.1 Correntes de Marés
O movimento vertical da água, associado com as altas e baixas da maré, são
acompanhados por um movimento horizontal, conhecido como correntes de maré.
Elas têm a mesma periodicidade das oscilações verticais, mas tende a seguir uma
19
trajetória circular. Nas áreas onde esta corrente é suficientemente forte, um arrasto de
fricção no fundo produz uma corrente vertical, e a turbulência resultante provoca
misturas verticais nas camadas de água mais abaixo (BROWN 1989).
As correntes de maré possuem grande importância no transporte de sedimentos e,
consequentemente, na linha de costa, o que faz com que a identificação das
características da maré em uma determinada região seja de grande significado para o
estudo dos ambientes de sedimentação costeira (BAPTISTA NETO et al., 2004).
3.2.2 Variações morfodinâmicas temporais em um ciclo de maré
Segundo Short (1999), durante um ciclo de maré são observadas algumas
mudanças de caráter temporal na morfodinâmica das praias. Entre elas, pode-se citar:
Altura de onda – maior em marés mais altas, devido à diminuição da largura
da face da praia e consequente aumento dos níveis de energia na costa;
Morfodinâmica da praia – muda com o nível de água das marés, de modo que
as condições da zona de surfe na parte superior do perfil podem ser
morfodinamicamente diferentes daquelas que ocorrem na parte inferior.
Quebra de onda – na maré baixa, a quebra ocorre sobre os bancos, enquanto
em condições de maré alta a quebra ocorre diretamente sobre a face da praia.
Velocidade das correntes de retorno – quando o nível de água baixa, os
bancos submersos tornam-se muito rasos. Isso inibe os fluxos offshore através
dos bancos e confina o fluxo em canais, resultando num aumento na
velocidade das correntes.
Sedimento em suspensão – trabalhos realizados em praias de macro-marés
apontaram uma diferença no transporte de sedimentos ao longo da costa,
sendo ele baixo em momentos de maré enchente e alto em momentos de maré
vazante. Isto porque em situações de maré baixa há destruição dos campos de
ripples, levando a maiores níveis de ressuspensão de sedimentos.
3.3 Correntes geradas por ondas e o Transporte de Sedimentos
Em águas profundas, as ondas determinam uma corrente superficial na direção de
sua propagação, levando água para a costa que, segundo Guilcher (1957), deve
retornar ao mar aberto. Quando as ondas se aproximam da costa, parte da energia
dissipada pelas ondas incidentes na zona de surfe é transferida para a formação de
correntes costeiras longitudinais ou transversais à costa. Elas representam
importantes mecanismos de transporte de sedimentos na zona de surfe (HOEFEL,
1998).
20
3.3.1 Correntes Longitudinais à Costa
As correntes longitudinais desenvolvem-se entre a praia e a zona de arrebentação,
atingindo velocidades entre 0,3 e 1 ms-1. Elas determinam um transporte de
sedimentos litorâneo, paralelo à linha de costa, conhecido como deriva litorânea, que é
resultado de ondas que incidem obliquamente na costa. Elas se desenvolvem melhor
em costas longas e retilíneas, e sua interrupção através de estruturas fixas pode trazer
consequências sérias no que diz respeito ao equilíbrio ambiental, devido ao
aprisionamento de sedimentos em determinados locais e déficit de sedimentos em
outros (GUILCHER, 1957; BAPTISTA NETO et al., 2004).
3.3.2 Correntes Transversais à Costa
Em certos casos, o fluxo de água de volta ao mar se dá por meio de correntes de
retorno, que são estreitas e rápidas, posicionadas de forma normal ou obliqua à costa.
São alimentadas pelas correntes longitudinais e extinguem-se logo após
ultrapassarem a zona de surfe, formando células de circulação costeira (GUILCHER,
1957). Segundo Baptista Neto et al. (2004), elas se formam em locais onde a altura
das ondas é menor, devido aos padrões de refração das ondas ou das irregularidades
do fundo. Tais correntes determinam o transporte de sedimentos para offshore.
Em profundidades não uniformes, as correntes podem influenciar o
comportamento das ondas. As ondas que entram em uma corrente que segue a
mesma direção irão apresentar um aumento em suas velocidades e comprimentos, ou
uma diminuição se entrarem em uma corrente com fluxo oposto (NIELSEN, 2009).
Conhecendo-se os mecanismos de transporte sedimentar na região litorânea,
podem ser estimados os volumes de material envolvidos e se estabelecer cenários e
modelos acerca do comportamento morfológico da linha de costa (BAPTISTA NETO et
al., 2004)
3.4 Modelos matemáticos e o DELFT 3D
A alta dinâmica dos ambientes costeiros pode ser simulada através de diversos
modelos computacionais, que podem simular geração, propagação e transformação
de ondas, e são escolhidos dependendo do objetivo do estudo. Os modelos são
ferramentas indispensáveis aos estudos e projetos, à gestão e ao gerenciamento de
corpos de água naturais, pois permitem integrar informações espacialmente dispersas,
interpolar informações para regiões nas quais não há medições, ajudar na
interpretação de medições feitas em estações pontuais, propiciar entendimento da
dinâmica de processos, prever situações simulando cenários futuros, entre outros.
21
O Delft 3D é um sistema de modelagem desenvolvido na Holanda, pela Delft
Hydraulics, e pode ser utilizado em áreas costeiras, estuarinas e de rios. Ele se
encarrega de simulações de fluxos, transporte de sedimentos, ondas, qualidade de
água, morfologia e ecologia, através de módulos que podem interagir entre si (DELFT
3D-FLOW, 2011). Tais módulos possuem ferramentas de pré-processamento
(RGFGRID – gerador de malhas e QUICKIN – gerador de batimetria), processamento
e pós-processamento (GPP e QUICKPLOT), facilitando sua aplicação para a área de
interesse. O Delft 3D tem sido amplamente utilizado em estudos em todo o mundo. No
presente trabalho, serão aplicados os módulos FLOW (incluindo morfologia) e WAVE.
3.4.1 Hidrodinâmico – FLOW
O DELFT 3D-FLOW é um programa de simulação hidrodinâmica multidimensional
que envolve essencialmente três módulos – hidrodinâmica, transporte de sedimentos e
morfologia. Este módulo resolve um sistema de equações que consiste nas equações
de movimento - momentum (Equações 2 e 3) e equação da continuidade (Equação 4).
A forçante dos fluxos se dá pela tensão de cisalhamento do vento na superfície,
gradientes de pressão devido à inclinação da superfície livre, e por gradientes de
densidade (DELFT 3D-FLOW, 2011).
A equação de Navier-Stokes para fluídos incompressíveis é resolvida na equação
horizontal de momentum, levando em consideração a aproximação para águas rasas
de Boussinesq, enquanto na equação vertical de momentum, assume-se que as
variações verticais são insignificantes em relação à aceleração da gravidade, levando
o módulo a se ajustar às representações em águas rasas.
Este módulo é capaz de simular fluxos não estacionários, fenômenos de
transporte resultantes de marés, descarga de água e efeitos meteorológicos, incluindo
efeitos de densidade (no que diz respeito às variações devido aos gradientes
horizontais de temperatura e salinidade). O módulo FLOW pode ser utilizado em
mares, rios, estuários, regiões costeiras e reservatórios (GARCIA, 2008; DELFT 3D-
FUNCTIONAL SPECIFICATIONS, 2011).
Para águas rasas, o modelo é limitado na direção horizontal pelos contornos
abertos e fechados (de terra), e na vertical pelo número de camadas. Para cada
camada é resolvido um conjunto de equações da conservação da massa, sendo estas
formuladas em coordenadas ortogonais curvilíneas (RIBAS, 2004).
22
Equações do movimento nas direções ƞ e ξ:
√
√
√ √
√
√ √
√
√
(
) (2)
e
√
√
√ √
√
√ √
√
√
(
) (3)
Onde:
d + ζ = H = profundidade total da água;
= velocidade do fluido nas direções ξ e ƞ, respectivamente;
σ = coordenada vertical;
ω= velocidade vertical;
√ e √ = coeficientes de transformação de coordenadas;
v = coeficiente de viscosidade turbulenta;
Pξ e Pƞ = gradientes de pressão;
Fξ e Fƞ= desequilíbrio na tensão horizontal de Reynolds;
Mξ e Mƞ= contribuições de fontes externas.
Equação da continuidade:
√ √
√
√ √
√
(4)
Onde:
Q= contribuição por unidade de área devido à descarga de água, precipitação e
evaporação;
Ζ= elevação da superfície livre acima do plano de referência;
√ e √ = coeficientes de transformação de coordenadas;
U e V = componentes da velocidade integrada vertical nas direções ξ e ƞ.
23
3.4.2 Onda – WAVE
Este módulo calcula a evolução das ondas de curto comprimento e leva em conta
processos de geração de ondas pelo vento, propagação, interações não lineares entre
ondas, difração, refração, dissipação por fricção e quebra devido à diminuição da
profundidade, para uma dada topografia de fundo, campo de vento, nível de água e
campo de corrente em águas de fundo, de profundidade intermediária ou infinita
(DELFT 3D-WAVE, 2012).
Atualmente, o módulo de ondas do DELFT 3D está disponível com o modelo
SWAN (Simulating WAVEs Nearshore), um modelo de terceira geração espectral. Ele
é baseado na equação discreta do balanço de ação espectral (equação 5), derivada
da equação do balanço de energia e sua comunicação com fluxo de correntes, e é
totalmente espectral (em todas as direções e frequências). Isso significa que campos
de ondas aleatórias que se propagam simultaneamente de diferentes direções podem
ser acomodados no modelo (DELFT 3D-FUNCTIONAL SPECIFICATIONS, 2011;
TESSLER, 2010).
O SWAN interage de forma dinâmica com os demais módulos do DELFT 3D
através de um acoplamento online do WAVE com o DELFT 3D-FLOW. Com isso, tanto
os efeitos de ondas em correntes quanto os efeitos de fluxos sobre as ondas são
levados em conta. Os dados de batimetria, nível de água, corrente e ventos são
atualizados em relação ao domínio hidrodinâmico através de intervalos de
comunicação.
O SWAN acomoda refração e difração em suas simulações utilizando uma
aproximação de refração-difração apresentada por Holthuijsen et al. em 1993. Ela é
expressa em termos de taxa de transformação dos componentes individuais da onda
em um espectro de ondas 2D. A aproximação sugerida se baseia na equação da
pendente suave para refração e difração, omitindo as informações de fase (DELFT 3D-
WAVE, 2012).
Equação discreta do balanço de ação espectral:
(5)
Onde:
= taxa local de mudança de densidade no tempo;
= propagação da ação no espaço geográfico, sendo e
velocidades de propagação no espaço e , respectivamente;
24
= desigualdade da frequência relativa devido às variações na profundidade e
correntes;
= refração induzida por corrente e por profundidade.
S= termos de densidade de energia, representando os efeitos de geração, dissipação
e interações não lineares entre ondas.
O módulo de transporte de sedimentos é alimentado pelos processos
hidrodinâmicos e de ondas, e se baseia nas equações de águas rasas, de difusão-
advecção para o transporte em suspensão (equação 6) e uma equação de
transferência de momento do fluido para o sedimento para transporte por tração de
fundo, para três dimensões. Estes transportes são computados em função das ondas,
propriedades do fluxo e características do fundo, e podem ser modulados por uma
gama de formulações, entre as quais se destacam: Engelund-Hansen, Meyer-Peter-
Muller, Bijker, Bailard e VanRijn para areia, e uma formulação separada para o cálculo
de transporte de silte. O modelo integra o transporte de sedimento e alterações do
fundo a cada passo de tempo e é altamente recomendado para estudos em ambientes
costeiros por conter acoplamento direto com o modelo espectral de ondas SWAN
(Simulating WAVEs Nearshore) para calcular os processos de interação onda-corrente
(CPE, 2009).
Equação da difusão-advecção
( )
(
)
(
) (
)
(6)
Onde
= concentração da massa da fração de sedimento ( ) [kg/m³];
e = componentes do fluxo da velocidade [m/s];
,
e
= coeficientes de difusão da fração do sedimento ( ) [m²/s];
= velocidade de sedimentação da fração do sedimento ( ) [m/s].
Este módulo ainda integra os efeitos de ondas, correntes e transporte de
sedimentos no desenvolvimento da morfologia, relacionando com os tamanhos de
sedimento que variam de silte a cascalho. Por isto ele pode ser usado para simular a
dinâmica da morfologia em escala de tempo de dias a anos. (DELFT 3D-
FUNCTIONAL SPECIFICATIONS, 2011).
25
4 MATERIAIS E MÉTODOS
4.1 Dados de entrada no modelo
4.1.1 Batimetria
Os dados batimétricos utilizados no trabalho foram provenientes de duas fontes
distintas. A primeira, digitalizada de cartas náuticas, foi retirada da base de dados
disponíveis do software SMC Brasil 3.0. São dados dispersos e pouco densos na área
de estudo, porém úteis para interpolação de dados das áreas sem batimetria
detalhada.
A segunda fonte de dados utilizados foi uma batimetria detalhada da Praia de
Piçarras, realizada em 2011 pelo Laboratório de Oceanografia Geológica da
Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Após a junção de ambas as batimetrias e a
correção de alguns valores discrepantes, obteve-se a batimetria base utilizada no
modelo numérico (Figura 6).
26
Figura 6: Dados batimétricos utilizados para a interpolação e caracterização da morfologia da Enseada do Itapocorói.
4.1.2 Linha de Costa
A linha de costa disponível para este trabalho é uma união das praias de
Piçarras, Penha e Barra Velha (Figura 7). As duas últimas estão em uma escala de
1:2000 e foram disponibilizadas pela base de dados da Secretaria do Patrimônio da
União (SPU), enquanto a linha de costa da Praia de Piçarras foi realizada pelo
laboratório de Oceanografia Geológica da Univali (LOG/CTTMar).
27
Figura 7: Linha de Costa cedida pelo LOG e utilizada como dado de entrada no modelo FLOW.
4.1.3 Ondas
ARAUJO et al., em 2003, analisaram uma série temporal de ondas que
compreendeu os meses de dezembro de 2001 a Janeiro de 2003. Os dados foram
provenientes de uma boia situada a 35 km da Ilha de Florianópolis, pertencente à
Universidade Federal de Santa Catarina (Figura 8). A boia, localizada a 80 metros de
profundidade coletou 20 minutos de dados a cada hora, os quais eram
automaticamente armazenados e processados, resultando em um arquivo de
observações hora-a-hora do estado de mar, com pouco menos de 15 % de perdas de
dados. O arquivo final apresentou dados de energia, direção média e espalhamento
direcional para cada banda de frequência, a partir dos quais outros parâmetros
puderam ser calculados (altura significativa de onda, período de pico e direção de
onda média dominante).
Os casos de ondas selecionados estão descritos na Tabela 2.
28
Figura 8: Localização da boia coletora dos dados que caracterizaram os cenários de ondas utilizados no trabalho.
Adaptado de ARAUJO (2003)
Tabela 2: Casos de Ondas obtidos de Araujo (2003) e utilizados como dados de entrada no modelo WAVE.
Caso Característica Direção Período (s) Altura (m) Dias
1 Vagas Leste 8,0 1,25 30
2 Ondulações Sul 12,0 2,0 5
29
4.1.4 Marés
Os dados de maré aqui utilizados foram provenientes do Software Delft
Dashboard. Este programa, dos mesmos criadores do DELFT 3D, é uma ferramenta
que auxilia na aquisição e utilização de dados. A partir da base maregráfica mais
próxima da área escolhida, o Dashboard define os valores das constantes harmônicas
incluindo suas defasagens até chegar ao local desejado. No presente estudo, a cada
10 células do grid, um valor de correção de fase era calculado para cada constante
harmônica, em todos os contornos ao redor do domínio de cálculo. Assim, pode-se
incluir a maré no domínio de forma condizente com a realidade da região (no caso de
Sul para Norte). De outra forma, a onda de maré entraria no domínio ao mesmo tempo
e da mesma forma em todos os contornos, o que poderia gerar erros na execução ou
interpretação dos resultados. A forma como o modelo gerou os valores de nível de
água para o cenário 1 é mostrado na Figura 9, e se mostra condizente com a literatura
já descrita por Davies (1964) (regime de micro-maré mista, com predominância
semidiurnas) e por Schettini et al.(1999) (maré astronômica local com alturas máximas
de 1,2 m durante os períodos de sizígia e mínimas de 0,3 m durante os períodos de
quadratura, com altura média de 0,8 m).
Figura 9: Valores de nível de água gerados pela execução do para o cenário 1.
30
4.2 Criação das Malhas e Interpolação da Batimetria
As duas malhas de domínio de cálculo foram criadas no software DelftDashboard,
ambas com a característica de malha retangular. Com este gerador de malhas, os
requisitos de ortogonalidade e suavidade exigidos para evitar ruídos numéricos são
automaticamente satisfeitos.
A primeira malha (Figura 10), de menor abrangência e maior refinamento, foi feita
para o módulo FLOW, que representa os processos hidrodinâmicos e de transporte de
sedimentos. Transversalmente à costa, esta malha possui 6,5 km de extensão,
enquanto paralelamente à costa a extensão foi de, no máximo, 11,9 km. Quanto à
resolução, o valor apresentado é de 60 metros.
As interpolações dos dados de batimetria foram realizadas no QUICKIN, módulo
de edição de batimetria do DELFT 3D. Os métodos interpoladores utilizados foram:
Grid Cell Averaging (interpolação dos dados mais densos), Triangular Interpolation
(interpolação dos dados mais dispersos) e Internal Diffusion (que estende a batimetria
pra lugares onde não há dados). A malha hidrodinâmica permite propagar cenários
desde regiões mais externas para as proximidades da área de estudo.
Ao interpolar os dados de batimetria, verificou-se o número de Courant (Cr)
(Figura 11). Este parâmetro adimensional representa as instabilidades do modelo.
Segundo o manual DELFT 3D-FLOW, de 2011, Cr deve ser mantido com um valor
máximo de 10, a fim de se obter uma boa representatividade dos resultados, sem um
esforço computacional muito grande. Quanto menor for Cr, menor é o erro de cálculo,
porém maior é o esforço computacional.
31
Figura 10: Malha hidrodinâmica e morfológica criada para a execução do modelo FLOW e geração dos resultados na área de Estudo.
32
Figura 11: Número de Courant para o grid hidrodinâmico, com passo de tempo de 15 segundos.
Cr é calculado através da fórmula:
√
,
Sendo:
= intervalo de tempo;
33
H= profundidade local; e
= termo que representa o tamanho da célula em cada componente direcional
da grade numérica.
A exigência de um número de Courant abaixo de 10 determina o passo de tempo
de cálculo para cada elemento da grade. Neste caso, foi utilizado um = 15
segundos, o qual determinou um Cr máximo de 8,68.
A segunda malha (Figura 12), necessária para propagar os casos de ondas, foi
feita com maiores dimensões e menores refinamentos. Transversalmente à costa, a
malha possui extensão máxima de 16 km, enquanto ao longo da costa, a extensão foi
de cerca de 22 km. A resolução utilizada foi de 100 metros.
Os interpoladores utilizados foram os mesmos para o grid hidrodinâmico (Grid
Cell Averaging, Triangular Interpolation e Internal Diffusion), sendo que o número de
Courant, neste caso, apresentou valores próximos a 6, com o mesmo intervalo de
tempo de 15 segundos já utilizados anteriormente (Figura 13). Isso sugere, portanto,
que o modelo não apresentará instabilidades de cálculo.
34
Figura 12: Malha regional criada para a execução do modelo WAVE e propagação das ondas até as proximidades da área de estudo.
35
Figura 13: Número de Courant para o grid de ondas, com passo de tempo de 15 segundos.
4.3 Configuração dos Modelos
4.3.1 Modelo Hidrodinâmico e Transporte de Sedimentos
Primeiramente, inseriu-se neste modelo o grid formado e suas características,
como orientação, latitude, batimetria interpolada sobre ele e possíveis pontos secos
presentes no domínio (neste caso sobre a Ilha Feia e Ilha das Canas). Definiu-se,
então, o tempo a ser simulado (30 dias para o cenário 1 e 5 dias para o cenário 2), e o
36
intervalo de tempo entre os cálculos (0,25 minutos, que equivalem aos 15 segundos
determinados a partir do número de Courant). Os processos selecionados para serem
simulados pelo modelo foram sedimentos e ondas (este último é definido no modelo
de ondas, mas deve ser adicionado aqui para ser corretamente acoplado ao módulo
hidrodinâmico posteriormente).
A fim de se obter uma boa formulação matemática do problema a ser estudado, é
necessário especificar um conjunto de condições iniciais e de contorno para níveis de
água e velocidades horizontais. Os contornos do domínio do modelo consistem em
contornos fechados (linhas ao longo da interface terra/água) e contornos abertos
(linhas através do campo de fluxo). Estes últimos, em modelos numéricos, são
utilizados para delimitar a área de cálculo e minimizar e o esforço computacional
(GARCIA, 2008). Para o modelo hidrodinâmico, foram definidos contornos Norte e
Leste, onde a cada 10 células do grid as condições de maré entram diferencialmente
(considerando as correções). Os parâmetros utilizados ao longo dos contornos abertos
são especificados na tabela abaixo:
Tabela 3: Parâmetros de Contornos Abertos utilizados na configuração do modelo FLOW.
Tipo de Contorno Reflexão do Parâmetro
Alpha
Forçante
Nível de água 100 Astronômica
Alguns parâmetros físicos também são requisitados para a execução do modelo,
como densidade da água (1025 kg/m³), aceleração da gravidade (9,81m/s²) e
rugosidade Chezy (65). As informações acerca dos sedimentos utilizadas para a
implementação do transporte no modelo numérico são mostrados na Tabela 4.
Tabela 4: Características do Sedimento requeridas pelo modelo FLOW.
Característica do
Sedimento
Densidade
Específica (Kg/m³)
Densidade do
Leito (Kg/m³)
Mediana (μm)
Não coesivo 2650 1600 320
O tamanho de grão utilizado foi determinado a partir de uma média feita com os
valores observados por Sprovieri (2008), entre a face praial (0,36mm) e a pós-praia
(0,28mm). A média 0,32 milímetros foi transformada em micrômetros para a entrada
correta no modelo.
37
Foram definidos, também, dois pontos de observação no domínio e feita a
simulação de uma boia de deriva na região, a fim de visualizar os processos que
ocorrem ao longo da enseada. Antes de se executar este modelo, definiu-se um
intervalo de comunicação de 120 minutos entre os módulos WAVE e FLOW para o
cenário 1 e de 30 minutos para o cenário 2.
4.3.2 Modelo de Ondas
Para a configuração do modelo de ondas, incialmente se acopla a ele o modelo
hidrodinâmico já configurado. O SWAN irá interagir de forma a compartilhar dados de
batimetria, nível de água e corrente, através do intervalo de comunicação já
determinado no módulo anterior. Os parâmetros básicos de entrada no modelo são
mostrados a seguir:
Tabela 5: Parâmetros de ondas requeridos na configuração do modelo WAVE.
Cenário Altura
Significativa(m)
Período de
Pico (s)
Direção Média
(º)
Espalhamento
do Espectro
1 1,25 8 90 4
2 2,0 12 180 4
Neste modelo, os contornos abertos são definidos em função da sua orientação.
Foram utilizados contornos Norte, Sul e Leste, todos com os mesmos parâmetros de
entrada definidos na tabela 5. Quanto aos parâmetros físicos utilizados, alguns destes
valores estão especificados na Tabela 6.
Tabela 6: Parâmetros físicos adicionados à configuração do modelo WAVE.
Cenário Gravidade
(m/s²)
Densidade da
água do mar
(Kg/m³)
Quebra pela
Profundidade
Fricção com o
Fundo
1 9,81 1025 Alpha – 1
Gama– 0,73
JONSWAP
0,067
2 9,81 1025 Alpha – 1
Gama– 0,73
JONSWAP
0,038
A variação do parâmetro JONSWAP para fricção com o fundo entre os dois
cenários foi feita seguindo as recomendações do Manual DELFT 3D-WAVE, que
considera diferenças entre fricções causadas sobre Sea e Swell.
38
O GPP (General Postprocessing Program) e o QUICKPLOT, módulos de pós-
processamento e visualização dos resultados do DELFT-3D, foram utilizados para
demonstrar os resultados obtidos após o processamento dos dados. Eles podem ler a
maioria dos arquivos de resultados produzidos pelos demais módulos do DELFT 3D,
além de possibilitar a edição de vários outros tipos de arquivos. As imagens que serão
apresentadas nos resultados a seguir são derivadas destes programas, além de outros
como ArcGis, Google Earth, Corel Draw e Global Mapper.
5 RESULTADOS
Para a melhor visualização dos resultados, a Enseada foi dividida em três setores,
visto que há grandes alterações principalmente no que diz respeito à orientação da
linha de costa (Figura 14). O setor 1 corresponde ao norte da enseada, englobando
desde a Praia de Itajuba até um pouco ao sul da Laje do Jaques. O setor 2 representa
a parte norte e central da Praia de Piçarras, e o setor 3 é correspondente ao Sul da
Enseada, onde se encontra a porção Sul da Praia de Piçarras e a Praia Alegre.
39
Figura 14: Divisão da área de estudo em setores para a melhor visualização dos resultados gerados.
40
5.1 Descrição da Morfologia
A descrição da morfologia da Enseada será feita independentemente dos cenários
executados, pois foi gerada antes da execução dos modelos, com base apenas nos
dados batimétricos obtidos, e não nas mudanças de morfologia geradas pelas ondas e
pelo transporte de sedimentos. Ainda que fosse feita uma comparação entre o mapa
morfológico anterior e posterior aos modelos, ou até mesmo entre os cenários, não se
obteria uma mudança significativa o suficiente para justificar uma análise mais
profunda, pois estas mudanças ocorrem em um intervalo de tempo maior do que
apenas alguns dias.
Após as três interpolações realizadas no módulo de edição de batimetrias
(QUICKIN) sobre as malhas hidrodinâmica e de ondas, foi obtido um mapa
morfológico da Enseada do Itapocorói, onde se pode notar uma grande
heterogeneidade de formas (Figura 15) variando conforme a porção da Enseada. As
peculiaridades de cada setor serão discutidas individualmente abaixo.
41
Figura 15: Morfologia do perfil subaéreo da Enseada do Itapocorói após a interpolação da batimetria pelo software DELFT 3D.
5.1.1 Setor 1
Analisando a batimetria adquirida do setor 1 (Figura 16), pode-se notar que a
variabilidade do fundo marinho é significativamente menor quando comparada ao
restante da enseada, principalmente quando comparada ao setor 2. Nota-se que as
linhas isobatimétricas estão mais espaçadas entre si, caracterizando uma mudança
gradual na profundidade, que alcança valores próximos a 15 metros a 5 km da costa.
Duas estruturas observadas neste setor chamam a atenção: a Laje do Jaques
(representada no canto inferior direito da imagem) está situada a aproximadamente
42
500 metros a partir da linha de costa, fazendo com que se forme um tômbulo na
mesma, resultante da acumulação de sedimentos. A outra estrutura demarcada, que
se encontra mais ao norte é demonstrada em Cartas Náuticas da região, sob o nome
de Laje do Jaltro. Ela é uma estrutura rochosa e se encontra bem próxima á linha de
costa.
Figura 16: Morfologia do setor 1 após a interpolação dos dados batimétricos pelo software DELFT 3D.
5.1.2 Setor 2
Nesta porção da Enseada nota-se claramente um aumento da variação nas
feições morfológicas do perfil (Figura 17), sendo a mais variável de toda a enseada.
Além da Ilha Feia, à direita da imagem, podemos notar também uma série de
estruturas menores localizadas mais próximas da linha de costa (canto inferior
esquerdo da figura). A partir da análise da imagem, não se pode afirmar com certeza
se estas são estruturas rochosas ou bancos arenosos. Apesar disto, Hoefel (2008)
afirmou que a característica reflectiva desta parte da Praia de Piçarras favorece um
acúmulo de volume sedimentar na parte subaérea do perfil, levando a crer que estes
podem ser então bancos arenosos submersos, e não estruturas rochosas. Isto,
juntamente com a característica de granulometria grossa, leva as ondas a quebrarem
43
muito próximas da costa, e em um ângulo tal que favorece o transporte de sedimentos
(ARAUJO, 2008, KLEIN, 2004).
A ilha Feia está localizada a aproximadamente 3,5 km da linha de costa, entre as
isobatimétricas de 9 e 11 metros, e já é sabido que sua localização afeta a propagação
das ondas incidentes na região, assunto que será abordado mais adiante nas
discussões dos resultados de difração de ondas.
Figura 17: Morfologia do setor 2 em detalhe após a interpolação da batimetria pelo software DELFT 3D.
5.1.3 Setor 3
Neste setor da enseada já é possível notar a completa modificação de orientação
da linha de costa, anteriormente retilínea com orientação NNE-SSE, e agora curvada e
protegida das ondulações provenientes de Sul e Sudeste (Figura 18). As linhas
batimétricas referentes ao Sul da Praia de Piçarras (destacado na imagem)
apresentam-se mais próximas entre si, caracterizando o perfil mais reflectivo, inclinado
e sem zona de surfe, já descrito por Araujo (2008). Neste local, ocorrem os cenários
mais fortes de erosão praial da Enseada do Itapocorói.
Aparentemente neste setor (sul de Piçarras e Praia Alegre) não existem
estruturas ou bancos identificados pela batimetria. Na Praia Alegre, as isobatimétricas
voltam a ser espaçadas entre si, e a área é descrita por Klein (2004) como uma praia
dissipativa, plana e com areia fina, uma característica completamente distinta da
encontrada a apenas alguns metros mais ao norte, ao sul da Praia de Piçarras.
44
Figura 18: Morfologia do setor 3 em detalhe após a interpolação da batimetria pelo software DELFT
3D.
5.2 Refração e Difração
Considerando:
Refração: mudança na direção de propagação da onda, devido às
alterações de profundidade;
Difração: mudança na direção de propagação da onda, devido à presença
de barreiras;
e sabendo que em ambiente natural todos os processos ocorrem simultaneamente, os
resultados obtidos para difração e refração serão descritos a seguir, sendo divididos
entre os cenários já detalhados (Tabela 2).
5.2.1 Cenário 1
Observando a Figura 19, que mostra o mapa geral de altura e direção de
ondas, identifica-se que ao longo da enseada os processos de refração e difração
ocorrem de forma diferenciada entre os setores Norte, Central e Sul. No setor Norte, a
refração é bem reduzida já que as ondas chegam perpendiculares à linha de costa, e
não existem variações morfológicas significativas o suficiente para desviarem a
direção de propagação das ondas. A Ilha das Canas, bem em frente ao promontório
de Itajuba, apresenta um processo de difração de ondas bem evidente, onde as ondas
desviam a direção ao seu redor e voltam a se encontrar em um ponto comum
diretamente em frente à Ilha. As Lajes do Jaques e do Jaltro determinam uma leve
difração e refração das ondas, porém quase imperceptíveis no que diz respeito a
desvios de direção. Nota-se, entretanto, um aumento da altura significativa das ondas
sobre a Laje do Jaltro, e uma diminuição da altura logo após as ondas ultrapassarem a
45
Laje do Jaques, determinando uma zona de sombra (abrigada de ondulações) bem
evidenciada. Neste setor, a altura significativa varia entre 0,5m (na zona de sombra) e
1,13 m (mais a leste do domínio). As consequências decorrentes da presença destas
estruturas rochosas na praia são melhores evidenciadas quando se analisa o
transporte de sedimentos e a concentração de energia de ondas, tópicos que serão
abordados mais adiante.
A porção central da Enseada, que representa as porções norte e sul da Praia
de Piçarras, apresentam menos pontos visíveis onde pode ocorrer a difração das
ondas. Entretanto, a ilha Feia, maior estrutura rochosa da Enseada, caracteriza-se um
importante obstáculo à propagação de ondas. Nas proximidades da Ilha, nota-se que
as ondas têm uma altura significativamente maior na sua parte anterior do que na
parte posterior, caracterizando, novamente, uma zona de sombra abrigada das
ondulações mais fortes. Mais próximo à costa neste mesmo setor, nota-se mais
claramente o processo de refração, pois as ondas apresentam um leve desvio para
sudoeste e passam a se propagar desde a direção nordeste. Analisando novamente o
mapa morfológico deste setor, supõe-se que esta variação e também a diminuição da
altura significativa das ondas se deve à maior heterogeneidade do fundo. A altura das
ondas varia de 1,13 m a 0,5m.
Ao sul da Enseada, no setor 3, os processos de refração e difração são
amplamente visíveis, apesar de não haver nenhuma Ilha ou Laje como nos outros
setores descritos. O costão rochoso que delimita a Praia Alegre ao Sul (Ponta da
Penha) é causador de uma significativa difração das ondas que provém do quadrante
Leste. A partir daí, as ondas mudam sua direção de propagação para a parte interna
do setor, diminuindo significativamente sua altura, chegando a valores menores que
0,2m.
Os resultados obtidos neste cenário são condizentes com os resultados de
direção de ondas demonstrados por ALMEIDA (2013), Van den HEUVEL et al. (2008),
e PÉREZ (2010). As pequenas diferenças observadas podem ser explicadas pelo fato
de o trabalho atual possuir uma batimetria atualizada e mais detalhada.
46
Figura 19: Direção e altura significativa de ondas na Enseada do Itapocorói após a execução do modelo para o cenário 1.
47
5.2.2 Cenário 2
Neste segundo cenário proposto, de maior magnitude, mostrado na Figura 20, a
refração ocorre de maneira distinta do cenário anterior, pois as ondas são
provenientes do quadrante sul e devem mudar completamente sua direção de
propagação para chegar perpendicularmente às isobatimétricas, como prediz o
conceito do processo.
Nota-se claramente que as ondas chegam à parte central e sul da Enseada com
uma altura menor do que encontrada no cenário anterior (apesar de possuírem alturas
iniciais maiores), pois as ondas tem sua trajetória paralela à costa e mais afastada da
mesma, atingindo somente a parte superior da enseada, aonde os valores chegam a
0,9 m de altura.
Com ondas provenientes do quadrante sul, quando as ondas incidem sobre a
Ilha das Canas, difratam e refratam e voltam a se encontrar num ponto um pouco mais
ao norte do que observado no cenário 1. Quanto às duas Lajes existentes neste setor,
percebe-se que a magnitude do processo da difração continua sendo pouco intensa
em ambas, e só se nota uma zona de sombra na Laje do Jaques, pois a outra
estrutura está localizada muito próxima da linha de costa. Neste setor, a altura
significativa máxima chega a 0,8 m na Laje do Jaltro e a mínima a 0,3 m um pouco ao
sul da Laje do Jaques.
Como estrutura mais importante do setor 2, a Ilha Feia causa, neste cenário,
uma alteração bem acentuada na direção de propagação e altura das ondas. Esta
alteração é notada desde a Ilha até a costa. Percebe-se que mais acima e mais abaixo
do local onde se encontra a Ilha os vetores de direção apontam para sudeste,
enquanto diretamente em frente à Ilha os vetores já apontam na direção leste até se
aproximar da linha de costa, resultado da difração causada pela mesma. Antes de
atingir a Ilha Feia, as ondas alcançam altura de cerca de 0,7m, e em frente à mesma a
altura mínima do setor, de cerca de 0,2m.
Quanto ao restante do setor 2, com exceção da parte mais ao sul, que possui
algumas feições morfológicas distintas como mostrado anteriormente, as ondas
sofrem refração e chegam à costa com direção perpendicular. No sul, onde tais
feições se encontram, as ondas chegam novamente com certo grau de inclinação,
desviando-se para sudeste, completamente oposto à condição inicial e evidenciando,
assim, o processo da refração.
No setor 3, a única diferença encontrada quando comparada ao cenário anterior é
no que diz respeito à altura que a onda apresenta quando encontra o promontório da
Ponta da Penha. Quanto ao restante do setor, assim como quando as ondas são
48
provenientes do quadrante leste, a direção de propagação está voltada para sudeste e
com altura significativamente menor, totalmente refratada e descaracterizada da
condição inicial da onda. Os resultados obtidos para este cenário corroboram os
obtidos por PÉREZ (2010).
49
Figura 20: Direção e Altura significativa das ondas na Enseada do Itapocorói após a execução do modelo para o cenário 2.
50
É interessante notar que, apesar de o cenário dois possuir uma altura
significativa de ondas de 2 metros, as ondas chegam com uma altura bem menor ao
promontório da Ponta da Penha (0,4 m) do que as ondas do cenário 1, com altura
inicial de 1,25 metros e que chega ao promontório com quase toda esta altura
conservada (cerca de 1 m). Isto ocorre porque as ondas que são provenientes do
quadrante sul já sofrem difração nos promontórios anteriores, chegando a este com
altura significativamente menor.
5.3 Concentração de Energia
5.3.1 Cenário 1
Na figura que representa a concentração de energia das ondas ao longo da
Enseada (Figura 21) podemos encontrar, para as ondas de leste, diversos pontos
aonde a força das ondas de concentra. A Ilha das Canas, o Promontório de Itajuba, as
Lajes Jaltro e Jaques, e um ponto na costa diretamente em frente à Ilha Feia são os
mais proeminentes, chegando a 9 N/m². Além destes, nota-se outros pontos de
concentração de menor intensidade ao longo da linha de costa, principalmente em
partes do setor 1 e em todo o setor 2. A Ilha Feia e uma pequena porção da parte
interna do promontório Ponta da Penha também são focos de uma energia moderada.
O setor 3, principalmente na porção da Praia de Piçarras mostra, também, uma
pequena concentração de energia.
5.3.2 Cenário 2
Analisando o segundo cenário para concentração de energia de ondas (Figura
22), nota-se que há uma diferença bem marcante do cenário 1. Neste caso, a força
máxima das ondas não chega a 6,5 N/m², e os pontos mais proeminentes são apenas
a Ilha das Canas e a Laje do Jaltro, enquanto o promontório de Itajuba, a Ilha Feia e a
Laje do Jaques apresentam uma fraca concentração. O setor 2, antes com um grande
números de focos de concentração reduziu consideravelmente este número, e o setor
3 apresenta um único ponto relevante: a porção interna no promontório Ponta da
Penha.
51
Figura 21: Pontos de concentração de energia das ondas na Enseada do Itapocorói após a execução do modelo para o cenário 1.
52
Figura 22: Pontos de concentração de energia de ondas na Enseada do Itapocorói após a execução do modelo para o cenário 2.
53
5.4 Correntes Geradas pelas Ondas
Como já descrito na literatura, as ondas são capazes de gerar correntes
longitudinais ou transversais à costa, dependendo do ângulo de incidência no
momento da quebra. Essas correntes são capazes de transportar sedimentos. Para a
Enseada do Itapocorói, novamente os resultados serão mostrados em setores da
enseada, para que a dinâmica das correntes seja melhor visualizada.
5.4.1 Cenário 1
Analisando a Figura 23, nota-se que o setor norte é caracterizado por grandes
correntes transversais à costa (correntes de retorno) para offshore, sendo uma sobre a
Laje do Jaltro, uma entre as duas Lajes e outra um pouco ao sul da Laje do Jaques,
sendo esta última de maiores proporções. Ligadas a estas correntes observa-se
também a presença de vórtices de magnitude moderada. Bem ao norte do setor, entre
o promontório de Itajuba e a Laje do Jaltro é possível observar uma corrente
longitudinal para sul, e ao longo do restante do setor correntes longitudinais para
ambos os lados, alimentando as células de circulação, como demonstrado
anteriormente por Van den HEUVEL et al. (2008). A velocidade máxima atingida pelas
correntes foi cerca de 0,5 m/s. As correntes de retorno podem ser explicadas pelo fato
de as ondas quebrarem bastante perpendiculares à costa, gerando grandes células de
circulação e que pode provocar, como de fato acontece, a formação de cúspides e
cavas na praia.
Na porção central da Enseada, as correntes de retorno estão ausentes e há uma
leve corrente longitudinal em direção ao norte. Além disto, há uma redução
significativa da velocidade de corrente bem ao sul do setor, e um leve aumento nas
proximidades da Ilha Feia.
A dinâmica das correntes no setor 3 é distinta. O Promontório Ponta da Penha
representa o local onde a velocidade das correntes é maior, chegando a quase 0,5
m/s. Esta corrente segue longitudinalmente à costa até o sul da Praia de Piçarras,
acompanhando o contorno da linha de costa. Nesta porção da Praia de Piçarras, se
observa a presença de um vórtice de tamanho significativo, mas de pequenas
velocidades. Um padrão de correntes semelhante foi demonstrado por PEREZ (2010).
Ao longo da execução do modelo, os vetores de direção de correntes pareciam
variar entre as direções norte e sul com certa ciclicidade ao longo dos 30 dias
analisados. Esta variação poderia estar ligada com as variações de nível de água pela
influência da maré.
54
Figura 23: Dinâmica das correntes na Enseada do Itapocorói após a execução do modelo para o cenário 1.
55
5.4.2 Cenário 2
No setor norte segue existindo correntes longitudinais e transversais, porém se
notam características bem distintas do mesmo setor para o cenário 1. Como mostra a
Figura 24, as correntes de retorno parecem ter dimensão e velocidade menores, com
cerca de 0,08 m/s. Além disto, neste caso a corrente longitudinal caracteriza uma
deriva litorânea para sul mais evidente. As correntes atingem sua velocidade máxima
sobre as Lajes presentes no setor norte, com um máximo de 0,5 m/s.
Quanto à porção central da Enseada, visto que as ondas chegam com pequena
altura e baixa energia nesta região, as correntes têm sua velocidade bem reduzida,
com pontos onde chega a 0 m/s. Observa-se uma pequena célula de circulação num
ponto da costa localizado em frente à Ilha Feia. As correntes longitudinais estão
ausentes ou tão fracas que podem ser desconsideradas, excetuando uma pequena
porção antes da Laje do Jaques onde há uma corrente de aproximadamente 0,15 m/s
direcionada para norte. Quanto à Ilha Feia, a dinâmica das correntes aparenta ser um
pouco maior do que aquela observada no cenário anterior. A velocidade em seu
entorno chega à 0,2 m/s e um vórtice de circulação se forma mais ao sul da Ilha.
Analisando os resultados gerados no setor 3 da enseada, podemos notar que,
para este caso, as correntes geradas nesta porção são fracas e localizadas na parte
interna do promontório Ponta da Penha. Sua velocidade máxima é de 0,2 m/s antes de
se desviarem para a parte interna do promontório, e a corrente não acompanha toda a
curva da Enseada até a porção norte do setor como aconteceu com as correntes
geradas no primeiro cenário. No restante do setor, assim como em boa parte do setor
2, as correntes são inexistentes ou tão fracas que podem ser eventualmente
desconsideradas, o que já era esperado, já que esta região está abrigada das
ondulações de sul e sudeste pelos promontórios Ponta da Penha e um outro mais ao
sul. O vórtice presente em frente à Praia Alegre está ausente neste cenário. Um
padrão parecido de correntes para um cenário semelhante foi obtido por Van den
HEUVEL et al. (2008)
56
Figura 24: Dinâmica das correntes na Enseada do Itapocorói após a execução do modelo para o cenário 2.
57
5.5 Transporte de Sedimentos
5.5.1 Cenário 1
Ao final dos 30 dias de execução do modelo, os resultados para o transporte de
sedimentos em suspensão para o primeiro cenário é mostrado na Figura 25. Nota-se
que há um transporte perpendicular à costa, para leste, principalmente nos locais onde
antes encontramos correntes de retorno (mostradas nas imagens anteriores). Além
disto, nos setores 1 e 2, percebe-se a ocorrência de transporte longitudinal para
ambos os lados além do transporte para offshore. Esta característica de transporte foi
obtida também por Van den HEUVEL et al. (2008). No setor 3, o transporte é baixo em
quase todo o perfil, sendo um pouco mais significativo nos entornos do promontório
Ponta da Penha, direcionado principalmente para norte.
De forma quantitativa, o setor 1 apresenta os maiores valores, variando entre
2,129x10-5 e 8,103x10-5 m³/s/m, atingindo os valores máximos próximo às lajes e ao
costão rochoso de Itajuba. O setor 2 possui um transporte mais constante em torno de
9,533x10-7 m³/s/m ao longo da linha de costa e nos entornos da Ilha Feia. O setor 3
apresenta valores próximos a 0 ao longo de toda Praia Alegre e na porção sul da Praia
de Piçarras, e valores máximos de 3,94x10-5 no interior do promontório Ponta da
Penha.
5.5.2 Cenário 2
O transporte dos sedimentos em suspensão para o cenário 2 é visto na Figura
26. No setor 1, o transporte é localizado e mais alto em torno das Lajes e do
promontório de Itajuba, direcionado para offshore. Os valores máximos chegam a
3,497x10-4 m³/s/m. No restante do setor, o transporte é muito baixo. Quanto ao setor
central da enseada, o transporte é limitado a dois pequenos pontos com direção para
sudeste e com valor máximo de 8,503x10-6 m³/s/m. Nas proximidades da Ilha Feia, o
transporte se intensifica um pouco, direcionado para noroeste e sudoeste, atingindo os
valores de 1,5634x10-5 m³/s/m. Para o setor 3, o transporte próximo à linha de costa é
ainda menor do que o observado no cenário anterior, existindo pontos onde o
potencial de transporte sedimentar é nulo. Na porção externa do promontório Ponta da
Penha, assim como no cenário 1, há uma pequena zona onde existe transporte
sedimentar, chegando a 3,977x10-5 m³/s/m e que segue o contorno do costão para a
porção interna.
58
Figura 25: Transporte de sedimentos em suspensão na Enseada do Itapocorói após a execução do modelo para o cenário 1.
59
Figura 26: Transporte de sedimentos em suspensão na Enseada do Itapocorói após a execução do modelo para o cenário 2.
60
6 DISCUSSÃO
Os resultados obtidos para direção de propagação de ondas, que permite
evidenciar os processos de difração e refração possibilitam ver, para os dois cenários
modelados, que as diferentes porções da Enseada do Itapocorói sofrem de maneira
diferencial com a incidência das ondas. Quando as ondas são provenientes de Leste
com altura significativa de 1,25 metros e 8 segundos de período, estas chegam com
maior altura no setor 1, 2 e 3, respectivamente, sendo que o setor 3 apresenta valores
bem baixos neste quesito. Por outro lado, quando as ondas são provenientes do
quadrante Sul, apesar de apresentarem período e altura significativa (12 s, 2,0 m)
maiores que as ondas do cenário anterior, todos os setores apresentam valores de
altura significativa menores na costa, sendo esta diferença observada principalmente
no setor 2 da Enseada. Os principais focos de difração de ondas são a Ilha Feia e o
Promontório Ponta da Penha e a refração é mais bem evidenciada no setor 2 da
Enseada. Estes resultados corroboram ALMEIDA (2013), Van den HEUVEL et al.
(2008), e PÉREZ (2010).
Quanto aos focos de concentração de energia, nota-se que estes são os mesmos
para ambos os cenários analisados, sendo divergentes somente no que se refere à
intensidade deste processo. São eles: Promontório de Itajuba, Laje do Jaques, Laje do
Jaltro, Ilha Feia, um ponto na costa em frente à Ilha Feia, um ponto no Promontório
Ponta da Penha, e alguns pequenos pontos ao longo do sul do setor 2 e norte do setor
3. Novamente, a intensidade da concentração é maior no cenário 1, apesar de a
intensidade original das ondas do cenário 2 serem maiores. A concentração de
energia sobre as Lajes é explicada por ALFREDINI (2005), que diz que o processo de
refração das ondas pode causar convergência na direção, levando ao acúmulo de
energia.
No que diz respeito às correntes geradas pelas ondas, percebe-se que nos dois
cenários existem correntes de retorno em direção à leste , principalmente no setor 1, e
também uma corrente longitudinal ao longo do Promontório Ponta da Penha. As
correntes longitudinais são distintas entre os dois cenários, sendo que no cenário 1
existem correntes para os dois lados no setor 1, e uma de baixa velocidade
direcionada para sul no restante da Enseada. No cenário 2, as velocidades diminuem
significativamente, chegando a 0 m/s em certos locais como o setor 3.
Analisando o transporte de sedimentos em suspensão ao longo da Enseada,
observa-se um transporte transversal em ambos os cenários, determinados pelas
correntes de retornos já discutidas. O transporte é baixo em ambos os cenários, fato
explicado pela baixa intensidade das correntes observadas.
61
7 CONCLUSÕES
Apesar de o modelo não haver sido calibrado ou validado, considera-se que o
modelo apresentou resultados satisfatórios, já que todos os resultados
obtidos podem ser confirmados total ou parcialmente pela literatura, sendo
mais condizente com os resultados obtidos por Van den HEUVEL et al.
(2008);
A Enseada do Itapocorói é mais afetada pelas ondas provenientes de Leste,
com período de pico de 8 segundos e altura significativa de 1,25 metros do
que pelas ondas provenientes do quadrante Sul, com período de pico de 12
segundos e altura significativa de 2,0 metros, no que diz respeito à altura de
onda incidente na costa, concentração de energia de onda, correntes
transversais e longitudinais e transporte de sedimentos em suspensão.
A intensidade dos processos analisados neste trabalho é baixa,
caracterizando a Enseada do Itapocorói como pouco afetada pelos cenários
modelados à curto prazo, podendo, entretanto, serem significativos à médio e
longo prazo.
Os resultados obtidos neste trabalho não explicam a presença de zonas de
erosão acentuada na Praia de Piçarras, principalmente porque o local de
existência destas zonas é mostrado pelo modelo como de baixa velocidade
de corrente e baixo potencial de transporte de sedimentos. Isto poderia
indicar que os processos que causam a retirada de sedimentos na costa são
mais complexos e envolvem mais variantes do que apenas a incidência
destes tipos de ondas na Enseada do Itapocorói.
O promontório Ponta da Penha representa o ponto mais significativo de
difração de ondas de Leste e de Sul, mantendo a Praia Alegre abrigada da
incidência das mesmas. Este promontório também é o mais significativo no
que diz respeito à formação de correntes longitudinais à costa.
A Ilha Feia representa um ponto onde ocorre difração de ondas de Leste e de
Sul, uma concentração baixa de energia para os dois cenários, uma dinâmica
de correntes que gera vórtices em ambas as situações simuladas, e um
transporte de sedimentos em suspensão moderado, sendo este último o único
quesito onde as ondas de Sul superaram as de Leste.
São observadas zonas de sombra em ambos os cenários após a Ilha Feia e
no setor 3 da Enseada, determinadas pelo processo de refração que ocorre
ao redor destas estruturas rochosas.
62
8 REFERÊNCIAS
ABREU, J.G.N. Contribuição à Sedimentologia da Plataforma Continental Interna
de Santa Catarina entre a Foz do Rio Tijucas e Itapocú. 1998. 64p. Dissertação
(Mestrado) – Curso de Pós-Graduação em Geologia e Geofísica Marinha. Instituto de
Geociências. Depto. de Geologia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro,
RJ, 1998.
ALENCAR JR, A. C. B., KLEIN, A. H. F, ARAUJO, R. S. Modelagem numérica do
fenômeno de rotação praial: uma abordagem teórica. In: Simpósio Brasileiro de
Oceanografia, 5. 2011, Santos. Anais... Santos: Editora, 2011. P. 1-6
ALFREDINI, P. Obras e gestão de portos e costas: a técnica aliada ao enfoque
logístico e ambiental. 1ed. São Paulo, SP: Ed. Blucher, 2005.
ALMEIDA, L. R. de. Estudio de dinâmica litoral y evolución de la zona sur de la
playa de Piçarras (Santa Catarina/ Brasil). 2013. 263 f. Dissertação (Mestrado em
Gestión Integrada de Zonas Costeras) – Universidade de Cantábria, Santander. 2013.
AMARAL, K. J. Estuário do rio Macaé: modelagem computacional como
ferramenta para o gerenciamento integrado de recursos hídricos. 2003. 160 f.
Dissertação (Mestrado em Ciências em Engenharia Civil) – Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 2003.
ARAUJO FILHO, L. P. Processos de transformação de ondas em águas rasas:
estudo de caso na Enseada do Itapocorói - SC. 2008. 127 f. Trabalho de conclusão
de curso (Bacharel em Oceanografia) – Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2008.
ARAUJO, C.E.S; FRANCO, D.; MELO, E.; PIMENTA, F. WAVE Regime
Characteristics of the Southern Brazilian Coast. In: International Conference On
Coast and Port Engineering in Developing Countries, COPEDEC, v.6., n.97,
Colombo, 2003.
ARAUJO, R. S. Morfologia do Perfil Praial, Sedimentologia e Evolução Histórica
da Linha de Costa das Praias de Enseada do Itapocorói – SC. 2008. 145 f.
63
Dissertação (Mestrado em Ciência e Tecnologia Ambiental) – Universidade do Vale do
Itajaí, Itajaí, 2008.
BAPTISTA NETO, J. A.; PONZI, V. R. A.; SICHEL, S.E. Introdução à Geologia
Marinha. Rio de Janeiro: Interciência, 2004.
BROWN, J.; COLLING, A.; PARK, D.; PHILLIPS, J.; ROTHERY, D.; WRIGHT, J.
WAVEs, tides and shallow-water processes. Exeter: Butterworth-Heinemann, 1989.
COASTAL PLANNING e ENGINEERING DO BRASIL. Modelagem numérica como
subsídio aos estudos à fixação da Barra do Rio Araranguá. Preparado para:
Engera Engenharia e Gerenciamento de Recursos Ambientais. 2009.
DAVIES, J.L. A morphogenetic approach to world shorelines. Mortensen
Sonderheft: Zeitschrift für Geomorphologie, v.8, 1964
DELFT 3D. Functional Specifications. Netherlands; Deltares. 2011.
DELFT 3D-FLOW. DELFT 3D-FLOW User Manual. Netherlands: Deltares. 2011.
DELFT 3D-WAVE. DELFT 3D-WAVE User Manual. Nertherlands; Deltares, 2012.
DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA E TRANSPORTE (DNIT).
Batimetria. Brasília, 2012. Disponível em:
<http://www.dnit.gov.br/hidrovias/manutencao-hidroviaria/barimetria>. Acesso em: 08
nov. 2012.
GARCIA, G., Implementação de modelo numérica para a avaliação do transporte
de sedimentos no Reservatório de Itaipú – PR. 2008. 143 f. Dissertação (Mestrado
em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental) – Universidade Federal do Paraná,
Curitiba. 2008.
GUILHER, A. Morfologia Litoral Y Submarina: Fuerzas que intervienen em La
configuración del litoral. Mudanzas de las orillas. Edificaciones coralinas.
Classificación de lãs costas. Taludes y cañones submarinos. Sedimentos. Relieve y
64
estructura del fondo del mar. Fosas abisales. Barcelona: Ediciones Omega, S.A.,
1957.
HOEFEL, F.G. Diagnóstico da Erosão Costeira na Praia de Piçarras, Santa
Catarina. 1998. 86p. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação de
Engenharia, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, 1998.
HOEFEL, F.G. Morfodinâmica de Praias Arenosas Oceânicas: Uma Revisão
Bibliográfica. Itajaí: Editora Univali, 1998.
HOLTHUIJSEN, L.H. WAVEs in Oceanic and Coastal Waters. Nova Iorque:
Cambridge University Press, 2007.
HOLTHUIJSEN, L.H., HERMAN, A., BOOIJ, N. Phase-decoupled refraction-diffraction
for spectral WAVE models. Coastal Engineering Journal, v.49, n.4, p. 291-305, 2003.
KLEIN, A.H.F. Morphodynamics of Headland Bay Beaches. 2004. 450 f. Tese
de Doutorado – Universidade do Algarve, Faro, Portugal. 2004.
KLEIN, A.H.F.; MENEZES, J.T. Beach Morphodynamics and Profile Sequence for
a Headland Bay Coast. Journal of Coastal Research, v.17, n.4, p. 812- 35, 2001.
NIELSEN, P. Coastal and Estuarine Processes: Advanced Series on Ocean
Engineering. v. 29. Austrália: World Scientific. 2009.
PASSOS, R. C. S. Modelagem morfodinâmica do transporte de sedimento de
fundo em ambientes costeiros. 2010. 107 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia
Ambiental) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. 2010.
PÉREZ, M. R. Estudios de la estabilidade de las playas em la Enseada de
Itapocorói (SC, Brasil). 2010. 184 f. Dissertação (Mestrado em Gestión Integrada de
Zonas Costeras) – Universidade de Cantábria, Santander. 2010.
POND, S.; PICKARD, G.L. Introductory Dynamical Oceanography. 2. ed.
Vancouver: Butterworth-Heinemann, 1983.
65
RIBAS, T. M. Implementação de modelo numérico para estudo hidrodinâmico das
baías de Antonina e de Paranaguá – PR. 2004. 136 f. Dissertação (Mestrado em
Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental) - Universidade Federal do Paraná,
Paraná. 2004.
ROSMAN, P. C. C. Um Sistema Computacional de Hidrodinâmica Ambiental. In:
Silva, R. C. V. (Org.). Métodos Numéricos em Recursos Hídricos 5. 1 ed. Porto Alegre:
ABRH - Associação Brasileira de Recursos Hídricos, 2001, v. 5, p. 1-161.
SCHETTINI, C.A.F., de CARVALHO, J.L.B., TRUCCOLO, E.C. Aspectos
hidrodinâmicos da Enseada da Armação do Itapocoroy, SC. Notas técnicas
FACIMAR. V.3, p. 99-109, 1999.
SHORT, A. D. Handbook of Beach and Shoreface Morphodynamics. Sidney: Wiley,
1999.
SIGNORIN, M. Análise e comparação do clima de ondas do norte, centro e sul de
Santa Catarina utilizando modelagem numérica. 2010. 95 f. Trabalho de Conclusão
de Curso (Bacharel em Oceanografia) – Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2010.
SPROVIERI, F.C. Evolução Sedimentar e Morfológica dos Perfis Praiais das
Praias Alegre e Piçarras – SC, após obras de Recomposição da Linha de Costa.
2008. 113f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Oceanografia) –
Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2008.
TESSLER, T. M. Esquematização do clima de ondas da bacia de Santos para
modelagem numérica de morfologia costeira em escalas temporais de meses e
anos. 2010. 123 f. Trabalho de conclusão de curso (Bacharel em Oceanografia) –
Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2010.
THURMAN, H.V.; TRUJILLO, A.P. Introductory Oceangraphy. 10. ed. Nova Jersey:
Pearson Prentice Hall, 2004.
TRUCCOLO, E.C. Maré Meteorológica e Forçantes Atmosféricas Locais em São
Francisco do Sul – SC. 1998. 100p. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-
Graduação em Engenharia Ambiental, Depto. de Engenharia Sanitária, Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC, 1998.
66
VAN DEN HEUVEL, S.; HOEKSTRA, R.; DE ZEEUW, R.; ZOON, A. Case Study
Piçarras Beach: Erosion and Nourishment of a Headland Bay Beach. Project group
CF81, Delft University of Tecnology / Universidade do Vale do Itajaí, Netherlands,
2008.
WORLD METEOROLOGICAL ORGANIZATION (WMO). Guide to WAVE Analysis
and Forecasting. Secretariat of the World Meteorological Organiation, 162 f. 2. ed.
Geneva, 1998.