Análise do Retorno Sobre o Investimento para ... · produção e redução de vendas. Sob esse...

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1 Análise do Retorno Sobre o Investimento para Internalização dos Custos de Poluição da Água em uma Empresa Agrícola Autoria: Antonio Carlos Zambon, David Antonio da Vinha, Eldo Soares de Oliveira Resumo O objetivo do presente trabalho é apresentar um modelo de valoração de externalidades negativas, visando à avaliação de internalização dos custos de poluição da água por uma empresa agrícola do interior do estado de São Paulo. Pretende-se demonstrar a utilidade de instrumentos econômicos que sejam capazes de revelar o impacto dos custos de poluição sobre o retorno dos investimentos em recursos de produção mais limpa. Este artigo discorre sobre um modelo genérico de retorno sobre o capital investido (RCI) e de Valoração Econômica Total - VET, do bem ambiental (MATTOS & MATTOS, 2004), comparando ambos os resultados sob os aspectos de custo-efetividade, ou seja, da oportunidade de internalização frente às necessidades de manutenção da saúde financeira da empresa. Para testar o modelo na empresa, objeto desta pesquisa, foi escolhido um projeto de produção de antúrios em um sítio no interior do estado de São Paulo, onde a empresa incorpora elementos de reutilização e monitoramento da qualidade da água. O modelo proposto mostrou-se eficiente quando aplicado na avaliação da água utilizada no referido processo de produção, e pode-se observar o impacto dos custos de internalização sobre o retorno do capital. Verificou- se que o emprego deste instrumento de monitoramento financeiro, produz subsídios que podem integrar as estratégias de negócio da empresa, considerando sua capacidade de simular oportunidades de novos investimentos de forma sustentável em termos de retorno do capital investido e de não agressão ao meio ambiente. 1. Introdução Segundo Braga et al (2002), pela segunda lei da termodinâmica, o uso de energia implica degradação de sua qualidade. Os sistemas de produção em massa, historicamente, produziram, além dos recursos básicos para a manutenção da moderna sociedade, alterações significativas nos sistemas naturais, causando, em muitas circunstâncias, a exaustão desses recursos. As conjecturas realizadas nesse âmbito identificam um paradoxo, onde recursos que garantiram o maior avanço já imaginado pelo ser humano, estão por trás dos maiores retrocessos, em termos de cuidados com a perpetuação da vida. Assim, o cuidado com o meio ambiente deixou de ser responsabilidade exclusiva dos Governos para tornar-se uma ação conjunta, que envolve a população e as indústrias. Por abrigar o maior pólo industrial do Brasil, o Estado de São Paulo já sente os problemas causados pela poluição e, desta forma, a preocupação com esta questão fica ainda mais explicita. Segundo Layrargues (2000), o motivo para que as empresas despertem o interesse em relação à proteção ambiental não se restringe à necessidade de cumprir com as legislações ambientais vigentes, mas, representa, sobretudo, a necessidade de resposta à sociedade e, consequentemente, à demanda, da exposição de sua marca para um mercado cuja preocupação ambiental tem, gradativamente, se sobressaído à necessidade do consumismo. A cobrança dos consumidores por produtos menos agressivos ao meio ambiente, força as empresas que desejam continuar competitivas, à adequação de sua atitude, que, em inúmeras circunstâncias, vai além do que é exigido pelo Governo. Além disso, estas práticas ambientais culminam na sensação de positividade, de responsabilidade social principalmente nos consumidores, o que, de certa forma, abre caminho para um novo nicho de mercado. O presente trabalho discute sobre os esforços de uma empresa agrícola em internalizar a poluição gerada pelo processo de produção de espécimes florais. Nesta oportunidade, discute-se sobre a avaliação dos objetivos financeiros empresariais e a utilização de recursos

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Análise do Retorno Sobre o Investimento para Internalização dos Custos de Poluição da Água em uma Empresa Agrícola

Autoria: Antonio Carlos Zambon, David Antonio da Vinha, Eldo Soares de Oliveira

Resumo O objetivo do presente trabalho é apresentar um modelo de valoração de externalidades negativas, visando à avaliação de internalização dos custos de poluição da água por uma empresa agrícola do interior do estado de São Paulo. Pretende-se demonstrar a utilidade de instrumentos econômicos que sejam capazes de revelar o impacto dos custos de poluição sobre o retorno dos investimentos em recursos de produção mais limpa. Este artigo discorre sobre um modelo genérico de retorno sobre o capital investido (RCI) e de Valoração Econômica Total - VET, do bem ambiental (MATTOS & MATTOS, 2004), comparando ambos os resultados sob os aspectos de custo-efetividade, ou seja, da oportunidade de internalização frente às necessidades de manutenção da saúde financeira da empresa. Para testar o modelo na empresa, objeto desta pesquisa, foi escolhido um projeto de produção de antúrios em um sítio no interior do estado de São Paulo, onde a empresa incorpora elementos de reutilização e monitoramento da qualidade da água. O modelo proposto mostrou-se eficiente quando aplicado na avaliação da água utilizada no referido processo de produção, e pode-se observar o impacto dos custos de internalização sobre o retorno do capital. Verificou-se que o emprego deste instrumento de monitoramento financeiro, produz subsídios que podem integrar as estratégias de negócio da empresa, considerando sua capacidade de simular oportunidades de novos investimentos de forma sustentável em termos de retorno do capital investido e de não agressão ao meio ambiente. 1. Introdução

Segundo Braga et al (2002), pela segunda lei da termodinâmica, o uso de energia implica degradação de sua qualidade. Os sistemas de produção em massa, historicamente, produziram, além dos recursos básicos para a manutenção da moderna sociedade, alterações significativas nos sistemas naturais, causando, em muitas circunstâncias, a exaustão desses recursos.

As conjecturas realizadas nesse âmbito identificam um paradoxo, onde recursos que garantiram o maior avanço já imaginado pelo ser humano, estão por trás dos maiores retrocessos, em termos de cuidados com a perpetuação da vida.

Assim, o cuidado com o meio ambiente deixou de ser responsabilidade exclusiva dos Governos para tornar-se uma ação conjunta, que envolve a população e as indústrias. Por abrigar o maior pólo industrial do Brasil, o Estado de São Paulo já sente os problemas causados pela poluição e, desta forma, a preocupação com esta questão fica ainda mais explicita.

Segundo Layrargues (2000), o motivo para que as empresas despertem o interesse em relação à proteção ambiental não se restringe à necessidade de cumprir com as legislações ambientais vigentes, mas, representa, sobretudo, a necessidade de resposta à sociedade e, consequentemente, à demanda, da exposição de sua marca para um mercado cuja preocupação ambiental tem, gradativamente, se sobressaído à necessidade do consumismo.

A cobrança dos consumidores por produtos menos agressivos ao meio ambiente, força as empresas que desejam continuar competitivas, à adequação de sua atitude, que, em inúmeras circunstâncias, vai além do que é exigido pelo Governo. Além disso, estas práticas ambientais culminam na sensação de positividade, de responsabilidade social principalmente nos consumidores, o que, de certa forma, abre caminho para um novo nicho de mercado.

O presente trabalho discute sobre os esforços de uma empresa agrícola em internalizar a poluição gerada pelo processo de produção de espécimes florais. Nesta oportunidade, discute-se sobre a avaliação dos objetivos financeiros empresariais e a utilização de recursos

 

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naturais como insumos de produção. Pretende-se, dessa forma, propor um modelo de análise econômico-financeiro, que seja capaz de demonstrar o impacto da internalização da poluição gerada no processo produtivo sobre o retorno do investimento financeiro.

Procura-se, dessa forma, analisar conjuntamente, as questões que cercam a sustentabilidade empresarial, sob a expectativa da manutenção da fatia de mercado, bem como da oportunidade econômica de investimentos em produção mais limpa.

2. A relação de trocas entre a produção e o ambiente natural

Conforme Pinho (2005), o ambiente natural exerce três funções básicas: i) a prestação

de serviços diretos ao consumo; ii) o fornecimento de insumos para produção e iii) a recepção de resíduos provenientes, tanto do consumo quanto da produção.

No contexto econômico, essas funções se relacionam, compondo cenários complexos nos quais vários objetivos podem ser identificados.

Da relação entre produção e sociedade, por exemplo, extraem-se fatores como emprego e renda, e, no sentido oposto, consumo. Da mesma forma, a relação entre população, produção e recursos naturais, permite o surgimento de problemas identificados pela economia do meio ambiente como externalidades negativas, também chamadas de poluição.

Pinho (2005), define poluição como a interferência da atividade de um agente econômico no bem-estar ou lucro de outro agente econômico, pela utilização de bens de uso comum, considerando a inexistência de mecanismo de mercado capazes de promover a compensação dessa interferência.

Segundo Moura (2003), bens de uso comum são aqueles para os quais inexistem critérios de propriedade que garantam o uso exclusivo, ou seja, estão à disposição de todas as pessoas simultaneamente e indivisivelmente, como a água e o ar.

O problema na utilização dos bens comuns é que, considerando a falta de restritores eficientes de uso, alguns indivíduos os utilizam em demasia, invadindo o direito de uso de outros.

A poluição causada pelos processos de produção decorre do uso inadequado dos insumos em busca da maximização de lucros, que culmina na ocorrência de custos marginais em outros agentes que se utilizam do mesmo bem.

A ocorrência de externalidades negativas provenientes da utilização indiscriminada de bens comuns e que resulta na geração de impacto no meio ambiente, provocou a ocorrência de inúmeras mobilizações sociais, como, por exemplo, a Declaração do Rio Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que, segundo Moura (2003, p.13) estabelece:

“Princípio 16: as autoridades locais devem promover a internalização de custos ambientas e o uso de instrumentos econômicos, levando em consideração que o poluidor deve arcar com os custos de poluição”.

Define-se na Declaração, a posse da poluição para o agente gerador. Essa definição é

pressuposto básico para a criação de mecanismos públicos (PINHO, 2005), que possam regular as emissões de poluentes, ou, em outras circunstâncias, incentivar os agentes poluidores, a internalizarem o custo da poluição.

Segundo Moura (2003), tanto incentivos quanto ações coercitivas ou punitivas, podem promover a ampliação do fator de internalização. Por outro lado, o discurso empresarial que incorpora a ISO14000 como instrumento capaz de conduzir os empreendimentos a uma nova realidade, calcada na preservação do meio ambiente, tem, na verdade, um forte apelo

 

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mercadológico onde se incluem aspectos econômicos, políticos e tecnológicos (Layrargues, 1998)

Essa sensibilização, embora não conduza à transição ideológica da racionalidade econômica para a racionalidade ecológica, incentiva que os investimentos em produção mais limpa sejam buscados mesmo sem a presença de um fator de coerção do Estado.

Considera-se, ainda, a ampliação pela mídia, da exploração da idéia de que o próprio consumo significa uma ação predatória. À luz dessa argumentação, amplia-se a percepção da responsabilidade ambiental do próprio mercado e, consequentemente, a necessidade de resposta da indústria no tempo mais curto possível.

2.1. Estratégia do negócio e externalidades negativas

Sob o aspecto da produção, a análise de custo-efetividade posiciona-se como um instrumento clássico na mensuração de valores de bens e serviços ambientais, que interferem no custo de produção como externalidades negativas.

Tais externalidades representam, na visão da produção, além das perdas de insumos, também os investimentos em recursos e a influência negativa nas previsões de demanda.

Sob esse último aspecto SLACK (1996) comenta que a estratégia de negócio é um composto de estratégias parciais interdependentes, cujos objetivos são determinados e depois monitorados por indicadores de desempenho, que representam, especificamente, os aspectos de competitividade que determinam um nível crítico, acima do qual a produção situa-se, de forma que seja qualificada pelo mercado.

Atualmente, dois fatores distanciam produção e demanda, nos aspectos concernentes ao meio ambiente: i) a imagem de poluidora da organização empresarial e ii) problemas de licenciamento ambiental.

Os efeitos sobre a demanda são similares para ambos os fatores, sendo que o segundo fator pode ser compreendido de uma forma estruturada, composta de métodos, normas e regras, que servem de base para a composição dos critérios qualificadores de desempenho.

A imagem de empresa poluidora atrela-se a outros indicadores menos perceptíveis que incluem no produto, qualidades extrínsecas, associadas ao bem-estar da demanda, como a preservação ambiental.

Da empresa se espera a construção de uma imagem proativa do produto, obtida mediante a aplicação de processos mais limpos, que permitem identificar plenamente o formato preservacionista da produção.

Entretanto, os processos produtivos são invariavelmente associados à poluição e, considerando que o Estado atribui à entidade geradora a propriedade da poluição, resta à empresa avaliar, senão o risco desta inserção, também o custo da utilização do bem comum em uma fração superior à admissível. Segundo Mello & Filippi (2007), a atribuição de valores financeiros a ativos naturais, justifica-se apenas pela necessidade estratégica de resposta ao mercado, considerando que a sustentabilidade ecológica na ótica empresarial, relaciona-se não com medidas monetárias, mas sim, com a manutenção de estoques físicos de capital natural (Daly, 1997). Nessa argumentação, identifica-se a dificuldade de estabelecimento de um critério universalmente aceito para valoração do meio ambiente.

O bem ambiental é interpretado pela organização empresarial como insumo, e as apropriações desses insumos são realizadas em porções cada vez maiores, nos moldes capitalistas de acumulação. Assim, existe uma tendência de ampliação de externalidades, tendo como contrapartida, a geração de lucro.

Todavia, o posicionamento ecológico dos consumidores, freia a expansão de processos geradores de externalidades negativas e força uma redução do fluxo de capital para as empresas, pressionando-as à mudança. Considerando-se que o fator que move as empresas à busca por novos investimentos e perpetuação de suas atividades, é a possibilidade de

 

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acumulação progressiva de capital, a geração de poluição passa a ser interpretada como um problema, gerando um paradoxo onde, ao mesmo tempo, poluir representa ampliação de produção e redução de vendas.

Sob esse aspecto, uma forma de verificar a sustentabilidade financeira de um empreendimento, sob a expectativa de geração de um fluxo satisfatório de capital, é avaliar, também financeiramente, a oportunidade de internalizar a poluição gerada pelo processo. O estudo da internalização da poluição prescinde da utilização de instrumentos econômicos capazes de converter a poluição gerada para uma base financeira, e compará-la ao fluxo de capital gerado durante o período de amortização de investimentos realizados pela organização empresarial.

2.2. Estratégia de análise do retorno sobre investimento na produção

A avaliação da taxa de ganhos futuros consiste na condição básica para a realização de investimentos (SOUZA,2005).

Os fatores que são tomados para decisão de investimento na produção, são o preço do bem de capital (P), o diferencial entre receitas e despesas operacionais (R-D), que caracteriza o rendimento periódico (Cj) obtido pela utilização do bem de 1 a n, onde o período j está contido e o nível dos juros no mercado (r):

(1)

Com base nos ganhos futuros, torna-se possível avaliar a oportunidade de realização

de um investimento, que gera tal fluxo de capital. Para essa análise, é necessário compor o quociente de lucratividade (L) e compará-lo à rotação do investimento (RI).

A mensuração do quociente de lucratividade (L) advindo das operações seria representado pela comparação de C com o valor das receitas (R), também submetidas aos juros de mercado:

(2)

Essa comparação exprime a percentagem de margem bruta da empresa em um

período. Para a expressão da rotação do investimento (RI), comparam-se as receitas auferidas pela execução de investimentos (I), corrigidas, no mesmo período:

(3)

Supondo-se que o rendimento periódico (C) fosse hipoteticamente acumulado, em um

determinado momento t, este se igualaria ao investimento, evidenciando o período de rotação do capital, onde . Desse modo, comparando-se os produtos de ∆L% e RI, evidencia-se a rotação do capital investido:

(4)

O modelo de rotação do capital satisfaz alguns aspectos da análise de critérios de

desempenho associados às estratégias financeiras, mas, não avalia o custo de oportunidade em que a empresa incorre quando desenvolve investimentos na produção, gerando externalidades negativas.

 

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2.3. Estratégia de avaliação financeira dos custos de poluição

Durante o período de rotação do capital investido (RCI), as operações industriais incorrem, além dos custos associados à produção, também em custos associados à poluição.

Desde que a empresa interprete a necessidade de internalização dos custos de poluição advindos de seu processo, deverá estimar a ocorrência de dois tipos de custos: o valor de uso (VU) e o valor de não uso do ativo ambiental (VNU), que, segundo Mattos & Mattos (2004), compõem o valor econômico total (VET).

A análise de custo-efetividade e as técnicas de simulação de mercado como valoração contingente, métodos de custo de viagem, de preços hedônicos, etc., foram propostas por inúmeros autores como Moura (2003), Pearce & Turner (1991) e Motta, Ortiz & Ferraz (2000), constituindo modelos amplamente aceitos de valoração, capazes de auxiliar a composição de regras estratégicas de internalização dos custos ambientais

Propõe-se, neste trabalho, a comparação dos custos marginais gerados pela utilização de ativos ambientais (VNU) com o fluxo de benefícios do capital gerado (C) no período estimado de rotação (RCI), visando à composição de estratégias de produção, a partir da consideração da viabilidade econômica dos investimentos.

Sob o aspecto da internalização da poluição, entende-se VU pela utilização de determinado bem comum como recurso de produção, e VNU, a possibilidade de exaustão ou degradação associada à utilização inadequada do mesmo bem, que privará outros agentes da utilização do mesmo bem. Esse contexto pode ser representado, de forma genérica, através da seguinte equação:

(5)

Sob essas considerações, pode-se interpretar o VU como um conjunto de valores que

se associam diretatamente (VUD) ou indiretamente (VUI), considerando ainda, a adição de valores de opção (VO). O valor de uso direto (VUD) representa a parcela do bem ambiental tomado como insumo, consumido ou transformado no processo produtivo. O VUI representa esforços de produção que incidem sobre o bem ambiental, alterando suas características físico-químicas, em um parâmetro controlável. Os recursos adicionais empenhados na recomposição do bem comum, ou restituição de suas qualidades físico-químicas originais, representam valores de opção (VO). Tem-se, então a seguinte equação:

(6)

O VNU, por sua vez, pode ser interpretado pelo conjunto de variáveis que, em razão da

utilização demasiada do ativo ambiental, incidirão na disponibilidade desses ativos para as populações futuras, pelo seu uso inadequado pela função produção.

Considerando que a responsabilidade legal da poluição é atribuída ao seu causador e a penalidade pelo uso inadequado é determinada, pode-se interpretar o VNU como a sanção imposta pelo Estado sobre a exaustão ou alteração de características físico-químicas permanentes imputadas ao bem, por sua utilização inadequada na produção.

Dessa forma, o custo de poluição (CE) é composto pelos valores dos custos incorridos pela produção em um período t, que representam esforços empenhados no sentido de garantir a preservação da qualidade inicial do bem ambiental, ou o risco de ter que indenizar a impossibilidade de restitui as características físico-químicas iniciais:

(7)

 

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O VUD não integra CE, considerando que representa a fração do bem público utilizada

pela produção, submetida a todas as restrições de licenciamento ambiental, que determinam a qualidade da devolução do bem ao meio ambiente.

O período calculado para retorno do investimento (RCI) é utilizado como base para comparar as atividades quanto aos custos e ganhos marginais incorridos, onde um ganho marginal C possa ser comparado aos custos marginais de poluição CE, conforme demonstra a Figura 01.

Figura 01: Comparação entre ganho marginal e custos marginais de poluição em um período

A área sobre o eixo X da Figura 01 compreende os valores de C e CE no mesmo

espaço RCI, representando a expectativa de internalização dos custos de poluição marginais que se igualam ao montante dos rendimentos periódicos realizados.

A faixa sobre o eixo X, entre Q1 e Qn representa possíveis rendimentos periódicos adicionais (PC1→ PCn = x), que podem ocorrer mesmo com a completa internalização dos custos marginais de poluição (PCE0→PCE1 = 0), que leva à consideração de que ,

Para que na mesma análise de custos e benefícios marginais, os investimentos sejam financeiramente justificáveis, devem considerar o âmbito da eficiência financeira e da eficiência de internalização da poluição no período de amortização do investimento.

3. Aplicação do modelo de viabilidade econômica de internalização da poluição

A empresa objeto do presente estudo, que terá seu nome preservado neste artigo, é originalmente holandesa, instalou-se no Brasil em 1959, na cidade de Holambra, estado de São Paulo. Atualmente pesquisa, desenvolve e produz bulbos, mudas, flores, plantas ornamentais, frutas, cereais e batatas em mais de 12.000 (doze mil) hectares plantados nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraguai e Holanda, contando com mais de 1.300 (hum mil e trezentos) colaboradores.

A empresa é formada por quatro divisões básicas de atuação, denominadas Áreas de Negócios, que são Agricultura, Bulbos, Flores e Plantas e Mudas. Os princípios que norteiam

 

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suas ações estratégicas pautam-se na preservação ambiental e valorização do elemento humano.

Em razão disso, suas ações são direcionadas no sentido do respeito ao ser humano e de preservação do meio-ambiente, mantendo matas nativas, pela forma consciente de manejo de recursos naturais e investimento nas comunidades onde estão inseridas, através da Qualidade da Vida no Trabalho e em Projetos Sociais inovadores.

A empresa pauta-se por um código de ética que determina as relações entre colaboradores e com o meio ambiente. Observa-se que esses valores estão presentes na missão empresarial e em suas operações, considerando a obtenção de prêmios na área de Recursos Humanos e a destinação de recursos financeiros em diversos programas comunitários.

É possível verificar em seus valores, o foco em quatro campos de sustentabilidade: i) campo econômico, ii) ambiental, iii) social e iv) humano, considerando que esses campos são monitorados por um modelo interno de avaliação, fundamentado a partir dos indicadores propostos pelo Instituto Ethos para o meio ambiente (ETHOS, 2009).

Seus principais produtos comercializados são flores (tulipas, crisântemos, Amarillys, gladíolos e lírios, plantas (zamioculcas, tuia e antúrios), bulbos (gladíolos, lírios e amarillys), mudas (violetas e crisântemo), frutas cítricas, cereais (milho e soja) e batatas para a indústria alimentícia.

Neste trabalho, o modelo de viabilidade econômica da internalização de poluição, será aplicado à unidade localizada em Santo Antônio de Posse – SP, onde são cultivados 2,4 hectares de antúrio. Esta unidade conta com 300 colaboradores, sendo deste total, 18 do setor de antúrio.

Além do sistema de drenagem, a produção é realizada em estufas. Existem inúmeras espécies de antúrio, entretanto, para efeito desta pesquisa, foi considerada a hipótese de plantio da espécie IAC Eidibel, cuja produtividade é de aproximadamente 6,41 flores por planta, em um período de onze meses, com uma ocupação de 08 plantas por m2. Salienta-se que essa produtividade é obtida entre o 2º e 3º ano de plantio (TOMBOLATO, 2009).

3.1. Cálculo do custo das externalidades No caso da cultura do antúrio, incorre-se em externalidade pela captação de água para

irrigação. A captação é realizada em lençol freático subterrâneo na propriedade rural e o valor do uso indireto (VUI) inclui o controle de qualidade da água captada, considerando que, conceitualmente, esse valor representa qualquer benefício derivado de serviços que representem a preservação das funções ecológicas do recurso.

Como forma de acompanhar e proteger o poço artesiano, bem como a bacia hidrográfica da região, são realizadas análises diárias da água coletada. A amostra é submetida a um teste de potencial de hidrogênio (Ph) que tem como finalidade o conhecimento da acidez da água e de eletro condutividade (Ec), que serve para medir a quantidade de sais existentes na água. Cada análise representa um desembolso de R$ 143,18 mensais. Assim é possível determinar o valor do custo de controle da água utilizada no processo produtivo.

A empresa utiliza-se de defensivos agrícolas, entretanto, estes produtos não são incluídos na irrigação, para evitar as perdas e contaminação do solo e lençol freático. A maneira utilizada para aplicação destes defensivos é a pulverização foliar. Além disso, as estufas contêm duas mantas impermeáveis que conduzem os resíduos das irrigações (adubos) e possivelmente das pulverizações (defensivos) para um dreno. O custo da primeira manta é R$ 0,67 por m² e a segunda, R$ 2,80 o m². Este dreno (também forrado) leva os resíduos para um tanque de armazenamento fora da estufa que também é forrado da mesma maneira que as

 

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estufas. No custo do VUI é adicionado o valor da depreciação dessas instalações, calculadas em cinco anos, pelo critério de linha reta.

Também é realizada análise na água do poço artesiano para verificação de possível contaminação por resíduos químicos, semestralmente, ao custo de R$ 75,00 por análise.

Quadro 01 – Demonstrativo do cálculo do VUI Mensal da produção de antúrios

FONTES DE GASTOS Valor do investimento Cálculo do Custo Análise da água (R$/mês) 143,18 Gastos com defensivos (R$/mês) 110,00 Instalações e dreno Manta impermeável 01 (20.000m2) 13.400,00 Manta impermeável 02 (20.000 m2) 56.000,00 Total das instalações 69.400,00 Quota de depreciação mensal (5 anos) 578,33 Total dos gastos/mês 831,51 Consumo de água/mês (m3) 800 Gasto mensal por m3 (VUI) 1,04

A estratégia de estabelecer um parâmetro para o cálculo do Valor de Opção (VO)

incide sobre históricos de recuperação de mananciais, considerando o Método de Valoração Contingente, sugerido por Mattos & Mattos (2004).

Guardada as devidas proporções, foi utilizado o caso da Represa de Guarapiranga, em São Paulo, como exemplo explícito de poluição que afeta milhares de pessoas na região da Grande São Paulo. A razão pela qual este exemplo foi escolhido se deve à qualidade, abrangência e confiabilidade das informações obtidas. A represa de Guarapiranga possui uma capacidade média de armazenamento de um milhão de litros de água e uma vazão de 14.000 litros por segundo, ou 1,209 bilhões de litros/dia.

Para a recuperação e controle da qualidade da água da represa, o investimento realizado pelo Estado, divide-se em três principais programas:

Programa Guarapiranga US$300 milhões Programa Manaciais R$21,5 milhões Programa Operação Defesa das Águas R$173 milhões Convertendo-se os gastos do Programa Guarapiranga em reais (taxa de 2,1925 em

24/04/2009), obtém-se o valor em reais. Os valores desses programas, referem-se a ações desenvolvidas em quinze anos e, se comparados à vazão da represa, definem o custo por m3, conforme Quadro 02.

Quadro 2 – Custos de recuperação da Represa Guarapiranga

Vazão US$ Milhões R$ Milhões R$ Unit. Programa Guarapiranga 300 667,75 Programa Manaciais 21,50 Programa Operação e Defesa das águas 173,00 Total dos programas 852,25 Gastos médios anuais 56,82 Gastos médios diários 157.824,07 Vazão da Represa Litros/segundo 14.000 m3 segundo 14 m3 por dia 1.209.600 Gastos diários por m3 0,13

 

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Toma-se, então, o custo de R$0,13 o m3 para manter ou restituir a qualidade inicial da

água. Para o cálculo do Valor de Existência (VE), foi considerada a Lei Estadual 997 de

31/05/1976, que determina uma multa máxima de 10.000 UFESPs para casos de poluição. Considerando a UFESP de abril de 2009 (R$15,85), e utilizando a capacidade de

armazenagem da represa, temos:

(8)

Assim, é possível determinar o o custo da poluição CE:

(9) Considera-se, então, que o valor dos custos de poluição incorridos (CE) monta R$1,33

por m3 de água utilizada no processo

3.2. Cálculo do retorno sobre o investimento Para o cálculo de retorno sobre o investimento, considera-se a hipótese de produção no

ápice de produtividade das plantas, para apenas uma espécie. Os custos considerados de operações seguem a base quantitativa e a estrutura estudada

por Kiyuna (2004) e referem-se ao preparo de canteiros, plantio, fertirrigação, preparo de substrato, pulverização, poda de limpeza, desbrota e capina de limpeza. Também foram considerados custos de materiais, como adubos, substrato, bactericidas e vasos.

Para o cálculo da receita bruta mensal, foi necessário calcular a produtividade média para onze meses das plantas, conforme Quadro 03.

Quadro 03 – Cálculo da receita bruta mensal da cultura de antúrio

R$ totaisÁrea total de plantio (m2) 20.000 Qtd. De plantas por m2 8 Total de plantas por ciclo de produção 160.000 Média de flores por planta/11 meses 6,41Total de flores por ciclo 1.025.600 Preço por dúzia de flores 7,00 Total da receita bruta/11 meses 598.266,67 Total da receita bruta mensal 54.387,88

Além do cálculo da receita bruta, é necessário o cálculo da despesa. Optou-se pelo

cálculo do custo operacional efetivo (COE), que considerou o custo de operações e o custo de de materiais diretos. Esses custos foram rateados pelas horas médias de operações mensais (400h), conforme se verifica no Quadro 04.

 

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Quadro 04 – Cálculo dos custos operacionais efetivos da produção de antúrio

Cálculo dos custos de produção R$ totaisCusto de operações/hr 14,17 Custo de materiais/hr 32,17 Total dos custos/hr 46,34 Total dos custos/mês (400hrs) 18.536,00

Para o cálculo do índice de retorno sobre o capital investido, toma-se o total de gastos

com estrutura física do empreendimento: Impermeabilização e dreno R$069.400 Estufa R$180.000 Total R$249.400 Então, considerando as receitas de R$54.387,88, despesas de R$18.536 e

investimentos de R$249.400, o RCI será calculado como:

Considerando que o RCI de 0,1437 refere-se ao percentual mensal de retorno, temos,

1/0,1437 = 6,96 ≈ 7 meses. Dessa forma, o tempo de rotação de investimento em sete meses e um consumo de

água mensal igual a 500m3 gerarão um custo de internalização durante o período igual a:

Subtraindo-se da receita bruta mensal de R$54.387,88 o valor de $18.536 relativo aos

custos de produção, obtém-se um lucro bruto de R$35.851,88. Comparando-se o lucro bruto e o valor da poluição, tem-se:

Verifica-se que o custo da poluição representa apenas 1,8% do lucro bruto percebido

no período de sete meses, sendo que sua internalização não impacta o valor do lucro obtido.

4. Conclusão A tendência provocada pela necessidade de recuperação ou preservação do meio

ambiente demanda uma postura empresarial diferente da adotada até o presente momento. Estudar as oportunidades de internalização dos efeitos da poluição, em muitas

circunstâncias, pode revelar não apenas a ampliação do volume de custos, mas também, a ampliação da produtividade e da construção de uma marca vinculada à preservação e ao respeito ao mercado.

Na avaliação dos custos marginais de internalização da poluição, a empresa objeto de análise deste artigo, verificou o baixo impacto dos desembolsos realizados na melhoria de seu processo em comparação à projeção de seus ganhos.

 

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Isso demonstra que a correta utilização de instrumentos de análise econômica do bem ambiental pode produzir indicadores para o processo decisório colaborando na desmistificação sobre a ocorrência de impactos financeiros gerados pela internalização dos custos de poluição, abrindo pressupostos para melhoria gradativa dos processos industriais.

Sob a atual conjuntura de mercado, o processo decisório empresarial dependa da criação e maturação de métodos e técnicas que possam comparar impactos financeiros gerados pela adoção de medidas antipoluentes e perdas de mercado provocadas por atitudes de utilização predatória ou negligente do bem público.

A contribuição desses métodos, portanto, é maior do que a simples avaliação de viabilidade financeira, pois, consideram a manutenção do patrimônio ambiental, indicando para as empresas, o caminho para a sustentabilidade econômica e ecológica.

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